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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do Regime Remuneratório Experimental Grupo de Trabalho da Associação Portuguesa de Economia da Saúde 1 1 Composto por Miguel Gouveia, Sofia Nogueira da Silva, Pedro Oliveira e Luís Silva Miguel.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do Regime Remuneratório Experimental

Grupo de Trabalho da

Associação Portuguesa de Economia da Saúde1

1 Composto por Miguel Gouveia, Sofia Nogueira da Silva, Pedro Oliveira e Luís Silva Miguel.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Sumário Executivo

1. No respeito integral pelos Termos de Referência, o objectivo do estudo é avaliar

o impacto orçamental do lançamento e implementação das Unidades de Saúde Familiar

(USF). Numa primeira fase, a que este Relatório corresponde, a avaliação diz respeito

ao último trimestre do ano de 2006 e, numa segunda fase, a desenvolver posteriormente,

dirá respeito ao ano de 2007. A segunda fase do estudo deverá também incluir uma

proposta de um sistema de incentivos para os enfermeiros e funcionários

administrativos que integram as USF.

2. Neste Relatório começamos por caracterizar, do ponto de vista económico, o

funcionamento actual dos centros de saúde. Para tal, são analisados os seus custos e

níveis de produção, sendo também avaliada a existência de economias de escala. Foi

dado destaque especial ao impacto do Regime Remuneratório Experimental (RRE) nos

custos por utente e por consulta e, em particular, aos custos com medicamentos e meios

complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT). Finalmente, foi realizada uma

estimativa preliminar dos custos para o sistema devido ao aumento do número de

unidades em RRE. Nestes cálculos foi dada particular atenção à questão da causalidade

e da auto-selecção.

3. Os dados utilizados na análise dos centros de saúde foram obtidos, sempre que

possível, nos Tableaux de Bord do ano 2005 para as ARS do Norte, Centro, Lisboa e

Vale do Tejo, e Alentejo. O facto de as várias sub-regiões de saúde usarem diferentes

critérios contabilísticos implicou que os métodos usados se adaptassem a esta realidade.

4. A unidade base de análise foi o centro de saúde, incluindo as suas extensões. No

entanto, as unidades em RRE do Norte também são tratadas como centros de saúde,

uma vez que são centros de custo, dispondo de informação económico-financeira

separada.

5. Em 2005, cada centro de saúde tinha, em média, 30.834 utentes. Destes, 10,8%

não tinham médico de família e apenas 19.792 eram utilizadores. Trabalhavam em cada

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centro de saúde 20,9 médicos e 20,6 enfermeiros, tendo sido realizadas 97.315

consultas. Assim, havia 1478 utentes por médico, 4663 consultas por médico, 3,2

consultas por utente, e 4,9 consultas por utilizador.

6. Os custos totais ascenderam a €6.674.690 por centro de saúde, com um custo

médio por utente de €216,5. Este custo resultou de €34,8 relativos a vencimentos dos

médicos, €14,0 relativos a vencimentos de enfermeiros, €18,6 relativos a custos

administrativos e de direcção, €40,9 relativos a custos com meios complementares de

diagnóstico e terapêutica (MCDT), €84,3 relativos a custos com medicamentos, e €24

relativos a outros custos.

7. O custo médio por consulta foi de €68,6. Tal é consequência de €11,0 relativos a

vencimentos de médicos, €4,4 relativos a vencimentos de enfermeiros, €13,0 relativos a

custos com MCDT, e €26,7 relativos a custos com medicamentos.

8. O custo médio por utilizador foi de €337,3. Este valor inclui €54,2 relativos a

vencimentos dos médicos, €63,7 relativos a custos com MCDT, e €131,4 relativos a

custos com medicamentos.

9. O aumento do volume de actividade dos centros de saúde provoca uma

diminuição dos seus custos médios. Tal significa que existem economias de escala que

poderiam ser aproveitadas com um aumento de dimensão nos centros de saúde mais

pequenos. Estas economias verificam-se para todos os tipos de custos, à excepção dos

custos com MCDT. Note-se, no entanto, que apenas há ganhos substanciais em

aumentar a escala de operações até cerca de 50.000 utentes por centro de saúde.

10. Tendo em vista a comparação de custos entre unidades em RRE e centros de

saúde convencionais, foram realizadas duas análises. A primeira análise, de carácter

mais exploratório, controla apenas para a dimensão das diferentes unidades, retirando o

impacto dessa dimensão na diferença de custos entre RRE e centros de saúde

convencionais. A segunda análise, mais detalhada, controla também, na medida do

possível dados os dados disponíveis, para o perfil demográfico da população, o nível de

acesso aos cuidados primários, a intensidade no consumo de cuidados, a qualidade

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organizacional, e a heterogeneidade nos métodos de contabilização de custos entre as

diversas Sub-Regiões de Saúde.

11. A análise exploratória permite concluir que uma unidade em RRE tem um custo

por utente €93 mais baixo que um centro de saúde convencional semelhante.

Controlando por outros factores, a estimativa de custo por utente é inferior em €104 nas

unidades em RRE. No entanto, se considerarmos apenas as diferenças relacionadas com

custos por vencimentos de médicos e de enfermeiros, com MCDT e com medicamentos,

a poupança associada aos RRE é de €59. Nos centros de saúde nas ARS de Lisboa e

Vale do Tejo e Alentejo que incluem sub-unidades em RRE (sem informação

económica separada) também há indícios, embora ténues, de vantagem nos custos.

12. A diferença entre os custos das unidades em RRE e as restantes não resulta de

uma redução da oferta de cuidados. De facto, não se observam diferenças no número de

consultas por utente, e a percentagem de utilizadores nos RRE é mesmo 5,8% superior à

dos centros de saúde convencionais equivalentes. Ainda assim, as consultas anuais por

utilizador são, em média, inferiores em 0,4 nas unidades em RRE.

13. Os resultados da análise exploratória mostram que uma consulta numa unidade

em RRE tem um custo médio inferior em €23 face a uma consulta num centro de saúde

convencional. Na análise mais detalhada, que controla para factores adicionais, a

redução dos custos nos RRE é ligeiramente superior: menos €28 por consulta.

Considerando apenas custos com médicos, enfermeiros, MCDT e medicamentos a

diferença é de €15,8.

14. Um problema importante na análise do impacto dos RRE é conseguir distinguir

entre efeitos de modificação do desempenho e efeitos de auto-selecção. Por outras

palavras, há que saber se os médicos que integram unidades em RRE, ou que se

candidataram nesta fase a integrar uma USF, se distinguem dos restantes porque são

influenciados pelo enquadramento diferente em que trabalham, ou porque já eram

distintos dos colegas – nomeadamente, em termos de produtividade, e propensão para a

prescrição de medicamentos e MCDT - à partida. A análise que foi possível realizar

confirma a existência de auto-selecção. Os médicos que tendem a candidatar-se a

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integrar uma USF fazem, já hoje, em média, mais 410 consultas, e gastam menos €2,3

por consulta em medicamentos e menos €1,3 por consulta em MCDT, quando

comparados com médicos em que tudo o mais é semelhante.

15. Usando os resultados anteriores, podemos expurgar as estimativas das vantagens

do RRE dos efeitos da auto-selecção. Ainda assim, depois de o fazer, a vantagem

líquida do RRE por consulta, em termos de custos médios em medicamentos e em

MCDT , é de 29%. Em termos do custo médio de uma consulta, a vantagem líquida

global do RRE é de €9,9, ou seja, cerca de 14,4%.

16. O cálculo do impacto orçamental foi realizado considerando toda a população de

utentes dos centros de saúde onde irá haver novas USF, a funcionar em RRE (Tipo III).

Entende-se aqui como impacto orçamental a diferença entre as despesas totais ocorridas

em 2005 e as despesas que teriam ocorrido em 2005 num cenário contrafactual,

simulado, em que as USF estariam já em funcionamento. A avaliação inclui os custos

das USF, mas também o impacto nos custos de funcionamento dos centros de saúde

convencionais remanescentes. O impacto orçamental traduz-se numa poupança anual de

€4,3 por utente, resultantes de um aumento em €2,4 de vencimentos de médicos,

compensado por poupanças de €1,9 em MCDT e de €4,9 em medicamentos.

Considerando um universo de 32 centros de saúde, com 2.056.819 utentes, onde serão

criadas 37 USF de Tipo III, o total da poupança que teria existido em 2005 teria sido de

8,9 milhões de euros. Para os meses de Outubro a Dezembro, a poupança estimada teria

sido de €1,1 por utente, ou de 2,3 milhões de euros no total.

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Índice

Sumário Executivo ____________________________________________________ 2

Índice _______________________________________________________________ 6

Índice de Quadros _____________________________________________________ 8

Índice de Figuras______________________________________________________ 9

Abreviaturas utilizadas ________________________________________________ 10

1. Objectivos e Metodologia_____________________________________________ 11

2. Notas sobre a História Recente da Política de Cuidados Primários ___________ 14

2.1 A Evolução dos Centros de Saúde em Portugal_______________________ 14

2.2 As Avaliações do Regime Remuneratório Experimental _______________ 20

2.3 Diferenças entre a Avaliação do RRE pela DGS e a Presente Avaliação __ 25

3. Fontes dos Dados e Valores Agregados _________________________________ 28

4. Caracterização Básica dos Custos _____________________________________ 32

4.1 A Distribuição Estatística dos Custos Médios________________________ 32

4. 2 Relação entre Custos Médios e Número de Utentes __________________ 35

4. 3 Relação entre Custos Médios e Número de Utilizadores ______________ 39

4. 4 Relação entre Custos Médios e Número de Consultas ________________ 41

5. Funções Custo por Utente e o RRE ____________________________________ 47

5.1. Análise exploratória ____________________________________________ 47

5.2 Estimativa da Função Custos Médios por Utente_____________________ 49 CAIXA 1 O Caso da ULS de Matosinhos______________________________ 54

5.3 Decomposição do Efeito RRE por Tipo de Custos ____________________ 56

6. Utilização, Custos e RRE____________________________________________ 59

7. Custos, Consultas e RRE_____________________________________________ 61

7.1 Estimativa da Função Custos Médios por Consulta___________________ 61

7.2 Decomposição do Efeito RRE por Tipo de Custos das Consultas ________ 64

8. A Auto-Selecção de Médicos e as Vantagens do RRE _____________________ 66

8.1 A Relevância da Auto-Selecção na Avaliação dos RRE ________________ 66

8.2 Determinantes da Candidatura a uma USF__________________________ 69

8.3 Caracterização Quantitativa dos Candidatos a uma USF ______________ 71

9. Resultados Globais _________________________________________________ 77

10. Estimativa do Impacto Orçamental ___________________________________ 79

11. Conclusões ______________________________________________________ 84

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ANEXO ____________________________________________________________ 86

A1: ROBUSTEZ ECONOMÉTRICA DOS RESULTADOS_______________ 86

A2: UTILIZAÇÃO, CONSULTAS POR UTENTE E POR UTILIZADOR __ 90

A3: CENTROS DE SAÚDE E USF NA ANÁLISE DE IMPACTO ORÇAMENTAL___________________________________________________ 91

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Índice de Quadros

Quadro 1. Último Mês com Dados Reais___________________________________ 29 Quadro 2. Valores Agregados da Base de Dados ____________________________ 30 Quadro 3. Estatísticas dos Centros de Saúde________________________________ 31 Quadro 4. Custos Médios por Utente nos Centros de Saúde ____________________ 32 Quadro 5. Custos Médios por Utente nos Centros de Saúde, ___________________ 33 Quadro 6. Custos Médios por Consulta nos Centros de Saúde __________________ 34 Quadro 7. Custos Médios por Consulta nos Centros de Saúde, _________________ 34 Quadro 8. Custos Médios por Utilizador nos Centros de Saúde, ________________ 41 Quadro 9. Consultas por Utente e por Utilizador ____________________________ 42 Quadro 10. Modelo Exploratório - Custos dos Centros de Saúde e RRE __________ 47 Quadro 11. Estatísticas Descritivas das Variáveis Explicativas _________________ 50 Quadro 12. Estimativa da Função Custo por Utente dos Centros de Saúde ________ 51 Quadro 13. Decomposição do Efeito RRE por Tipo de Custos__________________ 57 Quadro 14. Estimativa da Função Custo por Utilizador dos Centros de Saúde _____ 60 Quadro 15. Modelo Exploratório – Custo Médio das Consultas ________________ 61 Quadro 16. Estimativa da Função Custo por Consulta________________________ 63 Quadro 17. Decomposição do Efeito RRE por Tipo de Custos nas Consultas ______ 64 Quadro 18. Estatísticas Descritivas do Painel de Médicos de LVT_______________ 68 Quadro 19. Determinantes da Probabilidade de Candidatura a uma USF_________ 69 Quadro 20. Modelo Explicativo do Número de Consultas______________________ 72 Quadro 21. Modelo Explicativo das Despesas em Medicamentos________________ 74 Quadro 22. Modelo Explicativo das Despesas com MCDT_____________________ 76 Quadro 23. Consultas: Vantagens Líquidas do RRE no modelo de base __________ 77 Quadro 24. Estimativas dos Efeitos Orçamentais, Contrafactual em 2005_________ 82 Quadro 25. Estimativas dos Efeitos Orçamentais Relevantes para 2005 __________ 83 Quadro 26. Anexo. Regressão da Mediana dos Custos por Utente _______________ 86 Quadro 27. Anexo. Regressão da Mediana dos Custos por Consulta _____________ 87 Quadro 28. Anexo – Decomposição do Efeito RRE nos Custos por Utente ________ 88 Quadro 29. Anexo – Decomposição do Efeito RRE nos Custos por Consulta_______ 88 Quadro 30. Anexo - Consultas: Vantagens Líquidas do RRE no modelo DAM _____ 89 Quadro 31. Estimativas DAM dos Efeitos Orçamentais, Contrafactual em 2005____ 89 Quadro 32. Estimativas DAM dos Efeitos Orçamentais Relevantes para 2005 _____ 89

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Índice de Figuras

Figura 1. Distribuições dos Custos por Utente ______________________________ 33 Figura 2. Distribuições dos Custos por Consulta ____________________________ 35 Figura 3. Custos Totais ________________________________________________ 36 Figura 4. Custos por Utente_____________________________________________ 37 Figura 5. Custos por Utente: Componentes I________________________________ 38 Figura 6. Custos por Utente: Componentes II _______________________________ 38 Figura 7. Custos por Utente: Componentes III ______________________________ 39 Figura 8. Relação entre Utilizadores e Utentes______________________________ 40 Figura 9. Custos por Utilizador __________________________________________ 40 Figura 10. Custos e Consultas Totais _____________________________________ 42 Figura 11. Utentes, Utilizadores e Consultas _______________________________ 43 Figura 12 Custos e Consultas por Utente __________________________________ 43 Figura 13 Custos por Consulta __________________________________________ 44 Figura 14. Custos por Consulta: Componentes ______________________________ 45 Figura 15. Função Custos Médios por Utente_______________________________ 48 Figura 16. Função Custos Médios por Consulta ____________________________ 62

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Abreviaturas utilizadas

ARS - Administração Regional de Saúde

CE – (Médicos) Com (Regime de) Exclusividade

CS - Centro de Saúde

DGS – Direcção-Geral da Saúde

IGIF – Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde

INFARMED - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento

LVT – Lisboa e Vale do Tejo

MCDT - Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica

MCSP - Missão para os Cuidados de Saúde Primários

RRE - Regime Remuneratório Experimental

SAP – Serviço de Atendimento Permanente

SNS – Serviço Nacional de Saúde

SRS- Sub-Região de Saúde

SRSP - Sub-Região de Saúde do Porto

ULS – Unidade Local de Saúde

USF – Unidade de Saúde Familiar

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1. Objectivos e Metodologia

No respeito integral pelos Termos de Referência, o objectivo deste Estudo é avaliar

o impacto orçamental do lançamento e implementação das Unidades de Saúde Familiar

(USF). Numa primeira fase, a que este Relatório corresponde, a avaliação diz respeito

ao último trimestre do ano de 2006 e, numa segunda fase, a desenvolver posteriormente,

dirá respeito ao ano de 2007. A segunda fase do estudo deverá também incluir uma

proposta de um sistema de incentivos para os enfermeiros e funcionários

administrativos que integram as USF.

Em reuniões com a Missão para os Cuidados de Saúde Primários, foi definido

expressamente que uma parte importante do trabalho deveria ser caracterizar, do ponto

de vista económico, o funcionamento dos centros de saúde bem como identificar e

avaliar eventuais diferenças de desempenho entre os centros de saúde convencionais e

as unidades em Regime Remuneratório Experimental (RRE). Por sua vez, os Termos de

Referência explicitam que o trabalho deverá adoptar como unidade básica de análise os

custos anuais por utente, e pôr a ênfase nos componentes dos custos associados ao

consumo de meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) e de

medicamentos.

As linhas de orientação contidas nos Termos de Referência especificam ainda que

a avaliação do impacto orçamental deverá ter em conta as condições de funcionamento

das USF, as quais incluem o regime retributivo experimental dos médicos, o horário

acrescido dos enfermeiros, o recurso a trabalho extraordinário dos administrativos e o

prolongamento de horário de cobertura assistencial. Para efeitos da avaliação do

impacto orçamental em 2006, estas condições correspondem àquelas que vigoram nas

unidades que já estão a funcionar em Regime Remuneratório Experimental. Em

consonância com as linhas de orientação referidas, a nossa estratégia metodológica

assentou na utilização de modelos econométricos que capturassem os custos de

funcionamento dos centros de saúde e das unidades em RRE, e na utilização de tais

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modelos para simular as alterações introduzidas com a criação das USF e para gerar as

estimativas do impacto orçamental.

A estimativa do impacto orçamental assentou num trabalho extenso de

caracterização quantitativa, do ponto de vista económico, do funcionamento actual dos

centros de saúde, e em particular de:

• Analisar os seus custos, e a relação entre estes e a produção de cuidados de saúde;

• Aferir da existência de economias de escala;

• Explicar a variabilidade observada nos custos, estimando o impacto dos factores

escala (número de utentes), necessidade de cuidados (relacionada com as proporções

relativas dos diversos grupos etários), medidas de acesso (medido pelo número de

utentes sem médico de família, e percentagem de utilizadores), medidas de

qualidade, medidas de produção (medidas pelo número de consultas por utente ou

por utilizador), e especificidades de cada Sub-Região de Saúde (SRS);

• Estimar até que ponto o Regime Remuneratório Experimental (RRE) explica

diferenças nos custos por utente e por consulta;

• Gerar um estimativa preliminar dos custos para o sistema de um aumento do número

de unidades em RRE.

O trabalho incluiu também uma análise da questão da auto-slecção. Na primeira

etapa do trabalho, os resultados indicaram a existência de menores custos nas RRE. No

entanto, tal não é suficiente para provar a existência de uma vantagem económica do

RRE. Por essa razão, numa segunda etapa do trabalho, pretendeu-se averiguar se as

unidades em RRE são mais económicas porque há mudanças no comportamento dos

médicos ou porque nas unidades em RRE há uma auto-selecção dos médicos com

propensão para gerar menores custos, sem que haja necessariamente uma mudança de

comportamento destes e, logo, sem que haja ganhos reais para o sistema de saúde como

um todo. Como não dispomos de dados longitudinais, que acompanhem os médicos e os

centros de saúde ao longo do tempo, não pudemos fazer uma análise rigorosa. No

entanto, pudemos utilizar as candidaturas a USF na região de Lisboa e Vale do Tejo

(LVT), para a qual obtivemos dados sobre médicos ao nível individual, para obter uma

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estimativa quantitativa sobre até que ponto a auto-selecção é responsável pelos

resultados obtidos no estudo dos custos dos centros de saúde e das unidades em RRE.

