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40 mortes em seisanos por causa dasondas que matam
O perigo está semprepresente, mas muitos nãoo vêem ou apenas ignoramque ele está ali mesmo à suafrente p4aB
MORTES NO MEÇO
As ondas que matamDesde 2007, pelo menos 40 pessoas morreram apanhadas por ondas junto à costa portuguesa.São ondas normais, dizem os especialistas, que avisam para um maior perigo no Outono e Inverno
Simulações do Instituto Hidrográfico sugerem que, à meia-noite do dia 14, o Meço estava com ondas de três metros de altura
Ricardo Garcia eCamilo Soldado
0perigo está sempre presen-te. Muitos não o vêem ou
apenas ignoram que ele es-tá ali à sua frente. É por isso
que pelo menos 40 pessoasmorreram arrastadas por
ondas em Portugal desde 2007 (vertexto nestas páginas).
Nos relatos de acidentes como o
que há uma semana vitimou seis es-
tudantes numa praia do Meço, pertode Lisboa, há um padrão comum:uma onda veio do nada, derrubou-os e levou-os para sempre.
Segundo especialistas ouvidos pe-lo PÚBLICO, não há motivo de sur-
presa na existência de tais ondas de
poder letal. A razão é simples: elasexistem sempre, são um dado adqui-rido, sobretudo fora do Verão.
Das 40 mortes provocadas poracidentes do género, 70% ocorre-ram no Outono e no Inverno. E fazsentido que assim seja. As praiasem Portugal ficam nessa altura mais
perigosas por um conjunto de ra-zões, algumas das quais ninguémvê literalmente. Uma delas está a
dezenas, centenas ou milhares de
quilómetros da costa: o vento quevarre o Atlântico com força, duranteas sucessivas vagas de mau tempoentre Outubro e Março. E o vento é
a origem das ondas.A outra está debaixo de água: o
perfil do fundo do mar junto à orla,que se transfigura neste período. NoVerão a inclinação é reduzida, ouseja, o banhista vai mais longe atéficar sem pé. As ondas começam a
quebrar mais longe e vão dissipandoa sua energia.
Já no Inverno, o mar escava apraia e transporta a areia para den-tro da água, formando fundões ebarras. As ondas têm tendência paraquebrarem de forma mais violentamesmo junto ao areal (ver infografianestas páginas).
"As praias são mais perigosas noInverno", assegura o comandante
Santos Martinho, chefe da Divisãode Oceanografia do Instituto Hidro-gráfico.
Há praias que têm este perfil de
Inverno praticamente ao longo detodo o ano. O Meço é uma delas. A
explicação mais plausível é a de queos sete estudantes da universidadeLusófona - dos quais apenas um es-
capou com vida - foram apanhadospor aquilo a que se chama uma onda
"colapsante". São típicas de praiascom um fundo muito inclinado, naqual a rebentação ocorre pratica-mente sobre a orla, com a onda li-teralmente a tombar sobre a areia,provocando uma grande quantidadede espuma.
A cadência natural da agitaçãomarítima dá facilmente uma falsa
sensação de segurança a quem es-tá à beira da água. As ondas vêmem conjuntos e, dentro destes, há
sempre algumas de maior dimen-são. Não será sempre uma em sete- como diz a tradição popular. "Mashá sempre uma frequência", asse-
gura José Paulo Pinto, investigadortambém do Instituto Hidrográfico.
Tanto maior será a ilusão quantomaior for o período das ondas, ouseja, o intervalo entre cada uma -pois levará mais tempo até que surjauma maior. "Naquele dia o períodoera grande", recorda o comandanteSantos Martinho.
