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aO ANTICOMUNISMO COMO PRIORIDADE NA INTERVENTORIA
PARAIBANA (1935-1940)
WANIÉRY LOYVIA DE ALMEIDA SILVA
Introdução
Pode-se dizer que o termo anticomunismo surgiu juntamente com a ideologia
comunista, e servia assim para caracterizar aqueles que, não identificados com o
marxismo-leninismo – uma das principais vertentes do comunismo, responsável pelas
maiores mudanças e as mais pesadas críticas ao sistema capitalista, a partir da
Revolução de 1917 – faziam ferrenha oposição aos seus métodos e práticas. Todavia, a
partir da expansão mundial do comunismo, o seu antagônico, “o anticomunismo passou
a assumir significados mais profundos que o de uma simples oposição as práticas e
métodos comunistas. ” (CAVALCANTE NETO, 2014, p. 44).
Até o século XIX, tal ideologia aparecia apenas como um “fantasma ou
espectro”, do qual muitos tinham medo, mas plena consciência de que era praticamente
impossível a sua efetivação devido as raízes profundas da ideologia liberal e do sistema
capitalista. Entretanto, quando a experiência se concretizou na Rússia de Lênin, em
1917, todo o medo passou a ser canalizado de algo “ficcional”, para algo real. A
Revolução de 1917 mostrou que o fantasma existia e que havia infinitas possibilidades
de ele ganhar corpo.
A ascensão dos bolcheviques ao poder na Rússia causou um impacto
muito forte: o que antes era somente uma promessa e uma
possibilidade teórica transformou-se em existência concreta. O
entusiasmo e a esperança dos revolucionários, somados à crise da
sociedade liberal no contexto pós-Primeira Guerra, provocaram
considerável crescimento da influência dos ideais comunistas.
(MOTTA, 2002, p. XX).
*Graduada em História pela Universidade Federal da Paraíba, está vinculada ao Programa de Pós-
graduação desta mesma instituição. <[email protected]>.
2
No Brasil, o sentimento anticomunista presente desde o século XIX e inicios do
XX1, foi se tornando cada vez maior durante os anos de 1930, a partir do fortalecimento
do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e posteriormente com a criação da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), o que levou a construção de um conjunto de
representações negativas e distorcidas do que era o comunismo e que povoam até hoje o
imaginário da sociedade brasileira.
Todavia, foi a partir de 1935 que o medo a “ameaça comunista” se consolidou,
devido a tentativa de golpe contra o governo, que ficou conhecida como Intentona
Comunista. O movimento mesmo que fracassado, fez parecer que finalmente o fantasma
da doutrinação bolchevique tinha chegado ao Brasil, que corria um sério risco de ser
entregue aos subversivos. A partir daí se montou toda uma estrutura imagética, que
reforçada pelo pavor provocado pelas ideias desvirtuadas sobre comunismo que eram
propagas pelos meios de comunicação, serviram para justificar os atropelos
democráticos que passaram a ser cometidos desde então e as medidas de violência e
repressão adotadas contra a esquerda (MOTTA, 2002, p. XXII).
Na Paraíba, como não poderia ser diferente, o mesmo argumento - ameaça
comunista – passou também a ser utilizado para legitimar as várias prisões e
perseguições a que intelectuais, jornalistas e trabalhadores operários tiveram que passar
após as sublevações dos estados do Rio Grande do Norte e Pernambuco. Uma vez que,
o então governador, e posterior interventor paraibano, Argemiro de Figueiredo, tratou
para que o estado servisse como exemplo de anticomunismo, como passaremos a ver a
partir de agora.
A “real” ameaça comunista na Paraíba e o novembro de 1935
O ano de 1935 na Paraíba se iniciou com grandes promessas de progresso,
modernização e desenvolvimento feitas pelo governador eleito de maneira indireta pela
Assembleia Legislativa, o senhor Argemiro de Figueiredo. Herdeiro de um dos mais
1 O anticomunismo no Brasil se fazia presente desde o século XIX, na escrita de alguns intelectuais da
época, a exemplo do jurista Rui Barbosa. Ver Faustino Teatino Cavalcante Neto, 2014, p. 48.
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influentes coronéis da Velha República no Estado, Figueiredo figurou também como
um dos “órfãos”, de herói João Pessoa, sendo escolhido dentre tantos, pelo Ministro
José Américo de Almeida, para dar continuidade a grande obra do ex-presidente
paraibano mitificado.