O resultado final desta sequência de etapas foi a obtenção de estimativas dos efeitos

líquidos do RRE. Os resultados econométricos corrigidos por estas estimativas do efeito

de auto-selecção foram depois usados para gerar as estimativas do impacto orçamental.

Um trabalho desta natureza, feito em condições de grande pressão de tempo, só é

possível quando outros colaboram generosamente na obtenção da matéria prima

estatística e com a sua ajuda, dando informação e contribuindo com a sua expertise no

entendimento das questões mais complexas. Ficamos gratos a todos os que nos

ajudaram, e não queremos deixar de nomear aqueles sem os quais este trabalho não teria

sido possível. Na Missão para os Cuidados de Saúde Primários, o seu Presidente, o Dr.

Luís Pisco bem como o Dr. Carlos Nunes. Na ARS de Lisboa e Vale do Tejo, o Dr.

Manuel Schiappa, o Engº Carlos Pires e a Dra. Maria do Céu Tomé Valentim. Na ARS

do Norte, a Prof. Suzete Gonçalves e a Dra. Lúcia Barbosa. No IGIF (RHV), a Dra.

Emília Marques. A todos os nossos agradecimentos. Por último, gostaríamos de

agradecer o encorajamento e apoio que recebemos do Presidente da Associação

Portuguesa de Economia da Saúde, o Prof. João Pereira.

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2. Notas sobre a História Recente da Política de Cuidados Primários

2.1 A Evolução dos Centros de Saúde em Portugal

Com a chamada reforma de Gonçalves Ferreira em 1971 e a publicação do

Decreto-Lei nº 413/71, de 27 de Setembro, foram criados os primeiros centros de saúde,

ou a denominada “primeira geração” de centros de saúde. A sua actividade estava

principalmente centrada na prevenção de doenças infecto-contagiosas, através de

campanhas de vacinação; na prestação de assistência a grupos considerados mais

vulneráveis, como grávidas e crianças; em serviços relacionados com a saúde escolar; e

no seu papel enquanto autoridade sanitária. Co-existiam com estes centros de saúde os

postos dos Serviço Médico-Sociais das Caixas de Previdência, que prestavam

assistência aos trabalhadores e às suas famílias (Branco e Ramos, 20012).

Em 1983, já depois do surgimento do SNS e da carreira de médico de clínica

geral, são criados pelo Despacho Normativo nº 97/83 os chamados centros de saúde de

“segunda geração”. Estes resultam da integração dos serviços de assistência extra-

hospitalares existentes na altura - a geração anterior de centros de saúde, os postos dos

Serviço Médico-Sociais das Caixas de Previdência, e os hospitais concelhios, pelo que

são habitualmente denominados de centros de saúde integrados. Este processo de

integração veio ainda a reflectir-se na estrutura orgânica do Ministério da Saúde, que

passou a incluir uma Direcção Geral dos Hospitais e uma Direcção Geral dos Cuidados

de Saúde Primários (Branco e Ramos, 2001; DGS-Comissão, 20043).

Apesar de ter permitido uma maior racionalidade na prestação de cuidados de

saúde e uma optimização dos recursos utilizados, esta geração de centros de saúde não

melhorou nem a acessibilidade nem a prossecução de objectivos de saúde.

Progressivamente, este modelo revelou-se incapaz de responder às expectativas e

necessidades dos utentes. O modelo contribuiu ainda para uma crescente desmotivação

2 Branco, António G. e Ramos, Vítor. Cuidados de saúde primários em Portugal. Revista Portuguesa deSaúde Pública. 2001; Volume Temático 2: pp. 5 a 12. 3 Direcção-Geral da Saúde. Regime Remuneratório Experimental dos Médicos de Clínica Geral. Lisboa,2004.

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e insatisfação dos profissionais, em parte devido à gestão centralizada nas sub-regiões e

nas administrações regionais de saúde (Branco e Ramos, 2001).

Neste contexto, foi criado, pelo Decreto-Lei nº 117/98, de 5 de Maio, o Regime

Remuneratório Experimental (RRE) dos Médicos da Carreira de Clínica Geral, numa

acção sem precedentes no contexto do funcionalismo público (Sousa e col., 20014). Este

Decreto deu início a uma experiência organizacional inovadora, cuja implementação

veio a ser suportada pela Portaria nº 993-A/98, de 24 de Novembro, e pela Circular

Normativa da Direcção Geral da Saúde (DGS) n.º 9/GAB/DG, de 28 de Dezembro de

1998, que viria a ser revogada pela Circular Normativa n.º 6/GAB/DG, de 10 de Abril

de 2002.

Tal como atesta o preâmbulo do Decreto-Lei nº 117/98 a implementação deste

novo regime vem na sequência de experiências previamente realizadas em centros de

saúde que visavam procurar novas formas de organização dos cuidados de saúde

primários e cujos resultados permitiam identificar melhorias ao nível da acessibilidade e

da qualidade. Assim, o RRE tinha como objectivo discriminar positivamente os médicos

da carreira de clínica geral cujo desempenho contribuísse para uma maior acessibilidade

e qualidade dos serviços prestados.

Já em 1996 tinham surgido algumas experiências locais com o objectivo de

combater a rigidez e burocratização presentes nos centros de saúde de “segunda

geração”, sem gestão autónoma e sem incentivos que levassem a uma melhoria em

termos de acessibilidade e qualidade. Os projectos Alfa representaram a primeira

tentativa de implementar novos modelos de trabalho em equipa, tendo 15 grupos

conseguido alterar o seu modo de funcionamento (Branco e Ramos, 2001).

Essas experiências, tal como o RRE, visavam encontrar formas de combater os

problemas identificados por sucessivas avaliações dos cuidados de saúde primários:

deficiente acessibilidade, comprovada pela proporção de utentes sem médico de família

4 Sousa, JC e col. Os cuidados de saúde primários e a medicina geral e familiar em Portugal. Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2001; Volume Temático 2: pp. 63 a 74.

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designado; inadequação de horários e deficiente sistema de marcação de consultas com

consequências no tempo de espera dos utentes; e recurso à chamada “medicina

defensiva”, com excessivo recurso à prescrição de meios complementares de

diagnóstico e terapêutica (MCDT) e de medicamentos (DGS, 2004).

A adesão ao RRE foi voluntária, embora limitada anualmente por despacho

conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde. Paralelamente, a adesão foi

condicionada ao preenchimento de várias condições:

- Integração de pelo menos três médicos, com acordo de intersubstituição que

garantisse atendimento no próprio dia aos utentes da lista de qualquer médico.

- Cumprimento do horário das 8 às 20 horas nos dias úteis, com possibilidade de

atendimento ao fim-de-semana e até às 24 horas durante os dias úteis, conforme as

características sócio-demográficas da área e a dimensão das listas de utentes.

- Existência de um plano de acção anual, delineado com base nas orientações das

administrações regionais de saúde e nos critérios da DGS, e de um sistema de

informação que permitisse não só avaliar o cumprimento desse plano como também

monitorizar a vigilância de grupos vulneráveis e a prestação de assistência domiciliária.

Este plano de acção é um instrumento que deve conter os compromissos do RRE

no que respeita à prestação de cuidados, ao desenvolvimento profissional e à

cooperação interdisciplinar dos profissionais. Adicionalmente, deve incluir as

estratégias definidas com vista a garantir a qualidade e custo-efectividade dos cuidados

prestados, nomeadamente a utilização de formulários por patologia e a prescrição de

MCDT segundo critérios de racionalidade técnico-científica. Naturalmente, a

obrigatoriedade deste plano de acção constitui um incentivo a um aumento qualitativo

do planeamento e da gestão dos centros de saúde.

No que respeita à lista de utentes, o Decreto-Lei nº 117/98 especifica que cada

lista de utentes deve privilegiar a estrutura familiar, pelo que é dada uma maior

importância relativa à inclusão de crianças até aos 4 anos e de pessoas com 65 ou mais

anos. Assim, a lista de utentes tem como limite mínimo 1852 unidades ponderadas, em

que as crianças entre os 0 e os 4 anos representam 1,5 unidades e as pessoas com 65 ou

mais anos representam 2 unidades.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Relativamente à remuneração dos médicos que adiram ao RRE, o Decreto-Lei

estabelece a sua divisão numa componente fixa e numa componente variável. A

primeira é baseada na categoria e no escalão do médico (assumindo um horário de trinta

e cinco horas semanais em dedicação exclusiva), e na dimensão da lista de utentes. A

segunda depende da prestação de cuidados domiciliários, do alargamento do período de

cobertura, e do seguimento de grávidas, de crianças no primeiro ano de vida e do

acompanhamento em planeamento familiar de mulheres em idade fértil.

Note-se que, apesar da realização de cuidados domiciliários apenas ter reflexo na

remuneração do médico que os pratica, o alargamento de período de cobertura e o

seguimento dos grupos referidos acima têm impacto na remuneração de todos os

médicos da equipa. Aliás, a implementação do RRE está associada a uma tentativa de

fortalecimento do trabalho em equipa entre médicos, visível também no facto da

contratualização e respectiva avaliação do desempenho e do cumprimento do plano de

acção serem realizadas relativamente ao grupo, e na obrigatoriedade de

intersubstituição.

Posteriormente, com a publicação de Decreto-Lei nº 157/99, de 10 de Maio,

pretendeu-se criar os chamados centros de saúde de “terceira geração”. O objectivo era

rever o enquadramento normativo dos centros de saúde, nomeadamente conferindo-lhes

autonomia administrativa e financeira, e incentivando o desenvolvimento de hierarquias

técnicas. Cada centro de saúde deveria incorporar: quatro a dez unidades de saúde

familiar, com vista à prestação de cuidados de saúde e à garantia de acessibilidade,

continuidade e globalidade dos cuidados, uma unidade operativa de saúde pública, cuja

responsabilidade seria a de garantir a protecção e promoção da saúde na comunidade; e

uma unidade de cuidados na comunidade, para prestar serviços de enfermagem e de

apoio psicossocial (Campos5, 1999).

Campos, A. Sistemas locais de saúde e centros de saúde – início da reforma do sistema de saúde?. Revista Portuguesa de Saúde Pública. 1999; 1: pp. 65 a 68.

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5

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Devido a dificuldades de implementação destes centros de saúde foram criados

pelo Despacho nº 25521/2001, de 22 de Novembro, o grupo nacional e os grupos

regionais de “Apoio à Implementação dos Centros de Saúde de Terceira Geração”.

Os centros de saúde de terceira geração assentam, por um lado, nas vantagens da

descentralização da gestão e da aproximação da decisão ao local da acção e, por outro

lado, na contratualização e avaliação do cumprimento de orçamentos-programa (DGS,

20026).

Segundo o “Manual para a Mudança” (DGS, 2002) a passagem para a “terceira

geração” visava fundamentalmente melhorar ou implementar sete aspectos: autonomia;

gestão; orientação para os utentes; motivação dos profissionais; hierarquia técnica;

trabalho em equipa; e participação da comunidade e cooperação intersectorial e

interinstitucional.

A autonomia, viabilizada pela personalidade jurídica, tinha como objectivo

garantir que as competências de gestão administrativa e financeira seriam

descentralizadas, passando das sub-regiões distritais para os centros de saúde. Tornar-

se-ia também possível a elaboração de orçamentos-programa reais, discutidos e

avaliados por agências de contratualização. Finalmente, passando os centros de saúde a

ter um estatuto idêntico ao dos hospitais, seria mais fácil criar sistemas locais de saúde.

A existência de uma equipa de gestão de recursos local, aliada ao

estabelecimento de uma hierarquia técnico-científica, desenvolveria uma maior

responsabilização local, criando condições para o aumento da qualidade dos serviços

prestados por pequenas unidades multiprofissionais.

No entanto, o Decreto-Lei 157/99 acabou por nunca chegar a ter aplicação

prática, tendo sido revogado pelo Decreto-Lei 60/2003, de 1 de Abril, que veio

apresentar um novo modelo para a organização dos cuidados de saúde primários.

6 Direcção-Geral da Saúde. Centros de Saúde da Terceira Geração – Manual para a Mudança. Lisboa, 2002.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

De acordo com este diploma, a nova rede de cuidados de saúde primários teria

como objectivo não só a garantia de cuidados de saúde tendencialmente gratuitos,

abrangentes e continuados, mas também a articulação permanente com os cuidados de

saúde secundários e terciários.

A reforma introduzida previa ainda a possibilidade de serem celebrados

contratos de gestão de centros de saúde (e suas extensões ou partes funcionalmente

autónomas) com entidades públicas, sociais ou privadas, com ou sem fins lucrativos,

desde que estas provassem possuir capacidade e competência técnica. Neste novo

contexto, o sistema de incentivos seria baseado em critérios objectivos e parâmetros

mínimos de produtividade e qualidade de desempenho, a regulamentar em decreto

próprio (Campos e Faria, 20037).

No entanto, com a publicação do Decreto-Lei nº 88/2005, em 3 de Junho, é

revogado o Decreto-Lei nº 60/2003 e repristinado o Decreto-Lei nº 157/99, entretanto

alterado pelo Decreto-Lei nº 39/2002, de 26 de Fevereiro.

Segundo o preâmbulo do Decreto-Lei nº 88/2005, tal deveu-se ao facto da rede

de cuidados de saúde primários que se havia tentado implementar não ter tido qualquer

sucesso no que respeitava à melhoria de acessibilidade. Aliás, segundo o legislador, o

insucesso estaria garantido “já que o respectivo normativo não tem em conta a enorme

diversidade das dimensões do centros de saúde, nem lhes confere qualquer autonomia”.

No entanto, a repristinação do Decreto-Lei nº 157/99 foi de aplicação

temporária, dada a criação de um grupo técnico para a reforma dos cuidados de saúde

primários que tinha em vista formular um novo instrumento normativo. Neste contexto,

o RRE que tinha vindo a ser sucessivamente prorrogado até 31 de Dezembro de 2005,

foi novamente prorrogado até 30 de Junho de 2006 pelo Decreto-Lei nº 23/2006, de 2 de

Fevereiro.

7 Campos, Alexandra P. e Faria, Paula L. O Decreto-Lei nº 60/2003, de 1 de Abril – nova tentativa de reforma dos cuidados de saúde primários em Portugal. Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2003; 2: pp. 73 a 76.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Finalmente, com a publicação do Despacho Normativo nº9/2006, de 16 de

Fevereiro, regulamentaram-se “os termos, condições e procedimentos conducentes ao

lançamento e implementação das USF [Unidades de Saúde Familiar]”. As USF deverão

ser unidades com autonomia organizativa, funcional e técnica, baseadas em equipas

multiprofissionais, com médicos, enfermeiros, administrativos e outros profissionais de

saúde, tendo em vista uma maior acessibilidade e a reconfiguração dos centros de saúde

enquanto unidades enquadradoras de USF.

2.2 As Avaliações do Regime Remuneratório Experimental

A primeira auto-avaliação do Regime Remuneratório Experimental (RRE) 8 foi

finalizada por um grupo de médicos responsáveis pelas unidades em RRE em 2003,

com base em dados de 2001. Foram incluídos as unidades em RRE de Aguda, Amadora,

Canelas, Coruche, Fânzeres, S. Félix da Marinha, Horizonte, Monte de Caparica,

Oceanos, Ramalde, Samora Correia, Serpa Pinto, Sete Caminhos e Vialonga.

O estudo pretendeu avaliar áreas como Profissionais e População Inscrita,

Organização e Gestão, Organização Formal, Direitos dos Cidadãos, Promoção da

Saúde, Prestação de Cuidados de Saúde, Educação Contínua e Avaliação de Qualidade,

Instalações e Equipamentos, Indicadores e Taxas, e Custos em Medicamentos e Exames

Auxiliares de Diagnóstico. Para tal, foi elaborado um questionário a preencher por cada

RRE com o nível de alcance de vários objectivos. Relativamente a indicadores e taxas

mensuráveis foram utilizados dados estatísticos. Os dados obtidos foram então

avaliados em comparação com a realidade da Sub-Região de Saúde do Porto (SRSP).

O questionário foi enviado para todos os 20 RRE mas apenas 14 responderam.

Nestes 14 RREs trabalhavam 287 profissionais: 106 médicos, 91 enfermeiros

(correspondentes a 94,1 unidades de enfermeiro equivalente9), e 90 administrativos. A

8 Varela, A. e col. Auto-Avaliação do Regime Remuneratório Experimental – Ano de Avaliação 2001.Lisboa, 2003. 9 O número de enfermeiros equivalentes resulta da divisão do total de horas de enfermagem pelas horas resultantes de um horário semanal de 35 horas.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

população inscrita nestes RRE é 191042, a que correspondem 225190 unidades

ponderadas10.

O número médio de utentes por médico era de 1801 (com um desvio-padrão (dp)

de 146), variando entre 1612 e 2215. Paralelamente, havia 1935 utentes (dp: 289;

mínimo: 1580; máximo: 2639) por enfermeiro equivalente e 2234 utentes (dp: 467;

mínimo: 1069; máximo: 3096) por administrativo. No entanto, não foi possível avaliar

comparativamente estes valores, dado não haver valores equivalentes para a Sub-região

de Saúde do Porto (SRSP).

A taxa de utilização global - ou seja, o quociente entre o número total de

primeiras consulta e a população inscrita - nos 14 RRE em análise foi de 0,73 (dp: 0,08;

mínimo: 0,61; máximo: 0,92), sendo de apenas 0,65 na SRSP. Já a taxa de utilização

média, ou o número de consultas por utilizador foi de 4,7 (dp: 0,6; mínimo: 3,8,

máximo: 5,9), em comparação com 3,7 consultas nos centros de saúde da SRSP.

Finalmente, a produtividade global por médico – isto é, o número de consultas

realizadas por um médico num mesmo dia11 - foi de 29,4 (dp: 7,0; mínimo: 18,4;

máximo 40,2). Também não há dados da SRSP que permitam avaliar comparativamente

este valor.

Relativamente aos custos com medicamentos e meios auxiliares de diagnóstico,

não foi possível obter dados dos RRE de Horizonte, Oceanos e Vialonga. Para os

restantes, o custo médio por consulta foi de €28,6 (dp: 4,2; mínimo: 17,8; máximo: 34),

sendo de €28,8 (dp: 5,3) se considerarmos apenas os RRE da SRSP. Já na totalidade da

SRSP, o custo médio com medicamentos e meios auxiliares de diagnóstico por consulta

foi de 39,2. Este valor é quase €10 superior ao custo associado aos RRE.

Já o custo médio por utente inscrito foi de €100,3 (dp: 20,9; mínimo: 76,7;

máximo: 140,6) para os RRE e de €94,7 para os centros de saúde da SRSP.

10 O número de unidades ponderadas obtém-se somando a multiplicação do número de utentes dos 0 aos 4anos por 1,5 com o número de utentes dos 5 aos 64, e com a multiplicação do número de utentes com 65anos por 2. 11 Considerando 220 dias de consulta por ano.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Considerando apenas os RRE da SRSP, o custo médio por utente desce para €92,9 (dp:

11,4).

Finalmente, o custo médio por utente utilizador nos RRE foi de €131,0 (dp:

16,9; mínimo: 118,7; máximo: 157,9) em comparação com €145,3 na SRSP. Nos RRE

da SRSP, o custo médio foi praticamente igual à totalidade dos RRE avaliados, sendo

de €131,3 (dp: 18,9).

