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ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS REVISTA BRASILEIRA DE publicação da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional ISSN 1517-4115

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Estudos urbanos e regionais

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  • ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

    REVISTA BRASILEIRA DE

    publicao da associao nacional de ps-graduao

    e pesquisa em planejamento urbano e regional

    ISSN 1517-4115

  • REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAISPublicao semestral da ANPUR

    Volume 5, nmero 2, novembro de 2003

    EDITOR RESPONSVELMarco Aurlio A. de Filgueiras Gomes

    Henri AcselradCOMISSO EDITORIAL

    Geraldo Magela Costa (UFMG), Maria Flora Gonalves (Unicamp), Norma Lacerda (UFPE)

    CONSELHO EDITORIALAna Fernandes (UFBA), Carlos Bernardo Vainer (UFRJ), Carlos Roberto M. de Andrade (USP/So Carlos), Circe Maria da Gama Monteiro (UFPE), Cllio Campolina Diniz (UFMG), Flvio Magalhes Villaa (USP),

    Frank Svensson (UnB), Frederico de Holanda (UnB), Jan Bitoun (UFPE), Lcia Valladares (IUPERJ), Marcus Andr B. C.de Melo (UFPE), Marta Ferreira Santos Farah (FGV/SP), Martim Smolka (UFRJ), Maurcio Abreu (UFRJ), Milton

    Santos (USP) in memorian, Tania Bacelar (UFPE), Tnia Fischer (UFBA), Wilson Cano (Unicamp), Wrana Panizzi (UFRGS) COLABORADORES DESTE NMERO

    Antonio Albino Canelas Rubim (UFBA), Carlos Antonio Brando (Unicamp), Edmilson Lopes Jnior (UFRN), Elosa PettiPinheiro (UFBA), Fernando Lara (UFMG), Francisco de Assis Mendona (UFPR), Frederico G. Bandeira de Arajo (UFRJ),

    Gisela Aquino Pires do Rio (UFRJ), Hctor Alimonda (UFRJ), Pasqualino Romano Magnavita (UFBA), Roberto Jos Moreira (UFRJ), Rosngela Lunardelli Cavallazzi (UFRJ), Valeriano Costa (Cebrap)

    PROJETO GRFICOJoo Baptista da Costa Aguiar

    CAPA, COORDENAO E EDITORAO Ana BasagliaREVISO

    Fernanda SpinelliASSISTENTE DE ARTE

    Priscylla CabralFOTOLITOS

    Join Bureau de EditoraoIMPRESSO

    GraphBox Caran

    Indexado na Library of Congress (E.U.A.)

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais v.5, n.1,2003. : Associao Nacional de Ps-Graduao ePesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editores responsveis Marco Aurlio A. de Filgueiras Gomes, Henri Acselrad : A Associao, 2003.

    v.

    Semestral.ISSN 1517-4115O n 1 foi publicado em maio de 1999.

    1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional). II. Gomes, Marco Aurlio A. de Filgueiras

    711.4(05) CDU (2.Ed.) UFBA711.405 CDD (21.Ed.) BC-2001-098

  • ARTIGOS

    9 DO PRUITT-IGOE AO WORLD TRADE CENTER PLANEJANDO A EX/IMPLOSO DO (PS)MODER-NISMO Clara Irazbal

    27 O TERROR SUPERPOSTO UMA LEITURA DOCONCEITO LEFEBVRIANO DE TERRORISMO NASOCIEDADE URBANA CONTEMPORNEA Alexan-dre Mendes Cunha, Frederico Canuto, Lucas Linharese Roberto Lus Monte-Mr

    45 REGIO, TERRITRIO E MEIO AMBIENTE UMA HISTRIA DE DEFINIES E REDEFINIESDE ESCALAS ESPACIAIS (1987-2001) Leila Christi-na Dias e Gislene Aparecida dos Santos

    57 RIO DE JANEIRO, A IMAGEM DA DIVISO SO-CIAL DA CIDADE NAS EMISSES TELEVISIVAS DAFRANA Alberto Najar e Sylvie Fgar

    75 JORGE DE MACEDO VIEIRA O ORGNICO E OGEOMTRICO NA PRTICA URBANA (1920-1960) Antonio Carlos Bonfato

    RESENHAS

    97 A seduo do lugar a histria e o futuro das cida-des, de Joseph Rykwert por Paola Berenstein Jacques

    99 Entre la ruta y el barrio: La experiencia de las orga-nizaciones piqueteras, de Maristella Svampa e SebastinPereyra por Javier Ghibaudi

    ESTUDOS URBANOSE REGIONAIS

    REVISTA BRASILEIRA DE

    publicao da associao nacional de ps-graduao

    e pesquisa em planejamento urbano e regional

    S U M R I O

  • ASSOCIAO NACIONAL DE PS-GRADUAO E PESQUISAEM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL ANPUR

    GESTO 2001-2003PRESIDENTE

    Maria Cristina da Silva Leme (FAU/USP)SECRETRIA EXECUTIVA

    Suzana Pasternak (FAU/USP)DIRETORES

    Helosa Soares de Moura Costa (UFMG)Leila Christina Dias (UFSC)

    Rainer Randolph (UFRJ)Sarah Feldman (USP/So Carlos)

    CONSELHO FISCAL

    Eva Machado Barbosa Samios (UFRGS)Paulo Castilho Lima (UnB)

    Virgnia Pitta Pontual (UFPE)

    GESTO 2003-2005PRESIDENTE

    Heloisa Soares de Moura Costa (IGC/UFMG)SECRETRIO EXECUTIVO

    Roberto Luis de Melo Monte-Mr (CEDEPLAR/UFMG)SECRETRIA ADJUNTA

    Jupira Gomes de Mendona (NPGA/EA/UFMG)DIRETORES

    Ana Clara Torres Ribeiro (UFRJ)Ana Fernandes (UFBA)

    Brasilmar Ferreira Nunes (UnB)CONSELHO FISCAL

    Carlos Roberto Monteiro de Andrade (USP/SC)Jos Antnio Fialho Alonso (FEE)

    Sonia Marques (UFRN)

    Apoios

  • 5R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S , V. 5 , N . 2 N OV E M B RO 2 0 0 3

    E D I T O R I A LO lanamento deste nmero da Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Re-

    gionais destaca-se por duas importantes caractersticas: a primeira, porque elemarca o encerramento da etapa na vida da revista em que ela esteve sediada noPrograma de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Fe-deral da Bahia, em Salvador; e a segunda, por ser uma edio preparada a qua-tro mos, com a participao, em todas as suas fases, do prximo editor da re-vista, na busca de uma transio que minimize os riscos inerentes a todamudana de sede.

    A trajetria de existncia da RBEUR, iniciada em 1999, em Campinas, pe-las mos de Maria Flora Gonalves (Unicamp), responsvel pela sua primeiraedio; continuada em Recife, sob a direo de Norma Lacerda e Lcia Leito(UFPE); e a seguir em Salvador, foi naturalmente marcada pelas dificuldadesinerentes ao lanamento de todo projeto de publicao cientfica no Brasil,agravadas por aquelas advindas da amplitude de sua proposta editorial. Porm,muito maiores do que as dificuldades foram os avanos alcanados. Ao longodessa curta existncia, a revista estruturou-se sobre bases firmes para o quetiveram papel fundamental a prioridade a ela concedida pelas sucessivas dire-torias da Anpur e a existncia de uma participativa Comisso Editorial, sem-pre profundamente envolvida com todos os aspectos da vida da revista ; che-gou marca de oito edies lanadas; constituiu um Conselho Cientfico e umcorpo de pareceristas de alto nvel; obteve o apoio do CNPq, atravs de seu Pro-grama de Apoio a Publicaes Cientficas; conquistou a classificao mximano Qualis (Capes); e buscou o aprimoramento constante de sua poltica edito-rial, de modo a contemplar a riqueza e diversidade dos diferentes campos dis-ciplinares que tm na Anpur um frum privilegiado para a discusso das ques-tes urbanas e regionais, destacando-se sempre por seu elevado nvelacadmico e grfico. Como bem sabem todos aqueles que militam no cam-po da edio cientfica no Brasil, estes no so ganhos de fcil obteno em tocurto perodo.

    Em sua rica diversidade, os artigos aqui reunidos apontam para novas pr-ticas, questionam formas estabelecidas de pensamento, refletem sobre a pr-pria produo da rea, exploram novas relaes e enriquecem a historiografiada cidade e do urbanismo no Brasil.

    Tomando como referncia a destruio em circunstncias bem diferen-tes de dois importantes cones da arquitetura moderna (o conjunto Pruitt-Igoe e o World Trade Center, ambos nos EUA), e tendo os acontecimentos do11/9/2001 como pano de fundo para problematizar o campo do planejamen-to, o texto de Clara Irazbal que abre esta edio coloca em cheque a atual ca-pacidade do planejamento em responder aos desafios socioespaciais e traz umasrie de sugestes de mudanas no campo de ao dos planejadores.

    A referncia explcita que ele faz ao terrorismo encontra um contrapon-to no artigo de Alberto Mendes Cunha et alii, sobre as possibilidades que o

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    pensamento, sempre rico e instigante, de Henri Lefebvre oferece para a leiturado mundo contemporneo e, em particular, o seu conceito de terrorismo e desociedade terrorista. Os autores analisam o tempo presente e a realidade urba-na em particular como sobreposio de terrorismos, chamam a ateno paraa dimenso interna do terror na reproduo da chamada sociedade burocrticade consumo dirigido e discutem as possibilidades de aplicao desses conceitosnos contextos diferenciados do centro e da periferia do capitalismo mundial.

    Seguindo em outra direo, o artigo de Leila Christina Dias e GisleneAparecida dos Santos apresenta uma contribuio de particular interesse, namedida em que, ao analisarem as transformaes recentes nos conceitos de re-gio, territrio e meio-ambiente, oferecem tambm uma reflexo sobre o pr-prio papel da Anpur como espao de difuso do conhecimento produzido narea. Analisando a produo veiculada nos Encontros Nacionais da Associao,elas apresentam aqui um balano sobre a temtica das escalas espaciais e iden-tificam novas direes nas pesquisas urbanas e regionais no Brasil.

    J o artigo de Alberto Najar e Sylvie Fgar analisa as relaes entre cidade emdia, divulgando aqui os resultados de uma pesquisa em farto material empri-co sobre as emisses televisas francesas que, de alguma maneira, abordaram, numarco temporal de quarenta anos, o tema das favelas no Rio de Janeiro. A minu-ciosa anlise empreendida pelos autores revela como, atravs das relaes entretexto e imagem da cidade, vo se alterando as representaes da favela carioca e, de certa forma, das cidades brasileiras veiculadas pela televiso francesa.

