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Medicina Interna Hoje 1 Junho de 2012 • Ano VII • N.º 24 • Trimestral Momentos do 18.º Congresso Nacional ESTAR ONDE FOR PRECISO PARA RESPONDER àS NECESSIDADES DO DOENTE António Rodrigues Dias Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

antónio rodrigues dias Presidente da Sociedade Portuguesa ... · da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, abordou, o “Papel dos médicos na definição da estratégia na administração

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Medicina Interna Hoje 1

Junho de 2012 • Ano VII • N.º 24 • Trimestral

Momentos do 18.º Congresso Nacional

estar oNde for preCiso para respoNder às

NeCessidades do doeNte

antónio rodrigues diasPresidente da Sociedade

Portuguesa de Medicina Interna

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Medicina Interna Hoje 3

de portas abertas

Nova Direção da SPMIDamos as boas-vindas à recém-em-possada direção da Sociedade Portu-guesa de Medicina Interna, uma nova equipa liderada por António Rodri-gues Dias que é já nosso entrevistado nesta edição. As suas palavras trans-parecem o seu percurso de vida, a sua experiência e uma visão para o futu-ro, de que já tem dado provas neste início de mandato, empenhando-se, em dar resposta ao desafio que foi colocado.Pela frente, esta direção terá difíceis anos com um país com uma conjun-tura económica abalada, em que o impacto social da crise está agora a tornar-se verdadeiramente visível. A necessidade imperiosa de reduzir o défice justifica-nos, a nós portugue-ses e a nós internistas, mudanças que nem sempre se compreendem ou que nem sempre trazem susten-tabilidade aparente. Importa que a SPMI possa, na sua medida, ajudar a construir um futuro melhor, e que contribua para que os portugueses continuem de boa saúde.Uma palavra de agradecimento e enaltecimento do trabalho realizado pela anterior direção, pelo empenho e dedicação, entre outros, a este pro-

ponto por ponto

Faustino Ferreira

4 olho clínicoMomentos: o 18.º Congresso Nacional de Medicina Interna

7 raio XMedicina Interna:

uma resposta à troikaPor João Araújo Correia

8 alta vozDiagnósticos raros

Por Mário Barbosa

10 Uma palavra a dizerEntrevista a António Rodrigues Dias

Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

16 primeiros passosQuando for grande quero ser Internista

Por José Paxiuta

17 do lado de cáO que é um Internista?

Por Vera Arreigoso

jeto da revista Medicina Interna Hoje, que é a nossa forma mais direta de comunicar e de ir construindo uma memória pública da Sociedade Por-tuguesa de Medicina Interna. E é para esta memória que relatamos em imagens, os momentos altos do 18.º Congresso Nacional de Medici-na Interna que nos reuniu uma vez mais e esta em particular, graças ao trabalho excelente da comissão or-ganizadora.É com empenho que refletimos, através da análise de João Araújo Correia, sobre o relatório da Ad-ministração Central do Sistema de Saúde (ACSS), tornado público a 20/6/2012, com uma exigência da troika: o Inventário do Pessoal de Saúde. Publicamos casos clínicos de Mário Barbosa, prestes a terminar o inter-nato, com três relatos de diagnósti-co de doenças raras; convidamos a jornalista Vera Arreigoso, atualmen-te no jornal Expresso, a falar-nos so-bre a sua visão da saúde; recebemos os primeiros passos de José Paxiuta na rubrica dedicada aos internos. Re-velamos, por fim, uma das paixões do multifacetado António Barros Veloso.

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4 Medicina Interna Hoje

olho clínico

18.º Congresso Nacional de Medicina Interna visto por dentro

Manuel Teixeira, secretário de Estado da Saúde, esteve na abertura do 18.º Congresso Nacional de Medicina Interna, onde destacou o papel fundamental da especialidade na reforma da Saúde em Portugal.Na sua intervenção, Manuel Teixeira apresentou algumas das reformas a concretizar na Saúde, entre elas, a necessida-de de maior integração entre os cuidados primários e os cui-dados hospitalares, onde reconheceu que o internista tem um papel fulcral. A abertura de mais vagas para internistas comprova a impor-tância que o Governo confere ao papel deste especialista na gestão dos recursos, assumindo que “esta é uma forma de o SNS conseguir reduzir os seus custos”. Para o secretário de Estado, graças à obrigatoriedade de publicação das contas dos hospitais, as reduções de custos ”já são visíveis”. Reco-nheceu, no entanto, que tal deve ser feito progressivamente, para que “o sistema não morra da cura” e espera contar com os internistas para fazer o melhor com os menores custos possíveis.

Respeitar e honrar uma herança

Após a sessão de abertura teve lugar um dos pontos altos do Congresso, com a intervenção de um convidado de honra, An-tónio Arnaut. Proferiu uma conferência sobre o Serviço Nacio-nal de Saúde, uma reflexão sobre o estado atual em que se en-contra, com uma perspetiva crítica e bastante enriquecedora. António Arnaut começou por distinguir “Serviço” de “Sistema” Nacional de Saúde, alegando que são termos distintos e que um “sistema” está dependente de seguradoras e de grupos em-presariais. Alertou para a necessidade de garantir a igualdade de acesso à saúde por todos os cidadãos – que na sua opinião não se verifica atualmente –, independentemente da sua clas-se social. O “Pai” do SNS, defende que este é um direito que os portugueses herdaram da década de 70, que marca a viragem política do acesso à saúde no nosso país, em que todos os gas-tos foram investimento numa sociedade com mais qualidade de vida. “Todos os aumentos de despesa no SNS foram inves-timentos, conforme confirmam os indicadores de saúde”, de-fendeu.

