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aO ANTICOMUNISMO COMO PRIORIDADE NA INTERVENTORIA PARAIBANA (1935-1940) WANIÉRY LOYVIA DE ALMEIDA SILVA Introdução Pode-se dizer que o termo anticomunismo surgiu juntamente com a ideologia comunista, e servia assim para caracterizar aqueles que, não identificados com o marxismo-leninismo uma das principais vertentes do comunismo, responsável pelas maiores mudanças e as mais pesadas críticas ao sistema capitalista, a partir da Revolução de 1917 faziam ferrenha oposição aos seus métodos e práticas. Todavia, a partir da expansão mundial do comunismo, o seu antagônico, “o anticomunismo passou a assumir significados mais profundos que o de uma simples oposição as práticas e métodos comunistas. ” (CAVALCANTE NETO, 2014, p. 44). Até o século XIX, tal ideologia aparecia apenas como um “fantasma ou espectro”, do qual muitos tinham medo, mas plena consciência de que era praticamente impossível a sua efetivação devido as raízes profundas da ideologia liberal e do sistema capitalista. Entretanto, quando a experiência se concretizou na Rússia de Lênin, em 1917, todo o medo passou a ser canalizado de algo “ficcional”, para algo real. A Revolução de 1917 mostrou que o fantasma existia e que havia infinitas possibilidades de ele ganhar corpo. A ascensão dos bolcheviques ao poder na Rússia causou um impacto muito forte: o que antes era somente uma promessa e uma possibilidade teórica transformou-se em existência concreta. O entusiasmo e a esperança dos revolucionários, somados à crise da sociedade liberal no contexto pós-Primeira Guerra, provocaram considerável crescimento da influência dos ideais comunistas. (MOTTA, 2002, p. XX). *Graduada em História pela Universidade Federal da Paraíba, está vinculada ao Programa de Pós- graduação desta mesma instituição. <[email protected]>.

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aO ANTICOMUNISMO COMO PRIORIDADE NA INTERVENTORIA

PARAIBANA (1935-1940)

WANIÉRY LOYVIA DE ALMEIDA SILVA

Introdução

Pode-se dizer que o termo anticomunismo surgiu juntamente com a ideologia

comunista, e servia assim para caracterizar aqueles que, não identificados com o

marxismo-leninismo – uma das principais vertentes do comunismo, responsável pelas

maiores mudanças e as mais pesadas críticas ao sistema capitalista, a partir da

Revolução de 1917 – faziam ferrenha oposição aos seus métodos e práticas. Todavia, a

partir da expansão mundial do comunismo, o seu antagônico, “o anticomunismo passou

a assumir significados mais profundos que o de uma simples oposição as práticas e

métodos comunistas. ” (CAVALCANTE NETO, 2014, p. 44).

Até o século XIX, tal ideologia aparecia apenas como um “fantasma ou

espectro”, do qual muitos tinham medo, mas plena consciência de que era praticamente

impossível a sua efetivação devido as raízes profundas da ideologia liberal e do sistema

capitalista. Entretanto, quando a experiência se concretizou na Rússia de Lênin, em

1917, todo o medo passou a ser canalizado de algo “ficcional”, para algo real. A

Revolução de 1917 mostrou que o fantasma existia e que havia infinitas possibilidades

de ele ganhar corpo.

A ascensão dos bolcheviques ao poder na Rússia causou um impacto

muito forte: o que antes era somente uma promessa e uma

possibilidade teórica transformou-se em existência concreta. O

entusiasmo e a esperança dos revolucionários, somados à crise da

sociedade liberal no contexto pós-Primeira Guerra, provocaram

considerável crescimento da influência dos ideais comunistas.

(MOTTA, 2002, p. XX).

*Graduada em História pela Universidade Federal da Paraíba, está vinculada ao Programa de Pós-

graduação desta mesma instituição. <[email protected]>.

