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Análise dos Circuitos da Economia em Serrinha BA Lucicléia Silva Cardoso [email protected] Nadja Silva de Oliveira [email protected] UNEB-Campus XI Licenciandas em Geografia Resumo Diante das constantes transformações econômicas que vem ocorrendo em extensão global, este artigo pretende analisar como essa dinâmica vem se efetivando a nível local, em que a conservação e inserção de novos elementos na economia se entrecruzam modificando o espaço geográfico, tendo como recorte espacial o quarteirão comercial da cidade de Serrinha-BA, compreendido entre as ruas: Agenor de Freitas com limites entre a Rua Jonas Carvalho, a Rua Araújo Pinho até a Praça Miguel Carneiro, estudando de forma sistemática as práticas espaciais que a caracteriza desde a década de 1990 até os dias atuais, para tanto efetivou-se a partir de pesquisa teórica, pesquisa in locu,registro fotográfico, aplicação de entrevistas, coleta, análise e registro de dados. A análise possibilitou detectar a predominância do Circuito Inferior da economia, pautado na teoria dos dois Circuitos de Milton Santos. Dentro deste circuito encontra-se a prática varejista presente nas duas grandes feiras que contemplam esse local e dos estabelecimentos comerciais. Além disso, foi identificada a presença do circuito superior marginal. A cidade nos permite observar os diferentes contextos de surgimento dos circuitos da economia urbana e, neste sentido, procuramos refletir a respeito das condições locais do meio construído por esses diferentes circuitos da economia Miltoniana. Palavras Chaves: Circuito inferior, prática varejista, economia e circuito superior marginal. 1 Introdução Na obra Espaço Dividido, Milton Santos propõe a análise do espaço, sobretudo dos países subdesenvolvidos a partir da existência de dois circuitos da economia, tratados como circuito superior e circuito inferior. Por circuito superior entende-se uma economia moderna, fruto de uma alta tecnologia e que atende a uma parcela selecionada da população, enquanto que o circuito inferior é produto da exclusão das altas tecnologias para atender as demandas da classe pobre. Há ainda alguns desmembramentos desses circuitos como o

Análise dos Circuitos da Economia em Serrinha BA forma como o comércio se configura no mercado, através da obtenção de dinheiro líquido, do crédito e da não-exigência de qualificação

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Análise dos Circuitos da Economia em Serrinha BA

Lucicléia Silva Cardoso [email protected] Nadja Silva de Oliveira

[email protected] UNEB-Campus XI

Licenciandas em Geografia

Resumo

Diante das constantes transformações econômicas que vem ocorrendo em extensão global, este artigo pretende analisar como essa dinâmica vem se efetivando a nível local, em que a conservação e inserção de novos elementos na economia se entrecruzam modificando o espaço geográfico, tendo como recorte espacial o quarteirão comercial da cidade de Serrinha-BA, compreendido entre as ruas: Agenor de Freitas com limites entre a Rua Jonas Carvalho, a Rua Araújo Pinho até a Praça Miguel Carneiro, estudando de forma sistemática as práticas espaciais que a caracteriza desde a década de 1990 até os dias atuais, para tanto efetivou-se a partir de pesquisa teórica, pesquisa in locu,registro fotográfico, aplicação de entrevistas, coleta, análise e registro de dados. A análise possibilitou detectar a predominância do Circuito Inferior da economia, pautado na teoria dos dois Circuitos de Milton Santos. Dentro deste circuito encontra-se a prática varejista presente nas duas grandes feiras que contemplam esse local e dos estabelecimentos comerciais. Além disso, foi identificada a presença do circuito superior marginal. A cidade nos permite observar os diferentes contextos de surgimento dos circuitos da economia urbana e, neste sentido, procuramos refletir a respeito das condições locais do meio construído por esses diferentes circuitos da economia Miltoniana.

Palavras Chaves: Circuito inferior, prática varejista, economia e circuito superior

marginal.

1 Introdução

Na obra Espaço Dividido, Milton Santos propõe a análise do espaço,

sobretudo dos países subdesenvolvidos a partir da existência de dois circuitos

da economia, tratados como circuito superior e circuito inferior. Por circuito

superior entende-se uma economia moderna, fruto de uma alta tecnologia e

que atende a uma parcela selecionada da população, enquanto que o circuito

inferior é produto da exclusão das altas tecnologias para atender as demandas

da classe pobre. Há ainda alguns desmembramentos desses circuitos como o

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circuito superior marginal, o qual possui tanto características do circuito

superior como do inferior.