Secretário de Estado abre Congresso

Vilamoura, 23 a 26 de maio de 2012

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Medicina Interna Hoje 5

Na sessão de abertura, o Bastonário da Ordem dos Mé-dicos, José Manuel Silva, alertou para a necessidade de corrigir as deficiências da economia e esclareceu que não devemos confundir, nem presumir que o Serviço Nacional de Saúde está falido. Reiterou que o SNS tem futuro, mas que é necessário tomarem-se as opções cor-retas, atribuírem-se as competências certas na saúde e corrigirem-se os problemas da economia no país.José Manuel Silva pediu ao Governo que o novo mode-lo de receita seja aplicado rapidamente, uma vez que o período de transição previsto na lei da DCI pode ser bas-tante perigoso e gerar má interpretação da lei. Acerca de possíveis medidas para a redução da despesa do SNS, José Manuel Silva deu o exemplo da cirurgia de obesidade que, segundo estudos recentes, comprova ter muitos benefícios, podendo inclusive conseguir a re-missão completa da diabetes em mais de 70 por cento dos casos.

A mesa moderada por Luís Cunha Ribeiro, presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, abordou, o “Papel dos médicos na definição da estratégia na administração dos Hospitais” e recebeu Isabel Vaz, presidente executiva do Grupo Espirito Santo Saúde, António Ferreira, presidente do conselho de administração do Hospital de S. João, e José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos.Isabel Vaz sustentou que a administração dos hospitais deve ser feita por quem “estiver melhor preparado” mas com uma visão de equipa, referindo que “nunca tomaria decisões cruciais sem consultar o conselho médico do Grupo”. Destaca que o internista tem um papel crucial, quer nessas equipas multidisciplinares, quer dentro do hospital, onde deve fazer a gestão do doente. O Hospi-

tal Beatriz Ângelo foi dado como exemplo deste modelo de organização. António Ferreira defende um sistema de mérito para a gestão dos hospitais, sublinhando a im-portância da motivação e da liderança, como atributos principais, manifestando-se contra hierarquias que não se baseiam nas capacidades, na excelência e no mérito. Distinguiu ainda a direção clínica ou científica, da gestão em si. José Manuel Silva defendeu que os médicos estão em melhor posição para gerir hospitais, recorrendo aos re-sultados de um estudo da Universidade de Harvard. Os médicos conhecem o meio, dominam os consumíveis, os medicamentos e até os meios de diagnóstico, pelo que “só um médico pode saber como gastar muito ou pouco”.

Um futuro para o SNS

O médico na Administração Hospitalar

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6 Medicina Interna Hoje

O encerramento dos quatro dias de Congresso coube a Miguel Gouveia, professor de Economia na Universidade Católica Portu-guesa, com o tema “Valor vs custo de um sistema de saúde”, onde o investigador demonstrou, de forma brilhante, resultados de um estudo económico que comprova que o investimento público na saúde em Portugal trouxe ao país uma evolução muito positiva. A chave do seu discurso, e também ponto de partida da conferência, assentou na forma de valoração da saúde. Embora a saúde não seja um mercado em si (como de outros bens), defende que as melho-rias em determinados indicadores, como por exemplo, a esperança média de vida, traduzem valor e podem ser medidas, segundo o modelo económico que apresentou. Após esta avaliação, poderá ser possível estabelecer uma relação entre os gastos (custos) da saúde e o valor que ela proporcionou à sociedade portuguesa nas últimas décadas.

olho clínico

Nova direção toma posseA nova direção da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) tomou posse, no dia 28 de maio, em assembleia-geral, realizada à margem do 18.º Congresso Nacional de Medicina Interna. A nova direção, eleita para o biénio 2012-2014, é li-derada por António Rodrigues Dias, médico internista e imu-noalergologista, natural de Espinho e residente em Braga. O atual presidente desempenhou funções de diretor clínico no Hospital de S. Marcos, entre 2000 e 2003. Os novos corpos so-ciais são compostos por Manuel Teixeira Veríssimo (presidente da Assembleia Geral), Olga Gonçalves e Susana Marques (vo-gais da Assembleia Geral); Armando de Carvalho, João Araújo

Quanto vale a saúde em Portugal?

e José Barata (vice-presidentes da Direção, respetivamente pelo centro, norte e sul); Narciso Oliveira (secretário-geral) e Nuno Bernardino Vieira, Helena Sarmento e Manuel Arsénio Santos (secretários adjuntos); e Luís Duarte Costa (tesourei-ro). O conselho fiscal é exercido por Jorge Crespo, Arsénio Santos e Filipe Basto. Esta direção vem substituir a direção encabeçada por António Martins Baptista.

Momentos

Comissão organizadora, liderada por Amaro Lourenço e António Martins Baptista, anterior presidente da dire-ção da SPMI, no momento dos agradecimentos no jantar de encerramento do Congresso Nacional

Stand da SPMI

Apresentação de Posters

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Medicina Interna Hoje 7

raio x

A Medicina Interna é a maior especiali-dade hospitalar em Portugal, contando com 1585 especialistas, o que corres-ponde a 12,6 por cento de todos os mé-dicos dos hospitais.Os internistas podem ainda suprir ne-cessidades de outras especialidades médicas não disponíveis em alguns hospitais, segundo as conclusões do relatório da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), realizado a tí-tulo de Inventário do Pessoal de Saúde, uma imposição do memorando de en-tendimento do Estado português com a troika. A maior parte dos internistas mantém a sua atividade dirigida ao diagnósti-co e tratamento do doente complexo, no internamento, na consulta exter-na, no serviço de urgência e no apoio de consultadoria ao doente inter-nado nos hospitais e em serviços de especialidades médicas e cirúrgicas, aponta o relatório. No entanto, o estudo vai mais além e comprova ainda que as caracterís-ticas próprias da Medicina Interna tornam o Internista capaz de suprir necessidades de especialidades não disponíveis em alguns hospitais, pelo que muitos se dedicam a áreas espe-cíficas diferenciadas, frequentemen-te em paralelo com a sua atividade geral e algumas vezes em exclusivo: Oncologia, Cuidados Intensivos e In-termédios, Hepatologia e Transplante Hepático, Infeção VIH, Doenças Au-toimunes, Doença Pulmonar Crónica, Diabetes, Unidades de Acidente Vas-cular Cerebral e de Insuficiência Car-díaca e Cuidados Paliativos.

