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Ao que se dese- nha, a possibilidade de a SOARMEC voltar para a Praça da Re- pública é tão difícil e remota quanto à da volta da emissora para o Ministério da Edu cação, como aconselha o compositor Edino Krieger – veja a carta-aberta na pagina 3. A rádio fora do lar Ano XVIII • Nº 51 • outubro de 2013 INFORMATIVO DA SOCIEDADE DOS AMIGOS OUVINTES DA RÁDIO MEC Mas as coisas findas ...” Escolhemos o verso de Carlos Drummond de Andrade, que trabalhou na Rádio MEC, para a manchete deste número, que mostra como a emissora acabou tor- nando-se uma ilusão auditiva. Na foto grande, a entrada do corredor dos grandes estúdios, no 4º andar, no trecho que dá acesso ao maior estúdio do país. Era o espaço mais nobre da casa – ou mais “de elite”, como diriam outros. Nos vidros das portas de vai-vem, à esquerda, é possivel ler “ PRA-2” (o 3º prefixo da emissora, depois de SQA- A e PRA-A). Por elas passaram, desde os anos 1940, toda a inteligência brasileira e todos os nossos grandes músi- cos, de Villa-Lobos a Cartola. No detalhe, a placa na porta do Estúdio Sinfônico (abaixo do back-light esquecido aceso), homenageando Alceu Bocchino, maestro recentemente falecido – veja obituário na página 14. 1923 90 anos de rádio no Brasil 2013 Rádio Sociedade do Rio de Janeiro - Rádio Ministério da Educação - Rádio MEC D e repente, não mais que de repente, no dia 21 de março de 2013, as pessoas que trabalhavam ou frequentavam a Rádio MEC foram surpreendidas por uma ordem judicial interditando o lugar. Era uma sexta-feira e a rádio teria três dias para fazer a mudança. E foi assim, a toque-de-caixa, que as emissoras MEC saíram do prédio que ocupavam – a AM , há 71 anos; a FM, há 30 –, levando apenas a bagagem de mão. O valioso acervo, os grandes estú- dios, quase tudo ficou para trás, como mostram as fotos deste número.. Ao que consta, o Ministério Público recebeu denúncia, fez uma vistoria e la- vrou um rigoroso laudo, condenando ra- dicalmente o prédio. O momento é grave, pois, além de es- tar fora do Ministério da Educação, des- de 1998, a rádio agora ficou fora do lar. Ou seja, estão interditados, há mais de um semestre: o maior estúdio do país; os estúdios A e B; o Auditório; a Discoteca e suas cabines; todas as salas da AM e FM; as cabines de transmissão; os estú- dios do 5º andar e, last but not least, a própria sala da direção. Tudo deserto. E o pior é que o elenco de profissio- nais da rádio também está sendo deserti- ficado –ver Alto-falante, na página 2. Além disso, brevemente, os números referenciais da AM e FM no dial – 800 Khz e 98,9 Mhz – também irão mudar, por ordem do Ministério da Comunica- ção. O que sobrará da velha rádio? A SOARMEC também foi afetada: perdeu a sua sede e estaría na rua, não fosse a providencial acolhida por parte do Museu do Rádio – ver ma- téria na página 11. este número contém fotografias chocantes que não devem ficar ao alcance de olhares muito sensíveis atenção!

Amigouvinte51 final

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Ao que se dese-nha, a possibilidade de a

SOARMEC voltar para a Praça da Re-pública é tão difícil e remota quanto à davolta da emissora para o Ministério daEdu cação, como aconselha o compositorEdino Krieger – veja a carta-aberta napagina 3.

A rádio fora do lar

Ano XVIII • Nº 51 • outubro de 2013 I N F O R M A T I V O D A S O C I E D A D E D O S A M I G O S O U V I N T E S D A R Á D I O M E C

“Mas as coisas findas ...”Escolhemos o verso de Carlos Drummond de Andrade, que trabalhou na RádioMEC, para a manchete deste número, que mostra como a emissora acabou tor-

nando-se uma ilusão auditiva. Na foto grande, a entrada do corredor dos grandes estúdios, no 4º andar, no trecho quedá acesso ao maior estúdio do país. Era o espaço mais nobre da casa – ou mais “de elite”, como diriam outros.

Nos vidros das portas de vai-vem, à esquerda, é possivel ler “ PRA-2” (o 3º prefixo da emissora, depois de SQA-A e PRA-A). Por elas passaram, desde os anos 1940, toda a inteligência brasileira e todos os nossos grandes músi-cos, de Villa-Lobos a Cartola. No detalhe, a placa na porta do Estúdio Sinfônico (abaixo do back-light esquecidoaceso), homenageando Alceu Bocchino, maestro recentemente falecido – veja obituário na página 14.

1923 – 90 anos de rádio no Brasil – 2013Rádio Sociedade do Rio de Janeiro - Rádio Ministério da Educação - Rádio MEC

De repente, não mais que de repente, no dia 21 de marçode 2013, as pessoas que trabalhavam ou frequentavam

a Rádio MEC foram surpreendidas por uma ordem judicialinterditando o lugar. Era uma sexta-feira e a rádio teria três diaspara fazer a mudança.

E foi assim, a toque-de-caixa, que asemissoras MEC saíram do prédio queocupavam – a AM , há 71 anos; a FM,há 30 –, levando apenas a bagagem demão. O valioso acervo, os grandes estú-dios, quase tudo ficou para trás, comomostram as fotos deste número..

Ao que consta, o Ministério Públicorecebeu denúncia, fez uma vistoria e la-vrou um rigoroso laudo, condenando ra-dicalmente o prédio.

O momento é grave, pois, além de es-tar fora do Ministério da Educação, des-de 1998, a rádio agora ficou fora do lar.Ou seja, estão interditados, há mais deum semestre: o maior estúdio do país; osestúdios A e B; o Auditório; a Discotecae suas cabines; todas as salas da AM eFM; as cabines de transmissão; os estú-dios do 5º andar e, last but not least, aprópria sala da direção. Tudo deserto.

E o pior é que o elenco de profissio-nais da rádio também está sendo deserti-ficado – ver Alto-falante, na página 2.

Além disso, brevemente, os númerosreferenciais da AM e FM no dial – 800Khz e 98,9 Mhz – também irão mudar,por ordem do Ministério da Comunica-ção. O que sobrará da velha rádio?

A SOARMEC também foi afetada:perdeu a sua sede e estaría na rua, nãofosse a providencial acolhida por partedo Museu do Rádio – ver ma-téria na página 11.

este número contém fotografias chocantes que não

devem ficar ao alcance de olhares muito sensíveis

atenção

!

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é uma publicação da SOARMECSociedade dos Amigos Ouvintes da Rádio MEC.De Utilidade Pública Municipal (Lei nº 2464),

Estadual (Lei nº 3048) e Federal (portaria 3935)Prêmio Estácio de Sá 2002CNPJ 40405847/0001-70

Rua da Constituição, 78 – térreo CEP 20060-010Tel: 2508-8295

www.soarmec.com.br/[email protected] [email protected]

EDiTOR-RESPONSáVEL: Renato RochaJORNALiSTA-RESPONSáVEL: Érika Franziska

PRESiDENTE DE HONRA: Beatriz Roquette-PintoDiREToRiA:

PRESiDENTE: Carlos AcselradViCE-PRESiDENTE: Regina Salles

TESOUREiRO: José Oscar Santiago da CostaATiViD. CULTURAiS (em vacância)

COMUNiCAçãO: Sônia Virgínia MoreiraPATRiMôNiO:Adriana Ribeiro SECRETáRiO: Renato Rocha

CONSELHO FiSCAL: Sérgio Cabral (pai)Edino Krieger e Luiz Carlos Saroldi (in memorian)

CoLABoRADoRES:SECRETáRiA: Renata Mello CONTADOR: OSVALDO ROCHA

REViSãO:Marly Pimentel DiAGRAMAçãO: J.C.Mello

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Chico Teixeira, ex-assessor da Diretoriade Conteú do e Pro-gramas da EBC, é onovo gestor das emis-

soras MEC e da Nacio-nal AM.

Orlando Guilhon saiuda gerência das rádios e

tornou-se assessor da Presi-dência da EBC; vai cuidar das

redes públicas de rádio – ver carta de despe-dida na página 9.

Cristiano Menezes deixou a Gerência Regionaldas Rádios EBC-RJ, e deve assumir cargo ligadoao acervo das rádios – ver carta na página15.