Já em seu discurso de posse, Argemiro assegurou aos seus conterrâneos que faria
de tudo para eliminar as intrigas, inimizades e egoísmos que tornavam o Estado
infrutífero e o impediam de crescer. Em troca, sob a união e congraçamento das forças
prometia um futuro primoroso, do qual os paraibanos só poderiam se orgulhas. Para tal,
se fazia urgente a cooperação de todos para o estabelecimento da ordem, que só poderia
ser alcançada através do poder coercitivo exercido pelo braço da justiça, e completa:
“Senhores, só um fim justifica o emprego da violência – é para destruir o mal e impor o
bem. ” (FIGUEIREDO, 1935 apud SYLVESTE, 1993, p. 177).
Esse mal, visto e temido em todos os cantos, nada mais era que o comunismo.
Tido como um desvio, uma subversão da hierarquia social e da própria ordem natural
das coisas, tal regime ia de encontro a todos os princípios da moralidade cristã e familiar
brasileira e paraibana e que baseado na ignorância do operariado pobre, vinha se
espalhando rapidamente em todo o território.
O rápido crescimento da Aliança Nacional Libertadora - ANL – fez com que o
governo federal as declarassem ilegais, promovendo assim o seu fechamento. Na
Paraíba, Argemiro de Figueiredo procurou estabelecer uma relação cordial em um
primeiro momento, com os principais líderes comunistas paraibanos, uma vez que
Pretendendo evitar problemas maiores com o movimento, convidou
João Santa Cruz, presidente da agremiação na Paraíba, para ir ao
Palácio do Governo e mostrou-lhe o Decreto 229, de 11 de julho de
1935, que recebera do Presidente Getúlio Vargas naquele dia.
O Decreto determinava o fechamento das sedes da ANL em todo o
Brasil e, portanto, aconselhou-o a não prosseguir com a ideia de
inaugurar a sede da Aliança na Paraíba. Ao que tudo indica, João
Santa Cruz aceitou as ponderações de Argemiro de Figueiredo, porque
a sede não foi inaugurada. (SILVA, 2003, p. 48).
4
Todavia, por mais que uma sede da ANL não tenha sido inaugurada na Paraíba,
isso não significou a ausência de um movimento de trabalhadores, que influenciados
pela ideologia comunista passaram a reivindicar os seus direitos. Entre os anos de 1934
e 1935 podemos perceber uma grande mobilização por parte do operariado paraibano.
Isso foi reflexo da orientação do próprio Partido Comunista Brasileiro, com o intuito de
gerar greves e manifestações para assim pressionar os patrões a atenderem as demandas
dos trabalhadores.
Contudo, por mais que os primeiros movimentos desse tipo tivessem ocorrido
ainda sob a interventoria de Gratuliano Brito, notamos uma relação pacifica entre as
forças em ação naquele momento. O que não pode ser dito do governo seguinte. Por
mais que incialmente Figueiredo tenha adotado uma política de relativa tolerância, ao
passo que os movimentos se intensificavam a reação da força repressora aumentava sua
proporção. Sendo assim, concordamos que “Até 1934, a relação entre as
representações da classe trabalhadora e a interventoria eram amistosas tornando-se
tensas e até mesmo hostis a partir de então. ” (GURJÃO, 1994, p. 150).
Em outubro de 1935 estouravam as primeiras greves, as quais o governador
respondeu em tom de ameaça, ao passo que afirmava conceder garantias aos
trabalhadores que arrependidos, se desvinculassem do movimento e voltassem as suas
funções (A IMPRENSA, 02 de outubro de 1935). A pequena vitória que conseguiram
serviu para elevar a moral dos trabalhadores. Em matéria publicada pelo jornal oficial
do Estado, A União, se noticiava o fim do movimento e a postura adotada pelo governo.
Terminou hontem, por um accôrdo entre patrões e operários, a greve
de trabalhadores de cães e trapiches, que se pronunciara há dias nesta
capital.
Esse movimento mereceu desde o início, a attenção do Governo que,
por intermédio da repartição competente, tomou as medidas
preventivas necessárias, guardando fabricas e edifícios e oferecendo
garantias aos que quizessem trabalhar. (A UNIÃO, 02 de outubro de
1935).