João araújo CorreiaVice-presidente da direção da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, exerce funções de chefe de Serviço de Medicina no Hospital de S. João, no Porto

Medicina Interna Uma resposta à troika

Graças a esta imposição, podemos fi-nalmente saber quantos somos. Com este conhecimento, estamos habilita-dos a delinear o futuro, tornando-o consistente com políticas que favore-çam a eficiência do sistema a médio e longo prazo. Esperamos que a políti-ca restritiva de contratações de Médi-cos não seja cega, não a baixo preço ou não a qualquer preço, e aproveite os Internos em formação, que estão bem preparados e cheios de vonta-de de contribuir para a qualidade de cuidados no Sistema Nacional de Saúde. De facto, também a nível dos Internos em formação específica se destacam de todos os outros: Medi-cina Interna – 716, Pediatria – 445, Ginecologia/Obstetrícia – 318, Cirur- gia Geral – 285, Anestesia – 277. É bom que assim seja porque desta forma temos assegurado o incre-mento do número de Internistas ne-cessários nos HospitaisNos Estados Unidos da América, es-tes médicos representam cerca de 20 por cento de todos os especialis-tas hospitalares e estudos de custo/eficácia levaram a que as autorida-des americanas apontem para que os médicos hospitalistas (na tradu-ção do inglês) venham a constituir cerca de metade dos médicos nos hospitais. Esta visão foi também adotada em Portugal recentemente em alguns hospitais, como por exemplo, o Hos-pital Beatriz Ângelo, comprovando--se o êxito de uma organização em que o Internista é a base da gestão do doente no Hospital.

As caraterísticas próprias da Medicina Interna

tornam o Internista capaz de suprir necessidades de especialidades não disponíveis em alguns

hospitais

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8 Medicina Interna Hoje

alta voz

Mário Barbosa, Interno do Complementar de Medicina Interna do Hospital de Santa Maria

A neurofibromatose tipo 1 (NF1) ou doença de von Recklinghausen des-crita pela primeira vez em 1882, é o mais frequente dos síndromes neuro-cutâneos.O diagnóstico baseia-se na presença de pelo menos dois de sete critérios estabelecidos na Conferência de Con-senso do National Institute of Health de Bethesda, em 1987. Se o diagnóstico no adulto é fácil, nas crianças as manchas café-com-leite podem ser, durante muito tempo o único sinal, mantendo o diagnóstico muitas vezes suspenso.Para além das típicas manchas café--com-leite e dos neurofibromas existe um risco acrescido de incidência de neoplasias malignas, nomeadamente de tumores malignos da baínha dos nervos periféricos, também denomi-nados schwannomas ou neurofibros-

Neurofibromatose tipo 1- Doença imprevisível?

sarcomas. Estes neurofibrossarcomas têm menor resposta ao tratamento convencional, admitindo-se como res- ponsáveis pela sua maior agressivi-dade diversos fatores genéticos. As neoplasias malignas são a principal causa de morte na NF1, estando as-sociadas a mortalidade em idade jo-vem de que o caso que descrevemos é exemplo. Relata-se o caso de doente do sexo feminino, 20 anos, raça negra, natu-ral da Guiné-Bissau, sem anteceden-tes pessoais ou familiares relevantes. Evacuada para Lisboa, em Março de 2008, para avaliação de massa exu-berante na face posterior da coxa esquerda, dolorosa, condicionando impotência funcional e confinamento ao leito. Fez-se o diagnóstico de NF1 com base na presença de mais de seis manchas café-com-leite com diâme-

tro superior a 15 mm, localizadas na face e tronco, efélides inguinais e axi-lares e múltiplos neurofibromas. A biópsia do tumor do membro infe-rior esquerdo revelou neurofibrossar-coma. Após três internamentos su- cessivos em contexto de derrame pleural paraneoplásico faleceu, por insuficiência respiratória. A NF1 é uma patologia com um amplo espectro clínico, variando desde lesões cutâ-neas com mera implicação estética, a neoplasias malignas que cursam com evolução inexorável para a morte.

M. Barbosa, Interno do Complementar de Medicina Interna do Hospital

de Santa Maria M. Manso, Interna do Complementar

de Anestesiologia do Hospital de Santa Maria

L. Carvalho, Chefe de Serviço de Medicina Interna e Diretora Clínica

do Hospital Garcia de Orta

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A síndrome de Gitelman, também de-nominado hipocaliémia-hipomagne-siémia familiar ou variante benigna do síndrome de Bartter, é uma tubulopatia de transmissão autossómica-recessiva caracterizada por hipocaliémia, alcalo-se metabólica, hipomagnesiémia, hipo- calciúria e hiperaldosteronismo secun-dário. A mutação no gene SLC12A3 (transportador de soluto da família 12, membrodo gene 3), que codifica o co-transportador de NaCl tiazido-sensível (NCCT), é responsável por esta entidade nosológica. Embora se trate de patolo-gia rara, sabe-se que a prevalência de heterozigóticos é de cerca de um por cento, tornando-a uma das tubulopa-tias hereditárias mais frequentes.Relata-se o caso de uma jovem com história de múltiplos internamentos em

Síndrome de Gitelmancontexto de hipocaliémia e que aban-donou a consulta de Nefrologia Pediá- trica, onde era seguida por patologia que ignorava. Apresentava anteceden-tes familiares de tubulopatia que não sabia especificar. A síndrome de Gitelman é das tubulo-patias hereditárias mais comuns, em-bora na maioria dos casos seja diag-nosticado casualmente e apresente excelente prognóstico, reveste-se de interesse incluir esta entidade no diag-nóstico diferencial das hipocaliémias, especialmente nos casos em que há história familiar. Durante o internamen-to manteve valores tensionais normais/baixos. Foi contactada a colega que a havia seguido em consulta de Nefrologia Pediátrica, que informou que a doente