As notas acima falam de mudança nos cargosde direção. As que se seguem, dizem respeito aoutro tipo de mudança, muito mais radical: co-mo se não bastasse a perda do endereço, a Rádioestá perdendo dezenas de seus principais profis-sionais, ou seja, perdendo sangue. Gostaríamosde detalhar melhor a hemorragia, com fotos, da-tas, funções e tempo de cada um, mas, para tanto,precisaríamos consultar o Paulo, dos RecursosHumanos, o que é impossível, pois ele, que era oeixo do RH , também foi despedido... Assim, semmuita precisão nas datas, mas com muitos agra-decimentos da SOARMEC pelo muito que fize-ram pela Rádio, aì vai a relação parcial:Paulo César Pestana, mais de 10 anos, RH; Clarissa Brandão, mais de 5 anos, repórter; Daniela Lapidus, cerca de 15 anos. Ex-locu-tora da FM e depois produtora da AM; Dáurea Gramático, cerca de 10 anos, repórter;Gustavo Coutinho – 10 anos, editor de jorna-lismo e ex-estagiário, aprendeu tudo na rádio.;Lívia Carla – quase 10 anos, também aprendeutudo na rádio e tornou-se repórter premiada;Luiz Cláudio Duarte, editor de jornalismo;Pedro Paulo Collin Gill, dispensa apresentaçã;Elaine Thomé, veterana locutora, trabalhou naFM, saiu e voltou para a rádio. Era a ultima-mente, a única locutora oficial da MEC AM;Flávia Teixeira, 15 anos, secretária direção;Marlene Gonçalves, 20 anos. Começou nalimpeza e era auxiliar de serviços gerais;

Tereza Souza – secretária executiva-gabinete;Juçara Lucia Cabral da Veiga, cerca de 5anos, trabalhava na administração; DéboraSilva, era assistente de produção; WeberDuarte, cerca 10 anos, excelente produtor, nalinha dos grandes produtores da casa; Enídio deSouza, 15 anos, da equipe de alto nível da MEC,um dos 3 técnicos top-de-linha; Érika Maldo-nado Lopes, Cinco anos, trabalhou no RH, de-pois na Programação AM (chamadas ecoordenadora programação); Munik de AraújoMiranda, quase 6 anos, era responsável peladiscoteca; Laureana Telles dos Santos; quase 6anos, íntima do acervo, esteve à frente do traba-lho de higienização e catalogação feito hápouco, com recursos do BNDES; GilcianaMello, produtora de mídia, trabalhava na Centralde Atendimento ao Ouvinte; Laerte Afonso,maisde 20 anos de casa, técnico top-de-linha (vejamatéria na página 15); Lauro Gomes, que dis-pensa apresentação; Lídia Freire, cerca de 20anos, produtora e redatora da área cultural daFM; Thiago Regotto, coordenador de produçãoda FM, aprendeu tudo na casa.

Além desses, estão na marca do pênalti:o veterano Raquel Ricardo, locutora da FM;Rui Vasconcellos, locutor da FM; Sidney Fer-reira; locutor da FM; Toni Villani, locutor daFM; André Luis Rebelo,10 anos , operadoráudio;Cosme Ubiracy, ex-estagiário da Funa-bem, começou com 14 anos e tornou-se técnicode áudio, virou servidor, optou pelo ArquivoNacional e foi depois contratado pela ACERP;Francisco Carlos (Carlão), mais de 10 anos,trabalha na transmissão, de 24 às 6 horas; JoãoMarcelo, operador de áudio formado pelarádio, cerca de 5 anos de casa; José CléberBrito, cerca de 5 anos, excelente técnico, operano jornalismo e na transmissão; Nelson Vital,mais de 10 anos. Opera no Estúdio B, de manhã.Bom de transmissão e estúdio; Roberto Raposo,técnico habilidoso e responsável. Trabalha natransmissão, há mais de 10 anos; Sidney Gue-des, quase 10 anos na transmissão e jornalismo;Luís Cláudio – era da manutenção.

Na Rádio Cultura FM, setembro foi um mês deestréias de programas produzidos por antigos enovos contratados, como Marcelo Bratke, Ro-berto Tibiriçá, Ferreira Gullar, João Carlos Mar-tins, Sergio Casoy, Jamil Maluf e Walter Neiva.

Alto-falante

Na Praça da República, há dois prédios antigos enão-tombados que foram fechados recentemente: aGafieira Elite, na esquina da Frei Caneca (acima); eo prédio daquela emissora de elite, a Rádio MEC,que funcionava no mesmo lado da praça, no 141-A .

Boa notícia! Enquan-to o mundo gira e aLuzitana roda, LuizCarlos Saroldi teveuma placa com o seunome colocada naporta do laboratório derádio da Escola de Co-municação da UFRJ.O tributo, aprovado

unânimemente pela Congregação da ECO, é um re-conhecimento da importância do trabalho de Saroldipara a consolidaçãop do curso de radialistmo e desua contribuição para o rádio e a cultura brasileira.

Ou a cidadania cultural carioca se põe em brios ou perdemos a Rádio MEC

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Guardar estenúmero é umaboa ideia!

Leitor, este exemplar é precioso emerece ser guardado, pois docu-menta o final de um ciclo da ra-

diofonia brasileira. Um ciclo heróico,mas descendente: o parafuso do rádioeducativo-cultural afrouxou mais umavolta. Além disso, e nada desprezível,você poderá até ganhar uns trocados, fu-turamente, vendendo-o, porque a trau-mática interdição da Rádio MEC,noticiada nestas páginas, valoriza a im-portância deste número, o qual, por suavez, multiplica o valor historiográficodos outros números deste informativo. Sea coleção do Amigo Ouvinte já era omais importante documento a respeito dahistória recente da mais antiga emissorado país, agora, com a interdição do pré-dio, ganha uma importância especial,pois, ao que tudo indica, este jornal es-tava, sem saber, registrando, há 51 nú-meros, os ultimos 20 anos do sonho deEdgar Roquette-Pinto.

Coleção completa AmigOuvinte Os interessados em adquirir exemplares antigos ou a

coleção completa deste informativo – 618 páginas

cobrindo os últimos 21 anos de funcionamento das

Rádios MEC – podem entrar em contato pelo telefone

2508-8295, ou pelo e-mail [email protected]

Assembleia Geral ExtraordináriaA Sociedade dos Amigos Ouvintes da RádioMEC convida seus associados,colaboradorese todos aqueles interessados na sobrevivênciada Rádio MEC, para a AGE que se realizaráemergencialmente no próximo dia 31 de ou -

tubro de 2013, quinta-feira, às 16 horas, no auditório do Ar-quivo Nacional, à Praça da República, nº 78. Pauta: odesmonte da Rádio MEC, a responsabi lidade daSOARMEC e a recomposição de sua Diretoria.

Élegítima a preocupação da Em-presa Brasil de Comunicação no

sentido de utilizar os seus canais derádio dentro de sua vocação natural,que é a informação, o jornalismo, vol--tado para a grande massa de ouvintes.Minha sugestão é que a EBC devolvaa Rádio MEC aos seusgestores originais, esco-lhidos por Roquette-Pinto no ato jurídicoperfeito de sua doaçãoda Rádio Sociedade aoGoverno Federal. Elenão doou sua emissoraao DiP, que era a EBCda época, mas ao Min-istério da Educação,com o com promisso deque a emissora fosse umveículo de difusão exclusiva da Edu-cação e da Cultura.

No meu entendimento, houve umaapropriação indébita desta emissora poruma empresa de comunicação não com-prometida exclusivamente com a di-fusão da educação e da cultura. Essaapropriação representa um desrespeitoaos ideais de Roquette-Pinto. Devolva-se, portanto, a Rádio MEC ao Ministérioda Educação ou ao Ministério da Cul-tura, ou a ambos, para que, em conjunto,restabeleçam a educação e a culturacomo fundamentos da programação.

Quanto à EBC, sugiro que atue nosentido de estabelecer normas para aprogramação das emissoras FM, con-cessionárias do poder público, e quenão têm qualquer compromisso com acultura brasileira. 95% da programaçãomusical das rádios FM em todo o Brasil

são de música popularn o r t e - a m e r i c a n a ,numa verdadeira lava -gem cerebral auditivade consequência ne-fasta, pois interfere naformação do gostomusical da população,e até na programaçãoda própria RádioMEC, que dedica 4horas semanais, emhorário nobre, ao

“jazz” americano, e apenas uma hora àroda de choro e à música clássicabrasileira. Uma postura colonialista in-admissível numa emissora oficialbrasileira. Em resumo, espero que aEBC não cometa o crime de lesa-cul-tura, privan-do os milhares de ouvintes,de todas as idades, que apreciam amúsica clássica, de sua única opção desintonia no Rio de Janeiro.

São os meus comentários e as minhassugestões.”

Edino Krieger

Carta-aberta à EBCEdino Krieger

Atesto que as fotos feitas para esta re-portagem têm absoluto caráter jorna-lístico-documental, e que tudo o quenelas aparece foi intocado. A única in-tervenção consistiu em acender a luzde serviço dos lugares fotografados.Sim, o back-light ‘GRAVANDO’ jáestava aceso e as folhas do scrip (pg6) estavam no chão, bem como as ca-deiras da página 8.Usei uma câmera Nikon D7000, sen-

sor RGB, colorido portanto, mas, porestranho que pareça, como se os am-bientes tivessem desbotado, as fotosficaram sem cor – à exceção de um ououtro extintor, tudo é preto e branco.Ou seja, mesmo que este númerofosse em cores, as fotos ficariam maisou menos assim, como você as vê.

