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Anais do VI Colóquio sobre o ensino de Arte
AAESC – 11 a 13 de agosto de 2010
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Associação de Arte Educadores de Santa Catarina
Local: Faculdades SENAC – ISSN: 2179-5452
ENTRE TRAÇOS: EDUCAÇÃO E A ARTE DA RESSIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM
ATRAVÉS DE CHARGES COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO - A
EXPERIÊNCIA DO LENDO E RELENDO
PALHANO, Marlete Dias
RESUMO
Buscar subsídios que possibilitem desenvolver uma prática pedagógica com maior qualidade através de charges foi o objetivo desencadeador deste estudo. Neste sentido, a partir da experiência do programa Lendo e Relendo, buscou-se ações que fundamentassem os conhecimentos escolares e resgatassem a iniciativa e a criatividade por parte dos educadores com o intuito de integrar saberes, associando a arte e o cientifico com a realidade da criança. Pensar com autonomia em Arte significa desenvolver a capacidade de iniciativa e criatividade responsáveis pela conquista do conhecimento através de desafios ao pensamento. Nesse sentido, a experiência aqui relatada, possibilitou resgatar a charge como representação do real e da multiplicidade dos fenômenos propostos pela realidade para a efetivação de uma aprendizagem real dos conteúdos escolares nos diferentes níveis de ensino. Palavras-chave: Arte. Charge. Aprendizagem.
1. Primeiro traço: introdução
Dada a auto-definição da mídia apresentada por Fonseca (2004) como
“pilar da democracia liberal”, é interessante que haja uma análise do jornal a ser
utilizado em sala de aula como ferramenta pedagógica. Neste contexto encontra-se
a história da arte com sua especificidade não só com materiais e suportes para o
desenvolver determinados temas e estudos, mas o seu ato criador manifestado
através da arte e contribuindo assim para a sua formação cultural.
Diante desta constatação, a escolha da problemática “Educação e a
Arte da Ressignificação da imagem através de charges como instrumento
pedagógico” se justifica pelo interesse de pesquisar de que modo os educadores
vem utilizando os diversos recursos disponíveis nos jornais em especial a charge
como um instrumento que contribua para o crescimento do educando como um
sujeito ativo, participante da história de sua comunidade. A idéia equivocada de que
a charge não tem um respeito maior por alguns segmentos e/ou personagens da
sociedade e a falta de percepção do senso crítico que se faz presente nas
caricaturas que compõem as charges, me levou a estudar este tema.
Neste sentido, partindo do pressuposto de que a utilização de charges
possibilitará compreender as relações sócio educativas de forma crítica e criativa
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associando a construção de personagens e imagens às releituras das diferentes
realidades sociais. Identificar os processos teóricos metodológicos da arte enquanto
ação criadora, criativa e mediadora na formação sócio-educativa, tendo no
significado do uso pedagógico da charge um instrumento de reflexão, fundamentada
na experiência de criação do Programa Lendo e Relendo, foi o objetivo principal que
norteou esta pesquisa.
Para dar conta deste objetivo, fez-se necessário traçar um caminho de
pesquisas e descobertas a ser percorrido. Neste sentido, esta pesquisa caracteriza-
se por um estudo qualitativo descritivo.
Esta pesquisa é também resultado de um estudo de caráter
exploratório, tendo como público alvo os educando e educadores que participam das
oficinas do Programa “Lendo e Relendo”, que oferece o jornal como ferramenta de
aprendizagem, atualização dos fatos, recursos pedagógicos, visão da história
atualizada e integrada ao contexto social em que vivemos, com leitura de mundo,
interpretação e crítica, possibilitando ao educando exercitar a cidadania e interagir
com a comunidade estudantil, viabilizando a contribuição social.
A coleta dos dados ocorreu, através da observação da dinâmica das
oficinas de charge realizadas pelo Programa “Lendo e Relendo” com observação
das produções e registro de falas abertas dos professores a respeito das análises
feitas sobre as charges apresentadas no decorrer das atividades desenvolvidas.