Os autores desta auto-avaliação salientam a não existência de dados para seis

RRE (30% do total), embora considerem que tal não terá afectado os resultados. No que

concerne à avaliação de custos com medicamentos e meios auxiliares de diagnóstico, a

falta de informação estende-se a mais três RRE, pelo que os custos médios apresentados

representam apenas 55% do universo em análise. Os autores reconhecem também que a

utilização da SRSP como grupo comparador poderá não ser o método mais apropriado,

justificando a sua utilização pela necessidade de operacionalizar o processo.

Segundo os autores, os “resultados positivos aqui apresentados apontam para um

melhor desempenho dos RRE em relação aos centros de saúde clássicos”, considerando

ainda que a “satisfação dos utentes, dos profissionais e uma boa relação custos-

benefício (eficiência) demonstram que o RRE é uma experiência inovadora positiva”.

Posteriormente, através do Decreto-Lei nº 209/03, de 15 de Setembro, e do

Despacho nº 5077/04, de 19 de Fevereiro, foi criada uma Comissão de

Acompanhamento e Avaliação. Esta comissão acabou por, em Novembro de 2004,

concluir o seu relatório de avaliação12do RRE com possíveis adaptações e melhorias.

Nesta avaliação foi possível alcançar um maior rigor na escolha do grupo

comparador, escolhendo centros de saúde com a mesma dimensão, em termos de

quantidade de médicos, e com características demográficas semelhantes às do grupo em

RRE. Assim, para cada um dos 18 RRE em análise procurou-se encontrar um

comparador que fosse o mais adequado possível. Pretendeu-se igualmente não comparar

12 Ver nota 3.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

os grupos a nível nacional, mas também a nível da sub-região de saúde a que

pertencessem.

Foram avaliadas as seguintes dimensões: Disponibilidade, Acessibilidade,

Produtividade, Desempenho/Qualidade Técnico-Científica, Eficácia/Ganhos em Saúde,

Custos/despesas, e Qualidade/satisfação.

A média de inscritos por médico nos RRE era de 1774 (mínimo: 1555; máximo:

2025), sendo de 1639 no grupo comparador (mínimo: 1548; máximo: 1814) e de 1273 a

nível nacional. Nos 18 RRE analisados, apenas num caso a média de inscritos por

médico era inferior à do comparador.

No que respeita a utentes não apenas inscritos mas utilizadores dos serviços, os

dados de 2003 revelam a existência de 1343 utentes utilizadores por médico nos RRE e

de apenas 1215 no grupo comparador.

Quanto à percentagem de utilização - a proporção de utentes inscritos que

tenham tido pelo menos uma consulta - as diferenças entre o RRE e o grupo comparador

foram menores: a percentagem de utilização foi de 75,7% para o RRE e de 74,1% para o

grupo comparador, sendo que em apenas 4 dos casos em comparação surgiram valores

superiores para o grupo comparador.

A média de consultas por utilizador foi de 4,53 no RRE e de 4,11 no grupo

comparador, sendo a média nacional de 4,1. Na comparação por par RRE/comparador,

só em 3 casos é que o grupo comparador foi superior.

A média de consultas anuais por médico foi também superior no RRE. Neste

regime, os médicos realizaram 6085 consultas, tendo os médicos do grupo comparador

realizado apenas 4989. Realce-se ainda que a média nacional foi de 3919. Mais uma

vez, a vantagem do RRE em termos médios resulta de uma vantagem uniforme do RRE

e não de casos extremos: os médicos em RRE fizeram mais consultas do que os médicos

do grupo comparador em 16 dos 18 casos.

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Relativamente a consultas médicas por hora, a comissão salienta que considera

este item um indicador fraco, dada a grande variabilidade no número de horas semanais

declaradas por cada médico. De qualquer forma, a média foi de 5,41 no RRE e de 4,67

no grupo comparador, sendo o RRE superior ao grupo comparador em 15 casos. Note­

-se que o indicador utilizado na auto-avaliação relativa a 2001 era o número de

consultas por dia (considerando 220 dias de consultas por ano). Nesta nova avaliação tal

indicador não foi descrito, mas seria 27,7 para o RRE e 22,7 para o grupo comparador.

O número de consultas por inscrito foi de 3,4 para o RRE e de 3,0 no grupo

comparador, sendo a média nacional de 2,8. O RRE foi novamente superior em 16 dos

18 casos. Note-se que, de acordo com o Plano Nacional de Saúde 2004/2010 da

Direcção Geral de Saúde (DGS), a meta a nível nacional para 2010 é de três consultas

anuais por utente.

No que respeita a encargos, o RRE apresentou menores despesas com

medicamentos por utilizador, sendo estas de €100,01 no RRE e de €108,45 no grupo

comparador (uma vantagem de 7%). Paralelamente, registou-se também uma menor

despesa em meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT), que foram de

€50,94 no RRE e de €60,87 no grupo comparador (uma diferença correspondente a

16,3%). No entanto, as remunerações por utilizador foram superiores no RRE: €54,49

em comparação com €45,71 no grupo comparador, representando um acréscimo de

19,2%.

Assim, o custo total por utilizador (medicamentos+MCDT+remunerações de

pessoal médico) foi €206,33 no RRE e €215,03 no grupo comparador, ou seja, o custo

por utilizador foi inferior em 4% no RRE. Este indicador de custos é superior nos RRE

em 7 dos 18 casos considerados.

Também o custo por consulta é superior no grupo comparador, sendo de €45,52

no RRE e de €52,35 no referido grupo, o que corresponde a uma diferença de 13%.

Neste caso, o indicador é superior no RRE em apenas 2 dos 18 casos.

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A comissão calculou ainda os encargos globais em 2003 para o RRE e para o

grupo comparador, considerando para tal os encargos do SNS com medicamentos

prescritos no centro de saúde, os encargos com MCDT, e os encargos com

remunerações médicas sem incluir horas extraordinárias.

Para um número de inscritos no RRE de 228.888, foram gastos €35.734.687,

correspondentes a €17.476.581 com medicamentos, €8.821.656 com MCDT, e

€9.436.450 com remunerações médicas. Assim, o custo total por inscrito foi de €156,12.

No grupo comparador, com 214.698 inscritos, foram gastos €34.215.225, resultantes de

€17.256.205 gastos com medicamentos, €9.685.126 com MCDT, e €7.273.893 com

remunerações médicas. Tal resultou num custo total por inscrito de €159,36. Constata-

se que, apesar do RRE ter gerado um nível superior de encargos, tal se deve a um maior

número de inscritos e não a um maior custo por inscrito.

Segundo a comissão, se a população inscrita no grupo comparador fosse inscrita

no RRE, ter-se-iam poupado cerca de €695.000 durante o ano de 2003. A comissão

conclui então que o “aumento de encargos com remunerações encontra a sua

contrapartida numa melhor oferta de cuidados, no aumento da produção (mais 22%), na

garantia da qualidade e em maior eficiência”.

2.3 Diferenças entre a Avaliação do RRE pela DGS e a Presente Avaliação

Para além da avaliação feita neste relatório usar dados mais recentes, de 2005, há

outras diferenças, de natureza mais metodológica entre as duas avaliações. A avaliação

da DGS adoptou uma metodologia de case-control que permitiu uma investigação

muito detalhada das diferenças entre um conjunto de indicadores nas unidades em RRE

e unidades consideradas comparáveis a funcionar no modelo convencional. Isso

permitiu que além das variáveis de custo a que já fizemos referência, se tenha

investigado um conjunto vasto de indicadores sobre a produção e qualidade de serviço

na prestação dos cuidados de saúde.

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A presente avaliação adopta uma metodologia estatística/econométrica,

concentra-se nos custos e mede a produção dos centros de saúde de forma

necessariamente simplificada: por utentes inscritos, por utilizadores e por consultas,

sendo que esta última variável agrega os vários tipos de consultas. Ou seja, esta

avaliação considera um conjunto menos rico de indicadores. Esta desvantagem é

compensada por algumas vantagens de outra natureza.

• Em primeiro lugar, a análise baseou-se em dados secundários, em particular nos

Tableaux de Bord das ARS, facto que permitiu concluir a análise no escassíssimo

tempo disponível.

• Em segundo lugar, ao considerar dados de todos os centros de saúde e ao tratar os

dados das unidades em RRE como fazendo parte do universo dos centros de saúde,

tornou-se possível a utilização da metodologia da inferência estatística, ou seja

avaliar a significância estatística das diferenças encontradas.

• Em terceiro lugar, o uso de metodologias de regressão múltipla permitiu encontrar

resultados controlando por um conjunto de factores que são necessariamente

negligenciados em comparações bilaterais. Por exemplo, pudemos encontrar

diferenças em custos entre unidades em RRE e unidades convencionais controlando

pela estrutura etária da população, pela proporção de utentes sem médico de família,

por um indicador da qualidade de serviço, e sobretudo pelos efeitos de escala e pelas

especificidades regionais. A muito significativa relevância destas últimas variáveis

faz-nos ter pouca confiança nas diferenças entre unidades em RRE e unidades

convencionais encontradas bilateralmente, já que não é seguro que tais diferenças

não possam ser atribuídas a esta variáveis omitidas, as quais agem como

confounding factors.

• Em quarto lugar, a avaliação de uma experiência como o RRE fica seriamente

comprometida se não se tiver em conta que a participação em tal experiência é

voluntária e logo sujeita a fortes enviesamentos provocados pela auto-selecção dos

participantes. Ao encontrarmos diferenças entre os resultados de uma unidade em

RRE e de uma convencional, será que as diferenças de performance reflectem as

diferenças entre as instituições e os incentivos, ou reflectem apenas que se trata de

tipos diferentes de médicos, e que tais diferenças nada têm a ver com as

instituições? Por exemplo, se juntarmos médicos no percentil 95 e acima de

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produtividade numa unidade convencional, esta unidade será muito mais produtiva

que a média, mas nenhum aumento real de produtividade ocorreu na perspectiva

global do sistema de saúde. Só mudanças de comportamento podem representar

ganhos reais para o sistema de saúde como um todo. Nesta avaliação tentámos

enfrentar com tanto cuidado quanto possível esta questão, e os resultados que

apresentamos são, na medida do possível, expurgados dos efeitos de auto-selecção.

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3. Fontes dos Dados e Valores Agregados

Os dados de base usados na análise económica dos centros de saúde são

provenientes dos Tableaux de Bord de 2005 para as ARS do Norte, Centro, Lisboa e

Vale do Tejo e Alentejo. Trata-se de uma base de dados, em ficheiro Excel, contendo

informação sobre os recursos humanos, os custos e a actividade dos centros de saúde.13

Os dados são recolhidos nas várias Sub-Regiões de Saúde14 (SRS) que podem

não seguir rigorosamente os mesmos critérios contabilísticos. O método estatístico de

análise dos custos a utilizar mais adiante será adaptado por forma a gerar resultados que

sejam robustos face a esta fonte de variabilidade dos dados.

Outro problema com os dados sobre custos é o período a que dizem respeito as

despesas com Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT) e com

Medicamentos. Devido à demora no processo de conferência de facturas para ambos os

tipos de despesas, há várias sub-regiões cujos dados disponíveis para a elaboração do

Tableau de Bord no final de 2005 não incluem todo o ano de 2005. Nestes casos a

despesa anual foi estimada recorrendo aos meses homólogos de 2004. O Quadro 1

exibe alguma informação sobre esta situação.

Como a situação relativamente a estes desfasamentos é diversificada, eles

representam uma fonte espúria de variabilidade dos dados que terá de ser tida em conta

na análise estatística dos custos dos centros de saúde.

13 Os dados foram-nos enviados pelas ARS respectivas, via Missão para os Cuidados de Saúde Primários (MCSP). 14 Apesar de todas as SRS usarem o mesmo formato para o Tableau de Bord os critérios de contabilização dos custos não são rigorosamente idênticos em todas as regiões. As discrepâncias notam-se sobretudo nas classificações de custos residuais, como é o caso das classes “Custos Administrativos”, “Custos com Dirigentes” e “Outros Custos”. Nalgumas SRS os “Custos com Dirigentes” estão a zero. A importância relativa dos “Outros custos” é extremamente variável, pelo que presumimos que parte da razão para tal tem a ver com critérios contabilísticos. As várias parcelas de custos não somam rigorosamente o total, ou seja não são necessariamente exaustivas.

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Quadro 1. Último Mês com Dados Reais

ARS SRS Medicamentos MCDT Braga n.d. n.d. Bragança Dez-05 Dez-05

Norte Porto Viana do Castelo

n.d. Nov-05

n.d. Out-05

Vila Real Set-05 Out-05 ULS Matosinhos Set-05 Set-05 Aveiro n.d. n.d. Castelo Branco Dez-05 Dez-05

Centro Coimbra Set-05 Dez-05 Guarda Nov-05 Nov-05 Leiria Abr-05 Abr-05 Viseu Dez-05 Nov-05 Lisboa Out-04 Nov-04

LVT Santarém Jul-05 Ago-05 Setúbal n.d. n.d. Évora Nov-05 Nov-05

Alentejo Beja Out-05 Nov-05 Portalegre Set-05 Set-05

Nota: n.d. – informação não disponível. Os meses indicados são os mais relevantes, há excepções em vários casos.

Os Tableaux de Bord não incluem informação sobre as “necessidades” de

cuidados de saúde da população ou, alternativamente, sobre características estruturais da

população determinantes da procura de cuidados de saúde. Um aspecto relevante e cuja

inclusão na análise foi viável é a estrutura etária da população. Retirámos informação

sobre a “percentagem da população com mais de 65 anos” e “percentagem da população

com 18 anos e menos” de uma útil publicação do IGIF, “Estatísticas do Movimento

Assistencial dos Centros de Saúde - 2004”. Esta publicação tinha gaps nos dados, em

particular sobre a SRS de Lisboa e sobre a Unidade Local de Saúde (ULS) de

Matosinhos, pelo que foram utilizados dados do Recenseamento de 2001 para

compensar a falta de informação ao nível do Concelho e, no caso da cidade de Lisboa,

ao nível da freguesia. Os dados foram acedidos quer no site do INE (ao nível dos

concelhos), quer no site www.guiadeportugal.pt (ao nível das freguesias).

Quanto à definição da unidade observada - o centro de saúde -, ela inclui

extensões, que são tratadas em conjunto com a respectiva sede. A excepção é o conjunto

das unidades em RRE na ARS do Norte, as quais, por serem centros de custo, dispõem

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

de informação separada. Para efeitos desta análise as RRE do Norte são tratadas como

centros de saúde.

Relativamente aos conceitos base, seguimos as definições operacionais nos

Tableaux de Bord. Para “Utentes” foi utilizado o total de utentes registados no centro de

saúde, não incluindo utentes esporádicos, no último dia do mês em questão. A definição

de “Utilizadores” corresponde ao total de primeiras consultas em cada ano. O total de

consultas corresponde às consultas em atendimentos ambulatório e de urgência (mais

atendimentos em SAP).

Quadro 2. Valores Agregados da Base de Dados

Variáveis

Utentes 10.329.338

% Utentes sem Médico de Família 10,86%

Habitantes 9.493.392

Utilizadores 6.630,215

Consultas 32.600.442

Custos €2236 Milhões

Totais

Para que os números globais anteriores possam ter algum enquadramento,

recordemos que, em 2004, de acordo com a publicação da DGS “Produção em saúde em

2004”, o número total de consultas e de atendimentos em SAP foi de 33,5 milhões para

todo o Continente, e de 32,3 milhões para as quatro ARS consideradas (o Algarve foi

retirado pois não dispúnhamos de um Tableau de Bord algarvio para 2005). Por outro

lado, a publicação do IGIF “Relatório de Contas do SNS para 2004” indica um total

nacional de 6,4 milhões de utilizadores num total de 10,5 milhões de utentes/inscritos,

havendo 9,6% de utentes sem médico de família.

Quanto às características médias de um centro de saúde na base de dados, o

Quadro 3 apresenta algumas estatísticas relevantes. Os dados são semelhantes aos

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

valores indicados para 2004 no Relatório de Contas do SNS15, os quais apresentavam

uma média de 30015 utentes, 20 médicos e 20 enfermeiros por centro de saúde.

Quadro 3. Estatísticas dos Centros de Saúde

Variáveis Média Desvio Padrão

Utentes 30834 28022

% Utentes sem Médico de Família* 10,8 9,33

Utilizadores 19792 17323

Médicos 20,88 17,74

Enfermeiros 20,55 14,11

Consultas 97315 74374

Utentes por Médico* 1478 308

Consultas por Médico* 4663 1377

Consultas por Utente* 3,16 0,92

Consultas por Utilizador* 4,92 1,04

Custos (€1000) 6674,69 4940,78

Estatísticas das variáveis com * correspondem à distribuição ponderada pelos utentes, pelos utilizadores ou pelo número de médicos conforme apropriado.

Note-se igualmente que os desvios padrão são elevados, o que indica uma

grande heterogeneidade nos centros de saúde, quer em termos de dimensão quer em

termos de rácios.

15 Note-se que como a unidade de observação é o centro de saúde, médias de rácios, como por exemplo “utentes por médico”, são calculadas dando o mesmo peso a centros de saúde grandes e pequenos, pelo que esta média de médias não coincide necessariamente com a média para o total do Continente.

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4. Caracterização Básica dos Custos

4.1 A Distribuição Estatística dos Custos Médios

Um dos passos intermédios essenciais da análise, conforme explicitado nos

termos de referência, é caracterizar os custos por utente e os custos por consulta.

Nesta secção, começamos pela apresentação das estatísticas essenciais

quantificando os custos por utente, quer em termos médios, quer em termos da sua

heterogeneidade ou dispersão.

Como já foi referido na secção anterior (ver nota 15), as médias de indicadores

para distribuições onde a unidade de observação é o centro de saúde não são

representativas, ou seja, não coincidem necessariamente com os valores agregados. Por

essa razão, apresentamos as estatísticas ponderadas pelo número de utentes (ou de

consultas, quando apropriado), por forma a apresentar indicadores representativos de

todo o sistema de cuidados primários. A menos que haja menção específica em

contrário, sempre que nos referirmos a médias de rácios ou indicadores estamos a usar

médias ponderadas.

Quadro 4. Custos Médios por Utente nos Centros de Saúde

Dados Brutos Desvio Correlação c/

N=335 Centros de Saúde Média Padrão Min Max Utentes (1) (2) (3) (4) (4) (5)

Custo 259,46 84,96 142,38 796,79 -0,559

Vencimentos Médicos 42,03 16,25 14,29 141,42 -0,494

Vencimentos de Enfermeiros 19,84 11,25 6,47 72,74 -0,578

Custos Administrativos e de Direcção 25,06 13,83 3,22 83,31 -0,526

Custos com MCDT 40,26 10,14 14,24 89,02 0,073*

Custos com Medicamentos 101,33 35,49 33,38 346,11 -0,529

Outros Custos 30,95 31,17 0,00 337,6 -0,247

Correlações com número de utentes significativas (p<0,001) excepto *(p=0,185)

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Quadro 5. Custos Médios por Utente nos Centros de Saúde,

Ponderado pelo Número de Utentes N=335 Centros de Saúde Média Desvio Padrão CV Correlação c/ Utentes

(1) (2) (3) (3)/(2)=(4) (5) Custo 216,47 58,84 27,2% -0,533

Vencimentos Médicos 34,76 11,33 32,6% -0,463

Vencimentos de Enfermeiros 13,95 7,13 51,1% -0,528

Custos Administrativos e de Direcção 18,56 9,25 49,8% -0,454

Custos com MCDT 40,92 8,58 21,0% 0,042*

Custos com Medicamentos 84,32 26,73 31,7% -0,480

Outros Custos 23,96 20,89 87,2% -0,271

Correlações com número de utentes significativas (p<0,001) excepto *(p= 0,4447)

Os resultados nos Quadro 4 e Quadro 5 podem ser visualizados através das

estimativas das densidades dos custos médios, apresentadas na Figura 1. Além de um

custo médio anual por utente de €216, a distribuição tem uma grande dispersão,

existindo algumas observações extremas (outliers) que influenciam os resultados.

