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AO LADO DA CRÍTICA

Ao Lado da Critica Volume 2

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AO LADO DA CRÍTICA

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Presidente da RepúblicaPresidente da RepúblicaPresidente da RepúblicaPresidente da RepúblicaPresidente da RepúblicaLUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Ministro da CulturaMinistro da CulturaMinistro da CulturaMinistro da CulturaMinistro da CulturaJUCA FERREIRA

Fundação Nacional de Artes – FunarteFundação Nacional de Artes – FunarteFundação Nacional de Artes – FunarteFundação Nacional de Artes – FunarteFundação Nacional de Artes – FunarteSÉRGIO MAMBERTI

Presidente

Diretoria ExecutivaMYRIAM LEWIN

Diretora

Centro de Programas IntegradosTADEU DI PIETRO

Diretor

Gerência de EdiçõesMARISTELA RANGEL

Gerente

Centro de Artes CênicasMARCELO BONES

Diretor

Coordenação de DançaLEONEL BRUM

Coordenador

Coordenação Geral dePlanejamento e AdministraçãoANAGILSA NÓBREGA

Coordenadora Geral

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AO LADO DA CRÍTICAA história recente da dança

carioca através dacrítica jornalística – 1999-2009

VOLUME 22005-2009

Roberto PereiraOrganização

Rio de Janeiro – 2009

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Ao lado da crítica10 anos de crítica de dança – 1999-2009

© 2009 Roberto Pereira

Todos os direitos reservados

Fundação Nacional de Artes – FunarteRua da Imprensa, 16 – Centro – 20030-120 – Rio de Janeiro – RJ

Tels.: (21) 2279-8053 – (21) [email protected] – www.funarte.gov.br

Produção editorial e projeto gráficoJOSÉ CARLOS MARTINS

Produção gráficaJOÃO CARLOS GUIMARÃES

Assistentes editoriaisSIMONE MUNIZ

SUELEN BARBOZA TEIXEIRA

RevisãoANALUIZA MAGALHÃES

CapaPAULA NOGUEIRA

(recortes do Jornal do Brasil)

Arte-final digitalCARLOS ALBERTO RIOS

Volume 2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Funarte / Coordenação de Documentação e Informação

Ao lado da crítica : 10 anos de crítica de dança : 1999-2009 / Organização de Roberto Pereira. – Rio de Janeiro, Funarte,2009.

2 v.213 p.; 26cm

ISBN 978-85-7507-123-6 978-85-7507-125-0

1. Dança – Brasil – História e crítica. I. Pereira Roberto.

CDD 792.80981

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Agradeço a todos que meajudaram nesse percurso da crítica.Nayse López, por ter me convidado

a escrever a primeira crítica.A todos os editores e colegasdo Jornal do Brasil com quem

tive o prazer de trabalhar nessesdez anos. Silvia Soter, colega

de ofício, amiga querida.Sonja Gradel, por tudo, disso tudo.

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...e que o mesmo signo que eu

tento ler e ser é apenas um possível

ou impossível em mim em mim

em mil em mil em mil...

CAETANO VELOSO

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Sumário

Apresentação / 15/ 15/ 15/ 15/ 15JUCA FERREIRA

Ministro da Cultura

Ao lado da crítica / 1/ 1/ 1/ 1/ 177777SÉRGIO MAMBERTI

Presidente da Funarte

O ofício da crítica em dose dupla / 19/ 19/ 19/ 19/ 19(para nossa sorte e deleite)AIRTON TOMAZZONI

Introdução / 21/ 21/ 21/ 21/ 21ROBERTO PEREIRA

20202020200505050505Um tratado coreográfico / 31/ 31/ 31/ 31/ 31

O acaso como umimportante parceiro / 33/ 33/ 33/ 33/ 33

O fim do Dança Brasil / / / / / 3535353535

Operação arriscadano palco do Rival / 37/ 37/ 37/ 37/ 37

Coragem de apostar no novo / 39/ 39/ 39/ 39/ 39

Coreógrafos ebailarinos em sincronia / 41/ 41/ 41/ 41/ 41

O balé do desencontro / 43/ 43/ 43/ 43/ 43

Companhia de Goiásdança com Elis e Tom / 45/ 45/ 45/ 45/ 45

Mimetismo da bossa nova / 46/ 46/ 46/ 46/ 46

A lição da bailarina / 47/ 47/ 47/ 47/ 47

Falta coerência e coesão / 49/ 49/ 49/ 49/ 49

Espetáculo Esquecidosde Catharina Gadelha / 51/ 51/ 51/ 51/ 51

Tempo de despertar / 52/ 52/ 52/ 52/ 52

Empenho e capricho nãofazem obra transbordar / 53/ 53/ 53/ 53/ 53

Poético e orgânico / 55/ 55/ 55/ 55/ 55

Uma leve renovaçãona dança-espetáculo / 57/ 57/ 57/ 57/ 57

Visita musical a um certoBrasil, um “país imaginário” / 59/ 59/ 59/ 59/ 59

Objetos como parceiros / 61/ 61/ 61/ 61/ 61

Descompassos / 62/ 62/ 62/ 62/ 62

Schoenberg transfigurado / 63/ 63/ 63/ 63/ 63

O corpo fala / 65/ 65/ 65/ 65/ 65

O poder detransformação do Grupo Corpo / 67/ 67/ 67/ 67/ 67

A mão dupla do corpo / 69/ 69/ 69/ 69/ 69

Na onda do revival / 71/ 71/ 71/ 71/ 71

O jazzdance sem alegria e sedução / 73/ 73/ 73/ 73/ 73

Um divisor de águas / 75/ 75/ 75/ 75/ 75

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Ideia de mundonorteia o espetáculo / 77/ 77/ 77/ 77/ 77

Noite sem sutilezas / 79/ 79/ 79/ 79/ 79

Garimpagem do corpo / 81/ 81/ 81/ 81/ 81

Fragilidades / 83/ 83/ 83/ 83/ 83

Espetáculo Orfeude Regina Miranda / 85/ 85/ 85/ 85/ 85

Eloquência sem limites / 87/ 87/ 87/ 87/ 87

Força da dançaapenas se insinua / 89/ 89/ 89/ 89/ 89

Belos saltos entreescorregadas feias / 91/ 91/ 91/ 91/ 91

20202020200606060606Tradição em corpo brasileiro / 95/ 95/ 95/ 95/ 95

Versão 2006 traznovidades importantes / 97/ 97/ 97/ 97/ 97

Conexões em trânsito / 99/ 99/ 99/ 99/ 99

Quando intérpretesroubam a cena / 10/ 10/ 10/ 10/ 1011111

Presença de espírito do corpo / 103/ 103/ 103/ 103/ 103

O vice-versa de Márcia Rubin / 105/ 105/ 105/ 105/ 105

Espetáculo Maratona Quintanade Regina Miranda / 107/ 107/ 107/ 107/ 107

Balé confirma talentodos bailarinos profissionais / 109/ 109/ 109/ 109/ 109

Descompasso entredesejo e realização / 110/ 110/ 110/ 110/ 110

Frágil identidade / 111/ 111/ 111/ 111/ 111

Bertazzo de esqueceude suas próprias lições / 112/ 112/ 112/ 112/ 112

A caminho da felicidade / 113/ 113/ 113/ 113/ 113

Entre o fio da ciência e da arte / 114/ 114/ 114/ 114/ 114

Maracanã sem a paixãoe a surpresa do festival / 115/ 115/ 115/ 115/ 115

Quando a dança correatrás do brilho da música / 11/ 11/ 11/ 11/ 1177777

Projeto corajoso trazpreciosos momentosem meio a excessos / 119/ 119/ 119/ 119/ 119

Territórios abertospara a expressão masculina / 121/ 121/ 121/ 121/ 121

A força da presença docoreógrafo Bill T. Jones / 123/ 123/ 123/ 123/ 123

A viagem existencialistae solitária de um coreógrafo / 125/ 125/ 125/ 125/ 125

Pas-de-deux dehistória e renovação / 126/ 126/ 126/ 126/ 126

Dança brasileiraem ritmo de inovação / 127/ 127/ 127/ 127/ 127

Tradução elegante dascurvas arquitetônicas modernistas / 129/ 129/ 129/ 129/ 129

As curvas de Niemeyerem corpos que dançam / 130/ 130/ 130/ 130/ 130

Carisma e talento dasolista salvam a noite / 131/ 131/ 131/ 131/ 131

Para acertar o passo da dança / 132/ 132/ 132/ 132/ 132

No sentido darenovação constante / 134/ 134/ 134/ 134/ 134

Ensaios de uma políticapara a dança no país / 136/ 136/ 136/ 136/ 136

20202020200707070707Entre o clássicoe o contemporâneo / 141/ 141/ 141/ 141/ 141

Pretensão de menosfaz bem ao grupo / 142/ 142/ 142/ 142/ 142

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Bailarinos em busca deuma filosofia para os movimentos / 143/ 143/ 143/ 143/ 143

Novo palco revelalimites do trabalho / 144/ 144/ 144/ 144/ 144

Novas alquimias entrebailarinos e coreógrafos / 145/ 145/ 145/ 145/ 145

As grandes estrelassão os bailarinos / 147/ 147/ 147/ 147/ 147

Festa brasileira nomelhor dos sentidos / 149/ 149/ 149/ 149/ 149

Reverência aopassado de olho no futuro / 150/ 150/ 150/ 150/ 150

Tons monotemáticosabrem temporada deapresentações no CCBB / 151/ 151/ 151/ 151/ 151

Festival revela o trabalhoda ótima Focus Cia. de Dança / 1/ 1/ 1/ 1/ 15252525252

Sintomas e clichês contemporâneos / 153/ 153/ 153/ 153/ 153

Festival apresentoupluralidade mas ficoudevendo em coerência / 155/ 155/ 155/ 155/ 155

Projeto joga novasluzes sobre o exercíciodo papel da bailarina / 156/ 156/ 156/ 156/ 156

Presença, vigor e segurança emobras a serviço de uma bailarina / 157/ 157/ 157/ 157/ 157

De complexonão há nada. Só exagero / 158/ 158/ 158/ 158/ 158

Vigor e beleza que, sozinhos, nãofazem um bom espetáculo de dança / 159/ 159/ 159/ 159/ 159

Municipal respiraar contemporâneo / 161/ 161/ 161/ 161/ 161

Bailarinos de até 22 anosfirmes como veteranos / 163/ 163/ 163/ 163/ 163

Tubos de ensaio ainda em estudo / 1/ 1/ 1/ 1/ 16464646464

A poética semconcessões de Marcela Levi / 165/ 165/ 165/ 165/ 165

Lia Rodrigues fazobra-prima da dor / 166/ 166/ 166/ 166/ 166

Bailarino visionárioem mais um belo desafio / 167/ 167/ 167/ 167/ 167

O mestre diante do mestre / 169/ 169/ 169/ 169/ 169

Mistura de gêneros que não dá liga / 1/ 1/ 1/ 1/ 17171717171

A construção deum novo vocabulário / 1/ 1/ 1/ 1/ 17272727272

Estranhamento e fricção numcaldeirão de referências urbanas / 1/ 1/ 1/ 1/ 17373737373

Nem a dama do teatro se ajusta / 1/ 1/ 1/ 1/ 17575757575

O desafio de se tornar profissional / 1/ 1/ 1/ 1/ 17777777777

No programa, uma boadose de humor eficiente / 1/ 1/ 1/ 1/ 17979797979

O mapa da dança contemporânea / 180/ 180/ 180/ 180/ 180

Estreia da Cia. da Ideia surpreende / 181/ 181/ 181/ 181/ 181

A dança baila entre / 182/ 182/ 182/ 182/ 182linhas e entrelinhas

Descompasso entre o / 184/ 184/ 184/ 184/ 184tema e a coreografia

Criação comodiálogo de diferenças / 186/ 186/ 186/ 186/ 186

Excesso de devoção emespetáculo sem desafios / 187/ 187/ 187/ 187/ 187

A proposta é clara, masa dança é sem ousadia / 188/ 188/ 188/ 188/ 188

Bela récita, apensar dos nós / 189/ 189/ 189/ 189/ 189

O balé de uma nota só / 190/ 190/ 190/ 190/ 190

Alegria para encerrara temporada de balé / 192/ 192/ 192/ 192/ 192

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A coreografiacomo organismo vivo / 193/ 193/ 193/ 193/ 193

Coreografia precisa,como um ato cirúrgico / 194/ 194/ 194/ 194/ 194

Os melhoresespetáculos de dança de 2007 / 1/ 1/ 1/ 1/ 19595959595

20202020200808080808Muita literatura para pouca dança / 20/ 20/ 20/ 20/ 2011111

Em busca de uma identidade / 203/ 203/ 203/ 203/ 203

Voo rasante de umacompanhia com história / 205/ 205/ 205/ 205/ 205

Falta ensaio, falta coesão / 206/ 206/ 206/ 206/ 206

Coreografia cai naarmadilha da literatura / 207/ 207/ 207/ 207/ 207

Elenco de primeira,repertório discutível / 208/ 208/ 208/ 208/ 208

Veteranos do movimentoalternam tecnologia,‘nonsense’ e elegância / 209/ 209/ 209/ 209/ 209

Uma celebração pautadapelo frescor da criação / 211/ 211/ 211/ 211/ 211

Coreografias inéditasapresentam risco esurpresa no Espaço SESC / 213/ 213/ 213/ 213/ 213

Gesto vira pilar coreográfico / 215/ 215/ 215/ 215/ 215

Mistura irregularde épocas e estilos / 21/ 21/ 21/ 21/ 2177777

Giselle mantém a aura de clássico / 219/ 219/ 219/ 219/ 219

Ânimo renovado para a temporada / 221/ 221/ 221/ 221/ 221

Verborragia de movimentosno flerte de Deborah Colkercom a dança-teatro / 223/ 223/ 223/ 223/ 223

Falta habilidade na coreografia / 225/ 225/ 225/ 225/ 225

Entretenimento profissional / 227/ 227/ 227/ 227/ 227

Dois caminhospossíveis de apoio à dança / 228/ 228/ 228/ 228/ 228

Metade doespetáculo já bastaria / 230/ 230/ 230/ 230/ 230

Bailarinos se entregam / 231/ 231/ 231/ 231/ 231

“Transcriação” shakespeareana / 232/ 232/ 232/ 232/ 232

Desafio é desfazer máimpressão da companhiaRussian State Ballet / 233/ 233/ 233/ 233/ 233

Russos continuam devendo / 234/ 234/ 234/ 234/ 234

Balé para gente pequena / 235/ 235/ 235/ 235/ 235

Sobre o palco, umofício que se leva a sério / 236/ 236/ 236/ 236/ 236

Rigor sem espaço para o desvio / 237/ 237/ 237/ 237/ 237

Começo bom, mas comfim frustrante e triste de ver / 239/ 239/ 239/ 239/ 239

Qu’eu isse / 240/ 240/ 240/ 240/ 240

Recriação que vira futuro / 241/ 241/ 241/ 241/ 241

Em processo deconhecer seus próprios limites / 243/ 243/ 243/ 243/ 243

Parceria exploraos limites corpóreos / 244/ 244/ 244/ 244/ 244

Na Bienal de Lyon,passado e futuro em harmonia / 245/ 245/ 245/ 245/ 245

Uma construção cristalina / 247/ 247/ 247/ 247/ 247

Quatro corpos descrevem o amor / 249/ 249/ 249/ 249/ 249

A dimensão exata da dança atual / 250/ 250/ 250/ 250/ 250

Espetáculo H3 de Bruno Beltrão / 251/ 251/ 251/ 251/ 251

Cada gesto é um pequeno mundo / 252/ 252/ 252/ 252/ 252

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Visão genial do cotidiano / 253/ 253/ 253/ 253/ 253

Longe dos estereótipos da rua / 254/ 254/ 254/ 254/ 254

Uma lição deobviedade e perda de tempo / 255/ 255/ 255/ 255/ 255

De frente para o público / 256/ 256/ 256/ 256/ 256

A atualidade que a obrasugere, mas não mostra / 257/ 257/ 257/ 257/ 257

João Saldanha abre oseu processo de criação / 258/ 258/ 258/ 258/ 258

Poder público quasemata o ofício da dança / 259/ 259/ 259/ 259/ 259

20202020200909090909Falta ritmo àcompanhia de Andrea Jabor / 265/ 265/ 265/ 265/ 265

Mostra que cruzaa fronteira dos solos / 266/ 266/ 266/ 266/ 266

Começou mal, mas / 268/ 268/ 268/ 268/ 268terminou com brilho

Outros textosOutros textosOutros textosOutros textosOutros textos

Dança: imitaçãoe metáfora / 273/ 273/ 273/ 273/ 273

O meme na carne / 276/ 276/ 276/ 276/ 276

Quando a dançafala de si mesma / 277/ 277/ 277/ 277/ 277

A formação de plateias / 279/ 279/ 279/ 279/ 279

Die Verwirrungendes Luiz de Abreu / 280/ 280/ 280/ 280/ 280

A arte de criticar / 282/ 282/ 282/ 282/ 282

As agruras de umprojeto não selecionado / 284/ 284/ 284/ 284/ 284

Bibliografia / 291/ 291/ 291/ 291/ 291

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Apresentação

JUCA FERREIRA

Ministro da Cultura

urante o processo de criação artística, o momento de reflexão epesquisa se faz indispensável para o desenvolvimento da obra. A

partir da produção teórica e crítica, a prática é repensada, aperfeiçoa-da e adequada a novos contextos. Ao editar o livro A o lado da crítica:10 anos de crítica de dança – 1999-20 09, o Ministério da Cultura e aFunarte apresentam a artistas, curadores, produtores, pesquisadores e crí-ticos um poderoso instrumento de trabalho e oferecem ao espectador dedança a oportunidade de ampliar seu conhecimento sobre o tema.

O livro reúne críticas, publicadas originalmente em jornais de grandecirculação. Juntas, elas revelam um panorama das ideias, práticas e ex-periências que marcaram a dança brasileira nos últimos dez anos. Osautores analisam em detalhes espetáculos que exploram linguagens di-versas do corpo em movimento. Dessa forma, é possível acompanhar astrajetórias de renomadas companhias, coreógrafos e bailarinos, nacio-nais e internacionais, em busca de inovações técnicas e estéticas quedessem fôlego às suas obras e às suas marcas autorais.

Além disso, são traçados os percursos de alguns dos principais festi-vais brasileiros, que se destacaram por servir de palco a grandes nomesda dança, a novos talentos e coreógrafos de vanguarda, por terem setornado espaços privilegiados de debate de idéias e por ajudarem a for-mar novas plateias para a dança no Brasil. Esta coletânea traz aindatextos teóricos que ajudam a inserir o trabalho do crítico no contextomaior da história da dança.

Com esta publicação, o Ministério da Cultura e a Funarte reafirmamos compromissos de preservar a memória das artes e promover a refle-xão sobre as manifestações da cultura brasileira, investindo assim naformação de consciências críticas e no desenvolvimento do país.

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Ao lado da crítica

SÉRGIO MAMBERTI

Presidente da Funarte

o lado da crítica oferece ao leitor registros minuciosos dos principaisespetáculos de dança apresentados nos palcos cariocas nos últimos

dez anos. A obra, que vem preencher uma lacuna da produção intelectualbrasileira, tão carente de títulos que promovam uma reflexão sobre a dançano país, servirá como ferramenta de pesquisa e referência histórica paratodos aqueles que desejem ampliar seu conhecimento sobre o tema.

A edição deste livro faz parte de um conjunto extenso de ações daFundação Nacional de Artes – Funarte voltadas para o incentivo à dan-ça. Desde 2005, quando o Ministério da Cultura criou o Colegiado Seto-rial de Dança – espaço de debate entre Estado e sociedade civil –, a árearecebeu impulso inédito. Para atender a reivindicações da categoria,foram desenvolvidos programas específicos de estímulo à produção, cir-culação, formação, pesquisa e preservação da memória, contemplandosempre a diversidade criativa dessa linguagem.

Diretores, bailarinos, coreógrafos, produtores, técnicos e outros pro-fissionais ligados à cadeia produtiva da dança encontram, por meio daspolíticas da Funarte, formas de se capacitar, viabilizar projetos, levar seusespetáculos a outros estados e realizar pesquisas.

Com a publicação de livros como A o lado da crítica, que estimulam opensamento sobre a cultura brasileira, a Funarte beneficia artistas, es-tudiosos e espectadores, a um só tempo. Além disso, ratifica a importân-cia de sua atuação como órgão fomentador das artes no país.

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O ofício da crítica em dose dupla(para nossa sorte e deleite)

AIRTON TOMAZZONICoreógrafo, jornalista e diretor do

Centro Municipal de Dança de Porto Alegre

palavra crítica vem do grego krimein, que significa “quebrar”, sentido quetambém influenciou a formação da palavra “crise.” E, provavelmente, es-

tabelecer uma crise seja o papel decisivo de um crítico. Uma crise pode gerar,por sua vez, vários estados: percepção, transformação, e até mesmo choque ereação. Por isso, uma crise, mesmo que em primeira instância possa pareceralgo negativo, tem um papel determinante e fundamental, ainda mais quandose fala em arte, ainda mais quando se fala em dança, num País de pouca memó-ria e tão carente de informação qualificada sobre esta arte.

Por isso, é tão importante e significativa a publicação desta obra, reunindodez anos de produção sistemática dos críticos de dança Roberto Pereira (Jornaldo Brasil) e Silvia Soter (O Globo). Seus textos foram decisivos tanto para fazerum retrato da dança na cidade do Rio de Janeiro, no período de 1999 a 2009,quanto para um refinado exercício de reconhecimento e provocação do que ecomo se produzia, do que se assistia, do que se fazia e se deixava de fazer nospalcos e nos bastidores, na arte e na política do Brasil. Sim, porque o espaçoaberto por estes dois críticos não foi apenas para dar opinião a respeito de es-petáculos e eventos. Ambos estiveram sempre atentos e dispostos a alertar, co-brar, revelar ações e omissões que reverberavam diretamente na dança.

Talvez, por esses motivos, eu fale com certa inveja. Com a inveja de quem atuaem um cenário cultural (de Porto Alegre) que não possui, como outros tantos es-tados desse País, um crítico atuando sistematicamente e com o mínimo conheci-mento e vocação para tal ofício. Talvez por isso eu perceba com maior ênfase afalta que faz o acesso a textos de uma escrita clara e precisa, que analisem a produ-ção de dança, textos com posições devidamente argumentadas, textos que, quandonecessário, se permitem vibrar, amar, odiar, pois são textos de quem vive a dança,conhece a dança e torce pela dança. Esses atributos fazem a diferença em umcenário que, muitas vezes, é o de pseudocríticas de dança redigidas por alguémsem o mínimo conhecimento da história da dança (sim, não apenas temos uma comovárias), de suas referências, de sua realidade local e global e que acha que emitirimpressões com uma escrita “bacaninha” dá conta do recado.

A

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As críticas de Silvia e Roberto são a constatação da diferença que umapostura consistente faz e traz. Para tal, não precisamos concordar sempre comsuas opiniões, que não estão ali em busca de uma unanimidade, mas sim deuma pequena (pois breve) e necessária porção de alteridade. Alteridade nosentido de também compreender o mundo a partir do olhar outro, sensibiliza-do pela experiência do contato com a(s) obra(s). E aqui não falo apenas doscriadores, “alvo” das críticas, mas de todos os leitores que fazem do exercícioda crítica jornalística uma possibilidade de troca de experiência em dança, enão só o público carioca. Quantas vezes me interessei por coreógrafos sobreos quais li nos textos de Roberto e Silvia, quantas vezes descobri que os des-conhecia, quantas vezes levei seus textos para sala de aula, quantas vezesacolhi apontamentos que serviam como uma luva para o meu trabalho, quan-tas vezes discordei e estabeleci argumentos para “no dia em que eu falar comeles”. Enfim, que coisa mais saudável esta que uma boa crítica produz.

Também por isso a importância desta publicação. Por valorizar um ofício cadavez mais raro. Pela oportunidade de ler esses textos tão fugidios no jornal queno outro dia pode estar enrolando peixe. Pela chance de lê-los em conjunto. Depoder relê-los. De poder lê-los complementarmente a partir de duas perspecti-vas tão singulares e capacitadas. Essa coletânea de críticas é um legado, numcenário ainda árido da produção bibliográfica sobre dança no Brasil e pratica-mente nulo no que se refere à crítica fora dos jornais e sites. Mas,independente de tudo isso, o leitor poderá se deleitar com um generoso exercí-cio de análise e com o olhar apurado de Roberto e Silvia.

Esta obra também pode ser uma forma de talvez começar a perceber a im-prensa como um dos vértices fundamentais para que uma produção consistentede dança se firme. Esta publicação, enfim, é um retrato de dois profundos co-nhecedores, de dois sensíveis cronistas do seu tempo, donos de um texto perspi-caz e inteligente, de dois apaixonados que fizeram, nesse período, um bocadodaquilo que precisa ser feito, mas poucos se arvoram, pois o ofício da crítica nãoé só feito de louros e exige coragem e rigor. Coragem e rigor que sempre pri-maram tanto Roberto, que nos deixou tão prematuramente e que tanta falta jáfaz, quanto Silvia, que espero que prossiga compartilhando com a gente por maisum bom tempo seus textos.

E que bom que o Roberto teve a ideia desta publicação, bem como a paciên-cia de organizar seu material e o da Silvia, além de digitar todas as críticas.Se ele não tivesse pensado e trabalhado por isso, estas continuariam nos arqui-vos pessoais e não à nossa disposição. E crédito especial à Sonja Gradel, incan-sável até descobrir uma forma de não ver engavetado todo o trabalho já feitopelo Roberto.

Parabéns à Funarte, por assumir essa iniciativa e torná-la possível, com sen-sibilidade e agilidade. Tenho a certeza de que a dança brasileira agradece.

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Introdução

ROBERTO PEREIRA

ez anos de crítica de dança na cidade do Rio de Janeiro. Oferecer ao pú-blico a possibilidade de ter reunidas todas as críticas escritas por mim nesse

período, publicadas ou não, é também traçar um diagrama histórico possível,cujos personagens compartilham com o narrador o mesmo espaço e o mesmotempo. Compartilham a contemporaneidade. Tal fato concede, sem dúvida, umtom peculiar à leitura dos textos que seguem. E corrobora a ideia de que essediagrama não está pronto, e nunca estará, felizmente. Aqui, ele aparece recor-tado, assumindo, de imediato, todas as falibilidades desse recorte.

Reunir críticas jornalísticas em um mesmo volume, em formato de livro, não éuma novidade. Mesmo em dança, trata-se de uma prática que vem sendo disse-minada sobretudo a partir do século passado. A importantíssima produção doséculo XIX, por exemplo, que encontra no nome do poeta Théophile Gautier umade suas maiores expressões, ganhou versão em livro, inclusive em outros idiomasque não apenas o original francês. Sua organização vem facilitando e muito o acessode pesquisadores ao ainda tão presente balé romântico, numa leitura que garan-te, através dos arroubos poéticos de Gautier, uma reconstrução possível de ima-gens do que foi aquele período tão caro à dança cênica ocidental.

Se no caso do poeta mais de 150 anos separam suas primeiras críticas jor-nalísticas de sua organização e posterior publicação, neste livro que ora seapresenta ao público, esse hiato simplesmente não existe. Tingindo a históriarecente da dança carioca com a tinta própria de um olhar crítico que se disse-mina através de um dos mais importantes jornais da cidade, aqui se promoveum diagrama.

Um diagrama que, ao mesmo tempo, resulta numa leitura plenamente si-multânea dessa história, mesmo tendo sido organizado com base em um per-curso absolutamente cronológico, critério assumidamente sintagmático que

D

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tenta conceder a essa mesma leitura quase um caráter narrativo. E disso, cer-tamente, um sabor especial advém.

Esse sabor, que muitas vezes deve ter causado dissabores também aos per-sonagens que habitam essas páginas, está latente em cada uma de suas linhas,em cada parágrafo. Apenas não se deve esquecer de que, ao retirar essas críti-cas do seu hábitat original e reagrupá-las em outro lugar, estamos falando mesmoquase que de uma aventura romântica de preservação. Jornalismo cultural, quecarrega consigo a noção de cotidiano, do aqui e agora, ganha feições de umaextensão no tempo e no espaço que não fazem parte de sua especificidade.Implicados aí estão ganhos e perdas. O leitor não deve perder isso de vista, jamais.

* * *A crítica de dança que se apresenta aqui é o exercício diário que permitiu mi-nha formação profissional na área. Na verdade, trata-se de um exercício com-partilhado principalmente com minha colega, e antes de tudo, amiga, Silvia So-ter. Escrevemos há dez anos para os dois principais jornais da cidade do Rio deJaneiro, ela para O Globo e eu para o Jornal do Brasil.

No início, o desafio era novo para ela e para mim: o de se fazer entender porum público anônimo, de cuja amplitude não tínhamos qualquer dimensão. O al-cance de cada palavra escrita por nós era algo pouco traçável, nos dois senti-dos: tanto em direção ao artista criticado, quanto em direção ao público.

Nessa tarefa, a aprendizagem do código se tornou quase um enigma a serdecifrado dia a dia, texto a texto. O “como se fazer entender por esse públicoamplo” teria de vir aliado a outras tantas determinações, muitas vezes alheiasà nossa vontade, ou ao que ainda ingenuamente chamávamos de “estilo”. Dei-xar claro de que espetáculo está se falando, quem é o artista, onde e até quan-do ele se apresenta fazia pesar a prática do lead jornalístico quase como umabomba num texto que se queria algumas vezes puramente poético. Negocia-ções começaram a ser feitas. Aqui e ali.

Ou mesmo o tamanho destinado para cada texto determinava a eficácia deseu conteúdo. Dimensionar isso, exatamente, talvez tenha sido a aprendizagemmais demorada para mim. Se o espaço é pequeno, cada palavra começava a valerimediatamente mais. Quase ouro puro. E nada, nada mesmo a tornava substi-tuível por qualquer outra palavra. A saída era ir sempre testando. Até hoje setesta. E não há um resultado, um diagnóstico. Há a prática de quem realiza umofício cuja formação é um amontoado de aptidões: a facilidade em escrever, oolhar aguçado, o incessante pesquisar sobre dança, e mais tantos etcs. pertinen-tes que possam porventura caber aqui.

Outra informação que poucos leitores, e artistas, sabem: não somos nós queescolhemos os títulos e as legendas que acompanham nossos textos. E tambémnão escolhemos as fotos que os ilustram. Algumas vezes, o título é pinçado de

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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alguma passagem de nossa autoria. Outras, ganha um colorido estranho, pró-prio de um título que jamais seria dado por nós. Isso tudo fazia parte do modode acontecer de uma redação de jornal. Tudo. Algo muito simples de se enten-der, mas que fincava de uma só vez uma bandeira que demarcava especificida-des jornalísticas em minha escrita, área em que não sou formado.

Aliás, qual poderia ser minha formação como crítico? Tinha feito muitas emuitas aulas de dança, começando meus estudos numa academia de minha ci-dade natal, São José dos Campos, interior de São Paulo. Como acontecia comtodo rapaz em plena década de 1980, ganhei uma bolsa de estudos de minhaprimeira professora, Damares Antelmo, e me lancei ao balé, ao jazz e ao sapa-teado, mesmo que este último eu tenha abandonado logo de início. Em 1982,lembro ter ficado impressionado ao assistir na televisão a uma jornalista falan-do sobre dança de um modo inteiramente novo para mim. Helena Katz, na T VCultura, comentava o impacto da movimentação de Michael Jackson nos vide-oclipes que acompanhavam o lançamento de seu álbum Thriller. E esse modoreverberou em mim, e o faz até hoje, a certeza de que ali residia uma outrapossibilidade, absolutamente legítima, de se fazer dança também. Fui para acapital paulista, onde me formei em Letras pela PUC/SP, e parei definitivamentede fazer aulas de dança. Comecei, então, a participar do grupo de estudos or-ganizado por Helena. Algumas coisas começaram a se encaixar.

Saí do País, fiz meu mestrado na Universidade de Viena, Áustria, cuja disser-tação tinha como tema uma antiga paixão: o balé Giselle. Voltei ao Brasil, maisespecificamente ao Rio de Janeiro, em 1997, como convidado de minha irmã quejá era quase uma carioca. Nesse mesmo ano, conheci Silvia. Em dezembro, numareunião realizada na sala de ensaio de Lia Rodrigues, localizada no Teatro Villa-Lobos, combinamos a primeira reunião daquele que viria a ser conhecido comoGrupo de Estudos em Dança do Rio de Janeiro. Começaríamos a nos reunir logono dia 19 de janeiro do ano seguinte, no estúdio da Silvia, no Jardim Botânico.

A existência desse grupo foi absolutamente fundamental para meu futuroexercício da crítica. E logo nas primeiras reuniões, realizadas sempre àssegundas-feiras, às 19 horas, começou-se a delinear um núcleo que seguiriaadiante por mais seis anos: além de mim e da Silvia estavam Beatriz Cerbino,Dani Lima e Lia Rodrigues.

As leituras, sempre combinadas de antemão, faziam um percurso sugerido noinício por Helena Katz. Depois, nossos desejos foram sendo naturalmente des-pertos pela própria dinâmica das discussões que se davam nos encontros. Auto-res como Antonio Damasio, Daniel Dennett e Richard Dawkins apresentavamum novo universo a todos nós, que ficávamos incumbidos em traçar paralelos entretoda aquela teoria e a dança. Fazíamos isso, claro, ao nosso modo. E fomos cons-truindo ali uma ética da pesquisa, mas, sobretudo, uma estética do estar junto.

Lá no finzinho de 1999, em outubro, sai a primeira crítica da Silvia no Segun-do Caderno do jornal O Globo. Sua incursão naquele universo complementaria

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de forma exemplar o espaço dado por esse jornal à dança, sobretudo pelo em-penho da jornalista Adriana Pavlova, responsável pela área até o ano de 2005.Uma parceria e tanto foi construída ali, dia a dia, ano a ano. E o jornal passoua desempenhar um papel fundamental nas questões sobretudo políticas que cir-cundavam a dança carioca. E essa dança ganhou um outro status, diferentedaquele provindo de visitas esporádicas da crítica teatral Bárbara Heliodora aapresentações de dança, geralmente restritas ao Theatro Municipal. A dançavirou uma prática jornalística também.

Logo em seguida, ainda no mês de outubro, Silvia começou a escrever sobreo Panorama RioArte de Dança, um dos mais importantes festivais brasileirosque, naquele momento, era dirigido por sua idealizadora, a coreógrafa Lia Ro-drigues. Eu, desde o ano anterior, desempenhava ao lado dela o ofício de suacuradoria. Pouco mais tarde, fui entendendo que curadoria e crítica eram ape-nas interfaces de uma mesma mediação entre artista, obra e público. Mas comonão havia também nenhuma formação própria para “curador de dança”, tudo oque eu fazia era ao mesmo tempo testado. E as maiores aulas que tive nessesentido vinham da experiência da própria Lia, que também aprendeu fazendoaquele festival, mesmo que a duras penas, desde 1992.

Era uma experiência nova para mim e para Silvia: meu trabalho estava sen-do, de alguma forma, criticado por ela. Curioso. Muito curioso.

Para o bem do Panorama e de toda a classe artística da dança carioca, críti-cas sobre o festival passaram a ser constantes até o ano anterior ao que estelivro contempla. Escritas por Silvia, por Beatriz Cerbino, e mais tarde por mim,quando deixei a curadoria do festival em 2004, todas as edições dos anos pos-teriores, excetuando 2005, foram contempladas com críticas nos dois jornais. Esua leitura, hoje, traça curiosos percursos de um festival que promovia, a cadaano, estranhamentos poderosos num público que vinha lentamente se formando.

Por outro lado, infelizmente, nenhum dos importantes festivais e mostras queexistiram ou ainda existem na cidade do Rio de Janeiro foram contempladoscom críticas nossas desde seu início ou sem interrupções. O saudoso festivalD ança Brasil, por exemplo, teve sua primeira edição em 1997, com curadoriade Leonel Brum, e foi a principal e muitas vezes a única investida em dança doCentro Cultural do Banco do Brasil carioca. Sua última edição foi em 2004,dando fim a um processo interessante de observação de imbricações entre dançae outras linguagens artísticas, recorte eleito para balizar sua curadoria. De suasoito edições, apenas as dos anos de 2000, 2001, 2003 e 2004 ganharam críticaminha ou da Silvia. E uma inversão outra vez curiosa se deu aí: a partir de suasexta edição, Leonel convidou Silvia para dividir com ele a curadoria do festi-val. E eu, como crítico, passei a criticar o trabalho dela, exatamente o inversode como havia acontecido há alguns anos.

E também os Solos de Dança no SESC, mostra de formato inédito entre nós,e um dos principais eventos de dança do primeiro semestre carioca, que havia

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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se iniciado em 2000, pelas mãos de Beatriz Radunsky, só ganharam aprecia-ções críticas nossas a partir do ano de 2002. Desde então, até o ano passado,esta passou a ser uma ação ininterrupta, felizmente.

Mas o Rio de Janeiro contava, sim, com crítica de dança antes de começar-mos, eu e Silvia, em 1999. Nayse López, então editora do Caderno B do Jornaldo Brasil, acumulava também a função de escrever críticas para sua editoria. Efoi justamente Nayse quem me convidou para escrever minha primeira crítica(e única daquele ano), que saiu em dezembro de 1999. A partir de então, passeia, timidamente ainda, dividir com ela esse espaço no Jornal do Brasil, até que,depois de sua saída do jornal em abril de 2001, assumi sozinho o ofício.

Bem, não totalmente sozinho. Nessas trocas incessantes de posição, algumasvezes crítico, algumas vezes curador, surgiu a oportunidade de convidar a pes-quisadora Beatriz Cerbino para que me substituísse no Caderno B, em escritassobre o Panorama ou sobre algum espetáculo a que eu não poderia assistir poruma razão ou outra. Beatriz havia sido minha aluna no Curso de Dança daUniverCidade, e na época em que começou a escrever, me substituindo, em 2001,cursava o mestrado em Comunicação e Semiótica da PUC/SP.

Em nosso segundo ano como críticos de dança, Silvia escreveu 15 textos,e eu, o dobro do que havia escrito no ano anterior, ou seja, apenas dois textos.E no ano seguinte, foram dez da Silvia e eu continuava dobrando minha quan-tidade: quatro textos. Esse número passou lentamente a aumentar, para nós dois.E nossa prática passou a ser uma dinâmica.

Começamos a perceber o que representava o fato corriqueiro, por exemplo,de sentarmos lado a lado em uma estreia. Ou como nossos gestos eram lidosdurante ou após os espetáculos. Cada pequeno gesto. E como nossos textos fo-ram demarcando dois estilos tão diferentes de leituras. E ainda, o que significa-va fazer parte de um rol tão restrito no País de críticos de dança atuantes, queencerrou o ano passado contando apenas com Helena Katz, em São Paulo (OEstado de S. Paulo) e Marcelo Castilho Avellar, em Belo Horizonte (O Estadode Minas).

Formação? Ela se dá ainda em continuidade. Silvia concluiu o mestradoem Artes Cênicas pela UniRio em 2005 e eu, o doutorado em Comunicaçãoe Semiótica pela PUC/SP em 2003. Ambos sobre dança. E ambos os resulta-dos foram publicados. Organizamos livros, participamos de festivais, comis-sões, produzimos eventos e continuamos a dar aulas no mesmo curso supe-rior de dança na UniverCidade. Um repertório que se alarga desde quecomeçou a existir. No caso da Silvia, quando ela tinha 13 anos e, no meu, quandotinha 17. Muita dança de lá pra cá. Muita. E num desses mistérios que noscercam, essa quantidade toda, pelo menos quando se enfrenta a tela vaziado computador ao iniciar a escrita de uma nova crítica, se transforma mila-grosamente em qualidade.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Esse livro reúne críticas escritas por mim em dez anos. Curiosamente, nes-te ano comemorativo de 2009, uma bailarina rasgou em cena a folha de jor-nal que estampava uma crítica minha sobre seu espetáculo. Todas as leiturasde atos que se desdobram: algumas mais elegantes, outras mais emergenciais.Todas legítimas.

Entre tantos erros e acertos, os textos aqui apresentados contam um poucoda história e da percepção dessa história da dança entre nós, moradores da ci-dade do Rio de Janeiro, ou apenas brasileiros. Para tanto, resolvi manter mi-nhas versões originais dos textos. Assim, algumas vezes, temos uma misturainteressante de títulos e legendas tal como figuram nos jornais e textos em ver-sões que muito diferem daqueles publicados. Ou mesmo textos que seriam mes-clados com outros textos de autoria de jornalistas, especialmente em balançosde fim de ano, e que aparecem aqui apenas nas versões escritas por mim. Estaera, finalmente, a (única?) chance de eles serem lidos como foram concebidosoriginalmente. Resolvi também trazer aqui críticas que, por uma razão ou ou-tra, não foram publicadas.

