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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS E ARTES
ANDR DUARTE PAES
LIBERDADE VIGIADA: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO CRIATIVO EM
DANA CONTEMPORNEA
Manaus Amazonas
2015
12
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS - UEA
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS E ARTES
ANDR DUARTE PAES
LIBERDADE VIGIADA: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO CRIATIVO EM
DANA CONTEMPORNEA
Dissertao submetida como requisito para obteno do
grau de Mestre no Programa de Ps-graduao em Letras
e Artes da Universidade do Estado do Amazonas, na
Linha de Pesquisa: Representao e Interpretao
Artstica.
Orientadora: Profa. Dra. Luciane Viana Barros Pscoa
Manaus Amazonas 2015
13
Catalogao na fonte
Elaborao: Ana Castelo CRB11 -314
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS WWW.uea.edu.br
Av. Leonardo Malcher, 1728 Ed. Professor Samuel Benchimol
Pa. XIV de Janeiro. CEP. 69010-170 Manaus Am
P126L Paes, Andr Duarte
Liberdade vigiada: um estudo sobre o processo criativo em dana contempornea. /
Andr Duarte Paes. Manaus: UEA, 2015.
129fls. il.: 30cm.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Letras e Artes da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Letras e Artes, na linha de pesquisa: Representao e interpretao artstica.
Orientadora: Prof. Dr. Luciane Viana Barros Pscoa
1. Dana 2.Comportamento sociopoltico 3. Processo criativo. I. Orientadora: Prof. Dr. Luciane Viana Barros Pscoa. II.Ttulo.
CDU 78.085
14
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS E ARTES
TERMO DE APROVAO
ANDR DUARTE PAES
LIBERDADE VIGIADA: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO CRIATIVO EM
DANA CONTEMPORNEA
Dissertao aprovada pelo Programa de Ps-graduao
em Letras e Artes da Universidade do Estado do
Amazonas PPGLA-ESAT-UEA, atravs da comisso
julgadora abaixo especificada.
Manaus, 23 de Junho de 2015.
Presidente e Orientadora: Prof. Dra. Luciane Viana Barros Pscoa
Universidade do Estado do Amazonas - UEA
Membro (FUCAPI): Prof. Dra. Maria Evany do Nascimento
Membro (PPGLA-UEA): Prof. Dra. Juciane dos Santos Cavalheiros
Universidade do Estado do Amazonas UEA
Membro (PPGLA-UEA): Prof. Dr. Mrcio Leonel Farias Reis Pscoa
Universidade do Estado do Amazonas - UEA
15
Agradeo, primeiro, a Deus a quem
devo, mais que a vida, a lio de
vida que desde muito cedo tem
guiado meus passos.
A minha me Waldete Duarte Paes,
que sempre apostou incondicionalmente
nos meus sonhos e que hoje torce
por minha realizao.
Aos meus irmos com quem
aprendi a olhar com plenitude.
16
Aos meus companheiros e amigos,
presentes nos momentos de
conquista, descoberta e
crescimento.
Agradeo coordenao do curso
por tudo que me foi permitido para
viabilizao da minha concluso
de curso.
minha orientadora, Luciane Pscoa.
a quem admiro como profissional e pela pacincia,
dedicao e conhecimento compartilhado,
contribuindo para ampliao de meus horizontes.
A todos os professores do programa.
A todos estes (e aqueles que, por
falha minha, no foram mencionados), o meu muito
Obrigado.
17
Dizem que a vida para quem sabe viver,
mas ningum nasce pronto.
A vida para quem corajoso o
suficiente para se arriscar e humilde o
bastante para aprender.
Clarice Linspector
Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir
entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar;
porque descobri, no caminho incerto da vida,
que o mais importante o decidir.
Cora Coralina
18
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo um estudo sobre o processo criativo em dana
contempornea a partir da liberdade no que diz respeito ao comportamento sociopoltico do
mundo moderno. A dissertao dedica-se ao estudo das relaes comportamentais neste
contexto social, dialogando com a dana, a pesquisa e a compreenso de elementos
interdisciplinares, acrescentando diferentes configuraes estticas para o desenvolvimento de
tendncias coreogrficas e suas representaes da obra artstica. Por tanto, a pesquisa foi
sistematizada a partir dos procedimentos de mapear teorias significativas sobre liberdade cujo
referencial transita por Foucault, Vattimo, dentre outros e, por meio destas, realizaram-se
experimentos em dana resultando como produto final da pesquisa um espetculo intitulado
Liberdade Vigiada. O resultado revela uma possibilidade de relacionar experincias sociais,
arte e dana, mostrando que processos criativos podem se utilizar de elementos observados
atravs do estudo da anlise dessas linguagens para o desenvolvimento de novos trabalhos
nesse potencial criativo, reflexivo, observador e transformador que a arte vem construindo,
nesse trabalho com a dana.
Palavra-chave: Liberdade; Dana; Comportamento Sociopoltico; Processo criativo.
19
ABSTRAT
This paper aims to a study of the creative process in contemporary dance from the freedom
with regard to the socio-political behavior of the modern world. The dissertation is dedicated
to the study of behavioral relationships in this social context, dialogue with dance, research
and understanding of interdisciplinary elements, adding different aesthetic settings for
developing choreographic trends and their representations of the artistic work. Therefore, the
research was systematized from procedures to map significant theories of freedom whose
reference transits Foucault, Vattimo, among others, and through these, there were dance
experiments resulting in a finished product research a show titled Freedom Watched . The
result reveals a possibility of linking social experiences, art and dance, showing that creative
processes can be used to observed elements by studying the analysis of these languages for
the development of new jobs in this creative potential, reflective, observant and transforming
that art comes building, this work with dance.
Keywords: Freedom; Dance; Socio-political Behavior; Criative Process.
20
LISTA DE FIGURAS
Processo Criativo - Laboratrio
Da figura 1 at a figura 6. O livre arbtrio .......................................................................... 98
Da figura 7 at a figura 13. As amarras ............................................................................. 100
Da figura 14 at a figura 17. Os tentculos ........................................................................ 102
Da figura 18 at a figura 20. O meio sensacionalista ......................................................... 103
Da figura 21 at a figura 28. Programa de auxilio populao ......................................... 104
Da figura 29 at a figura 33. Alienao ............................................................................. 107
Da figura 34 at a figura 40. A questo do ser ou no ser .................................................. 109
Da figura 41 at a figura 44. A liberdade de existir ............................................................ 111
Processo Criativo - Espetculo
Da figura 45 at a figura 60. O livre arbtrio ...................................................................... 113
Da figura 61 at a figura 68. As amarras ........................................................................... 116
Da figura 69 at a figura 76. Os tentculos ........................................................................ 117
Da figura 77 at a figura 80. O meio sensacionalista ......................................................... 119
Da figura 81 at a figura 84. Alienao ............................................................................ 120
Da figura 85 at a figura 90. A questo do ser ou no ser .................................................. 121
Da figura 91 at a figura 96. Programa de auxilio populao .......................................... 122
Da figura 97 at a figura 104. A liberdade de existir .......................................................... 124
21
SUMRIO
APRESENTAO ..................................................................................................... 11
1. A NATUREZA DA LIBERDADE E SUA RELAO COM A DANA .......... 15
1.1 A questo da liberdade .......................................................................................... 15
1.2 O desafio de existir ................................................................................................ 27
1.3 A dana e sua ruptura ............................................................................................ 37
2. O PREO DA LIBERDADE E A ETERNA VIGILNCIA ................................. 47
2.1 A vigilncia e o comportamento humano ............................................................... 47
2.2 Tecnologias e sua relao com a dana .................................................................. 60
2.3 Vigiar para qu? .................................................................................................... 68
3. LIBERDADE VIGIADA: O ESPETCULO ........................................................ 84
3.1 Processos de criao .............................................................................................. 84
3.2 Composio cnica ................................................................................................ 86
3.3 Roteiro Espetculo.............................................................................................. 95
CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 125
REFERNCIAS ......................................................................................................... 130
11
APRESENTAO
A globalizao, energia influente no final do sculo XX e no incio do novo milnio,
formata uma nova era de interao entre as naes, economias e pessoas. No bojo dessa
movimentao, a internet e a mdia, de uma maneira geral, tm estimulado, exponencialmente
o crescimento dos contatos e do intercmbio de informaes. As tecnologias das
comunicaes conjugadas com a informtica e a biotecnologia, no campo da engenharia
gentica, tm alimentado a abertura de novos mercados, o que alerta para o peso do dinheiro
na definio de uma agenda de pesquisas cientficas. A rede mundial de computadores, os
telefones mveis e as transmisses via satlite so protagonistas nos novos cenrios, nos quais
o tempo e o espao parecem encolhidos.
A contemporaneidade, temporalidade do aqui e agora, corresponde a uma ambincia
na qual a vida dos atores ordinrios se realiza seguindo rotinas e padres, mas tambm dando
lugar personalidade e reinveno de diferentes formas de experincia. Prticas
comunicativas como as que emergiram com o advento da internet enquadram-se nesses
diversos modos de experimentar a vida.
Graas s redes de comunicao tornaram-se imaginveis os vastos benefcios e boas
oportunidades nas transaes miditicas. Contudo, as novas oportunidades trazem tambm
novos riscos, impensveis at h pouco tempo. A privacidade e segurana das informaes e
dos cidados podem influir de maneira significativa sobre os mecanismos de funcionamento
das sociedades democrticas. Desse modo, possveis negligncias na governana das redes
repercutiro alm dos problemas especficos do setor das comunicaes.
No panorama da sociedade da informao, h um intenso interesse tanto pelos
governantes quanto pela iniciativa privada em investigar a privacidade alheia. A vigilncia, no
que diz respeito aos indivduos, sofre avano devastador com o surgimento da tecnologia da
informao, consumando-se mediante dispositivos que toleram o constante monitoramento e
domnio do comportamento humano.
Ultimamente a realidade social instituda sobre o vis da razo tecnolgica, a qual
assenta a humanidade em uma nova amarra. Se antes o cidado estava vinculado pelos
conceitos mitolgicos, com o nascimento da racionalidade tcnica, agora adquiriu uma nova
servido, o esquema indstria cultural.