A Rádio perdeu a cor?

observações de JCMello sobreas fotografias deste número

Maior compositor brasileiro vivo, autor de mais de 150obras; detentor do Golfinho de Ouro e de um prêmioShell; Edino é inventor de um dos mais importantes even-tos musicais brasileiros: a Bienal de Música Contem-porânea; dirigiu a FUNARTE, o MIS, a Sala CecíliaMeireles e a Academia Brasileira de Música; foi funcionário da Rádio MEC epresidente da SOARMEC. Esta carta foi lida por Tim Rescala durante colóquiocom músicos e entidades musicais, a respeito dos rumos da MEC FM.

Lançamento & Assembleia GeralDa mesma forma que o ouvinte, ao escutar a Rádio MEC, não faz a menorideia dos problemas atravessados por ela, também o leitor deste jornalpoderia achar que tudo vai bem com a SOARMEC, o que está longe de serverdade. Com a interdição, ela perdeu um endereço conhecido e procu-rado; viu cair sua quota de vendas de CDs e livros; e, justo no momentoem que mais precisaria estar forte para tentar reverter a dramática situaçãoda Rádio MEC, encontra-se em inédito impasse. Por isso, vamos realizaruma assembleia – veja convocação, abaixo – na qual será lançado oficial-mente este número histórico.

AGRADECIMENTOEste jornal foi impresso e distribuído graças à colaboração de uma dúzia de Amigos Ouvintes

anônimos, que se quotizaram para fazer frente às despesas com a gráfica e os Correios.

Um exemplar exemplar!

Devolva-se a Rádio MEC ao Ministério da

Educação ou ao Ministério da

Cultura, ou a ambos, para que, em conjunto,

restabeleçam a educação e a cultura como fundamentos da programação.

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O imbróglioO piano ao lado é um dos vários bens adquiridos e

doados à Rádio pela SOARMEC. Além desses, há osbens pertencentes à própria Socidedade.

Os Amigos Ouvintes têm plena consciência de suaresponsabilidade e, neste momento difícil, querem terenergia e organização suficientes para inventariar, tim-tim por tim-tim, todo o seu patrimônio atual, bemcomo todo o patrimônio doado à emissora, avaliado emquase um milhão de reais – além do piano, estúdio demasterização completo, aquisição de equipamentospara transmissores, e inúmeros investimentos em pro-dutos culturais, como o Centro de Estudos Radiofôni-cos, a Biblioteca Tude de Souza, 3 séries de programasradiofônicos, 19 discos e 3 livros tematizando o rádioeducativo e o acervo da própria Radio MEC.

O que fazer com os bens doados à Rádio MEC, seela deixar de existir como tal? Perguntas nunca ima-ginadas, como esta, começam a surgir, depois dos últi-mos e pouco promissores acontecimentos.

Queremos honrar o compromisso e dar todos os pas-sos burocráticos no sentido de documentar o destinode cada ítem mantido ou doado, o que envolve, inclu-sive, consultas e prestação de contas ao Arquivo Na-cional – coisa que nunca foi feita quando a Rádio foiarrancada do MEC, nem quando da extinção da Fun-dação Roquette-Pinto.

Da mesma forma, queremos cobrar da EBC (e já es-tamos cobrando, aqui), que o Arquivo Nacional sejaacionado para fazer uma auditoria no acervo auditivoe iconográfico da Emissora., conforme reza a lei.

Com certeza, o Nelson Tolipan, ou algum outro aficcionado de jazz,quando vir estas fotos, irá lembrar da capa do LP de Duke Ellington(à esquerda), que parece um trabalho do grande embrulhador belga,Christo, mas que na verdade é de autoria de Gene Greiff (foto deRonald G.Harris). À direita, a obra Infiltração para piano de caudade Joseph Beuys, outro grande embrulhador. Repare agora, nasfotos abaixo, como os pianos da Rádio MEC também foram em-brulhados com arte.

Ao lado, parecendo ser duas fotos, a famosa pauta,ao fundo do estúdio sinfônico, onde aparecem os doisprimeiros compassos do Hino Nacional, com as notascorrespondentes a ‘Ouviram do Ypiranga as mar-gens...’, sem chegar em ‘plácidas’. Embaixo, embru-lhado, o piano que a SOARMEC adquiriu para oestúdio, em 1999. O fato dele estar deste jeito mos-tra que as coisas não estão nada ‘plácidas,’ e que aRádio MEC está metida numa grande embrulhada.

A saga do BössendorferTodos os pianos desta página serão emprestados

à ex-Cidade da Música, hoje Cidade das Artes – quetambém é um imbróglio de concreto, lá na Barra daTijuca. O empréstimo vale por dois anos – tempoestimado para as obras na emissora.

Com 14 anos, o Bössendorfer era o mais novo emelhor piano da Rádio, e a Cidade das Artes será sua3ª mudança de endereço, desde que chegou daáustria. Pois, relembrando, ao ser comprado parauma emissora do governo, com recursos do go-verno , foi retido por meses pela Alfândega, outroórgão do governo, num depósito em SãoCristóvão,

Vamos torcer pelo seu retorno: não queremosque aconteça com ele o mesmo que aconteceucom o Steinway que, na década de 1960 – quandoa rádio quase foi levada para Brasília –, acabousendo embalado e enviado para lá, e até hoje aindanão voltou.

O Bössendorfere outras doações

A arte de embrulhar

Da esquerda para a direita: o Steinway do Estúdio B; o Petroff e o cravo do Sinfônico; o Bössendorfer, em outro ângulo; e a espineta e o Pleyel do Estúdio A.

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“Amar o perdido, deixa confundido,esse coração.”

CONSTRUíDO em 1948, o estúdio sinfônico é o lugar maisnobre da emissora (veja diagrama ao lado). Nenhum

outro estúdio contribuiu tanto e tão decisivamente para o de-senvolvimento da nossa música de concerto. Durante a se-gunda metade do século passado, os nossos grandes maestros,compositores e instrumentistas ali participaram das gravaçõesque deram origem ao importantíssimo acervo musical daemissora. A partir de 1982, a Orquestra Sinfônica Nacional(OSN criada em 1961, por JK). foi para a UFF – universidade

que, ironicamente, não tem curso de música. Os Amigos Ou-vintes sempre reivindicaram a volta da orquestra, e conside-ram que, enquanto houver o estúdio, haverá, sempre, apossibilidade da OSN ou outra orquestra voltar. Seu fecha-mento igualará a Rádio MEC a todas as outras emissoras quereproduzem música, mas não a produzem. E significará tam-bém o fim do grandioso projeto rádio-sinfônico que tornoupossível a existência do magnífico acervo da rádio – maissobre o Acervo na página 15.

O maior e mais belo estúdio

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Chão de estúdio com scrip do pro-

grama Ópera Completa, de Ben-

jamin Britten, The turn of the

Screw (A volta do parafuso),

baseada na novela de Henri

James, talvez o último programa

da série produzido no estúdio B.

“Nada pode o olvidocontra o sem sentidoapelo do Não.”

O que os ouvintes não veem...

NO ALTO, À ESQUERDA – o corredor dos grandes estúdios com equipamentoempilhado em 1ºplano: um Revox PR99; um AKAI 4000-DS e o topo de umapilha contendo um K7 Nakamishi, um CD-player Gradiente, e um DAT Otari.

ALTO, DIREITA: o estúdio B, com equipamentos diversos, como uma pilha comdois amplificadores Quasar, Cd players, e caixas de Phanton Power da RevoxNeumann, intercomunicadores e pré-amplicadores de toca-discos – que boaalma inventariará este quebra-cabeça?

ACIMA – Estudio A ‘Floriano Faissal’, ex-estúdio de Radioteatro, que tambémvirou depósito. A foto sugere uma natureza morta de racks dos gravadoresRevox e rack do controle remoto da Otari MTX80 analógico de 24 canais do es-túdio sinfônico; dois relógios de parede em decúbito dorsal lembrando Dali;duas mesas Scala e, na esquerda baixa, a caixa de brita, que muitos hoje pen-sam ser lixeira ou escarradeira, mas é o último remanescente do equipamentodo derradeiro contraregra que por ali passou, o Edmo do Vale.

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O que os ouvintes não veem...

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ALTO, A PARTIR DA ESQUERDA – os salões de pro-dução da MEC FM e do Jornalismo, conforme placasinalizadora (doada pela Soarmec).

ACIMA, A PARTIR DA ESQUERDA – o movimentadocorredor do 5º andar, onde funcionavam as cabines de montagem, de locução e transmissão AM e FM;uma das cabines desse corredor (a placa, na porta,homenageia o técnico Roberto Monteiro); e a portafechada da sala da Pesquisa (cujo vidro foi doado pe-la Soarmec).

AO LADO – o estúdio de remasterização, cuja apare-lhagem foi doada pela Soarmec, e que parece já tersido canibalizado – para suprir algum estúdio no novoe, esperamos, provisório endereço?

“As coisas tangíveistornam-se insensíveisà palma da mão.”