    Finalmente, o artigo de Antonio Carlos Bonfato insere-se na linha daque-les trabalhos que nos fazem pensar sobre os complexos caminhos de constitui-o de uma prtica urbanstica no Brasil, colocando em destaque a atuao deum profissional, o engenheiro Jorge de Macedo Vieira, que como muitos ou-tros engenheiros de sua gerao s agora tem reconhecida sua contribuiopara a histria do urbanismo.

    A esses artigos, soma-se a apresentao de duas resenhas: sobre o livro Aseduo do lugar: a histria e o futuro da cidade, de Joseph Rykwert, agora emedio brasileira; e sobre Entre la ruta y el barrio: la experiencia de las organiza-ciones piqueteras, de Maristella Svampa e Sebastin Pereyra, recentemente pu-blicado na Argentina.

    Finalizando, o editor que aqui passa o basto e aquele que o recebe agra-decem a contribuio de todos os que participam do esforo coletivo que fa-zer a RBEUR e reiteram a convico de que novos patamares sero com certezagalgados no processo de contnuo fortalecimento de nossa revista.

    MARCO AURLIO A. DE FILGUEIRAS GOMESHENRI ACSELRAD

    Os editores

  • ARTIGOS

  • DO PRUITT-IGOE AO WORLD TRADE CENTER

    PLANEJANDO A EX/IMPLOSO DO (PS)MODERNISMO

    C L A R A I R A Z B A L

    R E S U M O O artigo discute, em meio a conceitos de ps-modernidade, as semelhan-as na destruio de dois marcos da arquitetura moderna: o conjunto residencial Pruitt-Igoe(PI) e o World Trade Center (WTC). Argumenta que a destruio, tanto do PI como do WTC,deveu-se no apenas questo fsica (no PI, uma destruio planejada pela sociedade, e noWTC, uma destruio por ela no planejada); pelo contrrio, a queda de ambos os edifciosseria uma materializao do fim do pensamento modernista, do qual seriam smbolos. Con-trariamente ao que foi dito a respeito do 11/09/2001, prope que naquela hora o mundo jhavia mudado e que a destruio do WTC foi apenas a representao da mudana. Seguindoessa argumentao, o artigo prope inovaes no campo do planejamento e da arquitetura, as-sim como novas concepes para espaos contemporneos, a exemplo dos projetos do novo WTC.

    P A L A V R A S - C H A V E Arquitetura moderna; ps-modernidade; Pruitt-Igoe; World Trade Center.

    Um avio no pode derrubar torres de palavras (...) Elas so fabricadas de um outro ti-po de poder, um poder que no se exibe, que no se faz visvel ou vergonhoso, mas que definitivamente um poder mais sutil e duradouro. Diante da violncia que derruba tor-res aqui e ali, ou que bombardeia cidades e mata crianas, monumentos de palavras mos-tram um caminho alternativo.

    Rafael Courtoisie, entrevistado por Rubn Wisotskia para El Nacional, 24 de novembro de 2001 (traduo da autora).

    (As)sustada diante de um sentido mais forte de destino comum pelo horror do 11 deSetembro de 2001, durante os doze meses seguintes a raa humana finalmente invocou odesejo de resolver assuntos muito difceis encarando-os. Em debates passionais (...) ela re-uniu com muito esforo suas ferramentas, discutiu meticulosamente as estratgias e esta-beleceu as parcerias criativas que se mostravam necessrias para o trabalho a fazer.

    Secretrio-geral das Naes Unidas, Kofi Annan, sobre o que ele esperava ver escrito nos livros de Histria em quinze anos. Londres, 25 de Fevereiro de 2002.

    Implodir estourar para dentro; o ato de desmoronar para um ponto interno, comoque por presso externa.Explodir desacreditar (explodir uma teoria); irromper violentamente por resultadode uma presso interna.

    Franklin Bookman Dictionary and Thesaurus.

    A produo do ambiente construdo tem sofrido o impacto do fim das iluses da modernidade. Idias modernas, baseadas na Histria concebida como um caminholinear do desenvolvimento humano e progresso contnuo, assim como a razo expressa

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  • atravs de planos e projetos como uma resposta clara aos problemas humanos no tmcumprido com as expectativas de solucionar a maioria dos problemas humanos, sendoque, em alguns casos, serviram mesmo para agrav-los. Dificilmente em outros casos ofim das iluses hegemnicas modernas se mostrou to evidente como no colapso fsicodo complexo de habitao popular Pruitt-Igoe (PI, Saint Louis, 1972) e, recentemente,do World Trade Center (WTC, Nova York, 2001). Esses eventos se tornaram drsticas me-tforas das exploses e imploses de teorias e prticas da arquitetura e urbanizao quemarcam nossa era, ainda com algumas conseqncias locais e globais imprevistas. Basea-do na destruio desses dois prdios renomados, esse artigo busca refletir no sentido etranscendncia da aplicao da (ps)modernidade na produo, destruio e reproduodo ambiente construdo.

    Este artigo rev, inicialmente, o fracasso do modelo PI, sua crtica local e sua aplica-o a outras experincias. Em seguida, discute o fracasso inerente ao modelo WTC, sua re-viso tanto local quanto no exterior, e questiona sua revalidao no mundo atual porexemplo, sua afirmao e seu feroz desdobramento no McWorld. Poder-se-ia argumentarque o fracasso do PI no pode ser comparado destruio do WTC. Por um lado, a demo-lio do PI foi algo planejado pelo consenso da sociedade; j a destruio do WTC nofoi planejada ( claro que foi planejada, mas no pela sociedade que fazia uso dos edif-cios). Pode ainda ser argumentado que a fundamentao racional para o colapso do PI foicorrigir algo que tinha sido mal feito isto , fazer o bem enquanto a queda do WTCfoi uma forma de destruir algo que tinha sido bem feito isto , fazer o mal. H verda-des parciais valiosas nessas afirmaes. Mas por mais que possa doer, esse artigo propeque seria muito ingnuo e chauvinista encarar os eventos assim. Portanto, colocando oseventos do 11/9/2001 como o pano de fundo sobre o qual podemos problematizar ocampo do planejamento, este artigo pretende ainda revisar o status quo no campo do pla-nejamento urbano e desvendar algumas novas perspectivas para essa entrada agitada dosculo 21.

    Contrariamente a percepes populares e oficiais e representaes que alegam que omundo mudou no 11/9, este artigo enfatiza a idia de que no 11/9 o mundo j havia mu-dado. Devido ao impacto das transformaes histricas no campo do planejamento, h anecessidade de uma reconstruo da arqueologia intelectual do planejamento, a remoodo entulho terico e prtico e a reconstruo, partindo do zero, num sentido filosfico.O desenvolvimento de uma nova teoria visando a compreenso da nova histria um es-foro corrente que demanda tempo e requer esforo coletivo. Enquanto isso, a tarefa po-de ser estrategicamente apoiada pela desestabilizao das instituies planejadoras. Muitaarrogncia e complacncia dentro do campo do planejamento e entre planejadores tem ti-do uma participao importante no baixo rendimento das respostas do planejamento aosdesafios socioespaciais. Enquanto condies estruturais mais amplas so difceis de trans-formar e s podem ser alteradas a longo prazo, as atitudes institucionais do planejamen-to podem ser submetidas a mudanas imediatas e eficientes. O artigo termina com su-gestes para atingir tais mudanas na educao e prtica do planejamento, alm derecomendaes para a reconstruo de Manhattan.

    D O P R U I T T - I G O E A O W O R L D T R A D E C E N T E R

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  • PRUITT-IGOE: O FRACASSO DO MODELO, SUA REVI-SO LOCAL E APLICAO A OUTRAS EXPERINCIAS

    O influente crtico de arquitetura e historiador Charles Jencks, em seu livro The languageof postmodern Achitecture, diz que podemos situar com preciso temporal a morte daArquitetura Moderna. De acordo com o autor, a arquitetura moderna morreurepentinamente e com uma sonora exploso (...) em St. Louis, Missouri, a 15 de Julho de1972, s 15:32 horas (aproximadamente), quando vrios blocos do infame Pruitt-Igoeforam dinamitados (...) pondo um fim ao seu sofrimento. Bum, bum, bum (1981, p.9).Trs dcadas aps esse evento icnico na histria da arquitetura, impressionante lembrarque o PI, projeto de habitao popular de 3.000 unidades, construdo entre 1952 e 1955,exemplificou a arquitetura abstrata e o planejamento modernos. Seu projeto, assinado porum dos mais preeminentes arquitetos do pas, Minuro Yamasaki, seguiu os princpios deplanejamento de Le Corbusier e dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna,e foi saudado como um exemplo do novo iluminismo. O PI chegou a ganhar prmios doInstituto Americano de Arquitetos quando foi desenhado, em 1951.

    O PI era uma construo alta, um projeto de moradia para pessoas de baixa renda,feito para substituir as envelhecidas casinhas enfileiradas. O complexo era formado por35 blocos de onze andares, num terreno de aproximadamente 24 hectares,1 acomodandocerca de 15.000 pessoas. Ruas convencionais, jardins e espaos semiprivativos foram subs-titudos, neste complexo, por ruas separadas para circulao veicular e de pedestres, e tam-bm por espaos separados por diferentes funes como playground, rea de lavanderia ecreche. O estilo arquitetnico purista do PI tinha o propsito de influenciar o comporta-mento de seus habitantes, supostamente propiciando uma conduta virtuosa. Este objeti-vo era influenciado pelo determinismo ambiental, com a idia de que a arquitetura e oplanejamento apenas, tidos como meras respostas fsicas a problemas sociais complexos,poderiam superar tais problemas e transformar a sociedade.

    Os arquitetos e planejadores da poca, juntamente com os governos local e federal,no tomaram a deciso de dinamitar o complexo por conta prpria. Ao invs disso, in-vestiram imensos esforos e recursos na tentativa de salv-lo. Foram os habitantes do PIque, sistematicamente, vandalizaram as construes at chegar ao ponto de, em janeiro de1970, serem tantas as janelas quebradas que fizeram com que a perda de calor provocas-se o congelamento do encanamento. Os canos se romperam e causaram estragos na ins-talao eltrica, deixando os moradores sem luz e sem aquecimento. A essa altura, os ha-bitantes tiveram que ser evacuados. Dois anos depois, o complexo foi dinamitado. Suademolio precedeu aquilo que viria a acontecer com vrios projetos similares no pas.