Recentemente o anonimato no nos garantido, assim como a explorao do privado
transformou-se em uma forma de participao pblica. Nunca a vigilncia se fez to presente
12
nos perodos de transformao da vida humana como agora nos tempos atuais. Tendo em vista
a propagao de mecanismos de observao e controle nas sociedades contemporneas,
argumenta-se dentro desse aspecto, uma forma de exerccio do poder na atualidade,
enfocando andamentos e mobilidades em detrimento ao indivduo.
Nossas informaes esto sob riscos no assegurados, cujos aplicveis tratamentos por
ora se perderam. A vida est exposta sem direito privacidade, dados intrometidos, nossa
mobilidade em questo, dentre valores e preferncias abordados. Atualmente o ato de
espionar est muito presente no cotidiano das pessoas mediante os novos recursos
tecnolgicos.
Se uma sociedade oscila, ento podemos refletir sobre ela em vrios aspectos. No
entanto, no podemos estar presos a padres ou paradigmas formais. Explorar o desconhecido
um desafio que permite valorizar a diversidade, relacionando diferentes conceitos,
observando tudo o que j foi codificado ou estabelecido. Para tanto, busca-se responder a
seguinte questo: Como transformar as experincias da era da informao num produto
artstico em dana contempornea, com vista a mobilizar a conscincia e crtica sobre o
mundo atual?
Partindo desse pressuposto o processo de contribuio artstica para estes fatores
surgiu de baixo para cima valorizando a pluralidade, criando espaos de consensos possveis e
trazendo tona dimenses e lgicas postas margem constantemente em nome da reproduo
de relaes de poder e jugo. Enfim, valorizando critrios ticos e polticos, sempre no plural.
O interesse em desenvolver esta pesquisa surgiu da necessidade de buscar, no mbito
da criao artstica, a quebra das barreiras de uma zona de conforto, fez-se necessrio
agregar conceitos na (re)construo do entendimento de nossa contemporaneidade,
dissolvendo assim, essa energia em busca de estratgias e investigaes para outros caminhos
da concepo artstica.
Sobre esse argumento at ento relatados que conseguimos explorar zonas
desconhecidas, despertando a conscincia crtica sobre o mundo atual e dela coletar subsdios
para a construo artstica, assim, podemos somar experincias, acontecimentos, favorecer
outros processos, caminhando para a interdisciplinaridade de conceitos em uma viso mltipla
cultural.
Hoje, podemos presenciar a dimenso da arte e de seu potencial em relao aos
processos de formao dos cidados, na orientao de pensamentos e nas expresses
13
artsticas. Como artista, pensamos em tentativas diferentes sem buscar caminhos j
percorridos no fazer artstico, ou no percurso do outro, procurou-se aqui uma construo de
um olhar, do refletir e do seguir, sendo sempre uma constante, sem denegrir ou
descaracterizar a arte. Visto desse modo, dialogou-se com os elementos envolvidos na arte se
tornando um campo processual, aumentando assim o desafio artstico diferente de propostas j
existentes.
A atitude da pesquisa almejou ampliar o campo para a discusso abrangendo um todo
e somando elementos vivenciados com mediaes individuais e coletivas. Arriscamos, atravs
da arte da dana, uma contaminao de experincias j abstradas, assim como na
reformulao de conceitos pr-estabelecidos, despertando um ponto de vista diferenciado do
que visto como convencional na arte seja ela local ou no.
Neste momento pensou-se em projetar aes artsticas e sociais participativas,
repensando o cultivar artstico e suas ideologias, acreditando em um dilogo consistente com
trocas e desafios ao alcance de um contexto atual, alm de aumentar os processos divergentes
em busca de um novo olhar.
Assim, dentro de nossa pesquisa, essa compreenso nos remeteu a intersees entre o
que se convencionou chamar de vida real e vida virtual, tomando as duas dimenses como
espaos de aes comunicativas que convergem para a configurao do cotidiano. Esta
observao talvez seja uma das alternativas para a construo de um novo saber dentro da
contemporaneidade em que vivemos.
Vale considerar que a presente pesquisa visou discutir as relaes existentes entre as
experincias sociopolticas e a dana e como influenciam no comportamento e pensamento do
corpo contemporneo e como assume seu papel de transformadora, reflexiva, questionadora,
contribuindo assim com novos valores da arte contempornea.
Portanto, a pesquisa foi sistematizada a partir dos procedimentos de mapear teorias
significativas sobre liberdade cujo referencial transita por Arthur Schopenhauer, Jean-Jacques
Rousseau, Soren Kierkegaard, Marshall Mcluhan, Gianni Vattimo, Jean Baudrillard, Guy
Debord, George Orwell, Roger Garaudy, Michel Foucault, Theodor Adorno, dentre outros.
A pesquisa est estruturada em trs captulos: o primeiro abordou o panorama geral
sobre liberdade com um referencial terico que decorre da sociologia, filosofia, poltica,
psicologia, o contexto sociopoltico no mundo moderno, as caractersticas de movimentos
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artsticos de vanguarda, em especfico na arte da dana, no final do sculo XIX e comeo do
sculo XX.
No segundo captulo foi abordada uma sntese do procedimento de interpretao no
que refere a vigilncia em alguns contextos captados, o comportamento humano, a tecnologia
e sua relao com a dana e o questionamento sobre os mecanismos de controle social.
No terceiro captulo foi narrado todo o processo de criao na construo e execuo
do espetculo proposto como o produto final, tendo como inspirao os elementos
supracitados em relao liberdade dentro do contexto social do mundo moderno.
A justificativa da pesquisa partiu do pressuposto de que, sem a linearidade entre os
conceitos, o corpo explorado em seus desdobramentos, no limiar entre o que a emoo e a
razo coordenam e a dana e o gesto correspondem. O trabalho de pesquisa partiu do processo
de estudo de dana aberta para confrontar, misturar e investigar seu potencial por meio da
interao como outras linguagens artsticas.
Assim, muitas vezes, a compreenso de si inicia-se pela negao, por aquilo que no
queremos, por uma realidade que nos oprime, mas tambm nos transforma e faz germinar
uma necessidade criativa. Ao chegarmos reflexo sobre dana contempornea nos
posicionamos sobre questes das quais mais nos aproximamos em nossas escolhas e
referncias pesquisadas. Neste sentido nossas pesquisas artsticas refletem sobre suas
possveis contribuies para pesquisadores, educadores e artistas na cena contempornea.
Considerou-se fundamental a todo processo de finalizao de pesquisa, esse olhar
tecido, justificando o trabalho desenvolvido e pontuando seus resultados processuais para a
arte, cultura, histria, sociedade de sua poca. Como sujeito dessa realidade e, ao mesmo
tempo, parte integrante deste mundo, a liberdade como tema definido nesta pesquisa tece um
olhar sobre o corpo e a dana contempornea, localizando as especificidades de nossa
proposta sobre as principais contribuies do trabalho. Sendo assim, como produto final dessa
pesquisa, foi criado um espetculo nomeado: Liberdade Vigiada.
15
1. A NATUREZA DA LIBERDADE E SUA RELAO COM A DANA
1.1 A questo da liberdade
Liberdade uma palavra com ampla dimenso que diz respeito a uma das esferas do
conhecimento humano. Este assunto constantemente promove discusses, revises tericas e
mesmo conferncias equipadas ao longo da histria. Diversas so as fontes do saber sobre
essa questo to complexa e vasta, portanto, trata-se de um tema clssico que sempre se faz
jus a ateno de diversos grupos de estudiosos.
O que seria a liberdade, quando de fato vivemos condicionados a diversas restries?
Estamos presos em ns mesmos, em nossos temores e inquietaes. Quem pode afirmar que
verdadeiramente livre, visto que habitamos na eterna carceragem que a vida em sociedade?
Desafiador buscar um conceito que envolva uma significncia plena, pois se entende
no haver alvedrio por completo, sempre haver algo para ser preenchido, e para ser liberado.
Estamos cheios de vontades, intenes, caracterizadas pela criatividade da atitude humana,
escusando generalizaes sociais, sem que isso expresse um individualismo desconexo com a
natureza coletiva do homem.
De acordo com Locke1 (1978, p. 05-15), desde o comeo a natureza do homem
autnoma e esta autonomia se nomeia Liberdade. A juno de duas ou mais autonomias gera
o Estado, porm, no se renuncia atributo nenhum. Cada autonomia confere certa quantia de
si mesma para formar o direito comum, quantidade que no mais ascende para uns do que
para os outros. O consenso comum no mais do que o amparo de todos dividido pelo direito
de cada um, assim suscitando a Fraternidade. O entrecorte de todas estas autonomias que se
adicionam denomina-se Sociedade.
Conforme Burke2 (2012, p. 172), as necessidades dos seres humanos so voltadas aos
recursos materiais, cientficos, artsticos e morais. Porm, no conseguem satisfazer a todas
essas necessidades pelo prprio esforo. Sempre que possvel recorrem aos hbitos e
religio de seus ancestrais. Concordam que o melhor modo de satisfazer as necessidades
1 John Locke (1632-1704) nasceu prximo a Bristol, na Inglaterra. Viveu exilado na Frana e Holanda por um longo tempo, por ser suspeito de ter se envolvido num plano de assassinato do rei Carlos II. Ele promoveu a teoria de que as pessoas no nascem com ideias inatas, mas com a mente similar a um quadro em branco, numa
perspectiva bastante moderna de ver o prprio eu. (KELLY, 2013, p. 106) 2 O poltico anglo-irlands Edmund Burke nasceu e foi educado em Dublin, na Irlanda. Pra ele a filosofia era um aprendizado til para a poltica e na dcada de 1750 escreveu ensaios sobre esttica e as origens da sociedade.
(KELLY, 2013, p. 133)
16
mtuas ajudando um ao outro. Afinal, com esses elementos associados consequentemente
gera o que chamamos de lao social ou contrato social, ambas com a mesma qualificao.
Historicamente, Braghirolli (2007, p. 60-61) explica que, desde o nascimento, os seres
humanos vivem num processo de interao com os semelhantes. Todas as notcias que
recebemos da histria e da pr-histria nos falam de agregados humanos. O homem, assim
como os outros animais, vive associado a outros indivduos da sua espcie, portanto o seu
isolamento , na verdade, uma fico. Observa-se que Rousseau (1973) trata da idealizao de
uma liberdade como ausncia de civilizao:
Humanos existiam em um estado de natureza, antes da sociedade. Eles
eram livres e felizes, como os animais [...] mas trocaram sua liberdade por contrato social e leis. Ns no podemos voltar para um estado de natureza [] Renunciar
liberdade renunciar a ser homem [...] mas podemos escrever um novo contrato
social promovendo a liberdade por meio da lei (ROUSSEAU3, 1973, p. 120).