Ao leitor, resta meu pedido de lembrar, sempre, que se trata aqui não maisapenas da crítica de dança, que tem tantas qualidades quando estampada nosuporte do jornal. Mas, antes, trata-se de um registro de um registro e, como tal,só poderia existir admitindo seu recorte e as falibilidades decorrentes dele, assimcomo assumindo as especificidades deste outro suporte, um livro.

Bom diagrama a todos. Um outro jeito absolutamente legítimo de se fazerdança se inicia na página seguinte.

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2005 CRÍTICAS

JORNAL DO BRASIL - 10 DE JANEIRO DE 2005Um tratado coreográfico

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 15 DE JANEIRO DE 2005O acaso como um importante parceiro

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 5 DE FEVEREIRO DE 2005O fim do Dança Brasil

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 25 DE FEVEREIRO DE 2005Operação arriscada no palco do Rival

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 5 DE MARÇO DE 2005Coragem de apostar no novo

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 12 DE MARÇO DE 2005Coreógrafos e bailarinos em sincronia

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 7 DE ABRIL DE 2005O balé do desencontro

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 10 DE ABRIL DE 2005Companhia de Goiás dança com Elis e Tom

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 10 DE ABRIL DE 2005Mimetismo da bossa nova

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 15 DE ABRIL DE 2005A lição da bailarina

ROBERTO PEREIRA

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

2 8

JORNAL DO BRASIL - 22 DE ABRIL DE 2005Falta coerência e coesão

ROBERTO PEREIRA

CRÍTICA NÃO PUBLICADA – 1 DE MAIO DE 2005Espetáculo Esquecidos de Catharina Gadelha

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 27 DE MAIO DE 2005Tempo de despertar

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 4 DE JUNHO DE 2005Empenho e capricho não fazem obra transbordar

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 4 DE JUNHO DE 2005Poético e orgânico

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 9 DE JUNHO DE 2005Uma leve renovação na dança-espetáculo

SILVIA SOTER

O GLOBO - 12 DE JUNHO DE 2005Visita musical a um certo Brasil, um “país imaginário”

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 13 DE JUNHO DE 2005Objetos como parceiros

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 23 DE AGOSTO DE 2005Descompassos

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 24 DE AGOSTO DE 2005Schoenberg transfigurado

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 27 DE AGOSTO DE 2005O corpo fala

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 2 DE SETEMBRO DE 2005O poder de transformação do Grupo Corpo

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 3 DE SETEMBRO DE 2005A mão dupla do corpo

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 14 DE SETEMBRO DE 2005Na onda do revival

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 30 DE SETEMBRO DE 2005O jazzdance sem alegria e sedução

SILVIA SOTER

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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JORNAL DO BRASIL - 4 DE OUTUBRO DE 2005Um divisor de águas

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 7 DE OUTUBRO DE 2005Ideia de mundo norteia o espetáculo

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 7 DE OUTUBRO DE 2005Noite sem sutilezas

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 28 DE OUTUBRO DE 2005Garimpagem do corpo

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 29 DE OUTUBRO DE 2005Fragilidades

ROBERTO PEREIRA

CRÍTICA NÃO PUBLICADA – 12 DE NOVEMBRO DE 2005Espetáculo Orfeu de Regina Miranda

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 22 DE NOVEMBRO DE 2005Eloquência sem limites

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 24 DE NOVEMBRO DE 2005Força da dança apenas se insinua

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 28 DE DEZEMBRO DE 2005Belos saltos entre escorregadas feias

ROBERTO PEREIRA

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

3 0

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Um tratado coreográficoSofisticado espetáculo de João Saldanha,

Soma investiga as estruturas e os códigos da dança

ROBERTO PEREIRA

ano começa muito bem para a dança

do Rio de Janeiro! Pela segunda vez

consecutiva, o coreógrafo João Saldanha

inaugura a temporada carioca, tendo como

abrigo o Espaço SESC, em Copacabana. Na

verdade, mais do que abrigo, não apenas

para Saldanha, mas para tantos outros

coreógrafos importantes da cidade, o SESC

tem funcionado também como um estimu-

lador essencial nesse deserto político em

que se encontra a dança por aqui.

Soma, que estreou na última quinta-feira

e permanece em temporada até o final do

mês, é um tratado coreográfico que se volta

para as questões próprias da dança, como suas

estruturas, seus códigos, seu pensamento.

Quase que revestindo a dança moderna de

dança contemporânea, João Saldanha ultra-

passa os desafios óbvios da metalinguagem

para investir num tratamento absolutamen-

te atual de uma ideia que só poderia vir ao

mundo naquela mídia, naquele movimento,

na soma daqueles elementos.

Lembrando que dança não é mera se-

quência de passos, para a soma “gestálti-

ca” do coreógrafo a ordem dos fatores

altera o produto, construindo uma malha

espessa de sincronias de movimentos que

se deslindam pelo espaço. Aliás, o todo pra-

teado que o público e os bailarinos compar-

tilham da nova sala do mezanino do Espa-

ço SESC, é muito mais do que apenas invó-

lucro: é espaço que se transforma em con-

tinuidade daquilo que se constrói coreogra-

ficamente.

Esse procedimento já havia sido experi-

mentado por João, desde A fase do pato sel-

vagem e Sopa, suas obras de 1998 e 2000,

respectivamente. Mas em Soma, o espaço

vira ambiente, dividindo com a luz sutil e

com os delicados figurinos o papel que sem-

pre lhe coube: o de ser parte necessária da

composição. Quase que uma condição para

sua existência.

A qualidade dos bailarinos é algo que

salta aos olhos. Exigência mínima para a

sofisticação gestual que ali se articula, essa

qualidade faz com que eles possam contri-

buir cada um a seu modo ao que se propõe o

espetáculo. Mas, ao mesmo tempo, não lhes

escapa, hora alguma, a noção de compor

organicamente um todo. Mesmo que alguns

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • • • • • SEGUNDA-FEIRASEGUNDA-FEIRASEGUNDA-FEIRASEGUNDA-FEIRASEGUNDA-FEIRA• 10 DE JANEIRO • 2005• 10 DE JANEIRO • 2005• 10 DE JANEIRO • 2005• 10 DE JANEIRO • 2005• 10 DE JANEIRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

3 2

bailarinos estejam mais familiarizados com

a linguagem do coreógrafo do que outros,

como os veteranos Marcelo Braga e Laura

Sämy, existe entre eles uma ainda tímida

relação de cumplicidade que desponta em

olhares entre si, e em uma presentidade de

dança que se dinamiza em processos até o

fim do espetáculo.

Com Soma, aquela velha lição que en-

sina que uma parte de um organismo car-

rega consigo as informações de seu todo é

relembrada. Mais que isso: é redimensio-

nada em dança, tarefa nada simples, mas

absolutamente possível, como prova a in-

teligência esperta de um coreógrafo como

João Saldanha.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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O acaso como umimportante parceiro

Soma: Espetáculo que não se submete a clichêsou classificações e que fica na memória do espectador

SILVIA SOTER

or mais um ano, coube ao Espaço SESC

abrir a temporada carioca de dança.

Soma, a mais nova criação de João Salda-

nha, inaugura ao mesmo tempo um novo e

promissor espaço: um teatro totalmente re-

formado e adaptado para a dança, no meza-

nino do prédio de Copacabana. Nos últimos

dois anos, felizmente para o público cario-

ca, o Espaço SESC tem acolhido João Sal-

danha e sua companhia.

A palavra Soma, como sugere o coreó-

grafo no programa, refere-se aqui às di-

versas combinações propostas pelo en-

contro entre as estruturas de base da co-

reografia e o acaso. O acaso tem sido par-

ceiro importante nos últimos trabalhos de

João Saldanha, assim como nos de outros

criadores contemporâneos que lançam

mão do acaso como recurso para deixar a

dança sempre viva e com frescor. A soma

dessas partes produz, a cada momento, um

resultado único que se desmancha para

se combinar de outro modo, adiante. Em

Afirmações intencionais: Acidentes, últi-

mo trabalho de João Saldanha, essa pes-

quisa já germinava.

Dança que funciona como um processa-

dor de alimentos. Seguindo à risca uma das

importantes lições da dança moderna, de que

não há espaço anterior ao movimento, já que

é o movimento que o produz, Saldanha vai

tecendo solos, duos, trios, quartetos e danças

de conjunto que recortam o espaço em dese-

nhos geométricos. Mas a força e a beleza de

Soma vão além das figuras espaciais. Soma

é também a experiência do corpo vivido. O

corpo como lugar de cruzamento e de trans-

formação das mais diversas informações. Em

tempos em que os criadores parecem com-

pelidos a assumir suas inspirações e referên-

cias de maneira explícita e até emblemáti-

ca, Saldanha as assume para transformá-las

em algo íntimo e pessoal. Ele traz à tona re-

ferências e memórias que vão dos primór-

dios da dança moderna aos dias de hoje, in-

corporando traços que sugerem Wigman,

Graham, Paxton, ou ainda as polcas do baile

finlandês de sua adolescência. No entanto,

essas referências não se organizam como

narrativa, colagem ou sobreposição. A dan-

ça de João Saldanha parece secretada por um

corpo que funciona como um processador de

P

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOR IO DE JANE IRO • SÁBADO• 15 DE JANE IRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO• 15 DE JANE IRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO• 15 DE JANE IRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO• 15 DE JANE IRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO• 15 DE JANE IRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

3 4

alimentos. Nesse caso, os alimentos são dan-

ças, no plural. Referências e memórias que,

depois de transformadas, surgem materiali-

zadas na movimentação dos intérpretes e no

habilidoso projeto de composição. A peça de

Saldanha é tecida, então, por linhas de movi-

mentos de diversos tempos, que se misturam

e se fundem, umas nas outras, tramadas pelas

mãos experientes do artista.

Em Soma, o coreógrafo realiza a façanha

de fazer uma dança que não se submete a

clichês ou classificações. Seus seis ótimos e

experientes intérpretes – alguns como Mar-

celo Braga e Laura Sämy, parceiros de lon-

ga data e outros recém-incorporados para

essa experiência – conseguem circular pe-

las diferentes e muitas vezes opostas quali-

dades somáticas que a coreografia solicita,

trocando de intensidades, direções e tônus

como quem troca de roupa. A trilha de Sa-

cha Amback e os figurinos de Francisco

Costa têm o mérito de criar, junto com o

espaço cênico metalizado, uma ambienta-

ção visual e sonora que dá conta de ser, ao

mesmo tempo, absolutamente contemporâ-

nea e atemporal. Do quarteto ao som de

Elvis Costello ao final, Soma tem seu ponto

alto, fazendo com que a dança que vaza para

a plateia siga na memória do espectador

muito tempo depois da noite terminada.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

3 5

O fim do Dança Brasil

ROBERTO PEREIRA

dança carioca, e por que não dizer

também a dança brasileira, acaba de

perder um de seus mais importantes luga-

res de resistência artística e política. Neste

último dia 2 de fevereiro, o Centro Cultural

do Banco do Brasil anunciou a lista de seus

projetos selecionados e o festival Dança

Brasil não foi mencionado.

Tudo bem que o Dança Brasil iria repre-

sentar em sua nona edição deste ano de

2005 um feito mais que importante neste

país de descontinuidades, sobretudo quan-

do o assunto é arte e cultura. E que todo o

sentido de tradição, que dialoga com o sen-

tido de transformação, só se constrói numa

sociedade quando o tempo passa a ser a

chave mestra.

Tudo bem também que o Dança Brasil

era, se não o único, pelo menos o mais im-

portante evento dedicado especificamente

à dança numa instituição tão importante

como o Centro Cultural do Banco do Brasil.

Mas, mesmo assim, mesmo com o indiscutí-

vel sucesso de suas edições, nunca foi alça-

do à categoria de um evento digno de ser

apresentado em seu teatro maior. Tudo bem

que a curadoria do festival tentava se ade-

quar como podia às dimensões nem sempre

ótimas do Teatro II, afinal, curadoria no Bra-

sil só acontece se esse tipo de adequação for

feita, porque as condições quase nunca são

as melhores, isso em todas as linguagens

artísticas.

Claro, tudo bem que o Dança Brasil di-

vidia a cena dos eventos mais importan-

tes no primeiro semestre da cidade com

o Solos de Dança no SESC, contrapondo

com o Panorama RioArte de Dança, que

acontece no segundo semestre. Juntos,

esses três festivais compunham um calen-

dário invejável que só o Rio de Janeiro

possuía no Brasil.

E tudo bem também que o Dança Bra-

sil era assinado por dois importantes pes-

quisadores como Leonel Brum e Silvia

Soter, além de ter contado com a primoro-

sa produção de Rossine Freitas e Ailton

Franco. E que, sempre temático, promovia

discussões que instigavam a reflexão de

toda a classe da dança junto com seu públi-

co, através do projeto Palco Aberto. Em sua

primeira edição, em 1997, observou-se a

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE IRO • SÁBADO• 5 DE FEVERE IRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO• 5 DE FEVERE IRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO• 5 DE FEVERE IRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO• 5 DE FEVERE IRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO• 5 DE FEVERE IRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

3 6

relação da dança com a literatura, em 1998,

com as artes plásticas, em 1999, com a iden-

tidade cultural e a noção de brasilidade, em

2000, com o teatro, em 2001, com a tecno-

logia, em 2002, com as “Seis propostas para

o próximo milênio” de Italo Calvino, em

2003, com a música e, finalmente, em 2004,

com a ideia de espaço: todos temas muito

relevantes transformados em um festival de

uma sabedoria muitas vezes pioneira, que

reuniu não menos de 50 grupos e companhi-

as ao longo desses 8 anos.

Tudo bem que uma galeria de importan-

tes coreógrafos cariocas ali se apresenta-

ram, como Lia Rodrigues, João Saldanha,

Márcia Milhazes, Paula Nestorov, Márcia

Rubin, Ana Vitória, Dani Lima, Paulo Cal-

das, Esther Weitzman e Carlota Portella. E

tudo bem que a mostra paralela de vídeo

trazia, reunida pela primeira vez na cidade,

uma gama internacional enorme de produ-

ção de vídeo-dança, oferecida a preços mui-

to acessíveis ao público.

Tudo bem tudo isso. Mas é o que o Dan-

ça Brasil representava como lugar de re-

sistência num país cuja política cultural

para a dança é quase nula o mais premen-

te a ser pensado. Há muito, os festivais se

tornaram a única possibilidade de nossos

artistas circularem com seus trabalhos

para fora de suas cidades. E os cachês pa-

gos por esses festivais representavam, e

ainda representam, muitas vezes, a sobre-

vivência de companhias durante um tem-

po considerável. Essa é a grande perda. Ir-

remediável, para um instituto que agrega

em seu próprio nome a ideia de cultura e

a palavra Brasil.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

3 7

Operação arriscadano palco do Rival

Isto é Brasil: Carlinhos de Jesus cria showem que o destaque é a qualidade dos bailarinos

SILVIA SOTER

nova criação de Carlinhos de Jesus, em

cartaz no Teatro Rival até dia 6 de

março, traz para um palco italiano algumas

das chamadas danças populares brasileiras.

A operação de retirar danças que se desen-

volvem em seus ambientes, em situações

onde há apenas uma eventual separação

entre aqueles que dançam e aqueles que

assistem, e levá-las ao palco é sempre tare-

fa arriscada. Em geral, essa transposição do

que acontece nas ruas e nos salões para a

situação de espetáculo acaba por carregá-

lo de cores folclóricas. Dessa armadilha, Isto

é Brasil não escapa.

O coreógrafo e diretor opta, então, pela

estrutura de show, assumindo a frontalida-

de da cena e apresentando as diferentes

danças em quadros que se sucedem. É a

partir desse lugar que Isto é Brasil pode ser

compreendido: como show. Tudo é derrama-

do para a plateia: a movimentação, as ex-

pressões faciais e a iluminação colorida e

exagerada. Essa escolha justifica plenamen-

te sua presença no Teatro Rival ainda que o

palco, estreito e pouco profundo, restrinja vi-

sivelmente a movimentação dos bailarinos.

O Brasil do coreógrafo gira especial-

mente em torno do Rio de Janeiro e tem no

samba sua marca mais forte. Passeia por

suas diversas origens e formas. Carlinhos de

Jesus cria diversas situações teatrais, apoi-

ando-se na pantomima para ambientar cada

quadro e tentar costurar uma cena à outra.

Sem escapar de alguns clichês, estão presen-

tes em cena ícones desse Brasil para inglês

ver: mulheres lindíssimas, sorridentes e sen-

suais; homens com ginga e a malandragem

carioca. Nesse show em homenagem ao Rio

de Janeiro, Carlinhos de Jesus não poderia

deixar de fora a Mangueira. A escola de

samba é contemplada com um quadro que

se constrói pelas diversas comissões de fren-

te criadas pelo coreógrafo.

Carlinhos de Jesus tem plena consciên-

cia de que ele também é hoje um ícone do

Rio de Janeiro e faz uso disso, em cena, com

muita competência. Usa a sua presença no

lugar de intérprete e de personagem (brin-

cando, por exemplo, com a paródia que

Marcelo Madureira faz dele) e traz para

acompanhá-lo outra artista que é um dos

orgulhos da cidade: a bailarina clássica Ana

A

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 25 DE FEVEREIRO • 2005RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 25 DE FEVEREIRO • 2005RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 25 DE FEVEREIRO • 2005RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 25 DE FEVEREIRO • 2005RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 25 DE FEVEREIRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

3 8

Botafogo. A sempre bem-humorada e sedu-

tora presença de Ana imprime mais tempe-

ro às misturas que são exploradas no show.

Misturas e influências que tecem o Brasil do

coreógrafo. Talvez Carlinhos de Jesus este-

ja igualmente afirmando o importante lu-

gar do balé clássico na dança carioca.

Ainda que Isto é Brasil não escape das

armadilhas desse tipo de empreitada, não

conseguindo trazer novos ares para o for-

mato que se utiliza ele se destaca pela qua-

lidade dos bailarinos. Todos acompanham

Carlinhos de Jesus com competência e boa

presença cênica, com destaque para Shei-

la Aquino.

A qualidade da equipe e da produção já

aponta para o desafio que se impõe a Carli-

nhos de Jesus: conseguir trazer para o palco

o brilho e a originalidade com que brinda o

público carioca no Sambódromo, a cada ano.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

3 9

Coragem de apostar no novoSolos de Dança no SESC estreia no Rio

com grandes atuações de quatro bailarinos

ROBERTO PEREIRA

m espetáculo de bailarinos, mais do

que de dança: talvez seja essa a im-

pressão que resulta dos quatro trabalhos da

primeira semana da nova edição do Solos

de Dança no SESC, que se iniciou nesta quin-

ta-feira. Trabalhando com o novo absoluto,

tanto do ponto de vista do ineditismo das

obras, criadas especialmente para o evento,

quanto dos encontros de coreógrafos e bai-

larinos, que nunca trabalharam juntos, o So-

los de Dança no SESC, com curadoria assi-

nada por Beatriz Radunsky, tem, entre outros

méritos, o da coragem de apostar em ideias.

E assim apostando, traz consigo algo funda-

mental para a dança, ou seja, deixa eviden-

tes as qualidades daquele que cria, tanto na

coreografia, quanto em sua execução.

Nesta primeira semana, o que saltou aos

olhos foi, sem dúvida, a excelência da dan-

ça dos quatro bailarinos ali reunidos em

quatro trabalhos tão distintos. Abrindo a

noite, o bailarino Daniel Calvet mostrou

Vela a pilha, resultado de sua parceria com

o coreógrafo Henrique Rodovalho. Seu vo-

cabulário de movimentos, já bastante conhe-

cido, ganha facilmente o corpo de Calvet, o

que muito se deve ao fato do bailarino já ter

feito parte da companhia de Rodovalho, a

Quasar Cia. de Dança. Entretanto, a ques-

tão que ali se impõe é que em momento al-

gum esse vocabulário é amalgamado em

ideia, o que comprova que coreografia não

é dança, e que movimento pode se transfor-

mar meramente em passo. A exatidão da

execução desse vocabulário faz do bailari-

no algo ímpar, mesmo que o frescor de sua

juventude deixe visível que ele vem desco-

brindo, dia a dia, o que é sua dança e como

ela acontece em seu corpo.

Clébio Oliveira assina o segundo e o mais

frágil trabalho da noite. Em Há coisas que só

os olhos podem sentir, fica exposta a inabili-

dade de Clébio diante da maturidade da

mulher e da bailarina Isa Kokay. A dança se

constrói a partir apenas de uma narrativa

recheada de truques e maneirismos, que vão

desde o tema até os movimentos ainda pou-

co consistentes que o jovem bailarino cisma

em testar em seus incursos de criação. O ex-

cesso de referências usadas por ele, felizmen-

te, ainda deixa uma brecha para que se pos-

sa observar a qualidade de Kokay, bailarina

U

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 5 D E M A R Ç O • 2 0 0 5• S Á B A D O • 5 D E M A R Ç O • 2 0 0 5• S Á B A D O • 5 D E M A R Ç O • 2 0 0 5• S Á B A D O • 5 D E M A R Ç O • 2 0 0 5• S Á B A D O • 5 D E M A R Ç O • 2 0 0 5

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

4 0

que já merecia um solo em sua carreira tão

especial na cena da dança carioca.

Este parece ter sido também o caso de

Toni Rodrigues ao executar o terceiro

solo da noite, criado por Alexandre Fran-

co: Corpo de papel nº 1. Marca do coreó-

grafo, a prolixidade que ali impera não

consegue reverberar na dança de Toni,

embora esse bailarino venha provando,

ao longo de sua carreira, que sabe dialo-

gar com diferentes estilos de diferentes

criadores. Esse deveria ser um dos gran-

des méritos de qualquer bom bailarino

que, nessa obra, ganha pouca chance de

acontecer. Entre os textos quase incom-

preensíveis assinados e narrados pelo

próprio Alexandre e a superposição de

elementos coreográficos, a ideia não se

constrói, mas delineia-se apenas, resul-

tando num tratado de múltiplas referên-

cias muito confuso.

O trabalho mais consistente da noite foi

o último a se apresentar, A vida fora da bio-

grafia, de Esther W eitzman. Duas qualida-

des estão presentes ali: ternura e honestida-

de, que se transformam belamente em dan-

ça. A ternura da (re)construção de uma vida

(da bailarina? da coreógrafa?) fora de sua

biografia, como tão bem fala o título da obra,

remete ao encontro inédito entre Esther e

Sueli Guerra. E a honestidade perpassa todo

o trabalho, mostrando ao público como Sue-

li vestiu-se justamente de Esther, trajando

apenas o que lhe cabia. O resultado é a

medida exata de uma bailarina que se en-

trega à coreógrafa, deixando que a maturi-

dade das duas faça a dança vir à tona, mais

do que qualquer outra coisa.

O crítico francês Roland Barthes, ao fa-

lar de literatura, propunha uma distinção

daquilo que denominava de “texto erótico”

de “texto pornográfico”: enquanto o segun-

do esforçava-se por tudo mostrar, fazendo

uso do excesso e do previsível, o primeiro

guardava consigo a qualidade de apenas

insinuar, de propor, convidando o leitor a

preencher suas lacunas deliberadamente

ali presentes. Esta talvez seja uma lição para

esse primeiro programa dos Solos de Dan-

ça no SESC. A sorte, porém, é que o texto

dos corpos que ali dançam ainda resguarda

o erótico barthesiano, aguardando uma ou-

tra oportunidade para se tornarem um tex-

to artístico, em todas as suas propriedades.

Page 41: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

4 1

Coreógrafos e bailarinosem sincronia

Segunda semana do Solos de Dançasurpreende pela qualidade

ROBERTO PEREIRA

segunda e última semana da mostra

Solos de Dança no SESC, que se ini-

ciou nesta quinta-feira e se encerra amanhã,

comporta características bastante distintas

da primeira, cuja marca era a preponderân-

cia da qualidade dos bailarinos sobre a de

seus coreógrafos. Nesta semana, continuam

ainda o ineditismo das obras apresentadas

e o ineditismo das parcerias entre bailari-

nos e coreógrafos, mas os ajustes entre um e

outro que tal desafio impõe, encontrados an-

tes apenas no trabalho assinado por Esther

Weitzman, fazem parte da maioria das qua-

tro obras apresentadas.

A noite, entretanto, não começa bem. A

bailarina solista do Theatro Municipal, Bet-

tina do Dalcanale, trouxe para o palco inti-

mista do Espaço SESC todo o peso do gesto

dramático característico dos grandes balés

que costuma dançar, sem notar que ali, pela

proximidade com o público, o excesso de

dramaticidade deveria ser regulado a par-

tir de outras bases, já que se tratava de um

outro canal e de uma outra dança. Assim, seu

corpo parecia postiço num ambiente que a

bailarina ainda desconhece, deixando seu

desconforto aparente. A coreografia, Desa-

pego, de Mônica Barbosa, com parco voca-

bulário de movimentos, permitia que as po-

ses e os passos de balé surgissem ali quase

como uma solução apressada, e não como

uma necessidade de representação de um

pensamento, ou do tema tão forte que se

impôs sobre a obra.

O segundo trabalho da noite mostra

novos caminhos na tenra carreira do jo-

vem e promissor coreógrafo Carlos Laer-

te. Dono de uma habilidade inteligente de

construir células de movimentos de forma

orgânica, Laerte pesquisa em Vida a dois

uma possibilidade cênica para seu exer-

cício, ao qual o excelente bailarino Mar-

celo Moraes se presta com justeza. Talvez,

exatamente por essa sua habilidade, o

coreógrafo devesse tentar minimizar o ex-

cesso de ideias esgarçadas no que resvala

em seu maior mérito que é o próprio fa-

zer coreográfico: a música, excessivamen-

te narrativa, a iluminação, eloquente de-

mais, e o figurino. Pelo talento que ali se

confirma, nada disso se torna tão especial

como o movimento que ele tão bem conhe-

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 1 2 D E M A R Ç O • 2 0 0 5• S Á B A D O • 1 2 D E M A R Ç O • 2 0 0 5• S Á B A D O • 1 2 D E M A R Ç O • 2 0 0 5• S Á B A D O • 1 2 D E M A R Ç O • 2 0 0 5• S Á B A D O • 1 2 D E M A R Ç O • 2 0 0 5

A

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

4 2

ce e que traduz sua busca por uma lingua-

gem toda particular.

Misturando duas referências muito dis-

tintas e ao mesmo tempo tão complemen-

tares, Pra continuar a diversão chama a aten-

ção pelo frescor que esse tipo de encontro

entre bailarina e coreógrafa pode suscitar.

A primeira, Taís Vieira, traz consigo as in-

formações da dança de rua. Ou seja, em seu

corpo está a inscrição de uma vitalidade

desafiadora e pouco conformada, caracte-

rística dessa técnica e, sobretudo, dessa es-

tética de dança. A segunda, Cristina Moura,

vem de uma dança contemporânea que

dialoga firmemente com a performance,

sempre no intuito de questionar valores so-

ciais importantes e, ao mesmo tempo, polê-

micos. A mistura é absolutamente corajosa,

permitindo que explodam ali ideias novas

e provocadoras. Não à toa, a bailarina conta

em cena que o solo iria se chamar Pitbull.

A ferocidade está lá. E sempre esteve, nas

duas, cada uma a seu modo. E surge em es-

tado bruto como dança.

O último trabalho da noite encerra a

mostra com um deslumbramento. O substan-

tivo aqui, carregado de sua qualidade de ad-

jetivo, serve apenas para tentar traduzir o que

João Saldanha, em fase brilhante de sua car-

reira de coreógrafo, consegue tecer no corpo

da jovem bailarina Mônica Burity. Tudo pa-

rece convergir para a elegância de uma ideia

que vem ao mundo já configurada em sua

plenitude como coreografia, como movimen-

to, como dança. O que é jovem e ao mesmo

tempo competente em Mônica assimila o que

é experiência e marca de João, num desses

encontros que só se pode agradecer aos deu-

ses por ter um dia ocorrido. A sabedoria que

se pode ver em Eles assistem e eu danço de-

sarranja. Comove, no puro sentido do verbo.

A noite de quinta-feira foi dedicada ao

nosso grande mestre Dennis Gray, que ha-

via falecido naquele dia, aos 81 anos. Um

de seus principais papéis sempre foi o Dr.

Coppelius, do balé Coppélia, um fabricante

de bonecas. Na verdade, um fabricante de

sonhos, que se adequava tão bem à qualida-

de da dança do bailarino Dennis. E à quali-

dade do professor Dennis, cujo trabalho se

espraia, de um jeito ou de outro, entre todos

os solos desta mostra e de tantas outras que

ainda estão por vir, fazendo a história da

dança nesta cidade.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

4 3

O balé do desencontroFalta unidade no programa e entre bailarinos

marca espetáculo de Julio Bocca

ROBERTO PEREIRA

primeiro dos dois programas apresen-

tados pelo bailarino Julio Bocca e sua

companhia, o Ballet Argentino, no Theatro

Municipal do Rio de Janeiro, na terça-feira

e ontem, respectivamente, deixou eviden-

ciado um problema sério de coesão, em duas

instâncias.

A primeira delas, mais geral, relaciona-

se diretamente com a escolha das obras para

compor um programa, ou seja, é quase um

problema de curadoria. A falta de coesão dos

trabalhos esbarra, neste caso, justamente nos

dois pas-de-deux clássicos apresentados, ab-

solutamente dispensáveis no contexto que

se formou a partir das três obras mais con-

temporâneas. De qualidades muito diversas

dos clássicos, elas sozinhas teriam compos-

to um todo mais orgânico, num timing mais

preciso, que faltou em todo o espetáculo, lon-

go demais.

A segunda delas, mais específica, refe-

re-se à qualidade da performance dos bai-

larinos. O jovem grupo carece de unidade,

numa visível falta de entrosamento entre

eles, qualidade que, na dança, é alcançada

pelo tempo de convivência e também pela

dedicação aos ensaios. A falta de coesão

aqui deixou marcas profundas principal-

mente na obra Anjos sem asas, quando o

grupo, bastante desconectado entre si, difi-

cultava a apreensão do público que lotava

o teatro da instigante e complicada coreo-

grafia de Attila Eherházi. Problema de

fácil solução, quando se trata de uma boa

companhia como essa.

A noite não começou bem, com o Pas-

de-deux Tchaikowsky, dançado pelo pró-

prio Julio Bocca com a bailarina Cecilia

Figaredo. Faltou aos dois o quesito mais im-

portante para uma obra de Balanchine: a

precisão musical. Embora Bocca apresen-

tasse sua excelente qualidade técnica, ela

não foi suficiente para amenizar a pouca

habilidade balanchiniana da bailarina.

Já a segunda obra clássica do programa, o

grand pas-de-deux do balé O corsário, deu

oportunidade a Hernan Piquin de mostrar

todo seu vigor técnico, perfeito no papel, e

que infelizmente não encontrava na jovem

bailarina o seu par mais adequado. Resul-

tado: nos dois pas-de-deux, o destaque ficou

com os rapazes.

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 7 DE ABRIL • 2005RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 7 DE ABRIL • 2005RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 7 DE ABRIL • 2005RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 7 DE ABRIL • 2005RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 7 DE ABRIL • 2005

A

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

4 4

Já a obra De longe foi, sem dúvida, o

ponto alto da noite. Com curiosas forma-

ções de conjunto, a coreografia exigia da

companhia um desempenho que, sobretu-

do ali, foi correspondido com toda precisão.

Os ótimos bailarinos estavam em plena

sintonia entre si e com a obra, principal-

mente nos belos duos, num momento pon-

tual de todo o programa.

Finalizando, Piazzola tango vivo era

mais uma daquelas obras que facilmente en-

cantam o público, mesmo que repleta de cli-

chês e obviedades. Os indefectíveis objetos

de cena, quando o assunto é tango, como a

cadeira e a mesa, além dos figurinos e da

própria coreografia, deixavam claro que ali

era a vez do tango tipo exportação e dos

momentos de virtuosismo técnico, especial-

mente do próprio Julio Bocca.

Aliás, Bocca deixou evidente em todo

o programa que continua sendo um dos

grandes bailarinos da atualidade. Os domí-

nios técnico e cênico ganharam com a ma-

turidade uma qualidade ímpar no bailari-

no. Para nós, brasileiros, essa foi, sem dúvi-

da, uma boa oportunidade de revê-lo e de

conhecer um pouco a ótima dança que nos-

so país vizinho desenvolve.

Page 45: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

4 5

Companhia de Goiásdança com Elis e Tom

Só tinha de ser com você: Quasar encontra a MPB

SILVIA SOTER

ó tinha de ser com você, da Quasar Cia.de Dança é o primeiro espetáculo da

série 4 Movimentos – Cias. de Dança noCCBB, que a partir desse ano ocupa a pro-gramação da instituição no rastro do cami-nho aberto e consolidado pelos oito anos daMostra Dança Brasil.

A Quasar, em seus quase vinte anos deexistência, tem o mérito de ser uma das pou-cas referências de dança brasileira de altaqualidade que sobrevive e cresce fora doeixo Rio-São Paulo. Tarefa árdua que me-rece sempre ser lembrada e aplaudida.

Nessa peça, Henrique Rodovalho tomacomo ponto de partida o clássico álbum Elis

& Tom para ir à busca dos desdobramentosque essas músicas podem ganhar em dança.Não é a primeira vez que o coreógrafo inves-te nas relações entre música popular e dança– Coreografia para ouvir já brincava em de-safiá-las –, mas é nesse trabalho que Rodova-lho chega em algo que consegue não ser lite-ral ou narrativo e, ao mesmo tempo, estar li-gado de forma íntima à música em questão.

Em suas últimas criações, a Quasar teminvestido em tratar de temas contemporâ-neos como a solidão ou a velhice e vem os-cilando entre uma abordagem ou por de-mais narrativa ou que guardava uma dis-

tância inexplicável entre o tema aborda-do e tratamento coreográfico. Só tinha que

ser você mostra que Rodovalho deu umpasso importante no sentido de trazer no-vos ares e estímulos para flexibilizar seumaterial coreográfico, já com característi-cas bem próprias.

Em cena, os excelentes bailarinos explo-ram com languidez e até humor as qualida-des rítmicas da música de Tom Jobim, brin-cando com a dança a partir do mesmo “des-pojamento sofisticado” da bossa nova. O quechega aos ouvidos e aos olhos do públicoentra em harmoniosa sintonia. Os bonitos eeficientes figurinos de Cássio Brasil colabo-ram como um elemento fundamental paraacentuar o volume e a leveza da música eda movimentação.

É pena que, no entanto, a peça perca qua-lidade todas as vezes que um grupo maiorde bailarinos está em cena, já que a insufi-ciente profundidade do palco do Teatro IIimpede que a dança se desenvolva espaci-almente de forma plena.

Ouvir o álbum Elis & Tom é sempre umprazer. Através da dança da Quasar, as vo-zes de Elis Regina e de Tom Jobim ganhammaterialidade agradável, tranquila, bonita

e despretensiosa.

S

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOR IO DE JANE IRO • DOMINGO • 10 DE ABR I L R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 10 DE ABR I L R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 10 DE ABR I L R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 10 DE ABR I L R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 10 DE ABR I L • 2005• 2005• 2005• 2005• 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

4 6

Mimetismo da bossa novaCoreografia de Rodovalho envolve

Tom e Elis nos movimentos da Quasar

ROBERTO PEREIRA

Centro Cultural do Banco do Brasiliniciou na quarta-feira o novo forma-

to de sua programação de dança, agora inti-tulada 4 Movimentos, com o grupo goiano

Quasar Cia. de Dança, em cartaz até hoje.

D urante quatro semanas, quatro grupos se

apresentam, em projeto semelhante ao fes-

tival Dança Brasil, que o Centro Cultural

abrigava e que foi abruptamente extinto

neste ano.

Henrique Rodovalho, coreógrafo e di-

retor da Quasar, é um daqueles raros artis-

tas da dança que se dedica a construir um

vocabulário próprio de movimento. O re-

sultado coreográfico disso, entretanto, nos

trabalhos anteriores de sua companhia,

emperrava numa encruzilhada entre o

compromisso de sempre se comprometer

a tratar de um tema e um outro, muito mais

instigante, do aprofundamento da pesquisa

de vocabulário, justamente. Em Só tinha deser com você, esse segundo compromisso

prevalece e a dança de Rodovalho pôde,

finalmente, respirar livremente em sua

especificidade, sem se impor à tarefa de

contar algo.

Talvez um dos grandes responsáveis por

esse ato de coragem de aprofundamento de

pesquisa de movimento seja o desafio a que

o coreógrafo se lançou ao escolher como

trilha do espetáculo o antológico disco que

Elis Regina e Tom Jobim gravaram juntosem 1974. Ciente do risco que corria com afácil armadilha de legendar a música ou asletras das canções, Rodovalho transformou,antes, música em trilha sonora. E os movi-mentos assinados por ele puderam ser, so-bretudo, dança, justamente através dessapassagem tão desafiadora. O que é movi-mento impera em diálogo com a trilha, fa-zendo com que a dissonância da bossa novaapareça no corpo que traça percursos inver-tidos, revestidos de som.

Isso fica claro principalmente porque odesempenho dos bailarinos carrega consi-go a construção desse burilamento de pes-quisa de vocabulário a que Rodovalho sededica. É o caso, por exemplo, de GleidsonVigne, que traz em seu corpo a informaçãoencarnada do coreógrafo, a informação efi-ciente, aquela que comunica fazendo uso,inclusive, de seus ruídos. Coisa de artistas.

O cenário e principalmente os belos figu-rinos, assinados por Shell Jr. e Cássio Brasil,respectivamente, contribuem nesse trajetoentre simplicidade, exatidão, elegância e com-plexidade, quase mimetizando a bossa nova.Com Só tinha de ser com você, são as compe-tências que importam: do coreógrafo, dos bai-larinos, e, para nossos ouvidos, de Tom e Elis.Essa é, com certeza, a verdadeira coreografia

para ouvir de Henrique Rodovalho.

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O • DOM INGO • 10 DE ABR I L • 2005• DOM INGO • 10 DE ABR I L • 2005• DOM INGO • 10 DE ABR I L • 2005• DOM INGO • 10 DE ABR I L • 2005• DOM INGO • 10 DE ABR I L • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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A lição da bailarinaFlávia Tápias revela coragemdançando cinco coreografias

ROBERTO PEREIRA

proposta não é exatamente nova. A

experiência de um bailarino convi-

dar diferentes criadores para coreografar

especialmente para ele, e esse conjunto de

obras virar um único espetáculo, já havia

sido testada pelo excelente bailarino

Vincent Dunoyer há alguns anos. E, aqui

no Brasil, a bailarina mineira Thembi Rosa

elaborou seu Ajuntamento, em 2002, com

a mesma proposta. Entretanto, o que cha-

ma a atenção em Cinco coreógrafos e 1

corpo, que Flávia Tápias apresenta no

Centro Cultural do Banco do Brasil até do-

mingo, é sua coragem e sua generosidade

como bailarina.

Num momento em que vários jovens se

dedicam apressadamente à função de co-

reógrafos, tarefa nada fácil, Flávia revela

em sua dança, neste espetáculo, um orgu-

lho pelo seu ofício de bailarina. E como ela

é uma bailarina de qualidades múltiplas, a

coragem com que enfrenta o desafio de

visitar diferentes assinaturas coreográficas

e a generosidade como deixa seu corpo

estar a serviço dessas assinaturas é sua bela

lição ao público.

A primeira obra da noite, Ballet meca-

nique, de Ana Vitória, é quase um tratado

sobre o tempo. Só que, como é marca desta

coreógrafa, a exatidão dos movimentos, num

fluxo contido que se espasma em respirações

e pausas, traduz esse tempo em espaço, um

espaço que se constrói a partir e no corpo

de Flávia. É nítido que este solo ainda pre-

cisa ser amaciado na bailarina, algo que vem

apenas com o convívio entre ela e a obra. A

iluminação, dada a precisão de como tudo

se dá no palco, precisa ser mais exata, mais

sutil. E o figurino interfere demais no que

deveria ser apenas o mecânico do tempo e

do espaço, metamorfoseados em corpo e nas

ampulhetas do cenário.

Semelhante, de Henrique Rodovalho,

solo que a bailarina já dança há mais tem-

po, mostra que a familiaridade dela com a

obra concede um caráter diferente das ou-

tras apresentadas na noite. Mas o interes-

sante dessa obra de Rodovalho, que apre-

sentou sua companhia, a Quasar, na sema-

na passada também no CCBB, é como já

nela o vocabulário de movimentos do co-

reógrafo solicita que ele, e apenas ele, seja

a matéria-prima de sua criação, o que ga-

nha sua maturidade máxima em Só tinha de

ser com você.