    No PI, os moradores foram suspensos no ar em edifcios de onze andares para man-ter o trreo e o primeiro andar livres para as atividades comunitrias. Os prdios pos-suam tambm corredores comuns a cada trs andares, para lavanderia, depsito de ma-teriais e lixo e cmodos compartilhados. Ocupado predominantemente por famlias depais solteiros vivendo de seguro desemprego, o projeto mostrou-se um desastre. Os am-bientes comunitrios, que eram dissociados das unidades, tornaram-se perigosos. Logoestavam cobertos com cacos de vidro e lixo. As caixas de correio no trreo foram van-dalizadas. Os corredores, sagues, elevadores e escadas eram lugares perigosos para tran-sitar e cobertos de pichaes, lixo e dejetos humanos. Os elevadores, lavanderias ecmodos comunitrios foram vandalizados, e o lixo acumulava-se ao redor de dutosno-operantes. Mulheres tinham que se reunir em grupos para levar seus filhos escola

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    1 N.T.: no original, 60 acres.

  • ou sair para fazer compras. O projeto nunca atingiu mais do que 60% de ocupao(MacDonald, 1996, p.13).

    Quando pessoas desempregadas eram trazidas para o complexo PI, elas se institucio-nalizavam como desempregados. O efeito era que o resto da sociedade comeava a perce-b-los efetivamente como pessoas no-empregveis. Ento, sem esperanas, eram abando-nados prpria sorte como sujeitos amarrados em uma espiral descendente de problemassociais. Ao contrrio das expectativas do arquiteto responsvel, as torres de habitao po-pular do PI sofreram 17 anos de vandalismo por alguns de seus residentes, e milhes dedlares foram dilapidados em tentativas fracassadas de mant-las habitveis.

    Do ponto de vista do planejamento, quais foram algumas das concepes que semostraram erradas no projeto do PI? As concepes fracassadas da arquitetura e planeja-mento modernistas, bem sintetizadas pelos CIAMs, haviam sido amplamente estabelecidas,pelo menos no Ocidente. Na poca do nascimento do projeto, vrias tendncias da cul-tura ocidental, incluindo a inevitabilidade do progresso na histria humana e a melhorasignificativa na qualidade de vida, atravs dos vrios avanos tecnolgicos e cientficos,deram forma ao ethos moderno. O PI simbolizava esses ideais/mitos da modernidade. Ho-je, o determinismo ambiental que inspirou sua arquitetura est fortemente desacreditadoe percebido como incrivelmente ingnuo. Na poca, no entanto, a noo no s era am-plamente aceita como era tambm fundamentada em doutrinas filosficas prestigiadascomo o racionalismo, o pragmatismo e o condutivismo.2 Alm disso, o racionalismo e opragmatismo da arquitetura e planejamento modernos fizeram desse complexo o produ-to de um processo de cima para baixo. Com o vandalismo do PI e sua subseqente de-molio, essas idias e mitos modernistas foram postos em dvida.

    Os prdios altos do PI pareciam timos em teoria, mas mostraram-se inabitveis naprtica. Muitos estudos tm analisado seu fracasso e o de outros projetos similares, almde seu devastador efeito sobre as minorias, as populaes pobres dos EUA. Um dos maisconhecidos exemplos um estudo feito por Oscar Newman, na obra Defensible space(1972). Newman argumentou que a falta de ambientes semiprivados, controlados e con-trolveis, os corredores longos e annimos, assim como a falta generalizada de personali-dade da arquitetura do complexo PI e de projetos similares contriburam para a maior in-cidncia de crimes nesses ambientes do que em outros projetos urbanos de realidadessociais similares, mas com caractersticas espaciais diferentes. O estudo de Newman con-clui que os residentes mantinham, controlavam e se identificavam com aquelas reas ni-tidamente demarcadas como deles. Espaos compartilhados por apenas duas famliaseram bem mantidos, enquanto os corredores divididos por vinte famlias e os elevadores,sagues e escadas compartilhados por 150 famlias eram desastrosos no evocavam sen-timentos de identidade ou qualquer forma de controle. Tais locais pblicos annimos tor-navam impossvel que os moradores chegassem a um acordo sobre o que seria considera-do um comportamento aceitvel nessas reas, ou desenvolvessem ou exercessem umsentido de propriedade, ou a capacidade de diferenciar um morador de um intruso.

    Outros analistas alegaram que os projetistas erraram em no incluir no projeto in-formaes especficas dirigidas aos futuros moradores, aos bombeiros, policiais, entrega-dores e responsveis pela manuteno. Se os clientes e os projetistas do PI tivessem mo-delado os usurios, e ento utilizado tais usurios no processo de projeo, a construopoderia ainda existir at hoje. Incluir o grupo apropriado de usurios no processo decriao de um projeto crucial para o gerenciamento de risco do projeto (Gause & Lawrence, 1999). De acordo com essas noes amplamente aceitas no planeja-

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    2 N.T.: no original, conduc-tism; condutivismo uma for-ma pouco usada de behavio-rismo (Dicionrio Houaiss).

  • mento, a incorporao de futuros usurios e a adoo de critrios de espao defensivo emprojetos podem no somente reduzir o ndice de criminalidade e estimular o reinvesti-mento privado como tambm promover e manter a integrao econmica e racial, almde contribuir para criar uma forma barata de produzir moradia popular.

    Ser que os arquitetos e planejadores de hoje aprenderam as lies do PI? Podera-mos, meio precocemente, responder que sim, porque nenhum planejador ou arquitetoocidental ousaria pensar em construir algo similar nos dias de hoje... pelo menos, no nosEUA ou na Europa Ocidental. Mas quase assustador ver cidades do terceiro mundo,particularmente na sia, serem ocupadas por projetos neo-Pruitt-Igoe com concepo detipo ocidental. Este processo fez que a terica cultural Jane M. Jacobs fizesse uma crticaps-colonial aos edifcios altos (Jacobs, 2000). Sero esses prdios residenciais altos apro-priados para aquelas sociedades, contrariamente sociedade americana? Sua tipologia per-mitir a criao de cidades mais habitveis naquelas regies? So ambientalmete sustent-veis? Alguns arquitetos e planejadores urbanos tm dito que as pessoas desses pasesreivindicam conjuntos residenciais verticalizados e, portanto, esto recebendo o que pe-diram. Uma questo tica surge: podem os projetistas profissionais fazer isso de forma ti-ca, mesmo estando conscientes das conseqncias negativas desta tipologia? Sero os de-sejos dos asiticos de construir PIs, se isto for realmente fato, originrios de umainterpretao genuna da realidade e de suas necessidades, ou estaro eles sendo incons-cientemente guiados pelos desejos implantados pela hegemonia dos ideais modernistasem geral, e do imaginrio americano em particular?

    Essas questes podem e devem ser o assunto de outros estudos. Para o propsito des-te artigo, fundamental colocar que o modelo da arquitetura e do planejamento moder-nistas objetivados no complexo PI explodiu nos dois sentidos associados ao termo noFranklin Bookman Dictionary and Thesaurus: a teoria moderna subjacente foi levada a des-crdito, devido ingenuidade inerente s doutrinas do racionalismo, do pragmatismo edo condutivismo; e literalmente foi demolido violentamente como resultado de umapresso interna, isto , dos problemas sociais reais que o complexo reuniu e intensificoupara seus prprios residentes.

    WORLD TRADE CENTER: O FRACASSO DOMODELO, SUA REVISO E... SEU RETORNO?

    O arquiteto, tanto do PI quanto do WTC, foi o mesmo: Minuro Yamasaki (1912-1986).3 Seu primeiro projeto significativo foi o PI, para o qual ele projetou simples estru-turas modernistas de concreto. Ele tambm desenhou vrios sofisticados aeroportos inter-nacionais, e foi o responsvel pelo projeto das torres do WTC, com aproximadamente 408metros de altura. Seguindo, numa coincidncia perversa, o destino das torres PI, as torresdo WTC tambm foram destrudas, dessa vez num ataque terrorista em 11 de setembro de2001, aps dois avies comerciais colidirem com elas.4 A imprensa internacional rapida-mente declarou que o mundo mudou s 10h28 da manh do dia 11 de setembro de 2001,quando as torres ruram. E se a arquitetura modernista morreu no dia 15 de julho de1972, s 3h32 da tarde, ento a ps-modernidade nasceu em 11 de setembro de 2001, s10h28 da manh.

    O WTC era um complexo de edifcios ao redor de uma praa central em Nova York.As qualidades estticas do complexo eram inferiores s do Empire State, do edifcio

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    3 Yamasaki era um arquite-to americano, nascido emSeattle, Washington, um ni-po-americano de segundagerao. De um passadopobre, ele pagou seus es-tudos na Universidade deWashington trabalhando nu-ma fbrica de enlatar sal-mo. Depois de se mudarpara Nova York na dcadade 1930, ele conseguiu umemprego na firma de Shre-ve, Lamb e Hermon, projetis-tas do edifcio Empire State.

    4 No foi a primeira vez queo simbolismo do WTC atraiuterroristas. Em 26 de feve-reiro de 1993, uma bombacolocada por terroristas ex-plodiu na garagem do sub-solo da torre norte. Seispessoas morreram e maisde mil ficaram feridas. Seisconspiradores islmicos fo-ram condenados pelo crimea 240 anos de priso cadaum, em 1997 e 1998.

  • Chrysler e do Rockefeller Center. Sua presena agressiva na parte sul de Manhattan e suasimplicidade formal fizeram do complexo uma das mais marcantes implementaes datica arquitetnica de Le Corbusier, do minimalismo de Mies van der Rohe, assim comoda expresso seminal das tendncias gtico-modernistas de Yamasaki (Segre, 2001).Construdo no incio da dcada de 1970 sob os auspcios da semi-autnoma Port Au-thotity of New York e New Jersey, o WTC era formado por sete edifcios, mas sua partemais notvel eram as torres gmeas. As torres do WTC repetiam por 110 andares uma es-trutura em filigrana de ao, e possuam aproximadamente 3.000.000 de metros quadra-dos5 para aluguel de escritrio. De acordo com Jencks, esta a repetio extrema do Ca-pitalismo Tardio (Jencks, 1980 63, do autor). Quando as torres foram completadas em1972 (torre um) e 1973 (torre dois), eram os dois edifcios mais altos do mundo, 30 me-tros6 mais altos que o Empire State.7 O WTC se tornou um smbolo de Nova York no sdevido ao seu tamanho desproporcional mas tambm porque, em qualquer dia comum,cerca de 50.000 pessoas trabalhavam em suas torres.

    O WTC estava sendo construdo quando o PI foi destrudo, depois que duras crticas arquitetura e urbanismo modernistas haviam j sido publicadas e amplamente reconhe-cidas e articuladas por Jane Jacobs e outros. O WTC sintetizava todos os aspectos que essaautora criticava. Em seu livro clssico, The Rise and Fall of Great American Cities (1964),Jacobs louvava as ruas de Greenwich Village, a apenas alguns quarteires do WTC, comopreciosos espaos capazes de nutrir um sentido de lugar, comunidade e diversidade. As tor-res de Yamasaki, por outro lado, eram a mais evidente representao das torres de Le Cor-busier, isoladas na paisagem. A fascinao moderna pela tecnologia, assim como sua ex-plorao, atingiram sua altura mxima nas torres. Ento, alm das crticas sociais eestticas, sua arquitetura moderna tambm foi questionada por sua relao sem mediaocom a especulao imobiliria ao se tornar um smbolo do capitalismo ocidental.