Dentro desse contexto, Vianna (2005, p. 18-19) fala que esta associao no significa
caos nem desordem indiscriminada, visto que o homem sempre esteve interligado tambm
com as manifestaes artsticas, ou seja, manifestao instintiva do ser humano. A dana,
como via de comunicao precedida pelo homem que, por sua vez, buscou esse canal para o
seu prprio entendimento e vivenciando-o como um caminho de autoconhecimento, de
comunho com o mundo e de expresso do mundo.
O homem faz parte de um dado grupo tnico, social, cultural. E tem
necessidade de se sentir fazendo parte integralmente deste grupo: de estar em
relao com os outros. Muito mais do que as leis, os costumes, o traje e a linguagem
o gesto que vai dar existncia a essa unio. As mos se juntam, o ritmo une as
respiraes, a dana folclrica nasce com seu leitmotiv universal: a ronda, a
farndola... O homem est s diante do Incompreensvel: angstia, medo, atrao,
mistrio. As palavras de nada servem. Para que dar a isso nomes como Deus,
Absoluto, Natureza, Acaso?... O que preciso entrar em contacto. O homem
busca, para alm da compreenso, a comunicao. A dana nasce dessa necessidade de dizer o indizvel, de conhecer o desconhecido, de estar em relao
com o outro. (BJART4 apud GARAUDY, 1980, p. 8).
3 Jean Jacques Rousseau nasceu em Genebra. Perdeu a me aps alguns dias de seu nascimento e depois de
alguns anos foi abandonado pelo pai deixando-o aos cuidados de um tio. Aos dezesseis anos, Rousseau foi para Frana e se converteu ao catolicismo. Enquanto tentava se tornar conhecido como compositor, trabalhou como
funcionrio pblico, tendo sido designado para Veneza por dois anos. Ao retornar, comeou a escrever filosofia.
Suas vises controversas levaram seus livros proibio na Sua e na Frana, onde foram dadas ordens para sua
priso. Por um perodo viveu foradamente na Inglaterra, depois retornou para a Frana onde morreu aos 66
anos. (KIM, 2011, p. 157) 4 O bailarino e coregrafo Maurice Bjart nasceu em Marselha, no sul da Frana, em 1 de janeiro de 1927. Seu verdadeiro nome era Maurice-Jean Berger. Apesar de ser formado em Filosofia, dedicou-se dana desde os 14
anos, seguindo o conselho de seu mdico, que considerava a constituio fsica de Bjart muito frgil.
Influenciado pelo filsofo alemo Friedrich Nietzsche, Bjart dizia que o bal um alegre saber.
(http://educacao.uol.com.br/biografias/maurice-bejart.jhtm)
http://educacao.uol.com.br/biografias/maurice-bejart.jhtm
17
Ressaltemos agora sobre igualdade, pois se a liberdade a parte mais elevada, a
igualdade a parte fundamental. Segundo Hugo (2014) em sua obra Os Miserveis, numa
sociedade a oscilao seja constante, a questo no ver a igualdade como o nivelamento dos
cidados. A igualdade , civilmente, acolher todas as competncias e, politicamente, com o
mesmo peso para todos os votos. Salvo quando h uma guerra onde todos se estabelecem ao
mesmo nvel, ou seja, a igualdade se faz de fato sem noo do melhor ou do pior.
De acordo com Grcio5 (2012, p. 90-95), a vida e a propriedade so direitos naturais
de todos os indivduos. As pessoas tm o poder de reivindicar esses direitos. O Estado no
tem poderes legtimos para tirar essas liberdades, pois a liberdade o poder que temos sobre
ns mesmos. Ao entender a liberdade como faculdade prpria, h uma distino entre a
habilidade de algum fazer algo e sua liberdade das limitaes. dado o poder de tomar as
atitudes necessrias para exercer esses direitos. Assim, ao conectar os direitos aos indivduos,
o conceito de liberdade individual se torna mais que uma questo de livre-arbtrio.
Embora sejam inmeras as condies sociais, o homem capaz de tomar as suas
atitudes criativas e por isso, ao contrrio dos outros animais, a liberdade seria um ato
desumano. Certo simbolismo atribudo no seu agir e corresponde nica e exclusivamente,
pelos seus atos, tendo somente a razo como conselho judicial. Tambm pode infringir as suas
prprias leis e superar seus compromissos alcanando o ponto de se descaracterizar aos olhos
dos outros, como ser humano.
Segundo Aranha (1986, p. 316), existem proposies que ressaltam a possibilidade da
liberdade humana incondicional, o livre-arbtrio, sujeito o qual o homem tem o poder de
eleger um ato ou no, independentemente das foras que o obrigam. Constituir-se livre
deliberar e atuar como se almeja, sem qualquer resoluo causal, quer seja exterior (ambiente
em que vive), quer seja interior (desejos, carter). Ser livre no ser influenciado.
Quando tomamos decises, temos liberdade absoluta de escolha.
Percebemos que podemos escolher fazer nada ou fazer algo. Nossas mentes
cambaleiam ante o pensamento de liberdade absoluta. Um sentimento de apreenso
5 Hugo Grcio nasceu em 1583 na cidade de Delft, no sul da Holanda. Uma criana prodgio que entrou na Universidade de Leiden aos onze anos e concluiu seu doutorado aos dezesseis. Aos 24, era o advogado geral da
Holanda. Durante um perodo tumultuado da histria holandesa foi sentenciado priso perptua no castelo de Loevestein por suas opinies a respeito da limitao dos poderes da igreja nas questes civis. Os temas lei
natural e liberdade individual foram, mais tarde, assumidos pelos filsofos liberais como John Locke. (KELLY,
2013, p. 106)
18
ou angstia acompanha o pensamento. A angstia a vertigem da liberdade.
(KIERKEGAARD6, 1968, p. 194).
No dia em que o homem deixar de possuir o nimo para procurar a liberdade, ele
morrer e, aps encontr-la, ter que restringi-la caso contrrio ainda se encontrar sem eixo,
ou seja, encontrar a sua prpria runa. Portanto, a sua aptido racional impe como forma de
combater a altivez e a imprudncia daqueles que se julgam totalmente livres.
Aquilo que atua sobre o indivduo s opera porque ele o indicou como agente. No
porque algum nos afrontou que reagiremos violentamente, mas sim porque indicamos tal
insulto como ao da nossa reao. Entende-se por interao social o processo que se d
entre dois ou mais indivduos, em que a ao de um deles , ao mesmo tempo, resposta a
outro indivduo e estmulo para aes deste (BRAGHIROLLI, 2007, p. 60).
Tal indicao, entretanto, de um ato, pode-se no reconhec-lo seno depois de se
evidenciar. Deste modo so normalmente as nossas aes que nos elucidam sobre o que
verdadeiramente somos; sobre aquilo que realmente os nossos atos nos clareiam, sobre o que
evidentemente somos; sobre aquilo que realmente elegemos; sobre a nossa liberdade.
De acordo com Sartre (1946, p. 197-255), no existem atos inconscientes, j que o
homem consciente de um extremo ao outro, em todas as suas aes. Pelo simples fato de
existir acordo posicional (a inteligncia fornece os meios, ex.: regras, vontade, desejos etc.),
refletido (esclarece os fins, ex.: pensar duas vezes), e acordo no-posicional (educao
dogmtica, ou seja, atravs da doutrina religiosa), no refletido (sem desdobrar o pensamento,
sem questionar). Todos tm a conscincia de sua liberdade, mas s os atos claramente os
revelam. Sendo assim, seja qual for a situao, somos conscientes de nossa liberdade.
H uma verdade cientfica, religiosa, moral, dentre outras fontes do saber, que diz que
a liberdade tem que ser obediente para ser autntica, tambm devendo respeitar a
responsabilidade. Podemos socar o vento vontade, portanto que no alcance a face de
algum. Ultrapassando esse limite, poderemos no mais estar em liberdade, mas ser
considerados perversos e lascivos.
A partir destes indicadores podemos acreditar que nossas vidas so determinadas por
aes, onde elas prprias so determinadas por escolhas, e o modo de fazer essas escolhas
6 Soren Kierkegaard nasceu em Copenhague em 1813. Herdou do pai os traos de ser pio e melanclico o que influenciou em sua filosofia. Estudou teologia na Universidade de Copenhague e frequentou seminrios de
filosofia. Aps receber uma herana casou-se em 1837, mas sua melancolia rompeu a vida de casado. Embora
nunca perdesse a f em Deus, criticava a Igreja nacional dinamarquesa por hipocrisia. Em 1855, caiu
inconsciente na rua e morreu um ms depois. (KIM, 2011, p. 195)
19
categrico. Portanto, o homem livre pelo fato de escolher o caminho desta vida e a maneira
de percorr-la, tambm [...] considera as decises morais como uma escolha entre o
hedonstico (que gravita a si mesmo) e o tico, ou seja, as escolhas morais so livres e,
acima de tudo, subjetivas. (KIERKEGAARD, 1968, p. 194-195)
O livre-arbtrio, dentre seus aspectos, se apresenta todo ao mesmo tempo, mas que
compem somente um e de tal carter que no h ambiente para um arbtrio apenas, pois o
homem consciente das causas que podem se transformar em outra causa, capaz de alterar a
ordem das coisas, quer seja livre ou servo.
Alimentar-se de vcios, como quer e quando quer, no significa ser livre porque dono
de si prprio. Assim como usufruir de prazeres da gula e do sexo vontade, no se denomina
em estado de fraqueza. Talvez isto seja uma escravido de desejos e no de liberdade.
Portanto, ser livre no possuir atitudes impensadas sem restries. Esta seria a liberdade
animal, cuja irracionalidade e falta de ambio no seria suficiente para orientar seus passos e
mant-los de p. Podemos ser livres, ainda que estejamos numa cadeia ou reprimidos numa
cama, mesmo que no haja algo ou algum que possa aprisionar.
