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GEONOVAS: A GEOLOGIA E O AMBIENTE _________________ _ ANÁLISE DA SOBREELEVAÇÃO DO NÍVEL DO MAR DE ORIGEM METEOROLÓGICA DURANTE OS TEMPORAIS DE FEVEREIRO/MARÇO DE 1978 E DEZEMBRO DE 1981* Rui Taborda** e J.M. Alveirinho Dias*** RESUMO: Foram analisados os dados de oito estações maregráficas (Viana do Castelo, Leixões, Aveiro, Cascais, Lisboa, Tróia, Sines e Lagos) durante o período em que ocorreram, na costa portuguesa, dois temporais generalizados: em Fevereiro/Março de 1978 e em Dezembro de 1981. Durante estes temporais os valores máximos da sobreelevação do nível do mar (i.e. diferença entre a maré observada e maré astronómica prevista) variaram, respectivamente, entre 0;4 e 0,9m e 0,4 e 1,2 m. Os níveis máximos de maré atingiram valores que variaram entre 3,8 e 4,3m para o temporal de 1978 e 3,6 e 4,Om para o temporal de 1981/82, excedendo a maré máxima prevista em 0,4 a 0,7m. O estudo dos registos da pressão e do vento permitiu explicar grande da sobreelevação observada em termos das condições metereológicas locais. ABSTRACT: During the storms of February/March 1978 and December 1981, data from eight tide gauge stations, on the portuguese coast, (Viana do Castelo, Leixões, Aveiro, Cascais, Lisbóa, Tróia, Sines and Lagos) were analised. During these storms the maximum surge ranged in amplitude from 0.4 to 0.9m and from 0.4 to 1 .2m, respectively. The observed maximum water leveIs ranged from 3.8 to 4.3m for the 1978 storm, and from 3.6 to 4.0m, for the 1981 storm. This leveIs exceed the predicted tidal maxima by between 0.4 and 0.7m. The comparision of surge leveIs with the barometric pressure and the wind speed sugest that the surge leveIs are mostly related with the local metereological conditions. INTRODUÇÃO O termo sobreelevação do nível do mar ou "storm surge" refere-se à subida temporária do nível do mar resultante da existência de condições metereológicas anómalas, nomeadamente de variações no campo da pressão atmosférica e/ou da acção de ventos fortes e prolongados. Esta sobreelevação é geralmente definida por meio da diferença entre o nível observado e a altura da maré astronómica prevista. O estudo deste fenómeno em Portugal revela-se de uma importância indiscutível, pois que é de grande relevância numa mais correcta avaliação e interpretação dos processos costeiros e da dinâmica sedimentar da plataforma em geral, desempenhando possivelmente um papel decisivo nas trocas sedimentares entre os depósitos litorais e os depósitos mais profundos, por um lado, e entre os depósitos submersos e emersos, por outro. Quando atinge grande amplitude (da ordem métrica), a sobreelevação do nível do mar é integrável na classe dos acontecimentos catastróficos * Contribuição DISEPLA n° A24 (Projecto PROCOST-JNICT 714/90 e DISEPLA-JNICT 692/90) ** FSE/JNICT/Museu Nacional de História Natural, rua da Escola Politécnica 58,1294 LISBOA CODEX. *** Instituto Hidrográfico, Rua das Trinas 49 -1296 LISBOA CODEX. 89

ANÁLISE DA SOBREELEVAÇÃO DO NÍVEL DO MAR DE …w3.ualg.pt/~jdias/JAD/papers/RN/92_Geonovas.pdf · variações no campo da pressão atmosférica e/ou da acção de ventos fortes

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GEONOVAS: A GEOLOGIA E O AMBIENTE _________________ _