    Desde seu surgimento, o WTC foi um smbolo arrogante de poder. As torres foramcriticadas desde sua construo. Houve uma extensa controvrsia sobre a segurana dastorres em caso de emergncias. Yamasaki sofreu ataques terrveis pela imprensa espe-cializada e pela imprensa popular. O Corpo de Bombeiros de Nova York protestou ale-gando que seria impossvel combater incndios no prdio e tentou impedir sua constru-o, sem sucesso, como tambm tentaram vrias outras agncias e associaesprofissionais. Os edifcios foram erguidos em porte e altura muito acima do permitido pe-los cdigos municipal e de zoneamento. No entanto, o Port Authority of New York, umaagncia quase governamental com poderes excepcionais, herdados do regime de RobertMoses, foi especificamente contra a sujeitao do WTC ao cdigo de zoneamento de No-va York. As torres eram significativamente fora da escala de qualquer outra construo emManhattan e eram consideradas pela Port Authority um smbolo de poder. Os setoresimobilirios, de construo e financeiro eram tambm fortes defensores do projeto(Cryptome, 2002). O grosso do trabalho foi feito por um dos charlates comerciais de No-va York, bem versado na prtica imobiliria de maximizar o uso da terra.

    As imensas torres gmeas funcionaram, no palco de Manhattan, como grandes n-coras para a cidade. Desde aproximadamente a virada do sculo, os arranha-cus de No-va York subiram s alturas do capitalismo global, escalando acentuadamente durante asduas Guerras Mundiais e a Guerra Fria. O arranha-cu virou um smbolo dos valoresamericanos e do capitalismo global em particular. Desde ento, arranha-cus tm toma-do a imaginao de cidades, conselhos e corporaes no mundo inteiro. Esta tipologia mi-grou de Chicago e Nova York para pases que tentaram seguir os passos americanos e su-

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    5 NT.: no original, 10.000.000 ps.

    6 N.T.: no original, 100 ps.

    7 As torres mantiveram orecorde de altura por poucotempo. Enquanto estavamsendo concludas, as obrasda torre Sears, em Chicago,j haviam iniciado. Essa tor-re atingiu a marca de, apro-ximadamente, 435 metros.Desde a destruio das tor-res, o Empire State voltou aser o edifcio mais alto deNova York, depois de quasetrinta anos como o terceiromais alto.

  • bir no bonde da globalizao econmica. Arranha-cus muito mais altos do que o WTCincluem o Centro Financeiro Mundial de Shanghai (aproximadamente 452 metros) e atorre Center of India em Katangi (aproximadamente 666 metros).8

    Como uma tipologia, o arranha-cu traz um status econmico e poltico de atraoglobal. Atravs dele, tenses entre o local e o global em cidades de todo o mundo eramexpressas pela produo de ambientes tradicionais/modernos/ps-modernos hbridos. Atipologia do arranha-cu sinaliza uma absoro cultural de tendncias da globalizao queencontram pouca resistncia entre as elites do governo, do planejamento e do projeto des-sas cidades. Alm disso, essas elites locais so os principais instrumentos pelos quais essascidades sofrem uma transformao que visa aumentar a atratividade para o capital nacio-nal e estrangeiro, enquanto instalam mecanismos de excluso social, econmica e espacialpara a maioria de seus cidados. Arranha-cus so construes simblicas deliberadamen-te estabelecidas como ferramentas de hegemonia atravs das quais uma pequena parcelaexerce controle poltico, econmico e cultural sobre sua sociedade num mundo globali-zado (Irazbal, 2003).

    Reconstruir ser o novo passo. Mas como o Baixo Manhattan dever ser reconstru-da? Surge um debate sobre planejamento urbano, com alguns especialistas clamando pe-lo fim dos arranha-cus, oferecendo uma alternativa para refazer a orla de Nova York nu-ma escala mais modesta, o que a anttese da cultura urbana de grandes prdios. Noentanto, h grandes perspectivas de competio sobre como reconstruir o Baixo Manhat-tan que apiam a preservao do status quo e da cultura (e culto) dos arranha-cus. Almdos pontos de estilo e simbolismo arquitetnico, h tambm foras do mercado imobili-rio que, nos estgios preliminares de projeto da reconstruo do WTC, ameaaram tomarconta. O que deve se esperar e fazer para reviver um cone arquitetnico global? (Schoolof Journalism and the Congress for the New Urbanism, 2001).

    Vrios arquitetos renomados, como Norman Foster e Richard Rogers, acreditamque a imploso das torres gmeas do WTC no significa o incio de uma nova era na ar-quitetura (Glancey, 2001). Sua viso de que a tipologia do arranha-cu vai prevalecer.Planejadores urbanos tendem a pensar diferentemente de arquitetos, pelo menos diferen-te das estrelas, sobre as conseqncias espaciais do 11/9. O planejador urbano e acad-mico Peter Marcuse prev que a construo de glamorosos e cada vez mais altos arranha-cus vai parar. Ele prev uma maior descentralizao das grandes cidades e umsubseqente aumento no recurso a paredes e divises, uma reduo e maior controle deviagens pessoais, alm de mais nfase na comunicao eletrnica. Para ele, as corporaesmultinacionais podem mudar seus padres espaciais para favorecer reas mais afastadas.Ele tambm antecipa o aumento de tendncias que antecedem o ataque ao WTC, comouma maior polarizao socioespacial entre cidade e subrbio e, dentro das cidades, a cria-o de um maior nmero de comunidades e cidadelas fechadas por muros, alm de espa-os pblicos se tornando cada vez menos pblicos sujeitos a uma superviso maior, por-tanto mais controlados (Marcuse, 2001, p.16).

    Sejam quais forem os tipos de desenvolvimento que surgirem, parece claro que, coma queda das torres, o modelo de arquitetura e planejamento modernos representado peloWTC tanto explodiu como implodiu de acordo com as definies atribudas aos termospelo Franklin Bookman Dictionary and Thesaurus. Explodiu porque a teoria por trs docomplexo foi desacreditada devido a sua excessiva nfase na monumentalidade e simbo-lismo do poder econmico se sobrepondo necessidade do povo; e tambm porque ruiuviolentamente por resultado de uma presso interna. O WTC tambm implodiu por cau-

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    8 N.T.: no original, 1.509ps e 2.222 ps, respecti-vamente.

  • sa de uma presso externa no nvel material, da coliso dos avies, e no nvel conceitual,da realidade dos problemas sociais que o complexo tanto simbolicamente quanto efetiva-mente (devido s operaes realizadas em seu interior) causaram e espalharam no mundo.

    Segundo o crtico de arquitetura e planejamento, Roberto Segre, podemos interpre-tar a demolio do muro de Berlim em 1989 como um fim, e a queda do WTC como umcomeo. O fim do muro de Berlim trouxe esperana para o fim de um mundo polariza-do, posteriormente unificado na cristalizao da modernidade por exemplo, o fim doantagonismo entre capitalismo e socialismo e o estabelecimento de bases para uma demo-cracia universal (com a unificao da Europa como a primeira concretizao dessa iluso).O ataque terrorista ao WTC materializou a fragmentao catica e ps-moderna que cons-titui a condio mundial atual, a ambigidade entre o real e o virtual; o fim das idias deprogresso social e material; a exacerbao das contradies entre alta tecnologia e fanatis-mos (religiosos ou imperialistas), e entre renda concentrada e vastos territrios de misria(Segre, 2001).

    No rastro do colapso do ethos moderno, estamos teoricamente vivendo na ps-mo-dernidade.9 Para alguns acadmicos, ps-modernidade representa um novo estgio do ca-pitalismo. David Harvey, por exemplo, explica a condio da ps-modernidade pelas for-mas socioculturais derivadas da crise de sobreacumulao na economia capitalista(Harvey, 1989, p.327-8). O ataque s torres pode ser interpretado como uma agresso aum smbolo primrio da hegemonia do capital global americano, e, portanto, a algumasdas mais notrias e amplamente aceitas mudanas sociais da era ps-moderna: o ps-for-dismo, a sociedade ps-industrial, a sociedade do espetculo e a cultura de consumo.10

    O MUNDO MUDOU: O PLANEJAMENTO PS-11/9 PODE MUDAR?11

    Muitos podem argumentar que o colapso do PI no pode ser comparado queda doWTC. Para comear, a demolio do PI foi algo planejado, foi por consenso da socieda-de; j a destruio do wtc no foi planejada (claro que foi planejada, mas de outro modo)pela sociedade que usava o edifcio. Pode ento se argumenta que a lgica para a destrui-o do PI foi a de corrigir algo que havia sido mal feito, para fazer o bem; j a destruiodo WTC foi para destruir algo que havia sido bem feito, para fazer o mal. H preciosas ver-dades parciais nessas afirmaes. Mas, doa a quem doer, esse artigo contesta o que seriaoutrora uma viso estreita, ingnua, chauvinista e etnocntrica desses acontecimentos.

    Benjamim Barber, em seu livro Jihad versus McWorld (1995), explicou que vivemosem um mundo interconectado que, de forma inconveniente para todo mundo, foi pola-rizado entre as foras da Jihad contra o McWorld. Por outro lado, Barber chama a Jihadde as foras de tribalismo desintegral e fundamentalismo reacionrio (p.xii). Ele descre-ve os guerreiros da Jihad como pessoas que detestam a modernidade a civilizao secu-lar, cientfica, racional e comercial criada pelo Iluminismo j que definida tanto por suasvirtudes (liberdade, democracia, tolerncia e diversidade) quanto por seus males (desi-gualdade, hegemonia, imperialismo cultural e materialismo) (p.XIV). So esses males queesto causando problemas desesperantes e a ira em pases do terceiro mundo e bairrosterceiro-mundistas em pases do primeiro mundo. A briga dessas pessoas, no entanto,no com a modernidade, mas sim com a ideologia neoliberal agressiva que procedeu emseu nome na busca por uma sociedade de mercado global que conduzisse a mais lucros

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    9 Ps-modernidade o es-tado em que se expressaceticismo em relao a no-es como o caminhar inevi-tvel do progresso, ou a ne-cessidade de continuarexplorando o meio ambientesem se preocupar com oefeito a longo prazo. Ps-modernidade indica umadescrena em teorias uni-versais, a suspeita generali-zada da autoridade e suasgrandiosas narrativas, euma preocupao de enco-rajar diversidade e diferena(Sim, 1999).