Contudo não se pode pensar na existência dos circuitos isoladamente,

pois os dois fazem parte de um único sistema econômico.

Nesse sentido o presente trabalho tem como objetivo analisar e descrever

o recorte espacial da área central da cidade de Serrinha, perpassando uma

parte da Rua Agenor de Freitas com limites entre a Rua Jonas Carvalho, a Rua

Araújo Pinho até a Praça Miguel Carneiro. O estudo tem como base a teoria

dos dois circuitos proposto por Milton Santos, o qual servirá para explicar o

funcionamento tanto da feira livre (os camelôs, ambulantes, etc.) como dos

estabelecimentos comerciais (supermercados, farmácias, etc.) dispostos neste

espaço.

A realização dessa análise ocorreu mediante uma pesquisa prévia do

assunto, seguida por visitas de campo e a realização de entrevistas com os

comerciantes locais, a fim de identificar em qual dos circuitos da economia os

mesmos se encontram, bem como o registro do espaço por meio de

fotografias. Após a coleta dos dados cabíveis buscou-se uma analise

comparativa entre as informações colhidas e a teoria estudada.

2 Circuito inferiror

No local analisado podemos perceber atividades ligadas aos dois circuitos

da economia urbana proposto por Milton Santos, porém, há uma grande

predominância do circuito inferior.

Esta área é caracterizada por atividades de pequena escala, servindo em

sua maioria à população pobre. O espaço é marcado pela existência de

pequenos comércios de alimentos, de vestimentas, barbearias, farmácias,

incluindo também vendedores ambulantes, e outras atividades e serviços. As

práticas comerciais geralmente ocorrem a varejo e a grande maioria dos

estabelecimentos não possui um grande estoque de mercadorias (foto 1).

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Para Santos, o circuito inferior se caracterizaria por pequenos lucros em

relação ao volume de negócios, já que as vendas são mínimas em relação às

grandes redes do circuito superior o que proporciona relações diretas e

pessoais entre empregados e empregadores e/ou usuários e consumidores.

Santos também destaca as reduzidas relações com instituições

financeiras que neste caso é apenas para depósito e pagamentos de faturas

com a presença governamental inexistente no apoio ou estímulo às atividades

nesses comércios do circuito inferior.

Outro elemento importante do circuito inferior, detectado no espaço

estudado diz respeito a não existência de propaganda ou a sua existência

quase insignificante em relação à abrangência dos recursos utilizados e o qual

não produz nem influencia em novos padrões de consumo. Os empregos

Foto 1. Frigorífico.

Fonte: CARDOSO, Lucicléia.

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oferecidos geralmente não exigem qualificação profissional, fator contribuinte

para a baixa remuneração dos mesmos.

2.1 Configuração do comércio no circuito Inferior

O comércio, da mesma forma que a produção, estabelecido nos países

subdesenvolvidos proporciona a transação e geração de capital. Investir é um

dos fatores principais para o crescimento das empresas comerciais e também

produtivas, em que as linhas de crédito são essenciais para o aumento do

"lucro".

A forma como o comércio se configura no mercado, através da obtenção

de dinheiro líquido, do crédito e da não-exigência de qualificação profissional,

possibilita uma maior margem de lucro e dinamiza o mercado interno quando

relacionado ao circuito inferior.

A existência de um contingente grande de trabalhadores não-assalariados

não impede a população de participar da "economia monetarizada". A

crescente urbanização proporciona a utilização do dinheiro líquido que circula

no circuito inferior em detrimento do aumento das cidades.

"Enquanto as trocas são feitas cada vez mais por intermédio de papéis à medida que se vai para o circuito superior, no circuito inferior, ao contrário, as operações são feitas em dinheiro líquido" (SANTOS, 2004, p. 230).

A circulação de dinheiro líquido, neste contexto, proporciona uma maior

margem de lucro e o surgimento de pequenos negócios temporários que

ajudam na economia dos países subdesenvolvidos. Quando o capital é

insuficiente nesse circuito deve-se recorrer ao crédito para sustentar as

atividades comerciais e de fabricação.

Segundo Santos, o dinheiro líquido é essencial para manter o crédito e

efetuar o pagamento, ao menos, da parcela das dívidas feitas, funcionando

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como pagamento para obtenção de créditos e, posteriormente, para conservá-

los.