ANÁLISE DA SOBREELEVAÇÃO DO NÍVEL DO MAR DE ORIGEM METEOROLÓGICA DURANTE OS TEMPORAIS DE FEVEREIRO/MARÇO

DE 1978 E DEZEMBRO DE 1981*

Rui Taborda** e J.M. Alveirinho Dias***

RESUMO: Foram analisados os dados de oito estações maregráficas (Viana do Castelo, Leixões, Aveiro, Cascais, Lisboa, Tróia, Sines e Lagos) durante o período em que ocorreram, na costa portuguesa, dois temporais generalizados: em Fevereiro/Março de 1978 e em Dezembro de 1981. Durante estes temporais os valores máximos da sobreelevação do nível do mar (i.e. diferença entre a maré observada e maré astronómica prevista) variaram, respectivamente, entre 0;4 e 0,9m e 0,4 e 1,2 m. Os níveis máximos de maré atingiram valores que variaram entre 3,8 e 4,3m para o temporal de 1978 e 3,6 e 4,Om para o temporal de 1981/82, excedendo a maré máxima prevista em 0,4 a 0,7m. O estudo dos registos da pressão e do vento permitiu explicar grande par~e da sobreelevação observada em termos das condições metereológicas locais.

ABSTRACT: During the storms of February/March 1978 and December 1981, data from eight tide gauge stations, on the portuguese coast, (Viana do Castelo, Leixões, Aveiro, Cascais, Lisbóa, Tróia, Sines and Lagos) were analised. During these storms the maximum surge ranged in amplitude from 0.4 to 0.9m and from 0.4 to 1 .2m, respectively. The observed maximum water leveIs ranged from 3.8 to 4.3m for the 1978 storm, and from 3.6 to 4.0m, for the 1981 storm. This leveIs exceed the predicted tidal maxima by between 0.4 and 0.7m. The comparision of surge leveIs with the barometric pressure and the wind speed sugest that the surge leveIs are mostly related with the local metereological conditions.

INTRODUÇÃO

O termo sobreelevação do nível do mar ou "storm surge" refere-se à subida temporária do nível do mar resultante da existência de condições metereológicas anómalas, nomeadamente de variações no campo da pressão atmosférica e/ou da acção de ventos fortes e prolongados. Esta sobreelevação é geralmente definida por meio da diferença entre o nível observado e a altura da maré astronómica prevista.

O estudo deste fenómeno em Portugal revela-se de uma importância indiscutível, pois que é de grande relevância numa mais correcta avaliação e interpretação dos processos costeiros e da dinâmica sedimentar da plataforma em geral, desempenhando possivelmente um papel decisivo nas trocas sedimentares entre os depósitos litorais e os depósitos mais profundos, por um lado, e entre os depósitos submersos e emersos, por outro. Quando atinge grande amplitude (da ordem métrica), a sobreelevação do nível do mar é integrável na classe dos acontecimentos catastróficos

* Contribuição DISEPLA n° A24 (Projecto PROCOST-JNICT 714/90 e DISEPLA-JNICT 692/90) ** FSE/JNICT/Museu Nacional de História Natural, rua da Escola Politécnica 58,1294 LISBOA CODEX. *** Instituto Hidrográfico, Rua das Trinas 49 -1296 LISBOA CODEX .

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que podem induzir modificações determinantes na distribuição dos sedimentos da plataforma continental. O conhecimento destes fenómenos e da sua probabilidade de ocorrência reveste-se, ainda, de grande utilidade prática, pois é um elemento de importância vital para a correcta gestão e ordenamento da zona litoral. Efectivamente, a sobreelevação do nível das águas oceânicas, principalmente quando ocorre associada a grandes temporais e em períodos de marés vivas, aumenta extraordinariamente os riscos de inundação de zonas ribeirinhas e a probabilidade de danificação ou destruição de bens aí existentes. Esporadicamente, na bibliografia referente a temporais que assolaram a costa portuguesa, encontram-se descrições de sobreelevações do nível do mar que podem ser interpretadas como tendo origem metereológica. A título exemplificativo aponta-se o caso do temporal de Janeiro de 1937, em que, em Vila Nova de Milfontes, «a água subiu até a uma altura (3m na casa abrigo do salva-vidas) que nunca tinha acontecido» (Pereira, 1937). Trata-se, todavia, de simples referências descritivas de elevações do nível do mar em localidades específicas da costa. Que seja do nosso conhecimento, só existe um trabalho publicado em que é apresentada uma quantificação desta sobreelevação em Portugal (Morais e Abecasis, 1978). Neste artigo, referente ao porto de Leixões, os autores apontam, para o temporal de Janeiro de 1973, um valor de sobreelevação máxima de O,53m. Este valor apresenta, todavia, um carácter muito pontual, quer no espaço quer no tempo, parecendo pois da maior relevância alargar o estudo da sobreelevação do nível do mar a outras estações e a outros temporais.