Por se tratar de um estudo a ser desenvolvido no campo de trabalho da
pesquisadora, esta pesquisa adquiriu um caráter participante
2. Segundo traço: educação, arte e charge
Reconhecendo a educação como uma atividade sistemática de
interação entre seres sociais, tanto ao nível do intrapessoal, quanto ao nível da
influência do meio, visando provocar sobre os sujeitos mudanças que os torne
elementos ativos perante ação exercida sobre eles; os objetivos da escola se
confundem com a ação exercida sobre crianças e adolescentes, para torná-las aptas
a viver numa determinada sociedade. A ação pedagógica é o traço de união entre o
indivíduo e o social. Se o que caracteriza a sociedade são as relações entre as
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classes sociais, que são relações de contradição em função de interesses que são
distintos, essa contradição também existe na escola, já que ela é uma manifestação
particular da sociedade.
Neste contexto, Arte Educação não significa o treino para alguém se
tornar artista. Ela pretende ser uma maneira mais ampla de abordar o fenômeno
educacional, considerando-o não apenas como transmissão simbólica de
conhecimento mas como processo educativo formativo humano. A Proposta
Curricular do Estado de Santa Catarina (1998, p. 193), descreve bem esta
concepção da arte, quando se fundamenta no pressuposto de que:
arte gera conhecimento. Possuidora de um campo teórico específico, relaciona-se com as demais áreas, desenvolve o pensamento artístico e a reflexão estética. Compreende e identifica (...) a arte como fato contextualizado nas diversas culturas e, através dessa dimensão social, possibilita o (...) modo de perceber, sentir e articular significados e valores que governam os diferentes tipos de relações entre os indivíduos na sociedade.
Assim, o ensino da Arte deve acontecer através do Fazer Artístico, da
História da Arte e da Apreciação da Arte, como propõe a Proposta Triangular. Nesta
metodologia, a pesquisa e a compreensão das questões que envolvem o modo de
inter-relacionamento entre o público e a Arte são fundamentais. A escola deve ser
um lugar onde se possa exercer o princípio democrático de acesso à informação
estética de todas as classes sociais, proporcionando uma aproximação entre os
códigos culturais de diferentes grupos da sociedade. Através da Arte deve-se buscar
os meios que venham desenvolver nos educandos o sentimento, a sensibilidade, a
percepção, o tato, a intuição, o pensamento, relacionando-os com o mundo exterior,
ajustando-os ao seu mundo interior.
A charge parece oferecer essas possibilidades decorrente do fato de
não ser uma mera história em quadrinhos, mas sim, um estilo de ilustração que tem
por finalidade satirizar, por meio de uma caricatura, algum acontecimento atual com
uma ou mais personagens envolvidas.
Deste modo, assim como outros métodos lúdicos utilizados pelos
educadores para a aprendizagem dos conteúdos curriculares desejados, apresenta-
se neste estudo a charge como um recurso pedagógico que unindo a imagem ao
texto faz com que o educando consiga entender o que se passa, e não tenha que
decorar ou repetir de modo memorizado os assuntos abordados no decorrer do ano
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letivo.
3. Programa Lendo e Relendo
Numa análise da relevância social do jornal nos dias atuais, Pavani,
Junquer e Cortez (2007, p. 9) discorrem:
Para o jornal, a regionalidade faz a diferença, porque trata de assuntos que compõem o cotidiano de seus leitores e apresenta-se como uma tribuna popular, na qual os cidadãos podem participar das questões que julgam importantes para o desenvolvimento da comunidade.
Partindo desta premissa, o Programa Lendo e Relendo, lançado em
agosto de 2004, teve sua origem na constante preocupação do Jornal Correio
Lageano em desenvolver e apoiar iniciativas que visem o desenvolvimento regional
sustentável.
Tendo como premissa que todo processo de desenvolvimento passa
pela formação crítica das pessoas, foi buscar em experiências similares uma
alternativa de interagir diretamente com o meio educacional. E depois de conhecer
alguns trabalhos, incentivados pela Associação Nacional de Jornais – ANJ,
desenvolveu seu próprio programa, dentro da realidade local, contemplando tanto os
educandos quanto os educadores, dentro de uma proposta inovadora de
investimento na comunidade. Assim surgiu o Programa Lendo e Relendo.