    10 O ps-fordismo enfatizaa fragmentao do mercadoem nichos e a produo doconsumo (Baudrillard, 1975).A sociedade ps-industrialse refere transformaode economias fordistas emeconomias informacionais,dependentes de informaoespecializada e comunica-o eletrnica. A sociedadedo espetculo e a cultura doconsumo apontam para ummundo em que identidadesso amplamente moldadaspelo marketing e pela mdia.

    11 Esse subttulo trabalha aidia da palestra de ManuelCastells no encontro anualda Association of CollegiateSchools of Planning (ACSP)em Austin, Texas, em 1990,entitulada: The world haschanged: can planning chan-ge?.

  • para uns do que justia para todos (p.XV). Por outro lado, Barber chama o McWorld deas foras de modernizao integrativa e globalizao econmica e cultural agressiva(p.XII). O que ocorreu nas duas ltimas dcadas no mundo uma globalizao assimtri-ca, em que o capitalismo se globalizou mas a democracia (instituies e governana cvi-ca) no. O capitalismo desmedido resultante tem se manifestado em prticas predatriasque causam misria generalizada, desesperana e morte.

    dentro deste contexto polarizado de antagonismo da Jihad versus McWorld quepodemos comear a compreender o ataque terrorista ao WTC. Podemos utilizar o ttulo deum dos romances mais celebrados do Prmio Nobel de Literatura, Gabriel Garcia Mr-quez, Crnica de uma morte anunciada, para rever a histria recente da poltica norte-ame-ricana e do Oriente Mdio, tentando entender o que aconteceu, quando e como. Isso de-veria ser, creio eu, um exerccio moral inescapvel para todos que no ser, no entanto,buscado aqui. Ao invs, o propsito deste artigo localizar os eventos do 11/9 como umpano de fundo para problematizar o campo do planejamento.

    Numa nova ordem mundial, vivemos uma interconexo sem precedentes. Essacondio inevitvel desvalida os mitos modernos de estados-naes soberanos. Barber,por exemplo, contesta o mito americano da independncia (unilateralidade, autonomiaetc.) e afirma que a construo do novo mundo que agora se faz necessrio clama poruma Declarao de Interdependncia. Nesse novo mundo, o sofrimento globalizadoe democratizado:

    Se no pode haver uniformidade de justia, haver uniformidade de injustia; se todos nopuderem compartilhar na fartura, o empobrecimento tanto material quanto espiritual ser o resultado. Essa a dura lio da interdependncia, ensinada pelos sombrios pedagogosdo terror. (Barber, 1995, p. xxiv.)

    A economista urbana Saskia Sassen afirma que superar o 11/9 requerer o reconhe-cimento de um grande horizonte de devastaes no Sul global do qual o Norte globalno pode escapar, e um plano de ao para enfrent-lo. Ela argumenta pela necessida-de de aes de governos via novos multilateralismos e internacionalismos especializados.E bem direta ao afirmar que de interesse do Norte global encarar esses assuntos, nomnimo, por uma viso utilitria estrita (Sassen, 2002).

    Ns, dolorosamente, vimos que as vtimas do WTC tinham rostos, nomes, vidas e so-nhos reais que foram brutalmente e injustificavelmente destrudos. Mas as vtimas ino-centes da guerra no Afeganisto tambm tinham, ou ento as vtimas inocentes da guer-ra no Iraque. Ns vivemos em um mundo interconectado e se ns, planejadores earquitetos, temos uma sensibilidade progressista e particularmente bem desenvolvida pa-ra capturar essa idia, como gostamos de pensar, ento devemos agir segundo essa com-preenso em nossas vidas profissionais e acadmicas. Agir impelidos por essa compreen-so pode implicar uma abertura radical sem precedentes ao outro que podemos ainda noter considerado. Ns, arquitetos e planejadores, que gostamos de nos ver como cada vezmais eficientes no planejamento para comunidades inclusivas para minorias, alm de pro-mover um planejamento participativo e uma democracia radical, em nossa prtica tantoprofissional quanto pedaggica. Mas ser que essas prticas louvveis realmente resultamna melhoria tanto de um conceito como de uma prxis de um mundo interconectado?Ser que a expresso popularizada pense globalmente, aja localmente nos limitou a vi-ses muito paroquiais para nossas aes e idias, ao invs de nos liberar para novas com-

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  • preenses mais inclusivas do novo mundo? Deveria essa expresso, to progressista, serposta em questo?

    Eu proponho mudarmos o pense globalmente, aja localmente para penseglocalmente, aja glocalmente. Isso traria implicaes especficas para o planejamento e oprojeto. Se transcendssemos o mito da independncia e soberania do Estado-nao,como mudaria a abordagem para o projeto de memoriais, por exemplo? Na histriarecente, o memorial do Vietn em Washington D.C. no teria sido concebido sem oreconhecimento respeitoso s vtimas vietnamitas da Guerra do Vietn; nem teria oMuseu da Tolerncia em Los Angeles sido criado sem considerar as vtimas no-judias da2 Guerra Mundial e do holocausto, ou do racismo nos Estados Unidos. No estaramosperpetuando a falta de compreenso se construirmos um memorial ao WTC semconsiderar as vtimas afegs da guerra subseqente ao atentado (sem contar as vtimas doconflito Israel-Palestina, ou vtimas futuras que podem surgir das ditas guerras contra oterrorismo no Iraque, Colmbia e outros pases)? Para alguns pode ser extremamentedifcil pensar nesses termos com a atual mentalidade nacionalista e pr-guerra na qual osEUA aparentemente tm vivido. No entanto, precisamente essa mentalidade e a polticaoriginada por ela (baseada nos mitos da independncia, soberania e hegemonia militar)que devem ser desafiadas e mudadas, se quisermos realmente triunfar sobre o terrorismo.

    Mas o planejamento no se resume a memoriais do passado; mais do que isso, sig-nifica ter uma viso e um direcionamento para o futuro. Que espcie de futuro ns, pla-nejadores, podemos conceber juntos, baseados nessa noo de um mundo interconecta-do? Que tipos de aes devem ser tomadas a curto e longo prazo para engrenar aconstruo de um futuro nessas direes?

    Com certeza nossas aes devem ser guiadas por uma tica humanista e sem conces-ses, que funcione to bem em terras americanas quanto no exterior. O que ser que taltica traria para o ensino e a prtica do planejamento? Para o ensino, implicaria dar maisnfase ao ensino da tica, alm do ensino tanto do planejamento local com uma viso in-ternacional quanto do planejamento internacional em si. Essas mudanas podem talvezimplicar conexes entre a pesquisa, a educao e a participao comunitria, muito fre-qentemente desconectadas por medo de se comprometer o rigor acadmico. Na prticade planejamento, implicaria dar mais nfase ao planejamento no somente para o localdo outro, mas para o global do outro. Isso pode implicar criar um elo entre a igualdadeglobal e a local, freqentemente separados intencionalmente por medo de comprometera fora do ativismo local e a aderncia poltica de grupos locais. Para educadores e profis-sionais da rea de planejamento, reencontrar-se com a tica humanista num mundo in-terconectado pode significar a problematizao do status quo na ao, tornando-se ativis-tas dos valores que carregamos em nossa rea.

    Somando-se a isso, para que essa problematizao e conseqente transformao dostatus quo seja eficiente, devemos agir tanto individualmente quanto no meio acadmico.Na breve histria da administrao Bush, por exemplo, foram tomadas muitas decisesagressivas que afetam negativamente tanto o planejamento urbano como a comunidadeglobal. H vrios assuntos urgentes, no entanto, nos quais a presena dos planejadores eda comunidade planejadora pequena. Por exemplo: as conseqncias do aquecimentoglobal sobre o meio ambiente so de uma relevncia imensa para o planejamento e, noentanto, ns, como planejadores, no tomamos uma forte posio coletiva e pblica con-tra a posio do governo dos EUA de no assinar o Tratado de Kyoto, ou tampouco fize-mos presso poltica ou propusemos alternativas sustentveis.12

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    12 Outros exemplos so: acarreira armamentista e oprojeto Guerra nas Estrelas,o desejo de sair de tratadosglobais de desarmamento erenovar a ameaa de um ho-locausto nuclear, a recusade reconhecer as resolu-es de Durban contra o co-lonialismo e a escravido, aindiferena Cpula Mundialde Johannesburgo sobre De-senvolvimento Sustentvel esua manipulao para preve-nir um exame detalhado dospadres de consumo do Pri-meiro Mundo etc.

  • Em 1990, o socilogo urbano e acadmico Manuel Castells fez um discurso no En-contro Anual da ACSP em Austin, Texas, intitulado: O mundo mudou. Pode o planeja-mento mudar?. Em sua fala, identificou conexes entre mudanas macrossociais e ocampo do planejamento. Argumentou que o mundo havia mudado: politicamente, como fim do comunismo; economicamente, pela transformao da economia global e a mu-dana da produo em massa para a especializao flexvel e produo em rede; tecnolo-gicamente, por uma revoluo informacional; cultural e socialmente, principalmente pe-la cultura feminista e o movimento ambientalista. Essas tendncias desafiaram as noesdo planejamento como uma racionalidade superior que substitui o mercado e a dinmi-ca individual. Elas tambm desafiaram a rigidez do planejamento comparada flexibili-dade dos mercados, culturas e sociedades. Por ltimo, o mundo tambm mudou espacial-mente com o surgimento do espao de fluxo vis--vis o espao de lugares. O espaode fluxo, Castells props, trazia a necessidade de espaos mais monumentais, simblicos,de significado e organizadores de hierarquia social, alm da proliferao de novas utopiasdesconexas de ideologias polticas.

    Se reconhecermos os argumentos de Castells, feitos em 1990, o mundo j havia mu-dado em 11/9/2001.13 No entanto, muitos no haviam notado, ou escolheram no faz-lo. O que os fatdicos eventos do 11/9 trouxeram tona foi a inevitvel e dolorosa verda-de de que o mundo havia realmente mudado. A partir do impacto das transformaeshistricas no campo do planejamento, Castells viu uma arqueologia intelectual de plane-jamento reconstruda, que parecia estar emergindo nos anos 90:

    Ela feita de uma combinao de design urbano, utopia apoltica e nfase metodolgica naperformance profissional de algumas funes tcnicas limitadas. Penso que essa uma versoempobrecida do que o planejamento tem sido e deveria ser. Design urbano um ingredientefundamental, essencial, da nossa tradio intelectual, mas no pode suprir a nica base materialpara a reconstruo da nossa rea em face das novas mudanas histricas (...) A proposta de novasutopias ainda precisa de alguma referncia, ainda que indireta, a projetos polticos que poderiamnos aproximar dos sonhos, ainda que para tra-los. Portanto, a reduo do planejamento articulao entre monumentalidade e utopia, sobrevivendo em rotinas dirias de zoneamento emodelagem estatstica seria, na verdade, o primeiro passo para o seu desaparecimento nas novasterras de um admirvel mundo novo de capitalismo selvagem. (1990, 12-3).