A liberdade uma virtude do ser na qualidade da sua formao. Possibilitar a vontade
de se deixar ir atravs da vida e de chegar assim a ele prprio por um caminho que pode sem
dvida escolher, mas que, no entanto, longe de ser uma razo para a felicidade, a liberdade
total de escolha nos provoca um sentimento de angstia ou apreenso (KIERKEGAARD,
1968, p. 195).
Ao desenvolver sua filosofia em relao ao pensamento idealista alemo de Georg
Hegel no sculo XIX, Kierkegaard queria refutar a ideia de sistema filosfico mais subjetivo
em questo da humanidade como parte de um desenvolvimento histrico inevitvel. Ele
desejava investigar o que significava ser humano, no como parte de um grande sistema
filosfico, mas como indivduo autnomo. (KIM, 2011, p. 194)
Na verdade somos ns quem construmos a prpria liberdade. Quando permitimos ser
conduzidos pelos caprichos do corpo e pelas astcias da sua sensibilidade estamos nos
aprisionando. Portanto, somos dominados pelos instintos.
Aranha (1986, p. 328) dispe que o homem nada mais do que o seu projeto. A
palavra pro-jeto significa, etimologicamente, ser lanado adiante, assim como o sufixo ex
da palavra existir significa fora. Ora, mas se as coisas so em-si, o existir do homem um
para-si. O que ocorre ao homem quando se percebe um para-si aberto possibilidade de
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construir ele prprio a sua existncia e condenado a ser livre? Ele experimenta a angstia
da escolha. Os valores no so dados ao homem, mas cabe a ele cri-los.
Se comandarmos as nossas aes, logo somos livres e no nos deixamos submergir
pela energia dos instintos. Se no formos livres, ento seremos escravos de muitos elementos
como: da indeciso, da angstia, da instabilidade etc. Quando se livre todas as nossas aes
so vlidas segundo suas limitaes, pois submetem a verdade e a responsabilidade.
Sobre esta, Kierkegaard (1968, p. 195) fala que, atravs do despertar do sentimento de
angstia, o homem compreende que tem total liberdade para escolher suas aes. Esse temor
to atordoante quanto sua fraqueza. Isto vale tambm para as nossas escolhas morais, quando
compreendemos que temos a liberdade de assumir at as mais extraordinrias decises.
Embora a angstia cause desespero, tambm pode nos livrar de respostas impensadas, pois
nos torna mais cientes das opes disponveis. Tal angstia aumenta nossa conscincia e
senso de responsabilidade pessoal.
Para sermos considerados livres precisamos conquistar a nossa liberdade. A
princpio lutando contra si prprio, para no ceder aos instintos ofuscados que nos
escravizam. Em seguida no dominar os outros, mas dominar a si mesmo, ou seja, atos
insensatos devido ao carter incontrolvel, ou da covardia moral, no justificam que no
podemos nortear nossas atitudes em funo da liberdade dos demais. S assim seremos livres
comandando a sensibilidade e o fsico. Lembrando que, quanto mais consumirmos bens de
valores, maior ser o combate para no permitir que tudo isto agrilhoe a liberdade.
O desejo de liberdade um sentimento profundamente arraigado no ser humano.
Situaes como: a escolha da profisso, o casamento e o compromisso poltico ou religioso,
fazem o homem enfrentar a si mesmo e exigem dele uma deciso responsvel quanto ao seu
prprio futuro. uma constante criao prtica pelos indivduos de circunstncias objetivas
nas quais despontam suas faculdades, sentidos e aptides (artsticas, sensrias, tericas etc).
Segundo Papalia (2006, p. 459-461), ao educar as crianas os pais resistem a dizer
no aos filhos, devido ausncia, falta de ateno, compromissos, pouco tempo na relao,
dentre outros, e com isso tentam compens-los fazendo suas vontades. Provocar essa
liberdade de receber tudo se torna preocupante, pois a criana no saber lidar com sua
ansiedade e tirania. Dizer um no se faz necessrio porque nas frustraes que o ser
humano constri seu carter, estimulando-o a buscar, por meio criativo, outras maneiras de se
sentir satisfeito.
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A liberdade se manifesta conscincia como uma certeza primria que perpassa toda a
existncia, especialmente nos momentos em que se devem tornar decises importantes nas
quais o indivduo sente que pode comprometer sua vida. Trabalhar as habilidades no
cognitivas gera competncias como: trabalho em equipe, socializao e a dedicao da
criana.
O desenvolvimento moral de crianas e de adolescentes um processo
racional que acompanha a maturao cognitiva. Os jovens progridem no julgamento moral medida que abandonam o pensamento egocntrico e tornam-se capazes de
pensamento abstrato. Na idade adulta, entretanto, os julgamentos morais costumam
parecer mais complexos; experincia e emoo desempenham um papel importante.
A experincia leva os adultos a reavaliar seus critrios do que certo e justo. Essas
experincias, fortemente influenciadas pela emoo, desencadeiam reconsideraes
de uma forma que discusses hipotticas e impessoais no so capazes, tendo mais
chances de ajudar as pessoas a verem outros pontos de vista. Alm disso, a
experincia interpretada em um contexto cultural. (PAPALIA, 2006, p. 537).
De fato isto ocorre quando queremos ser livres rejeitando o respeito verdade e
responsabilidade, sendo estes subsdios necessrios dos quais a liberdade deve percorrer
para no enlouquecer, e no nos fazermos de libertinos. Ou seja, na ausncia da verdade
loucura, na irresponsabilidade depravao.
Papalia (2006, p. 538) ainda explica que o ser humano capaz de eleger e saber o que
certo e errado sem nenhuma influncia externa. O homem estaria frente de decidir o seu
fim e a sociedade no deveria conferir nada a ele. Para a tica, a liberdade o assunto por
excelncia, onde uma muito importante para a outra, porque impede o livre arbtrio, do
desgnio de nossa vida e existncia.
O comportamento moral consciente, livre e responsvel. tambm
obrigatrio, cria um dever. Mas a natureza da obrigatoriedade moral no reside na
exterioridade; moral justamente porque deriva do prprio sujeito que se impe a
necessidade do cumprimento da norma. Pode parecer paradoxal, mas a obedincia
lei livremente escolhida no priso; ao contrrio, liberdade. (ARANHA, 1986, p.
307).
Segundo Aranha (1986, p. 206-207), foram os gregos os pioneiros a lanar as
sementes da ideia democrtica, que, conservadas pelos filsofos da idade mdia, frutificaram
na modernidade. Os gregos e os romanos deram o sentido originrio de liberdade na
antiguidade, a que o indivduo no se acha na condio de escravo, enquanto que, na
atualidade, refere-se autonomia de que goza o indivduo frente sociedade, e se refere
liberdade poltica e civil, garantida pelos direitos que amparam o cidado nas sociedades
democrticas.
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Aranha (1986, p. 316) descreve que a liberdade se contrape ao que dependente
externamente (necessidade) e ao que ocorre sem alternativa definida (contingncia). Livre
aquele que tem em si mesmo o princpio para agir ou no agir, isto , aquele que causa
interna de sua ao ou da deciso de no agir. A liberdade introduz a noo de possibilidade
objetiva. O possvel no apenas alguma coisa sentida ou percebida subjetivamente por ns,
mas tambm, sobretudo alguma coisa inscrita no corao da necessidade.
Dentre vrias espcies de liberdade, Rousseau (2008, p. 158) destaca que o mundo no
seria capaz de garantir e nem de institucionalizar a liberdade em grau maior para uns e grau
menor para outros, visto que haveria uma privao do maior para o menor, ou seja, os mais
fortes seriam capazes de reter a liberdade dos mais fracos. No h garantia de que qualquer
instituio seja justificvel se coopera para a diminuio do quantitativo total da liberdade que
h no mundo, mas certas instituies sociais so justificveis devido a coagirem a liberdade
de certo indivduo ou grupo de indivduos.
Acreditamos que pelo fato de no estarmos numa priso somos livres. Muitos
associam a liberdade mais com o espao fsico do que com a psique. Alguns so incapazes de
perceber que o que aprisiona est em seus pensamentos e em seu interior. Anulam o seu
habitat da liberdade humana e tambm a espiritual. Outros competem suas funes perante a
sociedade ou comunidade achando ser o suficiente.
De acordo com Berlin7 (1981, p. 11-16), a liberdade tanto positiva quanto negativa.
Positiva: somos livres para controlar nosso prprio destino e escolher nossos objetivos.
Negativa: estamos livres de obstculos e de dominao externa. Mas nossos objetivos
individuais s vezes entram em conflito ou levam dominao de outros. Quando nossa
prpria liberdade positiva leva a uma diminuio da liberdade negativa de outros, torna-se
opresso. O sentimento fundamental da liberdade liberdade dos grilhes.
Segundo Kim (2011, p. 280), Berlin no foi o nico a utilizar esses dois conceitos de
liberdade positiva e negativa, mas o fez com grande personalidade e a empregou para
mostrar as inconsistncias aparentes em nossa noo cotidiana de liberdade.
Para Berlin, liberdade negativa o que chamou de nosso sentido fundamental de
liberdade. a liberdade de obstculos externos: somos livres porque no estamos
7 Isaiah Berlin nasceu em Riga, Letnia, em 1909. Passou a infncia na Rssia, quando jovem migrou pra Gr-Bretanha em 1921. Destacou-se na Universidade de Oxford como filsofo com amplos interesses da arte e
literatura poltica. Seu ensaio Dois conceitos de liberdade, de 1958 com frequncia citado como clssico da
teoria poltica do sculo XX. Berlin foi um dos primeiros estudiosos do liberalismo. (KIM, 2011, p. 281)
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acorrentados a uma rocha, porque no estamos na priso, e assim por diante. Trata-se de uma
liberdade em relao a alguma outra coisa. Mas quando falamos da autodeterminao, de ter
esperanas e intenes e propsitos que nos so oportunos do controle do prprio destino
essa liberdade positiva.
Para tanto, no somos livres s porque as portas de nossas casas esto destrancadas. E
essa liberdade positiva no exclusivamente individual, porque a autodeterminao tambm
pode ser desejada em nvel de grupo ou de Estado.
S o homem apto a desobedecer s regras que compem a natureza do universo,
devido sua inteligncia e vontade. Entretanto, no aceitemos falsas representaes da
liberdade porque elas podem ser verdadeiras escravides.