Neste trabalho procura-se quantificar a sobrelevação do nível do mar ocorrida durante dois grandes temporais generalizados: os que ocorreram em Fevereiro/Março de 1978 e em de Dezembro de 1981 .

CARACTERÍSTICAS DAS TEMPESTADES

Temporal de Fevereiro/Março de 1978.

O mau tempo que decorreu no período de 14 de Fevereiro a 3 de Março de 1978 deveu­-se à persistência, duma extensa zona depressionária, moderadamente cavada, com vários núcleos disseminados por toda a região setentrional do Atlântico, que deu origem ao constante transporte de ar polar para as latitudes médias do Atlântico (Pires, 1978). O reencontro de ar polar com o tropical entre as latitudes de 35° e 45°N deu origem à formação de sucessivas ondulações da frente polar que se deslocavam, em geral, rapidamente, em todo o período, de oeste para leste, favorecidas, como atrás se referiu, pela forte corrente de oeste fornecida pela constância do jacto polar naquelas latitudes. De 14 de Fevereiro a 3 de Março o território do continente foi atravessado por 13 sistemas frontais (três em cada 4 dias). Como reflexo da situação, no período referido, foi geralmente forte e de componente oeste o vento observado à superfície na faixa do Atlântico considerada (Fig. 1) (Pires, 1978; INMG, 1978).

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Fig. 1- Carta de superfície às 00:00 TMG do dia 24 de Fevereiro de 1978 (Segundo o Boletim Metereológico Diário n° 11896)

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Na costa Oeste a altura significativa da ondulação ultrapassou os 5,0 m durante o período de 22 de Fevereiro a 1 Março, chegando a atingir 8 a 10m, com rumo de W. Na costa sul a altura significativa, durante o mesmo período, ultrapassou os 3,5m, chegando a atingir os 6,1 m, com rumo de W (LNEC, 1987).

Este temporal, apesar de não poder ser considerado excepcional (Pires, 1978), provocou avultados prejuízos no litoral, principalmente durante a madrugada do dia 26, os quais se encontram bem documentados, nomeadamente por Daveau et al (1978), Feio & Almeida (1978) e Feio (1980). Entre os muitos estragos provocados no litoral português por este temporal salientam-se, pela sua importância, os que se verificaram em Espinho, em Esmoriz, no Furadouro, na Costa Nova do Prado, na Praia de Mira, na Figueira da Foz, em Cova, na Costa de Lavas, na Leiriosa, em Sines e na «Ria Formosa». Os danos principais consistiram, essencialmente, em destruições em obras de protecção costeira e em estruturas portuárias, em recuos muito rápidos da linha de costa nalguns pontos e, principalmente, em numerosos galgamentos oceânicos que provocaram cortes em estradas, inundações em zonas interiores (nomeadamente em zonas urbanizadas), e transporte de grandes quantidades de areia. Do ponto de vista financeiro, os prejuízos então verificados (incluindo os que se registaram no molhe do porto de Sines) ascenderam a vários milhões de contos.