As simulações do Instituto Hidro-gráfico sugerem que à meia-noitede sábado, dia 14, pouco antes doacidente ocorrer, as ondas no Meçoestavam com um intervalo de 15 se-
gundos e com uma altura significati-va de cerca de três metros. Como es-
te último indicador é uma média dasondas mais altas, na prática poderãoter ocorrido ondas de quatro, cinco
ou, no limite, até seis metros.Sob tais condições - ondas muito
grandes mesmo em cima do areal - a
única posição segura é permanecernuma zona seca, e jamais com os pésdentro da água. "Uma onda destasnão vai buscar uma pessoa ao meioda praia", afirma Paulo Pinto.
Mas neste tipo de acidentes, pormais que o comportamento da na-tureza seja previsível, há um sempreum factor humano. "As pessoas nãotêm consciência dos processos na-turais. Não sabem ler os sinais queo mar está a colocar", alerta a geó-grafa Maria José Roxo, do Departa-
mento de Geografia e PlaneamentoRegional da Universidade Nova deLisboa.
Mortes por arrastamento de on-das são um desastre natural, diz a in-
vestigadora. "As pessoas colocam-seem situação de risco, mas o agenteé natural", afirma.
A mesma opinião tem José LuísZêzere, do Instituto de Geo-
grafia e Ordenamento do Territórioda Universidade de Lisboa. "Numasérie mais longa, os acidentes [co-mo o do Meço] acabam por se en-quadrar num padrão de temporaloceânico", afirma. "E isto pode serestudado, há seguramente trabalhoa fazer aí".
Há muito também por fazer nou-tros domínios. Existe pouca infor-
mação pública sobre a segurançadas praias no Inverno. As campa-nhas de prevenção de acidentesocorrem sobretudo no Verão, porrazões óbvias. Nessa altura, uma das
mensagens que se procuram trans-mitir é sobre os riscos dos agueiros,que são tão ou mais perigosos noInverno.
Na linguagem técnica, os agueirossão conhecidos como correntes deretorno: a água corre de volta parao mar, concentrada em pontos da
praia onde há um canal mais fundoou uma abertura numa barra. Ascorrentes podem atingir velocidadesde um a dois metros por segundo.Pode parecer pouco - equivalem a
3,6 a 7,2 quilómetros por hora - masnão é. "A um metro por segundo,com água pelo joelho, ninguém se
mantém em pé", garante o investi-
gador António Pires Silva, do Centrode Estudos de Hidrossistemas, doInstituto Superior Técnico.
No Inverno, mesmo sem os aguei-ros, a rebentação pode bastar paraum resultado trágico. Pires Silva
explica que a energia concentradanuma onda não só é enorme, comoaumenta exponencialmente, emfunção da sua altura. Facilmenteuma pessoa é derrubada. O vórti-ce que é formado depois de reben-
tação pode puxar o corpo para o
fundo, envolvendo-o no turbilhão.Se não houver hipótese rápida deretornar à superfície e recuperar ocontrolo, a morte por afogamento
é certa e rápida, uma questão de
poucos minutos, cinco no máximo."A morte raramente tem a ver
com a força da onda sobre o cor-po. O que acontece é que as pessoassão derrubadas, arrastadas", explicaAlexandre Tadeia, presidente da Fe-
deração Portuguesa de NadadoresSalvadores. "Nesta altura do ano, as
pessoas devem-se afastar do mar",avisa.
Muitos acidentes são de outraordem, e envolvem ondas que gal-gam rochas, molhes, paredões oupasseios junto ao mar. Doze das 40mortes desde 2007 são de pescado-res, alguns deles desportivos, queapanham marisco ou pescam à linhasobre as rochas.
Mais uma vez, não há nada de ex-traordinário nas ondas grandes quesurpreendem quem está junto aomar. "São ondas normais", afirmao comandante Santos Martinho, do
Instituto Hidrográfico. Mesmo nocaso do Meço, não há razão parasupor que se tenha tratado de algoanómalo. "A questão é que não hou-ve nenhum tipo de onda especial",diz Alexandre Tadeia.