Nefropatia de IgA: Um diagnóstico por vezes difícilA nefropatia de IgA ou doença de Ber-ger é a causa mais frequente de glome-rulonefrite primária no mundo, embora de etiologia ainda obscura e alvo de ati-va investigação. A sua forma de apresentação é muito variável e facilmente passível de ser confundida com outras doenças, o que se verificou neste caso clínico.Tipicamente existe hematúria macros-cópica recorrente na sequência de uma infeção respiratória alta. Na maioria dos doentes chega-se ao diagnóstico aquando da investigação de uma he-matúria microscópica assintomática e/ou proteinúria ligeira. Trata-se de uma situação clínica que representa uma das etiologias de hiper-tensão arterial secundária particular-

mente em idades mais jovens. Em cerca de 50 por cento dos doentes verifica-se uma instalação progressiva de insufi- ciência renal terminal com dependência de hemodiálise. O diagnóstico precoce condiciona um melhor prognóstico.O presente caso clínico relata uma do-ença renal crónica com quatro anos de evolução, caracterizada por um quadro de hematúria microscópica, alternando com episódios de hematúria macros-cópica, hipertensão arterial, edemas periféricos, anemia e insuficiência renal com necessidade de hemodiálise e refe-renciação para transplantação.Reveste-se de interesse abordar a ques-tão da possibilidade de alterar o cur-so natural de uma glomerulopatia que afeta doentes em idades jovens,

levanta dificuldades de diagnóstico diferencial e se carateriza por uma apresentação pouco específica. O do-ente teve alta, clinicamente melhora-do e medicado com darbepoietina, nifedipina e atenolol. Foi referenciado à consulta externa de Nefrologia e a centro de diálise, ficando a aguardar transplante.

M. Barbosa; a. Chipepo; a. Jerónimo; a. Lima, G. a. Correia, Internos do Complementar

de Medicina Interna do HSMa. Mendes, Internos do Ano Comum

do Hospital de Santa Maria L. Menezes falcão, Assistente Hospital Graduado

do Hospital de Santa Maria e Cardiologista. Professor da Faculdade de Medicina de LisboaL. ravara, Diretor do Serviço de Medicina I do

Hospital de Santa Maria e Professor Catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa

padecia de síndrome de Gitelman, con-firmado através de estudo genético. A jovem integrou uma coorte de doen-tes de etnia cigana com suspeita clíni-ca desta patologia e confirmou-se por análise mutacional que apresentava uma mutação pontual homozogótica inativadora do gene SLC12A3.1 Teve alta, assintomática, com indicação para manter suplemento de potássio e de magnésio e foi referenciada a consulta de Medicina Interna.

Mário Barbosa, Interno do ano Complementar de Medicina Interna

do Hospital de Santa Mariaeleonora d´apresentação, Interna do Comple-

mentar de Medicina Interna do Hospital de Santa Maria

professor Menezes falcão, Assistente hospitalar, Graduado de Cardiologia no

Hospital de Santa Maria

Nota: Os cargos referem-se à data da publicação dos artigos

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10 Medicina Interna Hoje

uma palavra a dizer

António Rodrigues Dias assumiu o cargo de presidente da direção da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna num momento de maturidade da organização, após ter celebrado o seu 60.º Aniversário. Contou-nos o que tem pela frente, esperando dar continuidade ao trabalho realizado pelas anteriores direções. Encara o acompanhamento e estímulo da atividade dos núcleos de estudos da Sociedade como um desafio real e pretende internacionalizar a revista científica “Medicina Interna”.

Qual o principal desafio que tem pela frente o cargo de presidente da dire-ção da sociedade portuguesa de Medi-cina interna? Seguir o percurso que a SPMI vem tri-lhando há mais de 20 anos, após um período de estagnação subsequente à sua fundação e manter a posição que alcançou no âmbito das sociedades médicas portuguesas. Procurarei fazer um percurso de dignificação da Medici-na Interna, como especialidade Médica

central na saúde, quer do ponto de vista de atualização científica, quer da organi-zação dos cuidados de saúde.

o seu percurso já tinha passado pelos órgãos sociais da spMi – qual a experi-ência que retira para o lugar que agora ocupa? A experiência de passagem pelos diver-sos cargos para que fui sendo proposto impôs-me uma responsabilidade acres-cida perante os associados e deu-me o

conhecimento do que se vai fazendo pelos diversos hospitais do país no âm-bito da Medicina Interna, particularmen-te o que é levado a cabo pelos Núcleos de Estudos.

de que forma poderá o presidente da direção incrementar a atividade dos Núcleos e ser um elemento agregador do trabalho desenvolvido por cada um deles?Esse é um desafio real, visto que se trata

António Rodrigues Dias, novo presidente da SPMI

Medicina Interna: Especialidade central na saúde

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Medicina Interna Hoje 11

de manter e desenvolver uma atividade que é razão de ser da SPMI. Para além de tentar acompanhar as atividades que cada núcleo pretenda desenvolver, pen-so manter a reunião anual com os coor-denadores dos diversos núcleos - uma fórmula importante para que estes se relacionem e se reconheçam como par-tes de um todo indissociável. O trabalho de carácter científico de cada núcleo deve também ser divulgado pelos só-cios, quer através da revista “Medicina Interna” quer através do site da SPMI.

em que medida sente que poderá dar um contributo ativo numa sociedade que foi criada há mais de 60 anos e que tanto tem trazido à medicina portu-guesa?Julgo que uma das razões que terá mo-tivado o convite para desempenhar esta função prende-se porventura com a ex-periência que adquiri quer em funções de direção, como as que tive no Hospital de São Marcos, quer com a organização do 11.º Congresso Nacional de Medici-na Interna, em 2005. Mas diria que foi sobretudo a partilha de uma conceção da Medicina Interna como centro da es-trutura e funcionamento dos cuidados de saúde, numa perspetiva integrada e integradora.

