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ANTÓNIO COIMBRA
"Vou paraEspanhasem bilhetede regresso"No último dia como presidenteda Vodafone Portugal, o executivo
faia dos desafios que o aguardamem Espanha, das sinergias com a Zon
e do défice de concorrência.
"A Vodafonequer crescerno fixo, masprecisa deacesso a redes"
"Vou para Espanha sem bilhetede regresso"António Coimbra dá o salto para o país vizinho numa altura em que Espanhavive sob ameaça de um resgate total. Um desafio que não o assusta.
Helena Cristina Coelho
A vida de António Coimbra mu-dou a partir de Julho. Desde en-tão, quando foi anunciada a suasaída da Vodafone Portugal paraa liderança executiva da empre-sa de telecomunicações em Es-panha, que o gestor de 51 anospassou a dividir os seus dias en-tre Lisboa e Madrid. Uma novarotina que o levou a andar comdois 'smartphones', um paracada mercado, a frequentar au-las de castelhano, a procuraruma nova casa para a família e ea preparar -se para um novo de-safio que começa oficialmente jána próxima segunda-feira.O desafio que o aguarda em Es-
panha não é fácil: recuperar deuma quebra de 10% nas recei-tas. Como pensa dar a volta?A Vodafone Espanha começou,em 2011, um processo de trans-
formação a três anos com o qualme identifico. Há muita coisa aser bem feita e não quero criaruma disrupção. Há vários desa-fios, entre os quais o aperfeiçoa-mento dos sistemas de informa-ção, a melhoria da experiênciado cliente e a optimização decustos. Mas ainda é cedo paraanunciar as grandes apostas.A quebra de receitas foi menorem Portugal. Os portuguesesresistem melhor à crise?De facto, a Vodafone Espanhacaiu 10% entre Abril e Junho de2012, face ao segundo trimestrede 2011, ainda que o nosso prin-cipal concorrente, o operadorincumbente, tenha caído mais!
Em Portugal, no mesmo perío-do, as receitas no móvel terãocaído em média 8%. No últimoano, o mercado como um todocaiu entre 4% e 5% e é provávelque este ano a quebra se agrave.Não é muito diferente do que se
está a passar em Espanha.Como compara os clientes es-panhóis com os portugueses?Nas comunicações móveis a
grande diferença é o facto domercado português ser predo-minantemente pré-pago, en-quanto o mercado espanhol é
pós-pago. A adopção das novastecnologias é semelhante, aindaque em Portugal as chamadasredes de nova geração estejammais avançadas do que em Es-panha, quer no que respeita à
quarta geração móvel, quer nasredes fixas de fibra óptica. Seria
presunçoso da minha parte es-tar já a sumarizar as diferençasentre os consumidores espa-nhóis e os portugueses, prova-velmente mais com base em es-tereótipos do que em estudossérios. Vou trabalhar e viver emEspanha, tenho muita vontadede conhecer muito melhor o
mercado espanhol.Disse uma vez que lhe dava gozoinfluenciar os hábitos dos por-tugueses. Que hábitos gostariaagora de mudar nos espanhóis?Vivemos tempos fantásticos emque as tecnologias influenciamde forma impressionante os há-bitos das pessoas e a produtivi-dade das empresas. E a umritmo cada vez mais acelerado.Agofa estamos a viver a revolu-ção dos dados móveis. O impac-
to na vida das pessoas e das or-ganizações é extraordinário. E,ainda que em tão pouco tempo,são novos hábitos totalmenteenraizados. Ninguém se conse-gue imaginar a viver hoje semPC ou telemóvel, sem internetou mesmo sem Facebook! Ago-ra, independentemente do país,estamos a 'mobilizar' , com a in-ternet móvel, muitos dentes novos hábitos sociais.As diferenças de mercado são
suficientes para evitar um ce-nário de fusão ibérica?Esse cenário não se coloca devidoàs diferenças entre os dois mer-"
cados. Além disso, os concorren-tes são diferentes e os reguladorestambém. No entanto, há umenorme potencial para explorarsinergias com mais profundida-de, por exemplo ao nível de in-fraestruturas. Um bom exemplodestas sinergias é o centro de
operações de rede - o VodafoneAtlantic NOC - que inaugurámosem Julho. Neste centro, em Lis-boa, são geridas a rede portugue-sa e a espanhola. Há ainda muitomais sinergias a explorar e eu es-tarei numa posição privilegiadapara contribuir para isso.
Espanha está na iminência deum pedido de resgate total.