Atualmente podemos perceber muitos aspectos da liberdade. Muitos cogitam que ser
livre desobedecer as leis, recusar dogmas ou rejeitar fatos pr-institudos. Mero engano
quando se pensa que pode ser livre por fazer o que quer.
Rousseau (2008, p. 125-134) coloca que o principal sentido da liberdade a ausncia
de controles externos sobre os atos de indivduos ou grupos, portanto, trata-se de um ponto de
vista negativo em relao a uma comunidade. Assim, a liberdade por si s, no atribui valor
algum sociedade. Os esquims, por exemplo, so capazes de dispensar restrio do governo,
a educao obrigatria, leis de trnsito, e at as burocracias do cdigo comercial. A sua vida,
deste modo, usufrui de um alto grau de liberdade; entretanto, poucos homens civilizados se
adaptariam viver assim no seio de uma sociedade mais instituda.
Conforme Orwell (1984), podemos perceber que essas duas formas de liberdade
muitas vezes entram em conflito: o fato de que as pessoas com frequncia exercitam sua
liberdade positiva ao eleger um partido especfico, consciente que sua liberdade negativa
ser restringida quando este assumir o poder. Outra questo apontada o desejar de um
objetivo adequado para a sociedade tendo uma viso inflexvel do propsito da vida e, ento,
reduzem as liberdades negativas para maximizar seu ideal de felicidade humana como os
regimes autoritrios e totalitrios. De fato, a opresso poltica em geral surge a partir de uma
ideia abstrata sobre o que uma vida de bem, seguida pela interveno do Estado para tornar
essa ideia uma realidade.
Kafka (2008, p. 239) fala que a liberdade gera sempre a mudana repentina da lgica.
O homem vive num meio transformado por ele, com isso se encontra sempre situado numa
determinada poca, numa certa cultura. Desde cedo se reconhece na delimitao, encontra
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uma lngua, costumes, moral, religio, organizao econmica e poltica, uma histria;
converte-se nisso, o que no quer dizer que deixe de ser livre, assim, onde no h lei no h
liberdade.
O propsito da lei no abolir ou reduzir, mas preservar e aumentar a liberdade, ou
seja, as leis restringem e garantem a liberdade. Viver em liberdade no viver sem leis num
estado de natureza. As leis no so apenas capazes de preservar, mas tambm garantir que a
liberdade seja exercida. Sem leis, nossa liberdade estaria limitada por um estado anrquico,
incerto, impedindo que, na prtica, houvesse liberdade. (LOCKE, 1978, p. 106-107)
Schopenhauer (2002, p. 186) nos diz que toda a sociedade estabelece basicamente uma
adaptao recproca e uma temperatura; consequentemente, quanto mais numerosa, tanto mais
enfadonha ser. Logo, importante reconhecer que as vrias liberdades que possamos desejar
sempre estaro em conflito, porque no existe um objetivo de vida apenas os objetivos de
indivduos especficos. Buscar uma base universal para a moralidade hermtico. H uma
importncia em manter vivo o sentido fundamental da liberdade enquanto ausncia de
intimidao e dominao, para que nossos ideais no se transformem em grilhes.
Como podemos reclamar por nossa liberdade se a diminumos quando est em nosso
poder ou para com os outros quando a impomos regras para lhe conceber? A neurose, alm
de produto das relaes autoritrias que comeam na famlia tradicional, tambm a garantia
para a manuteno da sociedade burguesa. (MATA, 1993, p. 53-54).
Quando dois espritos ou conscincias se encontram, eles lutam por
reconhecimento. O esprito que prefere a liberdade vida torna-se senhor; o esprito
que prefere a vida liberdade torna-se o escravo. A existncia da conscincia do
senhor afirmada por meio do escravo. O escravo descobre sua conscincia por
meio do seu trabalho para o senhor num mundo tangvel e externo (HEGEL8, 1992,
p.157).
Sermos privados dos exclusivismos, dos vcios e dos prazeres, no proclama que no
podemos us-los. A liberdade individual surge como o ponto de partida onde se aliceram as
provveis afinidades entre os indivduos. A expresso clssica dessa concepo : A
liberdade de cada um limitada unicamente pela liberdade dos demais. (ARANHA, 1986, p.
321)
8 Georg Hegel nasceu em Stuttgart. Passou boa parte de sua vida no calmo sul protestante da Alemanha, em contraste com a Revoluo Francesa. Estudou na Universidade de Tubingen onde terminou A fenomenologia do
esprito. Morreu em 1831, depois de voltar a Berlim durante uma epidemia de clera. (KIM, 2011, p. 157)
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Conforme Ferreira (1971, p. 127), sem haver pretexto para nada o ser humano idealiza
motivo para tudo em busca de sua libertao. soberano de si quando se servo. se doando
sem receber nada em troca, se mascarando sendo o outro, se enganando de ser sem ser, que
tudo complexo outra vez.
Schopenhauer (2002, p. 184) nos diz que quanto mais expressiva for a personalidade
de uma sociedade, mais difceis sero os desafios a serem alcanados por sua exigncia.
Nesse entorno, cada um suportar, fugir ou amar o seu isolamento mediante a importncia
da sua individualidade. Pois, na solido, o indivduo avarento sente toda a sua avareza, o bom
sujeito, toda a sua bondade; em resumo: cada um sente o que .
Para tanto, ns somos o que somos, absolutamente, apenas pelo tempo em que
permanecermos sozinhos. Quem, portanto, no se afeioa com a solido, tambm no se
adapta com a liberdade: apenas quando se est s que se est livre.
De acordo com Rogers9 (2009, p. 132), a vida plena um processo e no um estado de
ser. Para aproveitar a vida preciso ser totalmente aberto experincia, viver o momento
presente, confiar em si mesmo, assumir responsabilidade pelas prprias escolhas, tratar a si e
aos outros com considerao positiva incondicional.
Segundo Schopenhauer (2002, p. 188), quanto mais elevada for a escala hierrquica na
posio de uma pessoa o seu isolamento inevitvel. Se a solido fsica corresponder
intelectual isto ser uma adio. Caso contrrio, o arredor frequente de indivduos
heterogneos traz consequncias indesejveis e at mesmo avessas a ela, roubando seu eu
sem nada oferecer em troca.
Radicalmente a liberdade humana inexiste por estar submetida ao destino inexorvel e
sujeita ao determinismo. No alguma coisa que dada, mas resulta de um projeto de ao.
uma rdua tarefa cujos desafios nem sempre so suportados pelo homem, da resultando os
riscos de perda de liberdade pelo homem que se acomoda no lutando para obt-la.
O determinismo parte do princpio de que tudo que existe tem uma causa. O
mundo explicado pelo determinismo o mundo da necessidade, e no da liberdade.
Necessrio significa tudo quilo que tem de ser e no pode deixar de ser. Nesse
sentido, ope-se ao conceito de contingncia, que significa o que pode ser de um
jeito ou de outro. Explicando: se aqueo uma barra de ferro, ela se dilata; essa
dilatao necessria, pois no pode deixar de ocorrer: ela ocorre inevitavelmente.
9 Carl Rogers nasceu em Oak Park, Illionis, Estados Unidos, em uma famlia protestante ortodoxa, e teve poucos amigos fora da famlia antes de entrar na faculdade. Trabalhou nas universidades de Ohio, Chicago e Winsconsin
e desenvolveu sua terapia baseada na psicologia humanista. Em 1964, recebeu o prmio de Humanista do ano
da American Humanist Association. Foi indicado ao Prmio Nobel da Paz em 1987. (ROGERS, 2009, p. 20)
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Por outro lado, contingente que neste momento minha roupa seja vermelha ou
amarela. (MARTINS, 1986, p. 316).
Portanto, a cincia no conseguiria subsdios para estabelecer qualquer lei se no fosse
do pressuposto do determinismo. Os elementos se constituram em cincias ao longo dos trs
ltimos sculos procurando descobrir as relaes constantes e necessrias entre os fenmenos.
Ento, o homem dialoga entre a liberdade e o determinismo, pois o homem realmente
determinado, devido seu encontro situado num tempo, num espao, recebendo uma herana
cultural. Mas o homem tambm consciente desse determinismo. Isso permite a ao
transformadora que, a partir da conscincia das causas, constri um projeto de ao.
Realmente, ao afirmar que somos livres encontraremos algumas dificuldades, ainda
que no admitssemos, pois a cada dia somos colocados em situaes cotidianas que
contestam o sentido da liberdade.
Hoje podemos notar que as informaes so mais dinmicas. So poucas as pessoas
que ainda estimulam o pensar, pois para alguns pensar entedia. E por essa falta de
conhecimento o ser humano no chega a viver a plenitude da liberdade. Com isso, h o temor
em desrespeitar aquilo que no se conhece ou de ser apontado pela sua diferena. Observamos
que o comodismo a palavra de ordem desta gerao. Se pensarmos, logo existimos. Se no
pensarmos, no questionamos, mas dentro de nosso ambiente de atitudes, vivemos segundo o
que determinam, e por incrvel que parea vivemos bem. Alguns morrem pensando ter
existido.
Ento, notamos que dialogar sobre a questo da liberdade , de fato, desafiadora.
Adentrar nesse complexo contexto no mnimo se perder num labirinto com diversas sadas,
dvidas e questionamentos. Acreditamos na possibilidade de encontrarmos vrios subsdios
em busca de respostas, mas no um nico termo palpvel sobre liberdade. Assim, poderemos
ter uma noo para um estudo norteador apontado para este tema.
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1.2 O desafio de existir
A propsito do assunto anterior, de antemo, decorremos sobre a demanda dos
mltiplos sentidos que a liberdade gera. Contexto este fundamental para debates entre os
diversos campos do conhecimento humano. Compreendemos que a sua acepo abarca
valores, experincias pessoais e histricas, e todos esses elementos so, basicamente,
particulares de uma determinada nao, de um grupo de pensadores, de uma pessoa
especfica, dentre outros.
Todos estes fatores acabam por promover desafios em defini-la com exatido
justamente por abranger particularidades em suas definies. Quando se opta por cogitar este
tema, se faz imprescindvel determinar nitidamente qual investida ser utilizada para embasar
a argumentao, bem como deliberar a relao em que aspecto a liberdade ser ponderada, a
condio em que a liberdade ser discutida ou moderada. Assim, tornar-se possvel enquadrar
um tema to complexo dentro do rigor necessrio pesquisa acadmica.