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No Brasil, o sentimento anticomunista presente desde o século XIX e inicios do

XX1, foi se tornando cada vez maior durante os anos de 1930, a partir do fortalecimento

do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e posteriormente com a criação da Aliança

Nacional Libertadora (ANL), o que levou a construção de um conjunto de

representações negativas e distorcidas do que era o comunismo e que povoam até hoje o

imaginário da sociedade brasileira.

Todavia, foi a partir de 1935 que o medo a “ameaça comunista” se consolidou,

devido a tentativa de golpe contra o governo, que ficou conhecida como Intentona

Comunista. O movimento mesmo que fracassado, fez parecer que finalmente o fantasma

da doutrinação bolchevique tinha chegado ao Brasil, que corria um sério risco de ser

entregue aos subversivos. A partir daí se montou toda uma estrutura imagética, que

reforçada pelo pavor provocado pelas ideias desvirtuadas sobre comunismo que eram

propagas pelos meios de comunicação, serviram para justificar os atropelos

democráticos que passaram a ser cometidos desde então e as medidas de violência e

repressão adotadas contra a esquerda (MOTTA, 2002, p. XXII).

Na Paraíba, como não poderia ser diferente, o mesmo argumento - ameaça

comunista – passou também a ser utilizado para legitimar as várias prisões e

perseguições a que intelectuais, jornalistas e trabalhadores operários tiveram que passar

após as sublevações dos estados do Rio Grande do Norte e Pernambuco. Uma vez que,

o então governador, e posterior interventor paraibano, Argemiro de Figueiredo, tratou

para que o estado servisse como exemplo de anticomunismo, como passaremos a ver a

partir de agora.

A “real” ameaça comunista na Paraíba e o novembro de 1935

O ano de 1935 na Paraíba se iniciou com grandes promessas de progresso,

modernização e desenvolvimento feitas pelo governador eleito de maneira indireta pela

Assembleia Legislativa, o senhor Argemiro de Figueiredo. Herdeiro de um dos mais

1 O anticomunismo no Brasil se fazia presente desde o século XIX, na escrita de alguns intelectuais da

época, a exemplo do jurista Rui Barbosa. Ver Faustino Teatino Cavalcante Neto, 2014, p. 48.

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influentes coronéis da Velha República no Estado, Figueiredo figurou também como

um dos “órfãos”, de herói João Pessoa, sendo escolhido dentre tantos, pelo Ministro

José Américo de Almeida, para dar continuidade a grande obra do ex-presidente

paraibano mitificado.

Já em seu discurso de posse, Argemiro assegurou aos seus conterrâneos que faria

de tudo para eliminar as intrigas, inimizades e egoísmos que tornavam o Estado

infrutífero e o impediam de crescer. Em troca, sob a união e congraçamento das forças

prometia um futuro primoroso, do qual os paraibanos só poderiam se orgulhas. Para tal,

se fazia urgente a cooperação de todos para o estabelecimento da ordem, que só poderia

ser alcançada através do poder coercitivo exercido pelo braço da justiça, e completa:

“Senhores, só um fim justifica o emprego da violência – é para destruir o mal e impor o

bem. ” (FIGUEIREDO, 1935 apud SYLVESTE, 1993, p. 177).

Esse mal, visto e temido em todos os cantos, nada mais era que o comunismo.

Tido como um desvio, uma subversão da hierarquia social e da própria ordem natural

das coisas, tal regime ia de encontro a todos os princípios da moralidade cristã e familiar

brasileira e paraibana e que baseado na ignorância do operariado pobre, vinha se

espalhando rapidamente em todo o território.

O rápido crescimento da Aliança Nacional Libertadora - ANL – fez com que o

governo federal as declarassem ilegais, promovendo assim o seu fechamento. Na

Paraíba, Argemiro de Figueiredo procurou estabelecer uma relação cordial em um

primeiro momento, com os principais líderes comunistas paraibanos, uma vez que

Pretendendo evitar problemas maiores com o movimento, convidou

João Santa Cruz, presidente da agremiação na Paraíba, para ir ao

Palácio do Governo e mostrou-lhe o Decreto 229, de 11 de julho de

1935, que recebera do Presidente Getúlio Vargas naquele dia.