Como está a empresa a prepa-rar-se para esse impacto?Não sabemos se o resgate se vaiconcretizar, mas há uma proba-bilidade e, como gestores, te-mos de estar preparados paraessa eventualidade. Se tal acon-tecer,- provavelmente vão ser
adoptadas mais medidas de
austeridade que poderão tercomo consequência, como se
viu em Portugal, uma retracçãono consumo. Temos de estarpreparados para uma situaçãoem que os consumidores e as
empresas passam a ter mais
constrangimentos nas suas des-
pesas e, portanto, temos de ter
propostas de valor adaptadas aesta situação. Por outro lado,temos de ser muito exigentes nocontrolo de custos.Nunca ambicionou uma carreirainternacional, mas ela vai acon-tecendo. Depois de Portugal, Ja-
pão e, agora, Espanha, há algummercado onde ambicione geriruma operação da Vodafone?O desafio que tenho pela frenteé enorme e não faria qualquersentido estar já a pensar noutros
países. Vou para Espanha sembilhete de regresso e determi-nado a contribuir para o sucessoda Vodafone Espanha. ¦ com Cá-
tia Simões
"Há uma enormecomplementaridadeentre Vodafone e Zon""A Vodafone não planeia produ-zir conteúdos nem fazer parce-rias ou entrar no capital de pro-dutores de conteúdos", adiantouem relação ao interesse na RTP.
António Coimbra espera que "anova administração da Anacomtenha outra visão e crie condições
para uma concorrência efectiva"
no fixo. O responsável garante que
empresa não procura "activa-mente qualquer tipo de consoli-
dação" e frisa que com "a Sonae-
com não há complementaridade,mas sim economias de escala" .
Em tempos receou que a OPA daSonae sobre a PT e a fusão de dois
operadores pudesse refrear ocrescimento do mercado das tele-
comunicações. Ainda pensa que a
consolidação é um mau caminho?Será um mau caminho se não be-neficiar o mercado e os consumi-dores. A dinâmica que se observou
nos últimos anos em Portugal fez
com que o mercado tenha supor-tado e justificado a existência de
três operadores no móvel que tor-naram este mercado extrema-mente competitivo.E no fixo?Já não se passa o mesmo. Há umclaro défice de concorrência. Te-mos dois operadores fortes - PT e
Zon - e os outros com uma quotade mercado muito pequena. Ca-minha-se para um duopólio nos
particulares e um monopólio nas
empresas. A única alternativa é
criar condições de acesso as redes.
Tenho a expectativa de que a nova
administração da Anacom [regu-lador do sector] tenha outra visão
e crie condições para uma con-corrência efectiva apostando emredes abertas e com condições de
igualdade de acesso entre todos os
concorrentes.Está totalmente fora de questão
avançarem para uma fusão com aZon ou a Sonaecom?
Neste momento, todos os cenáriossão meramente especulativos,uma vez que não está em cima da
mesa nenhuma negociação em
que a Vodafone esteja envolvida e
não procuramos activamentequalquer tipo de consolidação.Mas havendo sentido económico,a consolidação acabará por acon-tecer. Há uma enorme comple-mentaridade entre a Vodafone e a
Zon. Temos um acordo como ope-rador móvel virtual com a Zon quetem corrido bem e compramosconteúdos à Zon para a nossa ope-ração de televisão.E com a Sonaecom?Ainda num cenário especulativo,entre nós e a Sonaecom não há
complementaridade, mas sim
economias de escala. Queremoscrescer no fixo, mas precisamosde acesso a redes. Provavelmente,a Zon entende que tem necessida-
de de crescer no móvel. Poderia
ser connosco ou com a Sonaecom,mas é claro que a Zon e a Vodafone
juntas seriam maiores. Mas esta é
uma questão que diz respeito aos
accionistas e onde há muitos fac-tores a ter em conta.A concessão de um canal de tele-
visão como a RTP é um negóciointeressante para a Vodafone? Es-tão a avaliá-lo?A Vodafone não planeia produzirconteúdos nem fazer parcerias ouentrar no capital de produtores de
conteúdos. Defendemos a separa-ção clara entre a produção e a dis-
tribuição de conteúdos, de modo a
evitar distorções ao adequadofuncionamento do mercado e si-multaneamente assegurar a me-lhor qualidade de serviço para o
cliente final. Mais do que ter con-
teúdos em exclusivo e produzi-los, o fundamental para os opera-dores de telecomunicações é ter amelhor oferta de comunicações(TV, internet e voz). Mas isso não
implica exclusividade ou produ-ção própria de conteúdos.