Temporal de Dezembro de 1981. Este temporal teve características muito semelhantes ao anterior, com sucessivas passagens de

ondulações frontais e ventos fortes de W-SW (Fig. 2) (lNMG, 1981). Na costa Oeste a altura significativa da ondulação excedeu os 5,Om durante os dias 25 a 31

Dezembro, chegando a atingir 10 a 12m e rumo de SW. Na costa Sul ultrapassou os 3,5m, durante os mesmo período, e atingiu uma altura máxima de 7,9 m, com rumo também de SW (LNEC, 1987).

Tal como o temporal de Fevereiro 1978, provocou fortes estragos na costa portuguesa.

Fig. 2 - Carta de superfície às Oh TMG do dia 30 de Dezembro de 1981 (Segundo o Boletim Metereológico Diário n° 13301)

NÍVEIS OBSERVADOS E PREVISTOS. Os dados analisados correspondem aos registos horários entre os dias 1 de Fevereiro e 31 de

Março de 1978 e os dias 16 de Dezembro de 1981 e 14 de Janeiro de 1982, nas estações maregráficas de Viana do Castelo, Leixões, Aveiro, Cascais, Lisboa, Tróia, Sines e Lagos e respectivas previsões realizadas pelo Instituto Hidrográfico (fig. 3)

Os valores máximos observados da sobreelevação de maré variaram entre 40 e 90 cm para o temporal de 1978 e entre 40 e 120 cm para o temporal de 1981 (figs. 4 e 5 e tabela I).

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VIANA ALTURAS HORARIAS DO ANO DE 1978 MES DE FEVEREIRO

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Fig.3 - Dados maregráficos na estação maregráfica de Viana do Castelo durante o mêsde Fevereiro de 1978: a) Níveis horários: observados (traço mais fino) e previstos; b) Sobreelevação verificada (nível observado menos previsto).

TABELA 1- Marés previstas, níveis observados e sobreelevações máximas

Temporal de 1978

Sobreelevação máxima Maré previsla Sobreelevação Nível maxlmo altura (m) dia hora altura (m) dia hora observada (m)* atingido (m)

Viana 0.92 26/2 10:00 28/2 14:00 3.54 25/2 5:43 0,7 4.2 Leixões 0.48 23/2 01:00 3.52 25/2 5:08 0.4 3.9 Aveiro Cascais 0.42 23/2 23:00 3.46 24/24:17 0.4 3.9 Lisboa 0.56 26/2 23:00 3.78 24/2 4:59 0.5 4.3 Tróia Sines 0.51 26/2 21:00 3.43 24/24:15 0.4 3.8 Lagos 0.44 24/2 1:00 3.41 24/2 4:00 0.4 3.8

Temporal de 1981/82

Sobreelevação máxima Maré previsla Sobreelevação Nível máXImo altura (m) dia hora altura (m) dia hora observada (m)* atingido (m)

Viana Leixões 0.87 30/12 9:00 30/12 13:00 3.27 30/12 6:01 0.7 4.0 Aveiro 1.17 30/ 12 0:00 2.99 30/12 6:25 0.6 3.6 Cascais 0.52 30/ 12 8:00 3.24 30/12 5:42 0.5 3.7 Lisboa 0.95 30/1211:00 3.6 30/12 6:22 0.4 4,0 Tróia 1.05 30/ 12 11 :00 3.23 30/125:58 0.7 3.9 Sines 0.49 30/ 12 8:00 3.27 30/125:36 0.5 3.8 Lagos 0.42 30/124:00 30/12 11:00 3.19 30/125:26 0.4 3.6

'" dcduLlda dos registos horários

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Uma das principais diferenças no comportamento da sobreelevação máxima nestes dois temporais diz respeito à duração. Efectivamente, no temporal de 1978, os valores máximos distribuiram-se por cinco dias (23 a 28 de Fevereiro), enquanto no temporal de 1981 as sobreelevações máximas foram observadas todas no dia 30 de Dezembro. O aspecto geral da curva de sobreelevação é de oscilações com alta frequência sobrepostos a um fundo que varia mais lentamente. Infelizmente, as estações onde se observaram os maiores valores de sobreelevação num dos temporais (Viana do Castelo durante o temporal de 1978 e Aveiro e Tróia no de 1981), não tiveram um registo completo durante o outro temporal.