...o coração não sente...o coração não sente

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NO ALTO, a bandeira do portal do 3º andar, com a sigla do Ministério da Educação e Saúde (do tempo em que as siglas eram pontuadas), último vestígio da pas-sagem da emissora por aquele órgão, criado em 1937, e que tornou-se Ministério da Educação e Cultura, em 1953. É a origem da sigla MEC – nos ultimos temposedulcorada como sendo Música, Educação e Cultura. No MEC, o setor ao qual a rádio pertencia era o SRE, também estampado em jato-de-areia, no vidro. A relíquiatem pelo menos 60 anos de idade, e é apenas uma entre várias outras.

NO MEIO, o auditório Paulo Tapajós, já sem o piano Yamaha (que foi para o prédio da antiga TVE). A imagem fica ainda mais forte para quem conhece aquelapeça do Ionesco, As cadeiras. Repare como, tal um filme noir, a capa do piano, emborcada ao lado da cadeira, sugere um corpo – um locutor que morreu detristeza? Ao lado, detalhe de poltronas mofadas e chão carcomido do auditório Paulo Tapajós.

ACIMA, sala onde a técnica guardava seus objetos pessoais; e um flagrante do Estúdio B, com aparelhagem empilhada e 3 toca-discos esperando sentados.

“Mas as coisas findasmuito mais que lindasessas ficarão.”

CDA

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O ouvinte está entreo portão e a pra ça, e

apenas olha, Ali, depé, parece esperaralgo. Olha, mas pa-rece não ver o edifício

baixo, mais acuado que recuado, mais descorado quecinzento. Parece não ver, apenas ouvir aquelas ex-pressões radiofônicas que pontuavam seus voosdiurnos ou noturnos atrás de educação e cultura.Mesmo o que não se ouvia pela radio MEC, ali seabrigava: um instituto Nacional de Cinema Educati-vo, o que conferia ao lugar certo status de reserva dacultura nacional. Ali se abrigava uma orquestra sin-fônica, um coral, um quarteto de cordas, baluartes datransmissão e gravação da música clássica brasileira.Dali brotavam vozes do primeiro escalão do nossoteatro interpretando crônicas escritas pela vanguardada nossa literatura; ali se ouvia jazz ilustrado por in-formação, informação ilustrada por música.. O ou-vinte recua no tempo e tem a sensação, de novo, deestar ouvindo pela primeira vez, adolescente, or-questras sinfônicas, pianistas famosos, trios, quarte-tos... obras históricas, obras monumentais, obrasrevolucionárias... Obras. Difícil para o ouvinte ima-ginar que todas as obras que povoaram seus senti-dos, seus pensamentos, sua curiosidade pelo universoda criação musical, pelos seres que o povoavamfosse com sons ou palavras... era aqui que nasciam?

O ouvinte, de pé entre o edifício e a praça,não pode esconder a decepção. A origem do seumundo sonoro, acumulado em dezenas de anos e re-vivido a cada etapa importante da vida – tudo merafantasia. Não havia as tais ondas anunciadas por vo-zes mágicas, nem nelas flutuavam vagas fisionomiasamistosas acenando para o ouvinte do fundo dos sé-culos, mas transmitiam sua obra através de uma finapoeira líquida e luminosa... O edifício é baixo e cin-zento, parece a pique de sofrer algum trauma. Asobras ressoam no ouvido, mas os olhos veem algobem diferente – talvez uma quase-obra. Consegueinfiltrar-se portão adentro, perambulando por esca-das que não sobem propriamente para lugar algum, oestúdio sinfônico onde chegou a tocar um dia, agoraecoando cavernosamente sons desconexos, pianosenvolvidos em lonas como prontos para o brechó...

O ouvinte é do tempo do radinho de pilha. Devolta à fachada – e para sua surpresa – sintoniza arádio. Tudo como dantes: a FM transmite – pareceque incontavelmente no tempo – repetição de sériesde entrevistas com músicos do clássico brasileiro; naAM uma voz feminina tartamudeia tentando apre-sentar ao vivo algum artista do samba em entonaçãode celebridade, na verdade bisonho cantor aplaudidopor melancólicos três ou quatro parentes.

Como sempre afastado das decisões nacionais, oouvinte está perplexo, perdido entre suas memóriasreais e fantásticas, entre obras e obra, seus empresá-rios e seu destino, entre o edifício e a praça, a Praçaque – como a rádio é Ministério – é da República.

O radinho no bolso é pequeno e não parece reco-nhecer sua desimportância, mas o ouvinte é forçadoa reconhecer-lhe certa teimosia, certa persistência,uma certa fibra, pois sua voz, débil mas carregada decerta ironia, continua “...e passamos a apresentar...”.

o ouvinte Permanentetambém ouve a Cultura

Enquanto a MEC FM (30 anos– a rádio de música clássica doBrasil), suposto ícone dacultura nacional não sabe maisonde mora, repete no armaterial gravado há 40 anos e demite pessoalcapacitado ... a Rádio Cultura de SP (FundaçãoPadre Anchieta) está – conforme a metáforamilitar – “bombando”. Acaba de encerrarIdeias musicais, série de 13 programasproduzidos por críticos, acadêmicos e músicosda vanguarda do país; mantém no acervo degravações e transmissões diretas do exteriorum repertório original e sempre atualizado.Não se limita à música, investigando onde ela seentrelaça com literatura, teatro e cinema. Arestrição do acesso à internet torna a RádioMEC insubstituível pela Cultura de SP, mas –parece – a empresa federal competente temmais o que fazer. Favor não chatear que oConselho Curador está em reunião e não podeatender no momento.

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O Ouvinte Permanente

E passamos a apresentar ...Carlos Acselrad

Carta de despedida Orlando Guilhon

Há cerca de 10 anos, iniciei minha trajetória como gestorde nossas históricas rádios públicas, inicialmente na

ACERP, e posteriormente na EBC. (...) Olhando para trás,lembrando desta trajetória, me pergunto se terá valido apena. E a resposta é clara e firme: sim, valeu muito a pena.

(...) Mais de 20 projetos de novos conteúdos e programasforam agregados às nossas emissoras, nos últimos 04 anos,fruto de contratos e convênios com a produção independente,e outros 04 novos projetos estão a caminho, trazendo maisqualidade e diversidade para nossos ouvintes. (...) Muitosoutros novos programas e conteúdos foram criados, duranteestes anos, com o esforço da ‘prata da casa’. (...)

Os grandes Núcleos de Produção foram criados, e estão apleno vapor. O Núcleo de Jornalismo vem melhorando suaperformance a cada ano, com várias coberturas especiais (...),sempre com o foco no cidadão e no interesse público.

Nosso Núcleo de Esportes (...) tem dado um verdadeiro‘show de bola’, em coberturas (...) demonstrando estar pre-parado para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Nosso Núcleo de Produção infanto-Juvenil permitiu resga-tar conteúdos radiofônicos voltados para jovens, adolescen-tes e crianças, com o foco na formação de novas plateias deouvintes, sempre com um olhar educativo e cultural. (...) Porfim, o Núcleo de Radiodramaturgia, parceria com a SOAR-MEC (...) – ver Ressalvas necessárias, na pg seguinte.

(...) Nossa 2ª ação estratégica sempre visou uma gestãoque fosse coletiva, democrática, transparente e participativa,(...). Exaustivas reuniões coletivas de nossa equipe de ges-tão, reuniões periódicas com os funcionários e profissionais(...) constantes reuniões com outras áreas e mídias da em-presa, 03 séries sucessivas de colóquios de parcerias e ou-vintes (ver carta Edino, página 4), que permitiram ouvircríticas e sugestões de centenas de entidades da sociedadecivil (...), a consolidação das nossas Centrais de Atendimentoaos Ouvintes e sua maior integração com a Ouvidoria, umaparticipação ativa no Planejamento Estratégico, nos dão acerteza de que nossa gestão deixou uma marca de transpa-rência e democracia.

(...)organizamos vários eventos comemorativos, que aju-daram a dar maior visibilidade às nossas emissoras. (...) naárea de Acervos e Memória, deixamos nossa marca em trêsiniciativas importantes: o Termo de Cooperação entre a EBCe o MiS, voltado para a integralização dos acervos digitali-zados dos acetatos da Rádio Nacional, o projeto em parceriacom a SOARMEC e ACERP, de catalogação e higienizaçãodos acervos da Rádio MEC (...) – ver Ressalvas necessárias.

(...) Lutamos até onde foi possível para minimizar os pro-blemas de infraestrutura nas instalações na Rádio Nacional,e da Rádio MEC, mas quando a realidade se impôs, coorde-namos em tempo recorde nossa mudança para as instalaçõesprovisórias do prédio da TV Brasil, na Rua Gomes Freire,mesmo em condições difíceis e não ideais (...) Está em fasede contratação (Rádio Nacional), e de licitação (Rádio MEC),os processos para elaboração de projetos definitivos das obrasde modernização das instalações de nossas emissoras, comrubricas garantidas ainda no Orçamento de 2013.

(continua na pag ao lado)

Perto de Roquette, Fernando Henrique Cardoso é pinto...... mas foi seu governo que desrespeitou o legado do grande pioneiro

e arrancou ilegalmente a Rádio MEC do Ministério da Educação.