Em consonância à importância do dinheiro líquido, foi observado nos

comércios estudados, após as entrevistas realizadas, que grande parte dos

estabelecimentos utiliza uma soma do capital conseguido para obter créditos

em mercadoria perante os atacadistas e/ou exportadoras, indústrias. Assim,

esse dinheiro mantém o crédito possibilitando o consumo de pessoas de baixa

renda.

A utilização do dinheiro líquido para o funcionamento de comércios e

fábricas faz com que não haja acumulação de capital, apesar de haver

consumo, e dessa forma a população continua pobre. Por isso os

estabelecimentos analisados não conseguem crescer e criar e conquistar uma

clientela de maior poder aquisitivo.

2.2 O comércio familiar

O emprego familiar é uma das características principais do circuito inferior

e abrange o comércio e a indústria. Ocorre em empresas de pequeno porte que

não possuem capacidade para satisfazer e atender todas as formas de

regularização exigidas pelas instituições de regulamentação de empresas e do

trabalho, como a Auditoria Fiscal e a Justiça do Trabalho.

A existência desse comércio emprega pequena parte da população dos

países subdesenvolvidos, em que a grande maioria dos funcionários é

constituída por familiares.

Milton Santos afirma que o emprego familiar possibilita o aumento da

produção sem precisar mobilizar o capital de giro, ou capital circulante. Assim o

comércio familiar permite que haja um aumento de renda e de mercadorias

sem utilizar o lucro líquido das vendas.

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“Apelar para assalariados tornaria a pequena empresa pouco competitiva

e a obrigaria a pagar encargos sociais e impostos” (SANTOS, 2004, p. 219), o

que poderia causar a falência e o conseqüente fechamento dessa empresa

comercial. Da mesma forma que a empresa familiar o comércio familiar pode ir

à falência caso seja transformado em empresa capitalista.

Na pesquisa realizada foi constatada a existência de comércios familiares.

Um supermercado, uma loja de artigos variados e uma bomboniere. Mas que

apesar de não utilizarem carteira assinada e/ou salários fixos possuem

obrigações fiscais na compra e venda de mercadorias.

A existência dessas micro-empresas, forma como são denominadas

perante a Legislação, não exige uma regularização rígida e contínua do

trabalho e ainda permite que pessoas de classe baixa tenham um acesso, às

mercadorias, condizente a suas respectivas rendas.

2.3 O comércio atacadista

Os atacadistas, ou comerciantes intermediários, crescem bastante nos

países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Porém, esses comerciantes, nos

países subdesenvolvidos, assim como os intermediários em si, não consistem

no aumento da produtividade e na criação de um mercado para as atividades

de serviço, como afirma Milton Santos, mas possibilita o funcionamento da

economia dentro das desigualdades sociais e dos fatores que as acarretam.

O indivíduo pobre depende dos atacadistas para ter acesso aos produtos,

dependência mais acentuada quando a cidade é maior, por possuir grandes

disparidades econômicas. Isso significa que quando a cidade é pequena não

há tanta necessidade desses intermediários.

Milton Santos afirma que “o papel do intermediário modifica-se com a

modernização da economia” (Idem, p. 225). E essa modernização somada à

urbanização proporciona o surgimento de uma nova classe de atacadistas, que

coletam produtos alimentícios. Esse surgimento possibilita que comerciantes

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que não têm acesso aos produtores rurais, importadores e atacadistas possam

abastecer suas dispensas.

O número de intermediários diminui à medida que a demanda de produtos

importados e exportados caem. E o aumento desses intermediários ocorre

quando a urbanização aumenta e as cidades crescem. O atacadista dono de

caminhão é um comerciante que possui capital ou financiamento para adquirir

grandes estoques.

“O motorista do caminhão tem essencialmente duas funções: pode ser

exclusivamente transportador, a serviço das casas atacadistas ou pode ser

comerciante” (Ibidem, p. 227). O que funciona como transportador concorre

grandemente com o que é comerciante, pois pode se posicionar entre os

produtores e os comerciantes varejistas abastecendo o mercado.

No quarteirão analisado há donos de supermercado que possuem seu

próprio caminhão não empregando serviços terceirizados, de transportadoras.

Esses concorrem grandemente com os comerciantes de alimentos que por

utilizarem empresas de terceirização não possuem estoque para comercializar

e pagam fretes tendo, portanto menor lucro nas mercadorias.