Quais as grandes mudanças queespera ver no sector em Portugalnos próximos anos?É imperativo que o défice de con-corrência no fixo desapareça, quenão se caia numa situação de duo-
pólio e que a recomendação euro-
peia de criar as redes abertas na fi-bra aconteça. Uma vez que a PTnão o fará livremente, tem de ser o
regulador a forçar, como já acon-teceu no cobre. Estou apostadoem que isso aconteça. Investimos
numa rede de fibra em Lisboa e noPorto e contamos já com perto de
500 mil casas cobertas, parte das
quais devido à nossa parceria de
partilha de redes com a Optimus.Não há plano de negócios que jus-tifique mais investimento. Portu-
gal não sustenta duas ou três redes
de fibra e o desperdício de recur-sos que isso representa.Que legado deixa ao seu sucessorMário Vaz?A Vodafone está hoje entre as
empresas mais admiradas emPortugal. Há enormes desafios
pela frente e objectivos muitoambiciosos e exigentes. Mas dei-xo a Vodafone Portugal com a
consciência tranquila. Deixouma empresa sólida com umaequipa óptima de colaboradores:Estou certo de que o Mário Vaz,
com quem trabalhei 20 anos, é a
pessoa certa para, juntamentecom a melhor equipa de teleco-municações em Portugal, levar a
empresa a novos patamares. ¦
PERFIL
Um gestor de altacompetiçãoAntónio Coimbra chegou à
Vodafone em 1992, como director
de vendas directas. E foi, durante
anos, considerado o braçodireitode António Carrapatoso. Ocupava,desde 2001, a área de marketing,vendas e operações, e é tido
como o principal impulsionadordo projecto de televisãoda Vodafone. Foi membroda administração da subsidiária
portuguesa desde 1995.
Engenheiro mecânico, António
Coimbra, de 51 anos, é casado
e tem dois filhos. Começou a
trabalhar ainda durante o curso,
no Instituto Superior Técnico,
como professor do 12° ano. Iniciou
a carreira na Siemens, onde
manteve cargos nas áreas
de marketing e vendas. Em Abril
de 1991 transitou para a Olivetti
e, em Setembro do ano seguinte,recebeu o convite para o projectoTelecel, onde permaneceucercade dez anos. Agora inicia
um novo capítulo em Espanha.
"Não acreditei logo que aTelecel era um projecto sexy
"
Passou por três entrevistas e recusou a proposta da Telecel até ficarconvencido de que o projecto era atractivo. Carrapatoso foi decisivo.
Entrou na empresa quando ain-da era Telecel, após um exausti-vo processo de contratação, eacabou como braço direito dohomem que o recrutou, AntónioCarrapatoso. O mesmo homemque, pela persuasão, o fez mu-dar de perspectiva.
Foi António Carrapatoso que orecrutou pessoalmente, em1992, para a Vodafone, entãoTelecel. Recorda-se de como foiesse processo de recrutamento?Perfeitamente. Nos contactosiniciais, quando me explicaramo que seria a Telecel, não fiqueiconvencido de que o projectoseria 'sexy' e atractivo e acabei
por recusar a proposta que mefoi feita. Só após a terceira en-trevista, com o então CEO [pre-sidente executivo], AntónioCarrapatoso, decidi abraçar o
cargo de director de vendas di-rectas da Telecel, a partir de 1 deSetembro de 1992.Depois, durante anos, foi consi-derado p seu braço -direito.Como foi trabalhar com ele?António Carrapatoso é umapessoa com uma enorme capa-cidade de persuasão e, como járeferi várias vezes, foi uma ver-dadeira troca de opiniões: hu-
mildemente digo que entreicom a minha e sai com a dele.Sempre tivemos uma excelenterelação pessoal e profissional.Trabalhámos de forma muitopróxima enquanto ele era CEO
e, ao longo de 20 anos, muitosforam os desafios e os momen-tos marcantes.Que características destaca emAntónio Carrapatoso?É uma pessoa muito inteligente,com uma enorme capacidade de
gestão,, versátil, perspicaz, deraciocínio rápido e muito deter-minado. Actualmente, enquantoPresidente do Conselho de Ad-ministração não-executivo, nãointerfere na gestão, mas estásempre disponível para debateras grandes questões que se colo-cam à Vodafone. Estou certo queserá uma mais valia para o MárioVaz, como foi para mim. ¦
António Coimbra assume
que não tem, nem nunca teve,
qualquer ambição política. Mas
não se recusa a partilhar a sua
opinião sobre o actual Governo."As crises podem ser umaexcelente oportunidade parareformar de vez o que sabemosestar mal e não para tomar
apenas medidas de correcçãoimediata dos problemas mais
prementes", defende. 0 quemais lhe agrada no Executivode Passos Coelho? "0 realismoe a determinação em inverter
uma política orçamental quenos conduziu à beira da ruínafinanceira. 0 que ainda falta:
maior empenho nas reformas
estruturais, indispensáveis
para sustentarmos o que está
a ser feito e para retomarmoso caminho do crescimento".Olhando o futuro, "acreditoconvictamente no país e que
entraremos em breve num novo
ciclo de prosperidade". Até lá,
as empresas e os cidadãos têm
margem para aguentar mais
medidas de austeridade?