O Decreto determinava o fechamento das sedes da ANL em todo o

Brasil e, portanto, aconselhou-o a não prosseguir com a ideia de

inaugurar a sede da Aliança na Paraíba. Ao que tudo indica, João

Santa Cruz aceitou as ponderações de Argemiro de Figueiredo, porque

a sede não foi inaugurada. (SILVA, 2003, p. 48).

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Todavia, por mais que uma sede da ANL não tenha sido inaugurada na Paraíba,

isso não significou a ausência de um movimento de trabalhadores, que influenciados

pela ideologia comunista passaram a reivindicar os seus direitos. Entre os anos de 1934

e 1935 podemos perceber uma grande mobilização por parte do operariado paraibano.

Isso foi reflexo da orientação do próprio Partido Comunista Brasileiro, com o intuito de

gerar greves e manifestações para assim pressionar os patrões a atenderem as demandas

dos trabalhadores.

Contudo, por mais que os primeiros movimentos desse tipo tivessem ocorrido

ainda sob a interventoria de Gratuliano Brito, notamos uma relação pacifica entre as

forças em ação naquele momento. O que não pode ser dito do governo seguinte. Por

mais que incialmente Figueiredo tenha adotado uma política de relativa tolerância, ao

passo que os movimentos se intensificavam a reação da força repressora aumentava sua

proporção. Sendo assim, concordamos que “Até 1934, a relação entre as

representações da classe trabalhadora e a interventoria eram amistosas tornando-se

tensas e até mesmo hostis a partir de então. ” (GURJÃO, 1994, p. 150).

Em outubro de 1935 estouravam as primeiras greves, as quais o governador

respondeu em tom de ameaça, ao passo que afirmava conceder garantias aos

trabalhadores que arrependidos, se desvinculassem do movimento e voltassem as suas

funções (A IMPRENSA, 02 de outubro de 1935). A pequena vitória que conseguiram

serviu para elevar a moral dos trabalhadores. Em matéria publicada pelo jornal oficial

do Estado, A União, se noticiava o fim do movimento e a postura adotada pelo governo.

Terminou hontem, por um accôrdo entre patrões e operários, a greve

de trabalhadores de cães e trapiches, que se pronunciara há dias nesta

capital.

Esse movimento mereceu desde o início, a attenção do Governo que,

por intermédio da repartição competente, tomou as medidas

preventivas necessárias, guardando fabricas e edifícios e oferecendo

garantias aos que quizessem trabalhar. (A UNIÃO, 02 de outubro de

1935).

A partir de novembro a situação se radicalizou. Cansados de não obterem suas

necessidades atendidas, os operários paraibanos, orientados pelos líderes comunistas,

passaram a pressionar cada vez mais os donos das fabricas e a elite. O movimento

grevista acabou reunindo as mais variadas categorias, operários da construção civil,

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empresa de telefonia, ferroviários, trabalhadores das fabricas de cimento e sabão,

tornando-se assim a maior greve já registrada até então.

Enquanto isso, a imprensa propagava através de suas publicações as ideias de

bagunça, desordem e desrespeito as autoridades, afirmando que há dias a cidade se

encontrava sobressaltada por arruaceiros, subversivos e adeptos do credo extremista de

Moscou. “A tática dos comunistas foi sempre esta: provocar a intranquilidade em

primeiro lugar, depois, de insustentabilidade pelas greves gerais para, no momento

azado, aparecer o golpe ‘armado’. ” (A IMPRENSA, 09 de novembro de 1935, p. 01).

Na visão deturpada da Igreja, os grandes culpados pelas paralisações eram os

comunistas, que se utilizando da ignorância e da boa-fé dos trabalhadores paraibanos, os

enganavam com falsas promessas, convencendo-os a ficarem contra a “ordem” e o

governo. Iludidos, esses “pobres homens” se prestavam a atender a trama bolchevista

que tentava se espalhar cada vez mais pelo Estado.