a comunicação externa assume um papel relevante nos tempos atuais. Considera importante estimular a no-toriedade da spMi? A afirmação da Medicina Interna no pa-norama da Medicina e da Saúde passa naturalmente pela visibilidade da sua prestação junto dos seus parceiros na-turais - os doentes. Mas também por ou-tros interlocutores na sociedade, como decisores, indústria farmacêutica e ou-tras sociedades médicas.

de que forma os Núcleos de estudos podem ter um papel ativo na projeção da spMi?Os Núcleos, como órgãos científicos da

SPMI, podem e devem desenvolver tam-bém uma atividade pedagógica e de en-sino para a saúde junto da comunidade dos doentes. As formas mais adequadas e eficazes de o fazerem devem ser os próprios a encontrá-las, sabendo que podem contar sempre com o apoio da direção.

em linhas gerais, o que gostaria de im-plementar ou continuar na spMi? No nosso Programa de Ação estão ex-postas diversas iniciativas através das quais ou com as quais pretendemos dar continuidade ao projeto que foi lançado pelas direções anteriores. De novo, te-mos previsto criar um fórum de antigos presidentes que passará a integrar os Estatutos na próxima revisão. Um dos objetivos que há muito perseguimos é internacionalizar a revista “Medicina Interna”, procurando indexá-la a uma das bases de dados médicas mais prestigiadas.

sente-se presidente de uma sociedade médico-científica de todos os internis-tas?A SPMI congrega hoje um grande con-tingente da comunidade de internistas, que sentem a necessidade de agregar--se à volta de uma instituição forte e prestigiada. O que não significa que não seja necessário melhorar e reforçar a li-gação dos sócios à SPMI, esperando esta direção promover iniciativas que vão ao encontro desse anseio.

a sua experiência profissional foi sem-pre muito ligada ao setor público de prestação de cuidados de saúde. sen-te que o serviço Nacional de saúde é hoje distinto da conceção que existia nos anos 70?No essencial, o SNS permanece como serviço público tal como foi concebido, proposto e aprovado em 1979. As alte-rações de que tem sido alvo, são conse-quência de políticas definidas por suces-sivos governos que tendem a esvaziá-lo da sua natureza de serviço público. O que se ganhou em níveis de qualidade na prestação de cuidados e em índices sanitários pode estar em risco com a implementação de políticas meramen-te economicistas. Um dos aspetos mais graves poderá ser o impacto na qualida-de da formação profissional, onde o ní-vel de competência técnica e de desem-penho pode baixar, o que poderá ser visível só a médio e longo prazo. Quem fizer contas a curto prazo pode incorrer em erros de consequências catastrófi-cas. “O que é barato sai caro…”

Como avalia o acesso dos utentes aos serviços de saúde em portugal, nomea- damente ao médico assistente?Há assimetrias e diferenças assinaláveis no acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde. Há cidadãos que têm acesso por várias vias e há cidadãos que ainda não têm acesso condigno a um médico de família. Aparentemente as discrepâncias parecem de fácil resolução e há meios para racionalizar recursos. O que não sig- nifica automaticamente menores cus-tos. Um serviço público não tem neces-sariamente que dar lucros.

Como considera que deve ser feita a articulação com os cuidados primários de saúde? É sua intenção alimentar a plataforma de entendimento com a so-ciedade portuguesa de Medicina Ge- ral e familiar que foi estabelecida pela anterior direção? Qual a sua visão so-bre esta união de esforços?Esta plataforma foi uma importante ini-

Quem fizer contas a curto prazo pode incorrer em erros de consequências catastróficas. “O que é barato sai caro…”

Medicina Interna: Especialidade central na saúde

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ciativa da direção anterior, com particu-lar desempenho do Dr. Martins Baptista. Importa prossegui-la, discutindo e esta-belecendo linhas de trabalho comum e delimitando o que deve ser separado, evitando sobreposições de competên-cias e funções. Pode parecer um tra-balho fácil à partida, mas vai requerer muita disponibilidade, muito diálogo e muito bom senso. Tendo sempre por orientação o interesse dos doentes.

Qual a sua visão sobre a rede Nacional de Cuidados Continuados integrados (rNCCi) e o estado de desenvolvimen-to a que chegou?A criação da RNCCI foi uma medida polí-tica de grande alcance social, mas volta-mos à questão do Serviço Público: tem custos que o Estado, enquanto admi-nistrador da sociedade, tem de procurar assegurar, sem onerar os seus utilizado-res. Porque representa uma dignificação dos cuidados de saúde para estratos populacionais fragilizados deve ser una-nimemente apoiada. Quanto à sua orga-nização e articulação com os restantes cuidados de saúde, parece-me que há muita burocracia e rigor normativo que, em muitas situações, esvaziam o carác-ter humanizante que está implícito na sua criação.

a gestão do doente crónico tem sido uma preocupação importante para a spMi, tendo a sociedade lutado por ser parte da solução de problemas em portugal junto de decisores políticos. pretende manter esta posição?A SPMI estará permanentemente dispo-nível para dar o seu contributo junto dos decisores políticos, assim este o seja so-licitado. Sendo a Medicina Interna uma especialidade generalista estará natu-ralmente vocacionada para o acompa-nhamento dos doentes crónicos, a nível de ambulatório. A Medicina Interna é a plataforma natural de interface com os cuidados hospitalares, porque se tratam