    Infelizmente, temos visto a evoluo no nvel global dessas tendncias nas ltimas d-cadas. A construo do WTC foi a concretizao dessas tendncias, que reduziram o planeja-mento articulao da monumentalidade ao poder. Hoje, essas tendncias ameaam alcan-ar um clmax raivoso na reconstruo do WTC em Nova York. Na contramo dessa posio,o que necessrio para o campo do planejamento a corajosa remoo de entulho tericoe prtico, e a reconstruo a partir do zero em termos filosficos. Castells diz novamente:

    Um mundo novo sempre uma terra de oportunidade. Mas somente se os atores detal oportunidade compreenderem a transformao e tiverem a esperteza de agir por contaprpria. O planejamento pode, na verdade deve, ter um novo comeo histrico somente seo campo em si e ns, como seus sujeitos, formos capazes de redefinir a fundao intelectualde nossa atividade de acordo com a nova poca na qual estamos entrando.(...) Acima de tudo, um mundo novo requer uma nova compreenso e, por fim, uma novateoria. A histria das cincias mostra que inovaes tericas tendem a acontecer nas fissuras

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    13 Aqui eu resumo as vozesdissidentes que contestam anoo oficial e popular deque o mundo mudou em11/9/2001. Agir sobre essanoo e no instilar essa no-o a outros d liberdade aogoverno americano para agirfora das leis federais e inter-nacionais e dos processoslegais tradicionais. Em umaconferncia em 24 de maiode 2002, a doutora MarilynYoung discutiu a transforma-bilidade do 11/9. Para ela,h uma continuidade na pol-tica externa dos Eua: a guer-ra contra o comunismo, locale externa, est sendo substi-tuda pela guerra contra ter-roristas islmicos fundamen-talistas (Jenks, 2002).

  • dos sistemas acadmicos. Acontece no espao entre conhecimentos, no qual a inovao possvel porque no sufocada pela disciplina imposta por aparatos do sistema acadmico.Acontece no campo interdisciplinar que o planejamento, sempre alternando entre inovaosem poder e irrelevncia articulada, onde fagulhas intelectuais podem atear o fogo de umanova teoria visando a compreenso da nova Histria. Assim o planejamento pode estar navanguarda intelectual do novo mundo ao invs de ser relegado s salas dos fundos da ltimaonda de especulao urbana. (1990, p.15-6.)

    O desenvolvimento de uma nova teoria visando a compreenso da nova Histria uma tarefa contnua, que exige tempo e requer um esforo coletivo. Por enquanto, a ta-refa pode ser estrategicamente reforada mexendo nas instituies de planejamento.

    DESCENTRALIZANDO O PLANEJAMENTO

    Desde 1990, quando Castells lanou o desafio do planejamento estar na vanguardaintelectual de uma nova teoria, visando a compreenso do novo mundo, no ocorrerammudanas significativas dentro da profisso. Isso se deve em parte a dificuldades estrutu-rais. No entanto, muita prepotncia e complacncia dentro do campo do planejamento eentre planejadores tambm tm contribudo para o problema. Enquanto as antigas con-dies estruturais so difceis de serem transformadas e s podem ser modificadas a lon-go prazo, geraes futuras podero colher os frutos de uma ao imediata. Aqui esto al-gumas sugestes: Criar grupos de planejadores para observar a ao de grupos, corporaes e governos em

    todos os nveis que afetam o planejamento. Com a American Planning Association(APA), o American Institute of Certified Planners (AICP) e a Association of CollegiateSchools of Planning (ACSP) coletando contribuies anuais voluntrias, planejadorespoderiam ajudar a manter os salrios de ativistas do planejamento e advogados quepesquisam, questionam e, quando possvel, desafiam publicamente e legalmente a aode grupos, corporaes e governos que se opem ao bem comum glocal, do mbitofederal ao municipal. Podem haver escritrios nacionais, estaduais e locais desses gruposde viglia colaborando entre si. Esses grupos poderiam se chamar 1000 Amigos doPlanejamento, a exemplo do 1000 Friends of Oregon e grupos de influncia noplanejamento de outras cidades e Estados.14

    Aumentar o nmero de moes e manifestos coletivos pblicos, referentes aos assuntosligados ao planejamento e visando a melhoria da qualidade de vida e o bem pblico.Novamente, escritrios nacionais, estaduais e locais de organizaes de planejamentodevem se tornar plataformas mais expressivas tanto para contestar polticas e prticasinapropriadas quanto para ajudar a definir outras polticas mais apropriadas.

    Organizar conferncias da APA e da ACSP em locais com programas que desafiam erenovam a compreenso de mundo dessas instituies, alm de seus programas dealcance educacional e de transformao. H outras instituies profissionais similaresque j tomaram atitudes importantes nessa direo. Por exemplo, a ACSP deve seguir ospassos da ACSA ou da Planners Network. Em junho de 2002, a ACSA realizou suaconferncia anual internacional em Cuba.15 Foi a primeira vez que uma associaoamericana fez algo similar desde 1959. Eu tive a sorte de participar dessa conferncia eacredito que a troca de idias que gerou e as experincias que propiciou enriqueceram

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    14 1000 Friends of Oregon uma firma de advocaciado interesse pblico quetem exercido o papel de gru-po controlador do uso deterras no Estado. Tem obti-do tanto sucesso que outrosEstados formaram seus pr-prios grupos 1000 Friends,como o 1000 Friends ofMinnesota.

    15 Conferncia Internacio-nal da ACSA 2002 em Hava-na, Cuba: Architecture, Cul-ture and the Challenges ofGlobalization. 21 a 24 dejunho.

  • em muito a compreenso dos participantes sobre a arquitetura e o planejamento em ummundo interconectado. De sua parte, tambm em junho de 2002, a Planners Networkrealizou sua conferncia anual em Holyoke, Massachusetts, uma comunidade que lutacom problemas ligados desindustrializao e a mudanas raciais/tnicas.16 A comissoorganizadora assegurou a incluso na conferncia de uma srie de eventos culturaistnicos (msica, dana, teatro) e passeios, assim como oradores das minorias da comu-nidade. Assim, o programa trouxe a maior e mais compreensvel aproximao dacultura latina e da pregao de grupos latinos nos EUA que poderia ser atingida nombito de um evento dessa espcie. Portanto, tornou-se uma importante janela parauma compreenso mtua do outro.

    Ousar reviver sonhos de planejamento, criar novas metas e tom-las no sentido de quese tornem realidade. Em 1973, o terico de planejamento urbano Kevin Lynch (1918-1984) props a criao de uma poltica urbana internacional. Ele chamou sua idia deum sonho maluco. Essa proposta visionria, no entanto, precisa ser revista e ter seupotencial explorado:

    Uma poltica urbana internacional talvez um sonho maluco, mas seria uma respostaracional ao acesso desigual aos recursos do planeta, poluio mundial, ao crescimento demetrpoles nos lugares errados e com capital inadequado, fome de trabalhadores rurais efavelados, imigrao por desespero e, em algum nvel, trama de conflitos internacionais.Uma poltica urbana mundial canalizaria recursos a reas rurais e subdesenvolvidas,direcionaria migraes por incentivos, criaria novas regies urbanas internacionais, deslocariatcnicas e recursos de nao a nao, (e) patrocinaria corporaes de desenvolvimentointernacional. Os obstculos polticos a essas polticas so to claros quanto a necessidadedeles. (Lynch apud Banerjee & Southworth, 1990, p.560; grifos meus).

    Para alguns, o 11/9 revelou a fraqueza das instituies mediadoras entre o globalis-mo hegemnico e o localismo fragmentado, sugerindo a construo de instituies regio-nais (Dallmayr, 2002). A criao de instituies como as Naes Unidas teria implicadotentativas importantes para atingir alguns dos objetivos sociais que Lynch visava, no ti-vesse sua eficcia sido to freqentemente comprometida por poderes econmicos e Es-tados nacionais poderosos. Recentemente, tratados internacionais para um desenvolvi-mento sustentvel e tentativas de estabelecer um sistema judicirio internacional tambmfraquejaram por causa de obstculos polticos e, no entanto, nunca a necessidade de taispolticas foi to urgente. Rever a filosofia e a racionalidade da arquitetura para torn-las mais comprometidas

    com as necessidades humanas e menos com os imperativos econmicos do capital global,e tambm mais eficiente em restaurar o equilbrio ecolgico entre os mundos artificial enatural. Fernando Lara, planejador e acadmico, sugeriu a reconsiderao da trade deVitruvius, propondo redirecionar a ateno para os temas da Firmitas (tolerncia, abrigo,proteo), ao invs da Utilitas (funo), que dominou a produo arquitetnica noincio do sculo passado, como tambm a Venustas (beleza, charme), que influencioudemasiadamente a produo arquitetnica das ltimas dcadas (Lara, 2001).

    Construir e promover ativamente uma tica humanista de desenho urbano. O ensaiode um projeto puramente esttico um bom exerccio intelectual e tem um valorartstico por e em si mesmo. Sem a criatividade artstica, a arquitetura e o desenhourbano se tornariam estreis. Mas a arquitetura e o desenho urbano no se encontram

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    16 Conferncia da PlannersNetwork 2002 em Holyoke,MA: New Visions for Histo-ric Cities: Bridging Divides,Building Futures. 13 a 16de junho.

  • no mbito das Artes Plsticas, j que suas produes so habitadas por pessoas reais ecom necessidades cotidianas reais. No entanto, muitas exibies e propostas de projetospara a reconstruo do WTC so carentes de qualquer fundamento social crtico ousequer tectnico sendo, no mximo, cascas vazias e bonitas.17 Deveriam as instituiesde planejamento, como a ACSP e a APA, aplaudir a atitude arrogante de algumas estrelasda arquitetura (e escritrios de arquitetura) ao projetarem novos arranha-cus para omarco zero do WTC, desconsiderando o contexto local/global como demonstradopor muitos dos projetos submetidos a essas exposies? Deveriam eles, ao invs disso,apoiar propostas que visam espelhar o que havia no terreno do WTC, mostrando no sa falta de imaginao mas, pior ainda, a falta de uma prtica reflexiva por parte dosprojetistas, planejadores e construtores como demonstrado por muitas dasconcepes apresentadas pela Comission for Redevelopment of Lower Manhattan emJulho de 2002? Eu sugeriria que a ACSP e a APA promovessem mais debates sobre asquestes e eventos ligados ao projeto e, se e quando chegarem a um consenso, fizessemdeclaraes pblicas. Isto daria comunidade de planejamento a oportunidade decontribuir mais substancialmente para o debate pblico e o direcionamento da polticapblica de desenho urbano.