2.4 O circuito inferior e a necessidade do dinheiro líquido

Mesmo se tratando do circuito inferior da economia dos países

subdesenvolvidos a circulação de capital é uma realidade constante. No

entanto, o circuito inferior é dependente principalmente do dinheiro líquido.

Nas áreas selecionadas como foco para nossa análise e estudo na cidade

de Serrinha, composta por supermercados, farmácias, lojas de artigos para o

lar; bem como a prestação de serviços, representados por barbearia, salão de

beleza e academia de ginástica detectamos que o pagamento à vista é a forma

de pagamento mais exigida, havendo apenas algumas exceções que aceitam o

cartão de crédito e o pagamento a prazo, mediante nota promissória. Ficando

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evidenciado que a circulação mais rápida do dinheiro líquido é uma

necessidade para a expansão desse tipo de economia.

Esta prática também é beneficiada em alguns períodos do ano, quando

há uma maior circulação de dinheiro líquido no mercado. Segundo Santos,

“...Na América Latina, a prática do pagamento do décimo terceiro salário aos empregados e operários, na época das festas de Natal, contribui para aumentar a circulação da moeda, assim como o número de pequenos negócios temporários”. (SANTOS, 2004. P. 231).

Há ainda um fator interessante quanto à presença de moedas de

pequeno valor no comércio para fazer as operações se concretizarem. Muitos

autores perceberam essa realidade em diferentes países. Há os que devolvem

o troco de pequenos valores em mercadorias de preços equivalentes. No

Brasil, essa prática é percebida de uma forma esporádica em determinados

períodos. É comum os pequenos mercados oferecerem o troco de pequenos

valores (usualmente em moedas), em balas, prática essa que costuma

incomodar uma parcela dos consumidores.

Segundo Santos, dispor de dinheiro líquido significa escapar de

intermediários financeiros, o qual acarretaria altas taxas de juros no final do

pagamento, e poder obter um lucro maior nos negócios. Uma das saídas que

os comerciantes encontram é o fato de vender seus produtos com certo

prejuízo, para dessa forma escoar a produção e com dinheiro em mãos, poder

comprar outras mercadorias que terá uma saída mais fácil e assim por diante.

No quarteirão estudado ficou bem evidenciado que a venda ocorrida nas

feiras-livres se dá à vista mediante o uso do dinheiro líquido, a fim de que seus

estoques possam ser renovados sem que haja perda de mercadorias quando

se refere as (verduras e frutas, etc.) ou que se passe a moda (no caso das

roupas), causando assim um grande prejuízo.

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Na realidade a preocupação primordial do comerciante do circuito inferior

está relacionada à própria sobrevivência e não necessariamente a obtenção do

lucro. Eles garantem que se conseguirem o sustento do dia já estarão

satisfeitos e prontos para começarem tudo novamente no dia seguinte. Essa

realidade é mais notável nos comerciantes das grandes feiras livres

encontradas em todo o país, inclusive em nosso espaço de estudo.

3 As duas grandes feira livres

A cidade de Serrinha é servida, atualmente, por duas grandes feiras

livres, às quartas-feiras, mais dedicada a artigos de vestimentas e utensílios

domésticos concentrada na Praça Miguel Carneiro e aos sábados, a feira

tradicional voltada principalmente para o comércio de gêneros alimentícios

como verduras, frutas, carnes, cereais, etc., ocupando as ruas Agenor de

Freitas, Jonas Carvalho e Calçadão Araújo Pinho.

Essas duas feiras nem sempre estiveram nessas áreas, pois até os anos

90 aproximadamente, elas aconteciam na Praça da Matriz, hoje conhecida

como Praça Luiz Nogueira. Com o passar dos anos, as feiras se expandiram

para as ruas centrais da cidade, que apesar de haver comercialização nos

vários dias da semana ocorre com maior intensidade as quartas e sábados.

Essas feiras são consideradas hoje como as maiores da região em que se

pode encontrar produtos diversos, de coentro a roupas importadas,

funcionando como um verdadeiro mercado. No entanto, apesar de uma grande

movimentação de mercadorias, como diz Santos (2004), este tipo de comércio

mobiliza pouco capital, uma vez que por estar no circuito inferior da economia

compram em pequena quantidade e têm a formação do preço como resultado

da discussão entre comprador e vendedor, obtendo uma relação direta com a

clientela e operando com um custo fixo bastante baixo.