A partir de novembro a situação se radicalizou. Cansados de não obterem suas
necessidades atendidas, os operários paraibanos, orientados pelos líderes comunistas,
passaram a pressionar cada vez mais os donos das fabricas e a elite. O movimento
grevista acabou reunindo as mais variadas categorias, operários da construção civil,
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empresa de telefonia, ferroviários, trabalhadores das fabricas de cimento e sabão,
tornando-se assim a maior greve já registrada até então.
Enquanto isso, a imprensa propagava através de suas publicações as ideias de
bagunça, desordem e desrespeito as autoridades, afirmando que há dias a cidade se
encontrava sobressaltada por arruaceiros, subversivos e adeptos do credo extremista de
Moscou. “A tática dos comunistas foi sempre esta: provocar a intranquilidade em
primeiro lugar, depois, de insustentabilidade pelas greves gerais para, no momento
azado, aparecer o golpe ‘armado’. ” (A IMPRENSA, 09 de novembro de 1935, p. 01).
Na visão deturpada da Igreja, os grandes culpados pelas paralisações eram os
comunistas, que se utilizando da ignorância e da boa-fé dos trabalhadores paraibanos, os
enganavam com falsas promessas, convencendo-os a ficarem contra a “ordem” e o
governo. Iludidos, esses “pobres homens” se prestavam a atender a trama bolchevista
que tentava se espalhar cada vez mais pelo Estado.
Sentindo-se pressionado, o governador enviou o seu Secretário do Interior, o
senhor José Mariz, para se encontrar com as lideranças grevistas e tentar chegar em um
consenso, o qual a maior parte das categorias acabou cedendo, exceto os operários da
construção civil que optaram pela continuidade do movimento. Em solidariedade aos
companheiros da construção civil, outras categorias mesmo já tendo as duas demandas
atendidas preferiram dar continuidade ao movimento.
Entretanto, a ação da polícia para desmobilizar o movimento foi precisa.
“Novamente, a forte guarnição da polícia, de armas pesadas nas mãos, agiu
violentamente contra a massa operaria, dispersando a aglomeração em torno dos
sindicatos, que voltava poucos minutos depois. ” (SILVA, 2003, p. 57).
Diante da situação conturbada, uma nova reunião das lideranças grevistas foi
marcada com o Secretário e os chefes de polícia. Nessa reunião ficou estabelecido que
os trabalhadores voltariam imediatamente as suas funções, receberiam um aumento
salarial, e as sedes dos sindicatos que haviam sido fechadas voltariam a funcionar, assim
como os operários presos seriam postos em liberdade.
O acordo foi aceito, e já no dia 10 de novembro o fim da greve era estampado
nas páginas do Jornal Oficial do Estado, A União. Todavia, a parte do acordo que cabia
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aos empresários não foi cumprida, tendo o governo se isentado de sua responsabilidade
para com o operariado paraibano.
O governo Argemiro de Figueiredo que não exercera nenhuma
intermediação junto aos patrões no sentido do cumprimento da
legislação trabalhista em vigor, no entanto, levou a efeito severa
fiscalização e violenta repressão sobre os trabalhadores desde os
movimentos grevistas de 1935. (GURJÃO, 1994, p. 163).
A partir de então o movimento dos trabalhadores da capital paraibana só tendeu
a arrefecer devido à forte perseguição e ameaças que sofriam por parte do governo, que
usava da ideia de “ameaça comunista” para justificar sua postura agressiva. Situação
essa que só veio a piorar com as tentativas de levante nos Estados do Rio Grande do
Norte e de Pernambuco, e que afetaram mesmo de forma indireta a Paraíba.
O combate ao comunismo – força e repressão
Inesperadamente, na noite de 23 de novembro de 1935, alguns soldados tentaram
tomar a força o 21° Batalhão de Cavalaria do Exército, sediado em Natal. No dia
seguinte, de forma não coordenada, a mesma ação aconteceu em Recife. O jornal oficial
do Estado, alardeava a situação ajudando a criar um clima de instabilidade e medo, pois
afirmava que tendo em Natal “os levantados occupado o telegrapho, as notícias
daquella capital passaram a ser de todo incertas”. (A UNIÃO, 26 de novembro de
1935, p. 01).