Figura 1. Distribuições dos Custos por Utente

0

.002

.004

.006

Densid

ade

200 400 600 800 Custo por Utente

Distribuição do Custo por Utente

0

.005

.0

1

Densid

ade

200 400 600 800 Custo por Utente

Distribuição Ponderada do Custo por Utente

Custos por Utente

A distribuição ponderada apresenta uma média menor que a dos dados

brutos (indiciando que os custos médios são mais baixos nos centros de saúde maiores),

mas sobretudo apresenta uma dispersão bem menor, como aliás a comparação dos

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painéis na Figura 1 evidencia. Isso significa que a dispersão e a existência de

observações extremas são mais intensas em centros de saúde pequenos.

Quanto à composição dos custos, o Quadro 5 mostra que a maior componente

dos custos se deve aos custos com medicamentos (cerca de 40%) e com MCDT (19%),

e só depois aos vencimentos dos médicos (16%). As despesas administrativas e de

direcção, juntamente com outros custos (como custos com limpeza, segurança,

electricidade, água, comunicações e consumíveis) absorvem aproximadamente 20% dos

custos.

Os Quadro 6 e Quadro 7 apresentam as principais estatísticas sobe os custos

médios quando a unidade usada é a consulta.

Quadro 6. Custos Médios por Consulta nos Centros de Saúde

Dados Brutos Correlação c/

Custos por Consulta, N=335 Média Desvio Padrão Min Max Consultas (1) (2) (3) (4) (4) (5)

Custo Total 70,88 16,30 40,69 170,85 -0,184

Vencimentos Médicos 11,46 3,36 5,54 24,38 -0,175

Custos com MCDT 11,66 4,38 ,01 27,54 0,389

Custos com Medicamentos 27,49 6,48 8,51 57,53 -0,157

Correlações com número de consultas significativas (p<0,005)

Quadro 7. Custos Médios por Consulta nos Centros de Saúde,

Ponderado pelo Número de Consultas Custos por Consulta, N=335 Média Desvio Padrão CV Correlação c/ Consultas

(1) (2) (3) (3)/(2)=(4) (5) Custo Total 68,59 13,99 20,4% -0,202

Vencimentos Médicos 11,01 2,82 25,6% -0,1691

Vencimentos Enfermeiros 4,42 1,52 34,3% -0,425

Custos com MCDT 12,96 4,04 31,2% 0,318

Custos com Medicamentos 26,72 5,75 21,5% -0,132

Correlações com número de consultas significativas (p<0,02)

O que anteriormente foi dito sobre estatísticas ponderadas mantém-se válido,

ou seja as médias dos valores brutos não coincidem com os valores agregados pelo que

é conveniente ponderar os dados, sendo apenas que neste caso o ponderador natural é o

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número de consultas. Também neste caso a distribuição ponderada tem uma menor

média e dispersão, como se pode ver na Figura 2. Com excepção dos MCDT há uma

correlação negativa entre volume de consultas e custos médios.

Figura 2. Distribuições dos Custos por Consulta

0 .

005

.01

.015

.02

.025

D

ensid

ade

0 50 100 150 200 Custo por Utente

Distribuição do Custo por Consulta

0

.01

.0

2

.03

D

ensid

ade

0 50 100 150 200 Custo por Utente

Distribuição Ponderada do Custo por Consulta

Custos por Consulta

4. 2 Relação entre Custos Médios e Número de Utentes

O factor explicativo mais importante para o custo total de um centro de saúde é o seu

nível de actividade. Este pode ser medido em várias dimensões, em particular pelo

número de utentes, pelo número de utilizadores ou pelo número de consultas. A Figura

3 ilustra, a relação entre custos totais e número de utentes e de consultas.16

16 Os pontos centrais a vermelho correspondem à média condicional da variável custos, ou seja a média para cada valor do número de utentes ou de consultas. A função média condicional foi estimada por regressão não paramétrica.

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Figura 3. Custos Totais 0

1000

0000

20

0000

00

3000

0000

C

usto

s

0 50000 100000 150000 200000 Utentes/Inscritos

Custos Totais vs. Utentes

0 10

0000

00

2000

0000

30

0000

00

Cus

tos

0 200000 400000 600000 Consultas

Custos Totais vs. Consultas

Custos Totais e Nível de Actividade

Outro facto a salientar é que, mesmo ao nível dos custos médios, o volume de

actividade é igualmente uma variável explicativa importante. Tal significa que não

temos uma situação de rendimentos constantes à escala em que os custos por utente ou

por consulta sejam independentes do volume de actividade. Essa situação é ilustrada na

Figura 4.

A existência de economias de escala sugere que poderia haver ganhos de

eficiência em aumentar as dimensões dos centros de saúde mais pequenos, isto é em

concentrar a sua actividade num menor número de unidades. Naturalmente que uma tal

alteração traria custos em termos dos níveis de acesso aos cuidados primários em alguns

meios populacionais, embora uma concentração de certos serviços comuns (logística,

etc.) possa ser realizada mantendo um conjunto de extensões e sub-unidades que

minimize o impacto nos níveis de acesso17. No entanto, uma conclusão que se pode

17 Centros de saúde maiores podem igualmente permitir uma gestão melhor dos recursos humanos, em particular porque é legalmente possível ter mobilidade de recursos dentro das unidades de um mesmo

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

retirar da análise visual é que há ganhos substanciais em aumentar a escala de operações

até cerca de 50000 utentes. Para dimensões superiores, esses ganhos parecem ser

bastante mais reduzidos.

Figura 4. Custos por Utente

0 20

0 40

0 60

0 80

0 C

usto

s

0 50000 100000 150000 200000 Utentes/Inscritos

Custos Médios por Utente

A Figura 5, bem como as Figuras 6 e 7 mostram a decomposição dos custos

médios por utente pelos vários tipos de custo. Surpreendentemente, em todas as

rubricas, excepto os MCDT, é visível que os custos médios decrescem com o número de

utentes. É imprescindível reter a ideia de que a escala é uma variável importante para

explicar os custos médios de um centro de saúde. Qualquer análise económica dos

centros de saúde que não use medidas de escala poderá estar a errar por omitir um dos

factores mais significativos na determinação dos custos médios.

centro de saúde. Estamos gratos à Professora Suzete Gonçalves pela ajuda na compreensão destas questões.

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150

Vencimentos de Enfermeiros por Utente

0 50000 100000 150000 200000 0 50000 100000 150000 200000 Utentes/Inscritos Utentes/Inscritos

38/91

Cus

tos

0 50

10

0 15

0 C

usto

s 0

100

200

300

400

Cus

tos

0 10

0 20

0 30

0 40

0

0 50000 100000 150000 200000 0 50000 100000 150000 200000 Utentes/Inscritos Utentes/Inscritos

Figura 6. Custos por Utente: Componentes II

Componentes do Custo Médio por Utente II

Custos com Medicamentos por Utente Custos com MCDT por Utente

0 50

C

usto

s 10

0

Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Figura 5. Custos por Utente: Componentes I

Componentes do Custo Médio por Utente I

Vencimentos Médicos por Utente

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Figura 7. Custos por Utente: Componentes III

0 50

10

0 15

0 C

usto

s

0 50000 100000 150000 200000 Utentes/Inscritos

Custos Administrativos por Utente

0 50

10

0 15

0 C

usto

s

0 50000 100000 150000 200000 Utentes/Inscritos

Outros Custos por Utente

Componentes do Custo Médio por Utente III

Apesar de a situação dos MCDT ser claramente diferente dos outros custos é

difícil encontrar a explicação para estes facto. Uma possibilidade é a de tal situação se

dever a um menor acesso a MCDT em meios com centros de saúde mais pequenos.

4. 3 Relação entre Custos Médios e Número de Utilizadores

A utilização dos utentes como unidade de volume faz mais sentido se a relação

entre utentes e utilizadores for relativamente estável. De facto, como se pode ver na

Figura 8, a relação entre utentes e utilizadores é linear. Em média, 64,2% dos utentes

são utilizadores, sendo o coeficiente de correlação entre utentes e utilizadores é 0,979.

Uma análise de regressão simples mostra que, por cada utente adicional, um centro de

saúde tende a ter mais 0,625 utilizadores, de forma que as propensões média e marginal

para um utente se tornar um utilizador são praticamente iguais, não dependendo da

escala do centro de saúde.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Figura 8. Relação entre Utilizadores e Utentes

0 50

000

1000

00

1500

00

Util

izad

ores

0 50000 100000 150000 200000 Utentes

Utilizadores vs. Utentes

Dado que existe uma relação simples e estável entre utilizadores e utentes, a

análise dos custos médios por utilizador mostra que o comportamento destes custos é

muito semelhante ao dos custos por utentes.

Figura 9. Custos por Utilizador

0 20

0 40

0 60

0 80

0 C

usto

s

0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 Utilizador

Custos Médios por Utilizador

40/91

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A Figura 9 mostra a relação entre custo médio por utilizador e volume de

actividade medido pelo número de utilizadores. Este gráfico é qualitativamente

sobreponível ao gráfico correspondente para utentes, apresentado na Figura 4.

O Quadro 8 evidencia alguns dos componentes mais relevantes do custo médio

por utilizador, em simetria com a decomposição anteriormente apresentada no Quadro

5.

Quadro 8. Custos Médios por Utilizador nos Centros de Saúde,

Ponderado pelo Número de Utilizadores

Correlação c/ Custos por Utilizador, N=335 Média Desvio Padrão CV Utilizadores

(1) (2) (3) (3)/(2)=(4) (5)

Custo Total 337,25 81,83 24,3% -0,476

Vencimentos Médicos 54,15 16,26 30,0% -0,419

Custos com MCDT 63,74 14,77 23,2% 0,128

Custos com Medicamentos 131,36 33,43 25,4% -0,417

Correlações com número de consultas são estatisticamente significativas (p<0,02)

Uma conclusão que retiramos desta análise é que não é qualitativamente

diferente estudar a economia dos centros de saúde usando os “utentes” ou os

“utilizadores” como unidade de medida da produção. Dado que a unidade “utentes” está

mais ligada ao processo de planeamento em saúde e, em particular, dado que as listas de

utentes são uma componente importante das candidaturas às USF, a análise irá

claramente privilegiar este conceito. Esta opção assenta no facto de se assumir que tal

não implica nenhuma perda ou distorção importante da informação disponível.

4. 4 Relação entre Custos Médios e Número de Consultas

A Figura 10 mostra a relação entre custos totais de um centro de saúde e o

número de consultas. Tal como nos casos anteriores, a relação é positiva e

estatisticamente forte, com um coeficiente de correlação de 0,957 (p<0,001).

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Figura 10. Custos e Consultas Totais 0

1000

0000

20

0000

00

3000

0000

C

usto

s

0 100000 200000 300000 400000 500000 600000 Consultas

Custos Totais vs. Consultas

O Quadro 9 destina-se a servir de referência para utilização futura e relaciona as

medidas de produção “Utentes” e “Utilizadores” com o número de consultas.

Quadro 9. Consultas por Utente e por Utilizador

Dados Ponderados

N=335 Média Desvio Padrão CV Correlação c/ Utilizadores (1) (2) (3) (3)/(2)=(4) (5)

Consultas por Utente 3,16 0,92 29,1% -0,482 Consultas por Utilizador 4,92 1,04 21,1% -0,450

Correlações com número de utentes ou utilizadores significativas (p<0,001)

A Figura 11 adiciona alguma informação ao quadro anterior e mostra a relação

entre as consultas médias por utente e por utilizador com o número de utentes ou de

utilizadores dos centros de saúde: centros de saúde de pequena dimensão tendem a ter

um maior número de consultas por utentes ou por utilizador. O coeficiente de correlação

é 0,69 e estatisticamente significativo (p<0,001).

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Figura 11. Utentes, Utilizadores e Consultas

Consultas per capita

Consultas por Utente Consultas por Utilizador

Co

nsu

ltas

05

10

Co

nsu

ltas

0 5

10

0 50000 100000 150000 200000 0 50000 100000 150000 200000 Utente Utilizador

Por sua vez, a Figura 12 comprova que centros de saúde com maior número de

consultas por utente tendem a ter custos anuais por utente mais elevados.

Figura 12 Custos e Consultas por Utente

Custos Médios e Consultas por Utente

Cus

tos

0 20

0 40

0 60

0 80

0

1 2 3 4 5 6 7 Consultas

43/91

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

O facto de os centros de saúde maiores terem, por um lado, custos por utente

mais baixos mas, por outro, terem igualmente um menor número de consultas por utente

poderia levar-nos a crer à primeira vista que, na realidade, não existem economias de

escala, resultando os menores custos unitários dos centros de saúde maiores apenas do

facto de prestarem menos cuidados per capita. No entanto, uma vez que as consultas

por utente explicam apenas metade da variabilidade dos custos por utente, será de

esperar que outras variáveis tenham um papel explicativo relevante. Como se pode ver

na Figura 13, a qual exibe uma relação negativa entre custos médios por consulta e

número de consultas18, o factor escala é relevante para o custo por consulta, pelo que se

pode concluír que há uma relação entre escala e custo que passa por causas para além da

redução dos cuidados per capita referida anteriormente.

Figura 13 Custos por Consulta

0 50

10

0 15

0 C

usto

s

0 100000 200000 300000 400000 500000 600000 Consultas

Custo por Consulta vs Consultas

18 O coeficiente de correlação é -0,184 (com p<0,001).

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES A análise multivariada, que apresentaremos mais adiante, provará a importância

do factor escala, já que apesar de introduzirmos como variável de controlo o número de

consultas per capita, a variável escala continua a ser relevante na explicação dos custos

por utente.

Figura 14. Custos por Consulta: Componentes

Componentes do Custo por Consulta

Custos Médicos por Consulta

Cus

tos

Cus

tos

Cus

tos

0 10

20

30

0

20

40

60

5 10

1520

25

0 200000 400000 600000 Consultas

Medicamentos por Consulta

0 200000 400000 600000 Consultas

MCDTs por Consulta

0 200000 400000 600000 Consultas

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Em paralelo com as Figura 5 e 6, apresentamos na Figura 14 os gráficos com os

componentes do custo por consulta e a sua relação com o número de consultas.

À semelhança do que obtivemos para o caso dos custos por utente as imagens

sugerem economias de escala nos custos com medicamentos e com vencimentos

médicos, mas uma ausência de economias de escala (talvez até mesmo a presença de

deseconomias de escala) nos custos com MCDT.

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5. Funções Custo por Utente e o RRE

5.1. Análise exploratória

A análise econométrica que se segue tem como objectivo identificar o efeito do

Regime Remuneratório Experimental (RRE) em medidas de custo e de produção dos

centros de saúde. Nesta secção iremos centrar-nos no custo médio por utente.

A análise descritiva vista anteriormente salientou a importância do volume de

actividade na determinação dos custos médios, e por essa razão uma das variáveis de

controlo na análise será sempre uma medida de escala ou, neste caso, uma medida

inversa da escala. O resultado da estimação19 de um modelo exploratório muito simples

pode ser visto no Quadro 10. A variável explicada é o custo médio anual por utente. Os

coeficientes são directamente interpretáveis em euros.

Quadro 10. Modelo Exploratório - Custos dos Centros de Saúde e RRE

Custos por Utente Coeficiente Erro Padrão

P>t

10000· ( Utentes) -½

Indicador de Unidades em RRE Indicador de CS incluindo RRE Constante

1,797 -92,80 -3,69 124,5

0,097 11,54 7,39 5,15

0,000 0,000 0,618 0,000

N = 335 ; R2 = 0,5094 ; Prob > F = 0,0000

O principal resultado provisório obtido nesta exploração indica que uma unidade

em RRE tem um custo por utente €92,8 mais baixo que um centro de saúde

convencional semelhante. Os dados em que este resultado se baseia dizem respeito à

ARS Norte, onde as unidades em RRE foram tratadas como centro de custos e por

conseguinte originaram informação contabilística e estatística autónoma. Um outro

resultado respeitante às ARS de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e do Alentejo, é que um

centro de saúde em que uma sub-unidade ou uma extensão estejam a funcionar em RRE

19 Todas as equações nesta secção foram estimada por mínimos quadrados utilizando como ponderador o número de utentes em cada centro de saúde. Dada a presença de heteroescedasticidade os resultados são sempre apresentados com erros padrão robustos.

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(mas para a qual não temos contabilidade autónoma), apresentava indícios de ter um

custo por utente mais baixo sendo que, no entanto, esta diferença não era

estatisticamente significativa. Como as sub-unidades em RRE são pequenas e podem

estar inseridas em centros de saúde de dimensões muito superiores, a ausência de efeito

estimado não é surpreendente dado que, mesmo que tal efeito exista, ele estará

atenuado.20

A Figura 15 ilustra os resultados – a linha superior representa a estimativa dos

custos médios por utente para várias dimensões dos centros de saúde, e a linha inferior

apresenta as estimativas para esses custos nas unidades em RRE. Apesar das RRE

serem pequenas e por conseguinte não beneficiarem de economias de escala, os custos

médios são inferiores quer aos dos centros de saúde de dimensão semelhante, quer aos

dos centros de saúde de dimensão superior.

Figura 15. Função Custos Médios por Utente

0 20

0 40

0 60

0 80

0 C

usto

s

0 50000 100000 150000 200000 Utentes

Custos Médios por Utente

20 Alternativamente, poderíamos supor os RRE têm efeitos só no Norte. Esta interpretação ad hoc não parece razoável pelo que prosseguiremos a análise assumindo que os efeitos medidos com base nos dados da ARS Norte são representativos de todo o Continente.

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5.2 Estimativa da Função Custos Médios por Utente

A análise anterior pode ser considerada exploratória, uma vez que não incluía

variáveis de controlo por vários factores que afectam os custos de um centro de saúde.

Para além da escala, sabemos que as características da população abrangida, o nível de

acesso aos cuidados e a sua qualidade afectam potencialmente os custos, pelo que é

necessário considerar os seguintes aspectos21:

• o perfil demográfico da população, já que isso permite indirectamente ter em

conta as necessidades de cuidados de saúde. Tal é capturado, na medida do

possível, pelas variáveis “percentagem da população com menos de 18 anos” e

“percentagem da população com 65 anos ou mais”.

• as características do acesso aos cuidados primários. Esta dimensão é

representada por duas variáveis: a primeira é a “percentagem de utilizadores”,

ou seja, a percentagem de inscritos num centro de saúde que teve pelo menos

uma consulta num dado ano; a segunda, uma dimensão negativa, é a

“percentagem dos inscritos sem médico de família”.

• a intensidade no consumo de cuidados, medida pelo número de “consultas por

utilizador”.

• a qualidade organizacional na prestação dos cuidados de saúde, representada

negativamente pela “proporção de consultas marcadas mas não realizadas”.22

As estatísticas descritivas destas variáveis de controlo são apresentadas no Quadro

11.

21 As variáveis usadas baseiam-se na informação disponível nos Tableaux de Bord, com excepção das demográficas, que foram coligidas a partir de outras fontes. 22 As consultas podem ter sido canceladas pelo próprio centro de saúde – e nesse caso é uma situação negativa, ou pelo utente – nesse caso, pode dever-se a características populacionais ou à incapacidade do centro de saúde de adequar os horários das consultas às necessidades dos doentes – e neste último caso, é também uma situação negativa.