O solo mais interessante da noite pare-

ce ser justamente Solo, do coreógrafo israe-

lense Rami Levi. A elegância do fluxo de

movimentos, que contrasta com a precisão

contida dos solos anteriores, encontra no

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 15 DE ABRIL • 2005• 15 DE ABRIL • 2005• 15 DE ABRIL • 2005• 15 DE ABRIL • 2005• 15 DE ABRIL • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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corpo de Flávia um abrigo próprio de uma

bailarina que acolhe a dança de seu coreó-

grafo. Já em Da família dos crocodilos, a fra-

gilidade da obra do diretor de teatro Paulo

de Moraes está em impor a essa bailarina

uma dramaticidade que escapa ao que é

movimento, ou seja, escapa à sua habilida-

de que é a dramaturgia construída pelo e no

próprio movimento, em sua dança.

Finalizando a noite, Giselle Tápias, mãe

de Flávia, assina Rede. A beleza da primei-

ra cena, em que a bailarina parece flutuar

sobre uma rede, infelizmente se desman-

cha no momento em que se obriga a dança

a se relacionar, de modo mais óbvio, com

esse objeto cênico. E a literalidade do tema

fica ainda mais óbvia com a canção que le-

genda o movimento e vice-versa, no final

do solo.

A dança de Flávia Tápias merece toda a

atenção. Uma jovem bailarina que sustenta

em seu corpo tal desafio, com todas as fragi-

lidades que esses encontros impõem, mas

também com todos seus acertos, ensina para

os também jovens da dança que ser uma

verdadeira bailarina, por si só, é um ato de

criação. E que apenas alguns estão realmen-

te preparados para isso.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

4 9

Falta coerência e coesãoA meio caminho do teatro e da dança, o espetáculo

Éticas se perde em clichês moralizantes

ROBERTO PEREIRA

Centro Cultural do Banco do Brasil

promove, durante todo o mês de abril,

o evento 4 Movimentos – Cias. de dança no

CCBB que, como o nome deixa claro, inten-

ta ser um evento de dança. Como tal, esse

evento, ao reunir quatro diferentes trabalhos,

possui uma curadoria e curadoria, sabemos

nós, é uma ideia que se interpõe entre o pú-

blico e a obra antes mesmo dessa ter sido

apresentada.

É a partir dessa observação que se pode

entender a inclusão do espetáculo teatral

Éticas, de Eduardo Wotzik, em cartaz até

domingo, neste evento de dança. E é a par-

tir dela também que se pode olhar para esse

trabalho tentando tecer algumas considera-

ções no que ele se aproxima e no que ele se

distancia da própria dança. Movimento e

gesto parecem ser as chaves para isso.

O diretor Wotzik intenta, aqui, dar cabo

a uma tarefa nada simples: através do que

ele denomina “método da aspiração”, algo

que pretende “desenvolver uma narrativa

corporal fundada no movimento, a partir de

princípios da dança e do teatro”, há que se

abordar o tema da ética. O problema, entre-

tanto, começa antes no movimento e pouco

chega a abordar o que se pretende.

A construção do movimento no corpo dos

jovens atores em cena é ainda incipiente, o

que transforma esse movimento em gesto

ensaiado, postiço, carente de uma elaboração

dramática. Tudo ainda está por ser feito an-

tes desses corpos encontrarem a cena. Tudo

ainda deve ser estudado, burilado como mo-

vimento, como gesto e como dramaturgia.

A dança, também sabemos nós, permite que

o movimento não faleça pela doença do cli-

chê. E Wotzik não faz dança neste seu espe-

táculo teatral. Nem dança-teatro.

As cenas, desconexas entre si, embora

haja explicitamente a vontade se falar so-

bre um tema tão espinhoso como a ética,

padecem pela obviedade com que as ideias

são articuladas. Isso é flagrante sobretudo

na cena da dançarina de dança do ventre

(vestida como tal) e na interminável cena

do haraquiri (também devidamente muni-

da com todos os elementos cênicos que tal

cena sugere). Em ambas, tudo contribui para

o entendimento unívoco do que se quer di-

zer, numa estrutura de legenda. Entre todas

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • • • • • 2222222222 DE ABRIL • 2005 DE ABRIL • 2005 DE ABRIL • 2005 DE ABRIL • 2005 DE ABRIL • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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as cenas, fragilizando ainda mais o todo da

obra, textos recheados de efeitos moralizan-

tes teimavam em costurá-las, evidenciando

que coesão e coerência, palavrinhas mági-

cas para um espetáculo (de teatro e de dan-

ça), haviam sido esquecidas.

Elaborar um método de construção

dramática, a partir de princípios da dança

e do teatro, como quer Wotzik, demanda

tempo. Éticas pode ser visto como uma

etapa nessa ainda longa trajetória que o

diretor tem pela frente. Trata-se, então, de

uma experiência. A nós, resta torcer para

que o movimento e o gesto que dali pos-

sam nascer não tenham vida curta por cau-

sa do clichê.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

5 1

Espetáculo Esquecidosde Catharina Gadelha

ROBERTO PEREIRA

ma frase contida no texto do progra-

ma de Esquecidos, espetáculo solo de

Catharina Gadelha que encerrou ontem a

mostra de dança 4 Movimentos, do Centro

Cultural do Banco do Brasil, revela o modo

como a bailarina e coreógrafa entende

e constrói seu próprio trabalho: “As peças

de Catharina Gadelha não devem ser en-

tendidas somente como atos corporais, mas

sim, cada vez mais, como um movimento

político”.

Esquecidos fala de fronteiras, de culturas,

e claro, toca em questões que envolvem es-

sas duas instâncias, sobretudo em seu cará-

ter político. O problema dessa fala, justa-

mente, está na crença de Catharina, como

ilustra a frase citada, que o movimento, por

si só, não é uma escolha e um ato políticos, e

que, para assim torná-lo, é necessário reves-

ti-lo de um gesto teatral e, ainda mais com-

plicado, revesti-lo de um gesto denunciador,

explícito, que deixa o poder de qualquer

metáfora artística se esvair.

O explícito do espetáculo, que tanto o

fragiliza, permite que pequenas brechas de

poeticidade apareçam, mostrando que ali

sim o tratamento político que tanto se an-

seia está em sua forma mais acabada e

mais eficaz. O solo do início, por exemplo,

belamente retomado no final do espetácu-

lo, é tecido com sutilezas gestuais que con-

trastam com a obviedade dos tiros que vêm

logo em seguida. Ou com a cena quase pa-

tética ao som de um miserere nobis. A qua-

lidade da bailarina parece ser antes a de

transitar com toda a competência entre a

técnica de dança que seu corpo abriga e

uma dramaticidade que não é necessaria-

mente aquela do teatro, como bem mostra

o solo acima citado.

Fazer dança, desde sempre, é um ato

político. As escolhas estéticas, técnicas e éti-

cas são escolhas com as quais um artista se

compromete desde o momento em que de-

cide seu caminho profissional. A dança não

precisa se revestir de dança-teatro para al-

cançar isso. E pela qualidade da artista Ca-

tharina Gadelha, parece que lhe falta acre-

ditar que é na sutileza e na poeticidade de

sua dança que respira a mais veemente po-

lítica de fronteiras, de culturas e de esqueci-

dos, que ela tanto anseia retratar.

U

CRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADARIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • SEGUNDA-FEIRA • SEGUNDA-FEIRA • SEGUNDA-FEIRA • SEGUNDA-FEIRA • 11111 D D D D DE MAIOE MAIOE MAIOE MAIOE MAIO • 200 • 200 • 200 • 200 • 20055555

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Tempo de despertarMontagem de A bela adormecida

imprime fôlego ao Ballet do Municipal

ROBERTO PEREIRA

Ballet do Theatro Municipal abriu suatemporada 2005 na quarta-feira com

uma obra muito bem escolhida: A bela

adormecida, balé da dupla infalível Petipa/

Tchaikovsky, estreado em 1890 na Rús-

sia e até hoje um grande desafio para as

companhias que se dedicam ao repertó-

rio clássico.

Para a companhia carioca, sua estreia com

a versão integral foi em 1998 e é dela que

vemos agora uma nova versão, também assi-

nada pelo tcheco Jaroslav Slavicky, que re-

montou o balé naquela ocasião. Nesse senti-

do, essas duas montagens desse grande balé

feérico servem como balizadores para se pen-

sar a atual situação dessa nossa primeira e

única companhia de balé clássico no Brasil.

Se na montagem de sete anos atrás o

esplendor característico da obra casava

perfeitamente com a excelente fase que o

corpo de baile atravessava, na desse ano

esse mesmo corpo de baile deixa flagrar

uma ainda tímida retomada de suas funções,

após uma atribulada direção artística, subs-

tituída muito recentemente, em janeiro. O

novo diretor, Fauzi Mansur, parece acenar

com sua A bela adormecida para um proces-

so animador de colocar nos eixos o que an-

tes cambaleava em termos artísticos.

A estreia foi correta e nada mais. Se a prin-

cesa Aurora foi competentemente desempe-

nhada pela bailarina Teresa Augusta, que fe-lizmente encontrou nesse papel o tom exatode sua interpretação, Francisco Timbó, comoo príncipe Désiré mostrou que sua experiên-cia faz dele um ótimo partner nos pas-de-deux,mas pouco além disso. O brilhantismo dos ar-roubos técnicos e a elegância do personagemnem de longe encontram no bailarino suamelhor versão, o que torna arriscada sua es-colha para uma estreia desse peso.

Cristiane Quintan como a Fada Lilás eCésar Lima como a Fada Carabosse mostra-ram profissionalismo técnico. Mas o únicobailarino que realmente conseguiu deixara plateia sem fôlego, tal era a perfeição deseus saltos e de sua vigorosa interpretaçãodo Pássaro Azul foi Vítor Luiz, ao lado daexcelente Norma Pinna.

Os cenários assinados por Hélio Eich-bauer e a luz precisa de Maneco Quinderégarantem um tom sépia que resulta numclima de algo precioso, como esse balé, mastambém de nostalgia de alguma coisa queainda não foi recuperada. A música, numandamento mais lento que de costume, pa-rece contribuir para esse clima. E o balé,que se encerra sem ter mesmo consegui-do fazer a bela companhia despertar, mos-tra que sua nova direção artística inicia-se correta e que daqui em diante tudo

deve, e pode, melhorar. Aguardemos.

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 27 DE MAIO • 2005• 27 DE MAIO • 2005• 27 DE MAIO • 2005• 27 DE MAIO • 2005• 27 DE MAIO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Empenho e caprichonão fazem obra transbordar

A bela adormecida:À excelência do Ballet do Theatro Municipal,

agora sob os cuidados de Fauzi Mansur,falta integração com a orquestra

SILVIA SOTER

estreia de A bela adormecida, na se-

mana passada, não foi simplesmente

a abertura da temporada do Ballet do The-

atro Municipal em 2005. Foi também a es-

treia da mais importante companhia na-

cional de repertório clássico sob os cuida-

dos de Fauzi Mansur, que passou a dirigi-

la desde a saída de Richard Cragun, no

final do ano. Essa versão da obra de

Marius Petipa tem coreografia de Jaros-

lav Slavicky, como aconteceu em 1998, úl-

tima vez que a peça foi apresentada pela

companhia carioca.

Fauzi Mansur manteve o movimento in-

tensificado na gestão anterior de garantir o

revezamento de diferentes elencos na linha

de frente das montagens da casa. Assim,

além das estrelas habituais, outros talento-

sos solistas experimentam em A bela ador-

mecida os primeiros papéis. Por exemplo, a

princesa Aurora será interpretada, ao lon-

go da temporada, por nomes como Teresa

Augusta, Claudia Mota, Márcia Jaqueline,

Renata Tubarão além da experiente Cecília

Kerche. Cada elenco imprime, evidentemen-

te, marca própria em cada récita.

Coube à bailarina Teresa Augusta o pa-

pel de Aurora na noite de estreia. Não é di-

fícil tomar Teresa pela jovem Aurora. Sua

construção da personagem se apoia em suas

evidentes qualidades físicas para o papel e

em sua juventude. A bailarina equilibra ain-

da suavidade de gestos e técnica segura e

mostra que essa nova geração já está pron-

ta para o desafio. Cristiane Quintan cumpre

com eficiência o papel da Fada Lilás sem,

no entanto, emprestar-lhe ainda seu brilho

especial. Visivelmente tenso, Francisco

Timbó não aproveita todas as suas qualida-

des como o Príncipe Desiré. Nesse elenco, o

destaque masculino é sem dúvida Vitor Luiz

que numa passagem meteórica no terceiro

ato como o pássaro azul, mais uma vez se

confirma como um dos melhores bailarinos

da companhia.

Há um evidente cuidado na montagem

atual, que reúne vários elementos repre-

sentativos da excelência do Ballet do The-

atro. Os figurinos são elegantes, adequa-

dos e bem acabados, assim como o cená-

rio assinado por Hélio Eichbauer, que

optou por situar o enredo em desenhos que

A

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOR I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 4 D E J U N H O • 2 0 0 5R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 4 D E J U N H O • 2 0 0 5R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 4 D E J U N H O • 2 0 0 5R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 4 D E J U N H O • 2 0 0 5R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 4 D E J U N H O • 2 0 0 5

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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poderiam estar nas páginas dos livros das

fábulas de Perrault. A iluminação de Ma-

neco Quinderé consegue integrar de ma-

neira harmônica os figurinos da Ópera de

Paris – cheios de pequenos detalhes – ao

despojamento dos traços do cenário de

Eichbauer. Cenário, figurino e iluminação

constroem uma imagem convincente e

atualizada do brilho e da grandiosidade da

corte de Luís XIV. A companhia, visivel-

mente bem ensaiada, mostra grande en-

trosamento nas danças de conjunto, em

especial na valsa do primeiro ato. Essa

precisão do conjunto é especialmente im-

portante para a geometria dos desenhos

construídos nas obras de Petipa.

No entanto, a soma dessas qualidades

não resulta num espetáculo de fato grandi-

oso. Apesar do empenho da companhia e

do capricho da montagem, a força de A bela

adormecida não transborda o palco para

conquistar a plateia. Mesmo o terceiro ato,

com sua sequência de variações em estilos

distintos, não consegue ganhar ritmo e ga-

rantir um final à altura de A bela adorme-

cida. Para valorizar a colaboração única de

gênios como Petipa e Tchaikovsky, melhor

integração entre orquestra e balé é neces-

sária. Numa obra em que música e coreo-

grafia não têm vida independente, esse

desajuste acaba por obscurecer as inúme-

ras outras qualidades da montagem.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Poético e orgânicoPor minha parte envolve a plateia

ROBERTO PEREIRA

cor ocre que permeia a mais nova

obra da coreógrafa carioca Esther

Weitzman, Por minha parte, que estreou

quinta-feira no Espaço SESC, parece ser a

senha para que se adentre no universo co-

reográfico que ali se organiza. Uma das mais

fortes características da assinatura de Es-

ther sempre foi a relação quase orgânica com

o solo, acentuando poeticamente o peso dos

corpos de seus bailarinos. Nesta obra, esse

solo, todo ocre, é desvelado na inspiração da

coreógrafa – a Região Norte do Brasil –,

traduzida no cenário, no figurino e, sobretu-

do, no próprio movimento.

Nesse sentido, chama atenção a ambiên-

cia construída no mezanino do Espaço

SESC, sobretudo o piso rústico, de madeira,

que além de registrar rastros de suor dos

bailarinos, ainda os encarde ao longo do

espetáculo. Como a disposição das arqui-

bancadas é em círculo e muito próxima, as

manchas que vão se formando ali parecem

misturar organicamente o público à dança,

aproximados também com a delicadeza dos

cochichos e dos abraços dos bailarinos. Uma

intimidade e uma cumplicidade se arranjam

num mesmo terreno, entre quem dança e

quem assiste. Também o figurino, assinado

por Gerah Diaz, permite que o ocre e o solo

se traduzam em tecidos, também rústicos,

como o algodão, mas sempre exatos em sua

elegância de cores e texturas.

Mas é no movimento e em sua qualida-

de que Por minha parte se distingue. Exis-

tem lá continuidades da pesquisa a qual

Esther Weitzman vem se dedicando, como

sua relação com o peso, com o corpo que se

move deixando que o som desse mover seja

matéria bruta a ser tratada, com o par si-

lêncio/música, com sua dramaticidade.

Assim, a trilha musical, tocada ao vivo pelo

grupo Craquelê, ao mesmo tempo que dei-

xa mais evidente tais relações, ocupa um

espaço por vezes amplo demais para aque-

le ambiente tão íntimo, sobretudo por sua

eloquência melódica. Parece ser mesmo no

silêncio que Esther alcança momentos de

exatidão, de justeza de seu pensamento

coreográfico.

Neste espetáculo, a coreógrafa pela pri-

meira vez não toma parte dançando, o que,

com certeza, confere a seu trabalho um aca-

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O • S Á B A D OR I O D E J A N E I R O • S Á B A D OR I O D E J A N E I R O • S Á B A D OR I O D E J A N E I R O • S Á B A D OR I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 4 D E J U N H O • 2 0 0 5 • 4 D E J U N H O • 2 0 0 5 • 4 D E J U N H O • 2 0 0 5 • 4 D E J U N H O • 2 0 0 5 • 4 D E J U N H O • 2 0 0 5

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

5 6

bamento mais refinado, pela chance de ela

estar de fora dele, esculpindo o espaço de

modo tão delicado e ao mesmo tempo tão

vigoroso. A partir disso, mesmo com maturi-

dades tão diversas de seus cinco bailarinos,

Esther vem conseguindo imprimir neles seu

vocabulário de movimentos, fruto de anos

de pesquisa. Claro, falta ainda amalgamá-

lo naqueles corpos, naqueles movimentos,

para que o todo dos bailarinos se torne or-

gânico como o todo do próprio espetáculo.

Para tanto, nada melhor que o tempo: o cor-

po precisa aprender com calma o que é te-

cido ali em poeticidade. Por minha parte

parece ser, então, apenas uma parte desse

rico processo.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

5 7

Uma leve renovaçãona dança-espetáculoNó: pela primeira vez no trabalho de

Deborah Colker, uso de objetos, marcada coreógrafa, afeta os movimentos no palco

SILVIA SOTER

obra coreográfica de Deborah Colker,

desenvolvida nesses 11 anos de cria-

ção, possui algumas características recorren-

tes. O traço mais essencial é que a coreógra-

fa constrói suas peças a partir da explora-

ção de um suporte concreto, de um objeto,

na interação com o qual sua coreografia

emerge. Explorar as relações do corpo com

algum objeto não é um procedimento inco-

mum na dança contemporânea. Mas para

muitos artistas, uma vez constituída a dança

provocada pelo encontro com o objeto, esse

é deixado de lado. Ele é meio, não é fim. Já

Deborah o traz para a cena. Suas coreogra-

fias se constroem através desse elemento, em

torno dele, sobre ele, dentro dele, embaixo

dele. É o que mais uma vez acontece em Nó,

que estreou na semana passada e fica em

cartaz até o fim de julho, no Teatro João

Caetano. Em Nó, também se constata outra

importante característica da coreógrafa: tra-

balhar com ótimos bailarinos, belos, vigoro-

sos e possuidores das qualidades plásticas e

atléticas que sua dança demanda.

Para tratar do tema desse espetáculo, o

desejo humano, Deborah mais uma vez o tra-

duziu, a seu modo, a partir da relação com

suportes materiais. A primeira parte se de-

senvolve na interação dos bailarinos com

uma enorme quantidade de cordas que pen-

dem do teto, ora agrupadas, ora não. As cor-

das e a presença de um longo cabelo reme-

tem, inevitavelmente, a obra do artista plás-

tico Tunga. Impossível não pensar em suas

tranças evocadas pela cenografia de Grin-

go Cardia.

Ainda que as formas de uso da corda

sejam, em geral, óbvias, como amarrar a

si mesmo, amarrar o outro, pendurar, tra-

cionar, unir um corpo ao outro, nessa pri-

meira parte se opera algo importante em

se tratando do trabalho de Deborah. Tal-

vez seja ali que, pela primeira vez, o ob-

jeto comece também a afetar, mesmo que

de forma descontínua, a dança. As cordas

encontram ressonância na movimentação

que atravessa os bailarinos, provocando

uma qualidade sinuosa nos dorsos, fazen-

do emergir, de fato, novas possibilidades

no repertório de movimentos da coreógra-

fa. Isso surge em paralelo, quase que de

forma subliminar e é o mais interessante.

A

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA• 9 DE JUNHO • 2005RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA• 9 DE JUNHO • 2005RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA• 9 DE JUNHO • 2005RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA• 9 DE JUNHO • 2005RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA• 9 DE JUNHO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

5 8

O figurino de Alexandre Herchcovitch e

o desenho de luz de Jorginho de Carvalho

trazem uma cor sombria e tribal à cena. Duas

bailarinas são envolvidas pelo longo cabe-

lo. As Xipófogas capilares de Tunga são

citadas e surgem numa nova versão.

Já no segundo ato, o elemento explora-

do é uma caixa de paredes transparentes, um

grande aquário situado no centro do palco.

Para essa cena, Deborah se inspirou nas vi-

trines que expõem garotas de programa em

Amsterdã. É a coreógrafa a primeira a ocu-

par a caixa num bonito solo que acontece,

de início, dentro dela. Nesse primeiro mo-

mento, a caixa funciona como uma prisão,

talvez numa referência à condição de apri-

sionamento imposta por alguns desejos, mas

essa ideia se perde. Até o final da coreogra-

fia, a caixa deixa de ser tratada pela sua

possibilidade de restrição e passa a ser ex-

plorada como suporte. Ela é preenchida por

homens e mulheres sensuais, ela é escala-

da, contornada, empurrada e, finalmente,

girada. Nesse segundo momento, o desejo –

força arrebatadora que desorganiza e faz

mover – assume contornos apolíneos e a

coreógrafa volta a circular por onde domi-

na e de onde seduz. Na primeira parte, fe-

lizmente, o desejo leva a dança de Debo-

rah a flertar com o desconhecido e começa

a ventilar seu vocabulário coreográfico.

Se muitos coreógrafos contemporâneos

apontam para direções diferentes a cada

nova criação, o trabalho de Deborah pode

ser caracterizado pela permanência de

marcas claras. A coreógrafa tem operado

no registro da dança-espetáculo. Suas pe-

ças são sempre grandiosas, contam com a

participação de muitos bailarinos, com ce-

nários e figurinos sofisticados e com trilhas

sonoras diversificadas onde o silêncio não

tem lugar. Espetáculos que atraem até

aqueles que no resto do ano não acompa-

nham os caminhos da dança contemporâ-

nea. Uma criação de Deborah é como um

jogo da seleção brasileira na final da Copa

do Mundo. Até os nada aficionados não

deixam de ver.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

5 9

Visita musical a um certoBrasil, um “país imaginário”

Por minha parte: Novo trabalho daEsther Weitzman Companhia de Dança é um importante

passo à frente de Terras, peça da coreógrafa de 1999

SILVIA SOTER

or minha parte, a mais recente criação

da Esther Weitzman Companhia de

Dança, que encerra temporada hoje no

mezanino do Espaço SESC, deve ser enten-

dida como um passo importante num cami-

nho inaugurado em Terras, peça da coreó-

grafa de 1999. Assim como no anterior, nes-

se novo trabalho é a força do coletivo que

constrói o terreno para a dança. Em Terras,

a experiência do exílio fortalecia os elos

entre o grupo – formado apenas por mulhe-

res – cuja dança criava um território itine-

rante. Em Por minha parte, dois homens e

três mulheres exploram o terreno a partir

de seus encontros e desencontros.

A coreógrafa deixa de lado as referên-

cias à cultura judaica, presença central em

outras peças, e se aproxima de um certo

Brasil, um “país imaginário”, como ela expli-

ca no programa. A música vigorosa do Cra-

quelê e os bonitos figurinos de Gera Dias

ajudam a construir a brasilidade que na

dança se materializa. A coreógrafa estrutu-

rou o mezanino do Espaço SESC – local des-

tinado à dança incorporado aos palcos da

cidade no início do ano – como uma arena.

O chão, cor de terra, remete aos terreiros

onde as danças populares acontecem. De

qualquer lugar da plateia, o espectador vê

a dança e, obrigatoriamente, o público. Essa

escolha, em se tratando desse trabalho, aju-

da a criar fricções entre a dança cênica – em

que palco e plateia se distinguem – e as

danças populares onde essa distinção não se

coloca. O modo como os cinco bailarinos

entram em cena sublinha esse aspecto: eles

surgem de trás das arquibancadas, se ali-

nham a elas e ao público, para só depois

ocuparem o centro da cena.

A companhia, composta atualmente por

Alysson Amâncio, Carla Reichelt, Edney

D’conti, Milena Codeço e Roberta Repetto,

mostra familiaridade com as bases do tra-

balho da coreógrafa – que dessa vez não está

em cena – ainda que em alguns momentos

não consiga garantir a precisão de gestos e

ritmo, centrais na dança de Esther.

Em Por minha parte, Esther visita figu-

ras e células coreográficas de suas criações

anteriores. Desse modo, ela inscreve a nova

criação numa trajetória marcada por memó-

rias e recorrências. O uso do chão como

P

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE JUNHO • 2005R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE JUNHO • 2005R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE JUNHO • 2005R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE JUNHO • 2005R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE JUNHO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

6 0

superfície que atrai e acolhe o corpo intei-

ro, as batidas ritmadas de pés e mãos no

chão, sacudindo a poeira, e os gestos que

acariciam a terra, retornam renovados,

nessa peça. O silêncio entrecortado pela

regularidade da percussão do corpo no chão

está ali, só que dessa vez, dialogando com a

música ao vivo do grupo Craquelê. A música

ajuda a criar um recorte dentro da cena. Em

alguns momentos, ela deixa de acompanhar

a coreografia e ganha o primeiro plano,

fazendo surgir uma dança diferente, mais

fluida e mais simples, evocando novamente

as danças populares brasileiras.

O reaparecimento de elementos já

trabalhados em suas criações anteriores

não significa, de modo algum, congela-

mento. Esther costura essas diversas refe-

rências a novos elementos com mãos sá-

bias. Essas questões de fundo se oferecem

como um fértil território onde a dança de

Esther Weitzman se desenvolve e se renova.

Page 61: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

6 1

Objetos como parceirosEspetáculo da Os Dois Cia. de Dança

usa caixa d’água e bancos na coreografia

ROBERTO PEREIRA

bjeto partner, título do novo trabalho

da Os Dois Cia. de Dança, composta

pela coreógrafa e bailarina Giselda Fernan-

des e seu marido, o artista plástico Hilton

Berredo, estabelece o ponto comum entre as

duas coreografias que compõem a noite:

Castelo d’água e Às vezes banco. Esse ponto

comum, o objeto cênico que tenta um diálo-

go coreográfico com o corpo, talvez pela

própria natureza da companhia, parece vir

antes do lugar das artes plásticas, permane-

cendo ainda em pleno processo de encon-

trar na dança o seu lugar.

Castelo d’água, obra mais antiga, estrea-

da na 11ª edição de Panorama RioArte de

Dança, em 2002, é um belo solo em que

Giselda e uma caixa d’água parecem divi-

dir a cena, mas não o espaço em que ela acon-

tece. Tal é a relação ali tecida, que objeto se

transforma realmente em partner, tornando

o espaço há um só tempo volume e dinâmi-

ca. Trata-se de um solo com fortes tons de

dança moderna, à qual a bailarina tão bela-

mente se presta. E esses tons modernos se

espraiam tanto pela própria movimentação,

grave e precisa, pelo figurino e pela trilha

musical, quanto pelo anseio em deixar a dança

falar de si mesma, através de sua relação me-

talinguística com a coreografia e com o flu-

xo de pensamento que ali de desvela.

Já em Às vezes banco, o objeto parece

ainda não ter sido transformado completa-

mente em partner, pertencendo mais à cena

que ao próprio corpo que dança. Configuran-

do-se antes como um experimento, essa obra

ainda precisa deixar que o objeto, muitos

bancos de plástico branco, deixe-se tingir

pelo que é orgânico do movimento. Em cer-

tos momentos, esse processo se efetiva, mas

é logo interrompido por uma outra informa-

ção, que não lhe concede tempo para sua

conclusão. É nesse sentido que as artes plás-

ticas, a partir de Berredo, imprimem na obra

uma forte noção espacial, deixando que o

tempo venha em segundo plano. Talvez

quando esses dois elementos encontrarem

um equilíbrio, o movimento, sobretudo aque-

le do cotidiano que ali se oferece como

matéria-prima, esteja apto a ser o amálga-

ma do corpo com o objeto.

A sofisticação da proposta que se apre-

senta e a qualidade técnica tanto de Giselda

quanto da bailarina convidada, Aline Tei-

xeira, fazem da Os Dois Cia. de Dança um

lugar onde a história do moderno e de sua

dança seja revisitada com competência. Um

lugar que, por ser pouco investigado hoje,

concede à iniciativa, por si mesma, um ca-

ráter absolutamente importante e inédito na

cena da dança carioca.

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRARIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRARIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRARIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRARIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 13 DE JUNHO • 2005 • 13 DE JUNHO • 2005 • 13 DE JUNHO • 2005 • 13 DE JUNHO • 2005 • 13 DE JUNHO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

6 2

DescompassosDesarmonia generalizada marca Noite transfigurada

ROBERTO PEREIRA

homenagem que o Theatro Municipale seus corpos estáveis prestam a Ar-

nold Schoenberg, com espetáculo compos-to por uma ópera, Erwartung, e um balé,

Noite transfigurada, mostrou em sua estreia

na última sexta-feira que a grande estrela,

ao lado da música do compositor austríaco,

são mesmo os cenários assinados pelo artis-

ta plástico W altercio Caldas. Trazendo para

a cena um diálogo com o que há de moder-

no na música, Caldas inaugura espacialida-

des contemporâneas que, principalmente

no caso do balé, ganham papel maior do que

o de mero cenário. E é justamente nesta ou-

tra dimensão adquirida por sua obra que

descompassos com os outros artistas, como

coreógrafo e figurinista, são criados.

O balé, assinado por Fábio de Mello, tenta

resgatar a poeticidade do texto de Richard

Dehmel, que havia inspirado Schoenberg a

compor Noite transfigurada. Para tal tarefa,

foram chamadas as três primeiras-bailarinas

da casa, Ana Botafogo, Nora Esteves e Áurea

Hämmerli, e a solista Sandra Queiroz, que

compunham pares com os bailarinos Marce-

lo Misailidis, Paulo Ricardo, Vítor Luiz e Jo-

seny Coutinho, respectivamente. O que já re-

presentava um desafio ao coreógrafo no que

se referia à complexidade e à riqueza musi-

cal ficou ainda mais grave devido à heteroge-

neidade do elenco escolhido. Maturidades di-

versas dos bailarinos foram antes empecilhos

para Fábio de Mello e não chegaram a lheservir como matéria-prima.

O parco vocabulário de movimentos, atra-vessado por clichês coreográficos e arroubosdramáticos muito em voga nos balés do sécu-lo XIX, pouco estabelecia conexões com o quehá de moderno na música e de contemporâ-neo no cenário. Mas essa disparidade aumen-ta ainda mais com a atuação desigual do gru-po de 11 bailarinos que, como intenta Fábiode Mello, representaria a noite. Lembrandoque tanto o coreógrafo quanto a figurinista,Rosa Magalhães, são conhecidos pelos seustrabalhos em desfiles do carnaval carioca,percebe-se que não é mero acaso que essegrupo evolui em cena de forma a lembrar com-posições típicas de comissões de frente em es-colas de samba. O descompasso aí é evidente.

O que salva a noite é a atuação de VítorLuiz, pelo ótimo bailarino que é e não pelacoreografia que executa, e o último pas-de-

deux, com Botafogo e Misailidis, dupla quemostra como a convivência nesses casos podeser a chave mestra para tornar uma dança algoalém de uma simples sequência de passos.

Assim, Noite transfigurada de Schoenbergganha sua atualização em Waltercio Caldas,que, infelizmente, permanece sozinho emcena. Tudo mais fica postiço e não compõe, deforma alguma, um todo orgânico. A homena-gem, desse modo, fica por conta da ótima en-

cenação da ópera, que antecede o balé.

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 23 DE AGOSTO • 2005RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 23 DE AGOSTO • 2005RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 23 DE AGOSTO • 2005RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 23 DE AGOSTO • 2005RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 23 DE AGOSTO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Schoenberg transfiguradoCenários valorizam obra do

compositor alemão, mas não mascaramfragilidade da coreografia

SILVIA SOTER

uando as cortinas se abrem, o cenário

de Waltercio Caldas sugere um bos-

que durante a noite, uma das ambientações

icônicas das peças do balé romântico. Em se-

guida, os riscos negros e verticais que esbo-

çavam longos troncos de árvores atravessa-

dos por um fio de estrelas, se desfazem, já que

eram as dobras de uma outra cortina. Outro

plano é então revelado. O bosque romântico

se despe e dá lugar a uma noite contemporâ-

nea. Para situar a dança, o cenário de Walter-

cio Caldas consegue traduzir visualmente

essa obra de Schoenberg que, sem abando-

nar o neorromantismo alemão, já apontava

para outros caminhos. Mas a força da promis-

sora imagem que dá início à Noite transfigu-

rada anuncia algo que, infelizmente, não se

produz em termos coreográficos.

A proposta de Fábio de Mello também

opera na passagem do tempo, na transição

do passado para o presente. A partir do

poema de Dehmel, o coreógrafo optou por

dividir a peça em quatro momentos distin-

tos: os encontros de quatro mulheres com

seus homens e um segredo, que se sucedem

durante um século, de 1899 – ano em que a

obra de Schoenberg foi criada – a 1999. Pa-

ralelamente, cada casal representa um mo-

mento da noite: o anoitecer, a própria noite,

a madrugada e a alvorada. Costurando as

cenas, 11 bailarinos representam a noite, to-

dos coloridos de azul dos pés à cabeça.

Fabio de Mello é um dos coreógrafos

brasileiros que têm investido na flexibiliza-

ção da técnica clássica a partir da introdu-

ção de elementos contemporâneos. Em Noi-

te transfigurada, essa tentativa se revela

pouco eficiente. A presença da dança con-

temporânea parece ser entendida aqui

como o enxerto de um conjunto de passos

que não caberiam no vocabulário do balé

clássico. E apenas isso. Essa impressão é

agravada pelo fato dos bailarinos parece-

rem, por exemplo, ainda pouco à vontade

com os rolamentos e entradas no chão, acen-

tuando o aspecto artificial dessa outra mo-

vimentação para a coreografia.

As primeiras bailarinas Nora Esteves,

Áurea Hämmerli e Ana Botafogo com-

põem o grupo de mulheres, junto com a

solista Sandra Queiroz. São acompanhadas

por Paulo Ricardo, Vítor Luiz, Marcelo

Q

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 24 DE AGOSTO • 2005RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 24 DE AGOSTO • 2005RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 24 DE AGOSTO • 2005RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 24 DE AGOSTO • 2005RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 24 DE AGOSTO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Misailidis e Joseny Coutinho, respectiva-

mente. Apesar de pouco inventivos em ter-

mos coreográficos, os duos conseguem

guardar uma elegância que se encaixa com

eficiência na obra de Schoenberg e no ce-

nário de Caldas. O casal de 1999, Ana Bo-

tafogo e Marcelo Misailidis, é responsável

pelo momento mais convincente da noite.

A afinidade entre ambos e a sensualidade

contida que imprimem no casal da alvora-

da saltam aos olhos.

Já a coreografia e os figurinos do grupo

de rapazes que interpretam a noite se cho-

cam de frente com a elegância dos duos. A

caracterização do grupo parece completa-

mente fora do tom. Os figurinos de Rosa

Magalhães, exagerados e cheios de brilho,

operam num outro registro, carnavalizando

a cena. A coreografia do grupo, cheia de pas-

sos que parecem lá estar apenas para apro-

veitar os figurinos, aposta no óbvio. Pela bus-

ca de efeitos – como o da imagem que encer-

ra a peça – a delicadeza é abandonada. É

pena que o coreógrafo não tenha apostado

que, em se tratando de Schoenberg e de

Waltercio Caldas, menos poderia ser mais.

Page 65: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

6 5

O corpo falaCompanhia criada há 30 anos criou

vocabulário coreográfico próprio

ROBERTO PEREIRA

s trinta anos do Grupo Corpo, come-

morados em 2005, revelam uma tra-

jetória ímpar de uma companhia de dança

dentro da história brasileira. O que se con-

figurou ali como uma ideia é fruto da ousa-

dia de jovens irmãos, os Pederneiras, aliada

à busca de uma qualidade que foi sempre

sua marca desde o início.

Sabendo-se que a dança no Brasil che-

gou pelas suas margens, vinda da Europa e

aportando no litoral, uma companhia nasci-

da no interior do País, fora do famigerado

eixo Rio-São Paulo, mostrava que a máxi-

ma mineira daquele que “come quieto” pa-

rece ser mesmo verdade. E desde 1975, além

de ter colocado Belo Horizonte no mapa da

dança que se fazia por aqui, o Grupo Corpo

colocou o Brasil no mapa da dança que se

faz no mundo.

Se a primeira sede da companhia foi a

própria casa da família Pederneiras, com

pais “expulsos” pelos próprios filhos para

que eles pudessem quebrar paredes e cons-

truir uma sala de ensaios, hoje, a companhia

tem uma sede invejável, com salas amplas,

e um teatro onde os ensaios se dão. Uma obra

de dança que já nasce no palco traz consigo

a marca de seu hábitat em seu DNA. E tal-

vez tenha sido esse um dos diferenciais que

proporcionaram hoje ao Grupo Corpo lan-

çar-se hoje à construção de um complexo de

18 mil metros quadrados, destinados a cine-

ma e artes plásticas além de abrigar a com-

panhia, denominado Centro de Arte Corpo.

Mas o que sempre legitimou a trajetória

dessa companhia foi o que ali se constrói em

termos de qualidade estética. Fruto de uma

conjunção de talentos que estabeleceram

um diálogo fino entre criadores (Rodrigo

Pederneiras, como coreógrafo, Paulo Perder-

neiras como produtor e iluminador, Freusa

Zechmeister como figurinista e Fernando

Velloso como cenógrafo), a história da com-

panhia mostrava a um Brasil perplexo com

o que dali nascia que tudo parecia ter vindo

de uma só pessoa, tal era a harmonia alcan-

çada entre as áreas diversas que fazem da

dança uma arte tão híbrida. Somado a isso,

a qualidade irretocável dos bailarinos ga-

rantia um padrão que mostrava um ensino

de dança sistematizado e competente tam-

bém fora do eixo.

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE IRO • SÁBADORIO DE JANE IRO • SÁBADORIO DE JANE IRO • SÁBADORIO DE JANE IRO • SÁBADORIO DE JANE IRO • SÁBADO • 27 DE AGOSTO • 2005 • 27 DE AGOSTO • 2005 • 27 DE AGOSTO • 2005 • 27 DE AGOSTO • 2005 • 27 DE AGOSTO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

6 6

Mas, se é para se lançar um olhar agu-

çado sobre a dança do Grupo Corpo, é o que

há ali de absolutamente original em ter-

mos coreográficos o que salta aos olhos.

Rodrigo Pederneiras vem construindo o

que raríssimos coreógrafos conseguiram

ao longo do século passado em termos de

dança contemporânea: um vocabulário

próprio de movimento. O desafio, além de

sua assinatura no corpo que se move, era

saber que esse corpo vinha (e vem) carre-

gando informações de mais de 500 anos da

técnica (e, portanto, da estética) do balé

clássico. Pederneiras conseguiu imprimir

nessa marca tão forte e tão poderosa o seu

próprio pensamento. Um pensamento de

dança brasileiro.

E esse “brasileiro”, que tanto tem adjeti-

vado a produção dessa companhia mineira,

vem se desenvolvendo desde 1976, com

Maria Maria, de Oscar Araiz, primeiro su-

cesso que a lançou ao Brasil e ao mundo. De

lá para cá, alguns marcos importantes: Pre-

lúdios, com música de Chopin, quando a com-

panhia completava dez anos, em 1985, e Mis-

sa do orfanato, com música de Mozart, qua-

tro anos depois, foram desembocar numa

lista de obras que passaram a ganhar trilhas

especialmente compostas. Nomes como

Uakti, José Miguel Wisnik, Tom Zé, João

Bosco, Arnaldo Antunes e agora Caetano

Veloso propuseram caminhos traduzidos em

dança por Rodrigo e toda a equipe de cria-

dores que o cerca.

O vocabulário coreográfico, no caso do

Grupo Corpo, propõe, para quem acompa-

nha seus espetáculos, um desafio nada fácil:

o de saber percorrer com os olhos o que ali

se configura nos corpos que dançam como

aprofundamento de questões que intrigam

o coreógrafo há anos. Um aprofundamento

quase obsessivo, mas que garante a excelên-

cia da maior companhia de dança brasilei-

ra no próprio Brasil.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

6 7

O poder de transformaçãodo Grupo Corpo

Onqotô: Nova coreografia da companhia mineira mostra certainovação de movimentos criados por Rodrigo Pederneiras

SILVIA SOTER

uebrando o ritmo de estreias a cada

dois anos, chega ao Rio Onqotô, espe-

táculo da merecida comemoração dos 30

anos do Grupo Corpo, apenas um ano depois

de Lecuona. Como a cada vez, as coreogra-

fias vêm aos pares. Onqotô é precedido pelo

arrebatador, colorido e já maduro Lecuona.