Sentindo-se pressionado, o governador enviou o seu Secretário do Interior, o

senhor José Mariz, para se encontrar com as lideranças grevistas e tentar chegar em um

consenso, o qual a maior parte das categorias acabou cedendo, exceto os operários da

construção civil que optaram pela continuidade do movimento. Em solidariedade aos

companheiros da construção civil, outras categorias mesmo já tendo as duas demandas

atendidas preferiram dar continuidade ao movimento.

Entretanto, a ação da polícia para desmobilizar o movimento foi precisa.

“Novamente, a forte guarnição da polícia, de armas pesadas nas mãos, agiu

violentamente contra a massa operaria, dispersando a aglomeração em torno dos

sindicatos, que voltava poucos minutos depois. ” (SILVA, 2003, p. 57).

Diante da situação conturbada, uma nova reunião das lideranças grevistas foi

marcada com o Secretário e os chefes de polícia. Nessa reunião ficou estabelecido que

os trabalhadores voltariam imediatamente as suas funções, receberiam um aumento

salarial, e as sedes dos sindicatos que haviam sido fechadas voltariam a funcionar, assim

como os operários presos seriam postos em liberdade.

O acordo foi aceito, e já no dia 10 de novembro o fim da greve era estampado

nas páginas do Jornal Oficial do Estado, A União. Todavia, a parte do acordo que cabia

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aos empresários não foi cumprida, tendo o governo se isentado de sua responsabilidade

para com o operariado paraibano.

O governo Argemiro de Figueiredo que não exercera nenhuma

intermediação junto aos patrões no sentido do cumprimento da

legislação trabalhista em vigor, no entanto, levou a efeito severa

fiscalização e violenta repressão sobre os trabalhadores desde os

movimentos grevistas de 1935. (GURJÃO, 1994, p. 163).

A partir de então o movimento dos trabalhadores da capital paraibana só tendeu

a arrefecer devido à forte perseguição e ameaças que sofriam por parte do governo, que

usava da ideia de “ameaça comunista” para justificar sua postura agressiva. Situação

essa que só veio a piorar com as tentativas de levante nos Estados do Rio Grande do

Norte e de Pernambuco, e que afetaram mesmo de forma indireta a Paraíba.

O combate ao comunismo – força e repressão

Inesperadamente, na noite de 23 de novembro de 1935, alguns soldados tentaram

tomar a força o 21° Batalhão de Cavalaria do Exército, sediado em Natal. No dia

seguinte, de forma não coordenada, a mesma ação aconteceu em Recife. O jornal oficial

do Estado, alardeava a situação ajudando a criar um clima de instabilidade e medo, pois

afirmava que tendo em Natal “os levantados occupado o telegrapho, as notícias

daquella capital passaram a ser de todo incertas”. (A UNIÃO, 26 de novembro de

1935, p. 01).

A respeito da tentativa de tomada do 29° Batalhão de Cavalaria e Villa Militar

do Socorro, em Recife, o mesmo jornal publicava a notícia de um grande tiroteio, que

teria vitimado militares fieis ao Exército:

A parte fiel a legalidade ficou sitiada num dos pavilhões daquelle

moderno aquartellamento, ferindo-se forte tiroteio. No Quartel

General e na Administração, um inferior e três praças manifestaram

apoio ao levante do 29°, dando-se a reacção, com a morte de 1°

tenente e de um sargento, ferido também outro 1° tenente. Elementos

civis estavam alli ligados ao levante e figuravam no grupo militar que

veiu de Socorro e avançou até o Largo da Paz, onde durante toda a

tarde de domingo e madrugada de hontem manteve cerrado tiroteio,

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detido pelas forças da Brigada Policial e contingentes fieis do

exército. ”. (A UNIÃO, 26 de novembro de 1935, p. 01).

Situada entre os Estados sublevados, a Paraíba sob o comando de Argemiro de

Figueiredo, tentou servir de modelo e dar o exemplo de ordem e combate a subversão.

A partir de então, se inaugurou uma verdadeira “caça-as-bruxas” em solo paraibano.

Logo que soube dos acontecimentos, Figueiredo se cercou para que tal movimento não

chegasse a Paraíba, fazendo do Estado uma verdadeira barreira entre Natal e Recife,

dificultando a expansão do movimento (GURJÃO, 1994, p. 163).