A respeito da tentativa de tomada do 29° Batalhão de Cavalaria e Villa Militar
do Socorro, em Recife, o mesmo jornal publicava a notícia de um grande tiroteio, que
teria vitimado militares fieis ao Exército:
A parte fiel a legalidade ficou sitiada num dos pavilhões daquelle
moderno aquartellamento, ferindo-se forte tiroteio. No Quartel
General e na Administração, um inferior e três praças manifestaram
apoio ao levante do 29°, dando-se a reacção, com a morte de 1°
tenente e de um sargento, ferido também outro 1° tenente. Elementos
civis estavam alli ligados ao levante e figuravam no grupo militar que
veiu de Socorro e avançou até o Largo da Paz, onde durante toda a
tarde de domingo e madrugada de hontem manteve cerrado tiroteio,
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detido pelas forças da Brigada Policial e contingentes fieis do
exército. ”. (A UNIÃO, 26 de novembro de 1935, p. 01).
Situada entre os Estados sublevados, a Paraíba sob o comando de Argemiro de
Figueiredo, tentou servir de modelo e dar o exemplo de ordem e combate a subversão.
A partir de então, se inaugurou uma verdadeira “caça-as-bruxas” em solo paraibano.
Logo que soube dos acontecimentos, Figueiredo se cercou para que tal movimento não
chegasse a Paraíba, fazendo do Estado uma verdadeira barreira entre Natal e Recife,
dificultando a expansão do movimento (GURJÃO, 1994, p. 163).
Logo que teve conhecimento das occorrências de Natal e Recife, o
govêrno deste Estado tomou immediatas medidas de precaução, sendo
postas de promptidão todas as companhias da Força Pública nesta
capital e no interior, mobilisados vários destacamentos locaes e postos
de sobre-aviso outros elementos de auxilio as autoridades. Nesta
capital chegaram na tarde de domingo cerca de 70 praças vindas de
Campina Grande, ao passo que para essa cidade viajavam vários
contigentes do sertão. ” (A UNIÃO, 26 de novembro de 1935, p. 01).
O medo do comunismo se tornou real. O espectro que antes apenas rondava,
tinha ganhado corpo e ameaçava a unidade nacional. Todavia, primeira grande onda
anticomunista2, imbuída na mentalidade da população, não se configurava como causa
das tentativas de levante que se espalhavam pelo país naquele momento. Pelo contrário,
a reafirmação do medo só foi possível graças ao trabalho doutrinário e desvirtuado que
vinha sendo feito pela imprensa brasileira e paraibana, a respeito do comunismo, desde
a Revolução de 1917 (CAVALCANTE NETO, 2014, p. 219).
Dessa forma, a repressão a todos os considerados suspeitos ou mais politizados
foram duramente perseguidos, presos e torturados das mais diversas formas possíveis. A
tentativa de levante na Paraíba, tinha acabado antes mesmo de começar. Considerado o
responsável por vir liderar os comunistas paraibanos, na tentativa de golpe do dia 26 de
novembro de 1935, Otacílio Alves de Lima3, Capitão do Exército e militante da Aliança
Nacional Libertadora, acabou preso, mesmo antes de chegar ao seu destino.
2 De acordo com Faustino Teatino Cavalcante Neto (2014), a “Primeira grande onda comunista” ocorreu
entre os anos de 1935-1937, sendo a “Segunda grande onda comunista” datada a partir de 1964, com o
estabelecimento da Ditadura Militar. 3 Ver Waldir Porfírio Silva, 2003, p. 78.
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Na noite do dia 25, os comunistas paraibanos repassaram as suas funções e
acertaram os últimos detalhes para que no dia seguinte, o Estado já amanhecesse
tomado pelas forças revolucionárias, de forma que “todos ficaram aguardando, naquela
noite, a hora marcada para executar as suas tarefas”. (SILVA, 2003, p. 75). Entretanto,
nada saiu como o planejado, e sendo assim:
A resposta aos que participaram da tentativa de insurreição veio de
imediato pelo Governo da Paraíba. Logo na manhã do dia seguinte do
malogrado plano revolucionário, os soldados do Exército e da Polícia
Militar estavam nas ruas vasculhando as casas dos comunistas,
aliancistas, sindicalistas, intelectuais, profissionais liberais e
estudantes mais conhecidos nos meios da luta de classes em nosso
Estado. (SILVA, 2003, p. 81).
Nos dias subsequentes, operários paraibanos, do Rio Grande do Norte, de Recife
e vários outros setores sociais se regozijaram e agradeceram as prontas ações do senhor
governador da Paraíba, em lhes socorrer e ajudar a pôr fim em um movimento
extremista e que causou sobressalto a todos, ao passo que promoveu a união da
coletividade em prol de liquidar a pecha comunista.