4 Vendedores de rua

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O circuito inferior é constituído por um grande número de ocupações,

muitas delas não regulamentadas e servidas de precariedades em meio a

diversas maneiras de organização interna do trabalhador. As atividades são

ainda realizadas com recursos mínimos, englobando longas jornadas de

trabalho. Todos esses aspectos podem ser vistos no quarteirão selecionado

para estudo em que se observou uma grande variedade de supermercados,

lojas de variedades, farmácias, bem como uma grande concentração de

vendedores de rua, caracterizando, como diz Santos (2004, p. 218) “o nível

inferior da pulverização do comércio”, sendo que para ele existem:

“(...) duas categorias de vendedores de rua: (...) os que têm seu local fixo na calçada ou andam com suas mercadorias nas ruas do centro da cidade e aqueles que vão à procura de fregueses nos bairros.” (SANTOS, 2004; p. 219).

Partindo dessa citação, no contexto do espaço analisado percebe-se o

predomínio da primeira categoria, pois apesar de boa parte dos vendedores de

rua estudados se deslocarem de outras cidades ou da zona rural, em entrevista

eles afirmaram possuir um local fixo em determinados dias da semana na

cidade de Serrinha, mas precisamente aos sábados e quartas.

Viu-se ainda aqueles vendedores que comercializam produtos periódicos,

ou seja, vendem de acordo com os acontecimentos de um período. Por

exemplo, nas observações a campo realizadas próximas as datas de

comemorações juninas encontraram-se vendedores de chapéus de palha,

mercadoria típica do são João e que é maior comercializada nesse período.

Esse tipo de vendedor aproveita ao máximo essa ocasião para vender seus

produtos.

O trabalho do vendedor de rua exige o mínimo de recursos, por exemplo,

percebeu-se que para montar uma barraca na rua é necessário apenas de

lonas, cordas e algumas peças de ferro e muitas vezes basta a lona, pois o

próprio chão dá suporte à mercadoria (Foto 2 e 3).

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5 O uso da tecnologia no circuito inferior

Com o advento da Globalização e de todas as formas de modernização

decorrentes dela, (inclusive a no que diz respeito à Tecnologia), nas diversas

esferas sociais tem-se a aderência à modernização. Especificamente em

relação à Economia, o Circuito Inferior tende a se adaptar parcialmente a essa

modernização. Segundo Milton Santos:

“A modernização, que é acompanhada por uma mudança na estrutura do consumo, repercute diretamente na estrutura do circuito inferior. Facilita então o consumo de produtos modernos, produzindo-os ou comercializando-os com técnicas menos modernas.” (SANTOS, 2004, p.255).

Como se pode ver, o consumismo, principal agente do Sistema

Capitalista caracteriza-se pela inovação e/ou modernização contínua dos

produtos, a fim de atrair o mercado consumidor e garantir a manutenção

financeira do Sistema, para que a prática consumista se efetive, o Circuito

Inferior que é também significativamente importante para a Economia, precisa

ir progressivamente atendendo aos requisitos do sistema, precisam também

comercializar os produtos para a camada social consumidora específica, que,

Foto 2. Comércio de calçados, feira livre. Foto 3. Comércio de variedades, feira livre.

Fonte: CARDOSO, Lucicléia. Fonte: OLIVEIRA, Nadja.

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mesmo se caracterizando por uma população pobre, também consome

produtos modernos, sendo o consumo dessa população indispensável para o

Sistema Capitalista.

Essa importância se dar, por exemplo, por conta do montante de

empregos que as atividades do Circuito Inferior proporcionam, com a geração

cíclica de outras atividades interligadas. Sendo o Circuito Inferior geralmente

um agregado de trabalhadores inseridos no subemprego, desempregados ou

marginalizados em relação ao emprego no Circuito Superior. De acordo com

Santos:

“Muitas dessas atividades estão a meio caminho entre a atividade secundária e a atividade terciária. Sendo uma atividade de fabricação, o conserto guarda, entretanto, semelhanças com os serviços destinados ao consumo final. (SANTOS, 2004, p. 257).

Portanto o consumo de produtos modernos também se efetiva no

Circuito Inferior, a diferença em relação ao Superior seriam as técnicas, que

no Inferior são menos modernas.Especificamente em relação á modernização

tecnológica, com o processo da globalização e a revolução técnico-

informacional ela vem se tornando cada vez mais presente e atuante no

espaço geográfico.