Qual a sua opinião relativamente à criação de novas especialidades a par-tir da Medicina interna? Este é um debate que vem de há muito tempo e que se há-de prolongar. Mas se tivermos em consideração que pratica-mente já foram criadas todas as espe-cialidades por órgão ou por aparelhos e sistemas, não faz sentido criar mais especialidades. As especialidades gene-ralistas - de que é exemplo a Medicina Interna -, mantêm-se como “cimento” ag- lutinador entre todas as especialidades que delas se originam, e são o interface comum a todas elas.

subsiste o problema das subespeciali-dades e das competências…Do ponto de vista histórico podemos dizer que todas as especialidades que nasceram de especialidades generalis-tas se deveriam chamar de “subespe-cialidades”, como o que se passa com as subespecialidades pediátricas. Mas isto conduz-nos a uma “guerra” que não é útil para ninguém. O mesmo já não acontece com as ”competências” que não são mais do que o desenvolvimento de capacidades técnicas de diagnóstico e terapêutica: aqui é consensual que, ad-quirida habilitação numa especialidade, qualquer médico, independentemente da sua especialidade, pode desenvolver competências que terão de ser reconhe-cidas por órgãos próprios da Ordem dos Médicos.

Considera que a especialização é uma vantagem ou uma ameaça? A resposta não é fácil, porque, por princí-pio, todo o médico, o Internista incluído, deve pugnar pelo seu desenvolvimento científico e tecnológico, e isso é uma vantagem. Quando esse desenvolvi-mento se faz num sentido limitado esta-mos a perder um Internista, porventura a ganhar um novo especialista. Em toda a história da medicina isto aconteceu, é inevitável, e assim continuará a ser.

uma palavra a dizer

de patologias com inúmeras agudiza-ções exigindo cuidados de internamen-to. É também uma área onde há que fazer formação contínua melhorando as competências e desempenho dos internistas.

Como vê a reestruturação recente das Unidades de saúde no país, com o en-cerramento e aglutinação de hospitais em centros hospitalares?A racionalização de recursos é, à parti-da, uma estratégia correta. A tática para a implementar é que pode trazer constrangimentos aos objetivos que a prestação de cuidados de saúde deveria prosseguir. Ou seja, quando se agregam unidades de saúde em nome do princípio estratégico, pode estar a desperdiçar-se recursos que envolveram grandes investimentos fi- nanceiros, não só em equipamentos como em recursos humanos, e esses custos muitas vezes não são avalia-dos. Não falando já da restrição de acesso que tais medidas implicam. O que tem de ser feito deve de ser bem ponderado, sob pena de ser “pior a emenda que o soneto”. Fala-se muito que o doente deve estar no centro das decisões mas receio que, muitas vezes, o que prepondera, não é o inte-resse do doente.

Concorda com os novos modelos de gestão dos doentes nos hospitais, nos quais têm sido dados passos na abolição dos serviços com o objeti-vo de colocar o internista como ges-tor do doente? Concordo, desde que se ressalvem duas condições: que a Medicina In-terna esteja presente nos órgãos de-cisores de pleno direito e lidere a or-ganização e funcionamento dos seus recursos; e que esta estratégia de ges-tão seja partilhada pelas outras valên-cias com respeito mútuo nas decisões que este tipo de gestão envolve.

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se os internistas não assumirem esta capacidade e importância poderá ser uma especialidade comprometida e esvaziada de funções?Pelo que acabo de dizer, só por atitude “suicida” ou de facciosismo bacoco, não se reconhece o papel central e determi-nante da Medicina Interna na organiza-ção dos recursos e na prestação de cui-dados. Por isso não prevejo a Medicina Interna esvaziada de funções, antes pelo contrário.

Neste contexto de reorganização da saúde em portugal, em que um dos principais objetivos é tornar o sistema mais sustentável, de que forma pode a Medicina interna ser parte da solução?A organização dos cuidados hospita-lares centrados na Medicina Interna pode reduzir custos de funcionamento relacionados quer com diminuição de consumíveis quer com diminuição de tempo de internamento. Naturalmen-te que requer um bom apoio de todas as especialidades. Há estudos efetua-dos que apontam neste sentido.

a valorização do desempenho da Medicina interna necessita de ser reequacionada. Quais considera se-rem as vantagens de adaptação do custo-efetividade da Medicina in-terna?Importa que os órgãos de gestão e os decisores políticos saibam avaliar as vantagens da Medicina Interna para a gestão e, a partir daí, saibam valorizar, por parâmetros e meios a discutir, o desempenho dos internistas nas ins-tituições. Mas não se pense que se pode reduzir a importância da Medi-cina Interna a uma simples fórmula contabilística.

Com a especialização da medicina e da cirurgia e com as novas tecno-logias, a Medicina interna é uma es-pecialidade que tem ganho poucos

adeptos. Na sua opinião, quais devem ser as estratégias para atrair internos?A principal estratégia é a definição do modelo de organização hospitalar. Como disse atrás, esta estratégia impli-ca a criação de consensos e a partilha de responsabilidades e poderes. De-finida esta estratégia, importa avaliar e planificar os recursos. A abertura de mais vagas em Medicina Interna deve depender de uma planificação correta de acordo com os pressupostos que apontei.

Concorda que o internista possa estar em outros settings que não o hospital?O internista deve estar onde for pre-

ciso, não numa perspetiva de “pau para toda a colher”, mas de responder às necessidades do doente. A diversi-dade com que a prestação de cuida-dos hoje se apresenta, implica que o internista esteja disponível para o do-ente, com respeito pela sua dignidade profissional e humana, corroborando desse modo o papel central da Medi-cina Interna. Há experiências noutros países, muito perto de nós, em Espa-nha, de cuidados de hospitalização domiciliária, que mais não é do que le-var aos doentes cuidados hospitalares em ambulatório, com resultados satis-fatórios sobretudo para os doentes.