Logo que teve conhecimento das occorrências de Natal e Recife, o

govêrno deste Estado tomou immediatas medidas de precaução, sendo

postas de promptidão todas as companhias da Força Pública nesta

capital e no interior, mobilisados vários destacamentos locaes e postos

de sobre-aviso outros elementos de auxilio as autoridades. Nesta

capital chegaram na tarde de domingo cerca de 70 praças vindas de

Campina Grande, ao passo que para essa cidade viajavam vários

contigentes do sertão. ” (A UNIÃO, 26 de novembro de 1935, p. 01).

O medo do comunismo se tornou real. O espectro que antes apenas rondava,

tinha ganhado corpo e ameaçava a unidade nacional. Todavia, primeira grande onda

anticomunista2, imbuída na mentalidade da população, não se configurava como causa

das tentativas de levante que se espalhavam pelo país naquele momento. Pelo contrário,

a reafirmação do medo só foi possível graças ao trabalho doutrinário e desvirtuado que

vinha sendo feito pela imprensa brasileira e paraibana, a respeito do comunismo, desde

a Revolução de 1917 (CAVALCANTE NETO, 2014, p. 219).

Dessa forma, a repressão a todos os considerados suspeitos ou mais politizados

foram duramente perseguidos, presos e torturados das mais diversas formas possíveis. A

tentativa de levante na Paraíba, tinha acabado antes mesmo de começar. Considerado o

responsável por vir liderar os comunistas paraibanos, na tentativa de golpe do dia 26 de

novembro de 1935, Otacílio Alves de Lima3, Capitão do Exército e militante da Aliança

Nacional Libertadora, acabou preso, mesmo antes de chegar ao seu destino.

2 De acordo com Faustino Teatino Cavalcante Neto (2014), a “Primeira grande onda comunista” ocorreu

entre os anos de 1935-1937, sendo a “Segunda grande onda comunista” datada a partir de 1964, com o

estabelecimento da Ditadura Militar. 3 Ver Waldir Porfírio Silva, 2003, p. 78.

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Na noite do dia 25, os comunistas paraibanos repassaram as suas funções e

acertaram os últimos detalhes para que no dia seguinte, o Estado já amanhecesse

tomado pelas forças revolucionárias, de forma que “todos ficaram aguardando, naquela

noite, a hora marcada para executar as suas tarefas”. (SILVA, 2003, p. 75). Entretanto,

nada saiu como o planejado, e sendo assim:

A resposta aos que participaram da tentativa de insurreição veio de

imediato pelo Governo da Paraíba. Logo na manhã do dia seguinte do

malogrado plano revolucionário, os soldados do Exército e da Polícia

Militar estavam nas ruas vasculhando as casas dos comunistas,

aliancistas, sindicalistas, intelectuais, profissionais liberais e

estudantes mais conhecidos nos meios da luta de classes em nosso

Estado. (SILVA, 2003, p. 81).

Nos dias subsequentes, operários paraibanos, do Rio Grande do Norte, de Recife

e vários outros setores sociais se regozijaram e agradeceram as prontas ações do senhor

governador da Paraíba, em lhes socorrer e ajudar a pôr fim em um movimento

extremista e que causou sobressalto a todos, ao passo que promoveu a união da

coletividade em prol de liquidar a pecha comunista.

S. excia. foi o democrata em ação. A segurança e tranquilidade da

família conterrânea tinham nelle a sinjella vigilante e firme que um só

instante não titubeou nas providencias emitidas com energia e

promptidão, para assegurar a ordem e o princípio da autoridade

ameaçados pela offensiva extremista.

O povo que acorria ao Palacio da Redemção para hypothecar ao

Governador a sua solidariedade espontânea e patriótica, lá encontrava

com aquelle mesmo sorriso de confiança intima de symphatia e

affabilidade com que costuma recebel-o, nos dias normaes a hora das

audiências públicas.