O programa segue em cartaz no Theatro

Municipal até segunda-feira.

Caetano Veloso e Zé Miguel Wisnik cri-

aram a música, em inédita parceria. O big

bang, o termo anglo-saxão que nomeia a

explosão que deu início ao universo, veio

junto com a música como tema para a peça.

Onqotô – corruptela à mineira de “onde

que eu estou?” – toca em questões filosófi-

cas e existenciais pertinentes tanto para re-

flexão sobre o universo, quanto para pen-

sar sobre os 30 anos bem vividos da com-

panhia mineira.

Depois das cores e da sensualidade de

Lecuona, Onqotô contrasta pela densidade

e pelo tom cinzento e sombrio da cena. A

música ganha suporte percussivo no sapa-

tear dos bailarinos. A agilidade e a leveza

da movimentação de Rodrigo Pederneiras

se inova, numa relação dos pés com o chão

antes pouco explorada na dança do Corpo.

O cinza das franjas que cercam o palco, o

negro dos figurinos e a força do coletivo

reforçam a ideia de comunidade. Aos pou-

cos, os figurinos de Freusa Zechmeister co-

lorem os corpos, recortando-os do ambiente

cinzento. O cenário de Paulo Pederneiras é

eficiente ao criar uma parede permeável

que faz com que os bailarinos irrompam em

cena e dela desapareçam, com velocidade.

Da massa – nem sempre regular – que dan-

ça e percute o chão, alguns bailarinos se

destacam sem perder o pulsar comum. Ao

longo da peça, essa comunidade ganha ares

mais ou menos primitivos ou urbanos. Ela é,

ao mesmo tempo, tribo e multidão. Ela se

presta ao sacrifício e ao carnaval.

Se para muitos criadores, a música não é

mais parceira inseparável da dança, isso não

é verdade em se tratando de Rodrigo Peder-

neiras e seus colaboradores. Uma das infi-

nitas qualidades do Corpo é encontrar o

ponto de equilíbrio exato entre trilha sono-

ra e coreografia. Esse equilíbrio se dá, em

geral, quando a coreografia não está lá ape-

Q

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 DE SETEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 DE SETEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 DE SETEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 DE SETEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 DE SETEMBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

6 8

nas para dar visibilidade à música e à dan-

ça, sem poder ser imaginada dissociada da-

quela música, consegue existir sem a esta

se sobrepor. É o que ocorre, por exemplo, em

Lecuona. Já em Onqotô, esse não é sempre

o caso. Em alguns momentos, a potência da

música de W isnik e de Caetano não encon-

tra equivalente na dança. Mas quando en-

contra como, por exemplo, nos dois belos

duos ao som de Mortal loucura de W isnik, a

partir do poema de Gregório de Matos, On-

qotô é de tirar o fôlego.

Sabendo que nada é acaso na dança dos

Pederneiras, o contraste entre Onqotô e Le-

cuona tem efeito de provocação e obriga

também o espectador a se perguntar: afinal,

onde é que estou? Diante do Grupo Corpo,

é claro, que há 30 anos se transforma, saco-

de o que antes foi visto e, felizmente, segue

na estrada.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

6 9

A mão dupla do corpoHarmonia entre ordem e liberdade

criadora salta de Onqotô

ROBERTO PEREIRA

ntre o big bang e o big mac, a corrup-

tela mineira que pergunta “onde que

eu estou”. Do quintal de casa para o mun-

do. O Grupo Corpo comemora seus 30 anos

com uma pergunta: Onqotô, espetáculo que

estreou no Theatro Municipal do Rio de Ja-

neiro, na quarta-feira. Na verdade, a per-

gunta filosófica aplica-se, como toda per-

gunta filosófica, ao micro e ao macro ao

mesmo tempo: ao próprio Grupo Corpo e à

dança, àquele que vem de Minas Gerais e

àquele que vem de qualquer parte do mun-

do. Em tudo, a questão da origem e do des-

tino como setas em mão dupla, sem hierar-

quias, sem causalidades.

Para tanto, o velho time mineiro se alia

a novos parceiros, além de um já conheci-

do: José Miguel Wisnik comparece nova-

mente para compor a música, num traba-

lho conjunto com Caetano Veloso e, com

eles, nomes como Luís de Camões e Gre-

gório de Matos. Um outro parceiro inédi-

to ainda: Nelson Rodrigues, que, ao afir-

mar que o jogo do Fla-Flu começou 40

minutos antes do nada, inspira os músicos

e o coreógrafo. As flechas do tempo dispa-

radas em sincronias são, assim, transforma-

das em dança.

Para falar de origem, Rodrigo Pedernei-

ras, coreógrafo da companhia, enriqueceu

ainda mais seu vocabulário de dança e, se-

melhante ao que acontece no próprio título

da obra, cria neologismos de seus próprios

movimentos. O chão aparece forte, como

que (re)estabelecendo uma ligação com a

terra. Para esse retorno, um outro novo ele-

mento: a queda. Ou ainda o som das batidas

dos pés dos bailarinos logo no início, quase

tribal, numa percussão de pulso, de pulsão.

Ao mesmo tempo, peso e leveza convivem

em massas quase uniformes e em pequenos

solos e duos, resgatando, a um só tempo, o

individual e o coletivo.

E mesmo que haja uma liberdade quase

despudorada no uso da frontalidade, e uma

certa obviedade no solo do bailarino ao som

dos versos de Camões musicados por Cae-

tano, o que se organiza ali coreograficamen-

te é uma harmonia entre a ordem e a liber-

dade criadora. Coisa de artista, enfim.

O figurino, assinado por Freusa

Zechmeister, é minimalista e indicial,

E

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE IRR IO DE JANE IRR IO DE JANE IRR IO DE JANE IRR IO DE JANE IROOOOO • • • • • SÁBADOSÁBADOSÁBADOSÁBADOSÁBADO ••••• 3 DE SETEMBRO • 20053 DE SETEMBRO • 20053 DE SETEMBRO • 20053 DE SETEMBRO • 20053 DE SETEMBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

7 0

formando blocos de cores, mas também

sugerindo sutilmente o Fla-Flu nas meias

dos bailarinos, num breve momento.

O cenário, ou o “não-cenário” como quer

Paulo Pederneiras, mesmo fazendo lem-

brar outras soluções semelhantes (como

o já clássico Stamping Ground, de Jirí

Kylián ou Rain, de Anne Teresa de Keer-

smaeker), cria um lugar de não referen-

cialidade, sem a marca do tempo, refor-

çando ainda mais a questão que nomeia

a obra, ou seja, aquela indaga sobre o

onde (e o quando) se está.

Comemorar 30 anos de dança num país

como o Brasil, colocando-se uma pergunta,

parece aliar certezas e desafios e transformá-

los em matéria-prima para a criação. Onqo-

tô é essa aliança. Mas como toda aliança que

nasce por essas terras, essa também vem cer-

cada de mistérios, como diz o verso do poeta

Gregório de Matos que compõe o espetácu-

lo: “Mistérios mil que desenterra... enterra.”

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

7 1

Na onda do revivalMergulho de Renato Vieira no

jazzdance poderia ter sido mais profundo

ROBERTO PEREIRA

sabedoria e a habilidade coreográfi-

cas de Renato Vieira parecem recu-

perar o seu ambiente em Memória do cor-

po nº 2 – Suíte jazz, espetáculo que estreou

na semana passada no Espaço SESC e que

permanece em temporada até dia 2 de ou-

tubro. O que Vieira desvela ali é sua histó-

ria, talvez de um modo muito mais reconhe-

cível do que a primeira versão de Memória

do corpo, do ano passado.

Há uma razão para isso e essa razão é

justamente o próprio corpo. Não o corpo

qualquer, mas aquele que carrega inscri-

ções de uma técnica e de uma estética ab-

solutamente importante para a história da

dança que se faz nesse país, o jazzdance.

Mesmo que seu tempo áureo tenha sido as

décadas de 1970 e 1980, esse modo de pen-

sar e fazer dança continua bastante eficaz

na formação de grandes bailarinos que fi-

guram nas melhores companhias da cha-

mada “dança contemporânea” atual. E é

dessa eficácia, e com ela, que Renato Vieira

constrói seu trabalho.

O retorno é corajoso. Vieira deixou-se

ouvir o que seus mestres e sua carreira

foram escrevendo como memória em seu

próprio corpo, pelo excelente bailarino

que foi. Lennie Dale, Carlota Portella e

Marly Tavares são três desses mestres que

merecem ser mencionados. E essa última ain-

da reencontrou o coreógrafo e ministrou au-

las de jazz para sua companhia, num exercí-

cio de recuperar um pouco daquela história.

O resultado, porém, é ainda tímido,

como alguém que apalpa seu terreno para

quase reaprender a andar nele. O jazz vem

misturado, como não poderia deixar de ser,

com tudo o que o coreógrafo vivenciou em

seus 30 anos de carreira, com hibridações

com a dança contemporânea, por exemplo.

Mas Vieira poderia ter avançado mais, e

oferecido realmente ao público o que ele

várias vezes apenas insinua: a estética do

jazz, com sua frontalidade e sua dança em

conjuntos, além de tantos outros elementos.

Nesse sentido, todos os recursos cênicos,

como música, cenário e iluminação, tor-

nam-se secundários ao se deparar com a

habilidade puramente coreográfica que é

apontada ao longo do espetáculo. Isso pode

ser visto, sobretudo, no quarteto formado por

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 14 DE SETEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 14 DE SETEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 14 DE SETEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 14 DE SETEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 14 DE SETEMBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

7 2

três rapazes e uma moça, ponto alto do

espetáculo, amálgama de história com o

presente, de memória com coragem.

Para esse retorno, Renato Vieira pôde

contar com uma companhia muito com-

petente, mesmo que o elenco masculino

seja um tanto desigual. Mas é por meio

de Soraya Bastos e Arthur Marques que

se pode reconhecer com mais apuro a

ideia do coreógrafo. Esses corpos ali con-

tam histórias em movimento.

Nesta atual onda de revival dos anos 80,

olhar para o jazzdance acaba tendo duas

funções: contar a história de sua estética, ao

mesmo tempo que reconhecer sua eficácia

enquanto possibilidade de formação técni-

ca de bailarinos. Parece que estamos viven-

do esse momento, desde Espaço de luz, da

mestra Carlota Portella, do ano passado.

Agora é Renato Vieira quem mostra sua

memória, um arsenal de matéria-prima que

merece ser novamente utilizada.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

7 3

O jazzdance semalegria e sedução

Memória do corpo nº 2 – Suíte jazz:Renato Vieira faz releitura hábil e distanciada

da técnica que marcou os anos 80

SILVIA SOTER

ando sequência a seu projeto de inves-

tigação da memória inscrita no corpo,

Renato Vieira criou Memória do corpo nº 2

– Suíte jazz, em cartaz no mezanino do Es-

paço SESC, até este domingo. Na etapa an-

terior da pesquisa, o coreógrafo havia mer-

gulhado no corpo como receptáculo das ex-

periências biográficas de seus bailarinos. En-

tre essas experiências, a prática de uma téc-

nica de dança como algo que deixa marcas

estruturantes no funcionamento do corpo já

aparecia como algo importante. Para esse

segundo trabalho, sobre um estilo de dança

organizado como técnica, Renato traz para

a cena uma etapa fundamental de sua his-

tória na dança: sua grande experiência com

o jazzdance, de cujo boom no Rio de Janei-

ro, do fim dos anos 70 ao fim dos 80, foi im-

portante personagem. É sobre esse estilo, es-

pecialmente relevante na história da dan-

ça carioca, que o coreógrafo se debruça.

Mas nem tudo é jazz na peça de Renato.

A sedução sorridente e sensual do jazzdan-

ce e seu caráter espetacular ficam de fora

no tratamento que a cena recebe. Na primei-

ra parte, vemos os bailarinos sentados em

cadeiras cujos pés se apoiam na parede do

fundo do palco. Essa imagem, que tira o es-

pectador da percepção frontal da cena, ser-

ve como transporte para um outro lugar e

um outro tempo e, sobretudo, obriga o espec-

tador a não se esquecer espectador. Essa

báscula de ponto de vista – o público vê o

alto da cabeça dos bailarinos, como se esti-

vesse num outro plano – já anuncia que o

coreógrafo não tomou o caminho mais fácil

para trazer o jazzdance de volta ao seu tra-

balho. Ele opta por abordá-lo como técnica

corporal e como linguagem de movimentos,

em vez de tomá-lo como clima ou na sua

forma sedutora de espetáculo. Renato Viei-

ra lança mão de grande habilidade coreo-

gráfica para produzir estranhamento entre

o que é apresentado: o jazzdance, e a forma

distanciada como é mostrado. Essa mesma

tensão ganha correspondência na trilha so-

nora assinada por Nino Carlos que apenas

insinua, sem ir até o fim, alguns dos hits que

embalaram os movimentos ondulantes des-

se estilo, nos anos 70 e 80.

Apesar de ter investido para que seus

jovens bailarinos tivessem uma prática do

D

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORRRRRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 30 DE SETEMBRO • 2005IO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 30 DE SETEMBRO • 2005IO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 30 DE SETEMBRO • 2005IO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 30 DE SETEMBRO • 2005IO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 30 DE SETEMBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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velho e bom jazzdance, convidando a gran-

de mestra Marly Tavares para dar aulas

para a companhia durante a criação, a pou-

ca familiaridade de alguns em relação ao

estilo fica evidente já que a técnica não

está de fato inscrita em seus corpos, o que

enfraquece a proposta. Por outro lado, os

ótimos Soraya Bastos e Arthur Marques se

mostram absolutamente à vontade em

cena, pois em seus corpos o jazzdance é

memória viva.

Para os amantes do jazz, nostálgicos de

alegria e sedução, Memória do corpo nº 2 –

Suíte jazz não deixa de ser um pouco frus-

trante. Nessa releitura de Renato Vieira o

jazz passa ao largo do divertimento. É de

longe e de cima, como na primeira cena das

cadeiras, que Renato Vieira visita sua his-

tória em que o jazz teve um lugar importan-

te. Um lugar de onde ele partiu para expe-

rimentar outras formas de criar e para onde

ele volta com cuidado, carinho e reticências.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

7 5

Um divisor de águasA criação leva contemporaneidade

ao Ballet do Municipal

ROBERTO PEREIRA

criação, obra do coreógrafo alemão

Uwe Scholz, que faleceu prematura-

mente aos 45 anos de idade no ano passado,

em meio a uma produção coreográfica

profícua, pode representar uma espécie de

divisor de águas na história do Ballet do

Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Estre-

ado no dia 26 e permanecendo em tempo-

rada até o dia 11 de outubro, esse balé, com

música de Haydn e participação do coro e

da orquestra do teatro, vem agregar um sen-

tido bastante oportuno ao desenvolvimen-

to de uma companhia de repertório como

essa: o sentido de contemporaneidade.

Esse sentido dialoga com as obras clás-

sicas, mas concede aos bailarinos, ao mes-

mo tempo, a oportunidade de experimentar

um desafio absolutamente coreográfico, fa-

zendo da execução técnica o sentido estéti-

co de todo o espetáculo. Scholz, em A cria-

ção, mostra que sua habilidade de conhece-

dor de dança manifesta-se no movimento,

em sentido coreográfico puro. Para a nossa

companhia, essa é a deixa para que o esme-

ro na atualização desse pensamento seja o

objetivo maior, para que a obra possa emer-

gir inteira, em sua plenitude. Tal desafio,

nesse sentido, obriga os bailarinos a marca-

rem em sua dança a noção de contempora-

neidade, mesmo que a obra complete 20

anos em 2005.

Aos solistas e ao corpo de baile, a

chance de vencer os desafios técnicos que

a obra propõe também promove uma

cumplicidade entre eles, visível ao públi-

co. Claro, ainda há ajustes a serem feitos,

mas nada que o tempo e a intimidade da

companhia com o que se está dançando

não possam vencê-los. Nesse sentido, vale

destacar o desempenho dos bailarinos

Reginaldo Oliveira, Renê Salazar, Bruno

Rocha e Vítor Luiz, provando que o elen-

co masculino vem se desenvolvendo

qualitativamente. Cristiane Quintan,

Norma Pinna e Bettina do Dalcanale mos-

tram como diferentes gerações de baila-

rinas podem dividir o palco numa mesmo

obra, construindo uma unidade artística.

Mas é a presença da primeira-bailari-

na Cecília Kerche que arrebata o público

pela perfeição de sua dança. Absolutamen-

te inserida no ambiente que vem sendo

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRARIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRARIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRARIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRARIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 4 DE OUTUBRO • 2005 • 4 DE OUTUBRO • 2005 • 4 DE OUTUBRO • 2005 • 4 DE OUTUBRO • 2005 • 4 DE OUTUBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

7 6

construído, sua aparição no segundo ato

aponta para a ideia divina da criação a que

a obra se refere. Ali, tudo faz sentido, e os

três corpos estáveis do Theatro Municipal,

balé, coro e orquestra, atingem sua coesão

máxima. A sensação no público é, no míni-

mo, de orgulho, nesse momento.

A criação faz parte da história de vida

do atual diretor artístico da companhia,

Fauzi Mansur. Quando ainda bailarino, no

Ballet da Ópera de Zurich, Suíça, pôde ex-

perimentar trabalhar diretamente com

Scholz e aprendeu com ele a coreografia.

Talvez seja esse o melhor caminho a ser

percorrido por ele em sua gestão à frente

de nossa primeira e única companhia de

balé de repertório do Brasil: deixar que a

história de dança inscrita em seu corpo seja

um mapa que guie seus bailarinos no sen-

tido de uma contemporaneidade. E o ver-

dadeiro sentido de contemporaneidade

dialoga, inevitavelmente, como sabemos,

com o sentido de tradição, a marca do

Ballet do Theatro Municipal.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

7 7

Ideia de mundonorteia o espetáculo

A criação: com coreografia de Uwe Scholz,Ballet do Theatro Municipal faz montagem competente

SILVIA SOTER

nome do coreógrafo Uwe Scholz –

cuja obra foi interrompida no ano pas-

sado por sua morte prematura aos 45 anos –

remete imediatamente à tentativa de en-

contrar a correspondência perfeita entre o

desenvolvimento musical e a escrita core-

ográfica. No caso de A criação, um orató-

rio de Haydn a partir dos livros Gênesis e

Paraíso perdido, Scholz trouxe para a cena

33 quadros que representam os sete dias de

criação do universo. A peça, cuja remonta-

gem é assinada por Tatjana Thierbach para

o Theatro Municipal, segue em cartaz até

dia 11 de outubro. É a primeira vez que essa

obra de Scholz é montada fora da Europa.

Na leitura do coreógrafo alemão, a ideia

de mundo se mistura com a ideia de espetá-

culo. Quando a cortina se abre, veem-se os

bailarinos se aquecendo ao fundo do palco,

na barra, com roupas de ensaio. Antes do

toque divino, algo já existe. Diante dos olhos

do público, a cena é finalizada para que dan-

ça e música possam, então, desenvolver-se.

Pela dança o mundo será criado.

A escolha de A criação para a tempora-

da 2005 do Ballet já é um grande acerto.

Uma peça como esta é um presente para

uma companhia do porte da carioca. Além

da presença do Ballet, a montagem conta

com a participação da Orquestra e do Coro

do Theatro Municipal. A criação é um da-

queles raros balés em que há grande equilí-

brio entre música e coreografia, e também

entre variações para grandes conjuntos e di-

ferentes solistas.

Scholz consegue escapar dos possíveis

aspectos narrativos do tema. A simplicida-

de dos figurinos e as coloridas aquarelas do

italiano Francesco Clementes ambientam a

coreografia com elegância, criando um es-

paço atemporal que coloca em valor músi-

ca e dança. É na articulação engenhosa en-

tre as duas que Scholz se apoia. Uma primei-

ra correspondência é construída pela rela-

ção direta entre as vozes do coro e a pre-

sença do corpo de baile e pela aparição dos

solistas quando os cantores se destacam em

duetos. Inúmeras outras correspondências

acontecem ao longo das duas horas de mú-

sica e dança, pelo uso criativo dos cânones,

dos silêncios e pela generosidade com que

Scholz se dobra à exuberância de Haydn.

O

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 7 DE OUTUBRO • 2005 SEXTA-FEIRA • 7 DE OUTUBRO • 2005 SEXTA-FEIRA • 7 DE OUTUBRO • 2005 SEXTA-FEIRA • 7 DE OUTUBRO • 2005 SEXTA-FEIRA • 7 DE OUTUBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

7 8

Tanto os solistas como o corpo de bai-

le garantem uma performance à altura da

coreografia de Scholz. Em forma e muito

bem ensaiada, a companhia se mostra à

vontade em cena, respondendo com agili-

dade e segurança às exigências técnicas

e artísticas de A criação. Alguns bailari-

nos que muitas vezes não encontram lu-

gar adequado em peças de repertório fo-

ram muito bem aproveitados nessa mon-

tagem. É o caso dos competentes Bettina

do Dalcanale e Bruno Rocha. Outros como

Norma Pinna, Cristiane Quintan, Claudia

Motta, Reginaldo Oliveira, René Salazar

e Vítor Luiz confirmam, mais uma vez,

seus lugares especiais na companhia. To-

talmente integrada no conjunto, Cecília

Kerche se destaca trazendo sua luz de es-

trela a cada aparição. A familiaridade com

que a companhia sempre circulou pelas

peças de repertório aparece em A criação.

A competência dessa montagem abre no-

vas possibilidades à única companhia clás-

sica do Brasil.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

7 9

Noite sem sutilezasMárcia Haydée erra a mão e o tom

em espetáculo no Theatro Municipal

ROBERTO PEREIRA

Parece ter sido exatamente isso o que

ocorreu com a companhia chilena: o exces-

so de dramaticidade para contar mais uma

vez a conhecida história da espanhola se-

dutora buscou fáceis soluções em ritmos cê-

nicos oscilantes. E, ainda mais grave, não en-

controu eco na preparação técnica de seus

bailarinos.

Mesmo com um elenco bastante desi-

gual tecnicamente, o que mais chamou a

atenção no Ballet de Santiago foi a fragi-

lidade na atuação de seus solistas. Na ré-

cita de quarta-feira, por exemplo, a ótima

primeira bailarina Natalia Berríos apos-

tava numa interpretação óbvia da perso-

nagem Carmen, em que o exagero torna-

va da falta de sutileza dramática seu prin-

cipal problema. Por outro lado, incorren-

do no perigo inverso, a atuação ainda ima-

tura de Rodrigo Guzmán nem de longe

captou a intensidade solicitada pela per-

sonagem de Don José.

Além disso, o que era explícito demais

coreograficamente ficava ainda mais estri-

dente com o figurino, que infelizmente não

dialogava com a apenas sugestiva e efici-

principal dificuldade em se criar um

balé nos dias de hoje refere-se jus-

tamente àquilo que é uma de suas maio-

res características, ou seja, a tarefa de se

contar uma história, lançando mão, em

sentido coreográfico, da combinação de

apenas dois elementos: a pantomima e o

passo de dança. Essa parece ter sido a di-

ficuldade enfrentada por Márcia Haydée,

ao escolher coreografar um balé para a

companhia da qual é hoje diretora artísti-

ca, o Ballet de Santiago, do Chile, que se

apresentou no Theatro Municipal na ter-

ça e na quarta-feira últimas.

No caso de Haydée, entretanto, a esco-

lha do tema, a tão decantada história de

Carmen, a mulher romântica de Merimée,

imortalizada na ópera homônima de Bizet,

faz da dificuldade de se contar uma história

a armadilha a qual a coreógrafa facilmente

sucumbe. Em Carmen, fica evidente que o

atrito entre pantomima e passo de dança não

resulta necessariamente em balé, e o senti-

do de narratividade, que tão bem se identi-

ficou com a estética do século XIX, aos nos-

sos olhos hoje pode parecer clichê.

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 7 RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 7 RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 7 RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 7 RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 7 DE OUTUBRO • 2005DE OUTUBRO • 2005DE OUTUBRO • 2005DE OUTUBRO • 2005DE OUTUBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

8 0

ente cenografia, ambos assinados curiosa-

mente pelo mesmo Pablo Nuñez.

Na noite de quarta-feira, após terem

transcorridos alguns 15 minutos do início

do balé, Márcia Haydée adentrou tempes-

tivamente o palco e interrompeu o espetá-

culo, reclamando da qualidade técnica da

iluminação ali disponibilizada, diante de

um Theatro Municipal lotado. Afora a cons-

tatação da falta de preparação de ambos, a

do teatro em receber uma companhia de

dança com deficiências em suas condições

técnicas e a do Ballet de Santiago em se

apresentar com um balé como esse, o que

nesta noite certamente chamou mais aten-

ção do público, principalmente por sua dra-

maticidade, foi a forma como a diretora

Haydée se dirigiu à casa onde ela, justa-

mente, iniciou sua carreira na dança, ain-

da como bailarina. A partir desse momen-

to, a deixa de como a noite iria continuar

estava dada, inexoravelmente.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

8 1

Garimpagem do corpoEm sua quarta edição, projeto baiano

em torno da coreografia abre novos caminhos para a dançabrasileira, mas começa a exigir revisão no formato

ROBERTO PEREIRA

m novo formato de festival de dança

contemporânea se consolida em Sal-

vador, BA, e ganha projeção nacional por

sua importância e pelo seu ineditismo. Tra-

ta-se do Ateliê de Coreógrafos Brasileiros,

idealizado e produzido por Eliana Pedro-

so, uma ex-bailarina do Ballet do Teatro

Castro Alves e que há muito vem se inda-

gando sobre como a dança contemporânea

poderia conquistar um espaço e um públi-

co mais amplos do que aqueles confina

dos em festivais quase sempre voltados

para si mesmos.

Em sua quarta edição, realizada entre os

dias 14 e 19 deste mês, o Ateliê provou que

pertence ao calendário oficial da dança bra-

sileira, ao mesmo tempo em que já demons-

tra necessidades de transformações urgen-

tes em seu projeto inicial, que permaneceu

praticamente imutável nos quatro anos de

sua existência.

A ideia é instigante: coreógrafos, ou

aprendizes de coreógrafos, enviam suas ideias

para uma obra coreográfica na forma de

projetos a serem selecionados por uma

comissão formada por quatro especialistas,

de todos os cantos do País, chefiados por

Pedroso. Tarefa nada simples, já que se tra-

ta aí de selecionar ideias que irão tomar o

espaço do principal teatro da capital baiana,

o Teatro Castro Alves, de 1.200 lugares. Dan-

ça contemporânea nem sempre rima bem

com amplos palcos e esse detalhe torna o pro-

jeto do Ateliê, de cara, algo incomum.

Cinco projetos são selecionados (embo-

ra, neste ano, tenham sido selecionados ape-

nas quatro) e, durante dois meses, os coreó-

grafos permanecem em Salvador para trans-

formar sua ideia em espetáculo. E a pala-

vra “espetáculo” aqui deve ser lida exacer-

bando ao máximo seu sentido mesmo de es-

petacularidade.

Uma audição de bailarinos para cada co-

reógrafo (que pode escolher até dez elemen-

tos para sua obra), cenógrafo, compositor para

a trilha musical, figurinista e uma produção

arrojadíssima ficam à disposição para que tudo

seja desenvolvido da maneira mais competen-

te e profissional possível. Uma rara oportuni-

dade para qualquer coreógrafo brasileiro, que

sabe muito bem o quanto custa produzir um

espetáculo, salvo dois ou três que contam com

patrocínios de petrobrases da vida.

Tudo parece perfeito, mas se complica

quando a palavra de ordem é a tal “espeta-

cularidade”. A maturidade do coreógrafo

deve ser tamanha a ponto de não sucumbir

à enorme possibilidade de aparatos cênicos

U

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JRIO DE JRIO DE JRIO DE JRIO DE JANEIROANEIROANEIROANEIROANEIRO • • • • • SEXTA-FEIRA • SEXTA-FEIRA • SEXTA-FEIRA • SEXTA-FEIRA • SEXTA-FEIRA • 28 DE OUTUBRO • 200528 DE OUTUBRO • 200528 DE OUTUBRO • 200528 DE OUTUBRO • 200528 DE OUTUBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

8 2

oferecidos. E maturidade nem sempre se

mede em projetos.

Permanecer dois meses em uma outra

cidade, ganhando R$ 5 mil pelo trabalho,

pode parecer sedutor. Mas para nomes con-

sagrados da dança contemporânea brasilei-

ra pode parecer também complicado, por ter

de se distanciar de seus projetos pessoais

para se dedicar a um outro produto. O que

daí advém é a maciça participação de jo-

vens coreógrafos, que, uma vez seleciona-

dos, deslumbram-se facilmente com as opor-

tunidades oferecidas. Não é o caso, por

exemplo, de Carlos Laerte, do Rio de Janei-

ro, que no ano passado apresentou um belo

e coerente resultado de seu trabalho. Mas

salvo exceções de nomes experientes como

Luiz de Abreu (SP), Andrea Maciel (RJ),

Jussara Miranda (RS), Márcia Duarte (DF)

e Maria Paula (PE), quase todos os outros

projetos foram de expoentes que nem sem-

pre sabiam o lugar que ali ocupavam.

Um outro desafio importante com o qual

o Ateliê de Coreógrafos Brasileiros já se de-

para é o tempo exíguo de dois meses para

produzir uma ideia de dança, num outro am-

biente, com outros corpos e com outros estí-

mulos. A dança, sabemos todos, precisa de tem-

po para que sua informação ganhe, literalmen-

te, corpo. Se não é o caso aqui, como assistir a

esses resultados? Esse dado é compartilhado

com um público de cerca de 8,5 mil especta-

dores que lotam o teatro a cada edição?

Talvez seja justamente esse o ponto do

qual trata Self service, obra que faz parte des-

ta edição 2005, do piauiense Marcelo Evelin,

que reside há mais de 15 anos na Bélgica. Sem

dúvida, tem-se aqui o produto mais bem-aca-

bado do Ateliê neste ano, numa edição forma-

da por estreantes (Jorge Alencar e Clara Trigo,

ambos da Bahia, e Edvan Monteiro, do Ceará).

Contando com a narração de Tom Zé do

Manifesto antropofágico, de Oswald de An-

drade, a obra se volta, quase que metalin-

guisticamente, à própria estrutura do Ate-

liê. Quem “come” quem nesse jogo de infor-

mações? O coreógrafo digere o que os bai-

larinos apresentam como material possível

de composição ou vice-versa?

Mesmo no caso de Evelin, com uma es-

tética europeizante absolutamente presen-

te, e, em seu caso, impossível de ser desven-

cilhada por ele, a antropofagia foi engolida

pelo tempo. E o Ateliê nos deu, corajosamen-

te, mais essa lição: digerir, em dança, antro-

pofagicamente, tem uma duração própria.

Talvez esse seja o caso de uma outra obra,

pertencente a um projeto que ocorre em pa-

ralelo ao Ateliê, chamado Solos maior de 40,

que reúne curtas coreografias com bailarinos

importantes com mais de 40 anos. Essa peque-

na obra mencionada foi assinada por Luiz de

Abreu para a bailarina, baiana e negra, Fafá

Carvalho. Os adjetivos aqui são necessários

por serem eles o tema sobre o que se quer fa-

lar ali: o que um corpo como aquele pode?

A coerência e a coesão explicitadas no

que a dupla Luiz/Fafá apresentam, num

teatro pequeno, sem nenhum recurso cê-

nico especial, colocam uma pergunta ao

Ateliê de Coreógrafos Brasileiros e à pró-

pria dança contemporânea brasileira: qual

é a competência espetacular de uma ideia

que vem ao mundo em forma de dança

contemporânea?

Pela pergunta certeira, que deve perma-

necer ainda por muito tempo sem resposta,

a dança brasileira só tem a agradecer ao

projeto corajoso e inédito de Eliana Pedro-

so. Um projeto que, ao se deixar perguntar

sobre suas competências, se lança ao exer-

cício inevitável da antropofagia.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

8 3

FragilidadesRecurso de fazer graça não funciona em O+, do Quasar

ROBERTO PEREIRA

ireto ao ponto: a habilidade do coreó-

grafo Henrique Rodovalho em “fazer

graça” como recurso para tratar de um

tema específico mostra seu esgotamento

em O+, obra de 2004, para a companhia

que dirige, a Quasar Cia. de Dança, que

finalmente estreou no Rio de Janeiro, no

Teatro João Caetano, anteontem. A ex-

pressão parece ser mesmo essa, a de “fa-

zer graça”, como se quisesse instaurar um

fácil canal de comunicação com o público,

em fórmulas já testadas em tantos traba-

lhos anteriores seus.

No caso de O+, esse recurso se esgarça

até mostrar suas fragilidades, embora não

pareça ser essa a intenção do coreógrafo.

A tarefa à qual ele se impôs dessa vez é

quase banal: tratar da dança contemporâ-

nea, num viés metalinguístico primário,

deslocado de seu tempo, recheado de anti-

gas questões. A inda mais porque não se

sabe bem à qual dança contemporânea se

refere. A generalização, nesses casos, tor-

na quase vulgar o lugar da reflexão, tentan-

do mostrar o patético onde na verdade é

puro espelho do que o próprio coreógrafo

vem instituindo como sendo a sua “dança

contemporânea”.

Se o modo de tratar esse universo é tra-

mando o “fazer graça” com metalinguagem,

o que se organiza cenicamente carrega pro-

blemas sérios quando justamente a (ótima)

companhia se lança ao que melhor sabe fa-

zer: dançar. O que comparece como dança,

além de ser o que Rodovalho sabe muito

bem fazer, revela, quase a contragosto seu,

que investigar (mesmo que comicamente)

sobre as questões de uma suposta “dança

contemporânea” deveria ser algo intrínse-

co à coreografia. Como não é, ele lança mão

de recursos que imprimem um ritmo desi-

gual ao espetáculo, deixando que cenas ape-

nas intercaladas não se resolvam, não se

tornem nada além de alternâncias de comi-

cidade e de sequências coreográficas.

Os clichês que são explicitados, as ci-

tações claras a outros coreógrafos, tanto

estrangeiros como até cariocas, tudo isso

vem de forma pueril à cena. E acaba por

não contaminar o próprio movimento, há-

bitat quase natural de Rodovalho. Essa

apropriação do movimento, a habilidade

D

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE IRO • SÁBADO • 29 DE OUTUBRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO • 29 DE OUTUBRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO • 29 DE OUTUBRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO • 29 DE OUTUBRO • 2005R IO DE JANE IRO • SÁBADO • 29 DE OUTUBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

8 4

em tecê-lo, encontra-se de forma exemplar

em seu último trabalho, Só tinha de ser com

você, apresentado na cidade no primeiro se-

mestre. Tudo se configura ali como algo que

(até) pode ser lido como metalinguagem. E

o “fazer graça”, felizmente, deu espaço à

simplicidade e à elegância.

Em O+, existe a figura de um super-

herói, um “protetor da dança contemporâ-

nea”. Talvez a personagem seja a própria

encarnação metalinguística do coreógra-

fo, que tenta proteger também seu legado

de fazer rir como recurso para tratar de seus

tantos temas. No fundo, esse super-herói-co-

reógrafo sabe que é no movimento que re-

side sua sabedoria. E que talvez quanto

mais desprotegido, e menos engraçado,

mais esse movimento se torne definitiva-

mente tema de sua dança. Uma dança, de

qualquer modo, contemporânea.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Espetáculo Orfeude Regina Miranda

ROBERTO PEREIRA

competência da encenação da co-

reógrafa carioca Regina Miranda

pode ser mais uma vez comprovada em

Orfeu, espetáculo comemorativo dos 25

anos de sua Companhia Regina Miranda

Atores Bailarinos e que esteve em tempo-

rada nas duas últimas semanas no Parque

Lage. Tal competência, que compõe sua

assinatura coreográfica, faz com que a dan-

ça seja um ponto de partida para dialogar

hibridamente com outros elementos, como

a arquitetura, o teatro, a literatura e neste

caso, também com a psicanálise.

Em Orfeu, esse hibridismo aparece como

rica possibilidade de construção cênica que

o mito sugere. O país dos mortos, lugar do

subterrâneo para onde se dirige o herói em

busca de sua esposa, é metaforizado na pis-

cina do Parque Lage, onde toda ação se pas-

sa, o que faz com que a cena seja vista pelo

público de cima, para dentro. Esse movimen-

to do olhar proposto por Regina recupera

sinestesicamente o movimento do mito e

tudo parece ter um sentido de dança, mas

uma dança dissolvida num acontecimento

maior, de simultaneidades de linguagens

artísticas. Essa é sua marca. E a tradução do

mito parece ter encontrado seu ambiente.

Entretanto, se esse ambiente é quase

mágico, construído com maestria pela co-

reógrafa, o corpo que o habita encontra-se

ainda pulverizado demais pelo seu entorno,

sem chances de mostrar o que carrega como

construção possível da ideia em movimento

e gesto. Não à toa, quando a companhia traz

em seu nome a senha “atores bailarinos”, es-

pera-se aí um zigue-zague entre teatro e dan-

ça que, por vezes, em Orfeu, não se efetiva.

Em alguns momentos pode-se ver, sim, ato-

res-bailarinos e, em outros, bailarinos-atores.

Mas, com maior frequência, vê-se atores e

bailarinos isolados em seu ofício. O trânsito

entre linguagens em cada um deles é bastan-

te desigual, o que dificulta a construção cêni-

ca no corpo que dança. O descompasso entre

a cena e o corpo fica evidente.

Isso acontece, talvez, pela escolha de se

trabalhar com bailarinos de maturidades

diversas. Alguns deles, que já convivem há

anos com a assinatura da coreógrafa, como

a excelente Marina Salomon, parecem es-

tar à vontade para administrar dramaturgi-

A

CRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADARIO DE JANEIRO • SÁBADO • 12 DE RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 12 DE RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 12 DE RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 12 DE RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 12 DE NOVEMBRONOVEMBRONOVEMBRONOVEMBRONOVEMBRO • 2005 • 2005 • 2005 • 2005 • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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camente o espaço que lhe é oferecido ceni-

camente. Mas, quando esse desafio é enca-

rado por integrantes mais novatos, a com-

petência do gesto transforma-se em mera

execução de movimento.

Quando isso acontece, o que é coreogra-

ficamente construído desvela a elementa-

ridade escolar das sequências de movimen-

tos, experimentadas à exaustão por Regina

em todos os seus trabalhos, pouco transfor-

madas ao longo desses 25 anos de sua com-

panhia. Desse modo, é no gesto que está,

efetivamente, sua verdadeira invenção. E

para ele, poucos de seus atores-bailarinos

estão realmente aptos.

Comemorar tantos anos de existência de

uma companhia de dança hoje no Brasil é,

sem dúvida, um feito. No caso desta compa-

nhia, talvez valha a pena agora investir

numa cena que leve em conta as inevitáveis

diferenças de gerações de bailarinos. Com

certeza, esse dado pode ser também maté-

ria-prima para a construção do gesto híbri-

do que Regina Miranda tanto investiga.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

8 7

Eloquência sem limitesExcesso de elementos cênicos ofusca o corpo da artista

ROBERTO PEREIRA

e uma palavra pudesse traduzir o novo

espetáculo da bailarina e coreógrafa

Ana Vitória, O exercício de Dom Quixote,

que estreou nesta última quinta-feira no

Espaço SESC, em Copacabana, essa palavra

seria eloquência. E parece ser no limite

dessa eloquência com seu excesso que tran-

sita, de forma desigual, o que ali se compõe

cenicamente.

A empreitada não é a das mais simples:

a busca de traduções em dança do clássico

de Miguel de Cervantes, que neste ano co-

memora seus 400 anos, transformou-se em

matéria-prima para a coreógrafa, que, feliz-

mente, descartou a literalidade no gesto

para investigar a literatura no corpo. O que

resulta disso é um estado quixotesco, como

se o personagem viesse revestido de inten-

ção no corpo que dança, como um Dom

Quixote contemporâneo, de qualquer um, de

todos. Essa intenção de Ana Vitória pode ser

vista com precisão. Mas é quando esse se dar

a ver passa a ser quase explícito é que a su-

tileza da tradução, por vezes, se perde.

O vocabulário próprio de movimento e

o vigor de sua execução, que se transforma-

ram em assinatura da coreógrafa-bailarina,

ou da criadora-intérprete, aparecem nova-

mente em solo, terreno fértil para ela, que

conhece muito bem os meandros de um cor-

po sozinho em cena, dançando. Aqui, ambos

aparecem de forma madura, revelando uma

propriedade que parece abolir o hífen que

separa a criadora da intérprete.