O Programa Lendo Relendo tem como visão o desenvolvimento de
projetos de educação, cultura, empreendedorismo, cuja meta primeira é seu
reconhecimento no Sul do Brasil pelos resultados dos projetos desenvolvidos,
projetando-se modelos nas atividades e serviços realizados junto à comunidade.
No intuito de contribuir na oferta de recursos para que os educadores
possam mudar essa realidade, através deste programa o Jornal Correio Lageano
tem como objetivo incentivar a leitura através das informações oferecidas pelo jornal.
Aprimorar e ampliar o vocabulário e por conseqüência a capacidade de expressão.
Desenvolvendo o senso crítico através do conhecimento e da reflexão a cercados
fatos, da região, do país e do mundo.
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Quadro 1: Público contemplado pelo programa “Lendo e Relendo”.
ANO ESCOLAS EDUCADORES EDUCANDOS
2004 06 120 2.500
2005 12 190 3.500
2006 14 270 4.200
2007 18 300 7.500 2008 31 800 12.00
2009 41 1200 15.00 Fonte: Instituto José Paschoal Baggio, 2009.
O programa contemplou conforme mostra o quadro 1, ano após ano
um número maior de escolas da rede pública e privada.
O Lendo e Relendo é publicado quinzenalmente às quartas-feiras e
distribuído gratuitamente, um informativo dirigido às escolas, educadores e
educandos participantes do Programa.
Entre as atividades que congregam as modalidades de interesse
educacional do Jornal Correio Lageano, semanalmente acontece as Visitas no
jornal, Correio Lageano, onde educandos e educadores acompanham o processo
gráfico, desde a pauta até a impressão do mesmo, visando a contextualização do
jornal em sala de aula.
Além disso através do programa Lendo e Relendo o jornal Correio
Lageano também promove as seguintes atividades/eventos culturais:
Maratona do Conhecimento
Bienal do Livro de Santa Catarina
Lendo Relendo no Parque
Tarde Cultural
4. As práticas da charge: o saber e o fazer (oficinas)
A qualidade e ensino e a formação de educadores são prioridades do
Programa Lendo e Relendo. Dessa forma, é organizado um calendário anual com
datas determinadas para a formação continuada envolvendo educadores e áreas do
conhecimento.
As contribuições destas oficinas no processo de qualificação
profissional dos educadores para a efetivação de uma prática pedagógica que
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LEITURA:
Ampliação do vocabulário
e da expressão oral27%
20%53%
ano 2007
ano 2008
ano 2009
INTERPRETAÇÃO:
Aperfeiçoamento do poder
de raciocínio e atualização30%
27%43% ano 2007
ano 2008
ano 2009
ESCRITA:
Aprimoramento da
ortografia em sala de aula 33%
27%40% ano 2007
ano 2008
ano 2009
incorpore o jornal como ferramenta de ensino pode ser observada no depoimento no
depoimento de uma auxiliar de Coordenação Pedagógica:
As oficinas que o Lendo e Relendo oferece visam o crescimento pessoal e a melhoria do desenvolvimento dos professores em sala de aula. Com o objetivo principal de fazer com que nossos alunos sejam cidadãos críticos, conscientes de seus deveres e formadores de opinião (BAGGIO, 2008, p. 19).
São comentários como estes que evidenciam a importância que o
Jornal Correio Lageano atribui ao investimento na formação de professores para
oportunizar o domínio do conhecimento com propriedade e aumentar sua
valorização. Despertar a vontade ler, apropriar-se do conhecimento é um dos
princípios do programa e, por isso, são oferecidas oficinas também para os
educandos, que nas escolas tornam-se multiplicadores de saber e apoio aos
professores como monitores de classe.
Como objetivo de quantificar as formações continuadas no Programa,
foi encaminhado no final de 2009 para as escolas um questionário para a avaliação
do desenvolvimento escolar dos educandos e mensurar o jornal como instrumento
pedagógico nas diversas áreas do conhecimento, aplicados em sala de aula. O
resultado desta pesquisa pode ser observado nos gráficos a seguir:
Figura 2: Gráfico do resultado da pesquisa de satisfação das escolas.