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Os profissionais da Rádio MEC estãoabalados. Por questões de segu-

rança no trabalho tiveram que mudar deendereço, mas passaram a conviver comuma nova modalidade de insegurança –aquela que a provisoriedade e a instabi-lidade costumam provocar

O local de trabalho influi muito nosresultados do produto, e, no momento,os profissionais da MEC, numa quedavertiginosa de qualidade de vida profis-sional, estão dividindo com os da RádioNacional (também em obras) um am-biente improvisado (foto acima). Umambiente, note-se, muito mais indicadopara redações jornalísticas do que paracentros de produção radiofônica, pois,simplesmente, falta... silêncio – e é emcima do silêncio que o rádio se faz, nãoé mesmo?

Mas tudo fica mais cinza, porque,após o tsunami da mudança de endereço,veio um furação de demissões, por contada perversa e também rigorosa extinçãoda ACERP – um pau que nasceu torto nogoverno de FHC, mas que, bem ou mal,permitiu a contratação de profissionaisque aprenderam o ofício e carregaram aprogramação nas costas por muitos anos.Ou seja, além da emissora estar sem teto,está ficando sem mão-de-obra, poisestão tirando o chão de radialistas queconhecem e sabem como se ‘faz’ umtipo de rádio que só a MEC faz! Porconta disso, seus colegas compartilhamo drama por eles vivido e são testemu-nhas da contagem regressiva em curso,monitorando as últimas semanas de tra-balho de dezenas de profissionais exem-plares. Em reconhecimento, serão todossubstituídos por concursados neófitosem rádio educativo-cultural.

Os valorosos da ACERP

Para dar ideia do trabalho realizadopor alguns profissionais acerpianos,basta citar os três dias críticos em que oprédio teve de ser evacuado – fato quepoderia ter tirado a AM e a FM do ar.Para cumprir a ordem do Ministério Pú-blico, e, ao mesmo tempo, continuartransmitindo nas duas frequências, foipreciso desmontar os estúdios de trans-missão e instalá-los na antiga sede da ex-tinta TVE; e foi preciso também fazer omesmo com os estúdios de gravação; etambém improvisar uma infraestruturaoperacional mínima, para acomodar asdezenas de profissionais atordoados coma mudança.

E tudo foi feito a contento, num ver-dadeiro milagre técnico, permitindoque a FM e a AM não saíssem do ar –e que os ouvintes, a maioria deles, nãodesconfiassem, nem de longe, de quea rádio está como está. Toda a direçãomerece ser parabenizada, bem comoos programadores que continuam ali-mentando a grade e fazendo, ainda, adiferença no Dial. Mas a aclamaçãomaior deve ir para a equipe técnica –meia dúzia de contratados da ACERPque, apesar de todas as dificuldades,conseguiram fazer com que, pelos ou-vidos, os ouvintes não percebessemnada do drama que está em curso.Uma salva de palmas para o Alcimar,o Kid e um punhado de profissionaisem vias de serem descartados pelaEBC, mas que são absolutamenteraros e deram uma lição de competên-cia e sacrifício – sobre as demissões,veja Alto-falante e A arte de Laerte,nas páginas 2 e 15.

A perda do endereço profissional

ARádio MEC foi abalroadapela poderosa EBC e, com ochoque, dezenas de seus

profissionais foram expelidos doveículo. E o pior é que a motorista nãotem culpa. A Rádio é que foi colocada nacontra-mão, por causa de uma bar-beiragem do governo FHC, que avançou osinal, em 1998, dando origem à absurdasituação de hoje: uma emissora educativa-cultural estacionada em ponto-morto noacostamento do proselitismo oficial – aSECOM.

Com toda razão, logo que sentou aovolante – ao assumir a 2ª presidência daEBC, subordinada à SECON –, o sr. Nel-son Breve estranhou a existência de umavelha rádio ocupando uma vaga intei-rinha em seu pátio de veículos. E ficoumais intrigado ainda com a existência deuma ONG dentro dentro da velha rádio,ou seja, dentro da própria SECON,pedindo explicações e atrapalhando otrânsito: uma sociedade de amigos que,ainda por cima, discorda do padrão EBCde conserto de rádios de concerto.

De qualquer forma, é claro que, a des-peito da SOARMEC e da comunidademusical, a Rádio MEC, por ser politica-mente inútil, será consertada e adaptadaaté, quem sabe?, poder ter alguma ser-ventia. E os bravos mecânicos e lanter-neiros encarregados do desmonte, já emcurso, estão apenas cumprindo ordens.

A verticalidade dessas ordens é quecausa espécie. Dá para sentir, mesmonós, da SOARMEC, que a emissora estásob outro tipo de comando, ou pior, demando, e que a mão pesada do antigo

DiP, apesar da dieta democrática, nãoperdeu muitas calorias. E dá para sentir,no ar, um autoritarismo do mesmo quilateque o dos militares – só que o tanquedeles não passou por cima da emissora,enquanto que o FENEMÊ da EBC deuuma perigosa fechada na rádio e bateu defrente, com risco de perda total.

Apêndice do núcleo duro do poder, nãoé à toa que a Secretaria de Comunicaçãoé a menos civil das secretarias do go-verno. Seus dirigentes são pessoas muitoimportantes, que cumprem ordens depessoas muito importantes e que não a-cham importante escutar mais ninguém.

São executivos acostumados a resolveras coisas ‘por cima’ – mesmo que o bu-raco seja mais embaixo, como é o casoda Rádio MEC.

Na verdade, se a SECOM de fato achaque Rádio MEC serve à elite, então deve-ria concordar que ela também serve, por viade consequência, à própria SECON, se-cretaria que faz parte da elite do poder.Seus choferes são lídimos representantes danossa tradicional e retrógrada concentraçãode poderes, cuja epítome, no país, começacom B e acaba em RASíLiA – que tam-bém é nome de carro, para continuar comos trocadilhos automobilisticos. Mas,repetimos, com relação à Rádio MEC, aEBC está totalmente certa.

A única solução para o problema já foioferecida, por carta, há quase um ano,por Edino Krieger (na página 3), mas,como escrevi acima, eles não escutam. Oque é péssimo para quem tem que lidarcom coisas como radiofonia, não émesmo? (Renato Rocha)

A Rádio MEC foi abalroada

Todos osgovernos,

a partir do deF e r n a n d oHenrique Car-doso, de vem

ser responsabilizados por qualquer danoque ocorra ao acervo da Rádio MEC: obem mais valioso da emissora. Resultadoda ação ou inação do ministro da Educa-ção, Paulo Renato, a Rádio MEC saiu demodo totalmente irregular do Ministérioda Educação e foi para a Secretaria deComunicação do Governo. Em lugar deser absorvida pela Secon, no entanto, aFundação Roquette-Pinto foi extinta e,para substituí-la, foi criada, da noite prodia, a ACERP – hoje moribunda – , que,

mesmo sem experiência anterior em co-municação educativa e cultural, passou aser responsável, entre outras coisas, peloimportantíssimo acervo de gravações daRádio. Mas, para variar, da mesma formaque a extinção da FRP ocorreu sem quetivesse havido a consulta e o pronuncia-mento da Curadoria das Fundações; tam-bém, com relação ao acervo da ráidio,não foi cumprida a exigência legal desubmeter ao Arquivo Nacional o inven-tário integral dos seus ítens, os quais es-tavam sob a responsabilidade da FRP,extinta, ou seja, o Arquivo, oficialmente,não tem conhecimento do tesouro queestá trancado no prédio, há mais de seismeses, e sem climatização, no 2º andarda Rádio MEC.

Sobre o Acervo da Rádio

À esquerda, as novas e improvisadas instalações das Rádios MEC e, à direita, obusto de Roquette encostado num cantinho de divisórias.

OPIN

IÃO

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Minhas palavras são no sentido de ex-pressar o prazer que tive em traba lhar

diretamente ligado a cada um de vocês (...)nos últimos cinco anos, fui o Gerente Re-gional das Rádios da EBC, no Rio. E nesseperíodo, diante das circunstâncias específi-cas da empresa aqui no Rio de Janeiro, en-tendi que deveria focar questões es -truturais, providências que devolvessem àsemissoras a sua relevância e criassecondições de modo a lhes garantir a con-tinuidade ao longo das próximas décadas.

Em função disso, sempre com o apoio doGuilhon, dediquei-me a questões como otombamento do edifício A Noite, recente-mente concretizado pelo iPHAN, e daRádio Nacional. (...)

Desde 2008 dediquei-me intensamenteà elaboração de projetos básicos e ao per-sistente acompanhamento de suas trami-tações, de modo a possibilitar a con -cretização de novos conteúdos para as trêsemissoras do Rio (por motivo de espaço,omitimos a íntegra do trecho em que elecita uma lista impressionante de programasrealizados em sua gestão (...) estes progra-mas se somam àqueles que proporcionamàs nossas emissoras produtos com densi-dade de conteúdo, pluralidade de infor-mação e de formatos.

Trabalhei intensa-mente, nas últimas sem-anas, na revisão e reestruturação deprojetos que justificam a contratação deprofissionais imprescindíveis às nossasatividades, dentro do que se chama deprocesso de reabsorção de especialistas porinexigibilidade. (...)