A eloquência dessa demonstração collectiva que S. excia. teve o

ensejo de sentir durante todas as horas, na phase mais angustiosa que

atravessamos, foi uma prova de que, quando periga a salvação pública

não subsistem facções nem antagonismos e sim o interesse supremo

de um povo unido na defesa de si mesmo. (A UNIÃO, 30 de novembro

de 1935, p. 01).

A Lei de Segurança Nacional se encarregava de justificar as violentas ações que

eram praticadas para com os presos a partir de novembro de 1935, ao passo que o

Delegado Praxedes Pitanga juntava uma gama de documentos que serviriam para

comprovar que o plano de subversão na Paraíba realmente existia, e se não fosse pela

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agilidade e destreza da ação da polícia e do governo, os elementos rebeldes teriam

conseguido consolidar o seu plano de bolchevização.

Em relatório apresentado por Pitanga, chefe da Delegacia de Ordem Política e

Social – Dops Paraibana – ao Juiz Federal da Paraíba, Antônio Guedes, constava que:

Das investigações procedidas, ficou plenamente apurado não ser por

demais estreito o quadro de adeptos do credo soviético nesta capital.

Os princípios marxistas, ou mais caracteristicamente o communismo,

teem aqui um número elevado de proselytos. Quasi todos os antigos

partidários da Aliança Nacional Libertadora, com a extinção desta,

cerraram fileiras no exército de Moscow, aceitando, sem restricção, o

regimen soviético. Para diffusão do seu credo, esses elementos tinham

nesta cidade o seu Comitê Regional, cujo fim primordial era operar

simultaneamente, communicando-se com o Comitê Central

Communista, com outros Comitês Regionais e com várias céllulas, ou

sejam pequenos núcleos operários disseminados por todos os bairros

desta capital, irradiando-se até Santa Rita e Campina Grande. (A

UNIÃO, 29 de fevereiro de 1936, p. 01).

Com o passar dos meses e o progressivo fechamento do regime, a repressão

recrudesceu ainda mais. Os fatos ocorridos a partir da Intentona Comunista, deixaram

margem para que sob a bandeira dessa grande ameaça que rondava os brasileiros e

paraibanos, fosse se montando um governo forte, autoritário e repressor, mesmo com o

consentimento da maioria, que preferia perder os seus poucos direitos, a ver o

comunismo vencer. Dessa forma, em consonância com as diretrizes do poder central,

Argemiro de Figueiredo agiu para que a Paraíba montasse toda uma estrutura de

anticomunismo como forma de evitar que tal ideologia voltasse a germinar, como

passaremos a ver agora.

A propaganda anticomunista na interventoria paraibana

Ainda sob o impacto dos acontecimentos de novembro de 1935, foi que os

paraibanos receberam a 02 de outubro de 1937 a notícia de um novo plano comunista

elaborado pelo Komintern, a fim de derrubar o governo brasileiro. O vasto documento

apreendido pela alta cúpula do Exército e batizado de Plano Cohen, denunciava uma

grande articulação que visava incitar os trabalhadores a fazerem greves, incêndios e

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depredações, saques e o mais grave de tudo, a “eliminação” de autoridades que se

constituíssem como empecilho ao movimento

“A violência deve ser planificada, deixando-se de lado qualquer

sentimentalismo e piedade”.

Somente com a força bruta, depois de estalada a revolução, se

conseguirão os objetivos visados, capazes de assegurarem o sucesso

do movimento.

Certos indivíduos, principalmente os de maior destaque, devem ser

sumariamente eliminados. (A UNIÃO, 02 de outubro de 1937).

O plano – mais tarde denunciado como uma grande fraude – serviu para que

mais um estado de guerra fosse promulgado, fazendo que Getúlio Vargas passasse a

controlar de perto as engrenagens políticas que o fizeram permanecer no poder. As

eleições previstas para janeiro de 1938 acabaram sendo canceladas e em troca, o povo

foi obrigado a endossar uma ditadura, por medo do “vírus bolchevista”

Assumidamente anticomunista, Argemiro de Figueiredo, atendeu imediatamente

as imposições do poder central. Sendo assim, “às vésperas do golpe do Estado Novo,

por determinação do Ministro da Justiça, já se encontrava instalada na Paraíba a

Comissão Nacional de Propaganda Contra o Comunismo”. (SANTANA, 1999, p. 238).