Um resumo dos níveis máximos observados durante os temporais (i.e . máximo da maré prevista + sobreelevação), deduzidos através da observações horárias, e a respectiva componente de sobreelevação é dado na tabela 1. Os níveis observados excederam os previstos de 40 a 70 cm, apresentando valores relativamente semelhantes para os dois temporais. As marés previstas correspondiam, em ambos os casos, a níveis de maré viva, não tendo sido, no entanto, excepcionalmente altas . Contudo, a soma dos dois factores (maré teórica + sobreelevação), deu origem a níveis bastante elevados, principalmente para o temporal de 1978 onde, em várias estações, ultrapassaram os 4 metros.

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Fevereiro Março

Fig. 4 -Sobreelevação do nível do mar observada nas estações maregráficasde Viana do Castelo, Leixões, Cascais, Lisboa, Sines e Lagos entre 1 de Fevereiro e 31 de Março de 1978

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10 Dezembro Janeiro

Fig. 5 -Sobreelevação do nível do mar observada nas estações maregráficasde Leixões, Aveiro, Cascais, Lisboa, Tróia, Sines e Lagos entre 16 de Dezembro de 1981 e 15 de Janeiro dde 1982

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EFEITO DAS CONDIÇÕES ATMOSFÉRICAS

No sentido de tentar avaliar a influência da variação da pressão atmosférica e do vento nestes temporais foram analisados os dados, cedidos pelo INMG, das estações meteorológicas localizadas o mais próximo possível das estações maregráficas: Viana do Castelo (registo de 3 em 3 horas), Porto/Pedras Rubras (registo de 3 em 3 horas), Lisboa/lnstituto Geofísico(registo às 9,12,15,18 e 21 horas de cada dia) , Sines (registo às 9 e 15 horas de cada dia) e Faro (registo de 3 em 3 horas) . Neste estudo não se incluiu a estação maregráfica de Lisboa por esta estar contaminada pelo caudal do rio Tejo.

CORRELAÇÃO COM A PRESSÃO ATMOSFÉRICA.

Quando se compara graficamente a sobreelevação do nível do mar com a pressão atmosférica, apesar da diferença no intervalo de amostragem, verifica-se uma concordância assinalável (Fig. 6). Esta é confirmada pelo elevado valor do coeficiente de correlação encontrado entre estas duas grandezas: 0,86 a 0,91 para o temporal de 1978 e 0,58 a 0,89 para o temporal de 1981 (tabela 2). É de salientar que o valor do declive da recta de correlação (variação da sobreelevação, em centímetros, provocada por uma variação de pressão de um hectopascal) é geralmente superior ao que seria de esperar considerando uma resposta estática do nível do mar à pressão (1 centímetro por hectopascal) . Este facto é, em parte, explicado se considerarmos uma resposta dinâmica das águas menos profundas da plataforma continental ao movimento do campo da pressão atmosférica. De qualquer forma, só entrando em linha de conta com os efeitos da pressão atmosférica, é natural que se observem desvios em relação aos valores previstos, pois têm de se ter em consideração as particularidades específicas da batimetria envolvida e os efeitos do vento.

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5 15 25 7 17 27

Fevereiro Março

Fig. 6 - Com paração da curva de variação da sobreelevação do nível do mar na estação maregráfica de Leixões (a cheio) com a curva de variação da pressão na estação metereológica de Pedras Rubras (a tracejado)

TABELA 2 - Correlação entre a sobreelevação do nível do mar e a pressão atmosférica

Estação Estação Coeficiente de Declive Maregráfica Metereológica correlação cm/hPa