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Quadro 11. Estatísticas Descritivas das Variáveis Explicativas

Variáveis

Indicador de Unidades em RRE 335 0,027 0,162 0 1 Indicador de CS incluindo RRE 335 0,027 0,162 0 1 10000· ( Utentes) -½ 335 77,14 36,49 23,20 234,79 Percentagem de Utilizadores 335 68,02 10,06 42,08 99,98 Consultas por Utilizador 335 5,46 1,26 3,23 9,34 % Utentes sem Médico de Família 333 7,30 9,14 0 47,76 % Consultas marcadas não realizadas 334 11,74 6,19 0,00 47,42 % Utentes com 18 anos ou menos 335 19,15 3,39 0,15 28,00 % Utentes com 65 anos ou mais 335 21,24 6,94 0,28 42,7

Desvio N Média Min Max Padrão

Além desta variáveis de controlo, é necessário ter em conta os aspectos regionais

de enquadramento dos centros de saúde. As razões para isso são várias, podendo ser

invocada uma literatura vasta sobre variações regionais na prática clínica23. No entanto,

a razão mais importante é pragmática: a análise dos dados de base tornou evidente que

as diferentes Sub-Regiões de Saúde podem seguir critérios contabilísticos diferentes na

alocação de custos e reportam dados sobre despesas com medicamentos e MCDT com

calendarizações heterogéneas, pelo que é mais prudente que a análise econométrica

tenha a flexibilidade para acomodar tais especificidades sem que isso contamine as

estimativas dos principais parâmetros de interesse.24

Os resultados da estimação econométrica são apresentados no Quadro 12. A

variação explicada é globalmente significativa e apresenta ganhos face ao modelo

exploratório. O principal resultado, dados os nosso objectivos, é a estimativa de um

custo por utente inferior em €104 nas unidades em RRE face a centros de saúde

equivalentes em todos os demais aspectos considerados. Ou seja, uma análise mais

cuidada e usando mais informação ampliou ligeiramente a estimativa da vantagem, em

termos de custos, do Regime Remuneratório Experimental. No entanto, a estimativa é

muito pouco precisa, já que o intervalo com 95% de confiança é muito amplo, entre €­

9.60 e €-197.92. Nos centros de saúde nas ARS de LVT e do Alentejo incluindo sub­

23 Para uma breve recensão de tais questões veja-se por exemplo o manual de Folland, Goodman e Stano, “The Economics of Health and Health Care” (2004), pp.215-222. 24 Para além de uma variável indicador por Sub-Região de Saúde, as regressões utilizaram métodos de inferência robustos com clusters definidos ao nível das sub-regiões.

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unidades em RRE, há indícios ténues de uma pequena vantagem nos custos, mas nestes

casos o efeito não é estatisticamente significativo.

Quadro 12. Estimativa da Função Custo por Utente dos Centros de Saúde

Custos por Utente Coeficiente Erro

Padrão (Robusto)

P>t

Indicador de Unidades em RRE Indicador de CS que incluem RRE 10000· ( Utentes) -½

Percentagem de Utilizadores Consultas por Utilizador % Utentes sem Médico de Família % Consultas marcadas não realizadas % Utentes com 18 anos ou menos % Utentes com 65 anos ou mais

-103,76 -4,87

0,6397 1,85

25,17 -0,32 -0,15 -2,31 1,82

44,629 5,684 0,125 0,361 3,673 0,213 0,245 0,754 0,709

0,033 0,404 0,000 0,000 0,000 0,150 0,550 0,007 0,020

00 ULS Matosinhos 01 SRS Braga 02 SRS Bragança 03 SRS Porto 04 SRS Viana do Castelo 05 SRS Vila Real 06 SRS Aveiro 07 SRS Castelo Branco 08 SRS Coimbra 09 SRS Guarda 10 SRS Leiria 11 SRS Viseu 12 SRS Lisboa 13 SRS Santarém 14 SRS Setúbal 15 SRS Beja 16 SRS Évora Constante

149,0545,07 33,60 50,93 55,68 35,35 17,79 71,10 11,86 79,22 69,21 10,25 55,37 13,14 57,01 36,20 26,73

-82,32191

13,966 11,989 4,599

10,503 6,931 4,273

10,873 9,237 6,071 3,637 8,756 5,932 7,790 5,725 6,828 2,168 2,655

30,5904

0,000 0,002 0,000 0,000 0,000 0,000 0,120 0,000 0,067 0,000 0,000 0,102 0,000 0,035 0,000 0,000 0,000 0,015

N = 332 ; R2 = 0,8025

Os resultados indicam também que um aumento da percentagem dos utentes que

é utilizadora ou um aumento da proporção da população idosa aumentam os custos em

montantes pequenos, mas ainda assim estatisticamente significativos. Por cada ponto

percentual de aumento da quota da população idosa o custo por utente aumenta €1,8. Já

em termos da intensidade de consumos a variável consultas por utilizador tem um

impacto maior, positivo e estatisticamente significativo nos custos: cada consulta

adicional leva a um aumento médio dos custos anuais por utente de €25.

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Os resultados são consistentes com a ideia generalizada de que um centro de

saúde com uma população coberta mais jovem tem custos menores, uma vez que cada

ponto de aumento na percentagem dos jovens reduz em €2,3 os custos por utente25. Os

resultados indiciam também que um centro de saúde com pior acesso (medido pela

percentagem de utentes sem médico de família) e qualidade organizacional (medida

pela percentagem de consultas marcadas não realizadas) terá eventualmente custos mais

baixos, mas os montantes estimados para tais efeitos são económica e estatisticamente

sem significado.26

As estimativas confirmam o impacto das economias de escala identificado na

análise anterior.

Por último, os coeficientes das Sub-Regiões de Saúde permitem quantificar uma

substancial heterogeneidade regional nos custos27. Aqui, todos os coeficientes devem

ser vistos como o acréscimo de custo médios por utente face à SRS de base - Portalegre

- escolhida para tal por apresentar os custos por utente mais baixos. O caso da ULS de

Matosinhos faz-se notar pelo elevado valor do coeficiente do acréscimo de custo por

utente, pelo que lhe dedicamos uma “caixa” neste relatório.

Em conclusão, os RRE têm um custo anual por utente inferior em €93 quando

os indicadores de qualidade e acesso não são tidos em conta, e em €104 quando os

indicadores de qualidade são considerados. Assume-se implicitamente que o seu valor é

pelo menos igual aos custos imputados pela regressão.

25 É interessante contrastar este resultado com o facto de o RRE atribuir um peso de 1.5 a utentes de idade até aos 4 anos. Infelizmente, não foi possível ter dados separando os jovens em dois grupos etários, até aos 4 e mais de 4, pelo que não pudemos estimar separadamente os efeitos de cada grupo nos custos. 26 Uma ideia sugerida em contactos com a Dra. Lúcia Barbosa, da ARS Norte, é que uma maior percentagem de utentes sem médico de família pode gerar dois efeitos contraditórios. Por um lado, o pior acesso pode traduzir-se num menor consumo de serviços e logo em menores custos. Por outro lado, quando a população a descoberto é atendida no chamado atendimento complementar, em que os médicos desconhecem os doentes, há necessariamente uma prática médica menos programada e mais defensiva, o que pode contribuir para aumentar os custos. Os dois efeitos cancelam-se e isso pode explicar a falta de significância estatística da variável na regressão. Note-se que os efeitos de spill over de utentes sem médico de família em princípio fazem-se sentir mais a jusante, nos cuidados hospitalares, o que não se reflecte nos nossos dados já que os cuidados de base hospitalar estão fora do âmbito da nossa análise. 27 Em todas as regressões com coeficientes regionais, um teste de F mostra que o conjunto dos coeficientes é estatisticamente significativo, sempre com p<0,001.

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Note-se que a interpretação dos resultados levanta uma questão de custo-

benefício já que não sabemos qual o benefício correspondente a um determinado

impacto no custo de uma variável de qualidade, acesso ou necessidade, podendo o

primeiro ser inferior, igual ou superior ao segundo. Esta questão é importante porque,

como vimos, ao adicionarmos tais variáveis à regressão explicativa dos custos médios

por utente, a estimativa do efeito RRE aumenta de €93 para €104. Ora, se a título de

exemplo um decisor considerar que uma consulta adicional vale – em termos de

benefícios - menos de €25 por utente, ou que o aumento em 1% da proporção de idosos

requer serviços cujos benefícios são inferiores a €1,8 por utente, então, posto perante

estes dados, tal decisor deve atribuir um benefício diferencial às RRE inferior à

poupança de €104 por utente. No entanto, na prática é de presumir que esta questão seja

irrelevante.

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CAIXA 1 O Caso da ULS de Matosinhos

A Unidade Local de Saúde (ULS) de Matosinhos, criada em 9 de Junho de 1999, é uma entidade pública empresarial, sendo dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Integra o Hospital Pedro Hispano, o Centro de Diagnóstico Pneumológico, a Unidade de Saúde Pública e os Centros de Saúde de Matosinhos, Senhora da Hora, São Mamede de Infesta e Leça da Palmeira

O entendimento, à época, era que o centro de saúde devia servir de porta de entrada no sistema, sendo o médico de família o responsável pela gestão global dos cuidados, e havendo referenciação para o hospital apenas em casos em que o centro de saúde não fosse capaz de responder às necessidades do doente. Isto era tanto mais importante quanto é sabido que os custos envolvidos em tratar - com a mesma qualidade - um mesmo doente num centro de saúde são, regra geral, significativamente mais baixos do que fazê-lo num hospital, devido essencialmente ao peso da estrutura física e humana em que este assenta. Por outro lado, a integração dos dois níveis de cuidados permitiria ainda uma mais eficiente circulação de informação, evitando perdas de tempo e repetições de exames, e aumentando a rapidez no tratamento.

Actualmente, o Centro de Saúde de Matosinhos é composto por três Unidades de Saúde Familiar (USF): Atlântida, Horizonte e Oceanos, tendo também os Centros de Saúde da Senhora da Hora e de São Mamede de Infesta passado a ser constituídos por um conjunto de USF. No entanto, no período em análise e até à recente aprovação das primeiras candidaturas à criação de USF, o Centro de Saúde de Matosinhos era composto por uma sede e duas unidades em Regime Remuneratório Experimental, enquanto os restantes três centros de saúde funcionavam no modelo tradicional, ainda que também integrados na ULS de Matosinhos.

Nesta curta análise, tentaremos contrapor dados da ULS com os da ARS Norte, e do Centro de Saúde de Matosinhos – pelo facto de integrar unidades em RRE – com os do conjunto de centros de saúde da ULS e da ARS.

Em termos de percentagem de utilizadores, o Centro de Saúde de Matosinhos tem, para 2005, 11% e 5% mais utentes “activos” do que a média dos centros de saúde da ARS Norte, e a média dos centros de saúde integrados na ULS, respectivamente, sendo que os centros de saúde a funcionar em RRE apresentam as mais elevadas taxas de utilização. Como um todo, os centros de saúde da ULS apresentam um valor superior em 5% face à média da ARS.

Quanto ao número de consultas por utente e por utilizador, o Centro de Saúde de Matosinhos apresenta valores superiores, respectivamente, em 25% e 19% face à média da ULS, e em 32% e 19% face à média da ARS. Os valores da ULS e da ARS são idênticos.

Relativamente ao custo total por utente, o Centro de Saúde de Matosinhos gasta 16% mais do que a média da ULS, e 69% mais do que a média da ARS. Repetindo a análise por utilizador, o Centro de Saúde tem um custo superior em 10% face à média da ULS, e em 53% face à média da ARS Norte. Convém aqui frisar que o conjunto dos

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centros de saúde integrados na ULS de Matosinhos gasta, por utente e por utilizador, respectivamente, mais 46% e 39% do que a média da ARS.

Decompondo os custos, obtém-se que os custos com MCDT, por utente e por utilizador, são mais baixos em 30% no Centro de Saúde de Matosinhos do que na média da ARS. No entanto, os centros de saúde tradicionais da ULS apresentam valores substancialmente superiores pelo que os centros de saúde da ULS, como um todo, gastam mais 20% e 14% com MCDT, por utente e por utilizador, do que a média da ARS.

Quanto aos custos com medicamentos, por utente e por utilizador, as unidades em RRE gastam menos de metade do que a média da ARS. Já os restantes centros de saúde da ULS e, em particular, a sede do Centro de Saúde de Matosinhos, apresentam valores superiores à média regional, pelo que os centros de saúde da ULS como um todo gastam mais 23% e 17% com medicamentos, por utente e por utilizador, do que a média da ARS.

Em termos de custo total por consulta, o Centro de Saúde de Matosinhos apresenta um valor superior em 29% face à média da ARS Norte. Os centros de saúde da ULS de Matosinhos gastam mais 39% por consulta do que a média da ARS. Decompondo mais uma vez este custo, temos que o Centro de Saúde gasta, em medicamentos por consulta um valor idêntico ao da ARS, mas gasta apenas metade em MCDT do que a média regional.

Parece inequívoco que os centros de saúde integrados na ULS de Matosinhos apresentam uma taxa de utilização e um número de consultas (por utente, e por utilizador) substancialmente superiores aos dos restantes centros de saúde da ARS Norte. No entanto, tal é conseguido à custa de uma significativa diferença nos custos, pelo que convém perceber se tal diferença pode ser justificada.

À partida, dado que um dos objectivos por detrás da criação da ULS era precisamente evitar que casos que pudessem ser tratados nos centros de saúde fossem enviados para o Hospital Pedro Hispano, seria razoável esperar estes resultados. Resta saber se este nível de custos dos cuidados primários tem algum reflexo directo numa descida dos custos com cuidados hospitalares, pelo que seria interessante analisar esta questão no futuro. Por outro lado, haveria que aferir se estes custos são compensados por significativos ganhos em saúde ou por melhorias dos níveis de qualidade dos serviços prestados nos centros de saúde. À falta desta análise adicional, fora do âmbito do Estudo, torna-se difícil avaliar a experiência que tem sido a Unidade Local de Saúde de Matosinhos. No entanto, os dados são claros ao mostrar uma vantagem substancial dos custos médios das unidades em RRE face à Sede, à ULS como um todo, e à ARS Norte.

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5.3 Decomposição do Efeito RRE por Tipo de Custos

Os termos de referência especificam que o Estudo deve referir o “custo/ano por

utente”, considerando o consumo de Meios Complementares de Diagnóstico e

Terapêutica e de Medicamentos. Nesta secção, refaz-se a análise econométrica dos

custos, decompondo-os em custos com médicos, enfermeiros, administrativos e

dirigentes, meios complementares de diagnóstico, medicamentos e outros custos.

Um problema que se coloca é que, enquanto as RRE são extensões ou sub­

unidades dos centros de saúde, estes últimos assumem algumas funções “centrais”, os

chamados serviços comuns, suportando os respectivos custos, pelo que uma

comparação directa de custos por utente pode não ser totalmente legítima. Uma forma

de ultrapassar o problema é decompor os custos por vários tipos, aos quais estão

associados funções equivalentes, quer nos centros de saúde quer nas unidades em RRE.

O Quadro 13 resume os resultados. Para cada tipo de custo foi estimada uma

regressão semelhante à do Quadro 12. De cada uma dessas regressões, retirou-se o

coeficiente estimado para o efeito do RRE no custo por utente, e a sua significância

estatística. Por ser uma questão de interesse na análise económica, retirou-se igualmente

informação sobre economias de escala, sinalizadas pela significância estatística da

variável relevante.

A análise das regressões para os vários custos parciais revela que, com excepção

dos custos com médicos, os centros de saúde em RRE têm custos mais baixos em todas

as áreas. Adoptando um nível de confiança de 90%, o que é razoável face ao número

reduzido de RRE, todas as diferenças são estatisticamente significativas, com excepção

dos custos com MCDT.

Por forma a ultrapassar o problema dos custos das funções “centrais” dos centros

de saúde que não estão garantidas pelas unidades em RRE, é razoável usar uma medida

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de custos por utente restrita, que não inclui os “Custos administrativos e com

dirigentes” e os “Outros custos” 28.

Quadro 13. Decomposição do Efeito RRE por Tipo de Custos

Tipo de Custos Por Utente

(1)

Vantagem RRE Estimada

(2)

Em % do total

(3) P>t (4)

Economias de Escala

(5) Médicos 5,63 -5,43% 0,017

Enfermeiros -9,46 9,12% 0,000

Administrativos/Dirigentes -13,57 13,08% 0,000

MCDT -15,61 15,04% 0,153

Medicamentos -38,39 37,00% 0,090

Outros -31,45 30,31% 0,078

Totais -103,76 100,00% 0,033

Não Sim Sim Não Não Sim Sim

Nota: Vantagem corresponde à diferença de custos 29, 30 por utente imputável ao estatuto de RRE. Um número negativo corresponde a uma redução de custos. Existem “economias de escala” se a variável de escala for estatisticamente significativa na regressão para cada tipo de custos.

Naturalmente, dado o seu nível de agregação, alguns dos custos assim excluídos

não o deveriam ser, podendo no entanto os resultados assim obtidos ser interpretados

como um limite inferior à diferença de custos por utente que as RRE conseguem obter.

28 A linha separadora entre os serviços comuns e funções “centrais” e as funções desempenhadas nas sub­unidades como aquelas em que o RRE funciona é relativamente complexa. As RRE dispõem de pessoal administrativo, que tem como funções primordiais o contacto com os utentes e outras directamente ligadas à actividade de prestação de cuidados. Nos centros de saúde, para além destas funções, os administrativos fazem a gestão dos fundos de maneio, a colecta de dados para estatísticas, lidam com casos particulares do ponto de vista administrativo (ex: imigrantes), etc. Além destes, a rubrica “custos administrativos” inclui os vencimentos de profissionais que só operam ao nível do centros de saúde, como é o caso de psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, etc. Por último, só os centros de saúde têm auxiliares (telefonistas, motoristas, auxiliares de limpeza, etc). Em resumo, apesar do grosso dos encargos administrativos e de “outros custos” serem só dos centros de saúde, as unidades em RRE também têm custos administrativos a considerar. Atribuir a totalidade da diferença em custos administrativos ao custo dos serviços centrais é sobrestimar o custos destes serviços, alguma da diferença poderá ser uma vantagem genuína das unidades em RRE. Por outro lado, há alguns custos com vencimentos médicos que são apenas dos centros de saúde (saúde pública, especialistas, etc.). Agradecemos à Dra. Lúcia Barbosa ajuda na análise destas questões. Ao incluir todos os vencimentos médicos como custos das RRE, subestimamos os custos com os serviços centrais. A divisão usada na análise será imperfeita, mas é de esperar que alguns dos erros por excesso estimando os custos com serviços centrais cancelem erros por defeito. 29 Fez-se uma regressão para cada classe de custos e reporta-se o coeficiente do indicador RRE.

Há uma questão técnica que se revela aqui de alguma importância. Recorde-se que a metodologia estatística utilizada visou explicitamente adaptar-se à heterogeneidade da informação disponível nas diferentes SRS, através do uso de clusters. Como já foi referido, as despesas em medicamentos e MCDT são das áreas de análise mais problemáticas devido aos atrasos na facturação e à assimetria nas várias SRS. Por essa razão, podendo a informação sobre estas despesas ser muito “ruidosa”, é de esperar que encontremos níveis de significância estatística muito pequenos, mesmo quando no mundo real gerador dos dados haja um efeito quantitativamente importante.

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Nesta perspectiva conservadora, os RRE apresentam, ainda assim, custos por utente

inferiores com um coeficiente de vantagem estimado de €59. Com os standards

assumidos, esta diferença é estatisticamente significativa (p=0,079).