Prontamente, este tpico ir focar a liberdade no que diz respeito ao comportamento
sociopoltico do mundo moderno, afim de que possamos nortear o entendimento deste
argumento proposto para a referida pesquisa e vincular a ideia inicial com o sistema
capitalista preponderante, contribuindo assim com a reflexo de um tema to instigante.
O capital, o consumo e a venda dominam como elementos fundamentais no sistema
em que vivemos, com a sociedade da globalizao percebem-se diversidades e desigualdades
que se organizam mediante uma tirania que condiciona o dia-a-dia das pessoas, levando-as a
serem ajustadas pelos fluxos do mercado, pelo consumo desnecessrio e pela busca do capital
exagerado.
A elite do poder composta de homens cuja posio lhes permite transcender
o ambiente comum dos homens comuns, e tomar decises de grandes
consequncias. Se tomam ou no tais decises menos importante do que o fato de
ocuparem postos to fundamentais: se deixam de agir, de decidir, isso em si
constitui frequentemente um ato de maiores consequncias do que as decises que
tomam. Pois comandam as principais hierarquias e organizaes da sociedade
moderna. Comandam as grandes companhias. Governam a mquina do Estado e
reivindicam suas prerrogativas. Dirigem a organizao militar. Ocupam os postos de
comando estratgico da estrutura social, no qual se centralizam atualmente os meios
efetivos do poder e a riqueza e celebridade que usufruem. (MILLS, 1975, p. 12).
Diante desses fatos no podemos deixar de mencionar Santos (2010) em sua reflexo
sobre os fatores e circunstncias nos circuitos do tempo e do espao do mundo moderno e sua
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relao com o pensamento presente, ou seja, a reinveno da emancipao em tempos
contemporneos.
De acordo com Santos (2010, p. 94), podemos produzir fora dos centros hegemnicos
de produo da cincia social, focando na criao de uma sociedade cientfica internacional
autnoma das concepes predominante que esses ncleos difundem. Com isso implicar
cruzamentos no apenas de diferentes tradies tericas e metodolgicas das cincias sociais
e o conhecimento, mas tambm de diferentes culturas e formas de interao entre cultura e
conhecimento (seja cientfico ou no).
Santos (2010) prope combater o desperdcio da experincia social, necessitando um
modelo diferencial de racionalidade, dilatando conceitos, revendo ideias, construindo
formulaes para dar conta dos processos e fenmenos do tempo presente.
Proponho uma racionalidade cosmopolita que, nesta fase de transio, ter de
seguir a trajetria inversa: expandir o presente e contrair o futuro. S assim ser
possvel criar o espao-tempo necessrio para conhecer a valorizar a inesgotvel
experincia social que est em curso no mundo de hoje. Por outras palavras, s
assim ser possvel evitar o gigantesco desperdcio da experincia de que sofremos
hoje e dia. Para expandir o presente, proponho uma sociologia das ausncias, para
contrair o futuro, uma sociologia das emergncias. (SANTOS, 2010, p. 95).
Santos (2010) ainda complementa que vivemos em uma sociedade contempornea
bifurcada com imensa diversidade de experincias sociais revelada por estes processos
evolutivos que no podem ser explicados somente por uma nica teoria, com isso, tambm
prope o trabalho de traduo, ou seja, um procedimento capaz de criar uma inteligibilidade
mtua entre experincias possveis e disponveis sem destruir a sua identidade.
Atualmente o ser humano nasce em um mundo onde as possibilidades de se
desenvolver tornam-se desafiadoras. O poder que comanda este universo desperta alternativas
de trabalhar contra ou a favor a este domnio. O objetivo alcanar o ideal como
personalidade humana do que se acredita ser a sua perfeio como cidado existente num
planeta de caos e objeo. A individualidade se torna mais evidente dentre suas escolhas para
conquistar seu espao e assim poder exercer a liberdade de constituio e existncia nesta
natureza contempornea.
Nunca, [...] a desigualdade e os contrastes sociais chegaram a nveis to
evidentes como os que observamos hoje nos mais importantes centros urbanos.
Neles convivem, lado a lado e da forma mais extrema, a opulncia e a misria, o desperdcio e a carncia, o conforto e a precariedade, a mais alta tecnologia
produzida pelo homem e situaes de atraso h muito superadas nos pases mais
desenvolvidos do mundo. (ALVES, 1992, p. 6).
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Conhecer o mundo moderno em que vivemos, se adequar s restries a qual so
impostas, almejar direitos para conquistar espaos sociais, visto que estes so alguns desafios
a serem vencidos para se ajustar nesse mundo atual. Sendo assim, podemos afirmar que a
sociedade moderna um crcere, e as pessoas que nela vivem foram moldadas por suas
barras; somos seres sem esprito, sem corao, sem identidade sexual ou pessoas quase
podamos dizer sem ser (BERMAN, 1986, p. 26).
Acreditamos na possibilidade de podermos tirar interessantes lies a ponto de
questionarmos a maneira como vemos o mundo ao nosso redor. Ser que realmente
entendemos o que est acontecendo com o nosso planeta? Ser que de fato no estamos
servindo apenas como pees ou escravos que pensam ser livres, mas muitas vezes
domesticados e controlados?
As ideias se aperfeioam. O sentido das palavras tambm. O plagiato
necessrio. O avano o implica. Ele acerca-se estreitamente da frase de um autor,
serve-se das suas expresses, suprime uma ideia falsa substitui-a pela ideia justa.
(DEBORD, 2003, p. 12).
O comportamento humano observado de modo constante a ponto de ser julgado e
condenado pelos paradigmas vigentes. Muitos podem ignorar condutas inadequadas, mas no
podem esquecer que vivemos nesse mundo e somos escravizados por ele e, em ltima
instncia, poder ser a nossa perdio. A propsito, a arte apresenta uma sada, um escape
para livrar-se deste mundo chato onde se deve pagar aluguel (MILLER, 2005, p. 286).
Ensinam um sistema de valores onde uma pessoa melhor que a outra somente por
causa da herana gentica, por causa dos seus atributos fsicos. Mas h quem acredite que ter
esprito competitivo adequado e que ter algo sem valor no lhe serve para nada, ou seja,
viver em um mundo sem arte, sem sensibilidade a reflexo, mesmo sabendo que o mundo
jamais ir parar de gerar arte, ser extremamente impossvel avanar.
Arriscar e vivenciar experincias que o indivduo no sabe se daro certo seria causar
angstia em suas escolhas, portanto, no saber se far parte de um todo ou se viver na
periferia inexistente. Fazer o diferencial talvez seja o que conta para a sociedade atual o que
muitas vezes no vemos na vida o que antes no vimos na arte (WALKER, 2005, p. 300).
Aceitamos a idade do planeta em que nos encontramos, porque recebemos como
normal tudo o que pode estar errado nesse mundo.
A historicidade que nos domina e nos determina belicosa e no
lingustica. Relao de poder, no relao de sentido. A histria no tem sentido, o
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que no quer dizer que seja absurda ou incoerente. Ao contrrio, inteligvel e deve
ser analisada em seus menores detalhes, mas segundo a inteligibilidade das lutas, das
estratgias, das tticas. Nem a dialtica (como lgica de contradio), nem a semitica (como estrutura da comunicao) no poderiam dar conta do que a
inteligibilidade intrnseca dos confrontos. A dialtica uma maneira de evitar a
realidade aleatria e aberta desta inteligibilidade reduzindo-a ao esqueleto hegeliano;
e a semiologia uma maneira de evitar seu carter violento, sangrento e mortal,
reduzindo-a forma apaziguada e platnica da linguagem e do dilogo .
(FOUCAULT, 1977, p. 4).
O mundo encontra-se em uma situao errante, onde esperto que nos roubam e levam
vantagens, poderoso que menospreza e exclui os fracos. Passamos um tero da vida
trabalhando s para pagar tributos de impostos mesmo sabendo que raramente sero
revertidos em benefcios para a populao. Mas sero utilizados, sim, para financiar a
indstria da corrupo.
Os mais equivocados dessa poca puderam aprender a partir de ento, pelas
desiluses de toda a sua existncia, o que significavam a negao da vida que se
tornou visvel, a perda da qualidade ligada forma-mercadoria e proletarizao do
mundo. (DEBORD, 2003, p. 7).
Segundo Jung (apud KIVITS, 2006), o problema de cerca de um tero de seus
pacientes no podia ser diagnosticado clinicamente como neurose, mas como a falta de
sentido de suas vidas vazias. Deste modo, seja o que for que a vida exigir cabe a cada ser
humano a super-la e assim achar um meio de exercer sua liberdade sem restries
respeitando sua individualidade dentro do seu convvio social.
Professar seus conhecimentos seria um dos caminhos para o qual o homem poder
evoluir sua personalidade. Toda a ao que o ser humano realiza; todo pensamento que o
cidado compartilha; toda energia que o indivduo libera tem uma consequncia e, quando
isso compreendido h uma escolha de pensamentos ou comportamentos desses
determinados modos de pensar, com isto, germinar resultados compensadores versus caos e
negativismo. Assim, a vaidade, ou o desejo caprichoso, pertence a todas as tradies, com
efeito, prpria natureza humana (BLOOM, 2004, p. 39).
Como vive a pessoa que j experimentou muito da vida e acha que no tem
mais nada que experimentar? Como vive a pessoa que diz com frequncia j vi,
j fiz, j sei e outros js que se possa imaginar? Como vive a pessoa para
quem a vida tornou-se uma repetio enervante e chegou ao fastio da mente e das
sensaes: experimenta sempre o mesmo e chega sempre no mesmo lugar? Como
vive a pessoa que pensa sobre a vida, que se debrua para observ-la e chega
concluso de que tudo o que vai acontecer j aconteceu? Como vive a pessoa para
quem a vida no traz nenhuma novidade, cuja nica expectativa ver hoje o que j
viu ontem? Essa pessoa vive com tdio. (KIVITS, 2009, p. 30).
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Bloom (2004, p. 38) explica que chegando aos setenta anos de idade, poucos de ns
conseguem deixar de sentir um calafrio diante desse ritmo repetitivo. Contudo, ter o
conhecimento seria um comeo, prover de informao poder revigorar o cidado e renovar o
indivduo. A partir deste acmulo poder estimular o crescimento humano, igualmente, o faz
existir, caso contrrio, se torna um nada.