Mas ajustar qualquer outro elemento

cênico a esse corpo não é tarefa das mais

fáceis e a armadilha de sublinhá-lo (sem

necessidade, pela riqueza que lhe é ineren-

te) é quase inevitável nesse espetáculo. O

figurino assinado por Cláudia Diniz, a ilu-

minação de Renato Machado e, sobretudo,

a trilha sonora de Márcio Tinoco transfor-

mam eloquência numa espécie de verbor-

ragia. E o excesso dessa sobreposição de

informações embaça o corpo, já tão sofisti-

cado em sua pureza coreográfica.

Já o belo cenário, de Sérgio Marimba,

oferece à coreógrafa planos que metafori-

zam a trajetória da personagem em ques-

tão, em pleno exercício de seu ofício, como

sugere o título do espetáculo. Trata-se de

uma trajetória mimetizada na cena, numa

S

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 22 DE NOVEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 22 DE NOVEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 22 DE NOVEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 22 DE NOVEMBRO • 2005RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 22 DE NOVEMBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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simbiose de corpo e espaço, de dança e ce-

nografia. A riqueza já está ali. E a tradu-

ção, também.

Pela felicidade do retorno de Ana Vitó-

ria às suas investidas coreográficas em

solo, O exercício de Dom Quixote é bem-

vindo. É nesse lugar que a dança promove

o que o seu corpo está habilitado a falar em

movimento. Pela sua competência nesse

falar, há que se buscar agora o registro

exato do que o circunda, que pode estar,

também, no silêncio, ou na pausa. No gesto

exato da coreógrafa, não há espaço para

excessos.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Força da dançaapenas se insinua

O exercício de Dom Quixote: Montagem bem cuidadanão gera outro olhar sobre o herói de Cervantes

SILVIA SOTER

na Vitória é símbolo do que se chama,

na dança contemporânea, de criador

intérprete. Desde cedo, sua carreira estru-

turou-se na prática de solos. Construídos por

ela e para ela. Valises, Corpo provisório ou

Sobre o começo e o fim revelam sua habili-

dade em entender os caminhos de seu cor-

po e, a partir de seus limites e de suas possi-

bilidades, fazer dança. Sua assinatura como

coreógrafa e inevitavelmente, nesse caso,

como intérprete, caracteriza-se pelo rigor e

pela precisão dos gestos que, trabalhados em

diferentes intensidades e dimensões, ga-

nham abstração e viram movimentos de

dança. Depois de experimentar suas marcas

em outros corpos em algumas de suas peças

mais recentes criadas para grupos, Ana Vi-

tória retoma o solo em O exercício de Dom

Quixote como síntese maior de suas ques-

tões na dança.

Instalada no centro da arena do Espaço

SESC, uma plataforma inclinada de madei-

ra e metal define um palco dentro do palco.

A estrutura elevada aproxima a dança do

público e cria um outro plano para as ações

e os devaneios de Quixote. Ao fundo, venti-

ladores de ferro insinuam os moinhos. O ce-

nário de Sergio Marimba participa da tri-

lha sonora, já que o trabalho da plataforma

produz ruído de ferragens ao longo de todo

o espetáculo, interagindo com a música. A

iluminação joga com as sombras, projetan-

do no chão os moinhos em movimento, por

exemplo. O figurino e o visagismo reforçam

a ideia de personagem. O primeiro referin-

do-se ao metal da armadura e o segundo

marcando traços do rosto, como a barba, fa-

zendo do Quixote de Ana Vitória uma figu-

ra andrógina e contemporânea. Os signos

visuais e sonoros criam o ambiente onde a

coreógrafa faz o exercício de mergulhar no

personagem, o cavaleiro sonhador e solitá-

rio. Impossível não pensar na analogia en-

tre a solidão de Quixote e a da própria ar-

tista em cena.

É do personagem Quixote e da história

de Cervantes que a coreógrafa vai extrair

os gestos e as ações que se transformam no

vocabulário de movimentos dessa peça.

Transformadas pela habilidade da coreó-

grafa, ações como cavalgar, lutar ou deba-

ter-se diante da loucura desfilam pelo cor-

A

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 24 DE NOVEMBRO • 2005 • QUINTA-FEIRA • 24 DE NOVEMBRO • 2005 • QUINTA-FEIRA • 24 DE NOVEMBRO • 2005 • QUINTA-FEIRA • 24 DE NOVEMBRO • 2005 • QUINTA-FEIRA • 24 DE NOVEMBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

9 0

po da artista como referências explícitas

e até ilustrativas do personagem de Cer-

vantes. Mas é nessa fronteira entre ilustra-

ção e abstração que o exercício de Ana

Vitória esbarra. Presa demais a seu ponto

de partida, a peça tem dificuldade em

avançar além da correspondência imedi-

ata entre dança e personagem. Na pele de

Quixote, a força habitual da dança de Ana

Vitória apenas se insinua, ficando atada

demais às citações dos traços que consti-

tuem o herói que este ano completa 400

anos. Esse é o risco que se corre ao se tra-

tar de um personagem desse peso. Talvez

por excesso de reverência, em O exercí-

cio de Dom Quixote é apenas o persona-

gem que imprime sua marca na intérpre-

te-criadora, já que o exercício de Ana

Vitória, apesar de chegar a uma monta-

gem coerente, elegante e bem cuidada,

não chega a gerar um outro olhar sobre o

herói de Cervantes.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

9 1

Belos saltos entreescorregadas feias

Cancelamento de projetos e apoios não impediucriação de coreografias enxutas em 2005

ROBERTO PEREIRA

m 2005, a cidade do Rio de Janeiro foi

palco de grandes momentos da dança

não apenas brasileira, mas também interna-

cional, ao mesmo tempo em que testemu-

nhou duas significativas perdas na área. Co-

meçando por elas, vale registrar, de imedi-

ato, o cancelamento por parte do Centro

Cultural do Banco do Brasil, do festival

Dança Brasil, após oito bem-sucedidas edi-

ções, comandadas por Leonel Brum. Em seu

lugar, em formato semelhante, mas sem uma

linha curatorial definida, foi oferecido 4 Mo-

vimentos, cujo espetáculo que merece men-

ção é Só tinha de ser com você, assinado por

Henrique Rodovalho, da Quasar Cia. de

D ança, de Goiás. Aliás, trata-se aqui de um

dos melhores espetáculos do ano, com trilha

musical calcada no histórico disco de To m

Jobim e Elis Regina, de 1974.

Outra grande perda, ecoando historica-

mente como um retrocesso na política cul-

tural da cidade, foi a inexplicável saída da

Secretaria das Culturas como uma das prin-

cipais realizadoras do principal e mais an-

tigo festival de dança carioca, o Panorama

Rio Dança. Mesmo sem o apoio desta ges-

tão míope que se diz ocupar da dança por

essas terras, sua 14ª edição veio comprovar

que é um dos poucos lugares em que a infor-

mação de qualidade circula, tendo já colo-

cado o Rio de Janeiro na rota dos grandes

festivais do mundo.

Com direção artística de Lia Rodrigues,

sua criadora, e curadoria acertada de Nay-

se López e Eduardo Bonito, o Panorama

agrupou espetáculos, performances e pales-

tras. Dois valem a pena ser citados: Isabel

Torres, solo que leva o nome de uma baila-

rina do Theatro Municipal, idealizado pelo

francês Jérôme Bel, e H2 2005, do jovem

Bruno Beltrão.

Aliás, ambos puderam ser assistidos no

próprio Theatro Municipal, o que representa

um ganho inestimável para o festival, assi-

nalando o já conhecido cuidado de sua dire-

tora, Helena Severo, com a dança dessa ci-

dade, desde seus tempos de secretária da

cultura. Não à toa, visionariamente, ela tam-

bém abriu as portas desse mesmo teatro para

a dança contemporânea carioca, reunindo em

8 domingos os principais nomes da área, em

espetáculos com ingressos a R$ 1.

E

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA• 28 DE DEZEMBRO • 2005• 28 DE DEZEMBRO • 2005• 28 DE DEZEMBRO • 2005• 28 DE DEZEMBRO • 2005• 28 DE DEZEMBRO • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

9 2

Entretanto, o seu Ballet do Theatro Mu-

nicipal apresentou poucas novidades, num

ano bastante incipiente para essa que é a

mais antiga companhia de dança brasilei-

ra. Superado o péssimo efeito deixado por

Noite transfigurada, a qualidade que baliza

as produções da casa pôde ser novamente

vista em A criação, do alemão Uwe Scholz,

num dos momentos mais sublimes da histó-

ria dessa companhia.

Um outro elemento que veio se agregar

ao Panorama, como uma de suas múltiplas

frentes, foi o Espaço SESC, que, na verdade,

funcionou durante todo o ano como uma es-

pécie de “centro coreográfico” da cidade.

Reunindo importantes estreias, encontros

teóricos e funcionando como espaço de ensaio

para companhias cariocas, o Espaço SESC foi

o endereço oficial da dança em 2005.

Dirigido por Beatriz Radunsky, apresen-

tou o já tradicional primeiro evento do ano,

o Solos de Dança no SESC, cujo trabalho do

coreógrafo João Saldanha para a excelente

bailarina Mônica Burity, Eles assistem e eu

danço, merece destaque. Saldanha também

foi responsável por outro espetáculo, Soma,

estreado no mesmo espaço, que, com certe-

za, figura na lista dos melhores do ano.

Mas o Espaço SESC ainda abrigou outras

estreias importantes, como Por minha par-

te, de Esther W eitzman, Memória do corpo

nº 2 – Suíte jazz, de Renato Vieira e O exer-

cício Dom Quixote, de Ana Vitória. Abrigou

ainda, pioneiramente, o 1O Encontro Inter-

nacional de Dança e Filosofia, que reuniu

nomes como Michel Bernard, José Gil e

André Lepecki, além do Projeto dança em

foco, voltado para a produção de videodan-

ça nacional e internacional.

Onqotô, a mais recente obra de Rodrigo

Pederneiras, representou outro grande mo-

mento da dança, comemorando os 30 anos da

principal companhia de dança contemporâ-

nea brasileira, o Grupo Corpo. Entre outras

estreias relevantes, está Nó, de Deborah Co-

lker, e Orfeu, que também comemorou 25

anos da Companhia Regina Miranda e Ato-

res Bailarinos, além de outros eventos impor-

tantes como Dança em trânsito, a Conferên-

cia Internacional da Dança, realizada pelo

Itaú Cultural e pelo British Council, as ações

do Cahier de la danse, do Consulado Francês,

e o mais novo, inédito e bem-vindo festival, o

Dança criança, fruto da profícua parceria

entre os pequisadores Leonel Brum e Silvia

Soter, com a Caixa Econômica Federal.

Das atrações internacionais, o parco car-

dápio oferecido aos cariocas não impede de

citar o momento histórico que foi a apresen-

tação da Martha Graham Dance Company,

ao mesmo tempo em que se prefere esque-

cer a lamentável atitude de Márcia Haydée

ao interromper o seu também lamentável

espetáculo Carmen, do Ballet de Santiago,

para reclamar publicamente das condições

do nosso principal teatro.

Entre perdas e ganhos, a dança carioca

mostrou seu fôlego em 2005. Não perdeu

seu posto de centro agregador de informa-

ção na área no País. E mostrou que, mesmo

sem a devida política em sua esfera muni-

cipal, ainda é possível fazer um ano de dan-

ça com qualidade.

MELHORES ESPETÁCULOS

H2 2005 – de Bruno Beltrão (Grupo de Rua deNiterói)Onqotô – de Rodrigo Pederneiras (Grupo Cor-po)Soma – de João SaldanhaA criação – de Uwe Scholz (Ballet do TheatroMunicipal do Rio de Janeiro)Só tinha de ser com você – de Henrique Rodo-valho (Quasar Cia. de Dança)

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

9 3

2006 CRÍTICAS

JORNAL DO BRASIL - 16 DE JANEIRO DE 2006Tradição em corpo brasileiro

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 12 DE MARÇO DE 2006Versão 2006 traz novidades importantes

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 12 DE MARÇO DE 2006Conexões em trânsito

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 19 DE MARÇO DE 2006Quando intérpretes roubam a cena

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 19 DE MARÇO DE 2006Presença de espírito do corpo

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 8 DE ABRIL DE 2006O vice-versa de Márcia Rubin

ROBERTO PEREIRA

CRÍTICA NÃO PUBLICADA 27 DE ABRIL DE 2006Espetáculo Maratona Quintana de Regina Miranda

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 4 DE JUNHO DE 2006Balé confirma talento dos bailarinos profissionais

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 6 DE JUNHO DE 2006Descompasso entre desejo e realização

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 7 DE JULHO DE 2006Frágil identidade

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 15 DE JULHO DE 2006Bertazzo se esqueceu de suas próprias lições

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 18 DE JULHO DE 2006A caminho da felicidade

ROBERTO PEREIRA

Page 94: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

9 4

JORNAL DO BRASIL - 20 DE JULHO DE 2006Entre o fio da ciência e da arte

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 22 DE JULHO DE 2006Maracanã sem a paixão e a surpresa do festival

SILVIA SOTER

O GLOBO - 23 DE JULHO DE 2006Quando a dança corre atrás do brilho da música

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 5 DE AGOSTO DE 2006Projeto corajoso traz preciosos momentos em meio a excessos

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 11 DE AGOSTO DE 2006Territórios abertos para a expressão masculina

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 28 DE AGOSTO DE 2006A força da presença do coreógrafo Bill T. Jones

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 6 DE SETEMBRO DE 2006A viagem existencialista e solitária de um coreógrafo

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 12 DE SETEMBRO DE 2006Pas-de-deux de história e renovação

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 26 DE SETEMBRO DE 2006Dança brasileira em ritmo de inovação

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 4 DE NOVEMBRO DE 2006Tradução elegante das curvas arquitetônicas modernistas

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 5 DE NOVEMBRO DE 2006As curvas de Niemeyer em corpos que dançam

SILVIA SOTER

O GLOBO - 16 DE NOVEMBRO DE 2006Carisma e talento da solista salvam a noite

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 21 DE NOVEMBRO DE 2006Para acertar o passo da dança

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 25 DE NOVEMBRO DE 2006No sentido da renovação constante

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 27 DE DEZEMBRO DE 2006Ensaios de uma política para a dança no País

ROBERTO PEREIRA

Page 95: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

9 5

Tradição emcorpo brasileiro

ROBERTO PEREIRA

cepção de dança, ou melhor, de balé, cons-

truía-se, também, uma história, um sentido

de tradição.

Hoje, além de primeira companhia, tra-

ta-se da única oficial a dedicar-se a remon-

tagens de obras do repertório clássico, de-

safio nada fácil para nós, brasileiros. Além

desses balés virem carregados de uma no-

ção de nobreza europeia que pouco falava

de nossa realidade, na época em que essa

companhia foi criada assistia-se também à

criação do samba e suas implicações físi-

cas no corpo que dançava. Desde o início,

bailarinos mal pagos no Theatro Municipal

engordavam um pouco seus cachês em

apresentações em teatros de revista, na

Praça Tiradentes. O diálogo entre o erudi-

to e o popular acontecia aqui, então, num

corpo formado pelo balé, mas que deveria

saber sambar. E isso, claro, concedia à nos-

sa tenra tradição em dança ares de uma

brasilidade como forma de legitimar essa

arte entre nós.

Além disso, grandes mitos foram cria-

dos, como é da especificidade desse tipo

de companhia. Madeleine Rosay, nossa

m 1927, a russa Maria Olenewa, baila-

rina egressa das companhias de Anna

Pavlova e Leonide Massine, conseguiu im-

plementar a primeira escola oficial de dan-

ça do País, em sua então capital federal, o

Rio de Janeiro. O propósito era, de início,

que bailarinos fossem preparados para in-

tegrar as óperas que vinham da Europa,

uma medida de economia, ao se trazer me-

nos artistas para o Brasil. Dez anos mais

tarde, em 1936, inevitavelmente, a mesma

Olenewa conseguia oficializar esse grupo,

batizando-o de Corpo de Baile, hoje, 70 anos

depois, Ballet do Theatro Municipal do Rio

de Janeiro.

Ao longo de sua história, essa companhia

foi delineando para nós uma ideia de tradi-

ção, algo ainda plenamente desconhecido

ao se pensar em dança por aqui. Primeiro, a

criação de uma escola, que garantia a for-

mação de artistas brasileiros, depois, a cria-

ção da companhia, e como consequência, a

formação gradual de um público e, ainda, a

de uma crítica jornalística que, desde o iní-

cio, já se queria especializada. Como se vê,

nesse sistema articulado de produção e re-

E

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 16 DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 16 DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 16 DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 16 DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 16 DE JANEIRO • 20066666

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

9 6

primeira bailarina genuinamente brasi-

leira, simbolizava essa mistura, dançando

Tico-tico no fubá nas pontas dos pés. Anos

mais tarde, o casal Bertha Rosanova e

Aldo Lotufo impressionavam plateias ao

estrelarem com exímia competência o

clássico O lago dos cisnes, numa primeira

montagem integral nas três Américas, as-

sinada por Eugenia Feodorova. O reina-

do absoluto da mestra Tatiana Leskova

imprimia profissionalismo, sobretudo no

corpo de baile. E assim a tradição ganha-

va, naquele templo de erudição, um corpo.

Um corpo brasileiro.

Hoje, 70 anos depois, mesmo sabendo

que para sua criação, Olenewa precisou

empenhar suas joias e tapetes para que seu

sonho se tornasse realidade, tudo parece ter

valido a pena. O empenho continua, com

todas as dificuldades de se remontar gran-

des obras, e os gastos que isso representa.

Mas a figura da bailarina clássica, por nós

popularizada pela diva Ana Botafogo, ain-

da paira num imaginário que aceita, e mui-

to bem, que uma bela adormecida desfile

numa escola de samba em plena Marquês

de Sapucaí. Esse é o nosso modo de cons-

truir nossa tradição. Vamos comemorar?

Page 97: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

9 7

Versão 2006 traznovidades importantes

Solos de Dança: Este ano, projeto no SESC apresentacoreógrafos de outros estados e investe no ecletismo de estilos

SILVIA SOTER

da iluminação ganha águas coloridas e mo-

ventes. Apesar da literalidade na forma

como o tema é tratado, tanto espacialmente

quanto em termos coreográficos, O peixe é

agradável e seduz, sobretudo, pela juventu-

de e pela energia de Rafael. Este trabalho

sugere uma outra qualidade positiva dos

Solos de dança: a possibilidade de engaja-

mento dos artistas em propostas que pela

própria situação não devem e não podem

ser pretensiosas. E Deborah Colker soube

aproveitar bem a oportunidade. Apenas ao

fim, no momento dos aplausos, Rafael erra

na mão, abandonando a simplicidade com

que conquistou o público e exagerando no

tom e na importância dos agradecimentos.

Já cai na armadilha do excesso e da pre-

tensão. A participação de Steven Harper sob

a direção de Stela Miranda inaugura a pre-

sença do sapateado nos Solos de Dança. A

peça começa bem, numa espécie de crítica

divertida ao próprio universo do sapateado

americano, mas rapidamente se desvia e sai

atirando para todos os lados, trazendo entre-

vistas de rua sobre o que as pessoas conhe-

cem de sapateado e comentários da própria

s Solos de Dança no SESC inaugu-

rar uma temporada carioca da dan-

ça contemporânea 2006 trazendo novida-

des importantes. O resultado das últimas

edições já apontava a necessidade de mu-

danças para que a proposta de proporcionar

encontros, em geral inéditos, entre intérpre-

tes e coreógrafos contemporâneos pudesse

produzir algo único, fruto destas parcerias

muitas vezes recentes e provisórias. Trazer

coreógrafos de outros estados e investir no

ecletismo de estilos foram pontos essenci-

ais para que os Solos seguissem desafiando

intérpretes, coreógrafos e público.

Nesta primeira semana da mostra, O

peixe, solo coreografado por Deborah

Colker para o jovem integrante de sua com-

panhia, Rafael Gomes, abre a noite. O Con-

certo no 5 de Vivaldi acentua a colagem de

referências que compõe a peça. Na coreo-

grafia de Deborah Colker, os passos do clás-

sico são mesclados a passos identificados

como dança contemporânea. A circularida-

de da arena do teatro é acentuada pelo es-

pelho redondo no centro da cena. O peixe

de Rafael se desloca neste lago que através

O

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE MARÇO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

9 8

diretora sobre arte contemporânea e ciên-

cia. A competência de Harper como sapa-

teador fica tolhida pela profusão de infor-

mações, pela ausência de costura entre as

ideias e pela falta de desenvolvimento de

cada elemento apresentado.

Para aqueles que vêm acompanhando

a dança contemporânea carioca, os dois úl-

timos solos da noite trazem questões inte-

ressantes sobre a relação quase simbiótica

entre coreógrafos e seus intérpretes de lon-

ga data. No terceiro solo da noite, Ana

Amélia Vianna, bailarina ícone da Márcia

Milhazes Companhia de Dança, põe sua

maestria a serviço do coreógrafo Rodrigo

Negri. Por dentro aborda o universo femi-

nino e é construída de gestos pequenos e

delicados, ao som de Heitor Villa-Lobos.

Ana Amélia transita com correção e fami-

liaridade pela proposta do coreógrafo, no

entanto, o que se percebe é a impregnação

das referências do trabalho de sua compa-

nhia de origem – na gestualidade e tam-

bém na música – sobrepondo-se e abafan-

do algo de novo que poderia surgir deste

encontro. As deficiências de Por dentro

apenas confirmam como é necessário tem-

po de convívio entre coreógrafos e intér-

pretes para que a troca de experiências

possa levar a um caminho único e interes-

sante. E como os anos de convívio deixam

marcas que também precisam de tempo

para esmaecerem.

Em Tempo líquido, coreografia de Mau-

rício de Oliveira para Maria Alice Poppe, o

que se vê é uma bailarina experiente e de

uma vitalidade rara virar uma página de

sua história. Sem abandonar o legado de sua

experiência de anos junto à Staccato, com-

panhia de dança que ajudou a fundar com

Paulo Caldas, Maria Alice inaugura nesta

peça uma outra etapa como intérprete. A

inteligente coreografia de Mauricio de Oli-

veira, nome pouco conhecido no cenário da

dança carioca, parece tratar também desta

mudança, explorando as possibilidades de

desarticulação dos movimentos para recom-

biná-los, em seguida. O corpo é investigado

sem estar submetido a regras impostas pela

própria anatomia que parece aqui também

ser colocada em questão. A tensão entre

desarticulação e recombinação que se pro-

duz no corpo da bailarina encontra perfeita

correspondência na ótima música de Tato

Taborda, fazendo de Tempo líquido o ponto

alto da noite.

Page 99: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

9 9

Conexões em trânsitoSolos de Dança no SESC abre diálogo

entre bailarinos e coreógrafos

ROBERTO PEREIRA

estreia da sétima edição do Solos de

Dança no SESC, na última quinta-fei-

ra, no Espaço SESC, em Copacabana, deixou

claro que o ponto de partida tanto da cura-

doria, realizada por Beatriz Radunsky, quan-

to das produções das primeiras quatro pe-

ças apresentadas partem dos bailarinos es-

colhidos e de suas qualidades, sobretudo téc-

nicas. Sendo esse o ponto de partida, o que

fica interessante observar é como os coreó-

grafos, quase todos trabalhando pela primei-

ra vez com aqueles corpos, estabelecem

diálogos com as informações ali existentes.

É o trânsito, portanto, entre o repertório (do

bailarino) e a assinatura (do coreógrafo)

que estabelece o jogo proposto, marca des-

sa instigante mostra que abre o calendário

de dança da cidade.

Se é, então, no trânsito que está o desa-

fio, pois dali emergem novas conexões, e

muitas vezes novos fluxos de pensamentos

de dança, vale investigar como esses jogos

se dão nos quatro trabalhos. A noite abre

com uma peça bastante frágil assinada por

Deborah Colker, para o bailarino de sua

companhia, Rafael Gomes. Em O peixe,

intenta-se uma relação fluida com a impe-

riosa música de Vivaldi, através da imagem

de um peixe, mas o que se constata é uma

construção coreográfica quase pueril de

mera sequência de passos. E como já é quase

marca da coreógrafa, a ideia fica aprisio-

nada em uma literalidade que se espalha

no gesto mimético do bailarino, na luz,

no cenário, no figurino, por toda obra, en-

fim. Até mesmo nos agradecimentos, a gran-

diloquência do que se pretende ocupa o

espaço da metáfora que escorre pelo ralo,

sem chance de fazer a ideia traduzir-se

em dança.

Já o segundo trabalho, com o sapateador

americano Steven Harper, e com a direção

da atriz Stella Miranda, propõe um check-

up da recepção do sapateado no Brasil. Se

parte metaliguisticamente do clichê dessa

recepção para justamente avaliá-lo, Harper

não percebe que acaba sucumbindo a outros

tantos clichês, sobretudo da dança contem-

porânea, linguagem com que há tempos ele

almeja dialogar. O que constrange é que a

imagem do sapateador é mais valorizada

que sua própria dança, como se essa fosse

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 12 DE MARÇO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

100

quase um pretexto para o que ele pretende

exibir, sobretudo tecnicamente. E é justa-

mente esse caráter de show que dificulta a

passagem para que a obra exista em sua

inteireza e não esteja a serviço de uma exi-

bição. Sem se dar conta, a obra reitera o que

pretenderia denunciar criticamente.

Os dois últimos trabalhos apresentados

têm em comum não apenas a excelência de

suas bailarinas, mas também a oportunida-

de que oferecem de reflexão sobre o trânsi-

to comentado anteriormente. Por dentro traz

Ana Amélia Vianna coreografada pelo jo-

vem Rodrigo Negri. A qui, a riqueza de vo-

cabulário de movimentos que a bailarina

carrega em seu corpo, elaborado através dos

anos de trabalho, sobretudo com a coreógra-

fa Márcia Milhazes, parece ter sido um en-

trave para o diálogo. Negri, bailarino que

ainda se encontra em plena formação como

coreógrafo, não possui ainda uma marca

com força suficiente para poder extrair da

diferença a riqueza de sua criação. O resul-

tado é a intransponibilidade que se impõe

pela qualidade da bailarina, deixando que

pouco se perceba qual o espaço construído

ali pelo coreógrafo.

Por fim, Tempo líquido, com Maria Ali-

ce Poppe e Maurício de Oliveira, foi, com

certeza, o grande momento dessa primei-

ra parte dos Solos. A maneira pela qual a

bailarina, que também detém um vocabu-

lário solidamente construído em seu corpo

pelos tantos anos de parceria com o coreó-

grafo Paulo Caldas, poderia inaugurar no-

vas possibilidades de movimento era, sem

dúvida, a grande expectativa da noite. O

que se pôde assistir é a conjunção perfeita

de ideias, tanto da assinatura do coreógra-

fo quanto da dança da bailarina, amalga-

mada em um corpo inteligente, que é mui-

to mais que suporte, é espaço de fluxo, é

lugar de passagem, limpo, desimpedido.

Tudo se constrói em coesão: a excelente

trilha, assinada por Tato Taborda, o figuri-

no e a iluminação são também dança, como

a bailarina. E o tempo, tema da obra, encon-

tra sua tradução em espaço preciso (e pre-

cioso) nesta que é uma das maiores baila-

rinas que esse país já produziu.

Page 101: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

101

Quando intérpretesroubam a cena

Solos de Dança: Segunda semana deprojeto é mais fraca que a primeira

SILVIA SOTER

s peças que compõem a segunda se-

mana dos Solos de Dança no SESC não

formam um conjunto tão interessante quan-

to o da semana de estreia. Como na primei-

ra parte da mostra, o ponto forte também

está nos intérpretes. Mas esta semana, a ca-

racterística em comum a quase todos os so-

los é o fato de a dança tratar de temas exter-

nos a seu próprio fazer.

O trabalho mais bem-sucedido da noite,

Abaixo do equador, coreografia de Airton

Tenório para Jean Gama, aborda a frontei-

ra entre o religioso e o profano das festas

populares, a partir do Círio de Nazaré. Apoi-

ado na segurança de interpretação do bai-

larino, Airton Tenório consegue se aproxi-

mar de seu objeto com simplicidade, sem

cair no caricato e sem abusar dos clichês.

Jean Gama transita com sobriedade nestes

corpos do ritual e do carnaval e se revela

um intérprete maduro, conseguindo transfe-

rir sua larga experiência de dançar em gru-

po para sua nova condição de solista.

É pena, no entanto, que a coreografia de

Airton Tenório não consiga realizar sempre

a costura necessária entre o vocabulário de

movimento e o tema tratado, perdendo for-

ça quando esbarra em sequências que se

parecem muito com as de aula de dança.

O encontro de duas bailarinas da mes-

ma geração, Paula Águas na posição de co-

reógrafa e Fernanda Cavalcanti no lugar

de intérprete, resultou em Eu também não

sou. Ainda que trate da situação das baila-

rinas que tiveram uma formação em balé

clássico e que migraram para a dança con-

temporânea, tema do universo da dança, a

abordagem narrativa de Paula Águas não

dá conta de trazer um novo olhar sobre a

ideia. O início da peça em que a intérprete

constrói e desconstrói uma segunda posi-

ção de braços do balé, modulando o tônus

e a direção de seus gestos, sugere um cami-

nho interessante que, infelizmente, a core-

ógrafa abandona em seguida. A busca de

se fazer entender pelo espectador fez a

coreógrafa partir para um tratamento bas-

tante didático do tema o que acabou por

esvaziar Eu também não sou. Mesmo assim,

resta o prazer de ver a precisão e delica-

deza da movimentação de Fernanda

Cavalcanti.

A

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANE IRO • DOMINGO • 19 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 19 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 19 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 19 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 19 DE MARÇO • 2006

Page 102: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

102

OPNI – objeto poético não identificado

é a única peça da noite que parte de uma

démarche distinta das outras. O coreógrafo

mineiro Rui Moreira, a convite de João Pau-

lo Gross, inspirou-se no barroco, no exagero

de linhas, círculos e espirais para criar este

solo, a peça mais densa da noite. A circula-

ridade dos gestos de braços e a repetição das

espirais que se inserem em planos do espa-

ço distintos a cada vez, sugerem uma gran-

de influência de Paulo Caldas na movimen-

tação do talentoso João Paulo Gross. A tri-

lha sonora acentua a repetição e os desdo-

bramentos provocados a cada nova investi-

da. Ainda que a repetição seja um elemen-

to central nesta coreografia de Rui Moreira,

o trabalho se beneficiaria se fosse mais en-

xuto e não se estendesse demais no tempo.

Fechando a noite, Curta-metragem cria-

do por Ana Andréa para Fernanda Reis traz

a dança para “falar” de cinema. A proposta

é explorar alguns gêneros de filmes através

da música, do clima e, como não podia dei-

xar de ser, da qualidade de movimentação

da intérprete. Infelizmente, a relação que a

coreógrafa pretende criar entre a dança e o

cinema se dá de forma muito superficial e

caricata. A escolha dos gêneros e das trilhas

sonoras não ajuda a aprofundar a proposta,

se restringindo a seus aspectos mais óbvios.

A peça exige qualidades teatrais que Fer-

nanda Reis ainda não desenvolveu e, ao

mesmo tempo, não aproveita bem suas evi-

dentes qualidades de bailarina.

O exercício de combinar intérpretes e

coreógrafos em encontros inéditos é sempre

arriscado. Este risco deve ser entendido

como uma qualidade e um importante ali-

mento para que os Solos de Dança cheguem

a mais uma edição sem perder seu interes-

se. Como cada peça é criada para o evento,

cada semana dos Solos de Dança reserva

surpresas ao público. Às vezes, esta mistura

inédita resulta em encontros férteis e pro-

dutivos, outras vezes fica evidente a neces-

sidade de um desenvolvimento maior das

colaborações para que as danças criadas

cheguem mais maduras à cena.

Page 103: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

103

Presença deespírito do corpo

Talento e técnica de bailarinos superamfragilidade de coreografias nos Solos de Dança

ROBERTO PEREIRA

qualidade irretocável dos quatro bai-

larinos que se apresentam na segun-

da parte da mostra Solos de Dança no SESC,

que estreou nesta última quinta-feira no Es-

paço SESC, em Copacabana, denuncia uma

lacuna séria na formação de coreógrafos,

não apenas no Rio de Janeiro, mas certa-

mente em todo o País.

O que ficou evidente foi que força advin-

da das aptidões tanto técnicas quanto dra-

máticas de Jean Gama, Fernanda Cavalcan-

te, João Paulo Gross e Fernanda Reis con-

seguiu, para alívio do público, sobrepujar o

que ali se configurava como elaboração

coreográfica, ao todo bastante frágil. Uma

prova dessa fragilidade está, justamente, na

necessidade quase ingênua de uma narrati-

vidade, marcada principalmente pelo exces-

so de recursos cênicos, em quase todos os

trabalhos apresentados.

Abaixo do Equador abre a noite, com

Jean Gama coreografado pelo notável pro-

fessor A irton Tenório. A honestidade que

permeia todo o solo constrói um universo

fortemente masculino muito bem interpre-

tado pelo bailarino. Assim, as referências às

manifestações populares, como o Círio de

Nazaré, indiciado pela corda, por exemplo,

já possuem uma densidade imagética que

poderia ter sido mais bem desenvolvida por

Tenório. No lugar disso, o coreógrafo prefe-

riu se apoiar no figurino, nos elementos cê-

nicos e, sobretudo, na música para contar sua

história, não percebendo a riqueza de pos-

sibilidades ofertadas somente no corpo que

ali se movimentava.

O segundo trabalho é de autoria da

grande bailarina Paula Águas, para outra

bailarina, a ótima Fernanda Cavalcanti:

Eu também não sou. Se a intenção era

abordar justamente a imagem da bailari-

na, universo compartilhado por Paula e

Fernanda, com citações bastante óbvias

tanto da técnica quanto de obras do balé

clássico, tentando em seguida se dissolver

numa suposta “dança contemporânea”,

essa intenção não apresentou coesão su-

ficiente para sustentar os 15 minutos da

obra. E, novamente, o excesso da cena que

circunda o corpo da excelente bailarina

sufoca suas capacidades que permanecem,

infelizmente, em estado latente.

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE IRO • DOMINGO • 19 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 19 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 19 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 19 DE MARÇO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 19 DE MARÇO • 2006

Page 104: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

104

O. P. N. I – Objeto poético não identifi-

cado, dançado pelo novo talento João Pau-

lo Gross e assinado pelo bailarino e, segun-

do o programa, “investigador cultural” Rui

Moreira, é o trabalho, de todos os trabalhos

apresentados, que menos investe na narra-

tiva. A ideia era revisitar o barroco, mas o

que se vê é uma construção coreográfica

com fortes tons modernos. O início do solo

sugere um claro-escuro que poderia ter es-

tabelecido uma ponte interessante entre

esse moderno e o barroco pretendido, mas

que logo se desmancha sem conseguir es-

boçar uma ideia. E o vigor do jovem baila-

rino não encontra seu lugar na elaboração

coreográfica.

Por fim, Curta-metragem marca o encon-

tro novamente de duas grandes bailarinas:

a experiente Fernanda Reis e a inquieta

Ana Andréa. Aqui, o excesso do linear e do

facilmente identificável não funciona como

matéria-prima para falar da linguagem do

cinema, funcionando como mero recurso

que aponta diretamente para objeto sobre

o qual se quer falar. E o narrativo espraiado

na música, no figurino e, sobretudo, na ilu-

minação implode com o que seria um desa-

fio de ser construído no corpo repleto de

história da bailarina Fernanda.

A mostra Solos de Dança no SESC, ao

promover encontros inéditos entre bailari-

nos e coreógrafos, instaura questões sempre

instigantes para a dança carioca. Nessa edi-

ção, duas ficaram claras: a primeira é a de

que existe ainda uma necessidade de uma

formação mais sólida de novos coreógrafos;

e a segunda, talvez causa ou talvez conse-

quência da primeira, é a de que existe uma

crença de que ser coreógrafo é ser algo a

mais do que simplesmente bailarino. Os

quatro excelentes bailarinos que se apresen-

taram nessa noite puderam provar muito

bem que se trata de um equívoco. Ao detec-

tar esses problemas, já vale a mostra.

Page 105: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

105

O vice-versade Márcia Rubin

Teatro é dança e dança é teatro na gramática de Teorema,espetáculo da coreógrafa inspirado na poesia concretista

OBERTO PEREIRA

Centro Cultural do Banco do Brasil

abriu nesta quinta-feira sua única in-

vestida anual no mundo da dança: a mostra

4 Movimentos, que neste ano é temática,

apresentando obras que relacionem a arte

coreográfica à literatura. Na verdade, tra-

ta-se de um formato já experimentado pelo

extinto e saudoso festival Dança Brasil, do

próprio CCBB, que inclusive, no ano de 1997,

em sua primeira edição, já propunha a mes-

ma relação entre dança e literatura, perpas-

sado por um pensamento de curadoria bas-

tante apurado.

Para a abertura da mostra, foi convida-

da a coreógrafa e bailarina carioca Márcia

Rubin, que apresenta seu Teorema até ama-

nhã, às 19 horas. A qui, a ideia original se-

ria uma pesquisa sobre a poesia concreta,

movimento liderado pelos irmãos Campos,

Haroldo e Augusto, e Décio Pignatari na dé-

cada de 1950, e que propunha, entre outras

coisas, uma relação pictórica e lúdica com a

palavra escrita no poema. Bastante instigan-

te, tal desafio, entretanto, não parece ter sido

levado a cabo pela coreógrafa, que mostra

sua pesquisa ainda em pleno processo de

elaboração. Nem por isso, seu trabalho dei-

xa de suscitar questões importantes.

Mais do que estabelecer conexões com

a literatura, interesse antigo na carreira de

Márcia, que já trabalhou com o universo

poético de Ana Cristina César, por exemplo,

Teorema apresenta uma íntima relação com

uma outra linguagem, o teatro, fazendo do

espetáculo um mapa de investigação que

coloca a palavra entre o gesto e o movimen-

to de dança. Nada mais concreto. Um acer-

to, portanto.

Márcia Rubin, além da literatura, sempre

flertou com o teatro, não apenas em seus pró-

prios trabalhos, que contavam com atores em

cena, tal como acontece com esse, mas em

trabalhos em que participa como diretora de

movimento para atores. Sua competência

nesse tipo de articulação parece tê-la habili-

tado a compor sua assinatura coreográfica

como suporte de uma trama onde teatro e

dança são interstícios de uma mesma cena,

sempre ricamente estruturada.

Ao lado de dois competentes atores,

César Augusto e Oscar Saraiva, ambos já

familiarizados com o formato cênico da co-

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 8 D E A B R I L • 2 0 0 6• S Á B A D O • 8 D E A B R I L • 2 0 0 6• S Á B A D O • 8 D E A B R I L • 2 0 0 6• S Á B A D O • 8 D E A B R I L • 2 0 0 6• S Á B A D O • 8 D E A B R I L • 2 0 0 6

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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reógrafa, Márcia coloca no palco uma bela

questão: como o gesto dos atores se trans-

forma em movimento dançado pela baila-

rina? E como isso se processa em vice-ver-

sa? O que parece ficar bastante evidente é

que existe ainda um largo trajeto a ser con-

quistado para que as competências de

quem dança e de quem atua estejam em

absoluta sintonia. O que ainda por vezes se

torna evidente, sobretudo nos momentos

mais coreografados, é que o movimento

marcado não está ainda organicamente as-

similado pelos atores, deixando que a opor-

tunidade de mantê-los apenas como gesto

se esvaia. E essa brecha é ainda mais acen-

tuada, por exemplo, com o complicado fi-

gurino usado por Márcia, que destoa de

modo drástico daquele usado pelos atores:

o que poderia ser um diagrama de ideias

torna-se fissura nas continguidades entre

dança e teatro.

Assim, o que parece unir esses dois univer-

sos é a própria palavra, transformada em cam-

po comum entre os dois atores e a bailarina/

coreógrafa. Quem acompanha a trajetória de

Márcia Rubin, pode perceber que sua inteire-

za em Teorema está toda em cena, não ape-

nas como artista, mas como mulher, mãe, pro-

fessora, e, sobretudo, como pensadora da cena

contemporânea. Trata-se, portanto, de uma

grafia de sua vida. No namoro com a literatu-

ra, é possível falar aqui em bio-coreografia.

E é justamente nos hifens entre bio, coreo e

grafia que esse espetáculo emociona.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Espetáculo Maratona Quintanade Regina Miranda

OBERTO PEREIRA

aratona Quintana, último espetá-

culo da mostra de dança 4 Movi-

mentos, do CCBB, estreou nesta quarta-feira

trazendo a marca da coreógrafa carioca Re-

gina Miranda e suas conhecidas hibridações

cênicas com dança, teatro, psicanálise e, nes-

te caso, literatura. Aqui, o poeta gaúcho Ma-

rio Quintana foi chamado à cena para ocu-

par um lugar que deveria ser o destaque no

espetáculo, desafio bastante complicado nes-

sas investidas de traduções entre linguagens

artísticas. E é justamente em como sua lírica

é tratada nessas hibridações o ponto frágil

neste solo assinado por Miranda, responsá-

vel por sua direção e pelo texto.