Fonte: Instituto José Paschoal Baggio, 2009.
Através dos gráficos pode-se observar que ano após ano, a parceria
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ente o Jornal Correio Lageano e o sistema educacional da região serrana do estado
de Santa Catarina vem contribuindo com o aprimoramento da ortografia na sala de
aula, ampliação do poder de raciocínio e atualização das noticias globais e
ampliação do vocabulário e da expressão oral dos educandos que participam das
atividades propostas pelo Programa Lendo e Relendo.
5. O público em formação envolvido no programa Lendo e Relendo
Diante de nossa experiência como educadora de arte em sala de aula
e com algumas dificuldades a cerca do processo da representação do desenho
através da charge, compartilhando da percepção de Arruda (2006, p. 33), quando
percebe o jornal como “uma estrutura estruturada e, portanto, estruturante,
anunciando os novos tempos e novos símbolos ou seja, criando instrumentos de
integração social, que começa a fazer parte da realidade neste fim de século”, e
deste novo milênio, que procurei desenvolver oficinas realizadas em uma instituição,
onde trabalho como ilustradora, com o objetivo de contextualizar o jornal como
instrumento pedagógico em sala de aula.
No primeiro momento foram realizadas as oficinas para os educadores
que fazem parte da rede municipal, estadual e particular, destas instituições que visa
o incentivo a leitura através das informações oferecidas pelo jornal.
Encontrei algumas dificuldades já que os educadores de arte eram
minoria, e os educadores das demais disciplinas, não tinha esta noção que o
processo poderia se tornar interdisciplinar, isto é, que pudessem ser
contextualizados de maneira reflexiva e crítica em todos os segmentos. Então
elaborei grupos de discussão nestas oficinas, a fim de contextualizar com os
educadores estratégias metodológicas que possibilitam desenvolver uma leitura de
imagem usando o jornal como instrumento de pesquisa, transformando essas
imagens de acordo com a linguagem visual e tornando o desenho mais reflexivo e
interdisciplinar, pois como destaca Ramalho (2005, p. 435):
O acesso as imagens não é de modo algum, um processo simples, talvez seja tão complexo quanto o universo mesmo do produtos visuais. O que propõe é um referencial mínimo para sua leitura, parâmetros possíveis de utilização na leitura de diversas imagens artísticas ou estéticas, uma abordagem construída aqui no nosso país, baseada na nossa realidade, que oriente para um modo de ver diferente do
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horizontal, uma estrutura básica a ser guarnecida com os outros conhecimentos, os já trazidos na bagagem do leitor e aqueles que ele terá vontade de buscar provocado pela proposta que é o texto estético, diante de si.
Como resultado, aos poucos os educadores participantes das oficinas
foram superando as formas alienadas de desenho (formados geralmente por uma
paisagem congelada através dos tempos, composta por uma casinha, uma árvore,
as vezes uma flor e aquele sol perfeito sorrindo no canto da folha), e vendo que nem
todas as casas são iguais, muitas árvores não possuem uma copa fechada, a
maioria das flores não possuem pétalas uniformes nem o sol está sempre sorrindo,
começaram a construir timidamente suas próprias charges.
Já as oficinas realizadas com os educandos do ensino fundamental e
ensino médio, foi interessante pela simpatia dos mesmos para com os textos visuais,
é inevitável, pois parece que a charge desperta ou possui atrativos a mais do que os
da linguagem verbal; mas a sua relação por vezes dificultada pelas experiências de
mundo que cada um traz consigo ou não.
Para alguns educandos ela traz o novo, para outros faz parte de suas
condições de produção. O trabalho em sala de aula pode ser tão completo quanto
aquele que se utiliza somente o texto escrito. Nasce aí, a primeira grande
curiosidade pessoal que é conhecer mais a fundo o processo de construção de
sentidos da charge, sua materialização e o que acrescentam de concreto ao
conhecimento do educando e/ou educador. A discussão também foi gerada em
grupo, onde buscou-se no primeiro momento a leitura de imagem através da
linguagem visual, o processo de como representar o desenho de acordo com a
realidade de maneira reflexiva e crítica.