A sociedade contempornea nos ltimos anos vem passando por transformaes que
nos mostram o quanto estamos presos a tudo relacionado a padres e tendncias que
influenciam nossos comportamentos. Esconder aos nossos olhos problemas e questes que
precisam ser resolvidos com a maior urgncia, como por exemplo: as condies de vida.
Porque no uma boa arma para reflexo aos avanos da globalizao a padronizao humana
e tica.
Hoje, apesar da conquista de muitos benefcios sociais, no se tem ainda boa
qualidade de vida. Afastados os males de 100 anos atrs, vieram outros, os dos
novos tempos. O enfarte provocado pela vida agitada -, o cncer provocado pela
poluio ambiental, por agrotxicos, por produtos qumicos na alimentao ou pela
liberao radioativa -, a violncia urbana, o desemprego, a pssima assistncia
mdico-hospitalar para quem depende da previdncia social, tudo isso tem provado
que o progresso tcnico no vem necessria e obrigatoriamente acompanhado da melhoria de vida das populaes. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 6).
Fazer a diferena pode ser o caminho para uma trajetria consciente para um futuro
promissor. Restringir certos conceitos sem abrir um dilogo para reflexo poder no
alimentar o livre arbtrio e sim causar certos traumas ou desiluses. Contudo, importante
evitar a impresso de que todo objeto concebvel, pessoa ou tarefa seja intil. (OGDEN,
1988, p. 23).
O poder de influncia dos homens comuns circunscrito pelo mundo do
dia-a-dia em que vivem, e mesmo nesses crculos de emprego, famlia e vizinhana
frequentemente parecem impelidos por foras que no podem compreender nem
governar. As grandes mudanas esto alm do seu controle, mas nem por isso lhes
afetam menos a conduta e as perspectivas. A estrutura mesma da sociedade moderna limita-os a projetos que no so seus, e de todos os lados aquelas mudanas
pressionam de tal modo os homens e mulheres da sociedade de massas que estes se
sentem sem objetivo numa poca em que esto sem poder. (MILLS, 1975, p. 11).
A nica coisa que mudar o mundo a experincia e no a poltica porque esta muda
de direo com o vento. Uma pessoa cujos sentimentos, as suas aes e a vivncia
individual so caracterizadas pelo que acredita ser designado por sua atitude existencial, ou
uma percepo de desorientao e conflito em face de um mundo aparentemente sem sentido
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e incoerente. Contudo, Frankl (2009) assegura que a grande inquietao do indivduo humano
ver sentido para sua vida. Parece que essa convico algo que nunca alcana.
O ser humano o nico responsvel em oferecer significado sua vida e em v-la de
carter sincero e extasiado, apesar da existncia de muitos limites e distraes como a
desesperana, consternao, a incoerncia, a alienao e o tdio. Contudo, Kushner (2010)
complementa que, o mais dilacerante para uma pessoa do que o prprio medo da morte a
sensao de no ter vivido a vida.
Ainda podemos reter em graus diversificados, ou seja, em como cada um apreende
uma vida gratificante e no que ela compe, que limitaes devem ser superadas, que
elementos internos e externos esto envolvidos, incluindo as potenciais consequncias da
existncia ou no existncia de uma fora maior. Assim, reafirmar a importncia da liberdade
e individualidade humana.
Mas nem todos os homens so comuns, nesse sentido. Sendo os meios de
informao e de poder centralizados, alguns deles chegam a ocupar na sociedade
[...] posies das quais podem olhar, por assim dizer, para baixo, para o mundo do
dia-a-dia dos homens e mulheres comuns, suscetvel de ser profundamente atingido
pelas decises que tomam. (MILLS, 1975, p. 11).
Durante algum perodo da histria da humanidade os indivduos tiveram experincias
por vrias comoes civis, guerras locais e duas guerras mundiais, cidados acabaram
concluindo que a vida seria inerentemente miservel e irracional, ou seja, refletir sobre esses
absurdos do mundo e da barbrie injustificada, das situaes e das relaes cotidianas que,
paralelamente, brotam temticas como o silncio e o isolamento, nos apresenta consequncias
bvias de vidas desamparadas. As pessoas no tm medo de morrer; elas, na verdade, tm
medo de morrer sem saber por que viveram (KIVITS, 2006, p. 21).
Em toda a natureza humana a sua existncia questionada pelo que cada indivduo e
o que faz, para onde vai e quem os move. Esta conscincia aguada de desamparo e de
isolamento (espontnea ou no), de impotncia e de injustificabilidade das aes faz com que
os indivduos sejam guiados por suas decises em um conjunto de regras em algumas
vertentes religiosas ou no.
E que me diz voc sobre a coisa principal da vida, todos os seus enigmas?
No busque o que ilusrio propriedade e posio: tudo o que se ganha custa
dos prprios nervos, dcada aps dcada, e confiscado numa noite inclemente.
Viva com uma serena superioridade perante a vida no tenha medo da desgraa. J
o bastante se voc no se congelar exposto ao frio e sede e se a fome no lhe
despedaar as entranhas; [...] e valoriza acima de tudo no mundo aqueles que amam
voc e lhe desejam o bem. (SOLJENITSYN apud MAINS, 2005, p. 281).
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H uma complexidade em relao ao pensamento sobre a existncia humana que
levantam questes que implicam sobre a vida. Seja esta vivncia miservel, pela qual
podemos ou no ser recompensados por uma fora maior, se essa fora existe qual seria o
motivo dos sofrimentos dos homens ou se no existe e a vida absurda em si mesma, por que
no cometer suicdio e encurtar seu sofrimento.
Aqui precisamente preciso reaprender. Aquilo que at agora a humanidade
ponderou seriamente nem sequer so realidades, so meras imaginaes ou, dito mais rigorosamente, mentiras provenientes dos piores instintos de naturezas doentes,
perniciosas no sentido mais profundo todos os conceitos de Deus, alma,
virtude, pecado, alm, verdade, via eterna... Mas procurou-se neles a
grandeza da natureza humana, sua divindade... Todas as questes da poltica, da
ordem social, da educao foram falsificadas pela base e pelo fundamento por se
tornarem os homens mais perniciosos por grandes homens por aprenderem a
desprezar as pequenas coisas, quer dizer, as disposies fundamentais da prpria
vida.... (NIETZSCHE, 1985, p. 22).
As decises de cada ser humano so guiadas pelo pensamento ou pela alma que
ironicamente no tem muita importncia at porque o que se faz para melhorar a si ou aos
outros seria irrelevante, teremos o mesmo destino de se inutilizar e falecer. Deste modo, o
valor da vida no pode ser avaliado. (NIETZSCHE, 1985, p. 40). Portanto, a grande
conquista do indivduo perceber o absurdo da vida e aceit-la.
Contudo, segundo as expresses de Lewis (2006, p. 28), no h qualquer benefcio na
experincia de no-ser: a tentativa de comparar ser e no ser termina em simples palavras.
Seria melhor para mim que eu no tivesse nascido de que forma para mim? Como
poderia eu, se no tivesse nascido, tirar proveito de minha no-existncia?.
A existncia humana tem prioridade sobre a sua essncia, ou seja, a existncia
antecede e agencia o interior do homem. Com essa acepo podemos definir a liberdade e a
responsabilidade do indivduo, visto que existem sem que seu ser seja definido. Durante sua
vida, medida que se experimentam novas vivncias redefine-se o prprio pensamento (a
significao intelectual), adquirindo-se novos conhecimentos a respeito da prpria essncia,
personalizando-o sucessivamente. Essa caracterstica do ser produto da liberdade de escolha.
No princpio o indivduo somente tem a existncia comprovada e com o decorrer do
tempo incorpora a essncia em seu ser. No h uma essncia pr-determinada, ou seja, no
existe no ser humano uma alma imutvel, desde os primrdios da vida at a morte. O ser
humano se constitui atravs da sua existncia o qual por si s define a sua realidade.
Primeiramente o homem existe, se descobre, surge no mundo e somente depois se
define. O homem, tal como o concede o existencialismo, se no definvel, porque a
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princpio ausncia. S depois ser, e ser tal como a si prprio se fizer. Afinal, no somos
seres humanos passando por uma experincia espiritual, somos seres espirituais passando por
uma experincia humana. (KIVITS, 2006, p. 23).
A partir desse pressuposto podemos afirmar o peso da responsabilidade por sermos
deliberadamente livres. E, frente a essa liberdade de escolha, o indivduo se angustia, pois a
liberdade sugere fazer escolhas, as quais s o prprio sujeito pode cometer. Muitas pessoas
ficam paralisadas e, dessa forma, se abstm de fazer as escolhas necessrias. Porm, a no
ao, o nada fazer, por si s, j uma escolha, a eleio de no agir. Portanto, na solido,
o solitrio se devora a si mesmo; na multido devoram-no inmeros. Ento, escolhe.
(NIETZSCHE, 1985, p. 39).
A alternativa de delongar a existncia, impedindo as temeridades, a fim de no
peregrinar e suscitar culpa uma predominante na sociedade contempornea. Arriscar-se,
procurar a autenticidade, uma empreitada intensa, uma jornada pessoal que o ser deve
explorar em busca de si mesmo.
A noo de minoria com suas remisses musicais, literrias, lingusticas,
mas tambm jurdicas, polticas, bastante complexa. Minoria e maioria no se
opem apenas de uma maneira quantitativa. Maioria implica uma constante, de
expresso ou de contedo, como um mero padro em relao ao qual ela avaliada. Suponhamos que a constante ou metro seja homem-branco-masculino-adulto-
habitante das cidades-falante de uma lngua padro-europeu-heterossexual qualquer
[...]. evidente que o homem tem a maioria, mesmo se menos numeroso que os
mosquitos, as crianas, as mulheres, os negros, os camponeses, os homossexuais...
etc. porque ele aparece duas vezes, uma vez na constante, uma vez na varivel de
onde se extrai a constante. A maioria supe um estado de poder e de dominao, e
no o contrrio. Supe o mesmo padro e no o contrrio. (DELEUZE, 1995, p. 52).