S. excia. foi o democrata em ação. A segurança e tranquilidade da
família conterrânea tinham nelle a sinjella vigilante e firme que um só
instante não titubeou nas providencias emitidas com energia e
promptidão, para assegurar a ordem e o princípio da autoridade
ameaçados pela offensiva extremista.
O povo que acorria ao Palacio da Redemção para hypothecar ao
Governador a sua solidariedade espontânea e patriótica, lá encontrava
com aquelle mesmo sorriso de confiança intima de symphatia e
affabilidade com que costuma recebel-o, nos dias normaes a hora das
audiências públicas.
A eloquência dessa demonstração collectiva que S. excia. teve o
ensejo de sentir durante todas as horas, na phase mais angustiosa que
atravessamos, foi uma prova de que, quando periga a salvação pública
não subsistem facções nem antagonismos e sim o interesse supremo
de um povo unido na defesa de si mesmo. (A UNIÃO, 30 de novembro
de 1935, p. 01).
A Lei de Segurança Nacional se encarregava de justificar as violentas ações que
eram praticadas para com os presos a partir de novembro de 1935, ao passo que o
Delegado Praxedes Pitanga juntava uma gama de documentos que serviriam para
comprovar que o plano de subversão na Paraíba realmente existia, e se não fosse pela
9
agilidade e destreza da ação da polícia e do governo, os elementos rebeldes teriam
conseguido consolidar o seu plano de bolchevização.
Em relatório apresentado por Pitanga, chefe da Delegacia de Ordem Política e
Social – Dops Paraibana – ao Juiz Federal da Paraíba, Antônio Guedes, constava que:
Das investigações procedidas, ficou plenamente apurado não ser por
demais estreito o quadro de adeptos do credo soviético nesta capital.
Os princípios marxistas, ou mais caracteristicamente o communismo,
teem aqui um número elevado de proselytos. Quasi todos os antigos
partidários da Aliança Nacional Libertadora, com a extinção desta,
cerraram fileiras no exército de Moscow, aceitando, sem restricção, o
regimen soviético. Para diffusão do seu credo, esses elementos tinham
nesta cidade o seu Comitê Regional, cujo fim primordial era operar
simultaneamente, communicando-se com o Comitê Central
Communista, com outros Comitês Regionais e com várias céllulas, ou
sejam pequenos núcleos operários disseminados por todos os bairros
desta capital, irradiando-se até Santa Rita e Campina Grande. (A
UNIÃO, 29 de fevereiro de 1936, p. 01).
Com o passar dos meses e o progressivo fechamento do regime, a repressão
recrudesceu ainda mais. Os fatos ocorridos a partir da Intentona Comunista, deixaram
margem para que sob a bandeira dessa grande ameaça que rondava os brasileiros e
paraibanos, fosse se montando um governo forte, autoritário e repressor, mesmo com o
consentimento da maioria, que preferia perder os seus poucos direitos, a ver o
comunismo vencer. Dessa forma, em consonância com as diretrizes do poder central,
Argemiro de Figueiredo agiu para que a Paraíba montasse toda uma estrutura de
anticomunismo como forma de evitar que tal ideologia voltasse a germinar, como
passaremos a ver agora.
A propaganda anticomunista na interventoria paraibana
Ainda sob o impacto dos acontecimentos de novembro de 1935, foi que os
paraibanos receberam a 02 de outubro de 1937 a notícia de um novo plano comunista
elaborado pelo Komintern, a fim de derrubar o governo brasileiro. O vasto documento
apreendido pela alta cúpula do Exército e batizado de Plano Cohen, denunciava uma
grande articulação que visava incitar os trabalhadores a fazerem greves, incêndios e
10
depredações, saques e o mais grave de tudo, a “eliminação” de autoridades que se
constituíssem como empecilho ao movimento
“A violência deve ser planificada, deixando-se de lado qualquer
sentimentalismo e piedade”.
Somente com a força bruta, depois de estalada a revolução, se
conseguirão os objetivos visados, capazes de assegurarem o sucesso
do movimento.
Certos indivíduos, principalmente os de maior destaque, devem ser
sumariamente eliminados. (A UNIÃO, 02 de outubro de 1937).