Neste processo, o importante é fazer com que o educando perceba os
elementos constitutivos de uma charge a maioria dos casos (ilustrações e escrita) e
faz com que uma e outra tome corpo, que tenha uma significação.
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6. Terceiro traço: educação – inventar, ressignificar a charge como
instrumento pedagógico
Pavani, Junquer e Cortez (2007), apresentando o desenho de diversas
charges do grande chargista Dálcio, publicadas no Correio Popular questiona: Por
que as charges, como estas “são importantes para jornalistas e educadores?”
Figura 6: Charge de Dalcio, sobre a crise dos aeroportos.
Fonte: Pavani, Junquer e Cortez, 2007, p. 60.
Do ponto de vista jornalístico, as charges se encaixam no gênero opinativo, pois trazem em seu conteúdo uma crítica a um fato do cotidiano, a uma novidade, enfim, noticiam algo de maneira assumidamente opinativa. Já para os educadores, elas podem ser uma forma eficaz e divertida de se estudar história, geopolítica, noções de cidadania, aspectos culturais de um povo, problemas socioeconômicos etc., sem mencionar conceitos como metáforas (visuais ou não), ironia, sarcasmo (PAVANI, JUNQUER e CORTEZ, 2007, p. 59).
Tanto do ponto de vista jornalístico como pedagógico, observando as
produções de chargistas como José Carlos de Brito, Millôr Fernandes e Ziraldo, o
que faz com que a charge seja realmente eficaz é o fato de que ela explora assuntos
profundos, e que exigem reflexão, através de desenhos atraentes e com bom humor,
seduzindo um público que muitas vezes não tem paciência ou vontade de ler sobre
esses temas.
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Os chargistas utilizam-se da caricatura para fazer um comentário sobre
pessoas ou situações, chamando a atenção para uma característica que poderia
passar desapercebida.
O Brasil possui um time de craques da caricatura, dentre eles J. Carlos,
K. Lixto, Raul, Augusto Rodrigues, Ângelo Agostini, Nássara, Theo, Figueiroa,
Mendez, Guevara, Seth, Luis Peixoto, Belmonte, e muitos outros. Do período mais
recente, destacam-se Millôr, Lan, Ziraldo, Henfil, Jaguar e Chico Caruso.
As charges, muito mais do que meras ilustrações em mídias
alternativas no contexto socio-político-econômico vivenciado pela sociedade,
quebram paradigmas na linguagem jornalística habitual ao exigir do leitor reflexão e
crítica social a fim de entendê-las.
Elas se propõem a representarem o real carregado de subjetividade.
Segundo Teixeira (2005), “a especificidade de seu discurso – informação por
imagem – nos informa menos sobre a sociedade e mais do exercício de tolerância
política que ela assegura aos seus cidadãos”.
7. A charge no jornal
O jornal é visto por Arruda (2006, p. 21) como sendo:
Uma conquista, na medida em que representa a possibilidade de difusão de conhecimentos e de informações. Numa sociedade, num período de avanço tecnológico e mutações econômicas, o jornal oportuniza o aparecimento de novos sistemas para o registro e análise do cotidiano. As observações feitas por esse veículo, contêm percepções preciosas de nossa história.
Entre os diversos gêneros que compõem um jornal, pode-se citar: a
carta do leitor, o editorial, a notícia, a reportagem, a crônica, o artigo, o
fotojornalismo, o caderno especial, a edição especial, a entrevista, a coluna
jornalística, os classificados e a charge.
Esta diversidade de gêneros oferecida pelo jornal permite que o leitor
tenha a liberdade de escolher suas leituras, de acordo com seu interesse, elegendo
os cadernos que satisfaçam suas necessidades de leitor.
No que se refere especificamente ao gênero charge, tema deste
estudo, mais do que um simples desenho, a charge é uma crítica político-social onde
o artista expressa graficamente sua visão sobre determinadas situações cotidianas
através do humor e da sátira. Para entender uma charge não precisa ser
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necessariamente uma pessoa culta, basta estar por dentro do que acontece ao seu
redor. A charge tem um alcance maior do que um editorial, por exemplo, por isso a
charge, como desenho crítico, é temida pelos poderosos. Não é a toa que quando se
estabelece censura em algum país, a charge é o primeiro alvo dos censores.
