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Universidade do Minho Mestrado em Media Interactivos Teoria do Cinema :: 2011/2012 Pedro Nogueira, pg18791 Análise do filme Rango No sentido de expormos todos os conhecimentos adquiridos até ao momento na disciplina de Teoria do Cinema, foi-nos proposto pelo professor Martin Dale analisar o filme Rango. Com base naquilo que consegui reter ao longo das sessões e nas leituras que entretanto fui efectuando, procurarei neste exercício aplicar os conceitos e as ferramentas correctas no que consiste a analisar devidamente um filme. Rango é um filme de animação de 2011 realizado por Gore Verbinski e é a primeira longa-metragem produzida pela Industrial Light & Magic. O filme é uma ode aos spaghetti westerns e conta com um bom elenco de vozes, onde se destaca Johnny Deep que dá vida ao lagarto protagonista da história. A qualidade e rigor da fotografia (as paisagens e os personagens apresentam um hiper-realismo soberbo), a excelente caracterização dos personagens, a harmoniosa banda sonora bem como toda a narrativa, divertida e recheada de homenagens aos westerns italianos, são os principais ingredientes presentes nesta película e que lhe fizeram valer o óscar de melhor filme de animação. Rango é tudo menos um filme dedicado a crianças. Isto porque apresenta um vocabulário pouco infantil e rompe com os clássicos filmes de animação assentes em emoções, sentimentos e valores de vida (como os filmes da Disney e da Pixar nos habituaram), apresentando antes uma série de metáforas que dificilmente conseguem ser assimiladas pelas crianças. Para além do mais, algumas das personagens têm um aspecto um pouco assustador, sendo que o filme retrata também várias sequências de violência e até de mortes que não são nada aconselhadas a mentes mais vulneráveis como a das crianças. Quanto ao público adulto, creio que as várias referências que Rango faz a outros filmes permite que, pontualmente, vá saltando à memória das pessoas mais velhas cenas e momentos desses mesmos filmes referenciados, o que acaba por torná-lo num filme ainda mais interessante, especialmente para quem adora os filmes do faroeste.

Análise do filme Rango

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Análise cinematográfica do filme western de animação Rango.

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Teoria do Cinema :: 2011/2012

Pedro Nogueira, pg18791

Análise do filme Rango

No sentido de expormos todos os conhecimentos adquiridos até ao momento na

disciplina de Teoria do Cinema, foi-nos proposto pelo professor Martin Dale analisar o

filme Rango. Com base naquilo que consegui reter ao longo das sessões e nas leituras

que entretanto fui efectuando, procurarei neste exercício aplicar os conceitos e as

ferramentas correctas no que consiste a analisar devidamente um filme.

Rango é um filme de animação de 2011 realizado por Gore Verbinski e é a

primeira longa-metragem produzida pela Industrial Light & Magic. O filme é uma ode

aos spaghetti westerns e conta com um bom elenco de vozes, onde se destaca Johnny

Deep que dá vida ao lagarto protagonista da história. A qualidade e rigor da fotografia

(as paisagens e os personagens apresentam um hiper-realismo soberbo), a excelente

caracterização dos personagens, a harmoniosa banda sonora bem como toda a

narrativa, divertida e recheada de homenagens aos westerns italianos, são os

principais ingredientes presentes nesta película e que lhe fizeram valer o óscar de

melhor filme de animação.

Rango é tudo menos um filme dedicado a crianças. Isto porque apresenta um

vocabulário pouco infantil e rompe com os clássicos filmes de animação assentes em

emoções, sentimentos e valores de vida (como os filmes da Disney e da Pixar nos

habituaram), apresentando antes uma série de metáforas que dificilmente conseguem

ser assimiladas pelas crianças. Para além do mais, algumas das personagens têm um

aspecto um pouco assustador, sendo que o filme retrata também várias sequências de

violência e até de mortes que não são nada aconselhadas a mentes mais vulneráveis

como a das crianças.