Em relação à economia, percebe-se que mesmo sendo um determinado

comércio integrante do circuito Inferior, há geralmente por parte deste,

investimentos voltados para a aquisição de novas técnicas de trabalho. Sendo

que esses estabelecimentos vêm se modernizando tecnologicamente. Mesmo

se caracterizando por um sistema tecnológico relativamente primitivo, o

comércio do Circuito Inferior tende a se adaptar e aderir parcialmente às

novas tecnologias.

Com base no estudo local, é notório que em alguns comércios há o uso

de técnicas não tão primitivas. Apesar de estruturalmente serem considerados

parte do Circuito Inferior, tais comerciantes declaram o uso do computador, por

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exemplo, indispensável, fundamental para facilitar a comunicação entre a

empresa e o fornecedor, e no caso da internet, utiliza-se para investigação de

preços, e quando não possuem internet se utilizam do computador para ter

controle de vendas.

6 A pobreza no espaço estudado

A configuração sócio-econômica do mundo é conseqüência das

atividades corporativas e estatais. O circuito inferior é um dos fenômenos

dessa configuração, e expressa às desigualdades sociais resultantes da má

distribuição de renda e também do desemprego.

No espaço analisado pode ser visto a pobreza, expressa pelo mau zelo

dos ambulantes e vendedores de rua e até de alguns comerciantes e

funcionários. A situação econômica restringe-se a salários e margens de lucros

baixos em que a grande maioria dos trabalhadores locais se encontram.

A pobreza, como uma das características principais desse circuito,

aumenta em detrimento de fatores como a inserção de multinacionais em

países subdesenvolvidos e a falta de qualificação profissional. “Cada nova

atividade que vem se instalar num país subdesenvolvido leva, como corolário, à

criação de um grande número de empregos no exterior” (Santos, 19...) e

diminuição do salário dos trabalhadores com a utilização de mão-de-obra

barata.

A partir da análise de Milton Santos entende-se que o número de

trabalhadores desqualificados justifica de certa forma, a diminuição dos salários

fazendo com que grande parte da população seja excluída do consumo dos

meios de produção. O emprego de operários qualificados, em atividades

altamente tecnológicas, culmina no aumento do salário. E ocorre ainda que

“com o desenvolvimento industrial, o número de operários qualificados

aumenta mais rapidamente que o dos braçais, sendo estes últimos

progressivamente substituídos pelas máquinas” (Santos, 2004, p.191).

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Os funcionários das empresas em estudo não possuem um nível de

qualificação exigido pelo mercado de trabalho, e, portanto, recebem a quantia

de um salário mínimo exigidos pelos sindicatos dos trabalhadores e pela

Legislação. Essa falta de qualificação e consequentemente a renda mínima,

torna inacessível os produtos e serviços oferecidos pelo mercado e, inclusive,

os bens vendidos por estes funcionários.

Há, então, certa exclusão dos trabalhadores pobres que terminam por não

terem acesso às ofertas do mercado oferecidas pelo sistema capitalista.

Sistema este, que acentua as desigualdades sociais e econômicas, causando

miséria e dependência da população de baixa renda, ao aproveitar-se das

exigências da urbanização e modernização.

7 A presença do circuito superior marginal

Além da divisão do espaço econômico em circuito superior e circuito

inferior, Santos propõe um terceiro sistema, originário do circuito Superior,

denominado de circuito superior marginal, o qual é constituído tanto por

características pertencentes ao circuito superior, quanto de características do

circuito inferior.

O surgimento do circuito superior marginal pode está ligado à resistência

de algumas formas menos modernas do ponto de vista tecnológico

organizacional ou resultado de uma demanda de nível intermediário incapaz de

se sustentar no circuito superior, mas que ultrapassa a linha de demandas

existentes no Circuito Inferior.

Esse tipo de circuito econômico tende a atender a uma clientela oriunda

das diversas classes sociais, em que “o peso de uma população em

crescimento e de baixo nível de vida representa uma possibilidade de

manutenção das formas menos modernas” (M. Santos, 2004, P. 104).

Porém, se pode determinar que a taxa de lucro obtido no circuito superior

marginal seja também de nível marginal ou intermediário, uma vez que “sua

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produtividade chega a ser mesmo superior à das grandes firmas” (SANTOS,

2004, p. 105).