"Quando sabemos que o IVA foi
aumentado mas, ao contráriodo que o Governo previa, a
receita do IVA diminuiu mais de
10%, julgo que estamos peranteum sinal evidente de que, se
não atingimos ainda o patamarde saturação fiscal, estamos lá
muito perto. Não deve ser esse
o caminho a prosseguir, ainda
que receie que, no curto prazo,vamos ter um pouco mais
de sacrifícios fiscais." Para já,a sua gestão pessoal passa
por "manter os investimentose gastos em Portugal e fazerférias cá dentro, pois é umaforma de contribuir parao sucesso do tecido empresarialportuguês".
"Estar no Japão, não como turista,mas quase cidadão, foi marcante"
A passagem pela Vodafoneno JapSo, "como administradorexecutivo para uma área tãosensível como a do marketinge num dos mercados de
comunicações móveis mais
avançados do mundo, foi umdesafio muito estimulante.Conhecer um país comoo Japão, não na qualidadede turista, mas vivendo e
trabalhando lá quase como umcidadão japonês foi, de facto,
uma experiência muitomareante". No regresso,António Coimbra trouxe na
bagagem um 'gadget' invulgar:um cão-robot da Sony. "Ainda
o tenha Como já o comprei háoito anos, já não é fácil mantê-lo em perfeito funcionamentoe agora ele 'coxeia' de umadas patas. O que acaba por otornar ainda mais real: pareceum cão envelhecido e doente,
coitado!...". Entre o lazer e o
trabalho, o gestor vive rodeadode tecnologia e equipamentos."Mas o que acaba por sermais essencial para mim é o
'smartphone', que me permiteestar sempre contactável e a
par do que se passa", explica.Um telemóyel bem diferentedo primeiro, "um Ericsson
GHI72. Isto se considerarmos
que o Motorola TlOOO não
era um telemóvel, mas um
'transportável', pois pesavamais de um quilo! Fora da rotina
profissional, dedica-se aodesporto motorizado, emboramenos do que há uns anos.
"Mas continuo a participaractivamente em corridasautomóveis. É uma paixão
antiga que tem muito a vercom ò meu gosto pela mecânicae pela tecnologia de ponta
e, também, pela competição".
"Foi a dar aulas que aprendi a geriremoções e a 'ganhar' a audiência"
Engenheiro de formação,António Coimbra acabou
por dar o salto para áreasdistintas: marketing, vendas,gestão. Como se preparaum engenheiro para gerir umagrande empresa? "Os bons
cursos ensinam, acimade tudo, a pensar. E isso é
o mais importante, porqueos conhecimentos específicos,pelo menos nas áreas mais
tecnológicas, ficam obsoletas
em pouco tempo. Saber
pensar e compreenderque a formação nunca acabasão pilares essenciais parauma carreira profissionalbem sucedida". A experiênciacomo professor do ensinosecundário, quando ainda
estudava, foi tão"enriquecedora" para sua vida
profissional que, "sem dúvida,voltaria a fazê-lo I '. "Aprendi a
comunicar, a gerir emoções,a perceber melhor os outros,a saber ouvir, a saber explicare conviver, a 'ganhar' aaudiência. Sem dúvida quevoltaria a fazê-lo." Com os
dois filhos na universidade,António Coimbra acreditana qualidade do ensino emPortugal, mas preocupa-o a
Ideia de facilitismo: "A certaaltura criou-se em Portugala ideia de que para ter um
bom emprego bastava obteruma licenciatura de qualquerespecialidade bu qualidade.É claro que isso é uma ilusãocruelmente evidenciada pelonúmero de licenciados queestão desempregados ou queestão a trabalhar em posiçõespouco qualificadas, porquea sua formação não está
ajustada à procura e às
necessidades do país".