Tal Comissão na Paraíba se encontrava dividida em: Comissão Nacional

Central, encarregada de salvaguardar os institutos de cultura e civilização de todo o

Estado e mais duas comissões nacionais especiais subordinadas a esta, sendo a primeira

responsável por atuar junto as escolas fábricas e institutos de trabalho e a outra

responsável pela “censura e apprehensão das obras communistas ou que directa ou

indirectamente contribuam para o entibiamento do sentimento de nacionalismo”. (A

UNIÃO, 21 de outubro, p. 08).

No dia seguinte, o presidente da Comissão Nacional de Propaganda Contra o

Comunismo na Paraíba4, solicitava o envio de local, dia e horário dos trabalhados

realizados pelos grêmios recreativos, sindicatos, associações, indústria, comércio e

4 Praticamente em todos os municípios foram montadas secções locais dessas comissões, que contavam

com a participação de médicos, advogados, professores, padres, jornalistas, e etc., que se empenhavam

em combater sistematicamente o comunismo. A União, 24 de outubro de 1937, p. 01.

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estabelecimentos de ensino público e privado, para assim fazer o serviço de eficaz

fiscalização5.

Os investimentos para dotar a Paraíba de fortes mecanismos para combater a

ameaça vermelha só aumentavam ao passo que o regime se fechava ainda mais. A Lei

N° 183, de 22 de outubro de 1937, autorizava o governador a abrir credito especial para

custear as despesas a favor da repressão ao comunismo no Estado.

A Assembleia Legislativa do Estado decretou, e eu sancionei a lei

seguinte:

Art. 1° - Fica o governador do Estado autorizado a abrir o credito

especial de trinta contos de reis (30:000$000), destinados a custear as

despesas com a repressão ao communismo neste Estado.

Art. 2° - Revogam-se as disposições em contrário.

Palácio da Redempção, em João Pessoa, 22 de outubro de 1937, 49°

da Proclamação da República.

Argemiro de Figueiredo

José Coêlho. (A UNIÃO, 23 de outubro de 1937, p. 04).

Simultaneamente, se instalou no Estado também a Comissão Executora do

Estado de Guerra, que contava com ajuda dos oficias do Exército e da Armada, para

auxiliar o governo estadual a pôr em prática as medidas de repressão, dentre elas

constava a determinação do fechamento das Lojas Maçônicas existentes em João

Pessoa e em Campina Grande, por estas encontrarem-se “infiltradas por elementos

subversivos”, demonstrando assim “um programma de acção que será cumprido com

energia e serenidade, preservando a Parahyba do perigo comunista.” (A UNIÃO, 26 de

outubro de 1937, p. 01).

Somando-se a atuação dessas comissões estava o importante papel

desempenhado pelas escolas. Em circular encaminhada as instituições públicas e

particulares de ensino, o Diretor do Departamento de Educação do Estado, Monsenhor

Pedro Anísio, afirmava que aos professores cabia a função de em sala de aula “fazer

uma breve, mas substanciosa preleção contra o comunismo”, uma vez que

Sendo a principal missão da escola educar, formar o caracter, preparar

a consciência cívica da juventude nacional, não se deve limitar o

professor a fria exposição de números e coisas, mas transformar as

5 O primeiro comunicado foi publicado pela União em 22 de outubro de 1937, p. 01. Como muitas dessas

referidas instituições não remeteram as requeridas informações no prazo desejado, novo comunicado foi

publicado, já em um tom leve de ameaça, no dia 24 de outubro de 1937.

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suas aulas em foco de civismo, valendo-se para esse fim, de todos os

valores epticos e espirituaes, estimulando os discípulos a amar a

Família, a Pátria, a Deus e a guardar as nossas tradições. (A UNIÃO,

22 de outubro de 1937, p. 01).