Essa realidade justifica-se por algumas vantagens asseguradas ao

circuito superior marginal, dentre as quais a diversidade de seu público alvo, o

qual muitas vezes é bem maior do que a do circuito superior, bem como a

fatores como pagamento de salários aos funcionários que se restringe apenas

ao salário monetário, enquanto que as grandes empresas “uma parte dos

salários é paga freqüentemente sob a forma de beneficio social como

alojamento, saúde etc.” (SANTOS, 2004, p. 186).

Em nosso estudo sobre um quarteirão na Cidade de Serrinha,

perpassando entre a Rua Agenor de Freitas com Limites entre a Rua Jonas

Carvalho, a Rua Araújo Pinho e a Praça Miguel Carneiro, foi possível constatar

a presença de alguns comércios do tipo superior marginal (Foto 4).

Foto 4. Loja de confecções e variedades.

Fonte: OLIVEIRA, Nadja.

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Entre os estabelecimentos elencados como pertencentes ao circuito

superior marginal, encontra-se o Supermercado Chama, o qual a nosso ver é

organizado ao mesmo tempo sobre aspectos “primitivos” e aspectos e/ou

tecnologias modernas.

A heterogeneidade da organização desse estabelecimento pode ser

constatada por meio de alguns fatores como o uso intensivo de capital, porém

contraposto pela presença do trabalho intensivo. O uso da tecnologia na

administração dessa empresa é de fundamental importância, uma vez que o

sistema interligado às empresas fornecedoras de mercadorias age virtualmente

no controle do estoque e na realização dos pedidos dos produtos em baixa,

configurando o uso de uma tecnologia moderna.

Contudo se comparado ao nível da cidade de Serrinha, o número de

empregos ofertados é bastante volumoso e esta é uma característica do

Circuito Inferior, principalmente por se tratar de uma mão de obra não

qualificada e conseqüentemente de baixa remuneração.

Por outro lado a não utilização de propagandas por parte deste

estabelecimento, não o conduz a uma relação pessoal com sua clientela, pelo

contrario as relações são totalmente burocráticas, em que as formas de

pagamento ou são a vista ou por meio do uso do cartão de crédito, este último

traço, fundamental na organização do Circuito Superior.

Outra empresa identificada como pertencente ao circuito superior

marginal foi a Cesta do Povo, sobretudo por algumas especificidades, como o

fato de não somente usufruir do uso de cartões de crédito, mas principalmente

pelo fato dela mesma possuir uma linha de cartão de crédito o “Credi-cesta”,

destinado apenas a uma pequena parcela da população (funcionários públicos

estaduais). Nesta empresa o uso de propagandas é fundamental, sobretudo

pela existência de muitas filiais.

Esta organização poderia até mesmo ser pensada sobre uma ótica do

circuito inferior, se, contudo sua própria origem não a denunciasse, uma vez

que sua implantação se deu com o objetivo de atender as classes pobres,

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assim como a tecnologia empregada neste estabelecimento não é tão

moderna.

É notório que ambos os estabelecimentos citados, bem como outros

estabelecimentos (Foto 5), estão organizados de forma mista, em que há a

presença de elementos do circuito superior e do circuito inferior, os quais os

definem como circuito superior marginal.

Considerações finais

Diante dos resultados de nossa pesquisa, percebemos que os comércios

presentes no recorte espacial estudado apresentam características dos dois

circuitos, sendo que a maioria destes possui características predominantes do

Circuito Inferior, bem como a presença de comércios do tipo familiar. Contudo

identificamos no mesmo recorte a existência de alguns estabelecimentos

pertencentes ao Circuito superior Marginal. Esta realidade evidencia o que

Milton Santos propôs sobre as contradições existentes na configuração dos

espaços dos Países Subdesenvolvidos.

A análise em campo foi fundamental para aplicarmos na prática o

conhecimento adquirido teoricamente e compreendermos alguns aspectos da

dinâmica referente à economia local, sob uma perspectiva geográfica.

Enfatizamos ainda que a pesquisa realizada tem caráter introdutório para a

culminância de novos estudos sobre o espaço econômico no futuro.

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Referências:

FRANCO, Tasso. Serrinha: A colonização Portuguesa numa cidade do

sertão da Bahia. Salvador: EGBA/Assembléia Legislativa do Estado, 1996.

SANTOS, Milton. O Espaço dividido . São Paulo: Editora da universidade de

São Paulo, 2004.