De acordo com Pavani, Junquer e Cortez (2007), a palavra charge vem
do francês charger que significa carga, exagero ou, até mesmo ataque.
Crítica, satírica, demolidora, a charge representa uma arma poderosa
da imprensa, por isso foram reprimidos por governos (principalmente impérios),
porém ganharam grande popularidade com a população, fato que acarretou sua
existência até os tempos de hoje em dia. É por isso que Pavani, Junquer e Cortez
(2007), destacam a necessidade do leitor possuir conhecimento dos principais fatos
políticos, econômicos e sociais da região e do país em que vive para poder entender
uma charge e interagir com o fato tratado pelo chargista.
A construção da charge muitas vezes também é baseada na remissão
de outros textos, verbais ou não, sem com isso perder sua singularidade decorrente
do modo perspicaz com que demonstra sua capacidade de congregar, num jogo de
polifonia a ambivalência, o verso e o reverso do que tematiza.
Assim, o chargista – por meio do desenho e da língua – utiliza o humor
para buscar o que está por trás dos fatos e personagens de que se trata. Ele afirma
e nega ao mesmo tempo, obrigando o leitor a refletir sobre fatos e personagens do
mundo atual, a interagir com uma intertextualidade.
8. As diferentes linguagens da arte tendo a charge como tema gerador
Atualmente está na boca de qualquer educador o pensamento de que a
escola, no trato com a Língua Padrão1 em seu cotidiano, deve procurar preservar as
funções sociais da linguagem oral e escrita.
Os textos - orais e escritos - têm usos reais e específicos nas
sociedades, fato freqüentemente desconsiderado pela escola que vem promovendo
o ensino de uma língua artificial, porque distante de seus usos e de seus
interlocutores. Cria, para tal, situações e exercícios desprovidos de significação -
1 Termo utilizado por Geraldi (2000) para se referir a variação lingüística trabalhada na escola.
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descontextualizados e escolarizados. O objetivo é “treinar” o desempenho do
educando em estruturas menores como a frase e a palavra, por acreditar que, só a
partir dessa prática preliminar, o educando poderá ter acesso aos textos, desde que
haja por parte do educador um controle, o que resulta numa hierarquização.
Normalmente, nos exercícios e nas provas de redação, a linguagem deixa de cumprir qualquer função real, constituindo-se uma situação artificial, na qual o estudantes, à revelia de sua vontade, é obrigado a escrever sobre um assunto em que não havia pensando antes, no momento em que não se propôs e acima de tudo, tendo que demonstrar ( esta é a prova) que sabe... (GERALDI, 2001, p.126).
Assim, deixando quase sempre de lado o caráter dialógico e social da
língua e da linguagem, a escola insiste em práticas mecânicas que sonegam o
objetivo de permanente diálogo e a interação da comunicação verbal.
Deste modo, ao fazer a análise das concepções que tem norteado a
Arte na Educação, percebe-se que a arte tem sido tomada como conhecimento
técnico, ora como expressão espontânea, perdendo-se de vista sua totalidade. Por
isso, o educador antes de entrar numa sala de aula, precisa ter bem claro o que vai
fazer e onde pretende chegar com o que será realizado, ou seja, para que não caia
nos extremos de levar o educando a simplesmente fazer ou simplesmente repetir.
Isto não significa negar que o aluno possua uma determinada leitura da realidade e o domínio de certas técnicas para sua expressão. Porém, isto deve ser considerado pela escola como ponto de partida. Cabe a esta, através do conhecimento sistematizado, possibilitar ao aluno as condições concretas para satisfação de sua necessidade de expressão, afirmação e interação com a realidade. (BOLSI, 2001, p. 4).