Confirmado como Interventor Federal, Argemiro de Figueiredo usando do poder

das palavras promovia também uma certa doutrinação, incentivando os paraibanos a

compactuarem com o novo regime que havia se instalado, demonstrando grande

satisfação com os rumos que o país tomava: “O meu Estado se orgulha de estar

integrado dentro das normas do Estado Novo” (FIGUEIREDO, apud A UNIÃO, 24 de

setembro de 1938, p. 01).

Os discursos do líder paraibano também serviam para apontar o caminho sobre o

qual todos os paraibanos tinham que andar: a obediência e a lealdade para com o Estado

Novo e o chefe da política local. Em sua fala, Argemiro de Figueiredo buscava

evidenciar como conseguiu restabelecer a paz e a ordem dentro da Paraíba, pondo fim

as heterogeneidades e os pensamentos individuais e extremistas que em sua visão,

encontravam-se superados

Declaramos guerra ao ódio e as dissenções que desorganizavam o

poder do Estado e estiolavam as energias da coletividade; e vamos

todos, pensando e agindo como um só organismo, extrair da nossa

inteligência e do nosso braço, a grande Paraíba que sonho – a Paraíba

prospera e forte. (FIGUEIREDO apud A UNIÃO, 19 de novembro de

1938, p. 01).

Assim de posse dos meios políticos e jurídicos necessários, e se utilizando de um

grande aparato propagandístico e repressor, Argemiro de Figueiredo conseguiu

neutralizar a ameaça comunista dentro da Paraíba, servindo de modelo para os demais

Estados da Federação. Sua atuação no que diz respeito a este assunto, lhe rendeu muitos

aplausos dos seus correligionários políticos e das forças oligárquicas que se agrupavam

ao seu redor, felizes por ver que o chefe político paraibano não titubeou em fazer valer a

repressão para alcançar a tão sonhada ordem.

Conclusão

Pudemos perceber que o sentimento anticomunista se fez presente desde muito

antes de 1935, mas que só a partir desse ano se tornou algo corporificado, devido a “real

ameaça”, que se vislumbrou através da Intentona Comunista. Com esse medo

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corporificado no imaginário da população paraibana, o governador e posterior

interventor Argemiro de Figueiredo, empreendeu grande perseguição aos trabalhadores

urbanos mais politizados, líderes dos movimentos grevistas, e a todos aqueles que

representavam oposição ao seu projeto político.

Durante os anos de 1935 e 1937, a violência empregada pelo governo paraibano

foi de extrema importância para entender como e porque o movimento do operariado

paraibano esmoreceu. Associando velhas práticas, que supostamente haviam sido

banidas graças a vitoriosa Revolução de 1930, a exemplo do clientelismo e

mandonismo, Figueiredo conseguiu unir as várias facções oligárquicas e seus interesses,

se aproveitando do medo que as tentativas de levante comunistas propiciaram, dando a

estas posições de destaque em seu governo. Ao que era respondido com efusivo e

aplausos as medidas de coerção empregadas para combater o comunismo na Paraíba.

Do outro lado, os menos favorecidos eram obrigados a se submeter ao Estado,

através de uma obediência cega, que os levava a não questionar os mandos e desmandos

do chefe local. Em seus discursos, Figueiredo procurava enaltecer a lealdade e

subordinação que os “bons paraibanos” deviam para com o governo, que agia de forma

a tutela-los para seu próprio bem, a fim de evitar que o vírus bolchevista, os utilizasse

para nefastos fins.

Foi dessa forma, que Argemiro de Figueiredo passou para os registros da época,

como o paladino defensora da Paraíba, sendo homenageado e servindo de exemplo para

os outros Estados da Federação, quanto a maneira de se combater e inibir as práticas

subversivas dentro de sua localidade.

A partir de 1937, com a implantação e o sucesso do Estado Novo, o que se viu

na Paraíba foi apenas uma reedição até 1940, das práticas de anticomunismo que já

eram colocadas em prática desde que Figueiredo assumira o governo em 1935. O

comunismo fora silenciado na Paraíba e sob esse aspecto o projeto político argemirista

tinha se mostrado ser um sucesso.

Referências bibliográficas

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