A idealização, a interpretação e a cria-

ção de movimento (ao lado de Camila Fer-

si) foram os três ofícios que ficaram a car-

go da jovem Natasha Corbelino, que de-

monstrou em seu desempenho uma imatu-

ridade constrangedora na difícil tarefa de

estar sozinha num palco, dançando, atuan-

do e, até, cantando (outras três importan-

tes habilidades).

Se tais ofícios forem observados com acui-

dade, alguns sérios problemas saltariam aos

olhos, a começar pela chamada “criação de

movimento”, passaporte para esse espetácu-

lo poder constar na programação de uma

mostra de dança. Coreograficamente pueril,

quase óbvio e quase elementar, lembrando

exercícios de sala de aula, o que se configura

ali como pesquisa beira o inacreditável,

quando se pensa no lugar que ocupa, ou seja,

um palco de um dos mais importantes cen-

tros culturais da cidade. O que torna tal “cri-

ação” ainda mais problemática é que o cor-

po da atriz/bailarina (?) não possui maturi-

dade técnica para executá-la, deixando que

a pouca qualidade de movimento transforme-

se em algo ainda mais postiço, não incorpo-

rado e, também aqui, não poético.

Já a “interpretação” fica fadada à incom-

preensibilidade do texto de autoria de Mi-

randa, que carrega em tons psicologizantes

a poética de Quintana. Num registro de le-

genda entre fala e gesto, Natasha parece ter

confundido literatura com literalidade. As-

sim, o que não se consegue, por pura falta

de habilidade, no que se apresenta como

sendo dança, tenta-se apressadamente recu-

perar no que sobra como teatro. Não há re-

M

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRAQUINTA-FEIRAQUINTA-FEIRAQUINTA-FEIRAQUINTA-FEIRA • • • • • 27 DE ABRIL • 200627 DE ABRIL • 200627 DE ABRIL • 200627 DE ABRIL • 200627 DE ABRIL • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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lação entre as duas linguagens. E, novamen-

te, o poético se esvai.

Por fim, a “idealização” do espetáculo: o

intrincado processo de tradução entre lin-

guagens artísticas, ou “transcriação”, como

quis outro poeta, exige que o artista conhe-

ça suficientemente bem os universos com os

quais elegeu trabalhar. Nada como o tem-

po para isso, coisa que Regina Miranda cer-

tamente conhece, como evidenciam seus

tantos trabalhos que trazem essa marca.

Em Maratona Quintana, entretanto, não

existe esse tempo, nem o processo de cons-

trução dele, nem o lugar propício. O corpo da

atriz/bailarina precisa antes aprender qual

é sua habilidade, para somente então se lan-

çar a tantas tarefas difíceis. A maturidade de

Miranda não dialoga com a imaturidade de

Corbelino. E nem como processo isso se insi-

nua. E a poética de Quintana, desse modo, não

poderia estar também em nenhum lugar e

em nenhum tempo do espetáculo.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Balé confirma talentodos bailarinos profissionais

OBERTO PEREIRA

Ballet do Theatro Municipal do Rio de

Janeiro comemora seus 70 anos apos-

tando no futuro, mas sem deixar de olhar seu

passado. Ao menos foi isso que se pôde ver

na estreia de Coppélia, na quinta-feira, por

si só uma ótima escolha para festejar uma

data tão importante para esta que ainda é a

primeira e a única companhia de balé clás-

sico do País.

Coppélia é importante para a história do

Theatro Municipal por várias razões. Como

vem sendo apresentado desde a década de

1950, em diferentes versões, transformou-se

em ótima oportunidade para revelar novos

talentos da casa, sobretudo por seu papel

feminino, Swanilda. Eleonora Oliosi e Ana

Botafogo são dois belos exemplos, duas de

nossas melhores intérpretes que deixaram

sua marca na história da companhia justa-

mente por seu desempenho neste balé.

Como não poderia deixar de ser, a ver-

são desse ano revelou para o público cario-

ca o nome de Karina Dias, que mostrou, na

estreia, possuir todos os atributos para uma

verdadeira primeira bailarina. Tecnicamen-

te impecável, tem timing para as pantomi-

mas, como foi comprovado no 2º ato, quan-

do contracena com Dr. Coppelius (muito

bem construído por Paulo Arguelles). Vitor

Luiz, como Franz, pôde apenas mais uma

vez mostrar que é nosso primeiro bailarino,

já que a cada temporada se mostra mais se-

guro e artisticamente mais refinado.

Entretanto, se os papéis principais foram

muito bem desempenhados, o mesmo não se

pode falar do corpo de baile, que carece ain-

da de maior acuidade em sua coesão. Pelas

constantes trocas de direção artística que a

companhia sofreu recentemente, é justa-

mente no conjunto que se vê refletidas suas

consequências. Nada grave, apenas uma

questão de afinação.

Este é o primeiro resultado da curta ges-

tão de Marcelo Misailidis à frente da dire-

ção. Bailarino que se formou artisticamen-

te no próprio Theatro Municipal, conhece

seus meandros e sua história. A julgar pela

noite de estreia, tão emocionante com as ho-

menagens aos 25 anos de carreira de Ana

Botafogo e ao excelente Dennis Gray, fale-

cido no ano passado e um dos maiores Dr.

Coppelius que esse mundo já conheceu, os

sete meses que ainda restam a Misailidis

prometem. Passado, futuro, história e tradi-

ção: quando se fala em balé, esse movimen-

to parece ser mesmo fundamental.

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE I RO • DOMINGO • 4 DE JUNHO • 2006R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 4 DE JUNHO • 2006R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 4 DE JUNHO • 2006R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 4 DE JUNHO • 2006R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 4 DE JUNHO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Descompasso entredesejo e realização

OBERTO PEREIRA

extensão do corpo em sua relação coma tecnologia parece ser mesmo um

tema inevitável para a dança contemporâ-nea que investiga a imagem através das no-vas possibilidades midiáticas. E é nesse de-sejo que se insere o trabalho da coreógra-fa gaúcha, residente no Rio de Janeiro, An-dréa Maciel. Ao longo de sua carreira, acultura pop esteve sempre presente, fun-cionando como uma marca que se afina aosregistros que o ambiente virtual tem a ofe-recer à cena que constrói. Essa é sua pes-quisa e sua assinatura.

Seu mais novo trabalho, Gravidade zero,estreado no último dia 2 e que fica em tem-porada até o dia 18 de junho, na Sala Multiu-so do Espaço SESC, em Copacabana, tambémnão escapa desse seu desejo. Mas sucumbe aele. Tecnologia fica fora do corpo que dança,um corpo que ainda precisa se construir apartir de algo que parece lhe ser mais pre-mente nesse momento: a própria técnica.

Se a vontade é estabelecer contatos en-tre dança e vídeo, essas linguagens perma-necem ainda justapostas em Gravidade

zero. Não há a técnica que faz a tecnolo-gia ser incorporada e o vídeo se tornamero adereço. Nenhuma nova possibilida-de se apresenta e a tal gravidade, mesmonos truques quase primários de imagem,está lá, bem presente, mas longe do zero,como intenta o título da obra.

Desvelando ainda mais o descompas-so, todo o investimento metalinguísticode um espetáculo que se revela falandodele mesmo é ainda mais postiço. As bai-larinas que acompanham a experienteAndréa Maciel carecem de ajustes bási-cos que só a maturidade poderia conce-der. Ouvi-las conceituar sobre a felicida-de, por exemplo, ou combinar sequênciasde movimentos como se estivessem numensaio, soa quase pueril, deixando esca-par não o “de dentro” do espetáculo, massim sua fragilidade mais óbvia.

Nesse sentido, mesmo a pesquisa coreo-gráfica precisaria ser repensada. AndréaMaciel, ótima bailarina e inteligente coreó-grafa, sempre indiciou em suas obras uminstigante percurso de qualidade de movi-mento, que assumia sua relação com o popao mesmo tempo em que oferecia um novoolhar sobre ele. Em Gravidade zero, tudoparece reciclagem do que ela já tanto ex-perimentou. Mas reciclagem que assim per-manece, sem resultar em novo produto.

Pelo uso da tecnologia que escolheu, acoreógrafa talvez necessitasse rever o que,antes, se materializa como técnica em seucorpo e transformá-la em ideia. Ou seja,precisa entender que para lançar-se à aven-tura de ser pós-moderna, ou contemporânea,teria que revisitar o que o moderno ainda

poderia lhe render.

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 6 DRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 6 DRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 6 DRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 6 DRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 6 DE JUNHO • 2006E JUNHO • 2006E JUNHO • 2006E JUNHO • 2006E JUNHO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Frágil identidade

OBERTO PEREIRA

Algumas cenas permanecem em esta-

do latente, solicitando à coreógrafa que as

dissolva em dança. A questão da frontali-

dade, por exemplo, um mal que assola a

dança cênica há tantos séculos e que bidi-

mensionaliza os corpos em cena, é um belo

tema a ser explorado, mas se desmancha

sem se ajustar, sequer, à questão da identi-

dade. Seria o caso, aqui, de se falar de uma

identidade da dança? O que essa frontali-

dade nos acusa e nos causa como pensa-

mento, como dança?

Dani Lima parece experimentar possi-

bilidades e expor seus experimentos ao pú-

blico, deixando-os em estados mesmo de

meras possibilidades. A pergunta é se isso

não pode se transformar em maneirismo

dela mesma, que contaria sempre com a

eficácia de truques na cena e deixaria a

coragem para aprofundamentos – coreográ-

ficos, inclusive – em segundo plano.

Para que não se transforme em um da-

queles indecifráveis, e por isso mesmo pou-

co eficazes, manuais de instruções que acom-

panham nossos produtos de consumo, seu

novo espetáculo mereceria traçar uma re-

lação mais exata entre o que se discute e o

que se apresenta. Para que nós, e até os pró-

prios bailarinos, saibamos para que servem

todos os comandos de ação naquela dança

que ali se apresenta.

anual de instruções é o novo espetá-

culo da coreógrafa carioca Dani Lima,

em temporada no Teatro Nelson Rodrigues

até domingo. Na verdade, ele faz parte de um

projeto maior, denominado Vida real de 3 ca-

pítulos, que conta ainda com uma performan-

ce e uma instalação. Costurando as três ações,

a discussão sobre a identidade torna-se tema

central que, aliás, já faz parte das investiga-

ções artísticas de Dani desde seu espetáculo

anterior, Falam as partes do todo?.

Em Manual de instruções, entretanto, a

identidade aparece problematizada em ou-

tros modos de pensá-la, denunciando, inclu-

sive, suas perguntas no próprio corpo que

dança. Nesse sentido, outro elemento, bas-

tante caro à dança, ganha a cena: o espaço e

suas implicações tanto físicas (para esse

corpo) quanto simbólicas (para essa dança).

O problema, justamente, é como essas

duas questões, identidade e espaço, se articu-

lam no espetáculo. Algumas vezes, o que pa-

rece é que Dani Lima ficou atada em seu

levantamento de dados sobre essas questões,

denunciando a séria pesquisadora que sem-

pre foi, mas que não conseguiu transformá-

los em matéria-prima de sua obra. O resulta-

do permanece quase que como uma justapo-

sição de elementos que ora se ajustam à ideia

de identidade e ora à de espaço. E a dança,

intercambiante, cambaleante, não se dá.

M

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO R IO DE JANEIRO R IO DE JANEIRO R IO DE JANEIRO R IO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 7 DE JULHO • 2006• SEXTA-FEIRA • 7 DE JULHO • 2006• SEXTA-FEIRA • 7 DE JULHO • 2006• SEXTA-FEIRA • 7 DE JULHO • 2006• SEXTA-FEIRA • 7 DE JULHO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Bertazzo se esqueceude suas próprias lições

OBERTO PEREIRA

alvez uma trilha bastante intrigantepara se entender o espetáculo Milá-

grimas, concebido e dirigido por Ivaldo Ber-tazzo, seja aquela aberta pelo pequeno dis-curso proferido pela representante da áreade cultura da maior empresa brasileira, pa-trocinadora desse projeto de São Paulo, cha-mado Dança Comunidade. Convidada pelopróprio coreógrafo a falar na noite de es-treia para convidados, na última terça-fei-ra, no SESC Tijuca, suas palavras foram re-veladoras no que tange um ponto funda-mental que pode nos ajudar a pensar emcomo esse espetáculo – ou projeto – deveser assistido pelo público. Vamos a ele.

Apresentado como uma companhia pro-fissional de dança, sua qualidade seria, segun-do esse discurso, “igual ou melhor” se compa-rada a outras companhias de dança contem-porânea profissionais do País. Se assim for,nosso olhar deveria ficar livre, definitivamen-te, de qualquer resquício de algo que se co-necte com o fato de se tratar de um projetosocial. Questão antiga e empoeirada, desdeque projetos sociais com dança pulularam aofinal da década passada, ela faz com que oentrecruzar de especificidades da arte (dadança) e do social clame ainda por revisões.

Desse modo, aliando profissionalismo econtinuidade (outro item mencionado nodiscurso), o olhar que se dirige ao espetácu-lo, com “bailarinos profissionais”, não deve

ser complacente com o que ali fragilmentese organiza. Para atermos apenas a um dado,o que se constrói naquele corpo-cidadão,usando uma ideia bertazziana, é um mistopouco eficaz de técnicas que resulta quaseque num espetáculo de justaposições. Nãohá amálgama possível que faça falar sobreo tema que se propõe, ou seja, a África.

Resultado: ficamos esbarrando nas cita-ções de danças. Estão lá a dança indiana, aafricana, o balé, o funk, o jazz, adornadoscom o que supostamente seria “africano”para nós. A questão é se essas danças estãomesmo construídas habilmente como técni-ca naqueles corpos e não como adereço parao discurso que se intenta. Bertazzo pareceter sucumbido, infelizmente, ao passo dedança. E, com ele, a todas as suas mazelas,como a praga da frontalidade e da simetriaperspectívica, por exemplo.

Falta ali o que o educador Bertazzo sabefazer com destreza: falta coreograficamen-te ser coerente, a partir de um corpo que,sabemos nós, não muda seus registros assimtão rapidamente para dar conta de um dis-curso que se impõe. Se falta antes essa ques-tão primordial da educação, não se pode –ou não se deve – falar de uma suposta com-panhia profissional. Nada que diminua aimportância do projeto. Mas que a sinalizenuma outra dimensão, também cara à dan-

ça e, por que não, à arte.

T

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 1 5 D E J U L H O • 2 0 0 6R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 1 5 D E J U L H O • 2 0 0 6R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 1 5 D E J U L H O • 2 0 0 6R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 1 5 D E J U L H O • 2 0 0 6R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 1 5 D E J U L H O • 2 0 0 6

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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A caminho da felicidade

OBERTO PEREIRA

renderiam alguns outros tantos espetáculos,

se devidamente buriladas. Há ainda resquí-

cios de uma dança quase frontal, que esbo-

ça um sorriso para a plateia, cacoetes de

uma antiga forma de dançar que ainda as-

sola as academias de balé do nosso país. Mas

há também uma qualidade inegável de

quem sabe o que está fazendo.

Tal qualidade pode ser flagrada, sobretu-

do, na excelente performance de dois bailari-

nos da companhia, Rodolfo Saraiva e Márcio

Jahú, que carregam em sua movimentação a

propriedade do que Laerte intenta em sua

dança de rastros históricos. Mas não rastros

que apontam para o passado, mas aqueles que

se lançam em possibilidades para o futuro.

Carlos Laerte merece nossa atenção

pelo que ainda pode ser, pelo que suporta

como potencialidade. Esse futuro, embre-

nhado de história, que nos faz ler um pouco

da dança dessa cidade, já está em Relações.

Esse espetáculo, portanto, deve ser conside-

rado apenas como uma primeira via de aces-

so a uma assinatura coreográfica ainda a ser

alcançada, nessa rede de relações de dança

que se pretende tecer.

m Relações, espetáculo que o jovem

coreógrafo carioca Carlos Laerte

apresenta com sua também jovem Laso

Companhia de Dança, no Teatro Carlos

Gomes até o dia 27 deste mês, rastros de uma

dança que poderia ser chamada de “tipica-

mente carioca” são revelados.

Bailarino egresso das companhias de Re-

nato Vieira e Deborah Colker, Laerte arrasta

consigo, em sua franca habilidade coreográfi-

ca, vestígios físicos e cênicos daqueles com

quem teve longo contato artístico. De Renato,

uma forma de fazer dialogar no corpo estru-

turas de balé, jazz e dança contemporânea,

numa ainda busca de como isso se configura

como vocabulário de movimento. E de Debo-

rah, um vigor cênico que coloca os bailarinos

e o público em estado de constante prontidão.

Neste espetáculo, entretanto, consegue-

se vislumbrar um modo próprio de articu-

lação desses elementos que estão na histó-

ria da dança de Laerte, o que concede ao

seu trabalho uma curiosa, ainda que muito

tenra, identidade coreográfica. Percebe-se

um jorro incontrolável de ideas, típico da-

queles que se iniciam nessa arte, e que

E

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • • • • • TERÇA-FEIRATERÇA-FEIRATERÇA-FEIRATERÇA-FEIRATERÇA-FEIRA • 18 DE JULHO • 2006 • 18 DE JULHO • 2006 • 18 DE JULHO • 2006 • 18 DE JULHO • 2006 • 18 DE JULHO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

114

Entre o fio da ciência e da arte

OBERTO PEREIRA

mesma ideia. A bailarina americana Isado-

ra Duncan, a grande iniciadora de uma dan-

ça moderna, que diz ter vindo da lua, compa-

rece como uma nave que redimensiona es-

paços no corpo, na cena, e nas metáforas da

vida. Tudo se encaixa com uma justeza fina

em cena: ciência, arte, humor, dança, disser-

tação de mestrado, vídeo, trilha sonora...

Apenas dois ajustes poderiam ser repen-

sados. O primeiro deles é a citação da dan-

ça de Isadora, que poderia ser mais bem

estudada por Jabor. Detalhes coreográficos

importantes de execução deveriam ser le-

vados em conta, porque cabem na precisão

do espetáculo e são hoje detalhes acessíveis

aos pesquisadores. E o segundo é o tempo

(essencial para se falar de espaço, não?) do

próprio espetáculo, que se dilata e, algumas

vezes, rediz o que já está lá elucidado. A

metáfora não comporta redizeres...

Pela inteligência que se articula nesse

espetáculo-dissertação, vale a pena assistir

ao espaço que ali se inaugura. A dança faz

dele matéria-prima. E devolve para a ciên-

cia noções que poderiam fazer de qualquer

astronauta um exímio bailarino.

e a ideia da metáfora parte sempre de

sua relação com o corpo, como defen-

dem os autores George Lakoff e Mark John-

son (no livro Metáforas da vida cotidiana), o

novo espetáculo de Andréa Jabor e Ricky Sea-

bra, Isadora.orb, em temporada na Caixa Cul-

tural até dia 23 deste mês, parece ser um lugar

privilegiado de constatação dessa premissa.

Para se falar do espaço, aquele dos astro-

nautas, foi configurado cenicamente um

outro espaço, aquele da dança e da arte.

Metaforicamente, ainda um terceiro espa-

ço se compôs: aquele cravado entre signifi-

cante e significado, onde a criação respira.

Isadora.orb, que tem como subtítulo A me-

táfora final, estabelece um contato entre o

fio da ciência e o da arte, não sem provocar

curtos-circuitos interessantes.

Pensar a exploração do espaço como pos-

sibilidade não apenas para astronautas, mas

para artistas, para que esses experienciem,

por exemplo, a noção de gravidade zero, foi

o ponto de partida. O resultado foi desde uma

dissertação de mestrado, de Seabra, até esse

espetáculo que encontra na dança de Jabor

sua tradução. Quase que interfaces de uma

S

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA• 20 DE JULHO • 2006• QUINTA-FEIRA• 20 DE JULHO • 2006• QUINTA-FEIRA• 20 DE JULHO • 2006• QUINTA-FEIRA• 20 DE JULHO • 2006• QUINTA-FEIRA• 20 DE JULHO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

115

Maracanã sem a paixãoe a surpresa do festival

Dínamo: O esporte é tema de duascoreografias com resultado desigual

ILVIA SOTER

lho em que o esporte serve como inspiração

para a movimentação. Já no terceiro movi-

mento, quando a dança ganha a parede ver-

tical no fundo da cena, Deborah Colker

explora com êxito as possibilidades do supor-

te só viáveis por essa outra relação com a gra-

vidade. A coreógrafa sublinha a potência

gráfica da dança e a parede de Velox trans-

forma-se numa bonita tela onde os corpos que

dançam constroem seus desenhos. O último

movimento de Velox é um gol de placa.

Em Maracanã, há também uma parede

vertical ao fundo, neste caso, representando

as linhas de um campo de futebol. Os baila-

rinos também se apoiam nela, desta vez

usando a técnica de rappel, suspensos pela

cintura através de um cabo. O futebol é tema

e, também aqui, serve de fonte para a movi-

mentação. Ora os bailarinos reproduzem

gestos que remetem ao esporte como o chu-

te, o drible e mesmo a formação da barrei-

ra, ora transformam-se, por exemplo, em

bola. A chuteira aparece como sapatilha de

ponta nos pés de Renata Versiani que bate

um bolão em sua movimentação clássica.

Mas, diferente do que ocorre em Velox, Ma-

les são lindos, atléticos, têm cabelos

bem cortados e parecem saídos de

uma revista de moda internacional. Dançam

muito bem e encantam o público com a pre-

cisão com que realizam suas proezas. É a

Companhia de Dança Deborah Colker que

faz sua temporada anual no Teatro João Cae-

tano. Dínamo reúne as coreografias Velox, de

1995, e Maracanã, criada em 2006 para inte-

grar o projeto cultural da Copa do Mundo.

Unindo as duas peças, há mais do que o

fato de terem o esporte como tema. Deborah

Colker trabalha desde a criação de sua com-

panhia com um grupo de competentes cola-

boradores estáveis como Gringo Cardia, que

assina a direção de arte de ambas as peças, e

os músicos Berna Ceppas e Sergio Mekler,

responsáveis pela direção musical. Junto com

a coreógrafa, esta equipe compõe o projeto

estético da companhia que se afirma a cada

nova criação como marca registrada.

Pode-se dizer que Velox tem três movi-

mentos. Nos dois primeiros, os gestos espor-

tivos – do atletismo à natação – se associam

a gestos cotidianos, e a beleza dos corpos atlé-

ticos é ressaltada numa coreografia sem bri-

E

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOR I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 2 2 D E J U L H O • 2 0 0 6R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 2 2 D E J U L H O • 2 0 0 6R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 2 2 D E J U L H O • 2 0 0 6R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 2 2 D E J U L H O • 2 0 0 6R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 2 2 D E J U L H O • 2 0 0 6

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

116

racanã não consegue ir muito além de uma

investida literal. Mesmo a parede não se

integra ao que se desenvolve sobre o palco.

A frontalidade excessiva das coreografias

impede a incorporação do plano vertical

como continuação da cena, do campo.

Deborah e sua equipe extraem deste

esporte a sofisticação visual das formas, das

bandeiras e dos uniformes, mas não conse-

guem despertar a paixão e a surpresa que

são bem-vindas quando se trata de dança e

de futebol.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

117

Quando a dança correatrás do brilho da música

Milágrimas: Projeto social tocado por Ivaldo Bertazzoprecisa ser diferenciado do resultado cênico

ILVIA SOTER

ça profissional e estável. Já Bertazzo, de for-

ma mais lúcida e realista, afirma estar foca-

do na formação de professores que poderão

no futuro multiplicar suas ações, difundindo

seus ensinamentos em suas comunidades de

origem. Esta aparente confusão está na base

de muitas ações sociais através da arte, so-

bretudo, quando o resultado dessas ações é

colocado em cena na forma de um espetá-

culo grandioso, contando com a colaboração

de importantes artistas da música e da dan-

ça profissional. E isso tende igualmente a

determinar o tipo de olhar que se porta so-

bre o espetáculo. Se por um lado, só a persis-

tência e a continuidade de iniciativas como

a de Bertazzo já merecem reconhecimento

e comemoração, por outro lado, é necessá-

rio que esta percepção não acabe por enco-

brir a qualidade do que é levado em cena.

Como aconteceu em Samwaad, peça

anterior do mesmo grupo, o encontro musi-

cal antecedeu o espetáculo. A convivência

de músicos africanos e brasileiros está na

origem da bela trilha sonora da peça, sob

direção de Benjamin Taubkin e Arthur Nes-

trovski. Enquanto em Samwaad, Bertazzo

frente de seu projeto Dança Comuni-

dade, Ivaldo Bertazzo é um dos pou-

cos remanescentes do movimento que asso-

cia dança e ação social que teve, no Rio de

Janeiro, seu auge no início dos anos 2000. O

coreógrafo esteve por três anos no Rio onde

criou o Corpo de Dança da Maré junto ao

Centro de Estudos e Ações Solidárias da

Maré (Ceasm), e onde produziu três espetá-

culos em que este Corpo de Dança conviveu

em cena com atores, cantores e músicos pro-

fissionais. De volta a São Paulo, Bertazzo re-

petiu a experiência associando-se a ONGS

locais e inaugurou o projeto Dança Comuni-

dade, que apresenta no ginásio do SESC da

Tijuca – mesmo espaço que recebeu os espe-

táculos de experiência carioca – Milágrimas,

sua segunda criação com o novo grupo.

Não parece ser por acaso que nas falas

que precederam o espetáculo na noite de

pré-estreia de Milágrimas, o trabalho de

Bertazzo tenha sido apresentado de manei-

ra diferente pela representante da Petrobras

Cultural, patrocinadora das ações, e pelo

próprio coreógrafo. A Petrobras acredita

estar patrocinando uma companhia de dan-

À

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOR IO DE JANE IRO • DOMINGO • 23 DE JULHO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 23 DE JULHO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 23 DE JULHO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 23 DE JULHO • 2006R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 23 DE JULHO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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foi ao encontro de referências indianas, Mi-

lágrimas propõe um diálogo entre Brasil e

África. De que África e de que Brasil Milá-

grimas trata? Este é um de seus problemas.

Um outro ponto delicado é que ao propor

uma estrutura dialógica entre culturas, Ber-

tazzo perde uma das grandes forças de seu

trabalho: a hibridação. Há mais de 30 anos, o

coreógrafo vem desenvolvendo uma lingua-

gem única de movimentos em que funde

danças tradicionais de diferentes origens e

culturas, transformando-as. Esta é uma de

suas marcas: uma dança que se faz como tra-

ma das várias danças e técnicas corporais que

estudou a fundo ao longo da vida. A o fazer

dialogar África e Brasil, o coreógrafo acaba

por separar estas referências em sua própria

dança, sublinhando o que é África, no caso,

representada pelas estruturas rítmicas com-

plexas, pelos pés que percutem o chão, ou ain-

da pela ideia de tribo; daquilo que entende

como Brasil. Para que os dois pólos sejam

identificados, o diretor acaba por reforçar

clichês, enfatizados pelos figurinos nada su-

tis. Neste diálogo, o vocabulário de Bertazzo

se descaracteriza e se empobrece, atraves-

sado por referências óbvias da dança cênica

ocidental, apoiado em passos de balé e de

dança moderna, por exemplo.

Não há dúvida de que experiências

como a do Dança Comunidade tem enorme

valor quando conseguem manter-se no tem-

po. Como bem trata Ferréz no livro lançado

junto com o espetáculo. Referindo-se às pes-

soas que integram projetos como esse, o es-

critor lembra: “Ela volta para a cidade-dor-

mitório, mas sabe que, quando for ensaiar no

outro dia, o projeto vai estar lá, e isso, meu

querido, ninguém pode medir o valor que

tem.” No entanto, a dança de Milágrimas não

consegue atingir o brilho da música e ape-

sar de mostrar que os jovens atendidos pelo

projeto seguem desenvolvendo suas compe-

tências, nem de longe o grupo pode ser iden-

tificado como uma companhia profissional.

Isso importa? Talvez sim, sobretudo quan-

do o resultado das ações é apresentado como

superprodução.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Projeto corajoso traz preciososmomentos em meio a excessos

OBERTO PEREIRA

rar em nada menos que Vidas secas, ro-

mance de Graciliano Ramos. Tudo pare-

ce, até aí, bastante orgânico, já que o

próprio Clébio, de origem nordestina,

sempre buscou em suas investidas core-

ográficas um retorno a suas origens. En-

tretanto, mesmo que busque se inspirar

livremente no romance, o espetáculo

sucumbe diante da monumentalidade da

obra literária.

Talvez pela própria sede de se apro-

priar da ideia do escritor, Clébio não se

ateve como deveria à estrutura do ro-

mance, seco e árido, econômico nas pa-

lavras, que traduz iconicamente o sertão

na própria prosa. O espetáculo, algumas

vezes, peca pelo excesso, tanto de movi-

mentos quanto na trilha sonora. Uma

pena, já que alguns momentos delicados

se ofertam como preciosidades de algo

que aponta para o clima do romance. E

é justamente nesses momentos que se

pode vislumbrar o que um dia será seu

vocabulário de movimento.

O sanfoneiro, que infelizmente não divi-

de a cena com as bailarinas, é responsável

ideia é interessante. Duas bailarinas,

um coreógrafo e uma produtora se

uniram em torno de um mesmo desejo: mon-

tar um espetáculo, Tudo o que se espera..., que

estreou quarta-feira no Teatro Cacilda

Becker. Não se trata de uma companhia de

dança, mas de um projeto, denominado Par-

cerias, que acena com novas possibilidades

de produção nesse deserto de política para

a dança em que se encontra a cidade do Rio

de Janeiro hoje.

Se a ideia é interessante e, sobretudo,

válida, o resultado ainda denota fragilida-

des naturais desse tipo de empreitada que

se inaugura por aqui. Nada a ver com a

qualidade das quatro excelentes bailari-

nas, ou com a produção cuidadosa e nem

mesmo com o pensamento estético que

atravessa o espetáculo. Faltam ali ajustes

que só poderiam vir com o tempo, mas

num outro tempo que se inaugura com a

efemeridade latente de um tipo de proje-

to como esse.

Clébio Oliveira, jovem bailarino que

ainda tateia o ofício de coreógrafo, se

lançou a um desafio e tanto, ao se inspi-

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 5 D E A G O S T O • 2 0 0 65 D E A G O S T O • 2 0 0 65 D E A G O S T O • 2 0 0 65 D E A G O S T O • 2 0 0 65 D E A G O S T O • 2 0 0 6

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

120

pela maioria desses momentos, com sua

singela contribuição ao espetáculo. Seria

necessário ter coragem para fazer de sua

música o alinhavo enxuto que o tema so-

licita. Mas a coragem já está em bancar

um projeto como esse. Como um jovem

aprendiz de coreógrafo, Clébio Oliveira

ainda aprenderá a importante lição de

jogar suas tantas boas ideias fora, para

perseguir apaixonadamente aquela que

seria sua verdadeira pesquisa. Pela quali-

dade que já se apresenta em Tudo que se

espera..., esta é, com certeza, apenas uma

questão de tempo.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

121

Territórios abertospara a expressão masculina

OBERTO PEREIRA

Isso pode ser visto logo no início, quan-

do a brincadeira Escravos de Jó é trazida à

cena. O sentido de responsabilidade para

que o jogo dê certo, a partir de uma contri-

buição individual que aponta para o coleti-

vo, já traça o caminho do espetáculo no ca-

minho dessa tradição. As referências às dan-

ças de origem judaica, matéria-prima que

já vem sendo burilada por Esther desde Ter-

ras, seu espetáculo de 1999, ganham a di-

mensão do corpo masculino, fincando ainda

mais o pé nesse sentido de tradição. Uma

tradição de hoje, pulverizada, diversa, glo-

balizada. Uma tradição contemporânea.

E disso resultam momentos muito espe-

ciais, como os que oferecem o privilégio de

poder ver dançar um experiente Alexandre

Franco, bailarino e coreógrafo que possui

todo um pensamento de dança já estrutura-

do, ao lado do jovem, e excelente, Felipe

Padilha. Dois lugares tão repletos de singu-

laridades estão ali desvelados. Ou mesmo

quando se pode ver a maturidade com que

os bailarinos Marcellus Ferreira e Marcelo

Lopes doam à cena sua parcela de história,

de modo tão generoso.

ito bailarinos. Oito homens. Oito ter-

ritórios diferentes. É assim que a cena

se constrói no novo trabalho da coreógrafa

Esther Weitzman, Territórios, que cumpriu

recente temporada na cidade em três tea-

tros diferentes (Nelson Rodrigues, Sérgio

Porto e Centro Coreográfico). Uma dança

estritamente masculina e ao mesmo tempo

absolutamente contemporânea cria a opor-

tunidade de se observar como o vigor do vo-

cabulário de movimentos de Esther encon-

tra um paradeiro seguro naqueles corpos.

Os bailarinos, especialmente convida-

dos para esse trabalho, aceitaram o desa-

fio de estarem juntos no palco, mas nunca

construindo um corpo só, como o de baile,

do balé, com a qual estamos acostumados.

São corpos com histórias diversas, com

musculaturas e qualidades cinéticas tão

singulares que se ofertam como mapas de

danças sempre plurais. Toda essa palheta

de possibilidades físicas foi inteligente-

mente pensada pela coreógrafa, que ad-

ministra maturidades (e, por isso, compe-

tências) diversas através do uso de uma

ideia de tradição.

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTRIO DE JANEIRO • SEXTRIO DE JANEIRO • SEXTRIO DE JANEIRO • SEXTRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRAA-FEIRAA-FEIRAA-FEIRAA-FEIRA • 1 • 1 • 1 • 1 • 11 DE AGOST1 DE AGOST1 DE AGOST1 DE AGOST1 DE AGOSTO • 2006O • 2006O • 2006O • 2006O • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Os territórios que se desvendam através

da coreografia de Esther Weitzman estão ali

ao mesmo tempo em estado bruto e em es-

tado de prontidão. Os movimentos percus-

sivos, os silêncios e as danças em conjunto,

elementos que se tornaram sua marca, ga-

nharam agora uma tradução vigorosa de

corpos masculinos. E fomentam ainda mais

a esperança de que esses territórios, sem

perder sua tradição e sua história, um dia

possam mesmo dividir um mesmo espaço. É

disso que essa dança fala.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

123

A força da presençado coreógrafo Bill T. Jones

ILVIA SOTER

próprio universo. Se a ideia é interessante,

a visão de Jones sobre as questões que abor-

da e a forma como as aborda são, em vários

momentos, de uma ingenuidade desconcer-

tante.

No universo de Another evening – I bow

down, o Bem se opõe ao Mal, o branco às co-

res, o Oriente ao Ocidente. A desorganiza-

ção das águas é representada pelo som de

uma banda de rock que permanece dentro

de uma caixa no fundo da cena, cujas por-

tas/comportas são abertas e fechadas pelo

coreógrafo, em oposição à música acústica

tocada também ao vivo. A peça se constrói

sobre metáforas como estas e nelas a dança

se aprisiona.

A companhia é formada por um belo

grupo de bailarinos, competentes tecnica-

mente e muito distintos entre si. Bill T. Jo-

nes sempre teve como princípio trabalhar

com bailarinos de morfologias diversas. Este

é o caso aqui. A movimentação do grupo

sugere ora águas mais ou menos revoltas, ora

uma comunidade primitiva. A religiosida-

de implícita na proposta de Jones carrega

dramaticamente o grupo, mas num registro

pós a morte de Arnie Zane, seu par-

ceiro de vida e criação, no fim dos anos

80, Bill T. Jones vem carregando no tom po-

lítico de seus trabalhos. Desde então, o fato

de ser negro, homossexual e soropositivo tor-

nou-se quase uma bandeira, um cartão de

visita que acompanha e antecede sua dan-

ça. Suas criações são sempre atravessadas

por referências autobiográficas, mesmo

quando o coreógrafo não está em cena.

Another evening – I bow down, sua peça

mais recente, apresentada no Theatro Mu-

nicipal no último fim de semana, trata das

grandes catástrofes provocadas pela água

e se estrutura sobre a palavra narrada. No

texto assinado por Bill T. Jones e Andrea

Smith, e falado pelo coreógrafo em cena, en-

trelaçam-se relatos pessoais a referências

a algumas passagens bíblicas em torno da

Arca de Noé e outras tragédias. Presente

durante todo o tempo, Bill T. Jones é ao mes-

mo tempo narrador e demiurgo. A relação

entre a palavra do diretor e coreógrafo e a

cena que se desenha, associada à espiritua-

lidade evocada pelos textos, faz da figura do

coreógrafo este deus que cria e destrói seu

A

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 28 DE AGOSTO • 2006 SEGUNDA-FEIRA • 28 DE AGOSTO • 2006 SEGUNDA-FEIRA • 28 DE AGOSTO • 2006 SEGUNDA-FEIRA • 28 DE AGOSTO • 2006 SEGUNDA-FEIRA • 28 DE AGOSTO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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único. Suas interpretações – apesar de cor-

retas – não conseguem ganhar densidade,

ficando apenas na superfície.

No entanto, algo consegue escapar da

superficialidade e do evidente anacro-

nismo em Another evening – I bow down:

a força da presença de Bill T. Jones. A

convicção com que defende seus gestos e

palavras não deixa de ser tocante. É em

sua experiência de vida, na serenidade e

na economia com que se movimenta que

a mensagem otimista que o coreógrafo

pretende passar encontra sua forma mais

precisa.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

125

A viagem existencialistae solitária de um coreógrafo

OBERTO PEREIRA

nato. Mas, por outro lado, há uma simultanei-

dade que borra limites, há uma sincronici-

dade que é antes movida por uma sensação

e não por uma mera marcação coreográfi-

ca. Há o silêncio, registro inédito até então.

Há a respiração. Há um suspiro contido.

Como o silêncio do rio. Como a solidão da

personagem na canoa.

Todo esse novo registro foi sabiamen-

te assimilado pela companhia composta

por cinco bailarinos, de longe a melhor for-

mação que Renato já contou nos últimos

anos. Mas é na experiente Soraya Bastos

que o amálgama entre ideia e sua corpo-

rificação torna-se emocionantemente vi-

sível. Sua dança, pelos anos de convívio

com o coreógrafo, é sua testemunha, seu

relato, sua cúmplice, coisa rara de se ver

hoje em dia.

Na qualidade daquele que se lança a

um novo universo de dança, “aquilo que

não havia, acontecia”, citando o conto que

nos serve de guia nesse espetáculo. Está

lá o “demoramento” de Guimarães Rosa.

Está lá o “devagar depressa dos tempos”.

Alcançar tal delicadeza de sentidos é

como buscar mesmo uma terceira mar-

gem possível na dança. No caso de Rena-

to Vieira, essa dança tão sua e ao mesmo

tempo tão contemporânea parece ter sido

encontrada.

espetáculo Terceira margem, estreado

nesta última sexta-feira no Espaço

SESC, em Copacabana, marca um impor-

tante ponto de transição na carreira do co-

reógrafo Renato Vieira. Não uma transi-

ção de mão única, mas aquela cujos veto-

res apontam tanto para um reconhecimen-

to de sua história como também para pos-

sibilidades até então nunca experimenta-

das por ele.

O conto de Guimarães Rosa, A tercei-

ra margem do rio, foi a inspiração. Entre-

tanto, longe de buscar uma tradução da-

quela riqueza literária, Renato optou por

nutrir-se dela para ele mesmo lançar-se

em uma canoa, solitário em sua dança, em

seu rio, como metáfora de um lugar de cri-

se, de um lugar quase existencialista. O

resultado dessa tomada de posição que o

coreógrafo assume é novo em sua carrei-

ra, talvez porque ele tenha se lançado ao

que ele não domina, e sua sede de apro-

priação disso que lhe é tão absolutamen-

te desconhecido tornou-se matéria-prima

para sua criação. A sede está lá, à margem

e ao mesmo tempo tão incorporada.

Coreograficamente, o passo de dança

dissolve-se em movimento, mas um movi-

mento que não se nomeia. Estão lá as per-

nas altas, os pés devidamente estendidos,

sempre tão presentes nos trabalhos de Re-

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA •RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA •RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA •RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA •RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 6 DE SETEMBRO • 2006 6 DE SETEMBRO • 2006 6 DE SETEMBRO • 2006 6 DE SETEMBRO • 2006 6 DE SETEMBRO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

126

Pas-de-deux dehistória e renovação

OBERTO PEREIRA

anos de dedicação, por um burilamento finode sua arte. E Vitor, ainda tão jovem, apren-de com sua companheira de palcos e pas-de-deux a ser cada vez mais preciso em seu

desempenho técnico e artístico. História e

renovação dançando juntos.