    Transcender as dimenses fsicas e financeiras imediatas dos problemas deplanejamento para atingir de uma forma mais justa, democrtica e abrangente suasdimenses social, espacial e temporal. Os planos para a reconstruo do BaixoManhattan no devem somente abranger um planejamento fsico e financeiro queresponda s necessidades e possibilidades da regio sul de Manhattan, mas devematender reverberao social, espacial e temporal do que planejado para o local domarco zero, pensando na cidade, no pas e no mundo. Reconhecer os (novos) sujeitosdo planejamento em um mundo interconectado deve ser de suma importncia e podesignificar uma reviso de idias. No caso do planejamento para o marco zero, quemdeveriam ser os sujeitos (reconstitudos) do planejamento? Na dimenso social, o povolocal e global. Na dimenso espacial, Manhattan, a Nova York metropolitana, os EUA eo mundo. Na dimenso temporal, geraes atuais e futuras. Esses trs eixos intrin-secamente interligados devem encontrar suas demandas incorporadas nos planos eprojetos. Enquanto isso, devemos promover mais discusses na esperana de encontraralgumas respostas para essas questes crticas.

    Na dimenso social, como podemos planejar para a populao local e global? Muito jfoi dito sobre a necessidade de os planos do WTC promoverem oportunidades paragrupos sociais locais. Marcuse, entre outros, prope que a poltica de desenvolvimentoeconmico focalize as necessidades das pequenas empresas e a melhoria das condieseducacional e econmica dos residentes de baixo poder aquisitivo (Marcuse, 2001,p.16). Dar ateno igualdade social no projeto do WTC certamente prestar umgrande servio, muito necessrio, a Nova York. Alm disso, proveria uma excelentevitrine para a nao e o mundo. No entanto, para ser plenamente efetivo, o esforo nopode parar por a. Planejamento social deve tambm incorporar a escala global. Acompreenso da situao injustificvel e insuportvel de misria que existe no mundoe a co-responsabilidade tanto do mercado quanto do capital global e da poltica externados EUA precisa aumentar. Ento, medidas polticas e polticas pblicas adequadasdevem ser adotadas para melhorar a desigualdade econmica e de poder do mundo eda nao e da cidade e promover um desenvolvimento sustentvel e igualitrio quebeneficie a maioria.

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    17 Por exemplo, a galeriaMax Protetch em Nova Yorkabriu em Janeiro de 2002uma exibio, A New WorldTrade Center: Design Propo-sals, mostrando propostasde mais de cinqenta arqui-tetos do mundo inteiro (Ar-chitectural Record, 2002).Alguns meses depois, a oita-va edio da Bienal Vienen-se de Arquitetura, entitualaNext, abriu em Setembrode 2002, mostrando vriosprojetos para substituir astorres gmeas de NovaYork. Fuksas, Isozaki, Pianoe Hadid estavam entre os ar-quitetos que mostraram pro-postas.

  • Na dimenso espacial, como podemos planejar para Manhattan, regio metropolitanade Nova York, os EUA e o mundo? absolutamente essencial reconhecer que qualquerque seja a resoluo espacial tomada para o marco zero, ela estar imbuda de umsignificado muito alm de sua presena fsica. Para conseguir, com responsabilidade,um projeto espacial que no sirva apenas a Manhattan, Nova York metropolitana e osEUA, mas tambm ao mundo, deve-se questionar o simbolismo representado pelastorres gmeas. Nas palavras do filsofo Jean Baudrillard:

    As torres gmeas foram destrudas ou desabaram? Sejamos claros a respeito disto: as duastorres so tanto um objeto fsico e arquitetnico, como um objeto simblico (representandoo poder financeiro e o liberalismo econmico global). O projeto arquitetnico foi destrudo,mas o alvo a ser destrudo, desde o incio, foi o objeto simblico. Poder-se-ia pensar que adestruio fsica trouxe a demolio simblica (...) Foi, na verdade, a queda simblica quetrouxe a queda fsica, no o contrrio. (Baudrillard, 2002, p.47-8.)

    Elas (as torres), um smbolo da onipotncia, viraram, em sua ausncia, o smbolo dopossvel desaparecimento de tal onipotncia possivelmente um smbolo mais forte. (Idem,p.51)

    Espera-se que o novo projeto para o terreno do WTC no reincorpore a potncia docapitalismo global e do neoliberalismo, como as antigas torres fizeram. Se tais objetivosforam atingidos como um resultado de um processo democrtico e participativo de cons-truo consensual, pode no ser otimismo ou ingenuidade demais pensar que esses pode-res podem levar a certos nveis de controle humanitrio global. Defendendo uma aborda-gem mais humilde, conscientizada e humanista do projeto, Marcuse argumenta:

    O que deve ser feito no local no deve refletir a arrogncia do poder mas, ao invs disso,a resilincia de uma vida vibrante e continuada, como tambm claramente a tristeza de sua(sic) histria e a admisso de vulnerabilidade humana que uma de suas lies. (Marcuse,2001, p.15.)

    Na dimenso temporal, como podemos planejar para geraes presentes e futuras? Paraplanejar para o presente e o futuro devemos promover um planejamento nas direescitadas anteriormente, isto , o planejamento social que nutre justia social; e o plane-jamento espacial atento no somente s necessidades fsicas locais como tambm snecessidades simblicas glocais. Alm disso, um terceiro elemento deve receber atenoespecial: o planejamento educacional. Educao no s a chave para a melhoria da vidaindividual e social das geraes presentes e futuras. Educao tambm a ferramenta coma qual as geraes presentes e futuras podem sobrepujar a mentalidade estreita que levou omundo a esse confronto sem sentido entre Jihad e McWorld, no qual aparentementeestamos presos hoje. A educao , por fim, o instrumento-chave para forjarmos umaconvivncia mundial pacfica e frutfera. Educao necessria em todos os nveis dasociedade, e necessria antes mesmo de nos voltarmos ao problema do projeto, comosugerido por Muschamp:

    De alguma forma, a idia de que as questes histricas surgidas em setembro ltimopodiam ser resolvidas pela arquitetura, planejamento e projeto ganharam fora. Elas nopodem, nem pelos mais talentosos profissionais da rea (...) O problema no de relaes

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  • pblicas. Nem uma questo de projeto. um problema educacional. Ele envolve criar umclima de idias suficientemente robustas para apoiar o surgimento de solues arquitetnicaspara o futuro mais adiante. Os tcnicos das agncias de desenvolvimento estaro impoten-tes para educar o pblico at que assumam a tarefa muito mais assustadora de educarem a siprprios. (Muschamp, 2002.)

    Recapitulando, o modelo da arquitetura e planejamento modernistas materializadosno complexo PI explodiu segundo dois sentidos associados ao termo: a teoria moderna aele subjacente foi levada a descrdito; e ele literalmente sucumbiu violentamente como re-sultado de uma presso de dentro pra fora, isto , dos problemas sociais reais que o com-plexo concentrava e agravava para seus residentes. De sua parte, o modelo materializadopelo WTC tanto explodiu quanto implodiu. Explodiu, porque a teoria por trs dele foi le-vada a descrdito devido a sua nfase excessiva na monumentalidade e simbolismo do po-der econmico em detrimento das necessidades do povo. O WTC tambm implodiu, des-moronando para dentro devido a uma presso externa, isto , no nvel material, devido coliso dos jatos e, no nvel conceitual, dos problemas sociais reais que o complexo tantosimbolizava quanto efetivamente alimentava e causava no mundo. Jencks havia dito quedepois que as paredes do PI se desmancharam, atravessamos o portal do complexo e con-traditrio mundo da arquitetura ps-moderna. No entanto, somente quando as paredes e pessoas do WTC ruram diante do mundo, no primeiro show de terrorismo transmi-tido mundialmente ao vivo, que o caos, crueldade e niilismo da ps-modernidade ex-plodiram/implodiram sobre todos ns, ricos e pobres, negros e brancos, religiosos e secu-lares, para o pior. H, no entanto, projetos criativos e construtivos, que vm reagindo deficincia de oportunidades emancipatrias e de significado nos projetos hegemnicos,tanto da modernidade como da ps-modernidade (Ley, 2000, p.622-3). So esses os pon-tos nos quais o planejamento e os planejadores devem se inspirar e ajudar a crescer. Omundo mudou. Poder o planejamento ps 11/9 mudar?

    Traduo: Diogo Lana Monte-Mr

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    Clara Irazbal professo-ra da School of Policy, Plan-ning and Development daUniversity of Southern Cali-fornia, Los Angeles, Califr-nia. E-mail: [email protected]

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    A B S T R A C T This article proposes, amidst post modernity concepts, the resemblancebetween the destruction of two major symbols of modern planning and architecture: thePruitt-Igoe (PI) housing project and the World Trade Center (WTC). The author states thatboth events were not only physical (the PI implosion having been a planned event in contrastto the unplanned WTC destruction) but also the materialization of the fall of the modernthinking embodied in them. Contrary to most ideas, the author proposes that by 09/11 theworld had already changed, and the WTC destruction only represented that change. Alongwith these arguments, the author also proposes a series of changes in the planning andarchitectural fields, as well as new conceptions towards contemporary project planning, such asthe projects for Ground Zero.

    K E Y W O R D S Modern architecture; post-modernity; Pruitt-Igoe; World TradeCenter.

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  • O TERROR SUPERPOSTO UMA LEITURA DO CONCEITO LEFEBVRIANO DE

    TERRORISMO NA SOCIEDADE URBANA CONTEMPORNEA

    A L E X A N D R E M E N D E S C U N H AF R E D E R I C O C A N U T O

    L U C A S L I N H A R E SR O B E R T O L U S M O N T E - M R 1

    R E S U M O O trabalho visa introduzir o conceito de terrorismo e sociedade terroristano pensamento de Henri Lefebvre, buscando suas relaes com a realidade contempornea. Soassim apresentados alguns conceitos centrais ao pensamento lefebvriano, como vida quotidia-na, sociedade burocrtica do consumo dirigido e seus mecanismos de coero, e a questo ur-bana pensada como espao de abertura, desdobramento/superao da virtualidade do terroris-mo contemporneo. O texto traz consideraes sobre o problema recente do terrorismo,analisando o tempo presente e a realidade urbana em particular como sobreposio de ter-rorismos: dos atentados e da lgica prpria de reproduo de uma sociedade super-repressiva.O tema da abertura discutido ento a partir da inspirao lefebvriana e de um dilogo pos-svel com trabalhos recentes de Nestor Garcia Canclini, James Holston e Noam Chomsky.