Convém recordar que estes standards em termos de significância estatística, caso

mais informação sobre as unidades em RRE estivesse disponível, deveriam ser mais

exigentes. O Anexo contém estimativas produzidas por uma metodologia diferente. Tais

estimativas são quantitativamente menores, mas estatisticamente significativas.

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6. Utilização, Custos e RRE

A diferença entre os custos das unidades em RRE e as restantes pode ser

explicada por vários factores. Para além de questões organizacionais e de produtividade,

poderia dar-se o caso das unidades em RRE pouparem custos através de uma redução da

oferta de cuidados. No entanto, como demonstraremos, não parece ser esse o caso.

Uma primeira indicação está no facto da regressão explicativa dos custos por

utente (Quadro 12) controlar pelo número de consultas por utilizador, pelo que

diferenças nesta variável não podem ser a fonte do efeito estimado do RRE. Por outro

lado, é revelador analisar as diferenças entre as estratégias de prestação de cuidados das

unidades em RRE e as convencionais. O Anexo contém a análise estatística que

demonstra os seguintes factos:

• Não há diferenças – controlando pelos factores adicionais - nas consultas

por utente entre os centros de saúde convencionais e as unidades

semelhantes em RRE.

• A percentagem de utilizadores dos centros de saúde em RRE é 5,8%

superior à dos centros de saúde convencionais equivalentes. Esta diferença

é estatisticamente significativa. Recorde-se que a média ponderada da taxa

de utilização é 64%.

• As consultas anuais por utilizador são inferiores em 0,4 nas unidades em

RRE, face aos centros de saúde convencionais equivalentes. A média

ponderada é de aproximadamente 4,9 por ano.

De forma algo simplista, podemos dizer que estes factos mostram que os RRE

adoptam uma estratégia de alargamento da extensão dos cuidados compensada por uma

diminuição da sua intensidade. Uma forma de ver o resultado líquido de tal desempenho

é estimar novamente a função custos, tomando desta vez o utilizador, e não o utente

como até aqui, como unidade de observação.

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Os resultados, apresentados no Quadro 14, são qualitativamente muito

semelhantes aos obtidos na regressão para os custos por utente, pelo que não repetimos

aqui a sua interpretação.

Quadro 14. Estimativa da Função Custo por Utilizador dos Centros de Saúde

Custos por Utilizador Coeficiente Erro

Padrão (Robusto)

P>t

Indicador de Unidade em RRE Indicador de CS incluindo RRE 10000· ( Utilizadores) -½

Consultas por Utilizador % Utentes sem Médico de Família % Consultas marcadas não realizadas % Utentes com 18 anos ou menos % Utentes com 65 anos ou mais

-148,08 -11,51 0,668 36,68 -0,13 0,36

-5,14 2,25

64,85 8,04 0,16 5,54 0,38 0,46 1,44 0,89

0,036 0,171 0,001 0,000 0,748 0,444 0,002

0,02 00 ULS Matosinhos 01 SRS Braga 02 SRS Bragança 03 SRS Porto 04 SRS Viana do Castelo 05 SRS Vila Real 06 SRS Aveiro 07 SRS Castelo Branco 08 SRS Coimbra 09 SRS Guarda 10 SRS Leiria 11 SRS Viseu 12 SRS Lisboa 13 SRS Santarém 14 SRS Setúbal 15 SRS Beja 16 SRS Évora Constante

221,8872,45 60,82 83,30 79,01 65,72 29,32

115,0617,36

124,01104,1119,64

110,0021,36

113,3967,29 60,55 99,78

19,66 15,46

7,38 14,96

8,95 6,73

13,58 14,50

7,79 5,27

12,53 7,56

13,03 8,28

11,08 2,72 3,48

48,40

0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,045 0,000 0,040 0,000 0,000 0,019 0,000 0,019 0,000 0,000 0,000 0,055

N = 332 ; R2 = 0,7318

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7. Custos, Consultas e RRE

7.1 Estimativa da Função Custos Médios por Consulta

Até aqui, a unidade de produção adoptada foi o número de utentes ou de

utilizadores. Vamos agora adoptar como unidade a consulta – ou, mais rigorosamente, a

agregação das consultas de ambulatório e das consultas de urgência ou em SAP. A

opção por esta medida justifica-se por ser talvez a mais relevante, e a única com

informação nos Tableaux de Bord31 . Por outro lado, é provável que o total de consultas

seja um bom índice agregado do vector das produções dos centros de saúde.

Quadro 15. Modelo Exploratório – Custo Médio das Consultas

Custos por Consulta Coeficiente Erro Padrão

P>t

Indicador-Unidade RRE (Norte) Indicador -CS incluindo RRE LVT, Ale 10000· ( Consultas) -½

Constante

-23,11 1,49

0,2894

60,14

3,51 3,65

0,0588

2,07

0,000 0,683 0,000 0,000

N = 335 R2 = 0,0759

Os resultados de uma análise exploratória podem ser vistos no Quadro 15, onde se

mostra que uma consulta numa unidade em RRE tem um custo médio inferior em €23

face a uma consulta num centro de saúde convencional. Os resultados estão ilustrados

na Figura 16, onde a linha inferior corresponde aos custos por consulta inferiores

gerados nas unidades em RRE.

31 Análises futuras poderão adoptar uma perspectiva de fronteira de produção ou de custos para acomodar os diferentes “ouputs”, à semelhança das metodologias econométricas utilizadas para analisar custos em hospitais. Neste caso, poderão considerar-se separadamente consultas em ambulatório e de urgência, bem como domicílios, internamento nos centros de saúde, consultas de especialidade, inoculações, etc.. Um tema adicional a considerar nestas análises futuras é a influência que a difusão do SAM poderá ter exercido no comportamento de prescrição dos médicos e, por essa via, nos custos.

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Figura 16. Função Custos Médios por Consulta

0 50

10

0 15

0 C

usto

s

0 100000 200000 300000 400000 500000 600000 Consultas

Custos Médios por Consulta

Os resultados exploratórios indiciam que há uma vantagem das unidades em RRE,

mas mostram igualmente que existem algumas economias de escala na produção de

consultas. Tal como para os custos por utente, é necessário usar variáveis de controlo

por outros factores, a fim de se extrair dos dados o efeito real do RRE. Isso é feito numa

regressão cujos resultados são apresentados no Quadro 16

Quando se controla para factores adicionais, a redução dos custos dos RRE é

ligeiramente superior à estimativa encontrada com o modelo exploratório, sendo essa

redução de €28 por consulta32, para um custo médio ponderado de cerca de €69 nos

centros de saúde convencionais.

32 Vale a pena usar este caso para ilustrar a vantagem da análise multivariada. A diferença bruta entre o custo médio ponderado por consulta em RRE e em centros de saúde convencionais é de €18, mas este valor subestima o impacto do RRE porque as médias são feitas para centros de saúde com características diferentes em termos de qualidade, necessidade, acesso, etc. A regressão múltipla “corrige” estas diferenças, levando a uma estimativa final do efeito RRE de maior dimensão.

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Quadro 16. Estimativa da Função Custo por Consulta

Custos por Consulta Coeficiente Erro

Padrão (Robusto)

P>t

Indicador de Unidades em RRE Indicador de CS incluindo RRE 10000· ( Consultas) -½

Percentagem de Utilizadores % Utentes sem Médico de Família % Consultas marcadas não realizadas % Utentes com 18 anos ou menos % Utentes com 65 anos ou mais

-28,02 -2,00 0,253 -0,48 -0,11 0,01

-1,11 0,24

12,89 2,06 0,08 0,09 0,07 0,08 0,31 0,24

0,044 0,344 0,004 0,000 0,157 0,947 0,002 0,326

00 ULS Matosinhos 01 SRS Braga 02 SRS Bragança 03 SRS Porto 04 SRS Viana do Castelo 05 SRS Vila Real 06 SRS Aveiro 07 SRS Castelo Branco 08 SRS Coimbra 09 SRS Guarda 10 SRS Leiria 11 SRS Viseu 12 SRS Lisboa 13 SRS Santarém 14 SRS Setúbal 15 SRS Beja 16 SRS Évora Constante

47,27 14,48 11,73 17,57 16,63 11,08

7,12 24,65 -0,52 21,85 24,44

5,24 20,67

5,09 15,84

6,12 3,98

98,17

3,38 2,34 0,85 2,56 1,58 1,19 2,65 1,06 1,65 0,63 1,77 1,03 2,37 1,64 2,78 0,79 0,79

12,67

0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,016 0,000 0,756 0,000 0,000 0,000 0,000 0,007 0,000 0,000 0,000 0,000

N = 332 ; R2 = 0,6655

Em geral, a natureza dos resultados é semelhante aos encontrados para o custo

por utente. No entanto, a relação entre custos e consultas é mais “ruidosa” do que a

existente entre custos e utentes, pelo que os níveis de significância estatística são mais

baixos. A título de exemplo, a percentagem dos utentes com mais de 65 anos aparenta

não ter um impacto significativo nos custos, ao passo que a percentagem de jovens

continua a ter um efeito negativo significativo no custo por consulta. Um resultado com

algum interesse é o coeficiente negativo da percentagem de utilizadores ou taxa de

utilização. Uma forma de interpretar este resultado é admitir que um dado número de

consultas espalhado por mais utentes gera menos custos do que esse mesmo número de

consultas concentrado em menos utentes.

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No que à heterogeneidade regional diz respeito, observamos que, no caso das

consultas, a Sub-Região de Saúde com os custos unitários mais baixos é Coimbra, pelo

que o respectivo coeficiente indica uma redução relativamente a Portalegre, a SRS de

base33.

7.2 Decomposição do Efeito RRE por Tipo de Custos das Consultas

À semelhança da decomposição por tipo de custo apresentada para o efeito RRE

nos custos por utente, apresentamos no Quadro 17 a contribuição do efeito RRE por tipo

de custo nas consultas. Aqui, é razoável assumir que apenas é relevante a contribuição

dos custos com recursos directamente variáveis nas consultas como sejam os

medicamentos, os MCDT e os vencimentos de médicos e enfermeiros.

Quadro 17. Decomposição do Efeito RRE por Tipo de Custos nas Consultas

Tipo de Custos Por Consulta

(1)

Vantagem RRE Estimada

(2)

Em % do total (3)

P>t (4)

Economias de Escala

(5) Médicos Enfermeiros MCDT Medicamentos Totais

1,60 -2,39 -5,05 -9,98 -28,02

-5,7 8,5

18,0 35,6 100

0,021 0,00

0,083 0,105 0,044

Não Sim Não Não Sim

Nota: Ver Quadro 13.

Como seria de esperar, os vencimentos médicos são um factor de aumento do

custo por consulta nas unidades em RRE, havendo uma redução dos custos com os

vencimentos dos enfermeiros, com medicamentos e com MCDT. Um resultado

relevante é que a diferença atribuível aos medicamentos não é estatisticamente

significativa, apesar da sua dimensão. Tal deve-se inteiramente aos factores explicados

nas notas ao Quadro 13. Agregando os custos menos ligados a funções de serviços

33 Para facilitar a leitura e comparação com resultados anteriores, mantivemos Portalegre como a SRS de base, apesar de não ter o custo mais baixo nesta dimensão.

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comuns (custos com médicos, enfermeiros, MCDT e medicamentos) obtemos uma

estimativa da vantagem em termos de custo por consulta para o RRE de €15.81,

com (p= 0,075). No Anexo, estes efeitos do RRE são estimados por uma metodologia

econométrica diferente, sendo os montantes estimados inferiores, mas estatisticamente

significativos.

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8. A Auto-Selecção de Médicos e as Vantagens do RRE

8.1 A Relevância da Auto-Selecção na Avaliação dos RRE

Um problema importante na análise do impacto das RRE é conseguir distinguir

entre efeitos de modificação do desempenho e efeitos de auto-selecção.

Os efeitos de modificação do comportamento dos profissionais são, teoricamente

pelo menos, gerados pelo novo enquadramento e respectivos incentivos individuais e de

grupo. Graças à constituição de um grupo de profissionais com afinidades profissionais

e de partilha de um projecto, e a um esquema remuneratório com incentivos (individuais

e de grupo), será de esperar que os profissionais - em particular os médicos de família -

respondam com maior esforço e empenho, aumentando a sua produtividade e a

qualidade do seu trabalho. A questão empírica é saber a dimensão desta resposta, ou

seja aferir se os ganhos gerados compensam os eventuais custos adicionais dos

incentivos34.

Naturalmente, os efeitos de uma modificação de comportamento referidos

anteriormente podem ocorrer mesmo quando os profissionais de saúde formam um

grupo perfeitamente homogéneo nas suas características profissionais. No entanto,

como qualquer grupo humano, os profissionais de saúde constituem uma população

dentro da qual existe uma heterogeneidade considerável, nomeadamente em termos de

produtividade, e de propensão para gastar na prescrição de medicamentos e MCDT.

Se tivéssemos a certeza dos médicos participantes em experiências de RRE

serem uma amostra representativa da população dos médicos, poderíamos imputar todas

as vantagens estimadas para os RRE à mudança de comportamento gerada pelos

incentivos. No entanto, dada a heterogeneidade existente, há uma outra hipótese teórica,

34 Utilizamos o termo incentivos num sentido lato, incluindo todas as formas de remuneração, desde a pecuniária à satisfação obtida pela integração num grupo profissional com o qual se sente afinidade e onde se tem maior autonomia.

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diametralmente oposta: a ser verdade, o que se detecta não é uma alteração de

comportamento, havendo antes uma concentração de profissionais relativamente mais

produtivos ou com menor propensão para prescrever e gastar em MCDT e

medicamentos nos RRE, enquanto os restantes continuam nos centros de saúde

convencionais. A confirmar-se esta hipótese, os resultados observados na análise

estatística dos dados seriam os mesmos que no caso da mudança de comportamento ­

custos mais baixos e produtividade mais elevada nos RRE. No entanto, isto seria

conseguido à custa de uma diminuição da produtividade média e de um aumento dos

gastos médios nos restantes centros de saúde não havendo, portanto, ganhos para o

sistema de saúde como um todo.

Resumindo, enquanto os efeitos dos incentivos dizem respeito à modificação do

comportamento dos médicos, os efeitos de auto-selecção dizem respeito a diferenças

nos profissionais que se encontram nos centros de saúde convencionais e nas unidades

em RRE. Só os efeitos atribuíveis à modificação de comportamento podem representar

ganhos reais para o sistema de saúde, mas o tipo de análise estatística que pudemos

realizar não consegue distinguir uns efeitos dos outros. Idealmente, seriam necessários

dados longitudinais, com informação sobre cada médico antes e depois da formação das

RRE, por forma a extrair das eventuais variações de comportamento individual os

efeitos relevantes.

Ainda que não tenha sido possível obter tal informação, foi realizado um

trabalho de aproximação ao que tais dados poderiam revelar. Para tentar obter alguma

informação sobre esta questão, socorremo-nos de dados históricos sobre os médicos nos

centros de saúde da ARS de Lisboa e Vale do Tejo (LVT)35. Foi construída uma base

de dados individuais36 com o número de consultas, a despesa em medicamentos, a

despesa em MCDT e o estatuto remuneratório (35 Horas, 35 Horas com exclusividade

35 A base de dados, cuja construção foi complexa e trabalhosa, deve-se ao esforço eficaz dos Drs. Manuel Schiappa e Carlos Pires da ARS de LVT a quem expressamos os nosso agradecimento.

A base de dados recebida pelos autores deste relatório respeita o anonimato dos médicos, já que a identificação individual é feita através de um código que permite apenas ligar observações de anos diferentes para um mesmo médico. Como referido, a única informação pessoal adicional que dispomos é se o médico integrou uma candidatura a uma USF.

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(CE), 42 horas)37, para os anos de 2002 a 2005. A base indica-nos também se o médico

integrou uma candidatura a uma USF. Não foi possível incluir informação sobre os

vencimentos dos médicos. O Quadro 18 contém alguma informação sobre os dados no

painel.

Quadro 18. Estatísticas Descritivas do Painel de Médicos de LVT

Ano N Média Desvio Padrão

Consultas

2002

2003 2004

2005

1755

1811 1868

1920

4026

3897 3832

3810

1778

1658 1616

1645

Medicamentos ( € )

2002

2003 2004

2005

1897

1946 1991

2049

109892

115651 125667

103838

60504

64642 70507

71413

MCDT ( € )

2002

2003

2004 2005

1892

1941

1992 2038

57296

58712

64855 64875

30332

31403

35114 35110

Os dados foram utilizados de duas formas distintas mas complementares. Na

primeira parte apresentamos as estimativas de um modelo que permite compreender

como as características de cada médico determinam a probabilidade de ele se candidatar

a uma USF.38 Na segunda, medimos as diferenças entre as consultas, despesas em

medicamentos e despesas em MCDT dos médicos que se candidataram e a de outros

médicos com características semelhantes.

37 Para cada centro de saúde e por ano há uma categoria residual de médicos noutros estatutos. Esses dados não foram incluídos na análise apresentada. Note-se também que a base de dados constitui um painel não equilibrado, uma vez que nem todos os médicos têm dados para todos os anos e para todas as variáveis.

Na estimação do “logit” desta secção em cada observação foi considerado o último estatuto remuneratório disponível e a média das consultas, e despesas com medicamentos e MCDT, nos anos com dados disponíveis entre 2002 e 2005.

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8.2 Determinantes da Candidatura a uma USF

A análise desta secção baseia-se numa regressão logística onde se estima para

cada médico a probabilidade de ele se ter candidatado a uma USF com base nos seus

níveis de actividade (consultas, e prescrição de MCDT e medicamentos), na sub-região

onde trabalha, e no seu estatuto remuneratório39, bem como em interacções entre estas

variáveis. Dado que não sabemos se cada médico individualmente está ou não numa

unidade em RRE, incluímos uma variável indicador que nos diz se no seu centro de

saúde existe uma unidade em RRE.

Quadro 19. Determinantes da Probabilidade de Candidatura a uma USF

Variável Efeito Incremental na Probabilidade

P>z

CS com Unidade em RRE* 0,125 0,000

∆Santarém* ∆Setúbal*

0,057 0,114

0,055 0,000

35 H com Exc*

42 H*

-0,079

-0,079

0,000

0,046

Consultas de 35 ∆Consultas de 35 h com Exc ∆Consultas de 42 h

0,045 -0,361 -0,011

0,000 0,255 0,450

Medicamentos de 35 h ∆Medicamentos de 35 h CE

∆Medicamentos de 42 h

-0,002 0,006

0,002

0,000 0,150

0,000

MCDT de 35 ∆MCDT de 35 h CE ∆MCDT de 42 h

0,001 0,010 -0,001

0,147 0,206 0,040

N= 1956; 11,66% Positivos; Pseudo R2 = 0,1477

Nota: A base corresponde a um médico de Lisboa, no regime das 35 horas de tempo completo que não está no RRE. O símbolo ∆ refere-se a um acréscimo por comparação com a situação de base. Consultas, medicamentos e MCDT estão em unidades de milhares e milhares de euros, respectivamente.

39 Na ARS de LVT, cerca de 40% dos médicos dos centros de saúde estão no regime das 35 horas de tempo completo, 2% nas 35 horas com dedicação exclusiva e os restantes 58% no regime das 42 horas.