O corpo de baile ainda carece de pe-

quenos ajustes, mas nada que não se con-

quiste com a prática de se apresentar du-

rante uma temporada. Marcelo Misailidis

concedeu força exata a seu bruxo Rothbart,

enquanto Rodrigo Negri perdeu a mão em

sua caracterização do bobo da corte, bei-

rando muitas vezes o caricato. Mas é em seu

todo que a companhia prova porque detém

a qualidade de uma grande companhia de

balé, sabendo, inclusive, o que significa isso

num país como o Brasil.

Talvez seja essa qualidade, fina, e não

tão fácil para principiantes, que Pankova, a

artista russa convidada a remontar a obra,

ainda tenha dificuldade de perceber, como

prova a deselegância de suas declarações

à imprensa no dia da estreia do Lago. Tra-

ta-se, com certeza, de uma nova equação

que coloca o Brasil e o balé lado a lado.

Descobrir ali qual é o “x” dessa equação é

tarefa que nós, brasileiros, artistas, críticos

e público, fazemos a cada instante, reinven-

tando soluções, e concedendo a obras como

O lago dos cisnes um pouco da cara do fu-

turo que esse balé tanto merece.

arte do balé está viva. A difícil equa-ção entre o que se renova e o que

permanece como eixo da tradição pode serobservada a cada nova versão bem-suce-dida, a cada desempenho de uma estrela oude um corpo de baile. Basta que exista essaequação, uma equação cuja elegância deveser reestruturada ao longo da história deuma companhia de dança que se dedique àarte do balé.

Entre nós, apenas o Ballet do TheatroMunicipal se dedica a isso, primeira e ain-da única companhia com esse perfil no País.E assisti-la em sua mais nova versão de Olago dos cisnes, estreada na última sexta-feira, comprova sua habilidade em resol-ver equações artísticas.

A obra já faz parte da história daqueleteatro desde 1959, quando da primeiramontagem completa no continente ameri-cano, o que se tornou um marco da compe-tência da companhia. Desta vez, volta comoutra roupagem, através da versão ensina-da e ensaiada pela russa Yelena Pankova.O saldo é positivo. A equação, justa.

Os dois primeiros bailarinos, CecíliaKerche e Vitor Luiz, provaram porque sãoos mais indicados para os papéis desse balédentro do grupo. Cecília, com sua maturi-dade, está no auge do apuramento de suaqualidade de dança. Tudo nela se revelacomo detalhe estudado, conquistado por

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 12 DE SETEMBRO • 2006 • TERÇA-FEIRA • 12 DE SETEMBRO • 2006 • TERÇA-FEIRA • 12 DE SETEMBRO • 2006 • TERÇA-FEIRA • 12 DE SETEMBRO • 2006 • TERÇA-FEIRA • 12 DE SETEMBRO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

127

Dança brasileiraem ritmo de inovação

Os grupos cariocas Atelier de Coreografia eCompanhia Urbana de Dança e o

mineiro Mimulus exibiram na XII Bienal de Lyon,na França, um panorama da diversidade

que se produz no Brasil

OBERTO PEREIRA

Com certeza, para nós brasileiros, a

estreia mais esperada foi a do carioca

João Saldanha e seu Atelier de Coreo-

grafia, que apresentou Extracorpo, resul-

tado de uma pesquisa coreográfica a

partir da obra de Oscar Niemeyer, e fru-

to de uma parceria entre a própria Bie-

nal e o Espaço SESC. Lançando um

olhar sofisticadíssimo sobre a ideia ar-

quitetônica do mestre, Saldanha causou

estranhamento num público formado

pelos mais importantes críticos de dan-

ça do mundo todo, propondo formas e, so-

bretudo, tempos diferentes de se olhar

para um Brasil que se pretendia antes

moderno que exótico. Ponto para nós,

que tivemos a oportunidade de mostrar

que a dança por aqui vai muito bem,

obrigado, salvo todas as dificuldades que

já conhecemos.

As outras duas companhias brasileiras, a

mineira Mimulus e a carioca Companhia

Urbana de Dança, completaram muito bem

um diagrama da diversidade de danças que

o pequeno Café Danse em Lyon, na

França, o que se ouvia ao fundo era,

durante quase todos os dias deste mês de se-

tembro, música brasileira. No caso, Caetano

Veloso. Ponto de encontro oficial da XII Bie-

nal de Dança, reunindo bailarinos, coreógra-

fos, críticos, produtores e curadores do mundo

todo, já ali podia se ter um pouco da impres-

são de como o Brasil, através de sua música e,

sobretudo, através de sua dança se fazia mar-

cante durante toda a edição deste que é um

dos festivais mais importantes da atualidade.

O tema desse ano, proposto por seu

curador, o francês Guy Darmet, é a gran-

de cidade. São 40 companhias vindas de

metrópoles de todos os continentes, cu-

jos trabalhos possuem o ponto comum

na temática, que resvala em questões

como o urbano, a cultura da cidade e seus

meandros. O Brasil compareceu com

três companhias, duas do Rio e uma de

Belo Horizonte, além de estar presente

indiretamente em outras apresentações.

O Brasil estava em Lyon.

N

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 26 DE SETEMBRO • 2006• TERÇA-FEIRA • 26 DE SETEMBRO • 2006• TERÇA-FEIRA • 26 DE SETEMBRO • 2006• TERÇA-FEIRA • 26 DE SETEMBRO • 2006• TERÇA-FEIRA • 26 DE SETEMBRO • 2006

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se produz por aqui. A primeira, que articula

de forma inovadora as danças contemporâ-

nea e de salão, é velha conhecida dos fran-

ceses, fazendo sempre muito sucesso por lá,

além de promover concorridos workshops

nas praças da cidade, ministrados pelo seu

coreógrafo Jomar Mesquita. Já a Compa-

nhia Urbana mostrou a qualidade da dança

de rua desenvolvida no Brasil. O público,

como mostrou a noite de estreia, aprovou.

Mas, na verdade, a primeira aparição de

um representante brasileiro na Bienal foi a

de Bruno Cezário, ex-integrante do Ballet

do Theatro Municipal e um dos melhores e

mais singulares bailarinos que já tivemos

por aqui. Integrante do Ballet Nacional de

Lyon, Bruno foi responsável por um dos so-

los mais emocionantes na obra do francês

Rachid Ouramdane, que estreou na própria

Bienal, chamada Superstars. Além da im-

pressionante dança de Bruno, o que intrigou,

para não dizer, de certa forma, constrangeu

o público, foi quando, numa entrevista sua

gravada em vídeo, declarou que seus docu-

mentos não tinham sido aceitos para que ele,

trabalhador francês, obtivesse seu seguro de

saúde. Ao procurar saber o motivo, deparou-

se com a insólita resposta de que em sua cer-

tidão de nascimento não constava o nome

do pai. Esclarecendo que seu pai não o ha-

via reconhecido, foi solicitada, então, uma

carta, explicando o porquê deste não reco-

nhecimento. Bruno, perplexo, ao ouvir a aten-

dente dizer com um ar blasé, “na França é

assim!”, desligou o telefone. Trajando um

short verde e uma camiseta amarela, Bru-

no parecia, em seu solo, mais um trabalha-

dor brasileiro.

DESFILE PELA CIDADE

SE INSPIRA NA TRADIÇÃO DAS

ESCOLAS DE SA M BA CARIOCAS

Não apenas em bailarinos e compa-nhias pode-se perceber a presença doBrasil no festival francês. O que parece

mesmo ter deixado definitivamente marcabrasileira na Bienal de Dança de Lyon é ogrande Défilé, desfile que toma a princi-

pal rua da cidade, reunindo 20 comunida-des locais que se organizam em danças,músicas, cenários e figurinos. Assumida-

mente inspirado no desfile das escolas desamba cariocas, desde que o Brasil foitema da Bienal em 1996, o desfile comple-

ta, curiosamente, dez anos. Curiosamen-te, porque, para nós brasileiros, é intrigan-te observar como uma ideia tão nossa foi

sendo culturalmente traduzida por cida-dãos lionenses.

Aos nossos olhos, claro, é gritante a faltade um responsável pela harmonia do des-file. Mas, por outro lado, fica a pergunta se

não seria aquele um outro modo de seolhar um tema que já apresenta suas pró-prias soluções. Apenas para que possamos

entender que na França, como foi mostra-do no solo de Bruno Cezário, “é assim”.

E a nós, brasileiros, assinando a pater-

nidade dessa ideia do desfile, resta ter or-gulho de como nossa dança se faz nãoapenas presente nesse importante festival,

mas tem a capacidade de se transformarem referência. Não uma referência do exó-tico, essa praga romântica que ainda nos

assola, mas moderna, como bem provou ocoreógrafo carioca João Saldanha.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Tradução elegante das curvasarquitetônicas modernistas

OBERTO PEREIRA

essenciais na obra. A tal justeza já está

aí. Mas é nos corpos o lugar onde as li-

nhas sinuosas e modernas de Niemeyer

são deslindadas como continuidades, nun-

ca como passos de dança. Não há conces-

são a ser feita: coisa de coreógrafo ma-

duro e inteligente.

Isso é evidenciado, sobretudo, no trio

formado pelas bailarinas Carol Pires, Cla-

rice Silva e Flávia Meireles. Neste mo-

mento, a tradução se efetiva em seu regis-

tro mais puro. O fato de estarem entrando

em contato apenas recentemente com a

linguagem coreográfica de João Saldanha

indicia em seus corpos um vigor que aco-

lhe o sentido de novo, de moderno, tão

caro ao arquiteto. Ali explode aos nossos

olhos a potencialidade de uma nova cons-

trução, em todos os sentidos que essa pa-

lavra pode ganhar nesse contexto.

O tempo e o espaço de Niemeyer e Sal-

danha estão redimensionados. Em Extracor-

po, o espectador é transformado em flaneur,

que caminha desvendando formas, preen-

chendo ambientes e se surpreendendo a

cada nova paisagem. O olhar é quase tátil.

E é essa sinestesia que comanda o proces-

so de tradução. Arquitetura e dança se tor-

nam, portanto, apenas dois modos de nome-

ar o mesmo pensamento.

elegância do pensamento arquitetô-

nico de Oscar Niemeyer ganha sua

tradução em dança pelas mãos, e pelos cor-

pos, de João Saldanha. Não uma tradução

daquelas presas a uma literalidade sufo-

cante e estéril, mas sim aquela que investi-

ga pontos comuns entre as duas artes: for-

mas, volumes, densidades, dimensões, pesos,

gravidades, linhas e planos. Essa tradução,

também elegante, é o novo espetáculo do

coreógrafo carioca, Extracorpo, que fica em

temporada no Espaço SESC, em Copaca-

bana, até o dia 26 deste mês.

O que se constrói no movimento de

dança são estruturas modulares que sina-

lizam uma forma de organização de tem-

po e espaço típica da arquitetura. A ideia

de entorno, ou seja, de ambiente, faz o cor-

po preenchê-lo e ser preenchido pelo que

o habita a um só tempo. Há uma simbiose

entre o orgânico e o concreto e isso, core-

ograficamente, é pensado com justeza

por Saldanha.

O cenário, que torna solo e céu um pa-

ralelo branco, anulação de referências

onde tudo ainda pode ser construído, o fi-

gurino cinza que tinge de cimento a cena,

e o som que estende ao máximo um esta-

do de observação de quem adentra esse

ambiente/movimento são três elementos

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 4 DE NOVEMBRO • 2006RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 4 DE NOVEMBRO • 2006RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 4 DE NOVEMBRO • 2006RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 4 DE NOVEMBRO • 2006RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 4 DE NOVEMBRO • 2006

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As curvas de Niemeyerem corpos que dançam

Extracorpo: Uma singular experiência de tempo

ILVIA SOTER

nha este espaço e dá a ver o que se encontraentre cada corpo ou objeto. A ambientaçãosonora de Sasha Amback opera com eficá-cia neste mesmo princípio. O som se insinuasem que o espectador perceba, cresce emvolume e vigor, para depois desaparecer,deixando o silêncio ainda mais potente.

Saldanha experimenta devolver ao corpohumano as curvas orgânicas que Niemeyerdele extraiu e experimentou no concreto. Bra-ços, troncos, torsos e quadris apoiam as espiraise os círculos dos traços do modernista, crian-do um interessante vocabulário de formas epassos que se articulam e se combinam numaestrutura modular. As linhas sinuosas, preci-sas e simples, marcas do arquiteto, ganhamuma bonita correspondência nos trajetos es-paciais e nos corpos dos seis intérpretes. Masé no trio composto por Clarice Silva, FláviaMeireles e Carol Pires que a pesquisa de Sal-danha encontra sua melhor síntese.

Também na movimentação, o contrasteacontece na alternância entre os momentosde aceleração e deslocamento, e de para-gem. Extracorpo se constrói de vazios e si-lêncios. Sem fazer concessões, o coreógrafo

obriga o espectador a uma singular expe-

riência de tempo. É por meio do silêncio e

da paragem que João Saldanha o conduz a

apreciar sua dança rigorosa. A o mergulhar

no universo de Oscar Niemeyer, o coreógra-

fo rende a este uma merecida homenagem,

mas, sobretudo, cria para si novas e promis-

soras possibilidades de investigação.

obra de Oscar Niemeyer – arquitetoque dispensa apresentações – é a

experiência seminal de Extracorpo, novacriação de João Saldanha, em cartaz no Es-paço SESC até 26 de novembro. A peça re-sume um longo período de pesquisa inicia-da com uma bolsa vitae no Brasil e continu-ada, por meses, na França.

A relação entre dança e arquitetura foibastante explorada ao longo do século XX.Oskar Schlemmer, Rudolf Laban, MerceCunningham, cada um a seu modo, foram al-guns dos artistas que consideravam que, comoambas as disciplinas tratavam das relaçõesentre corpo, espaço e movimento, aproximá-las levaria a dança a visitar novos lugares.

Como não poderia deixar de acontecer,Extracorpo se apresenta numa arena, am-biente que impede uma leitura bidimensio-nal da cena. O linóleo branco se destaca doentorno cor de chumbo do mezanino do Es-paço SESC e os figurinos cor de pedra subli-nham a aproximação entre o corpo que dan-ça e as formas esculturais inspiradas em Ni-emeyer. A cena se desenha como um cam-po plano e vazio, remetendo a Brasília, ce-nário importante da obra do arquiteto.

Talvez o traço essencial de Niemeyerque atravessa toda a démarche de Extracor-po seja a compreensão de que cada formatem a força do que é, e de revelar a paisa-gem que recorta, numa relação de figura efundo sem hierarquia. A linha, o plano ou ovolume que se inscreve no espaço, redese-

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Carisma e talentoda solista salvam a noiteBallet Nacional de Cuba: Palco inadequado

ILVIA SOTER

da perspectiva. Mas o palco do Canecão,estreito e pouco profundo, espremeu o cor-po de baile, impedindo que as figuras es-paciais fossem realizadas e percebidas. Aproximidade com o público também nãoajudou a disfarçar as deficiências dos ce-nários – os telões de fundo cheios de pre-gas –, das caracterizações e dos figurinos –barbas postiças e perucas mal-acabadas –já que balés não são concebidos para se-rem vistos de tão perto. Na noite da estreia,ainda era possível acompanhar a movi-mentação dos técnicos nas coxias acesas.

Apesar de todos esses limites, Alonso trou-xe uma companhia marcada pela juventudee com alguns verdadeiros talentos, como Vi-engsay Valdés e Joel Carreño. No terceiro ato,melhor momento da noite, o jovem Joel Car-reño, pôde mostrar suas evidentes qualidadestécnicas, defendendo seu Basílio com seguran-ça e humor. Mas o grande destaque da noitefoi Viengsay Valdés. A bonita solista construiusua Kitri de forma primorosa, equilibrandosensualidade e alegria e, principalmente, pas-sando ao largo da vulgaridade, como muitasvezes ocorre. Sua competência técnica alia-da a sua presença carismática em cena foidecisiva para salvar a meteórica passagem dacompanhia cubana pelo Rio de Janeiro.

Uma pena que o Rio de Janeiro não te-nha merecido, dos produtores brasileiros daturnê, o mesmo cuidado das outras capitais,onde o Ballet Nacional de Cuba será apre-sentado em palcos de qualidade.

estreia da temporada sul-americanado Ballet Nacional de Cuba no Rio de

Janeiro, na última terça-feira, foi marcada poruma grande frustração. Mais ou menos comoquando ocorre um eclipse total do sol, fenô-meno pouco frequente, e as nuvens cobrem océu. Uma das mais importantes companhiasde balé do mundo e uma das poucas – já quehoje é cada vez mais rara a existência decompanhias de repertório clássico como acubana – esteve em temporada no Rio numacasa de shows: o Canecão. A inadequação dolocal ao propósito já ficou evidente no horá-rio das apresentações, marcadas para as21h30. O balé entrou em cena quase às 22h,para um Dom Quixote completo, em três atos,e com intervalos de 15 minutos entre cada.

A proximidade excessiva do palco, o

público sentado ao redor de mesas, a ausên-

cia de uma orquestra para acompanhar

uma companhia deste porte, a péssima

qualidade acústica da sala e o exíguo ta-

manho do palco impediram que o público

carioca pudesse, de fato, conhecer e até

apreciar a versão de Dom Quixote assina-da por Alicia Alonso – a ainda ativa legen-

da viva da dança do século XX – a partir

da coreografia de Petipa. Mestre da utili-

zação do corpo de baile, Petipa soube como

ninguém organizar os conjuntos de baila-

rinos em linhas geométricas que, ao recor-

tarem a cena, conduziam o olhar do espec-

tador na direção das variações realizadas

pelos solistas, apoiadas nas linhas de fuga

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O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 16 DE NOVEMBRO • 2006 • 16 DE NOVEMBRO • 2006 • 16 DE NOVEMBRO • 2006 • 16 DE NOVEMBRO • 2006 • 16 DE NOVEMBRO • 2006

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Para acertaro passo da dança

I Encontro Nacional de Companhias Oficiais, realizado emSalvador com grupos de todo o País, se transforma em

palco histórico de mobilização

OBERTO PEREIRA

dades do ensino da dança por aqui, preten-

deu mapear problemas e soluções desse tipo

tão próprio, e ao mesmo tempo tão antigo,

de constituição de um grupo de dança, ain-

da mais num país como o Brasil.

Esse encontro já nasceu histórico. Con-

seguiu reunir diretores de companhias ofi-

ciais de norte a sul do País, além de contar

com pequenas apresentações no principal

teatro da cidade, onde se deu a estreia de

Devir, obra especialmente coreografada por

Mário Nascimento para a companhia baia-

na. São as seguintes companhias que parti-

ciparam do encontro: Ballet do Theatro

Municipal do Rio de Janeiro, a mais antiga,

que neste ano completou 70 anos, Cia. de

Dança do Palácio das Artes (MG), Balé da

Cidade de São Paulo, Balé do Teatro Guaí-

ra (PR), Balé do Teatro Castro Alves (BA),

Cia. de Dança do Amazonas, Companhia de

Danças de Diadema (SP), Ballet de Londri-

na, Cia. de Dança de São José dos Campos

(SP), a mais jovem delas, com apenas um

ano de existência, e o Balé da Cidade de

Teresina, no Piauí. Ausentes ficaram apenas

três: Ballet de Niterói, Companhia de Dan-

m 1961, na cidade de Curitiba (PR),

aconteceu um histórico encontro das es-

colas de dança do Brasil. Era o momento em

que os profissionais ligados a essa linguagem

artística começaram a perceber que algumas

relações deveriam ser tecidas no ensino das

técnicas de dança, que se intensificava sem

muito controle de norte a sul do País. Além de

discussões, vários artistas importantes se apre-

sentaram, fazendo daquele evento uma espé-

cie de congresso de dança. Nada mais urgen-

te naquele momento, quando se lembra que a

primeira escola brasileira de dança havia sido

criada 37 anos antes, no Rio de Janeiro.

Neste último fim de semana, em Salva-

dor (BA), um encontro semelhante e de

igual importância e contando com o mesmo

pioneirismo foi criado, fazendo parte das co-

memorações dos 25 anos do Balé do Teatro

Castro Alves. Trata-se do I Encontro Nacio-

nal de Companhias Oficiais, que reuniu,

durante três dias, dez companhias que têm

em comum o fato de pertencerem a órgãos

públicos, sejam eles da instância municipal

ou estadual. Um evento que, assim como

aquele que pretendia discutir as especifici-

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JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 21 DE NOVEMBRO • 2006RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 21 DE NOVEMBRO • 2006RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 21 DE NOVEMBRO • 2006RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 21 DE NOVEMBRO • 2006RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 21 DE NOVEMBRO • 2006

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ça de Caxias do Sul (RS) e Companhia de

Dança de Natal (RN). Embora tão distan-

tes e muitas vezes com perfis artísticos bas-

tante diferenciados, ficou evidente que al-

guns problemas, alguns deles muito sérios,

são compartilhados por todas elas.

Este encontro serviu então como uma es-

pécie de um check-up dessa estrutura tão com-

plicada de companhia oficial, que remonta os

tempos barrocos franceses de Luís XIV e que

ganha sua tradução brasileira nos dias de hoje.

Os problemas são ainda bastante barrocos no

sentido de ainda estarem, muitas vezes, atre-

lados ao poder público e às sucessivas gestões

políticas que frequentemente não garantem

uma continuidade nos processos. Isso, em arte,

e em dança mais especificamente, resulta num

grave problema. As ideias para se tornarem

dança, e para ganharem corpo, literalmente

falando, levam tempo.

Mas dentre todos os acertos e desafios,

dois se tornaram pauta desse primeiro en-

contro. O primeiro se refere a um grave e

urgente problema na forma de contratação

dos artistas ligados diretamente a esse tipo

de empreendimento artístico, como bailari-

nos, diretores, ensaiadores e técnicos. Várias

estratégias são adotadas pelas companhias,

muitas vezes de forma não totalmente de

acordo com as leis trabalhistas brasileiras,

como forma de driblar, por exemplo, a práti-

ca de concurso público que legitimaria esse

artista como um funcionário estatutário. Des-

se modo, para muitas companhias públicas,

seus bailarinos ficam à mercê das intempé-

ries políticas, o que gera uma insegurança

refletida diretamente na produção artística.

Outro problema daí resultante é o da

aposentadoria, sobretudo para bailarinos, que

deveriam ser considerados uma categoria

especial, já que para o tipo de dança desen-

volvido nesse tipo de companhia o vigor físi-

co é condição primeira. A discussão tocou na

possibilidade de se requerer uma aposenta-

doria com 20 anos de exercício profissional

e deste desejo resultou uma carta solicitan-

do à câmara setorial de dança, junto à Funar-

te, uma atenção maior para essa questão.

O segundo desafio foi o da circulação

desse tipo de companhia, muitas vezes com

um staff enorme de profissionais, o que in-

viabiliza apresentações fora da cidade onde

estão sediadas. Só o Ballet de nosso Theatro

Municipal, por exemplo, conta hoje com

cerca de 100 profissionais envolvidos dire-

tamente em suas produções. Mas nem todas

as companhias são assim. O Ballet de Lon-

drina, com seus 10 bailarinos, viaja o Brasil

todo de ônibus, apresentando-se muito lon-

ge da cidade paranaense que o sedia: tantos

perfis de companhias quanto brasis.

Dessa questão, ficou o projeto a ser lide-

rado por Eliana Pedroso, ex-bailarina do Te-

atro Castro Alves e atual produtora cultural

de Salvador, que tem a perspicácia de ante-

ver como uma iniciativa como essa, também

pioneira, pode ganhar força artística, e por

que não política, nesses próximos quatro anos

de uma nova configuração governamental.

Esse I Encontro Nacional de Companhi-

as Oficiais deu oportunidade a todos os seus

diretores de perceber como suas práticas ar-

tísticas estão comprometidas com uma atitu-

de política e de como isso, salvaguardadas as

devidas diferenças regionais, é comum a to-

das elas. Para o bem e para o mal. Até mes-

mo para se perguntar qual é a verdadeira

viabilidade desse modelo de companhia que

hoje reúne cerca de 500 profissionais em todo

o País. Profissionais que podem dizer, com

orgulho ou não, que sobrevivem trabalhan-

do naquilo que mais amam: a dança.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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No sentido darenovação constante

OBERTO PEREIRA

pensamento, as imbricações da dança com

outras linguagens. Nayse e Eduardo resguar-

dam na continuidade da história do festival

o que lhe é mais caro: o sentido de renova-

ção, de transformação constante.

Entendendo essa premissa, entende-se

também porque não há como julgar um fes-

tival como esse com critérios apenas em

apreciações individuais dos espetáculos. Há

que se pensar no todo, no sentido de pam que

ele abriga, para perceber que o que ali é

apresentado não tem, de modo algum, a von-

tade ou a necessidade de agradar, mas a pos-

sibilidade de promover discussão. E isso, nes-

sa edição, foi alcançado, mais uma vez.

Assim, pensar que trabalhos mais frágeis,

como Feique – Em algum lugar, porém aqui,

da companhia paranaense Verve, ou alguns

mais maneiristas de um tipo de dança contem-

porânea, como Médelei: Eu sou brasileiro e não

existo nunca, do paulistano Christian Duarte,

torna-se quase que um segundo momento,

menos importante. Mais proveitoso seria en-

tendê-los num todo que redimensiona cada

obra, pelo fato de pertencer a um festival, por

ter passado por uma curadoria como essa.

ara pensar a importância dentro do ce-

nário nacional da 15ª edição do festi-

val Panorama de Dança, há que nunca se

afastar do sentido etimológico da palavra

que lhe dá o nome: pam, do grego, significa

tudo ou todos, enquanto orama carrega o

sentido de espetáculo. Ao se juntarem essas

duas ideias, entende-se exatamente o que se

propõe esse festival desde sua criação, em

1992, pela coreógrafa Lia Rodrigues: fazer

com que o público possa se servir do que

existe hoje, no mundo, de uma dança con-

temporânea de ponta. Tarefa árdua, porque

ao ser panorama, o festival não pretende

trazer consigo tudo do que se nomeia dança

contemporânea, mas antes aquela que inco-

moda, ou melhor, que comove, no sentido

também de fazer mover algo naquele que

entra em contato com ela. Uma dança que

faz pensar.

Essa edição de 2006 não foi diferente.

Contando com Nayse López e Eduardo Bo-

nito na curadoria desde que Lia deixou o

festival no ano passado, o Panorama segue

seu curso, pois mesmo com as mudanças, sua

linha mestra ainda está lá. A diversidade, o

P

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • • • • • SÁBADO SÁBADO SÁBADO SÁBADO SÁBADO • 25 DE NOVEMBRO • 2006• 25 DE NOVEMBRO • 2006• 25 DE NOVEMBRO • 2006• 25 DE NOVEMBRO • 2006• 25 DE NOVEMBRO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Funcionando assim, entende-se como a

obra Lehmen Lernt, do alemão Thomas

Lehmen, reflete, já com claros sintomas de

exaustão da própria linguagem que inaugu-

rou, o que o coreógrafo aqui deixou num

workshop em 2002, influenciando trabalhos

de artistas importantes como Dani Lima,

Marcela Levi, Gustavo Ciríaco e Denise

Stutz. Fazer essa conexão é aprender a ler

esse panorama. Possibilita ao público chan-

ces de aprendizagem.

E dentro desse fio de continuidade, de

conexões, há sempre o lugar para o absolu-

tamente novo. No caso dessa última edição,

dois exemplos podem ser pinçados, por con-

terem em comum o viés de uma simplicida-

de tão sofisticada, que assusta pelo que há

de contrassenso nisso: I am here, do por-

tuguês João Fiadeiro, e Porta das mãos, do

carioca Michel Groisman. Essas amostras

apontam para o sentido do festival como um

todo. Estão nelas as potencialidades de tudo

o que faz pensar, para que o Panorama pos-

sa continuar sendo panorama.

Mais um último ponto para se pensar: o

Panorama de Dança não conta mais com o

apoio da Prefeitura da cidade. Que bom que

ele conseguiu sobreviver a esse descaso.

Mas tal fato nos faz indagar: onde estaria

mesmo a dança no âmbito municipal?

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Ensaios de umapolítica para a dança no País

OBERTO PEREIRA

da não mostrou a que veio. Um oásis nesse

deserto ainda continua sendo o Espaço

SESC, endereço oficial da dança carioca.

Mesmo assim, nossos artistas mostraram

excelentes trabalhos nesse ano. Destacam-

se Extracorpo, de João Saldanha, Terceira

margem, de Renato Vieira, Isadora.orb, de

Andréa Jabor e Teorema, de Márcia Rubin.

Entre os mais frágeis, ficaram o oportunista

Dínamo, de Deborah Colker, e o amadores-

co Maratona Quintana, de Regina Miranda.

Já o Ballet do Theatro Municipal, mesmo

com sucessivas direções artísticas, acer-

tou com seu Lago dos cisnes, provando que

Cecília Kerche é nossa primeira bailari-

na absoluta.

Os festivais importantes continuam os

mesmos: o Solos de Dança no SESC e o Pa-

norama de Dança, ressaltando ainda o Dan-

ça em Foco, único no País dedicado apenas

ao vídeo-dança.

O parco cardápio de atrações internacio-

nais deixou apenas uma Louise Lecavallier

como a melhor opção, do lado oposto de um

histórico Ballet de Cuba ofertado no inapro-

priadíssimo Canecão.

O ano de 2006 foi para a dança brasilei-

ra. Melhor assim. E a dança carioca, como

sempre, figurou vigorosa, mesmo com todas

as adversidades que a cercam em sua pró-

pria cidade.

ovas esperanças de uma política cul-

tural efetiva para a dança foram a

marca mais significativa do ano de 2006.

Mas atenção: estamos falando de uma polí-

tica no âmbito federal! Com o “ressuscita-

mento” da Funarte, prêmios de produção e

circulação de espetáculos de companhias

brasileiras trouxeram novos ânimos para a

área. Só o Prêmio Funarte Klauss Vianna,

centrado na produção, agraciou 140 proje-

tos em todo o Brasil, sendo 18 do Rio de Ja-

neiro, como os de João Saldanha e Márcia

Milhazes.

Já o prêmio dedicado à circulação das

companhias, algo até então muito difícil

nesse país, a Caravana Funarte Petrobras de

Circulação Nacional, contou com 30 ganha-

dores; entre eles, 6 daqui, como a jovem Fo-

cus Cia. de Dança e Andréa Jabor. Além

disso, a Funarte apoiou festivais de dança

pelo País, entre os quais o carioca Panora-

ma de Dança, nosso mais importante festi-

val, que completou 15 anos de existência.

Se essa situação nos deixa otimistas, o

proporcionalmente inverso acontece a ní-

vel municipal: não há mais a histórica sub-

venção das companhias da cidade, não há

mais bolsas de pesquisa (como as do faleci-

do Instituto RioArte) e não há mais política

de ocupação dos teatros, restando apenas um

subutilizado Centro Coreográfico, que ain-

N

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRARIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA• 27 DE DEZEMBRO • 2006• 27 DE DEZEMBRO • 2006• 27 DE DEZEMBRO • 2006• 27 DE DEZEMBRO • 2006• 27 DE DEZEMBRO • 2006

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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2007 CRÍTICAS

JORNAL DO BRASIL - 16 DE JANEIRO DE 2007Entre o clássico e o contemporâneo

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 19 DE JANEIRO DE 2007Pretensão de menos faz bem ao grupo

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 22 DE JANEIRO DE 2007Bailarinos em busca de uma filosofia para os movimentos

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 26 DE JANEIRO DE 2007Novo palco revela limites do trabalho

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 11 DE MARÇO DE 2007Novas alquimias entre bailarinos e coreógrafos

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 19 DE MARÇO DE 2007As grandes estrelas são os bailarinos

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 21 DE MARÇO DE 2007Festa brasileira no melhor dos sentidos

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 7 DE ABRIL DE 2007Reverência ao passado de olho no futuro

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 9 DE ABRIL DE 2007Tons monotemáticos abrem temporada de apresentações no CCBB

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 13 DE ABRIL DE 2007Festival revela o trabalho da ótima Focus Cia. de Dança

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 20 DE ABRIL DE 2007Sintomas e clichês contemporâneos

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 27 DE ABRIL DE 2007Festival apresentou pluralidade, mas ficou devendo em coerência

ROBERTO PEREIRA

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

138

JORNAL DO BRASIL - 7 DE MAIO DE 2007Projeto joga novas luzes sobre o exercício do papel da bailarina

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 13 DE MAIO DE 2007Presença, vigor e segurança em obras a serviço de uma bailarina

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 25 DE MAIO DE 2007De complexo não há nada. Só exagero

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 28 DE MAIO DE 2007Vigor e beleza que, sozinhos, não fazem um bom espetáculo de dança

SILVIA SOTER

O GLOBO - 14 DE JUNHO DE 2007Municipal respira ar contemporâneo

SILVIA SOTER

O GLOBO - 20 DE JUNHO DE 2007Bailarinos de até 22 anos firmes como veteranos

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 26 DE JUNHO DE 2007Tubos de ensaio ainda em estudo

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 27 DE JUNHO DE 2007A poética sem concessões de Marcela Levi

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 9 DE JULHO DE 2007Lia Rodrigues faz obra-prima da dor

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 20 DE JULHO DE 2007Bailarino visionário em mais um belo desafio

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 20 DE JULHO DE 2007O mestre diante do mestre

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 27 DE JULHO DE 2007Mistura de gêneros que não dá liga

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 17 DE AGOSTO DE 2007A construção de um novo vocabulário

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 18 DE AGOSTO DE 2007Estranhamento e fricção num caldeirão de referências urbanas

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 20 DE AGOSTO DE 2007Nem a dama do teatro se ajusta

ROBERTO PEREIRA

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

139

O GLOBO - 24 DE AGOSTO DE 2007O desafio de se tornar profissional

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 20 DE SETEMBRO DE 2007No programa, uma boa dose de humor eficiente

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 5 DE OUTUBRO DE 2007O mapa da dança contemporânea

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 10 DE OUTUBRO DE 2007Estreia da Cia. da Ideia surpreende

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 13 DE NOVEMBRO DE 2007A dança baila entre linhas e entrelinhas

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 2 DE NOVEMBRO DE 2007Descompasso entre o tema e a coreografia

SILVIA SOTER

O GLOBO - 4 DE NOVEMBRO DE 2007Criação como diálogo de diferenças

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 10 DE DEZEMBRO DE 2007Excesso de devoção em espetáculo sem desafios

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 13 DE DEZEMBRO DE 2007A proposta é clara, mas a dança é sem ousadia

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 17 DE DEZEMBRO DE 2007Bela récita, apesar dos nós

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 18 DE DEZEMBRO DE 2007O balé de uma nota só

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 20 DE DEZEMBRO DE 2007Alegria para encerrar a temporada de balé

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 21 DE DEZEMBRO DE 2007A coreografia como organismo vivo

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 22 DE DEZEMBRO DE 2007Coreografia precisa, como um ato cirúrgico

SILVIA SOTER

O GLOBO - 27 DE DEZEMBRO DE 2007Os melhores espetáculos de dança de 2007

SILVIA SOTER E SUZANA VELASCO

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

141

Entre o clássicoe o contemporâneo

OBERTO PEREIRA

que dialogue com o que há de contemporâ-

neo na gramática tão sistematizada do balé

clássico, tal como vem fazendo o coreógrafo

William Forsythe, sua grande fonte de inspi-

ração, com certeza. Isso fica claro em Drumming.

Já os bailarinos, todos muito jovens e vi-

gorosos tecnicamente, sobretudo o naipe

feminino, precisam aprender uma lição fun-

damental para se tornarem profissionais:

não confundir dança com exibicionismo.

Porque quem padece com esse mal é a pró-

pria obra, que não ganha dimensão artísti-

ca e passa a ser mero pretexto para bailari-

nos mostrem suas habilidades técnicas.

Na coreografia Duas ou três coisas sobre

o amor, felizmente, esse tom de exibição fica

mais esmaecido e a qualidade de movimen-

to pretendida por Oliveira tem mais chan-

ce de aparecer. O solo do excelente Éliton

Barros prova isso. Nele, só a dança aparece.

Uma dança que pode ser cada vez mais con-

temporânea se encontrar um modo todo seu

de estar no mundo. Oliveira parece ter en-

tendido isso. Falta agora a tarefa mais árdua:

fazer desse entendimento sua assinatura

coreográfica.

temporada de dança de 2007 foi aber-

ta nesta última sexta-feira pela

DeAnima Ballet Contemporâneo, compa-

nhia dirigida pelo lendário bailarino Ri-

chard Cragun, com o espetáculo Duas ou três

coisas sobre o amor, no Teatro Cacilda Be-

cker. Simbolicamente, seria importante que

tal temporada começasse mesmo no único

teatro exclusivo para a dança no Rio de Ja-

neiro, não fossem alguns problemas sérios que

teimam em persistir por lá. Um deles é a ine-

xistência de ar-condicionado, sobretudo em

tempos de verão como esses. E outro, mais

persistente, é o barulho inoportuno de seus

funcionários no foyer durante os espetáculos.

Para a temporada do DeAnima, o teatro ain-

da não se adequa esteticamente, já que esse

tipo de companhia pede um palco mais am-

plo e com maior distância da plateia.

Contando com duas obras, Drumming e

outra que dá nome ao espetáculo, ambas

assinadas por Roberto de Oliveira, a

DeAnima parece ainda tatear um lugar de

intersecção entre o balé e a dança contem-

porânea. Oliveira encontra-se em pleno

processo de busca de um vocabulário seu,

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA• 16 DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA• 16 DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA• 16 DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA• 16 DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA• 16 DE JANEIRO • 20077777

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Pretensão de menosfaz bem ao grupo

Duas ou três coisas sobre o amor: Novo espetáculo daDeAnima mostra um rumo para a companhia

ILVIA SOTER

al produzida nos rostos. Outro ponto que

prejudica Drumming é a situação de are-

na do Teatro Cacilda Becker, inadequada

para o desenvolvimento espacial da coreo-

grafia. O que Oliveira consegue construir no

diálogo entre música e movimentação, ape-

nas fica sugerido nas figuras e nos desenhos

no espaço. A peça ganharia força num palco

maior e numa situação de cena italiana.

Em Duas ou três coisas sobre o amor,

Roberto de Oliveira discorre sobre algumas

facetas do amor. O amor que pode ressuci-

tar, o amor entre homem e mulher ou o amor

entre pessoas do mesmo sexo são algumas

das situações sugeridas em solos, duos, trios

e conjuntos. Apesar da literalidade na abor-

dagem do tema, a coreografia possui alguns

bons momentos, sobretudo nos duos.

Desde sua criação a DeAnima tem bus-

cado seu lugar na cena da dança carioca.

Neste sentido, Duas ou três coisas sobre o

amor é um acerto. Menos pretensioso que os

projetos anteriores, o espetáculo apresenta

uma companhia que se caracteriza pela ju-

ventude dos bailarinos e pela boa qualida-

de técnica.

novo espetáculo da DeAnima se re-

sume a duas curtas coreografias assi-

nadas por Roberto de Oliveira. A compa-

nhia que tem direção artística de Richard

Cragun está em cartaz até domingo no Tea-

tro Cacilda Becker com Duas ou três coisas

sobre o amor.

Drumming, a primeira coreografia da

noite, tem música de Steve Reich. Apoian-

do-se na estrutura seriada da música, Oli-

veira parte de uma frase de movimento para

desdobrá-la, tornando-a ora mais simples,

ora mais complexa e perseguindo os cami-

nhos apontados pela base inicial. Nesta peça,

a mais abstrata do espetáculo, Roberto de

Oliveira consegue construir um vocabulário

de movimento coerente, apoiado na ondula-

ção de braços e tronco, na marcação rítmica

dos quadris e na desarticulação dos gestos, a

última de evidente inspiração forsytheana.

Pena, no entanto, que a linha de interpre-

tação dos bailarinos carregue nos sorrisos e

nas expressões faciais. A coreografia de

Roberto de Oliveira tem qualidades sufi-

cientes para provocar diferentes emoções

no espectador e dispensa a alegria artifici-

O

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 19 DE JANEIRO • 200• SEXTA-FEIRA • 19 DE JANEIRO • 200• SEXTA-FEIRA • 19 DE JANEIRO • 200• SEXTA-FEIRA • 19 DE JANEIRO • 200• SEXTA-FEIRA • 19 DE JANEIRO • 20077777

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Bailarinos em busca de umafilosofia para os movimentos

OBERTO PEREIRA

tros de alguma coisa que ainda precisa tomar

o corpo e se tornar dança, se tornar movente,

no que há de continuum disso.

A segunda palavra, adorno, aparece

como conceito negativo no texto do progra-

ma: o espetáculo “prescindiria de adornos”. O

que se pode ler aqui, talvez, é que a palavra

adorno seja justamente o que falta àquela pes-

quisa para se tornar orgânica como espetácu-

lo de dança, como ela o intenta. Esses adornos,

necessários enfim, deveriam ser resgatados

por Nestorov para que suas inquietações tão

pertinentes possam ser apresentadas numa

cena, num palco, para um público.