    P A L A V R A S - C H A V E Terrorismo; sociedade terrorista; questo urbana;Henri Lefebvre.

    Achar os caminhos para compreender, inspirar-se e utilizar a obra de Henri Lefebvrepara a leitura do mundo contemporneo no tarefa fcil. A fuso em seu texto da refle-xo terica e da prtica poltica, a escolha de temas arredios apropriao e perigosamen-te prximos dos saberes comuns, como o caso da vida cotidiana, e mesmo certa colo-quialidade em seu estilo, contribuem para uma sensao de proximidade com osargumentos. Tomar, todavia, esta proximidade como iluso de uma compreenso efetivadas intrincadas categorias conceituais a cada passo presentes em sua extensa bibliografia a armadilha que vez por outra desaba sobre alguns desavisados. Com esta preocupao, opresente artigo prope no concentrar uma investida analtica, mas uma apresentao decunho didtico de certas tramas do pensamento lefebvriano, com vistas a iluminar e reen-quadrar problemas prementes da conjuntura atual, como bem o caso do terrorismo.

    Ao caracterizar a personalidade intelectual de Henri Lefebvre, devemos, comoEdward Soja, fazer referncia ao marxismo nmade do autor. Trata-se de uma chave deanlise preciosa, e preocupada em apreender a complexa interligao entre centro e peri-feria (por extenso, entre o urbano e o rural) que marca a vida de Lefebvre e distingue oseu marxismo. Cabe ainda assinalar a abertura e o carter flexvel de suas anlises, semprereativas a pressupostos dogmticos, assim como avessas a construes permanentes e to-talizaes que engessem a realidade (Soja, 1996, p.32).

    Outra caracterstica central a grande extenso e a velocidade de sua obra. A produ-o incansvel, que se estende at o final de sua vida, ressalta o carter de abertura e con-tnua reelaborao de seu pensamento. Qualquer apresentao que se queira escolar,

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    1 Os autores agradecem aAlessandro Medeiros Cle-mentino, membro do grupode Estudos Henri Lefebvre GEHL, do Cedeplar/Npgau(UFMG).

  • didtica, da obra de Lefebvre, esbarra com essa difcil questo da imposio da anliseconjunta da obra, com todos seus percursos, muito mais do que de referncias esparsas aum ou outro livro, para compreender conceitualmente as tramas tericas de seu trabalhosem produzir uma simplificao banal, uma vulgarizao.

    Exatamente essa intensa e radical abertura de seu pensamento que leva Soja a ar-gumentar que nosso autor nunca permitiu a formao de uma escola lefebvriana (Soja,1996, p.36).

    Para completar essa breve apresentao geral do autor antes de encaminhar mais pro-priamente o conceito de terrorismo em seu pensamento, vlido identificar algumas di-menses conceituais e metodolgicas bsicas, inter-relacionadas, que perpassam de formasvariadas o conjunto de seus escritos. Tendo por base as reflexes de alguns de seus intr-pretes contemporneos, como o prprio Edward Soja, Jos de Souza Martins, entre ou-tros, foi possvel recortar quatro dessas dimenses, a saber: as temporalidades histricas deseu pensamento desdobradas do conceito marxiano de formao econmico-social; o m-todo regressivo-progressivo; o movimento dialtico; e a teoria das formas.

    No que diz respeito ao conceito de formao econmico-social depreende-se a cha-ve de leitura para a sofisticada fuso analtica entre passado, presente e futuro que marcao trabalho do autor. Segundo Lefebvre pode-se entender que o conceito de formao eco-nmico-social significa que as foras produtivas, as relaes sociais, as superestruturas(polticas, culturais) no avanam igualmente, simultneas, no mesmo ritmo histrico(Lefebvre, 1957, p.248). Particularmente, esta noo repercute o sentido da coexistnciade tempos histricos, estando a no somente o passado e o presente, mas tambm o fu-turo possvel (Martins, 1996, p.20). Este possvel, o virtual, representa uma condiofutura desdobrvel do presente, como parte mesma desse presente, e, desse modo, algoque o influencia diretamente. Trata-se da arguta compreenso de que um dado presentecarrega consigo suas concepes de futuro; e da idia de que esse cenrio possvel, virtual,tanto quanto os caminhos j passados, influencia diretamente o presente.

    No demais, ainda, ressaltar que a concepo de formao econmico-social emLefebvre acentua o carter espacial da obra de Marx, e revitaliza a questo espacial no ter-ritrio da histria a partir dessa percepo de lgicas temporais superpostas na mesma es-pacialidade (Martins, 1996, p.18). Esse caminho, muitas vezes desdobrado na obra de Le-febvre, daria lugar ao que no trabalho de eminentes gegrafos neomarxistas como oprprio Soja, David Harvey ou Milton Santos, assume a feio de formao econmico-espacial, ou socioespacial, radicalizando a idia de que os processos espaciais no sosomente base, mas efetivamente atuam nos processos sociais e econmicos.

    Outra conhecida dimenso de seu pensamento o recurso ao que ele chamou demtodo regressivo-progressivo, que originalmente exposto em dois artigos versando so-bre problemas e perspectivas na sociologia rural, aparecidos em 1949 e 1953 (Lefebvre,1970).2 Este mtodo, elogiado e adotado por Jean-Paul Sartre em seu Critique de la rai-son dialectique, consiste de trs etapas:1 Descrio: observao orientada pela experincia e pelo olhar informado pela teoria,

    com vistas a captar o real a partir do visvel;2 Analtico-regressivo: anlise regressiva da realidade com foco nessa coexistncia (espa-

    cial) de relaes sociais com temporalidades distintas;3 Histrico-gentico: reencontro do presente, sendo essa volta superfcie fenomnica

    da realidade social guiada pela compreenso de como suas estruturas evoluem e se su-bordinam a estruturas mais gerais. Nisto afloram as contradies do processo hist-

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    2 Os artigos Problmes desociologie rurale: la commu-naut paysanne et ses pro-blmes historico-sociologi-ques e Perspectives desociologie rurale foram pu-blicados originalmente nosCahiers Internationaux deSociologie, em 1949 e1953, e depois coligidos nolivro Du rural lurbain, Pa-ris: Anthropos, 1970. Am-bos foram traduzidos para oportugus em coletnea or-ganizada por Jos de SouzaMartins (Introduo crtica sociologia rural.

  • rico, e mais que isto, a possibilidade de compreend-las como desencontro de tem-pos, de virtualidades no concretizadas. (Kofman & Lebas, 1996, p.9; Martins, 1996,p.20-3).

    O movimento dialtico, por sua vez, reside no centro da reflexo lefebvriana, orien-tando uma particular ligao entre construes tericas e prtica, entre pensamento eao. Nos textos de Lefebvre, no se separam o projeto poltico, seu percurso, e a digres-so e reflexo solidamente calcadas em categorias tericas.

    Outro aspecto do materialismo dialtico de Lefebvre que ele no reproduz nem ocaminho da tese-anttese-sntese de Hegel, tampouco o afirmao-negao-negaoencontrado em Marx, sendo eminentemente mais aberto, flexvel e atento a dimensesconflituosas e contraditrias. Sua inteno no seria a de negar um ou outro termo, nemde transcend-los (dpasser), mas sim revelar o contnuo movimento entre eles (Kofman& Lebas, 1996, p.10). Nisto a sua crtica aos modelos binrios estticos e a recorrenteproposio de trades na sua obra. A dialtica da trade ou trialtica, como a denomi-nou Soja emerge no pensamento lefebvriano e qualifica o seu projeto de um retorno dialtica, para alm das simplificaes impostas ao pensamento de Marx que seria, eleprprio, tridico, na composio terra, capital e trabalho, ou, que seja, renda, lucro e sa-lrio (Lefebvre, 1986, p.42; 1980, p.179ss.; 1976a, p.1-69).

    Finalmente, no que diz respeito teoria das formas, desenvolvida de maneira maisampla em seu Logique formelle, logique dialectique, de 1968, importa dizer de seu papelna construo e crtica de esquemas de percepo e interpretao do real. Nesse eixo deanlise, as formas derivam das diferenas de contedo e, por sua vez, codificam as prti-cas com as quais um contedo particular opera (Kofman & Lebas, 1996, p.10). Cumpredestacar a importncia da teoria das formas como ponte para a reflexo urbana; assim co-mo na anlise dos mecanismos de reproduo cotidiana das sociedades repressivas naopresso de significados concluda pelo que chamou de ao terrorista das formas (e dasinstituies extradas dessas formas) [que] alimenta a falsa transparncia do real e masca-ra as formas que mantm essa realidade (Lefebvre, 1991, p.199; Oliveira & Moraes,1996, p.106-7), tema para o qual se dar agora destaque.

    O terrorismo aparece no pensamento lefebvriano em razo de sua particular com-preenso dos mecanismos de reproduo da vida cotidiana no mundo moderno, pondo afuncionar o que chamou de sociedade burocrtica de consumo dirigido. Faz-se necess-rio, portanto, um recuo conformao desses conceitos e seus desdobramentos.

    O conceito de vida cotidiana e seus estudos nessa direo eram considerados por Le-febvre como sua maior contribuio para o marxismo (Lefebvre, 1988, p.78). Sua obracentral sobre o tema a trilogia Critique de la vie quotidienne (1947, 1962 e 1981), comvolumes publicados em momentos bastante distintos de sua trajetria. De forma geral, avida cotidiana para Lefebvre apresentada como o lugar primeiro da alienao e mistifi-cao e, portanto, onde devem ser concentrados todos os esforos para a desmistificaoda conscincia humana, a supresso da alienao e a promoo de uma efetiva libera-o das estruturas de opresso. A vida cotidiana cumpre a, no marxismo lefebvriano, opapel de substituto do local de trabalho como espao primrio do controle e da domina-o (para a explorao) e da luta de classes. A crtica da vida cotidiana deveria ento cum-prir o papel de esclarecer estas questes e proceder a uma redefinio da lgica de trans-formao social e revoluo, como intrinsecamente sociocultural (rumo RevoluoCultural Permanente) e no incisivamente presa a questes econmicas em suas formula-es (Soja, 1996, p.41).

    A . M . C U N H A , F . C A N U T O , L . L I N H A R E S , R . L . M O N T E - M R

    29R . B . E S T U D O S U R B A N O S E R E G I O N A I S , V. 5 , N . 2 N OV E M B RO 2 0 0 3

  • Essa substituio do espao do trabalho pelo territrio da cotidianidade como foco daopresso e das estruturas de reproduo do capitalismo orienta sua reflexo; a posio de re-legar o cotidiano ao trivial sob o pretexto de sua a