1978 1981 1978 1981 Viana Viana -0.86 -1.8 Leixões Porto -0.91 -0.77 -1.6 -1.1 Cascais Lisboa -0.90 -0.58 -1.4 -0.5 Sines Sines -0.90 -0.89 -1.3 -1.2 Lagos Faro -0.90 -0.68 -1.3 -0.9

hPa

9 70

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1070

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Resposta ao vento

A acção do vento no nível do mar é muito variável e depende substancialmente da fisiografia da área em questão. Dum modo geral, pode afirmar-se que a acção do vento se traduz numa subida do nível do mar no sentido para onde sopra o vento. Um vento forte soprando para terra induz elevação do nível do mar e, consequentemente, alturas de água mais altas do que as previstas. Fenómeno inverso se passa quando o vento sopra da terra para o mar.

Nos gráficos em que se compara a pressão e a sobreelevação, durante o temporal de Fevereiro/Março de 1978, verifica-se que na primeira quinzena de Fevereiro a resposta à pressão atmosférica é nitidamente inferior ao que acontece durante a segunda quinzena (Fig. 6). Analisando os gráficos relativamente à direcção e intensidade do vento, para a mesma estação (Fig. 7), verifica-se que o regime de ventos é claramente diferente durante estes dois períodos, sendo dominado por ventos de N-NE, durante o primeiro período, ao passo que no segundo período este é essencialmente de S-SW. Assim os dados dos ventos parecem estar de acordo com o que teoricamente seria previsível.

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5 15 25 7

Fevereiro

Fig. 7 - Curvas de variação da intensidade do vento segundo as componentes N -S e E-W

CONCLUSÕES

17 27

Março

Este trabalho divulga, pela primeira vez em Portugal (tanto quanto sabemos), resultados de um estudo sistemático da sobreelevação do nível de mar de origem metereológica (<<storm surge»), envolvendo dois temporais generalizados e o conjunto das estações maregráficas de Portugal continental.

Durante os temporais estudados, o de 14 de Fevereiro a 3 de Março de 1978 e o de 25 a 31 de Dezembro de 1981, os valores máximos da sobrelevevação observados nas estações maregráficas de Viana do Castelo, Leixões, Aveiro, Cascais, Lisboa, Tróia, Sines e Lagos variaram, respectivamente, entre 0,4 e 0,9m e 0,4 e 1,2m.

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Os níveis máximos atingiram valores que variaram entre 3,8 e 4,3m para o temporal de 1978 e 3,6 e 4,Om para o temporal de 1981/82, excedendo a maré máxima prevista em 0,4 a 0,7m.

O estudo dos registos da pressão e do vento permitiu explicar grande parte da sobreelevação observada em termos das condições metereológicas locais.

Apesar das limitações inerentes ao trabalho desenvolvido, e que advêm do facto de se terem apenas considerado dois temporais, o que é nitidamente insuficiente para uma correcta caracterização deste fenómeno, os resultados obtidos demonstram que a amplitude da sobreelevação do nível do mar em Portugal não é de modo nenhum desprezável, tendo de ser tomados em consideração quando de uma previsão de níveis extremos, e que parte dos prejuízos ocorridos no decurso desses temporais se ficou a dever às sobreelevações verificadas. Com efeito, essas sobreelevações facilitaram a ocorrência de numerosos episódios de galgamento oceânico (<<overwashes»), os quais provocaram danos avultados nas zonas costeiras. Assim, e face à importância do assunto, nomeadamente para a correcta gestão da orla litoral, recomenda-se, vivamente, o estudo sistemático de séries temporais alargadas com vista a uma mais completa caracterização da sobreelevação do nível do mar, de origem metereológica, na costa portuguesa.

AGRADECIMENTOS

Os autores desejam expressar o seu agradecimento aos Drs. Costa Alves e Oliveira Pires (Instituto Nacional de Metereologia e Geofísica) pela leitura crítica de uma versão prévia deste trabalho e a Fernando Vasques (Instituto Hidrográfico) pela prestimosa ajuda na fase de selecção dos dados.

BIBLIOGRAFIA

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