Outra questão que sempre entendi comofundamental, é a memória das emissoras,(...) Contando com a colaboração da Ge -rente Executiva de Acervo e Conheci-mento, Lacy Barca, conseguimosconcretizar Termo de Cooperação Técnicacom a Fundação Museu da imagem e doSom do Rio de Janeiro, (...) que permitiu,tanto à EBC quanto ao MiS, a unificaçãodo conteúdo digitalizado dos acetatos daRádio Nacional, o que representa a reuniãode riquíssimo acervo, que cobre oabrangente período que vai do fim da dé-cada de 1930 até meados dos anos 1970.

Pois agora, em 2013 (...) assumindonovas tarefas (...). verei o rádio de um novoângulo, dedicando-me, entre outras ativi-dades, ao processo de criação do Museu daRádio Nacional. (...) Vou nessa, e vou como coração leve e o entusiasmo pelas novastarefas, novas descobertas. Estaremos pró -ximos, sempre fazendo rádio.”

“(...) Conseguimos ad-quirir vários novos trans-

missores (...) além de 02 UnidadesMóveis, e vários equipamentos modernosde estúdios, já instalados em Brasília e àespera de instalação no Rio (...).

Nossa 4ª ação estratégica visava ajudarna construção da rede nacional de rádiospúblicas. Demos alguns importantes pas-sos nesta direção. (...) estamos organi-zando a 1ª reunião da rede nacional derádios públicas, que deverá ser realizadana sede da EBC, em Brasília.

Sempre disse que os gestores passam,as instituições ficam. Passaremos, masdeixamos a nossa marca. isto só foi pos-sível porque tive a meu lado uma equipede gestão que tornou esta missão viável,equipe essa sempre pautada por seu espí-rito de compromisso, parceria e compar-tilhamento de tarefas. Faço aqui meuagradecimento, a cada um deles:(...).

Por fim, tudo o que fizemos até aquisó foi possível por causa da dedicaçãoapaixonada de cada um de vocês, pro-fissionais das rádios Nacional e MEC,da EBC e da ACERP, competentes eidentificados com nossas emissoras his-tóricas. (...) Sim, nem tudo foram flo-res, ao longo do caminho. (,,,) Estamos

vivendo um ano atípico e muito deli-cado em nossa empresa, com mudançasno organograma de gestão, mudançasnos procedimentos internos, mudançasnas instalações físicas (nas rádios doRio), muitas incertezas e dúvidasquanto ao futuro de nossas emissoras,mudanças na composição das equipes,com a chegada de novos profissionaisconcursados da EBC, e a saída de anti-gos e competente profissionais daACERP, profissionais que durante dé-cadas ajudaram a escrever algumas daspáginas mais dignas de nossas emisso-ras, situação que sempre nos deixou decoração apertado, e nos levou ao exer-cício árduo de formatar projetos de pos-síveis contratações futuras de algunsdesses profissionais como produçõesin de pen - dentes ou especialistas. Ape-sar de tudo isto, me mantive firme e se-reno, certo do dever cumprido. (...) Aconvite do Presidente Nelson Breve,passo a assumir tarefas em sua assesso-ria, com o foco na construção da redenacional de rádios públicas. (...) Esta-rei logo ali, trabalhando com novos de-safios, mas com um olhar semprecarinhoso com nossas rádios e comtodos vocês.”

Como as cartas são longas, porque proporcionais às re-alizações dos dois, tivemos que editá-las. A íntegra delasestá em www.soarmec.com.br. Três trechos, no entanto,que citam a SOARMEC, merecem ser comentados

i) Sobre o Acervo da RádioGuilhon cita, entre as realizações na área da memória:“...o projeto em parceria com a Soarmec e a ACERP, dehigienização e catalogação dos acervos da Rádio”

Comentário: A SOARMEC foi a proponentedeste projeto, administrou seus recursos e prestou contasao BNDES. Está tudo certo, exceto o fato de que o Catá-logo do acervo não foi realizado. O fato é que a pessoada ACERP que gerenciou o processo, talvez em funçãoda perspectiva de demissão, acabou saindo sem realizaro bendito catálogo. isto significa que qualquer outra ten-tativa de parceria com o BNDES, vai esbarrar nesta não-realização. E, como despediram a pessoa que melhorconhecia este que é o maior acervo radiofônico do país,quem vier, agora, vai ter que começar de zero.

ii)Sobre Núcleo de Radiodramaturgia – ambos tocamno assunto, transcrevemos o que escreveu Cristiano:“ Aí está o Núcleo de Radiodramaturgia, que após longa

e sofrida tramitação burocrática, finalmente voltará afuncionar, com novo convênio, cuja vigência se iniciaráno próximo dia dois de setembro.”

Comentário: Como pode demorar tanto tempoa retomada de um projeto cultural de alta e comprovadapertinência? Após a longa (dois anos!) e sofrida trami-tação burocrática, referida nas duas cartas – que incluiuum empenho abortado, uma retirada do projeto do orça-mento, e várias exigências absurdas, o projeto continuaem banho-marria. O que se deduz é que, definitivamente,radioteatro não é uma coisa importante para a EBC. E apergunta que fica no ar é: Se, para concretizar um projetode 300 mil reais como era o caso do Núcleo de Radiodra-maturgia, dois anos não bastam; quanto tempo vai de-morar a reforma do prédio da Rádio, que é muito maiscara e complicada?

iii) Sobre a obra de reforma do prédioA) As três possibilidades:

1) Por ser arquitetonicamente inexpressivo, o prédioserá demolido para permitir uma visão mais limpa dosprédios da Faculdade de Direito e do Arquivo Nacional.

2) O prédio sofrerá uma reforma radical, externa e in-ternamente, o que equivale a uma demolição, pois ficará

descaracterizado. 3) Será feita uma reforma mantendo as características

internas do estúdio sinfônico, dos portais de entrada doscorredores e ampliação do auditório.

B) Os antecedentes da interdiçãoÉ sabico que, antes de subir no telhado, a Rádio estavafuncionando em ponto morto, sem autonomia parafazer qualquer tipo de despesa, nem mesmo para re-formas pontuais – existem reiteradas e documentadassolicitações de obras nos últimos anos, que, tivessemsido feitas, teriam provavelmente evitado a interdição.

Em nosso último número, além de reconhecer que oprédio precisava de uma boa reforma, colocamos o as-sunto na berlinda e questionamos as obras seguida-mente programadas e desprogramadas pela EBC – que,para fazê-las, observe-se, também pretendia esvaziartotalmente a emissora. E o curioso é que, entre os en-volvidos com o dia-a-dia da rádio, foram principal-mente os funcionários que trabalhavam naadministração do prédio, ou seja, os que melhor co-nheciam as condições de conservação do lugar, queficaram chocados com a interdição,

Carta de Orlando Guilhon (continuação)Carta de despedida de Cristiano Menezes“

Perto de Roquette, Luiz Inácio da Silva é pinto......mas foi em seu governo que a ilegalidade cometida contra a Rádio MEC foi convalidada

e a TVE (outra sacação de RP) foi extinta, tendo o Rio perdido seu canal de televisão.

Comentários pontuais às cartas acima

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O passeio de Roquette

A parceria dos Amigos Ouvintes com o Museu doRádio começou oficialmente em setembro de2006, quando a Soarmec lançou a primeira ediçãodo livro o RáDio EDUCATiVo No BRASiL, de FábioPimentel. De lá para cá, as duas entidades sempremantiveram relações cordiais, temperadas pela es-

timulante possibilidade de novas e sinérgicasparcerias. E eis que, nos idos de março, de repente,não mais que de repente, o prédio da Rádio MECfoi interditado e os Amigos Ouvintes ficaram semchão e sem teto – e estariam no olho da rua, nãofosse a providencial acolhida por parte do Museu

do Rádio. As coisas seriam muito mais difíceis senão contássemos com o apoio de primeira hora doMuseu, na pessoa de sua executiva, Eugenia deCastro. Por ela, pelo diretor... e por toda a equipedo museu, decidimos registrar nosso agradeci-mento, aqui, em letras garrafais:

Entre as fotografias que os Amigos Ouvintes garim-param ao longo de 20 anos, a de Roquette-Pinto, du-rante a Missão Rondon, jovem e paternal com osindiozinhos, é uma das mais importantes de toda aiconografia do papa do rádio brasileiro. Com di-

mensões proporcionais à sua importância, ele é omaior das dezenas de pôsteres que a SOARMECproduziu para decorar e, principalmente, trazer àtona a história profunda da emissora. No dia da mu-dança (acima, à esquerda e no centro), pela dificul-

dade de acondicioná-la no caminhão, preferimos eue o JCMello, cruzar o Campo de Santana – fazendoum percurso que ele próprio, Roquette, tantas vezesfez, em vida – até o Museu do Rádio, onde hoje (àdireita) a foto está pendurada.

OBRiGADOPELA iMEDiATA E PROViDENCiAL ACOLHiDA, A SOCiEDADE DOS AMiGOS OUViNTES

AGRADECE AO MUSEU DO RáDiO E PEDE PASSAGEM PARA O FUTURO DO RáDiOEDUCATiVO CULTURAL BRASiLEiRO.