Para superar esses extremismos, é preciso que o educador tenha claro
que recuperar a arte como forma de conhecimento, trabalho e expressão é buscar a
totalidade do conhecimento artístico, para dar conta da necessidade humana de
expressão, afirmação e interação com a realidade através da charge. Para tal, é
preciso definir os conhecimentos necessários que contribuam para uma leitura e
representação da realidade através da arte.
9. Quarto traço: considerações finais
Vive-se numa sociedade “letrada”, e como tal, há infinitas formas de
informações como revistas, jornais, livros, cartazes, faixas, rótulos de embalagens,
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otdoors, etc.
Neste contexto, é muito importante trabalhar desde cedo a as
diferentes formas de produção textual uma vez que elas são por excelência uma
atividade que desenvolvem a criatividade, a capacidade de organização e
oportunizam ao educando uma cultura que lhe permite enfrentar o mundo com
coragem e determinação, desde que se oportunize as condições adequadas para o
desenvolvimento de tal atividade, pois, da mesma maneira que é difícil para o
educando compreender um texto, cujo assunto fuja do seu repertório de
experiências, é difícil para ele se posicionar sobre algo que não esteja claramente
representado em seu interior, ou diretamente ligado à sua vida.
Mas se por um lado isso representa um esboço do ideal, por outro, a
constatação de que a situação atual da educação no Brasil, não vem de encontro
com o potencial que os educandos possuem nos primeiros anos de escolaridade
despertou o interesse pelo tema delimitado.
No decorrer do desenvolvimento das oficinas do Programa Lendo e
Relendo, observei que a grande dificuldade demonstrada pelos educandos para
expressar seu pensamento, especialmente quando solicitado para redigir um texto
advém não apenas da deficiência no manejo da língua, mas também, da falta do
desenvolvimento da criatividade com a produção textual.
Com intuito de superar tais dificuldades, a charge se apresentou como
um instrumento pedagógico que possibilita ao aluno manifestar seu ponto de vista
de modo mais objetivo uma vez que as propostas de redação sempre eram
decorrentes de discussões, conversas ou reflexões. Deste modo, a atividade de
redigir passou a ser vista como uma atividade prazerosa, apresentada como um
desafio estimulante.
Ao educador-pesquisador coube a tarefa de deixar o educando
escrever e desenhar seus textos livremente, respeitando as características da fase
da adolescência e pré-adolescência que não gostam de imposição e normas.
O educando do Ensino Fundamental despertou há pouco para o
mundo, ele ainda o está descobrindo. Ajudá-lo a se desenvolver, não limitar e nem
bloquear sua criatividade deve é uma grande preocupação que o educador pode
resolver utilizando o recurso da charge para deixar que os educandos se
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comuniquem, adquirindo a habilidade de se expressar com clareza, correção,
objetividade e principalmente, desenvolvendo suas potencialidade criadoras.
Deste modo, a aprendizagem do uso da charge, na escola, torna-se,
pois, a aprendizagem de ser sujeito capaz de assumir a sua palavra na interação
com interlocutores que reconhece e com quem deseja interagir, para atingir objetivos
e satisfazer desejos e necessidades de comunicação.
Assim, no quadro dessa nova concepção de linguagem, a prática de
uso da charge na escola é considerada como sendo, fundamentalmente, a
instituição de situações de enunciação em que a expressão visual se apresente
como a alternativa possível ou a mais adequada para atingir um objetivo ou
necessidade ou desejo de interação com um interlocutor ou interlocutores
claramente identificados.
Neste sentido, a charge como forma de produção textual apareceu
neste estudo como uma alternativa interessante a ser colocada em prática na sala
de aula para estimular a criatividade e dar o toque de prazer que o educando precisa
para adquirir o gosto pela produção textual.
10. Referências
ARRUDA, Marina Patrício de. A formação nas páginas do jornal. Pelotas: Seiva, 2006.
BOLSI, Mirian Terezinha. Apostila do curso de Arte – Magister. Lages: UNIPLAC, 2001.
FONSECA, Francisco C. P. Mídia e democracia: falsas confluências. Revista de Sociologia e Política. Nº 22: 13-24. Jun. 2004.
GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
______. (org.). O texto na sala de aula. 3 ed. São Paulo: Ática, 2001.
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