o regime da carreira médica tem sido muito criticado pelos internis-tas e tem sido motivo de lutas den-tro da classe. Qual a sua opinião so-bre o regime mais recente?As carreiras médicas representaram, e representam ainda o esteio funda-mental da organização dos cuidados de saúde em Portugal, pesem embo-ra todas as críticas que lhes são assa-cadas. Não tenho visto muitas críticas por parte de internistas, mas o defeito pode ser meu. As críticas que estão na ordem do dia prendem-se com medidas que tendem a esvaziar e fazer desapare-cer as carreiras, a nivelar o desempenho por uma única bitola, desaparecendo os lugares de carreira, a desmotivar o inte-resse pela formação contínua e a retri-buir pelo preço mais baixo. As carreiras são o garante de uma formação exi-gente e reconhecida pela Ordem dos Médicos, e de uma formação contínua que mantém o nível de desempenho técnico de qualidade e do reconheci-mento público de uma profissão que presta um serviço aos cidadãos. Acabar com as carreiras médicas é a entrada no caos, no “salve-se quem puder” e inevi-tavelmente na diminuição da qualida-de da prestação de serviços de saúde e dos níveis sanitários dos portugueses.

As carreiras são o garante de uma formação exigente e reconhecida pela Ordem dos Médicos, e de uma formação contínua que mantém o nível de desempenho técnico de qualidade e do reconhecimento público de uma profissão

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primeiros passos

Há quem diga que o problema é decidir-mos o que queremos ser “ quando formos grandes” cedo demais: Para mim é mais uma questão de ter tido “a sorte” de cedo saber o que queria ser. Agora relembro o curso com saudade - como se tivesse sido há muito tempo - no velho Campo de Santana, que me empolga sempre que por lá passo. Ao longo desses anos foram algumas as ideias, mas aguardava o tal “click” – a grande decisão: a especialidade. A Prova Nacional de Seriação, bem, “essa” prefiro escapar ao comentário. Todos sabe-mos ao que vamos, independentemente de alguns estudarem num mês, o que outros es-tudam em quatro ou cinco. Depois há situa- ções pontuais: a tal gripe no dia que menos jeito nos dava, ou a diarreia que nos faz inter-romper o estudo a cada quatro minutos. Há que trabalhar muito e responsabilizarmo-nos pelo que fizemos.E mais uma vez tive a tal “sorte” pois aquilo que queria, dentro da Medicina era Medicina Interna, a especialidade que todos apregoa- vam ser “o verdadeiro médico”, mas de que todos fugiam. Porquê? As carga assistencial excessiva, as horas de urgência, as muitas noi-tes sem dormir. Hoje percebo o porquê da “sorte de querer ser médico”. Queria poder estar lá, ajudar,

ajudar o mais possível, e a Medicina Interna era mesmo isso: “o verdadeiro médico” que “ajuda mais”. Mantive-me fiel a essa vontade. Encontrei pelo caminho pessoas que admi-ro: o que faziam, o que diziam, na maneira como defendiam o doente. “Sorte” nova-mente: continuo a encontrá-las pelo ca-minho. É, afinal de contas, também esse, o porquê de ser médico. O médico é humano, como os doentes que defende, envolve-se, luta por eles. Confiam em nós e temos que retribuir, procurando o melhor para os doentes.Os primeiro meses passaram, as horas “dor-midas” na urgência, a carga assistencial ex-cessiva pesa nos ombros, mas... o rumo que me alegra é este. Pergunto: Masoquismo? Para muitos talvez, mas quando penso no que já aprendi, no quanto me envolvi e até pelo que já chorei…acho que sim. É isto que quero fazer.Para se ser interno de Medicina Interna é preciso querer, querer muito. O estudo que não acaba, a abrangência é interminável. Mas quando se quer sabe-se que se quer.Comecei este “desabafo” nos primeiros pas-sos, mas senti necessidade de recordá-los, porque cada vez que o faço, encontro-me e sei para onde vou, e em nada me inibo de querer melhor nos próximos passos que der.

Consultora ComercialSónia Coutinho

[email protected].: 96 150 45 80

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José paxiuta Interno do 1.º ano do Internato Complementar de Medicina Interna do HPP Hospital de Cascais

Quando for grande quero ser Internista

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do lado de cá

O jornal estava em pleno fecho como todas as quintas-feiras, mas naquele dia havia uma diferença: a editora estava de férias. Coubera a um colega a tarefa de zelar pela engrena-gem da secção e que de Saúde conhecia apenas a ‘ótica do utilizador’. Ouvia-se o som das teclas pressionadas pelos dedos de quem se apressava contra o tempo, quando a voz do editor interino soou mais alto: «Oh Vera, internista? Nin-guém percebe».Não foi a primeira vez - nem seria a última -, que tive de abandonar o idioma ‘saudez’ (como se diz na redação) para clarificar o que, afinal, não era claro. Usei uma das várias definições que fui aprendendo e que hoje adapto ao perfil de quem me questiona. «Internista é um especialista em medicina interna», mas uma ruga na testa do editor fez-me avançar com um trunfo que, naquele caso, não iria falhar: «É um Dr. House…». E lá avançou a revisão do artigo, de que já não me lembro sobre o que era.A minha ‘muleta’ com o Dr. House, contu-do, só é eficaz em poucas situações, pois a maior parte das pessoas a quem já tive de explicar o que é um internista não tinha sinal cabo, preferia outros programas ou nunca tinha visto nada sobre o assunto no circui-to interno de televisão da sala do hospital onde espera horas pela chamada para o atendimento. Para estes casos, lá vou usan-do outras explicações sem rigor e, se calhar, até com erros, mas que ajudam quem quer saber o que faz um internista. Mesmo assim, não é tarefa fácil. Internista é o médico que se especializa em medicina interna. «Interna porque só trata o interior do corpo?» Internista é o médico que não se dedica so-mente ao coração, à bexiga, às crianças…mas a todo o organismo. «Portanto, sabe pouco sobre tudo?»Internista é o médico conhecido como o