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Dos 1956 médicos para os quais havia dados, 11,66% (228) candidataram-se a

integrar uma RRE. Para estudar a variação em torno desta média estimou-se um

modelo de regressão logística, a partir do qual se chegou aos resultados no Quadro 19.40

Tomando como base um médico de Lisboa no regime de 35 horas de tempo

completo, e que trabalha num centro de saúde sem RRE, as seguintes alterações nas

suas características têm o seguinte impacto parcial (mantendo tudo o mais constante) na

probabilidade de candidatura:

• O principal determinante positivo é o médico pertencer a um centro de saúde

onde funciona uma unidade em RRE, sendo o seu efeito de 12,5%. Como os

médicos já envolvidos num RRE não se candidatam a esta fase das USF, esta

estimativa pode resultar de um possível efeito de “contágio” de outros

médicos no mesmo centro de saúde 41.

• Médicos das Sub-Região de Saúde de Santarém, e sobretudo de Setúbal, são

mais propensos a candidatar-se.

• Médicos em regime de 35 horas com exclusividade e de 42 horas são menos

propensos a candidatar-se.

• Para médicos em 35 horas de tempo completo e 42 horas, mais consultas

aumentam a probabilidade de candidatura. Cada 1000 consultas anuais

adicionais aumentam essa probabilidade em cerca de 4%.

• Para médicos em 35 horas de tempo completo, maiores gastos em

medicamentos estão associados a menor propensão a candidatar-se a uma

USF. Para os outros médicos, variações na despesa em medicamentos não

parecem ter efeitos estatística ou economicamente significativos na

probabilidade de candidatura.

• Não existe uma relação significativa entre gastos anuais em MCDT e a

propensão de um médico para se candidatar a uma USF.

A conclusão que se pode retirar é que, para uma maior propensão de um médico

para se candidatar a um USF contribuem a) o facto de pertencer a um centro de saúde

40 Dado que se trata de um modelo não linear, não é legítimo adicionar os efeitos parciais que se referemde seguida. 41 Em números brutos estes centros de saúde têm 10% dos médicos de LVT. No entanto 30% dos seusefectivos candidataram-se, fornecendo 28% de todos os candidatos a USF na ARS de LVT.

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onde já há um RRE, b) não trabalhar na SRS de Lisboa, c) estar no regime das 35 horas

de tempo completo e d) fazer mais consultas do que a média. As despesas em MCDT

não se apresentam como características relevantes no sentido de influenciarem a

referida propensão, e as despesas em medicamentos apenas são relevantes,

negativamente, para médicos no regime das 35 horas de tempo completo.

Estes resultados confirmam a existência de uma auto-selecção, em particular no

que diz respeito ao número de consultas, já que são os médicos que fazem mais

consultas do que os colegas em circunstâncias iguais que tendem a candidatar-se.

8.3 Caracterização Quantitativa dos Candidatos a uma USF

Nesta secção, tentamos estimar as diferenças médias entre os indicadores dos

médicos que se candidataram às USF e os dos médicos que continuarão nos centros de

saúde convencionais. Apesar da separação entre as duas categorias de médicos se basear

numa candidatura e não numa escolha real, é razoável assumir que os resultados nos

darão informação relevante sobre a eventual auto-selecção.

As estatísticas descritivas básicas dos dados usados são apresentadas no Quadro

18. Os dados sofreram alguma evolução ao longo do tempo, pelo que se tornou

necessário introduzir na análise estatística índices para cada ano.

Os dados foram objecto de uma análise de variância42, onde se pretendeu

identificar o efeito dos vários factores. Como a análise preliminar dos dados revelou

existirem diferenças substanciais entre as SRS, na estimação o modelo foi detalhado

para permitir evoluções ao longo do tempo diferentes em cada sub-região. Em cada

caso, o objectivo é quantificar até que ponto os candidatos a USF são diferentes à

42 Implementada na forma de regressão de painel com efeitos aleatórios (“random effects”), usando como regressores variáveis indicadores (“dummies”).

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partida, relativamente aos outros médicos. O Quadro 20 mostra os resultados da

estimação para o número de consultas.43

Cada coeficiente neste quadro deve ser interpretado como um acréscimo à média

da situação de base. Por exemplo, um médico num centro de saúde onde haja uma

unidade em RRE, tudo o resto igual, faz em média mais 389 consultas por ano do que

um médico num centro de saúde convencional.

Quadro 20. Modelo Explicativo do Número de Consultas

Consultas Coeficiente Erro Padrão

P>t

Base 3138,6 62,4 0,000

∆CS com Unidade em RRE* 389,32 106,3 0,000

∆ Santarém 1802,1 110,4 0,000 ∆ Setúbal 664,8 86,4 0,000

∆ Lisboa 2003 29,4 30,1 0,328 ∆ Lisboa 2004 84,1 29,9 0,005 ∆ Lisboa 2005 73,1 29,9 0,014 ∆ Santarém 2003 -284,1 71,9 0,000 ∆ Santarém 2004 -396,8 72,0 0,000 ∆ Santarém 2005 -331,6 71,9 0,000 ∆ Setúbal 2003 -355,8 57,8 0,000 ∆ Setúbal 2004 -572,3 57,9 0,000 ∆ Setúbal 2005 -461,4 58,1 0,000

∆ 35 H Com Exclusividade -1097,7 249,4 0,000 ∆ 42 H 415,6 70,4 0,000

∆ USF 35 H -193,9 185,2 0,295 ∆ USF 35 H Com Exclusividade 1635,6 1051,1 0,120 ∆ USF 42 H 887,9 222,1 0,000 Observações; 7354; Médicos 1964; R2 = 0,1715

Nota: A base corresponde a um médico de Lisboa, em 2002, no regime das 35 horas de tempo completo e que não se candidatou a uma USF.

43 Mais precisamente o número de consultas no centro de saúde do médico. A base regista igualmente consultas de cada médico noutros centros de saúde.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Um médico em Santarém, tudo o mais igual, faz em média mais 1802 consultas

do que um colega em Lisboa. Por outro lado, verificamos que os números médios de

consultas subiram em Lisboa de 2002 até 2004, ao passo que decresceram em Santarém

e em Setúbal, no mesmo período. Vemos igualmente que um médico com 35 horas em

exclusividade faz em média menos 1098 consultas por ano do que um médico em 35

horas de tempo completo, mas que um médico no regime de 42 horas faz em média

mais 416 consultas do que um colega em 35 horas de tempo completo, tudo o resto

igual.

Os resultados mais importantes para o objectivo desta análise provêm dos

coeficientes do indicador de candidatura a uma USF. Os médicos em 35 horas de tempo

completo que se candidatam a uma USF fazem, em média, menos 194 consultas por ano

do que os que não se candidatam (-5,4%), mas a variabilidade nos dados é tão elevada

que esta diferença não é estatisticamente diferente de zero44. Por outro lado, um médico

no regime das 42 horas (regime que abrange cerca de 68% dos médicos nas

candidaturas) que se tenha candidatado a uma USF, faz em média mais 694 consultas

(887.9 – 193.9) do que outro colega em circunstâncias iguais, mas que não se tenha

candidatado, sendo esta diferença estatisticamente significativa (p<0,001). A média de

consultas anuais para médicos em regime de 42 horas é de 4118, pelo que a diferença

estimada é de +16.7%. Ponderando os dois grupos de médicos, temos a priori uma

diferença média de cerca de mais 410 consultas, mais 10% que a média das consultas

numa população de médicos com a mesma composição, ou seja as mesmas

percentagens de médicos em 35 horas e em 42 horas.

A despesa facturada em medicamentos prescritos é a segunda variável de

interesse que podemos estimar para caracterizar quantitativamente o médico que se

candidata às USF. A regressão empregada é inspirada no caso anterior, mas a

especificação é dirigida no sentido de se estimar, com a maior precisão possível, o

impacto de ser candidato a uma USF no custo dos medicamentos por consulta. A

regressão é apresentada no Quadro 21.

44 A estimativa para médicos em 35 horas com exclusividade que se candidatam a uma USF é irrelevante porque é uma situação sem expressão.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

Os resultados mostram a existência de diferentes padrões regionais, já que um

médico em Setúbal tende a gerar menos €7.500 de gastos em medicamentos do que um

seu colega em Lisboa com características semelhantes, ao passo que um médico em

Santarém ultrapassa o seu colega de Lisboa em €18.300, Por outro lado as despesas

anuais subiram ao longo dos anos em Santarém e Setúbal, ao passo que em 2005 houve

uma quebra em Lisboa.

Quadro 21. Modelo Explicativo das Despesas em Medicamentos

Coeficiente Erro Padrão

P>t

Base 15607,9 2046,6 0,000

∆ Santarém 18338,5 2617,8 0,000 ∆ Setúbal -7529,8 2022,9 0,000

∆ Lisboa 2003 5943,0 676,0 0,000 ∆ Lisboa 2004 14610,8 673,7 0,000 ∆ Lisboa 2005 -22360,0 672,8 0,000 ∆ Santarém 2003 9886,6 1618,4 0,000 ∆ Santarém 2004 21361,2 1621,7 0,000 ∆ Santarém 2005 66311,0 1619,8 0,000 ∆ Setúbal 2003 8195,8 1308,1 0,000 ∆ Setúbal 2004 15680,1 1313,8 0,000 ∆ Setúbal 2005 58186,8 1318,7 0,000

∆ 35 H Com Exclusividade -8901,1 7815,1 0,255 ∆ 42 H 13631,2 2555,8 0,000

Consultas em 35 H 25,437 0,454 0,000 ∆ Consultas em 35 H Com Exclu 2,062 2,113 0,329 ∆ Consultas em 42 H. -3,568 0,556 0,000 ∆ Consultas em CS com RRE -2,180 0,460 0,000 ∆ Consultas de candidatos a USF -2,259 0,463 0,000

Observações – 7338; Médicos 1961; R2 = 0,6644 Nota: A base corresponde a um médico de Lisboa, em 2002,no regime das 35 horas de tempo completo e num centro de saúde convencional que não se candidatou a uma USF.

Quanto à influência do regime remuneratório, vemos que um médico no regime

das 35 horas com exclusividade poderá gastar menos que outro no regime das 35 horas

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em tempo completo, mas esse diferença não é significativa. Já um médico no regime

das 42 horas tende a gastar mais €13.600 do que um outro, no regime das 35 horas.

Os resultados mais interessantes da regressão relacionam-se com o custo

incremental em medicamentos associado a cada consulta.45 Em termos incrementais, a

estimativa é que uma consulta gera despesas de €25,4 em medicamentos para um

médico no regime das 35 horas, e de menos €3,6 para um médico no regime das 42

horas. O resultado mais importante das estimativas apresentadas no Quadro 21 diz-nos

que os médicos que se candidataram às USF têm tendência para gastar menos

€2,26 por consulta em medicamentos, ou seja, menos 7.3%, do que outros médicos

com características observáveis semelhantes.

O Quadro 22 apresenta a estimativa dos custos com MCDT. Há diferenças

regionais, de sentido inverso às encontradas nos medicamentos, com um médico de

Santarém a gerar menos e um médico de Setúbal mais custos do que um colega

semelhante em Lisboa.

Com excepção de Setúbal, em 2005, as despesas anuais em MCDT tendem a

crescer nas três Sub-Regiões de Saúde. À partida, os médicos no regime de 35 horas em

exclusividade tendem a gastar menos €12.950, ao passo que os médicos com 42 horas

gastam mais €5.160 do que os da categoria base. Adicionalmente, um médico com 35

horas em exclusividade gasta mais €3,4 por consulta em MCDT do que os €14 de um

médico com 35 horas em tempo completo, ao passo que um médico com 42 horas gasta

menos €2,2. As estimativas no Quadro 22 dizem-nos que os médicos que se

candidataram às USF têm tendência para gastar menos €1,26 por consulta em

MCDT46, ou seja, aproximadamente menos 7,5%, do que médicos em que tudo o mais

observado é semelhante.

Em média, cada consulta gerou custos com medicamentos de €31,07. Trata-se de um montante ligeiramente diferente do valor apresentado nas estatísticas descritivas iniciais dos centros de saúde. Recorde-se que este valor é apenas para a ARS de LVT e para as consultas feitas pelos médicos no seu centro de saúde (sendo que há consultas feitos por um médico em centros de saúde que não o seu). 46 De acordo com os dados brutos, cada consulta gerou, em média, uma despesa de € 16,75 em MCDT.

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Quadro 22. Modelo Explicativo das Despesas com MCDT

Desvio Coeficiente P>t Padrão)

Base 11137,12 1195,37 0,000

∆ Santarém -21095,4 1581,3 0,000 ∆ Setúbal 685,3 1217,9 0,574

∆ Lisboa 2003 2175,0 370,5 0,000 ∆ Lisboa 2004 8465,7 369,0 0,000 ∆ Lisboa 2005 8996,2 368,9 0,000 ∆ Santarém 2003 5278,1 885,9 0,000 ∆ Santarém 2004 5368,8 888,8 0,000 ∆ Santarém 2005 4730,0 888,1 0,000 ∆ Setúbal 2003 105,7 716,0 0,883 ∆ Setúbal 2004 3796,9 720,6 0,000 ∆ Setúbal 2005 3079,6 723,3 0,000

∆ 35 H Com Exclusividade -12954,2 4623,6 0,005 ∆ 42 H 5164,5 1488,9 0,001

Consultas em 35 H 13,989 0,256 0,000 ∆ Consultas em 35 H Com Exclu 3,419 1,196 0,004 ∆ Consultas em 42 H. -2,178 0,314 0,000 ∆ Consultas em CS com RRE -2,344 0,273 0,000 ∆ Consultas de candidatos a USF -1,264 0,275 0,000

Observações - 7344; Médicos 1962; R2 = 0,484 Nota: A base corresponde a um médico de Lisboa, em 2002,no regime das 35 horas de tempo completo, num centro de saúde convencional e que não se candidatou a uma USF

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9. Resultados Globais

Conjugando os resultados da análise na Secção 6, onde se estudou o custo médio

por consulta com os resultados obtidos na secção 7, onde se quantificou o efeito da

auto-selecção, podemos obter uma estimativa das vantagens líquidas apresentadas por

unidades em RRE, ou seja das reduções/aumentos de custos por consulta expurgadas do

efeito de os candidatos já terem, à partida, custos diferentes dos colegas. Os resultados,

em termos de custos por consulta, podem ser vistos no Quadro 23.

Quadro 23. Consultas: Vantagens Líquidas do RRE no modelo de base

Tipos de

Custos

Médicos

Enfermeiros

MCDT

Medicamentos

Global

Custo Efeito RRE Efeito Vantagem Vantagem

Médio Estimado Auto-selecção Líquida Líquida

(% Custo Médio)

11,01 1,60 ? 1,6 14,5%

4,42 -2,39 ? 0 0

12,96 -5,05 -1,26 (25%) -3,79 -29,2%

26,72 -9,98 -2,26 (22,6%) -7,72 -28,9%

68,59 -28,02 ? -9,91 -14,4%

Nota: Valores negativos (positivos) correspondem a reduções (aumentos) de custos médios

O Quadro 23 mostra que o efeito de auto-selecção reduz a estimativa da

vantagem líquida do RRE relativamente aos custos com medicamentos e comm MCDT,

em 22,6% e 25%, respectivamente. Adoptando a hipótese mais conservadora possível,

podemos assumir, no que diz respeito aos custo com enfermeiros, que a vantagem

líquida é nula (não dispomos aqui de evidência em contrário pelo que esta hipótese

assume que todo o ganho estimado anteriormente se deve à auto-selecção). Também à

falta de mais evidência, podemos assumir que o efeito de auto-selecção é nulo, no que

diz respeito ao custo dos vencimentos médicos por consulta. Neste cenário, estimamos

uma vantagem líquida de 29% nos custos médios por consulta em medicamentos e em

MCDT. A vantagem líquida global do RRE é de €9,9, ou seja cerca de 14,4% do custo

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médio de uma consulta47. Como não há estimativas da auto-selecção tomando como

unidade de produção os utentes, assumiremos ser razoável usar no caso dos utentes as

mesmas percentagens estimadas no caso das consultas.

47 O Anexo contém uma estimativa de 8,1% usando uma metodologia econométrica alternativa.

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10. Estimativa do Impacto Orçamental

Nesta secção apresentamos as estimativas do impacto orçamental das USF.

Entendemos como impacto orçamental a diferença entre as despesas totais ocorridas em

2005 e as despesas que teriam ocorrido em 2005 num cenário contrafactual, simulado,

em que as USF estariam já em funcionamento.

A geração do cenário contrafactual usa as estimativas e informação produzidas e

apresentadas nas secções anteriores. Em termos técnicos, a estimativa do impacto

orçamental corresponde a utilizar as funções custos médio estimadas

econometricamente para gerar um cenário de status quo e um cenário com USF. A

unidade de observação em que a análise se baseia é o utente (e não as consultas, ou o

utilizador) uma vez que é em termos de utentes que as candidaturas a USF se

processam.

Âmbito

Em ambos os cenários, consideramos os custos correspondentes a uma mesma

população de utentes. As candidaturas a USF foram feitas para dois regimes: o Tipo I

mantém as regras convencionais de remuneração, enquanto o Tipo III corresponde às

regras do RRE.

O âmbito do impacto orçamental é definido pelos centros de saúde onde irá

haver novas USF a funcionar em RRE. Assumimos, de forma conservadora, que as USF

a funcionar em Tipo I não têm um comportamento diferenciado das unidades de saúde

existentes, pelo que não têm um impacto orçamental. Por essa razão, sempre que

mencionarmos USF nesta secção estamos a referir-nos às USF em RRE (Tipo III).

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Quanto às unidades que já estavam a funcionar em RRE, assumimos que não haverá

qualquer modificação na sua situação, pelo que não foram incluídas nesta análise.48

Utilizando a informação mais recente disponível sobre as candidaturas e

evolução dos respectivos processos na altura da elaboração deste relatório, incluímos 32

centros de saúde na análise. Estes foram subdivididos em 69 unidades, estando aqui

incluídos quer as novas USF quer um centro de saúde convencional49. A população de

utentes em cada um dos centros de saúde originais foi distribuída pelas USF de acordo

com os dados constantes na proposta respectiva. Os utentes remanescentes, não

incluídos nas listas das USF, foram mantidos no centro de saúde original. A população

total de utentes, estimada para os centros de saúde envolvidos, é de 2.056.819.50

Hipóteses feitas sobre Comportamento

As regressões econométricas permitem prever os custos médios de um centro de

saúde ou de uma USF (entendida como uma unidade semelhantes aos RRE existentes

em 2005), com base num conjunto de variáveis, sendo uma das mais importantes o

número de utentes. O cálculo do número de utentes foi já detalhado na sub-secção

anterior, pelo que nesta explicamos apenas como foram construídas as restantes

variáveis usadas na regressão.

Percentagem de utentes sem médicos de família. Por definição, esta variável assume

o valor "0" para as candidaturas a USF. Para as unidades representantes dos

centros de saúde convencionais, o valor foi recalculado. Retirou-se ao número

de utentes sem médico de família no centro de saúde original o número de

48 Eventualmente estas unidades terão de se recandidatar em 2007, pelo que nessa altura este pressuposto poderá deixar de ser válido. 49 Na construção da base de dados para o estudo do impacto orçamental das USF, foram consideradas as candidaturas a USF que, de acordo com o ficheiro recebido da Missão para os Cuidados de Saúde Primários, não tinham desistido, ou sido recusadas, ou suspensas. O Anexo inclui a lista dos centros de saúde e USF incluídos na análise de impacto orçamental. 50 Um ponto técnico importante é compreender que, para efeitos de estimar o impacto orçamental, não é correcto estimar apenas os custos com os utentes das novas USF. A criação das USF vai afectar os custos médios dos centros de saúde convencionais remanescentes através dos efeitos de escala e da variação da proporção de utentes sem médico de família. Por essa razão é imprescindível considerar na análise toda a população de utentes nas áreas dos centros de saúde onde são criadas as USF.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

utentes adicional que as USF vêm cobrir51, e dividiu-se o novo total pelo número

de utentes que se mantém no centro de saúde convencional após a criação das

USF.