O plano – mais tarde denunciado como uma grande fraude – serviu para que
mais um estado de guerra fosse promulgado, fazendo que Getúlio Vargas passasse a
controlar de perto as engrenagens políticas que o fizeram permanecer no poder. As
eleições previstas para janeiro de 1938 acabaram sendo canceladas e em troca, o povo
foi obrigado a endossar uma ditadura, por medo do “vírus bolchevista”
Assumidamente anticomunista, Argemiro de Figueiredo, atendeu imediatamente
as imposições do poder central. Sendo assim, “às vésperas do golpe do Estado Novo,
por determinação do Ministro da Justiça, já se encontrava instalada na Paraíba a
Comissão Nacional de Propaganda Contra o Comunismo”. (SANTANA, 1999, p. 238).
Tal Comissão na Paraíba se encontrava dividida em: Comissão Nacional
Central, encarregada de salvaguardar os institutos de cultura e civilização de todo o
Estado e mais duas comissões nacionais especiais subordinadas a esta, sendo a primeira
responsável por atuar junto as escolas fábricas e institutos de trabalho e a outra
responsável pela “censura e apprehensão das obras communistas ou que directa ou
indirectamente contribuam para o entibiamento do sentimento de nacionalismo”. (A
UNIÃO, 21 de outubro, p. 08).
No dia seguinte, o presidente da Comissão Nacional de Propaganda Contra o
Comunismo na Paraíba4, solicitava o envio de local, dia e horário dos trabalhados
realizados pelos grêmios recreativos, sindicatos, associações, indústria, comércio e
4 Praticamente em todos os municípios foram montadas secções locais dessas comissões, que contavam
com a participação de médicos, advogados, professores, padres, jornalistas, e etc., que se empenhavam
em combater sistematicamente o comunismo. A União, 24 de outubro de 1937, p. 01.
11
estabelecimentos de ensino público e privado, para assim fazer o serviço de eficaz
fiscalização5.
Os investimentos para dotar a Paraíba de fortes mecanismos para combater a
ameaça vermelha só aumentavam ao passo que o regime se fechava ainda mais. A Lei
N° 183, de 22 de outubro de 1937, autorizava o governador a abrir credito especial para
custear as despesas a favor da repressão ao comunismo no Estado.
A Assembleia Legislativa do Estado decretou, e eu sancionei a lei
seguinte:
Art. 1° - Fica o governador do Estado autorizado a abrir o credito
especial de trinta contos de reis (30:000$000), destinados a custear as
despesas com a repressão ao communismo neste Estado.
Art. 2° - Revogam-se as disposições em contrário.
Palácio da Redempção, em João Pessoa, 22 de outubro de 1937, 49°
da Proclamação da República.
Argemiro de Figueiredo
José Coêlho. (A UNIÃO, 23 de outubro de 1937, p. 04).
Simultaneamente, se instalou no Estado também a Comissão Executora do
Estado de Guerra, que contava com ajuda dos oficias do Exército e da Armada, para
auxiliar o governo estadual a pôr em prática as medidas de repressão, dentre elas
constava a determinação do fechamento das Lojas Maçônicas existentes em João
Pessoa e em Campina Grande, por estas encontrarem-se “infiltradas por elementos
subversivos”, demonstrando assim “um programma de acção que será cumprido com
energia e serenidade, preservando a Parahyba do perigo comunista.” (A UNIÃO, 26 de
outubro de 1937, p. 01).
Somando-se a atuação dessas comissões estava o importante papel
desempenhado pelas escolas. Em circular encaminhada as instituições públicas e
particulares de ensino, o Diretor do Departamento de Educação do Estado, Monsenhor
Pedro Anísio, afirmava que aos professores cabia a função de em sala de aula “fazer
uma breve, mas substanciosa preleção contra o comunismo”, uma vez que
Sendo a principal missão da escola educar, formar o caracter, preparar
a consciência cívica da juventude nacional, não se deve limitar o
professor a fria exposição de números e coisas, mas transformar as
5 O primeiro comunicado foi publicado pela União em 22 de outubro de 1937, p. 01. Como muitas dessas
referidas instituições não remeteram as requeridas informações no prazo desejado, novo comunicado foi
publicado, já em um tom leve de ameaça, no dia 24 de outubro de 1937.
12
suas aulas em foco de civismo, valendo-se para esse fim, de todos os
valores epticos e espirituaes, estimulando os discípulos a amar a
Família, a Pátria, a Deus e a guardar as nossas tradições. (A UNIÃO,
22 de outubro de 1937, p. 01).