"É normal estarmos dentro de
água, a surfar ou fotografar, e de re-
pente aparecem ondas claramentemaiores do que o esperado", corro-bora Ricardo Bravo, fotógrafo de surf.
Pires Silva, do Instituto SuperiorTécnico, relembra que, com ventopredominante de noroeste e como enorme Atlântico à nossa frente,o mar será sempre bravo em Por-tugal. "O vento a soprar durantehoras transfere para o mar umaquantidade inimaginável de ener-gia", afirma.
Talvez por isso, a esmagadoramaioria dos acidentes com vítimas
que foram arrastadas por ondas te-nha ocorrido na face atlântica do
país. "Os portugueses deviam estarpreparados para isto", diz o investi-
gador. "O mar é perigoso".
InstitutoHidrográficoprepara sistemade alerta para opróximo Verão
Informação sobre risco de formaçãode agueiros nas praias deverá estardisponível nos próximos meses
Ricardo Garcia
olnstituto0
Instituto Hidrográficopretende lançar aindaeste ano um sistema de
informação sobre o riscode formação de agueiros -um dos maiores perigos nas
praias portuguesas.Segundo o Instituto de Socorros a
Náufragos, a esmagadora maioria das
pessoas que morrem nas zonas balne-ares costeiras no Verão é empurradapara longe do areal por estas corren-
tes de retorno, que são comuns emqualquer praia. No Inverno, tambémas correntes são um grande factor derisco, somado ao perigo das agitaçãomarítima mais forte e das ondas jun-to à praia. Nalguns casos, os agueirosformam-se em locais mais ou menosdeterminados. Mas em grande partesurgem aleatoriamente, conforme as
modificações que a própria agitaçãomarítima realiza nos fundos.
Com base em informação estatís-tica e dados de modelação da agita-ção marítima, a ideia do Instituto Hi-
drográfico (IH) é poder alertar paramomentos e locais onde haja riscode formação dos agueiros. "É umproduto que tencionamos ter activonos próximos meses, com certezaantes da próxima época balnear",afirma o comandante Santos Mar-tinho, chefe da Divisão de Oceano-grafia do instituto.
0 IH já tem disponíveis alguns pro-dutos de informação sobre a agitaçãomarítima, incluindo dados específi-cos sobre as condições de mar, des-
tinada a surfistas.Nos Estados Unidos, as autorida-
des marítimas, sobretudo na costaOeste, divulgam, junto com a infor-
mação sobre as condições de marpara o surf, alertas sobre a possibili-dade de ocorrência de ondas perigo-sas juntos à praia, como as do Meço.
Casos de pessoas que morrem ar-rastadas por tais ondas são comunsna Califórnia, por exemplo, muitasvezes envolvendo donos de cães
que tentam salvar os seus animais."Se o seu cão for arrastado, dê-lhe
a oportunidade de nadar de volta",aconselha a Guarda Costeira norte-americana, num aviso dedicado a
estes casos em particular. Os cãesnadam melhor do que os humanos.Sete pessoas morreram no Norte daCalifórnia entre 2008 e 2012 tentan-do resgatar os seus animais. Só umcão morreu.
Os conselhos para evitar o risco de
ser apanhado por uma onda inespe-rada no Inverno são universais. "Nun-ca virar as costas ao mar" e "não fre-
quentar a praia durante a noite" são
dois dos avisos recomendados pelocomandante Nuno Leitão, do Insti-tuto de Socorro a Náufragos. Não se
aproximar da área onde as vagas che-
gam e muito menos tomar banho de
mar nessa época são outros.Publicitar conselhos em folhe-
tos, placas ou sites na Internet, noentanto, pode não ser suficiente. A
educação sobre os riscos das praias"tem de ser implantada nas escolas",diz Alexandre Tadeia, presidente da
Federação Portuguesa de NadadoresSalvadores. "É fundamental".