Dois tempos no museu: à esquerda, Saroldi, Norma Tapajós, Guilhon, Chico, Walterland Pimentel, pai do autor; Antonio S. Azevedo e o colecionador Otto Alexandrede Castro, no lançamento do livro O rádio Educativo no Brasil; e, à direita, a nova sala da SOARMEC, em 2013, com as colaboradoras Renata Mello e Gisèle Pimentel

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Ocupando uma área de 950 metros quadrados, num pré-dio histórico bem no corredor cultural da cidade – Rua daConstituição , 78 –, o Museu do Rádio Roberto Marinhoé fruto do sonho e empenho de Augusto José Ariston (fotoabaixo). inaugurado em março de 2004, o Museu man-tém uma exposição permanente de peças raras, e tem porobjetivo preservar, estudar e expor objetos radiofônicosde interesse duradouro.

As obras para adequar o espaço duraram dois anos. Naparte da frente, a laje entre os andares foi eliminada, per-mitindo a entrada de luz natural pela clarabóia e um pédireito de 10 metros. A parte de trás foi reformada, dandoorigem ao auditório e a três amplas salas. Duas delas, no2º andar, são ocupadas pelo escritório local da AERJ –Associação das Emissoras de Rádio e TV do Estado doRio de Janeiro, mantenedora do Museu.

O museu também produz e acolhe eventos, principal-mente shows gratuitos e exposições temporárias, tendorealizado várias apresentações, como as de Altamiro Car-rilho e as das cantoras Ellen de Lima, Carminha Mas-carenhas, Violeta Cavalcanti e Carmélia Alves, dirigidaspor Ricardo Cravo Albin.

Exposições temáticas, como a produzida pelo fã-clubede Emilinha Borba, também superlotaram o lugar.

O Museu do Rádio

Reginaldo Barbosa Valentin, auxiliar-administrativo; Tainá Pacheco, secretária; SebastiãoSobrinho, diretor técnico; Eugenia Castilho, secretária executiva

Hilton Alexandre Alves daSilva, presidente da AERJ

AugustoAriston, fundador do museu, e D.Lily Marinho, no dia da inauguração

Visite o Museu do Rádio. Contribua para enriquecer o seu acervo. (Rua da Constituição 78 / [email protected] / 21-22326172)

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Alceo Ariosto Bocchino (30-11-1918 / 07-04-2013)

Nascido no Paraná, interessou-se desde cedo pela música. Camargo Guarnieri,Villa-Lobos e Francisco Mignone foram seus principais professores. Viveu no Riode Ja-neiro, desde 1946, onde se consagrou como músico, maestro, compositor e pi-anista. Foi um dos dois principais colaboradores musicais de Villa-Lobos, junta-mente com Vieira Brandão. Como educador foi fundador e professor titular daEscola de Música e Belas Artes do Paraná; e professor de composição e regência daEscola de Música Villa-Lobos, no Rio de Janeiro.

Bocchino teve destacada atuação radiofônica, na década de 1950, tendo trabal-hado na rádio Mayrink Veiga, onde escreveu arranjos para Carlos Galhardo, Or-lando Silva, Sílvio Caldas e Nelson Gonçalves. Em 1956, na Rádio Nacional,orquestrou e diri-giu, com Paulo Tapajós, o programa Quando os maestros se en-contram. Entre as presenças marcantes, figuravam Radamés Gnatalli, Léo Perac-chi e o novato, Tom obim.

Foi funcionário da Rádio MEC, como sua esposa, ida, programadora, e sua filha,Gulnara, que dirigiu a MEC FM, nos anos 1990. Foi um dos fundadores da orques-tra da Rádio MEC, atualmente Orquestra Sinfônica Nacional (OSN-UFF), da qualfoi regente titular por treze anos. Foi assistente do maestro Eleazar de Carvalho naOSB e presidente da Comissão Artística, regendo a orquestra por quatro anos. Par-ticipou nos anos 1960 e 70 de diversos cursos no exterior, onde regeu concertoscom a Orquestra Sinfônica de Bilbao (Espanha) e aOrquestra Filarmônica de Burgás (Bulgária). Foitambém criador e regente titular, posteriormente re-gente emérito, da Orquestra Sinfônica do Paraná, noano de 1985.

Em 1974, viajou pela Europa com a OSB, real-izando concertos com grande sucesso de público ecrítica. De volta ao Brasil, participou de diversas ap-resentações com orquestras brasileiras. Em 1981,representou o Brasil na Universidade de Maryland,como regente do concerto inaugural StravaganzaMusicale, tendo como solistas vinte pianistas, no 11ºFestival e Concurso de Piano. Em 1985, tornou-se ofundador e maestro titular da Orquestra Sinfônica doParaná, cargo que ocupou por diversos anos e atual-mente era seu maestro Emérito. Foi ocupante dacadeira Nº 37 da Academia Brasileira de Música.

Luiz Paulo Horta (14-08-1943 / 03-08-2013)

Jornalista, musicista, teólogo e acadêmico, LuizPaulo Horta foi o sétimo ocupante da cadeira 23 daABL e recentemente lançou A biblia, um diário deleitura, pela Zahar. Trabalhou no Correio da Manhã,no Jornal do Brasil e em O Globo, onde mantinhauma coluna permanente e era especialista em músicaerudita. Sua mais recente análise para o jornal foisobre a Jornada Mundial da Juventude, em que afir-mou que o Papa se revelou um "comunicador incomparável, capaz de dizer coisasprofundas na linguagem mais simples". O jornalista também fundou e dirigiu a seçãode música do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e grupo de estudos bíbli-cos no Centro Loyola da PUC RJ. Casado com a jornalista Ana Cristina Reis, Luizdeixa três filhos, seis netos, e uma lição de leveza existencial.

"Tive o privilégio de conviver cerca de meio século com Luiz Paulo Horta. Grandeestudioso de todos os campos da cultura e da vida, seu convívio era sempre en-riquecedor, tanto falando sobre assuntos sérios como jogando conversa fora entredois copos de vinho. Sua sabedoria era feita mais de dúvidas do que de certezas,mais de perguntas do que de respostas. Por isso sempre manteve a humildade dossábios, não obstante a firmeza de suas convicções.

O amigo de sempre, Edino Krieger"

isis de oliveira (18-03-1922 / 07-05-2013)

Nascida em Niterói, ivete Saveli, seu verdadeiro nome, ingressou na Rádio Na-cional após vencer o Concurso de Calouros Rádio K, comandado por CelsoGuimarães, pouco antes da incorporação da Rádio Nacional ao Patrimônio da União,juntamente com o jornal A Noite, em 1940, por Getúlio Vargas.Com uma voz admirável e grande talento dramatúrgico, isis cresceu junto com aemissora, tornando-se uma das melhores atrizes do rádio brasileiro, enquanto estatornava-se a maior rádio da América Latina. Seu primeiro papel de destaque foi oda “mocinha Alice", na também 1ª novela de rádio brasileira, Em busca da felici-dade – que levantou manifestações populares em favor da heroína, em repúdio aovilão do melodrama! O grande sucesso desta novela matinal abriu espaço para novoshorários aos folhetins radiofônicos, incluindo a atração principal das 21hs. isis foia protagonista da novela "O direito de nascer", que tornou - se um clássico do fol-hetim brasileiro. inicia-se alí a parceria romântica com Paulo Gracindo, que rendeugrandes sucessos para a Rádio Nacional. Em sua caminhada, isis engajou-se na lutapelos direitos de seus pares tendo sido uma das fundadoras e militantes do SiNDi-CATO DOS JORNALiSTAS, responsável pela criação do Hospital dos Radialistas,hoje Hospital de Cardiologia.

A vida artística de isis praticamente terminou com o declínio da Rádio Na-cional, a partir do golpe militar de 1964. Cabe aqui destacar sua fidelidade à Rádio

Nacional. Nos anos 50, no auge do rádio brasileiro,outras grandes emissoras vinham se destacando eiam buscar os grandes astros da concorrente, ofer-ecendo às vezes o triplo do salário. isis, insistente-mente assediada, manteve-se fiel à sua rádio.

Em 1964, a Nacional foi uma das primeiras in-stitui-ções ocupadas pelos militares. isis, uma daspersonalidades do "grupo subversivo", delatada porum de seus colegas, foi detida pelo DOPS (emseguida liberada por falta de provas) e demitidasumariamente.