Confirmado como Interventor Federal, Argemiro de Figueiredo usando do poder
das palavras promovia também uma certa doutrinação, incentivando os paraibanos a
compactuarem com o novo regime que havia se instalado, demonstrando grande
satisfação com os rumos que o país tomava: “O meu Estado se orgulha de estar
integrado dentro das normas do Estado Novo” (FIGUEIREDO, apud A UNIÃO, 24 de
setembro de 1938, p. 01).
Os discursos do líder paraibano também serviam para apontar o caminho sobre o
qual todos os paraibanos tinham que andar: a obediência e a lealdade para com o Estado
Novo e o chefe da política local. Em sua fala, Argemiro de Figueiredo buscava
evidenciar como conseguiu restabelecer a paz e a ordem dentro da Paraíba, pondo fim
as heterogeneidades e os pensamentos individuais e extremistas que em sua visão,
encontravam-se superados
Declaramos guerra ao ódio e as dissenções que desorganizavam o
poder do Estado e estiolavam as energias da coletividade; e vamos
todos, pensando e agindo como um só organismo, extrair da nossa
inteligência e do nosso braço, a grande Paraíba que sonho – a Paraíba
prospera e forte. (FIGUEIREDO apud A UNIÃO, 19 de novembro de
1938, p. 01).
Assim de posse dos meios políticos e jurídicos necessários, e se utilizando de um
grande aparato propagandístico e repressor, Argemiro de Figueiredo conseguiu
neutralizar a ameaça comunista dentro da Paraíba, servindo de modelo para os demais
Estados da Federação. Sua atuação no que diz respeito a este assunto, lhe rendeu muitos
aplausos dos seus correligionários políticos e das forças oligárquicas que se agrupavam
ao seu redor, felizes por ver que o chefe político paraibano não titubeou em fazer valer a
repressão para alcançar a tão sonhada ordem.
Conclusão
Pudemos perceber que o sentimento anticomunista se fez presente desde muito
antes de 1935, mas que só a partir desse ano se tornou algo corporificado, devido a “real
ameaça”, que se vislumbrou através da Intentona Comunista. Com esse medo
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corporificado no imaginário da população paraibana, o governador e posterior
interventor Argemiro de Figueiredo, empreendeu grande perseguição aos trabalhadores
urbanos mais politizados, líderes dos movimentos grevistas, e a todos aqueles que
representavam oposição ao seu projeto político.
Durante os anos de 1935 e 1937, a violência empregada pelo governo paraibano
foi de extrema importância para entender como e porque o movimento do operariado
paraibano esmoreceu. Associando velhas práticas, que supostamente haviam sido
banidas graças a vitoriosa Revolução de 1930, a exemplo do clientelismo e
mandonismo, Figueiredo conseguiu unir as várias facções oligárquicas e seus interesses,
se aproveitando do medo que as tentativas de levante comunistas propiciaram, dando a
estas posições de destaque em seu governo. Ao que era respondido com efusivo e
aplausos as medidas de coerção empregadas para combater o comunismo na Paraíba.
Do outro lado, os menos favorecidos eram obrigados a se submeter ao Estado,
através de uma obediência cega, que os levava a não questionar os mandos e desmandos
do chefe local. Em seus discursos, Figueiredo procurava enaltecer a lealdade e
subordinação que os “bons paraibanos” deviam para com o governo, que agia de forma
a tutela-los para seu próprio bem, a fim de evitar que o vírus bolchevista, os utilizasse
para nefastos fins.
Foi dessa forma, que Argemiro de Figueiredo passou para os registros da época,
como o paladino defensora da Paraíba, sendo homenageado e servindo de exemplo para
os outros Estados da Federação, quanto a maneira de se combater e inibir as práticas
subversivas dentro de sua localidade.
A partir de 1937, com a implantação e o sucesso do Estado Novo, o que se viu
na Paraíba foi apenas uma reedição até 1940, das práticas de anticomunismo que já
eram colocadas em prática desde que Figueiredo assumira o governo em 1935. O
comunismo fora silenciado na Paraíba e sob esse aspecto o projeto político argemirista
tinha se mostrado ser um sucesso.
Referências bibliográficas
14
AIRES, José Luciano de Queiroz. Cenas de um espetáculo político: poder, memória e
comemorações na Paraíba (1935-1945). 2. Ed. – João Pessoa: Editora do CCTA, 2015.
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