Quanto ao público adulto, creio que as várias referências que Rango faz a outros

filmes permite que, pontualmente, vá saltando à memória das pessoas mais velhas

cenas e momentos desses mesmos filmes referenciados, o que acaba por torná-lo num

filme ainda mais interessante, especialmente para quem adora os filmes do faroeste.

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O filme começa por nos apresentar Rango, um lagarto de estimação, que

atravessa uma espécie de uma crise de identidade – “Quem sou eu? Eu posso ser

quem eu quiser”. A monotonia do animal domesticado é bem vincada nesta cena

inicial onde Rango brinca sozinho no isolamento de um aquário fechado. Com um

círculo de amigos que se resume a dois objectos de plástico (uma boneca

desmembrada e um peixe de corda), Rango tenta construir a sua história onde ele

próprio é o herói.

Esta cena pode também ser entendida como uma metáfora em relação à vida

humana. O facto de Rango desenhar um rectângulo na lente da câmara, como se de

uma tela de cinema se tratasse, é talvez uma crítica àqueles momentos da vida em que

nos fazemos passar por actores. Este gesto é, aliás, repetido mais tarde na cena do

Espírito do Oeste (cena que analisarei mais à frente). Também na cena em que Rango

entra pela primeira vez no saloon é possível ver um plano de um rectângulo quando

alguém lhe pergunta a sua verdadeira identidade – “Quem sou eu? Eu poderia ser

qualquer um”, pensou antes de responder: “Eu sou Rango!”. São portanto três

momentos em que é evidente a analogia da vida real com a vida de um actor,

funcionando como uma espécie de crítica às contantes representações e adopções de

diferentes personalidades a que nos submetemos ao longo da vida. O facto do

personagem principal ser um camaleão dá ainda mais ênfase a esta metáfora, pois

trata-se de um animal que se consegue camuflar e adaptar-se facilmente a diferentes

situações da vida.

Relativamente à cidade de Dirt, esta caracteriza-se exactamente como o típico

local dos westerns clássicos: localizada no meio do deserto, com uma rua principal

onde se realizam os duelos, com saloons que servem de ponto de encontro entre os

pistoleiros, etc. Nesta cidade, como ninguém conhece Rango, ele poderá construir a

identidade que quiser fazendo o que melhor sabe: agir como um actor. Através de uma

série de representações falsas e de mentiras, Rango ganha um estatuto e uma

reputação considerável junto da população que lhe faz valer o cargo de xerife local. A

sua missão passa por combater a corrupção presente na cidade e devolver a água ao

local. O filme tem aqui uma preocupação eminente com os problemas ambientais,

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quando aborda esta questão da escassez de água. A luta desenfreada que se vai

alongando durante o filme na tentativa dos personagens conseguirem encontrar água,

realça a importância que este elemento tem na vida humana. Até o próprio banco da

cidade funciona como uma reserva de água, o que significa que a água é tão preciosa

quanto o dinheiro, devendo ser preservada da mesma forma.

Das inúmeras referências cinematográficas que Rango faz, saltam desde logo à

vista alguns dos filmes do lendário realizador de spaghettis Sergio Leone e da grande

semelhança com o Chinatown do polaco Roman Polanski. Há também alguns planos

que estão eternizados no mundo do cinema e que Verbinski não quis desperdiçar

como, por exemplo, o plano contra a luz do pôr-do-sol (aos 56 minutos) que é uma

imagem característica do Rei Leão. O mesmo acontece com a banda sonora feita por

Hans Zimmer, que é em tudo idêntica às composições de Ennio Morricone. Os temas

de Apocalypse Now e Pulp Fiction (primeira música dos créditos finais) são também

aqui homenageados por Hans Zimmer. Em suma, são inúmeras as referências que

Rango faz a alguns dos clássicos do cinema. E quanto maior for a bagagem

cinematográfica da pessoa, mais facilmente ela encontrará semelhanças entre Rango e

um outro filme.