médico dos médicos. «Os médicos quando adoecem são tratados por internistas?»Internista é o médico que sabe muito sobre as doenças e que, por isso, consegue fazer os diagnósticos mais complexos. Pode ser ele a tratar ou encaminhar o doente para o espe-cialista no problema identificado. «Descobre tudo e não trata nada?»Parecem conversas improváveis, mas não são. Tive-as com familiares idosos, vizinhos e até amigos. E um dos últimos diálogos acon-teceu no mês passado. Um conhecido fora internado devido a um acidente e após a cirurgia começou a ter reações alérgicas às várias tentativas de me-dicação. «Estamos à espera que alguém da medicina interna o veja para encontrarem os medicamentos certos», contava o familiar do doente. E encontraram. Ainda assim, pairou uma dúvida: «Porquê medicina interna? Não deveria ter sido um alergologista a vê-lo?».É um facto que a população portuguesa nunca soube tanto sobre Saúde como hoje, conhece as maleitas de que padece e até se sente à vontade para questionar o médico, mas também é verdade que o acesso faci-litado à informação - muitas vezes pela In-ternet, pelos vizinhos, familiares ou colegas - não vem acompanhado do respetivo ‘livro de instruções’ e cada um usa-a à sua maneira. É importante, por isso, que a informação seja fidedigna e os médicos estão entre as fontes privilegiadas. Portanto, da próxima vez que receber um novo doente, faça o teste. Per-gunte-lhe se sabe o que trata um internista e, quem sabe, surpreenda-se com a resposta. No dicionário de termos médicos, elaborado pelo professor catedrático jubilado da Facul-dade de Medicina de Lisboa Manuel Freitas e Costa, a medicina interna «estuda mais pro-fundamente todas as situações patológicas que podem atingir o Homem e, em regra, de caráter não cirúrgico».

O que é um internista?

Ouvia-se o som das teclas pressionadas pelos dedos de quem se apressava contra o tempo, quando a voz do editor interino soou mais alto: ‘«Oh Vera, internista? Ninguém percebe».

Vera Lúcia arreigosoJornalista do Jornal Expresso

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revelações

17.º CUrso de Verão da esCoLa eUropeia de MediCiNa iNterNa (esiM) ESIM Summer School 2 a 8 de setembro de 2012Kusadasi - Turquia 3.ª esCoLa de Verão iNterNos de MediCiNa iNterNa 13 a 15 de setembro de 2012 X CUrso pós-GradUado soBre eNVeLheCiMeNto Geriatria prátiCa 20 e 21 de setembro de 2012 Auditório do Hospital da Universidade de Coimbra i CUrso de forMação eM Boas prátiCas CLíNiCas 28 de setembro de 2012 Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Organização: Laboratório de Farmacologia Clínica e Terapêutica da FMUL CoNGresso paN-aMeriCaNo de iNsUfiCiêNCia CardíaCa 18 a 21 de outubro de 2012 Cidade do Panamá, Panamá 11.º CoNGresso da efiM XXXiii CoNGresso NaCioNaL da soCiedade espaNhoLa de MediCiNa iNterNa (seMi) 24 a 27 de outubro, Madrid Palácio Municipal de Congressos do Cam-po das Nações (IFEMA Convention Centre) CUrso de deseNVoLViMeNto NorMaL da CriaNça dos 0 aos 5 aNos 29 a 31 de outubro Organização: Serviço de Reabilitação Pediátrica e Desenvolvimento do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão

agenda

Eventos Médicos

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A paixão pelos azulejos começou como um passatempo na vida do internista António Barros Veloso que, desde há 30 anos, acom-panhado de Isabel Almasqué, sua mulher, recolhe fotografias e registos de azulejos de locais que visitam. Barros Veloso assume-se como amador, su-blinhando que não é historiador ou arquite-to, mas o seu nome e o de Isabel Almasqué são já referências incontornáveis na histo-riografia da azulejaria em Portugal. Em finais dos anos 80, o casal edita, pela mão da Câ-mara Municipal de Lisboa, que reconhece a utilidade pública da sua pesquisa, “Azulejos de fachada em Lisboa” (1988), bem como um inventário da azulejaria de fachada em Lisboa (realizado por encomenda da C.M.L. em 1988-89). Este inventário contém cerca de seis mil fichas de edifícios com azulejos nas fachadas e encontra-se na posse desta autarquia. Poucos anos depois, os autores tinham já material para outro livro, “Azulejaria de ex-terior em Portugal”, editado em 1991. Em 1996, é publicado “Hospitais Civis de Lisboa

- História e Azulejos” e, em 2000, os autores enriquecem mais uma vez o panorama cultu-ral português com “O Azulejo Português e a Arte Nova”.Barros Veloso foi ainda Comissário da Exposi-ção “A Arte Nova nos Azulejos em Portugal – Coleção Feliciano David/Graciete Rodrigues”, em Aveiro (2011), atualmente presente ao público no Museu de Cerâmica de Sacavém. Ambos os autores têm sido convidados para inúmeras palestras sobre o tema e o seu tra-balho foi reconhecido com a atribuição de diversos prémios. O Internista e a mulher integram o grupo dos amigos do Museu Na-cional do Azulejo e sublinham que o trabalho de pesquisa e recolha tem sido voluntário, motivado por interesse pessoal pela história, arquitetura e arte. Barros Veloso está reformado, tendo sido Diretor de Serviço de Medicina Interna (1985-2000), presidente da Sociedade Médica dos Hospitais Civis de Lisboa (1987-1989), da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (1991-1994) e da Comissão de Ética para a Investigação Clínica (2005-2011).

Prémios:Prémio Municipal “Augusto Vieira da Silva”, 1989.Menção honrosa do Prémio Municipal “Júlio de Castilho” de Olissipografia, 1989. Prémio Municipal “Júlio de Castilho” de Olissipografia, 1996.Prémio Investigação “SOS Azulejo” , 2011.

Paixão pelos azulejos

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Paixão pelos azulejos

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