Percentagem de consultas marcadas não realizadas. Assumimos os mesmos valores

para as USF e para as unidades representantes de centros de saúde

convencionais, iguais às do centro de saúde original.

Percentagem dos Utentes com 18 anos ou menos e Percentagem dos Utentes com 65

anos ou mais. Assumimos os mesmos valores para as USF e as unidades CS

convencionais, iguais às do centro de saúde original.

Percentagem de Utilizadores. Para as unidades representantes de centros de saúde

convencionais, assumimos os mesmos valores que no centro de saúde original.

Para as unidades candidatas a USF, a variável vem adicionada de 5,82, a

diferença estimada nos dados dos Tableaux de Bord entre unidades de RRE e as 52restantes .

Consultas por Utilizador. Para as unidades representantes de centros de saúde

convencionais, mantemos os mesmos valores que no centro de saúde original.

Para as unidades candidatas a USF, a variável vem reduzida de 0,4.

Aspectos Adicionais da Metodologia Seguida

O primeiro passo da simulação correspondeu à utilização da estimativa da

função custo médio por utente apresentada no Quadro 12 para prever os custos médios

dos centros de saúde, tais como se encontravam em 2005, por um lado, e como se

encontrariam no cenário simulado com USF, por outro. Esta parte da simulação

51 Cada proposta de USF contém informação sobre a lista inicial dos utentes dos médicos que a constituem e a lista dos utentes que se propõem cobrir. Assumimos na análise que a diferença leva a uma redução do número total de utentes sem médico de família. 52 Estas estimativas da percentagem de utilização e a seguinte, das consultas por utilizador, foram já referidas na secção 6 e encontram-se na segunda parte do Anexo.

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quantifica vários efeitos. Para além do efeito RRE, há igualmente os efeitos de escala e

das modificações assumidas nas variáveis, descritas anteriormente.

O passo seguinte consistiu em seguir a mesma metodologia para os vários tipos

de custo. A principal etapa metodológica adicional foi ajustar as estimativas das

despesas com medicamentos e MCDT por um factor de correcção originado pelo efeito

de auto-selecção. Os efeitos auto-selecção foram estimados para os custos por consulta,

correspondendo a 25% do efeito RRE para os MCDT e a 22,6% para os medicamentos,

como já vimos anteriormente. Assumimos nesta parte da simulação que as mesmas

percentagens podem ser aplicadas para deflacionar o efeito RRE por utente. Os

resultados obtidos são apresentados no Quadro 24.

Quadro 24. Estimativas dos Efeitos Orçamentais, Contrafactual em 2005

Efeito Anual Simulado Diferença por Diferença Total N= 2056819 Utente (€) (Milhões €)

Médicos 2,44 5,025 Enfermeiros -0,11 -0,223

Administrativos/Dirigentes -0,71 -1,464 MCDT -1,86 -3,836

Medicamentos -4,92 -10,110 Outros -4,25 -8,749

Totais -12,30 -25,305

Nem todos estes efeitos deverão ser contabilizados, quer porque não sabemos até

que ponto as diferenças de custos estimadas nas regressões correspondem aos encargos

com serviços comuns dos centros de saúde, quer porque não foi possível filtrar os

resultados subtraindo os efeitos de auto-selecção em todos os tipos de custo.

Admitimos, como já fizemos anteriormente, que os efeitos ao nível de custos

administrativos e com dirigentes não são de incluir. Por outro lado, admitimos que os

efeitos sobre os custos com enfermeiros são nulos, já que por um lado não temos

informação sobre a auto-selecção no caso dos enfermeiros, e, por outro, é improvável

que uma diminuição significativa dos encargos com enfermeiros possa ocorrer num

horizonte temporal em que não poderá haver reafectação de recursos humanos

eventualmente excedentários.

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Restam os efeitos estimados para os custos com medicamentos, MCDT e

vencimentos de médicos, sendo que não foi possível corrigir estes últimos para a auto­

selecção. Os valores agregados estão reportados no Quadro 25.

Quadro 25. Estimativas dos Efeitos Orçamentais Relevantes para 2005

Efeito Anual Simulado Diferença por Diferença Total N=2056819 Utente (€) (Milhões €)

Custos com médicos, MCDT e medicamentos – efeito anual

-4,34 -8,920

Estimativa para Outubro-Dezembro -1,14 -2,344

Os montantes estimados para o trimestre Outubro– Dezembro, na segunda linha

do Quadro 25, correspondem a um factor de 26,28%. Este factor não é 25% já que a

sazonalidade no consumo de medicamentos e cuidados de saúde é relevante e não pode

ser ignorada. De acordo com os dados nas publicações “Estatísticas do Medicamento”

de 2002 a 2004 do INFARMED, bem como os dados disponíveis na publicação

“Análise do Mercado de Medicamentos no Âmbito do Serviço Nacional de Saúde, em

Ambulatório” referente a Dezembro de 2005, a média das proporções médias das

despesas anuais realizadas nos meses de Outubro a Dezembro é de 26,28%. De forma

conservadora, foi aplicado esse factor a todas os efeitos orçamentais estimados ou seja

para além dos medicamentos, foi igualmente aplicado aos MCDT e aos vencimentos.

Em resumo, a nossa análise leva-nos a crer que a implementação das USF teria

tido um impacto orçamental de redução das despesas, em 2005, num montante que

deveria estar na ordem dos 8,9 milhões de euros para um ano inteiro e de 2,2 milhões

para o trimestre Outubro-Dezembro.53

Usando uma metodologia estatística alternativa, no Anexo, a estimativa do impacto global é uma redução dos custos de 0,49 milhões de Euros.

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11. Conclusões

Neste Estudo fez-se uma análise quantitativa caracterizando os custos e a relação

entre estes e a produção dos centros de saúde portugueses, através da estimação

econométrica de funções custos médios para utentes, utilizadores e consultas. Este

trabalho permitiu identificar os efeitos diferenciais nos custos gerados pela adopção do

Regime Remuneratório Experimental em algumas unidades, havendo evidência de tais

unidades apresentarem custos unitários mais baixos. Controlando por um conjunto de

factores, a estimativa de custo por utente é inferior em €104 nas unidades em RRE. No

entanto, se considerarmos apenas as diferenças relacionadas com custos por

vencimentos de médicos e de enfermeiros, com MCDT e com medicamentos, a

poupança associada aos RRE é de €59. Nos centros de saúde nas ARS de Lisboa e Vale

do Tejo, e Alentejo que incluem sub-unidades em RRE (sem informação económica

separada) também há indícios, embora ténues, de vantagem nos custos. Tomando como

unidade de base o “utilizador” ou a “consulta”, os resultados são qualitativamente

idênticos.

O facto das unidades em RRE apresentarem menores custos não é suficiente para se

provar a vantagem do modelo, já que poderia dar-se o caso de tais resultados se

deverem mais à auto-selecção dos médicos nas unidades em RRE do que à existência de

mudanças de comportamento. Por essa razão, a etapa seguinte do trabalho consistiu em

usar as candidaturas a USF na ARS de LVT para quantificar as diferenças entre os

médicos participantes nas USF e os restantes. A análise confirmou a existência de auto­

selecção: os médicos que tendem a integrar uma USF fazem, em média, mais 410

consultas, e gastam menos €2,3 por consulta em medicamentos e menos €1,3 por

consulta em MCDT, quando comparados com médicos em que tudo o mais é

semelhante. Usando estes resultados, podemos expurgar as estimativas das vantagens do

RRE dos efeitos da auto-selecção; mas, ainda assim, a vantagem líquida do RRE é de

29% dos custos médios em medicamentos e em MCDT.

O cálculo do impacto orçamental foi realizado considerando toda a população de

utentes dos centros de saúde onde irá haver novas USF a funcionar em RRE (Tipo III).

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A avaliação inclui os custos das USF, mas também o impacto nos custos de

funcionamento dos centros de saúde convencionais remanescentes. O impacto

orçamental traduz-se numa poupança anual de €4,3 por utente, que resulta de um

aumento em €2,4 de vencimentos de médicos, compensado por poupanças de €1,9 em

MCDT e de €4,9 em medicamentos. Considerando um universo de 32 centros de saúde,

com pouco mais de dois milhões de utentes, onde serão criadas 37 USF tipo III, o total

da poupança que teria existido em 2005 teria sido de 8,9 milhões de euros. Para os

meses de Outubro a Dezembro, a poupança estimada teria sido de €1,1 por utente, ou de

2,3 milhões de euros no total.

Globalmente, os resultados sustentam uma avaliação positiva do RRE e constituem

um argumento para continuar a política de implementação das USF.

No entanto, como sempre acontece, este trabalho sofre de algumas limitações,

algumas das quais poderão eventualmente vir a ser ultrapassadas na segunda fase do

trabalho, ou em trabalhos futuros. Nomeadamente, faltam, por enquanto, os dados

necessários para estimar o efeito de auto-selecção nos custos com vencimentos médicos

por consulta. Estamos em contacto com as entidades competentes para tentar resolver

alguns problemas de incompatibilidades nos sistemas de identificação de bases de dados

diferentes que é necessário consolidar, a fim de se poder ultrapassar esta lacuna. Uma

outra limitação é o facto de não haver um Tableau de Bord actual para o Algarve. Seria

igualmente desejável se os Tableaux de Bord futuros fossem produzidos em condições

de maior uniformidade contabilística, particularmente no que diz respeito aos

medicamentos e MCDT, e registassem com mais detalhe a produção dos centros de

saúde (incluindo, por exemplo, domicílios, vacinações, etc.). Por último, a limitação

mais importante do ponto de vista metodológico é que dispusemos de apenas nove

observações de unidades a funcionar em RRE e que eram centros de custo. Este número

é pequeno, limitando a análise e decrescendo consideravelmente o seu poder estatístico.

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Análise dos Custos dos Centros de Saúde e do RRE APES

ANEXO

A1: ROBUSTEZ ECONOMÉTRICA DOS RESULTADOS

Um problema da análise é a presença de heteroescedasticidade nos dados, o que na

ausência do uso de estatísticas robustas invalida as estimativas dos erros padrão dos

coeficientes e torna as suas estimativas ineficientes. Por outro lado, a inspecção visual

dos resultados das regressões mostra a presença de resíduos extremos. Por essa razão,

reportamos de seguida os resultados de uma metodologia que muitas vezes se revela

adequada para lidar com o problema da heteroescedasticidade e de outliers e que

consiste na regressão de minimização dos desvios absolutos (modelo DAM), ou

regressão para a mediana.

Como muitos dos dados provêm de distribuições muito enviesadas para a direita,

esta metodologia poderá não ser a melhor para obter resultados representativos do

agregado ou da média, que são necessariamente as variáveis de interesse em análises de

custos e de impacto orçamental. No entanto, um modelo explicativo da mediana dos

custos por utente tem a vantagem da sua robustez estatística54, pelo que será de algum

interesse reportar estes resultados para que haja um termo de comparação.

Quadro 26. Anexo. Regressão da Mediana dos Custos por Utente

Custos por Utente Coeficiente Erro Padrão

P>t

Indicador de Unidades em RRE Indicador de CS que incluem RRE 10000· ( Utentes) -½

Percentagem de Utilizadores Consultas por Utilizador % Utentes sem Médico de Família % Consultas marcadas não realizadas % Utentes com 18 anos ou menos % Utentes com 65 anos ou mais

-65,78

-8,49 ,44

1,96 20,29

-,28

-,30 -2,04 2,40

5,91

5,27 ,05 ,16

1,13 ,16

,18 ,48 ,28

0,000

0,108 0,000 0,000 0,000 0,075

0,093 0,000 0,000

.................................... ................ .................. ............. N = 332 ; pseudo R2 = 0,6423

Nota: Observações ponderadas pelo número de utentes.

54 Embora neste caso os clusters de dados não sejam tidos em conta.

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Para os custos por utente, os resultados são qualitativamente idênticos aos

apresentados no relatório, mas em geral de dimensão menor. A vantagem estimado do

RRE reduz-se de um efeito médio de €103 para um efeito mediano de €66.

Quadro 27. Anexo. Regressão da Mediana dos Custos por Consulta

Custos por Utilizador Coeficiente Erro Padrão

P>t

Indicador de Unidades em RRE Indicador de CS que incluem RRE 10000· ( Utentes) -½

Percentagem de Utilizadores % Utentes sem Médico de Família % Consultas marcadas não realizadas % Utentes com 18 anos ou menos % Utentes com 65 anos ou mais

-21,434 -1,177 0,237

-0,408 -0,059 -0,008 -1,654 -0,013

1,996 1,707 0,032 0,044 0,055 0,055 0,165 0,093

0,000 0,491 0,000 0,000 0,285 0,887 0,000 0,893

.................................... ................ .................. ............. N = 332 ; pseudo R2 = 0,4808

Nota: Observações ponderadas pelo número de consultas.

Para as consultas, temos que, mais uma vez, os resultados são qualitativamente

idênticos aos estimados anteriormente, ainda que de menor dimensão. A vantagem

estimada do RRE reduz-se de um efeito médio de €28 para um efeito mediano de €21.

Aplicando esta metodologia econométrica aos tipos de custos, os equivalentes

aos Quadro 13 e Quadro 17 ficam, respectivamente:

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Quadro 28. Anexo – Decomposição do Efeito RRE nos Custos por Utente

Tipo de Custos Por Utente

(1)

Vantagem RRE Estimada

(2)

Em % do total

(3) p-value

(4)

Economias de Escala

(5) Médicos Enfermeiros Administrativos/Dirigentes MCDT Medicamentos Outros Totais55

7,50 -6,70

-13,42 -10,92 -22,52 -15,12 -65,78

-12,30% 11,00% 22,00% 17,90% 36,90% 24,60% 100%

0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000

Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim

Quadro 29. Anexo – Decomposição do Efeito RRE nos Custos por Consulta

Tipo de Custos Por Consulta

(1)

Vantagem RRE Estimada

(2)

Em % do total (3)

p­value (4)

Economias de Escala

(5) Médicos

Enfermeiros MCDT

Medicamentos Totais

1,59 -1,98 -3,62 -6,63

-21,434

-7,4% 9,2%

16,9% 30,9% 100%

0,015

0,000

0,000

0,000

0,000

Não Sim Não Não Sim

De acordo com a análise já feita, se agregarmos apenas os custos com funções

mais distantes de serviços comuns (custos com médicos, enfermeiros, MCDT e

medicamentos), temos uma vantagem para os RRE de €35,17 por utente e de €10,64 por

consulta, ao passo que as estimativas no relatório são respectivamente de €59 e de

€13,88.

O Quadro 30 é equivalente ao Quadro 23, mas agora com base nas estimativas

das regressões para a mediana:

55 No caso da mediana a soma dos efeitos não iguala necessariamente o efeito total.

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Quadro 30. Anexo - Consultas: Vantagens Líquidas do RRE no modelo DAM

Tipos de Custos Custo Médio Vantagem

RRE

Estimada

Efeito

Auto­

selecção

Vantagem

Líquida

Vantagem

Líquida

(% Custo Médio)

Médicos 11,01 1,59 ? 1,59 14,4% Enfermeiros 4,42 -1,98 ? 0 0

MCDT 12,96 -3,62 -0,75 -2,87 -22,2% Medicamentos 26,72 -6,63 -2,37 -4,26 -15,9%

Global 68,59 -21,43 ? -5,54 -8,1%

O efeito de auto-selecção é, neste caso de 20,7% do estimado inicialmente para os

MCDT, e 35,7% para os medicamentos.

Os impactos nos diferentes tipo de despesa estimados são:

Quadro 31. Estimativas DAM dos Efeitos Orçamentais, Contrafactual em 2005

Efeito Anual Simulado N=2056819

Médicos 2,00 4,121 Enfermeiros 0,31 0,630

Administrativos/Dirigentes -0,84 -1,736 MCDT -0,86 -1,769

Medicamentos -2,04 -4,203 Outros -1,42 -2,927

Totais -6,03 -12,406

Diferença Diferença Total por Utente (Milhões €)

(€)

Os resultados relevantes, são então:

Quadro 32. Estimativas DAM dos Efeitos Orçamentais Relevantes para 2005

Efeito Anual Simulado Diferença por Diferença Total N=2056819 Utente (€) (Milhões €)

Custos com médicos, MCDT e medicamentos – efeito anual

-0,90 -1,851

Estimativa para Outubro-Dezembro -0,24 -0,486

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A2: UTILIZAÇÃO, CONSULTAS POR UTENTE E POR UTILIZADOR

Apresentamos nesta secção estimativas e testes para as diferenças entre as unidades em

RRE e os centros de saúde convencionais para as três variáveis listadas:

• Percentagem de utilizadores. Na regressão explicando esta variável, o

coeficiente do RRE foi estimado em 5,82, com um erros padrão da estimativa

0,97 e p= 0,000. Logo a percentagem de utilizadores é significativamente maior

nas unidades em RRE.

• Consultas por utente. Na regressão explicando esta variável, o coeficiente do

RRE foi estimado em -0,031, com um erro padrão da estimativa 0,101 e p=

0,767. Logo não há diferenças nas consultas por utente.

• Consultas por utilizador. Na regressão explicando esta variável, o coeficiente do

RRE foi estimado em –0,396, com um erros padrão da estimativa 0,16 e

p=0,024. Logo as consultas por utilizador são significativamente menores nas

unidades em RRE.

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A3: CENTROS DE SAÚDE E USF NA ANÁLISE DE IMPACTO ORÇAMENTAL

ARS SRS CS USF Alentejo Beja BEJA ALFABEJA LVT Lisboa ALGUEIRAO OURESSA LVT Lisboa BENFICA RODRIGUES MIGUEIS LVT Lisboa CARNAXIDE DAFUNDO LVT Lisboa CASCAIS MARGINAL LVT Lisboa OEIRAS DELTA LVT Lisboa SETE RIOS TILIAS LVT Lisboa TORRES VEDRAS GAMA LVT Santarém BENAVENTE SAMORA CORREIA LVT Santarém CORUCHE RAIA

SOR LVT Santarém SALVATERRA SALVATERRA DE MAGOS

MARINHAIS LVT Santarém SANTARÉM S. DOMINGOS LVT Santarém TOMAR SANTA MARIA LVT Setúbal ALMADA SOBREDA LVT Setúbal CORROIOS SERVIR SAÚDE LVT Setúbal COSTA CAPARICA MONTE DE CAPARICA LVT Setúbal QUINTA DA LOMBA QUINTA DA LOMBA LVT Setúbal COVA DA PIEDADE FEIJÓ/SANTO ANTÓNIO

COVA DA PIEDADE Norte Braga FAFE NOVO CUIDAR Norte Braga FAMALICÃO FAMALICÃO 1

DELÃES Norte Braga TAIPAS RONFE Norte PONTE Norte Porto ARCOZELO NOVA VIA Norte Porto CARVALHOS ALÉM D´OURO Norte Porto CASTELO DA MAIA PEDRAS RUBRAS Norte Porto GONDOMAR RENASCER Norte Porto MARCO DE CANAVEZES ALPENDORADA Norte Porto OLIVEIRA DO DOURO NOVA SALUS Norte Porto PARANHOS FARIA GUIMARÃES Norte Porto PAREDES BALTAR Norte Porto PENAFIEL S. MARTINHO Norte Porto RIO TINTO NASCENTE Norte Porto VALONGO VALONGO

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