Nunca mais isis voltou ao prédio A Noite ondefuncionou, a até pouco temp,. a Rádio Nacional.As poucas entrevistas que concedeu foram atravésde telefone.

isis não se adaptou à televisão, como a maioria deseus colegas. Aos poucos voltou a sua origem, for-mou-se em Direito, casou-se duas vezes, não tevefilhos e morreu numa casa, há poucos metrosdaquela que havia nascido, no bairro operário dePonta d' Areia, cercada pelos sobrinhos que tantoamava.

por Nilza Saroldi

Norma Tapajós (26-09-1921/ 27-03-2013)

Esposa do compositor e radialista Paulo Tapajós,mãe de Dora, Maurício e Paulinho Tapajós, donaNorma conheceu todos os grandes radialistas e

artistas da época de ouro do rádio e acompanhou de perto toda a saga da Rádio Na-cional, desde os tempos dos lendários programas de auditório. Ela foi umaapoiadora de primeira-hora e uma das fundadoras da Sociedade dos Amigos Ou-vintes da Rádio MEC. Sem nunca ter participado da diretoria da SOARMEC, donaNorma foi uma associada ativa e exemplar. Era presença constante em nossos even-tos – na página 12 há outra foto dela, em evento no Museu do Rádio – e, até ficarimpossibilitada por problemas de locomoção, frequentava regularmente a RádioMEC. Norma foi nossa colaboradora assídua, principalmente como consultora paraquestões ligadas à memória, e doou para nossos arquivos muitas das fotografias quefez dos eventos e também, mais importante, várias cópias das fotos do acervo dePaulo Tapajós, seu marido. Foi Norma quem cuidou do importante arquivo de PauloTapajós, tendo feito as tratativas para a sua futura ida para o Museu da imagem edo Som, e fornecido,generosamente, como sempre, cópias de fotos e documentosimportantes a muitos pesquisadores.

Obituários

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Diante da repercussão a respeito da decisão de per-mitir que estilistas financiassem desfiles de moda

por meio da Lei Rouanet, o Ministério da Culturaprocurou se defender.

Usando um raciocínio eminentemente estratégico, emque as palavras de ordem são a importância econômicada cultura e seu papel na ampliação do poder do Brasil nojogo internacional, o MinC acabou por demonstrar arendição final da política cultural brasileira aos argu-mentos do mais crasso economicismo.

Primeiro, ninguém discute que, de uma certa forma,moda é cultura, assim como telenovelas, futebol e práti-cas sexuais. Todos são modos de produção simbólica devalores.

Uma definição, porém, tão genérica de cultura nãotem função alguma para a construção de políticas focadasde Estado. Muito menos a alegada definição de queaquilo que colabora para a internacionalização do Brasile a divulgação de sua simbologia deve ser financiado.Pelo argumento, a TV Globo pode pedir isenção fiscalpara as suas próximas telenovelas.

Como não podia deixar de ser, é no campo da culturaque se vê, de forma mais brutal, a deposição de toda equalquer aspiração crítica e contestadora de certa es-querda brasileira. Fala-se em "quebra de paradigma", maso Mi-nistério da Cultura apenas implementa o paradigma,cada vez mais hegemônico, de indistinção geral entrearte, entretenimento e mercadoria.

Afinal, há de chamar de "gato" um gato. Estilistas são,acima de tudo, comerciantes donos de loja que organi-zam sua produção a partir da sensibilidade às demandasde mercado e a exigências de máxima rentabilização deseu capital. Mas grupos de teatro não são empresas, es-critores não são comerciantes e um quadro não é umamercadoria, mesmo que tenha um preço.

As políticas culturais foram criadas exatamente paragarantir autonomia para a produção artística contra suacolonização pela lógica mercantil, contra sua restrição àcondição de mero entretenimento "cool", além de pensarformas de impedir a consolidação de práticas de di-rigismo cultural.

Contudo, para que algo dessa natureza fosse possível,estruturas como a Lei Rouanet deveriam ser radicalmentemodificadas. Um bilhão e duzentos mil reais foram per-didos pelo Estado para que empresas fizessem políticasde marketing às custas do erário, financiando, principal-mente, musicais, Oktoberfest, festas gastronômicas, ativi-dades da torcida do Palmeiras e, agora, desfiles de moda. Pergunte, no entanto, quanto desse dinheiro foi dire-cionado à construção de conservatórios de música, bi-bliotecas ou em auxílio a saraus literários na periferia.

Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departa-mento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo).

O preço da cultura

Vladimir Safatle

Uma coisa indiscutivelmente de elite, naRádio MEC, é a sua equipe técnica. Que meperdoem os profissionais de áudio, mas a

grande maioria deles é composta por meros aperta-dores-de-botão, pouco silenciosos e pobres de con-versa. Mas experimente bater um papo com umtécnico da Rádio MEC: você ficará admirado com acultura geral dele.

Além de serem bons de externa, bons de PA, bonsde transmissão ao vivo, bons de microfonação,gravação instrumental e tudo o mais, os técnicos darádio são principalmente bons em gravação, ediçãoe montagem. Por trabalhar nos grandes estúdios econviver diariamente com os produtores da rádio,eles se tornaram especialistas em linguagens egêneros radiofônicos e, muitas vezes, por sua criatividade,sensibilidade e cultura musical, atuam como co-produ-tores do programa – ‘produtor’, em rádio, vale lembrar,equivale a ‘diretor’, no cinema.

Pois bem, a Rádio MEC acaba de perder sua equipede técnicos, que era a melhor da cidade. Serão substituí-dos por técnicos concursados e inexperientes, por ondemde Brasília, que, com certeza, acha que encontrar bonstécnicos é tão fácil e casual quanto encontrar exe-cutivospara uma estatal da vida.

Conheci muitos técnicos da casa e muito aprendi comeles. Na excelente equipe que foi despedida, escolhi umdeles, o Laerte, para dar uma idéia mais precisa do quequero dizer, e vou falar do último trabalho que fizemosjuntos: a gravação e montagem de uma adaptação ra-diofônica para Molloy, uma novela de Beckett.

Tínhamos 4 horas de estúdio e, após gravar com minhavoz a introdução, com Laerte operando e fazendo a di-reção de locução; após Pedro Paulo Rangel gravar asfalas do personagem, com Laerte emprestando os ouvi-dos para ajudar na direção da narração; ficou faltandomontar o programa. Eram quatro da tarde, e tínhamosmais duas horas, mas fui chamado inesperadamente pararesolver um assunto urgente. Em vez de suspender asessão, preferi entregar a sonoplastia ao Laerte (algunsminutos de ondas calmas, pois o personagem moravanuma praia) e pedi que ele pontuasse as falas com o som

do mar, da mesma maneira que nas comédias de situaçõesas risadas pontuam: cada vez que Molloy dissesse umacoisa interessante, o mar subiria. E fui cuidar da tal urgên-cia, dois andares abaixo. Quando voltei, já perto das 18horas, ouvi a montagem e constatei que o programa estavapronto e irretocável.

Além do trabalho junto aos produtores, existe tambémo fato de a Rádio MEC – que deixou de ser uma escola,da antena para fora –, nunca ter deixado de ser uma escolada antena para dentro, com os profissionais mais antigosensinando aos mais novos. isso, somado ao convívio comos produtores, explica o nível de excelência que a equi-pe técnica alcançou. No entanto, infelizmente, para essetipo de craques, como Laerte, Enídio Souza e Gilberto,cuja experiência profissional acumulada vale ouro, aRádio MEC acabou – veja lista de demissões na pag 2.

A tragédia profissional deles é que esse precioso e rarosaber não tem quase serventia fora da Rádio MEC. E otriste corolário é que com a Rádio MEC acabando – e aRádio Nacional, que também não está se sentindo muitobem –, um tipo específico de fazer radiofônico, calcado emAlmirante, Paulo Roberto, Renato Murce, René Cavé,Guiarone e outros tantos inventores do formato “educativo-cultural”, entrará em coma definitivo, incluindo o pobre einterrompido radioteatro brasileiro. Para mim, é extrema-mente simbólico que Molloy – um texto que fala do ab-surdo – tenha sido o último trabalho que fizemos juntos.

Renato Rocha

Artigo transcrito da Folha de SP, pensando no leitor quelerá este jornal no futuro, e lembrando que, no momentoem que a rádio saía do lar, o MinC estava dando quase10 milhões para o Rock in Rio e financiado mostras de

estilistas em Paris – o que lhe valeu a alcunha deMinistério da Costura (Janio de Freitas)

Detalhe da foto de Laerte Afonso, esquecida na parede dacabine desmontada do estúdio B (descubra aonde na fotoabaixo), no qual ele pontificou por duas décadas.

A a r t e d e L a e r t e

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AVISO

SE

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Uv

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NO

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alguma diferença na pro-

grama-ção das rádios M

EC

, problemas na trans-

missão, um

certo distanciamento na voz do locutor,

muitas reprises e poucos program

as ao vivo, relevee tenha paciência.R

ELE

vE

porque, desde março, as duas estações

tiveram que m

udar de instalações e endereço, eestão operando im

provisada e provisoriamente na

antiga sede da extinta TvE

– repararam quanta ex-

tinção está ocorrendo?

E TE

NH

A PA

CIÊ

NC

IA porque, no caso do prédio,

não existe sequer projeto feito e aprovado, nem lici-

tação, nem verba alocada, etc., e a pergunta que não

quer calar é "Quando a R

ádio ME

C voltará ao lar?"

E se o dileto ouvinte, apesar de tudo, nada notou de

anormal é porque ‘o que os olhos não vêem

o ou-vinte não sente’. Tal ilusão auditiva é resultado deum

milagre técnico, e deve ser creditada à direção

(que acaba de ser trocada) e, principalmente, à

equipe técnica da rádio (que está sendo substituída)– veja m

atérias nas páginas 2, 10 e 15.