Análise de uma cena (Espírito do Oeste – 1h:21m - 1h:26m)

Com a chegada do temível Jake Cascavel à cidade, Rango viu a sua identidade ser

desvendada e foi humilhado perante toda a população de Dirt. Posto isto, foi obrigado

a deixar o cargo de xerife e a abandonar a cidade de forma cabisbaixa. Como

complemento a este momento mais triste do filme, que ocorre já ao cair da noite,

também as quatro corujas mariachi (responsáveis pela narração e pela música ao

longo da história) permaneceram em silêncio.

Toda a sequência que se segue dá continuidade a esta melancolia, sendo

utilizadas uma variedade de técnicas marcantes do film noir. O low-key lighting

utilizado nesta cena dá saliência à intensidade dos negros da noite que contrastam

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com a claridade do luar e faz criar sombras fortes. A música melancólica dá um peso

ainda mais forte a esta cena de decadência de Rango.

A cena começa com umas flores a fecharem e com o desalentado Rango a

caminhar pelo deserto sob um luar intenso. Ao passar pelas dunas, a areia começa a

deslizar para baixo como símbolo do desabamento e do arrastamento do personagem.

Durante esta sequência salta à vista os vários dissolves utilizados na transição de

planos das dunas que aumentam a carga negativa da cena e a tornam mais monótona.

Ao chegar perto da estrada, Rango reencontra o peixe de corda e a boneca

desmembrada que havia deixado para trás antes de partir para a aventura no deserto.

Era como se tivesse regressado ao seu habitat natural de vida aborrecida e de criatura

sem identidade e sem amigos: “Quem sou eu? Eu não sou ninguém.”

A forma como Rango atravessa a estrada cheia de trânsito de olhos fechados

caracteriza o conformismo da vida sem sentido. Se morrer ali, ninguém sentirá a sua

falta. A panorâmica utilizada na parte final desta travessia da estrada demonstra a

solidão de Rango assim como o plano picado tende a inferiorizar a significância do

personagem. A sua fraqueza era tal que Rango acaba por cair desamparado no chão.

Uma nova sequência começa com uns insectos a ressuscitarem, entrando

também uma outra música. São esses mesmos insectos que irão transportá-lo para

uma nova realidade que irá ditar num desfecho feliz da história.

Rango acorda já de dia perto de um carro de golfe com cinco estatuetas dos

óscares de Hollywood. Ao longe observa um senhor de costas ao qual chama de

Espírito do Oeste. Esta cena ganha ainda mais destaque quando se percebe que esse

homem é Clint Eastwood e que esta passagem é uma homenagem à carreira deste que

é um dos mais emblemáticos actores dos clássicos westerns. Eastwood ganhou

precisamente cinco óscares e aparece aqui vestido com as mesmas roupas da trilogia

de “O Homem Sem Nome”. Esta cena é uma clara referência a essa trilogia dos dólares

de Sergio Leone (o próprio discurso de Rango diz isso mesmo) e tem como objectivo

colocar frente a frente as crises de identidade de Eastwood e de Rango.

Aqui, Rango mostra toda a sua tristeza por não conseguir ser o herói que todos

desejavam: “As minhas acções tornam tudo pior. Eu sou uma fraude. Eu sou uma

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farsa”. O Espírito do Oeste convence-o de que ele tem que voltar a Dirt porque o seu

lugar é lá. E termina desenhando um rectângulo que se parece com uma tela de

cinema: “Ninguém pode escapar da sua própria história”.

Na cena que se sucede, Rango decide voltar ao outro lado da estrada para

combater a corrupção de Mayor e fazer regressar a água à cidade. Essa sua missão

acabará por ter sucesso e Rango conseguirá tornar-se naquilo que sempre desejou: ser

o herói da sua própria história.

Bibliografia:

- Grant, B. K. (2003). Film Genre Reader III. University of Texas Press: Austin.

- Monaco, J. (2000). How to Read a Film, 3rd edition. Oxford University Press: New York.

- Pramaggiore, M. & Wallis, T. (2008). Film: A Critical Introduction, 2nd edition. Pearson:

London.