Os perigos que vêm com o inverno
No Inverno, as praias tornam-se mais perigosas. É quando há mais mortes de pessoas,apanhadas por grandes ondas junto à orla. As fotos abaixo mostram a praia do Meçono Verão, mais calma e com mais areia, e no Inverno, com ondas maiores e agueiros
Sete anos, 40 mortes2013Acontece todos os anos, masa onda que vitimou os seisestudantes no Meço constitui ocaso onde os números ganhammaior expressão. Antes doMeço, já se contavam cincofatalidades neste ano. Em Maio,um casal idoso de francesesfoi arrastado por uma onda
que invadiu a praia da Nazaré,onde os turistas passeavam.Apenas um mês antes o mesmoaconteceu com outro turista,desta vez belga, numa arriba emPeniche. Já no início do ano, a 29de Janeiro, quatro portuguesasforam surpreendidas por umaonda que invadiu o paredão,em São João do Estoril. Três
conseguiram escapar com vida.
2012A l 6de Dezembro, outraonda arrancou às rochas da
Carrapateira, Aljezur, umhomem que pescava a doismetros acima do nível domar. Em Setembro, um turistaalemão foi surpreendido poruma onda na praia da Nazaréquando já, poucos dias antes,a 21 de Agosto, avô e neta denacionalidade inglesa tinhamsido arrastados na praia doSalgado, escassos quilómetrosa sul da Nazaré. Em Matosinhos,uma avó tentou resgatar a netapuxada por uma onda quandopasseava na praia e acaboutambém por não resistir à forçado mar.
2011O mês de Setembro viu repetir-se a tragédia de Fevereiro,quando outro pescador foi
surpreendido por uma onda nomolhe norte da Barra do Douro,no Porto. Na praia de Lavadores,em Gaia, também em Fevereiro,dois jovens acabaram por sercolhidos por uma onda, por voltadas oito da manhã. No mesmomês, um pescador desapareceuna baía do Tagarete, na ilha deSanta Maria, Açores, e o mesmoaconteceu com duas jovens na
praia da Laje, Madeira.
2010A lO de Novembro, um passeiono paredão da praia da Vaqueira
levou um emigrante à morte,quando foi surpreendido poruma onda, não tendo depoisresistido à força das águas.Ainda durante a época balnear,um jovem foi molhar os pés emAver-o-Mar, Póvoa de Varzim,quando uma onda o arrastou. Já
em Fevereiro se tinha registadouma fatalidade em Peniche,quando um jovem biólogomarinho foi apanhado pelaviolência de uma onda, num diaem que o mar estava agitado.
2009A morte de uma criança levada
por uma onda na praia daQuebrada, Matosinhos, terásido talvez a mais mediáticodas situações, devido ao
grau de parentesco com umconhecido jogador de futebol. A
15 de Março, uma onda vitimouuma criança que brincava na
praia com outras três, que se
conseguiram salvar. No final de2012, um pescador desportivo foitambém surpreendido por umaonda que o arrastou da praia doTamariz, no Estoril.
2008Foi um ano negro em Sagres. Nomês de Fevereiro, três pessoasforam levadas pela força do marem duas situações diferentes.Com 12 dias de diferença, umpescador desportivo e doisturistas alemães foram puxadosdas encostas rochosas peloímpeto do mar. Em Albufeira,dois meses mais tarde, umaturista holandesa viria a tera mesma sorte, tendo sidosurpreendida por uma onda,quando se encontrava nasescadas da praia do Inatel.Em Dezembro, na zona oestedo Funchal, uma criançadesapareceu levada pelo marenquanto pescava com o painuma área rochosa.
2007Na Praia das Maçãs, em Sintra,a 13 de Fevereiro, o mar fezas vítimas mais recorrentes.Três pescadores desportivos,instalados nas rochas, são
surpreendidos por uma ondamaior que os atinge e osarrasta para o oceano. Dois dospescadores acabaram por serresgatados pelos bombeiros,mas o terceiro acabou pordesaparecer.