O que limita as aes dos indivduos? No ponto de vista religioso se h uma relao
entre o ser humano com uma fora espiritual existente, a entidade que a representa organiza
qualquer poder de ganho ou autoconfiana passando pelo seu consentimento, ou seja, essas
entidades incutem nos pensamentos da populao. Alicerces estes que s colaboraram para o
afastamento da vida.
O destino do indivduo moderno depende no apenas da famlia onde nasceu,
ou na qual ingressa pelo casamento, mas cada vez mais da empresa onde passa as
horas mais vigorosas de seus melhores anos. No apenas da escola onde educado
em criana e na adolescncia, mas tambm do Estado, que est presente durante toda
a sua vida. No apenas da igreja onde ocasionalmente entra para ouvir a voz de
Deus, mas tambm do exrcito, no qual disciplinado. (MILLS, 1975, p. 14-15).
As normas da natureza j consistem em pr-definidas e os homens tm que se
habituar-se a elas, ou no. A vida seria a nica instituio que careceria de louvor, porm, o
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homem deve viv-la como se tivesse que experiment-la plenamente mesmo tendo em vista
que conceitos podem se tornar mais complexos, ou mais esclarecidos.
As pessoas vivem normalmente em dois mundos. Um deles o das coisas
prticas: o trabalho que se tem que fazer, fora ou dentro de casa, os lugares onde se
precisa ir, as compras indispensveis e ainda outras coisas que se renem sob o
rtulo de obrigaes. Alm destas, existem as obrigaes espirituais (definidas pela
crena de cada um), obrigaes sociais (casamentos, festas de aniversrios, comemoraes), obrigaes cvicas, etc. o mundo das normas, compromissos e
participaes, que no foi criado por voc nem por algum determinado, mas que
sempre existiu. As pessoas o criaram. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 7).
Em sociedade o indivduo acuado a tomar decises que robustecem suas
caractersticas de ser racional como, por exemplo, o pensar e o questionar. Para algumas
pessoas parece que a liberdade e a escolha pessoal so as origens da desgraa. A maldio do
livre arbtrio foi de particular interesse dos telogos e cristos.
As normas sociais so a consequncia da tentativa dos homens de planejar um projeto
funcional. Ou seja, quanto mais estruturada a sociedade, mais funcional deveria ser. Isso se
d porque, com rarssimas excees, os meios de comunicao de massa e as instituies
religiosas e educacionais sempre agiram muito mais no sentido de alienar do que de politizar
o povo [...], funcionando dessa maneira, como agentes de manuteno da ordem social.
(ALVES, 1992, p. 6).
Algumas pessoas se sentem aliciadas passividade tica baseando-se no desafio de
tomar decises. Seguir ordens simples e requer pouco esforo emocional e intelectual fazer
o que lhe determinam. Se a ordem no lgica, no o artilheiro que deve protestar. Deste
modo, as batalhas podem ser esclarecidas, genocdios em massa podem ser entendidos. Os
sujeitos estavam apenas cometendo o que lhes foi ordenado.
No temos muito o hbito de esmiuar essas realidades dominantes que
formam naturalmente a maior parte de nossas vidas. Somos delicados. Estamos
habituados a acatar. Aceitamos por hbito e tememos o que poderia ser exigido de
ns caso no aceitssemos. Sacrificamos nossas vidas por uma sensao de que h
algum tipo de conforto em acatar. (WHITE, 2004, p. 12).
O mundo tem um significado porque damos a ele, e o que acontece, acontece com
qualquer um, seja uma pessoa boa ou ruim. Por conta da incoerncia do mundo, em qualquer
ponto do tempo, qualquer coisa pode acontecer com qualquer um, e um acontecimento trgico
poderia cair sobre algum em confronto direto com o caos.
Encontramos-nos na terra, e a terra apenas um planeta na galxia, apenas sabemos
que somos uma pequena parte de uma nbula imensa. Provavelmente existem muitos tipos
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diferentes de vida em outro planeta, clulas e organismos, algumas podem no ser visveis,
algumas podem no ter sido descobertas ainda e alguns podem estar em lugares que no
podemos chegar e todos eles podem ter as mesmas perspectivas que ns temos.
Nunca saberemos, com certeza, se existe algo na busca. uma misso sem fim, sem
saber qual a sua misso. Podemos deduzir que seja realista e ao mesmo tempo fantasioso,
talvez. Se existe algo alm do nosso alcance muito complicado afirmar por que no temos
como provar que h algo l fora, a nica prova que possumos somos ns mesmos e onde
nos encontramos no universo.
S podemos criar teorias, mas nunca saberemos a verdade. Qual o sentido da nossa
vida? Talvez esta seja uma das perguntas mais difceis que exista. Diramos que o sentido da
vida o que ns fazemos dela, o que ns queremos que nossas vidas sejam.
Quem ter autoridade para dizer em que tipo de mundo ns devemos viver?
Quem ter autoridade para responder pergunta [...] sobre como viver, o que
fazer? Isso ideologia em seu sentido mais forte e ameaador. Essa ideologia trata
de insistir em um mundo humano como o verdadeiro e o nico adequado, e o
primeiro gesta dessa ideologia sempre , naturalmente, dizer: No sou uma
ideologia. O mundo uma srie de objetos e comportamentos estticos organizados
no espao. A natureza estvel e imutvel. A imaginao fantasia, e se ela tem lugar em nosso mundo, esse lugar a Fantasilndia, cuidadosamente circunscrito
pelos muros da Disneylndia. Embora no aprecie muito, no a negarei de todo,
apenas limitarei seu territrio. Limitar e monitorar cuidadosamente. (WHITE,
2004, p. 11-12).
Talvez os acontecimentos da vida sejam predestinados, entretanto, possvel
mudarmos este destino, apesar de ser difcil. Podemos nos equivocar, pode haver um
cronograma como um jogo ou algo semelhante, e ns participarmos dele sem saber que
fazemos parte disso, mas ao mesmo tempo, talvez o destino s esteja falando para ns, talvez
ns simplesmente saibamos disso, e isso que o destino. Portanto, o destino pode ser um
palpite, uma sugesto do que sabe sobre ns, a propsito do que ns faramos, mas novamente
podemos nos iludir, e o destino pode permanecer em total controle sobre ns.
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1.3 A dana e sua ruptura
Nos tpicos anteriores traamos um parmetro discursivo e terico sobre a questo do
existir e da liberdade em seu contexto mais amplo. Na inteno de contribuir para uma
investigao e relao especfica, procuraremos desenvolver a seguir na particularidade de
uma nuance mnima, do que dar por consumido, uma analogia com a arte da dana. Apontar
linhas, debates, investigao e sondagem, poupando decretar concluses ortodoxas. Todavia,
no propsito de esclarecer o conjunto a ser abordado nos permitimos lembrar o quanto
amplo o campo da arte que ofusca qualquer anlise que no a considere como fulcral aos
rumos que tomam as questes estticas aqui abordadas. Visto que uma sociedade coordenada
pelo regime capitalista e individualista ocidental oscila constantemente, dando indcios a se
acompanhar.
O homem sempre esteve apto ao processo criativo utilizando-se de diversas formas de
comunicao, com isso, pode desenvolver a sensibilidade, o conhecimento, a anlise, a
imaginao e a percepo, alm de manifestar o costume de um povo, com valores estticos
que resumem as suas emoes, sua vida, seus anseios, sua civilizao e sua reflexo sobre
diferentes culturas.
Conforme Mendes (1987, p. 70), nos perodos da histria a dana emergiu por meio do
povo, onde se refugiara no Cristianismo com carter de comunicao com as divindades.
Depois ascendeu nos sales dos palcios com estilo refinado e estilizado para o divertimento
da mais alta corte. Antes meramente esttico com um desenvolvimento tcnico extremo que
colocou em questo a sua especificidade como arte, depois expressivo de sentimentos e
emoes. Da parte para uma nova concepo de vida, baseada na cincia e no domnio da
natureza, se ajustando cultura greco-latina com intuito de uma sociedade mais dinmica.
Integrou-se ao poder e ao saber, numa consistncia poltica, econmica, cultural e social. A
geometria criaria a noo de perspectiva, que acendera novos caminhos para as artes plsticas,
arquitetura e novos espaos cnicos.
Garaudy (1980, p. 27) fala que, em todas as pocas e em todos os povos, [...] a dana
esteve enraizada em todas as experincias vitais das sociedades e dos indivduos: as do amor e
da morte, das guerras e das religies. E complementa que,
A vida quotidiana pode ser expressa pela linguagem, mas no os
acontecimentos que a transcendem. A dana exprime estas transcendncias. O
homem dana para falar sobre o que ele honra ou sobre o que o emociona. [...]
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Como pde a dana, que sempre foi, nas regies no ocidentais, a matriz da cultura e
sua mais alta expresso de vida, ter chegado ao grau de decadncia e futilidade do
bal clssico no incio do sculo XX? [...] A dana, que sempre falou do amor, da luta, da morte e das coisas depois da morte, degenerou, ento, num academicismo e
num virtuosismo sem nenhum significado humano. H para tanto, razes histricas.
(GARAUDY, 1980, p. 27).
Ento podemos sugerir a seguinte reflexo, que a dana desde a antiguidade se
relacionou livremente com o ser humano, com todos os povos, em todos os tempos: a
expresso, atravs de movimentos do corpo organizados em sequncias significativas, de
experincias que transcendem o poder das palavras e da mmica. Sendo a dana um modo de
existir, foi afastada do povo permanecendo presa durante sculos no academicismo e no
cristianismo. Assim afirma Mendes (1987):
As danas medievais e renascentistas, que evoluram para as de corte ou de
salo, bem como as de teatro, tm como origem comum as danas populares. A
igreja justificava sua atitude alegando que a dana havia outrora integrado rituais e
servios divinos. E ainda que ela tenha procurado extirpar o contedo pago das
danas, pode-se ver at hoje traos danantes transparecendo na liturgia romana e,
especialmente, na ortodoxa. Atores e danarinos, pois, no deixaram morrer o teatro
e a dana durante grande parte da Alta Idade Mdia. Nas feiras, nos limites dos
castelos, nos pequenos burgos nascentes, eles estavam sempre dando seus
espetculos. [...] Marginalizados, perseguidos durante alguns sculos, bandos de funmbulos, danarinos, acrobatas, levaram vida miservel, de vilarejo em vilarejo,
proibidos de tudo, dis