Curiosamente, movente e adorno apare-

cem de forma exemplar na qualidade da

dança do bailarino Boris Hennion. Estão ali

as imbricações do que é só movimento com

o que o faz mover. E esse desejo aparente é

adornado pela atitude de se saber em cena,

de maneira tão completa, tão singular, e

sobretudo tão respeitosa a quem o assiste.

Seria, desse modo, essa qualidade uma pos-

sível matéria-prima para que Paula Nesto-

rov comece a transformar sua pesquisa, tão

séria, em espetáculo?

Espaço SESC, endereço oficial da

dança carioca, abriu sua temporada de

2007 na quinta-feira, com o espetáculo Moven-

te, de Paula Nestorov. Preocupada em investi-

gar as especificidades do movimento a partir

de conceitos filosóficos, a coreógrafa expõe, ao

lado de seus três bailarinos e do músico Anto-

nio Saraiva, o resultado de sua pesquisa.

Duas palavras ajudam a entender um

pouco como esse resultado chega à cena. A

primeira é o próprio título do espetáculo

(movente) e a segunda está presente no tex-

to do programa (adorno). Para o que se or-

ganiza ali como espetáculo, torna-se neces-

sário pensar o que poderia ou não estar

imbricado entre esses dois conceitos.

Ao tomar o próprio movimento e suas es-

truturas, combinadas e recombinadas no pró-

prio fazer da cena, como sua preocupação pri-

meira, Nestorov parece deixar pouco visível,

infelizmente, o que as faz mover. A ideia pro-

pulsora, ou ainda, o desejo do movimento, que

também o é, sobretudo na dança, não apare-

ce, não se desvela. Isso se torna ainda mais

claro quando a própria coreógrafa dança. O

que se consegue apreender são vestígios, ras-

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA•RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA•RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA•RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA•RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA• 22 DE JANEIRO • 2007 22 DE JANEIRO • 2007 22 DE JANEIRO • 2007 22 DE JANEIRO • 2007 22 DE JANEIRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

144

Novo palco revelalimites do trabalho

Movente: Colaboração entre Paula Nestorov eAntonio Saraiva estreita os laços entre gesto e voz

ILVIA SOTER

é seu ponto forte, é também sua maior ques-

tão. Todo o esforço da coreógrafa parece se

concentrar na tentativa de eliminar o que

poderia remeter a peça à artificialidade da

representação. Na forma como o palco é ocu-

pado, nos tempos de entrada e saída dos in-

térpretes de cena, no figurino, ou ainda na

escuta que cada um estabelece com seu pró-

prio movimento e com o do outro, esta preo-

cupação está presente. Paradoxalmente, pou-

cas propostas são mais ambiciosas do que a

aposta neste despojamento. Se o galpão da

Casa de Cultura da Maré-(Ceasm), onde a

peça fez sua pré-estreia, se prestava com efi-

ciência para o projeto, o mezanino do Espa-

ço SESC aponta suas fragilidades e limites.

Dentro de um teatro, com divisão entre pal-

co e plateia, público presente e iluminação,

criar esta atmosfera torna-se uma tarefa ár-

dua que Movente nem sempre realiza. A in-

da que a música de Antonio Saraiva e a pre-

sença dos intérpretes, sobretudo de Boris

Hennion, garantam momentos de intensida-

de, o despojamento e a aparente simplicida-

de da peça acabam por mascarar as nuances

que garantiriam seu interesse e sua beleza.

esultado dos últimos três anos de in-

vestigação de Paula Nestorov e de sua

companhia, Movente está em cartaz até dia

11 de fevereiro no mezanino do Espaço SESC.

O que interessa em Movente é o que

emerge de cada corpo, no momento em que

emerge. Uma dança que se insinua, se desen-

volve e se desmancha e que, muitas vezes,

permanece apenas como potência. A maté-

ria de Movente é a forma única que cada

corpo tem de mover-se, construindo uma

melodia cinética própria e pessoal, como o

tom da voz. A beleza da peça se dirige àque-

les cujo olhar mais treinado é capaz de per-

ceber e de apreciar esse gesto que tem a sin-

gularidade de uma impressão digital. A co-

laboração entre Paula Nestorov e o músico

Antonio Saraiva estreita os laços entre ges-

to e voz. Esta relação é enfatizada pela in-

tervenção de alguns dos intérpretes que po-

dem estar no centro do palco, em paragem

ou em movimento, ou nas margens da cena,

contribuindo vocalmente. Em Movente, até

o palco vazio reverbera som e movimento.

No entanto, talvez não seja apropriado

tratar Movente como um espetáculo. Se esse

R

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 26 DE JANEIRO • 2007• SEXTA-FEIRA • 26 DE JANEIRO • 2007• SEXTA-FEIRA • 26 DE JANEIRO • 2007• SEXTA-FEIRA • 26 DE JANEIRO • 2007• SEXTA-FEIRA • 26 DE JANEIRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

145

Novas alquimias entrebailarinos e coreógrafos

OBERTO PEREIRA

Ou ainda, entre coreógrafos e bailarinos,

relação não tão óbvia quanto parece.

O primeiro solo da noite, Acídia, do pau-

lista Luís Fernando Bongiovanni, trouxe as

reflexões de São Tomás de Aquino à cena,

para discutir uma tristeza que se poderia tra-

duzir em uma espécie de preguiça. Para tan-

to, o coreógrafo contou com a precisão físi-

ca da excelente bailarina Fabiana Nunes,

numa adequação elegante de seus propósi-

tos num corpo que dança. Apenas uma cer-

ta previsibilidade poderia ter sido driblada

para que a ideia de ausência de perspecti-

va presente no conceito de acídia pudesse

ser traduzida coreograficamente com

maior justeza. E a noção de repetição não

se confundiria com a de previsível.

Em Unheimlich, Natasha Mesquita en-

controu-se com a coreógrafa mineira Suely

Machado num passeio inquietante pela lu-

xúria e pela gula, não sem recuperar o sen-

tido da palavra alemã que dá título à obra:

estranho. Aqui, sem dúvida, trata-se de um

bom exemplo de como o tempo de convívio

entre criador e intérprete às vezes é crucial.

Natasha ainda carece de uma entrega mais

principal mostra de dança do primei-

ro semestre da cidade do Rio de Ja-

neiro teve início na última quinta-feira, tra-

zendo, como sempre, ótimas possibilidades

de discussão, próprias da dança contempo-

rânea. O Solos de Dança no SESC mostrou,

mais uma vez, novas combinações de co-

reógrafos e bailarinos que nunca, ou quase

nunca, haviam trabalhado juntos. O resulta-

do é sempre um lugar híbrido de linguagens

que os dois artistas inauguram em um curto

tempo de convívio. E, para entendê-lo, há

que se lembrar sempre desse último dado.

A edição desse ano tem uma novida-

de: sua idealizadora e curadora, Beatriz

Radunsky, lançou um desafio temático aos

16 bailarinos e coreógrafos que tomam par-

te da mostra, dividida em duas semanas, com

quatro solos cada uma. A partir de um poe-

ma de autoria de Alice Ruiz, Acertar o alvo,

todos tiveram de se deparar com os sete pe-

cados capitais como fonte primeira de seus

trabalhos. Tal desafio, aliado ao ineditismo

das parcerias, mostrou logo nessa primeira

semana o quão difícil é estabelecer pactos

temporários entre criadores e intérpretes.

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • DOMIDOMIDOMIDOMIDOMINNNNNGOGOGOGOGO• 1• 1• 1• 1• 111111 DE MARÇO • 200 DE MARÇO • 200 DE MARÇO • 200 DE MARÇO • 200 DE MARÇO • 20077777

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

146

visceral ao que se propõe em cena, para que

o tema a inunde realmente, tomando seus

movimentos. Nada que Suely não pudesse

burilar em mais alguns ensaios. Mas o que

aparece é ainda quase postiço. E os passos

de dança, dispensáveis ao final do trabalho,

poderiam dar lugar ao puro gozo que se

anuncia em todo seu belo início.

O mais belo momento da noite veio com

Caminho aberto, numa parceria instigante

entre Paula Águas e o coreógrafo Mário

Nascimento. O retorno de Paula à dança que

sempre lhe coube provou mais uma vez que

se trata de uma das mais completas bailari-

nas brasileiras. Seu vigor técnico atingiu

maturidade que compreende com uma ra-

pidez desconcertante a ideia do coreógrafo.

Mario parece ter percebido isso também

rapidamente. E o que se vê em cena é um

arroubo milimétrico de novas relações en-

tre o movimento e a própria interpretação

deles. Aqui, a presença de Daniela Visco para

auxiliar nessa equação mostrou-se funda-

mental. O público ficou com a respiração

suspensa. Era o mínimo que podia acontecer.

Fechando a noite, Bruno Cezário, baila-

rino ímpar que constrói uma sólida carrei-

ra no exterior (hoje no Ballet de Lyon –

França) convidou o coreógrafo japonês

Shintaro Oue para compor Feche os olhos

e você verá o que não pode ver. Sem dúvi-

da, trata-se do trabalho mais frágil de todo

o programa. A exuberância da dança de

Bruno não encontrou ressonância na ideia

de Oue e o resultado, confuso e cambale-

ante, fica aquém da potencialidade do bai-

larino, infelizmente. Um bom começo para

se decupar a ideia que ali apenas se insi-

nua seria avaliar, com urgência, a perti-

nência daquele figurino.

A primeira semana no Solos prova que

sua importância para a cena carioca irriga

pensamentos. Não há outra função mais fun-

damental. Não nesse momento, quando o

SESC continua sendo a única casa da dança

nessa cidade.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

147

As grandes estrelassão os bailarinos

OBERTO PEREIRA

to, há como se detectar no corpo que ali dan-

ça suas influências a partir dos coreógrafos

com quem já trabalhou, mostrando sua ma-

turidade. Apenas a duração do solo, um tanto

esgarçada, poderia ser repensada a partir de

uma coerência na trilha sonora, o que faria

estar em sintonia com a luz certeira assina-

da por Luiz Oliva e pelo próprio Paulo.

Maturidade também parece ser a pala-

vra-chave para se depreender as ideias que

estão por trás de Percurso coerente para um

corpo impertinente, solo que traz a bailari-

na Andrea Bergallo coreografada por outra

bailarina, Denise Stutz. O interessante é o

entrecruzar de maturidades dessas duas ar-

tistas presente em toda a coreografia, fazen-

do saltar aos olhos o lugar do bailarino, do

intérprete, ofício que as duas conhecem tão

bem. O resultado é o puro estado desse ele-

mento fundamental do fazer coreográfico e

isso é desvelado com precisão e poesia por

Denise e Andréa.

Fechando a noite e a mostra, a mestra

Carlota Portella reencontra um ex-integran-

te de sua companhia, Inho Sena, no solo

O prato da balança. Toda cumplicidade de

segunda semana dos Solos de dança

no SESC trouxe quatro novos traba-

lhos que fazem dela um programa sem dú-

vida mais interessante do que a primeira

semana. Novamente, a grande estrela da

noite são os próprios bailarinos, apontando

para uma possível crise pela qual devem

estar passando nossos coreógrafos.

O primeiro solo, intitulado Lado B, tenta

expurgar uma ferida histórica, aliando co-

micidade e ironia ácida. João Wlamir, en-

saiador do Ballet do Theatro Municipal, mos-

trou a excelente Laura Prochet, sua colega

de companhia, como uma típica bailarina de

corpo de baile, desnudando seus pensamen-

tos durante um ensaio geral. Não há como

negar que boa parte da plateia da noite de

estreia sabia do que se tratava, o que com-

prova a pertinência de se exorcizar esse tipo

de pensamento entre os bailarinos de uma

companhia. Apenas uma coesão maior po-

deria deixar esse solo mais enxuto e talvez

assim mais impactante.

Em ...algum início..., Paulo Marques cons-

trói uma elegante trajetória coreográfica

para o bailarino Rodrigo Maia. Nesse traje-

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA• 19 DE MARÇO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA• 19 DE MARÇO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA• 19 DE MARÇO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA• 19 DE MARÇO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA• 19 DE MARÇO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

148

anos trabalhando juntos reaparece em cena,

formando um elo intenso de compreensão

mútua entre bailarino e coreógrafo. A bela

investida em movimentos precisos contras-

taria com primazia com a ira estampada no

ato de quebrar pratos, se não fosse truncada

pela trilha sonora que excede às vezes em

seu sentido narrativo e também por peque-

nos gestos por demais dramáticos de Inho.

Em sua balança, Carlota ainda deveria per-

seguir o peso justo desses elementos. Há que

se comentar a poética iluminação de Deise

Calaça, sobretudo ao final da obra.

Aliás, na noite de estreia, justamente

o final dessa obra sugeriu um interessan-

te modo de se olhar toda a programação

da noite. Um dos pratos usados por Carlo-

ta/Inho é oferecido pelo bailarino a uma

pessoa da plateia. Na ocasião, essa pessoa

era ninguém menos que Tatiana Leskova,

a grande mestra do balé. Ela, em sua sa-

gacidade, não hesitou em também arre-

messar seu prato ao centro do palco, que-

brando-o. Seu gesto inteligente de ira con-

versa com o primeiro (e por que não, com

todos) solo da noite, deixando-a redonda.

Tanto Leskova quanto os Solos de Dança

no SESC acertaram seu alvo, recuperan-

do o título do poema de Alice Ruiz que

norteia toda a mostra.

Page 149: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

149

Festa brasileira nomelhor dos sentidos

OBERTO PEREIRA

também ilustrativo de um mundo que nos

pertence ao mesmo tempo que ainda nos é

desconhecido, infelizmente. Apenas a cena

da morte do boi com a personagem da mé-

dica travestida torna-se absolutamente dis-

pensável nesse contexto, pois não combina

com a elegância de todo o resto. E, contan-

do com músicos tão competentes, há que se

repensar o uso de música gravada em pou-

cos momentos.

A grande responsável pelo espetáculo é

Eleonora Gabriel, pesquisadora séria e apai-

xonada. E há que se lembrar que esse pro-

jeto, que bravamente existe há 20 anos, per-

tence a uma universidade pública. Os méri-

tos dessa composição fazem desse espetá-

culo uma comemoração em seu sentido

mais amplo. Num sentido de consagração

mesmo. Uma consagração brasileira.

arece uma festa barroca: música, dan-

ça e poesia entrelaçando-se. Parece

uma festa romântica, daquelas que acredi-

tam poder conservar o que há de mais puro

da cultura popular. Na verdade, Pelos ma-

res da vida, espetáculo que comemora 20

anos da Companhia Folclórica do Rio –

UFRJ, que esteve em temporada no Teatro

Cacilda Becker, é uma festa brasileira, no

melhor dos sentidos.

Aliás, todos os sentidos são mesmo agu-

çados nos 90 minutos em que danças e can-

tos tornam-se uma teia rica e colorida para

tratar de um desafio muito grande e perigo-

so: o folclore brasileiro. Sem cair em dida-

tismos estéreis, o espetáculo flui com uma

desenvoltura ao mesmo tempo correta de

pesquisa engajada de todos os seus 45 com-

ponentes. O resultado é contagiante. Mas é

P

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA• 21 DE MARÇO • 2007RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA• 21 DE MARÇO • 2007RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA• 21 DE MARÇO • 2007RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA• 21 DE MARÇO • 2007RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA• 21 DE MARÇO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

150

Reverência aopassado de olho no futuro

OBERTO PEREIRA

bos, pequenos ajustes podem ainda ser buri-

lados, e não há escola melhor para isso do

que a própria companhia, com suas tantas

estrelas tão competentes.

Mas a noite serviu mesmo para revelar

um novo grande talento, num papel menor

dentro do ballet: o jovem Cícero Gomes, bai-

larino contratado para a temporada. Vibran-

te, com técnica arrojada, concedeu o tom

exato a seu bobo da corte. Merece, desde já,

integrar a companhia de forma efetiva.

Já o corpo de baile se mostra orgânico,

apontando que, com uma direção segura e

sobretudo estável, tudo pode melhorar ain-

da mais em termos de qualidade de dança

ali solidamente construída.

O próximo programa do Ballet do Thea-

tro Municipal deve visitar a dança con-

temporânea brasileira. Nomes como o do

carioca João Saldanha, do goiano Henrique

Rodovalho e da paulista Roseli Rodrigues

foram levantados, demonstrando mais um

acerto da nova direção. Apenas o resgate do

espetáculo Isabel Torres, de autoria de um

dos mais importantes coreógrafos da atua-

lidade, o francês Jérôme Bel, apresentado

uma única vez naquele teatro e feito espe-

cialmente para ele, merece ser considera-

do. Fica aqui a dica.

nova gestão do primeiro bailarino

Marcelo Misailidis como diretor do

Ballet do Theatro Municipal se mostra, des-

de o início, promissora. Pela primeira vez na

história desta que é a única companhia de

repertório clássico do País, um bailarino que

fez carreira dentro dela fica à frente de seus

colegas, o que lhe permite tecer uma estrutu-

ra que respeite seus meandros, justamente por

conhecê-los tão bem.

Uma das provas disso é a escolha de O

lago dos cisnes para abrir a temporada de

2007, quando esse ballet completa 130 anos.

Ao homenagear essa que é uma das princi-

pais obras-primas da história da dança,

Misailidis não apenas reverencia o passa-

do como também lança flechas para o futu-

ro. Foi exatamente isso o que foi mostrado

na récita desta última quarta-feira, quando

um elenco totalmente jovem foi designado

para seus principais papéis.

Filipe Moreira, como o príncipe Siegfried,

mostrou que tem belas linhas e elegância

para o papel. Sua visível imaturidade deve

ser vencida com o tempo e por isso se tor-

nam imprescindíveis chances como essas. Já

Márcia Jacqueline, no duplo papel Odette/

Odile, evidencia que a companhia já conta

com uma nova primeira bailarina. Em am-

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O •R I O D E J A N E I R O •R I O D E J A N E I R O •R I O D E J A N E I R O •R I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 7 S Á B A D O • 7 S Á B A D O • 7 S Á B A D O • 7 S Á B A D O • 7 D E A B R I L • 2 0 0 7D E A B R I L • 2 0 0 7D E A B R I L • 2 0 0 7D E A B R I L • 2 0 0 7D E A B R I L • 2 0 0 7

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Tons monotemáticos abrem temporadade apresentações no CCBB

OBERTO PEREIRA

para a dança, três companhias foram con-

vidadas, mas apenas duas se apresentaram.

Alexandre Franco mostrou seu Corpo de

papel no 2 na rotunda do prédio, promovendo

uma bela abertura da programação. Maduro,

soube adequar sua dança ao espaço, desafio

sempre grande nesse tipo de proposta.

Já no palco, apresentou-se a dupla espa-

nhola Damián Muñoz e Virgínia García

com extratos de duas peças, A los ojos e Sta-

ff. Mesmo com tons monotemáticos em am-

bas, sem dúvida, a segunda peça foi bem

mais interessante, sobretudo pela presen-

ça do excelente bailarino Alexis Fernán-

dez. Já a terceira atração da noite, que vol-

taria a ocupar a rotunda, o paulista Marce-

lo Cirino, responsável por uma estética

bastante peculiar de dança de rua, desen-

volvida para sua companhia da cidade de

Santos (SP), inexplicavelmente não acon-

teceu, fato raro na cuidadosa programação

do CCBB.

As mostras 4 Movimentos e Dança em

trânsito têm a difícil tarefa de se mostra-

rem orgânicas entre si e ao mesmo tempo

representar a dança naquele espaço tão

importante da cidade que é o CCBB. To-

mara que dê conta disso. A dança carioca,

tão carente de espaços e iniciativas polí-

ticas, agradece.

inalmente, o Centro Cultural do Ban-

co do Brasil decidiu revelar ao públi-

co o nome do responsável pela curadoria de

seu único evento de dança do ano, o festival

4 Movimentos, que veio substituir o impor-

tantíssimo e saudoso Dança Brasil, desde

2005. Trata-se de Giselle Tápias, conhecida

entre nós como promotora de diversos even-

tos de dança. Tal revelação é importante,

pois denota, a partir do nome que assina sua

curadoria, um modo específico de agrupar

determinadas obras de dança, formando (ou

não) um pensamento sobre elas.

No caso de Tápias, tal pensamento ain-

da é uma incógnita. Ao optar por aglome-

rar duas diferentes mostras, a do CCBB, 4

Movimentos, e uma outra, que já vinha di-

rigindo há quatro anos, a Dança em trânsi-

to, deixa uma brecha de incerteza sobre a

pertinência desse convívio. Essa incerteza

só poderá ser avaliada ao final deste mês,

sua duração, mas uma primeira olhada em

como sua programação se estrutura já in-

dicia poucas possibilidades de se perceber

uma clara linha curatorial ali. Em todos os

casos, aguardemos.

Para a primeira noite do evento em que

o Teatro I do Centro Cultural foi usado, fato

inédito e louvável, já que antes apenas o

Teatro II era usado, embora inapropriado

F

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE ABRIL • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Festival revela o trabalho daótima Focus Cia. de Dança

OBERTO PEREIRA

qualidades específicas de suas danças. O quesalta aos olhos nessa obra é a capacidadeexplícita de Neoral em saber usar tão bemsua matéria-prima, o movimento, em umaadequação perfeita aos seus bailarinos. To-dos ali, sem exceção, fazem de Outro lugara certeza de que a cidade conta com umadas mais promissoras companhias de dan-ça, mostrando a face da nova geração, nãosem causar alívio a todos nós.

Já o segundo espetáculo, Basso ostinato,da Compagnie Caterina Sagna, da França,ocupou o palco do Teatro I, com três ótimosbailarinos e uma proposta instigante. Mes-mo com o visível problema de coesão daobra, que merece ser revista em sua dura-ção, pôde-se perceber a maturidade de seusintérpretes para o desafio nada simples quea coreógrafa lhes propõe. Imperdoável, noentanto, é o fato de não haver legenda ouqualquer espécie de tradução do importan-te texto falado por eles em italiano, o quefaz a obra perder, e muito, seu sentido parao público carioca.

Com ótima programação, essa segundasemana nos reanima para as próximas duasque ainda temos pela frente. Torçamos.

segunda semana do único evento dedança do Centro Cultural do Banco do

Brasil, 4 Movimentos, que ocupa todo o mêsde abril, começou anteontem mostrando-semais coesa que a primeira. Com uma pro-gramação um tanto confusa e com um en-cerramento incompreensível no último do-mingo, ao juntar no mesmo palco a coreo-grafia tão escolar Um pouco de possível se-

não eu sufoco, do iniciante Alexandre Bado,com a excelente e, sobretudo, profissionalCie. Passerelle, da Bélgica, a semana passa-da pouco tem a ver com essa que se inicia.

Apenas duas companhias compõem anoite deste “2º movimento”. A primeira, acarioca Focus Cia. de Dança apresentou-sena rotunda do Centro Cultural, estreandoOutro lugar, do coreógrafo, bailarino e seudiretor Alex Neoral. Mesmo ocupando comperfeição o espaço que lhe foi destinado (tal-vez a melhor a fazê-lo até agora), sem dúvi-da nenhuma essa companhia deveria ter seapresentado no palco do Teatro I, já que, elasim, tem qualidade para tanto.

Todos os sete jovens bailarinos formamum grupo ao mesmo tempo homogêneo emsuas competências, mas que resguardam as

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 13 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 13 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 13 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 13 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 13 DE ABRIL • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Sintomas e clichêscontemporâneos

OBERTO PEREIRA

para não fazer uso de recursos já tão des-

gastados.

A segunda obra, RG 123-4, assinada pela

jovem bailarina Flávia Tápias, presença obri-

gatória em todos os eventos que sua mãe pro-

move (Giselle Tápias é curadora

do 4 Movimentos), traz a cara chancela do

Ballet do Theatro Municipal. Três excelen-

tes e maduras bailarinas, Betina do Dalca-

nale, Laura Prochet e Sandra Queiroz, são

utilizadas de modo insípido nessa tentativa

tosca de se discutir temas como a descons-

trução do que existe de balé clássico naque-

les corpos e suas identidades, tentativa de

uma jovem bailarina que agora se arvora

como coreógrafa – tudo isso em apenas oito

ensaios, como denuncia o próprio programa

(único impresso extra). Repleta de clichês de

movimentos e truques fáceis de encenação,

tal iniciativa coloca uma pergunta premen-

te: Por que nossa principal companhia de balé,

a primeira e a única do Brasil, se presta a esse

tipo de empreendimento?

Fechando a noite, o coreógrafo Carlos

Laerte traz sua companhia, a Laso Cia. de

Dança, com Identidade deslocada. Pade-

rês frágeis obras compõem o progra-

ma da terceira semana da mostra de

dança 4 Movimentos, do Centro Cultural do

Banco do Brasil, iniciada anteontem. Em

comum, o uso excessivo de clichês, que po-

deriam ser chamados aqui de “passos de

dança contemporânea”, o que acaba sendo,

nesse caso, quase um oximoro.

A noite começa com Dama, solo de

Paula Águas, coreografado por Daniela

Visco. A bailarina, que se apresentou mui-

to recentemente com um excelente solo

assinado por Mario Nascimento, retorna ao

palco mostrando que, mesmo sendo, sem

dúvida nenhuma, ótima intérprete, com

técnica arrojada, não foi capaz de conce-

der a Dama o tom exato do que se preten-

dia ali. Problemas como falta de vocabulá-

rio de movimentos, falta de coesão, dura-

ção por demais estendida, figurino, além de

uma sequência de músicas assinada por

Lan Lan que nada tem de trilha sonora, tão

distante que está da proposta, devem ser

revistos com urgência. E mesmo o objeto

que ali se investiga, a questão da técnica

de dança, precisa ser mais bem estudado,

T

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • SEXTA-FE IRA• 20 DE ABR IL • 2007 • SEXTA-FE IRA• 20 DE ABR IL • 2007 • SEXTA-FE IRA• 20 DE ABR IL • 2007 • SEXTA-FE IRA• 20 DE ABR IL • 2007 • SEXTA-FE IRA• 20 DE ABR IL • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

154

cendo do mesmo mal das obras anteriores,

Laerte se contenta em formular o que já

domina como encadeamento de passos, sem

se arriscar em novas possibilidades coreo-

gráficas. O resultado fica próximo ao já

visto, não investindo nem na qualidade

evidente de suas bailarinas, nem no diálo-

go entre o movimento e o texto, mesmo que

um tanto prolixo, falado pelo ator Sérgio

Menezes. E é justamente nele que essa fal-

ta de diálogo fica ainda mais clara, já que

suas habilidades para a dança são visivel-

mente poucas.

Uma mostra de dança como 4 Movimen-

tos sabe que os problemas de um progra-

ma como esse são suscetíveis a qualquer

curadoria. Trata-se aqui de denunciar um

sintoma. Apenas o preço dessa denúncia

fica esperando que alguém se mostre apto

a pagá-lo. Até quando?

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

155

Festival apresentou pluralidade,mas ficou devendo em coerência

OBERTO PEREIRA

espetáculo ímpar em sua carreira. Em Can-

ção, a primeira questão que salta aos olhos

é seu caminhar pela mesma trilha já aberta

por Henrique Rodovalho em sua obra se-

minal Só tinha de ser com você, para sua

companhia, Quasar. A ideia genial apre-

sentada pelo coreógrafo goiano de fazer di-

alogar movimento com canção, escapando

ao máximo das armadilhas do literal e da

legenda, reaparece de certa forma em Vi-

eira, mas trazendo pouco de sua assinatura

coreográfica.

Todo o empreendimento no sentido de

uma economia de movimentos e de recur-

sos cênicos como trilha sonora, iluminação

e figurino, já sentido em sua obra anterior, o

que representava um grande avanço em

sua pesquisa, parece ter sido deixado de

lado. Renato Vieira talvez devesse recupe-

rar sua terceira margem novamente, e fa-

zer dela seu mapa de criação.

4 Movimentos termina colocando uma

pergunta sobre a ideia de curadoria. Lon-

ge de ser apenas quatro, a pluralidade que

se instaurou ali permitiu várias discus-

sões, tarefa primordial para uma mostra

de dança. Apenas não se pode esquecer

que, mesmo sendo plural, existe a possibi-

lidade de ser coeso. E de ser coerente. Es-

peremos, pois, sua próxima edição.

última semana da Mostra 4 Movi-

mentos, único evento de dança do

Centro Cultural do Banco do Brasil, trouxe

ao público duas companhias: Cie. Pernette,

da França, e o grupo do carioca Renato Vi-

eira. Dois modos bastante distintos de se fa-

zer e de se pensar dança contemporânea, a

junção que se estabelece nesta programa-

ção, que estreou anteontem, consagra a li-

nha de curadoria eleita por Giselle Tápias.

A companhia francesa mostrou dois tra-

balhos, ambos na rotunda do prédio do Cen-

tro Cultural: Pedigree e Le solo du coq. Mais

uma vez, ficou evidente que a escolha de tra-

balhos para serem apresentados naquele es-

paço deve ser ainda burilada pela curadora.

Pouco adequado por ser uma obra intimista,

a primeira tornou-se quase incompreensível,

pois não se podia ouvir bem o texto, chave da

peça. Já a segunda, deslocada de seu contex-

to original, pouco ofereceu de material para

reflexão. A questão que fica é a da pertinên-

cia da escolha dessa companhia, vinda de tão

longe, para se apresentar nestas condições.

O trabalho que ocupou o palco do Tea-

tro I é Canção, com coreografia de Vieira

para sua cada vez mais afinada companhia.

Sem dúvida, trata-se de uma obra de entres-

safra do coreógrafo, que no ano passado brin-

dou o público com seu A terceira margem,

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 27 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 27 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 27 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 27 DE ABRIL • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 27 DE ABRIL • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Projeto joga novas luzes sobre oexercício do papel da bailarina

OBERTO PEREIRA

seria apenas subserviente ao coreógrafo, não

imprimindo nada de seu na obra. E ainda pior:

ao tentar driblar essa falsa ideia, seria neces-sário que ele, bailarino, se lançasse também

ao ofício de coreografar. Flávia é a prova da

falácia desse pensamento, já que, nesse es-petáculo, reconhece de onde parte sua cria-

ção, lançando com competência novas luzes

sobre o exercício do papel da bailarina.A segunda questão é pensar como um

único corpo é capaz de visitar diferentes

estéticas (e por que não dizer também, di-ferentes técnicas), propondo pactos mo-

mentâneos entre o que é a assinatura do

coreógrafo e as possibilidades midiáticasdo corpo de um único intérprete. Trata-se

de uma questão contemporânea, propos-

ta, em outros termos e com precisão, porZygmunt Bauman: “como alcançar a unida-

de na (apesar da?) diferença e como preser-

var a diferença na (apesar da?) unidade”. Emnosso caso: Como essa bailarina apresenta-

se carregando em sua dança sua noção de

identidade?Talvez a ideia de um corpo mestiço,

aparelhado em sua habilidade múltipla de

dialogar com o diverso, possa ajudar apensar a questão. Flávia Tápias parece ser

a prova concreta dessa mestiçagem, já que

seu corpo visita com propriedade cada umdos solos que apresenta, o que torna esse

projeto-espetáculo um ato de recuperação

da importância vital do papel do bailari-

no na dança que se faz hoje.

nova versão do projeto 5 Coreógrafos

el corpo traz novamente à cena a ex-

celente bailarina Flávia Tápias, apresentan-

do também uma boa oportunidade para a

discussão de duas questões importantes para

a dança contemporânea hoje: a ideia de in-

térprete-criador e a de um corpo mestiço.

Nesta versão, que estreou quinta-feira

passada no Espaço SESC, são apresentados

quatro novos solos – A light piece/copy that,

de Pol Coussement; Living room, de Stépha-

nie Thiersch; Je m’apelle Flávia Tápias, de

Nicole Seiller e On ne se connait pas encore

mai, de Thomas Lebrun – e um já visto por

nós – Solo, de Rami Levi – tendo em comum

o fato de serem todos de autoria de coreó-

grafos estrangeiros e especialmente com-

postos para a bailarina.

Essa experiência não é uma novidade.

Flávia já havia se lançado a esse desafio em

2005, obtendo grande êxito com outros cin-

co solos, sendo quatro de artistas brasileiros.

Agora, mais madura em seu lugar de baila-

rina, retorna solidificando questões que são

resolvidas em seu próprio corpo.

A primeira delas, e que deve ser comemo-

rada, é poder observar como Flávia tem a qua-

lidade de quem cria a partir do seu lugar de

intérprete, o que traduz a exata justaposição

dos termos intérprete-criador (nesta ordem e

não o inverso), proposta certa vez, com total

pertinência, pela pesquisadora Silvia Soter.

Entender isso liquida de vez com o mito

de que o bailarino, na dança contemporânea,

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 7 DE MAIO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 7 DE MAIO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 7 DE MAIO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 7 DE MAIO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 7 DE MAIO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Presença, vigor e segurança emobras a serviço de uma bailarina

5 coreógrafos e um corpo:Flávia Tápias dança solos contemporâneos

ILVIA SOTER

porâneos, a competência de um intérprete

pode ser medida pela capacidade do mes-

mo em adaptar-se a uma linguagem, dandovisibilidade, através de seus movimentos e

de sua presença, à corporeidade proposta

como assinatura do criador, a realidade pro-fissional do intérprete nos dias de hoje é

outra. O longo convívio com uma mesmaproposta estética, o que garantiu por muitas

gerações a quase perfeita integração entre

bailarino e coreógrafo, tem sido substituídopor encontros de curto prazo que geram ape-

nas alguns resultados e criações. O ponto in-

teressante do projeto do Grupo Tápias é jus-tamente sublinhar essas novas relações e afir-

mar o lugar do bailarino no centro da obra.

Neste espetáculo, não vemos um intér-prete a serviço de cinco coreógrafos e sim o

contrário. Cada uma das peças serve para

solicitar, para depois exibir, competênciasdistintas da bailarina. Flávia Tápias dá con-

ta, com bastante eficiência, deste desafio e

se garante até nas propostas mais teatrais,como nos solos Living room e On ne se

connait pas encore mai. Seu amadureci-

mento como intérprete é evidente. 5 Co-

reógrafos e 1 corpo mostra uma bailarina

capaz de circular pelas praias propostas

pelos coreógrafos com bela presença, vi-gor e segurança.

m cartaz no mezanino do Espaço

SESC, a bailarina Flávia Tápias dá se-

guimento a uma ideia iniciada em 2005: co-locar suas qualidades de intérprete a servi-

ço de cinco diferentes coreógrafos. A primei-

ra experiência contou com quatro criadoresbrasileiros, um deles Giselle Tápias, mãe da

bailarina. Na versão 2007, Flávia apresentasolos construídos para ela pelos coreógra-

fos Pol Coussement (Bélgica), Stéphanie

Thiersch (Alemanha), Nicole Seiller (Suí-ça), e Thomas Lebrun (França), durante uma

residência artística de três meses na Fran-

ça e um de Rami Levi (Israel), já presentena versão anterior. O trabalho em cartaz dis-

cute os limites e as possibilidades de troca

entre a assinatura de um coreógrafo e ascompetências de um intérprete.

Os solos que compõem o espetáculo

apontam para tendências diversas da dan-ça contemporânea, passando pela já um

pouco desgastada copresença da intérprete

e de sua imagem em projeção, como em Alight piece-copy that ou pela discussão da

identidade como marca e ficção, como nas

peças Je m’apelle Flávia Tápias e On ne se

connait pas encore mai, também na agenda

da dança europeia e brasileira.

Se para muitos projetos da dança moder-na e talvez para muitos coreógrafos contem-

E

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOR IO DE JANE I RO • DOMINGO • 13 DE MA IO • 2007R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 13 DE MA IO • 2007R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 13 DE MA IO • 2007R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 13 DE MA IO • 2007R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 13 DE MA IO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

158

De complexo nãohá nada. Só exagero

OBERTO PEREIRA

Assim, talvez seja por esse motivo que

nos dois duos colocados de última hora no

programa, This heart e Set rise fall, se pos-

sa ver pequenos lampejos de ousadia de

Rhoden, o que os torna os dois melhores mo-

mentos da noite. Neles, existem o risco e a

tentativa, mesmo que dissolvidos no que o

coreógrafo domina e repete sem parecer se

dar conta disso.

Mas tanto a peça que abre o espetáculo,

Red, A força e a que o encerra, Pretty gritty

suite, são emblemáticas de um tipo de fa-

zer coreográfico que aposta em truques

fáceis para se fazer entender a qualquer

preço, sempre contando com o deslumbra-

mento do público pelo desempenho exibi-

cionista de seus competentíssimos bailari-

nos. Na primeira, ao remeter-se às três co-

res da bandeira norte-americana, tudo se

torna absolutamente escancarado no figu-

rino e na iluminação, além de contar com

uma gestualidade que muito se aproxima

da pantomima do balé. Já na última coreo-

grafia, toda feita com músicas da cantora

Nina Simone, a palavra Nina aparece pro-

jetada ao fundo, quando a dança termina,

numa espécie de grand finale. Rhoden pare-

ce não ter escapado ainda das armadilhas da

legenda e tudo se torna entretenimento puro.

Conclusão: De complexo, a Complexions não

tem mesmo nada.

recorrência de dois elementos coreo-

gráficos, a frontalidade e a simetria,

em todas as sete peças apresentadas na tem-

porada da companhia de dança nova-iorqui-

na Complexions, no Theatro Municipal, pa-

rece denunciar seu desejo de se fazer enten-

der e também o de tornar visível a qualida-

de de seus bailarinos. Tal química nem sem-

pre resulta em um bom espetáculo, mas com

certeza agrada em cheio a plateias leigas

ou pouco acostumadas a assistir dança.

Dwight Rhoden, coreógrafo-residente da

companhia, não se acanha em iniciar todas

as suas coreografias com uma frontalidade

quase obscena, porque aposta tudo no nível

técnico de seus integrantes, que realmente

respondem com eficácia ao que lhes é pro-

posto por ele. Entretanto, o exagero nas

grandes extensões de pernas, saltos e giros,

e no virtuosismo incessante que escapole à

linha tênue entre habilidade e exibição, faz

das coreografias um mesmo modo de tratar

qualquer questão, se é que realmente exis-

te alguma que o mova a coreografar.

Já a simetria coloca em evidência uma

formação quase balética do pensamento de

dança que se constrói ali, perpassando todo

o espetáculo e concedendo um equilíbrio cê-

nico tosco e antigo, que remete a uma har-

monia empoeirada que pouco tem a ver

com a complexidade contemporânea.

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE IROR IO DE JANE IROR IO DE JANE IROR IO DE JANE IROR IO DE JANE IRO • SEXTA-FEIRA • 25 DE MAIO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 25 DE MAIO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 25 DE MAIO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 25 DE MAIO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 25 DE MAIO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

159

Vigor e beleza que, sozinhos,não fazem um bomespetáculo de dançaComplexions Contemporary Ballet:

Pouco se salvou na apresentação do grupo

ILVIA SOTER

pela profusão de movimentos nos limites ar-

ticulares, pernas altíssimas em todas as di-

reções e giros intermináveis. Nada possui

nuance ou é sutil em Red. O tratamento dado

à sonoridade segue a mesma orientação:

Não há silêncio nem respiração, e sim uma

série de músicas que desembocam umas nas

outras. Em termos espaciais, Red também

não vai longe. A frontalidade quase escolar

das formações de grupo é quebrada apenas

em breves momentos.

O segundo ato é composto por peças cur-

tas e mais eficientes, ainda que sem grande

brilho coreográfico. Os solos, duos e trios

permitem que o público aprecie a compe-

tência de alguns dos intérpretes. O duo Set

rise fall, que entrou no programa no último

momento substituindo a peça Frankly, feliz-

mente quebra o padrão de agitação das co-

reografias anteriores, trazendo um pouco de

lirismo à cena e explorando outras qualida-

des dos intérpretes, além de seus corpos es-

culturais e atléticos. A presença de Desmond

Richardson em Solo – intérprete e um dos

diretores artísticos da Complexions – evi-

dencia a bela herança que traz de Alvin

om duas apresentações no Theatro

Municipal, na semana passada, o Com-

plexions Contemporary Ballet finalmente

deu a partida na temporada internacional

de dança. A marca da companhia ameri-

cana é a reunir bailarinos vigorosos e, o

mais importante, representantes de várias

etnias. O programa da turnê brasileira

traz, em três atos, extratos de peças cria-

das a partir de 1998, sempre assinadas

pelo diretor artístico e coreógrafo Dwight

Rhoden. Apesar da beleza de alguns bai-

larinos e de suas qualidades técnicas, pou-

co se salvou na breve passagem da Com-

plexions pelo Rio de Janeiro.

Em Red, extrato da coreografia Anthem

que trata das cores da bandeira americana,

fica clara a superficialidade com que Rhoden

trata de suas questões. Com trilha sonora

que vai de Jimi Hendrix a Astor Piazzola,

com tambores africanos no meio, a peça

parece sublinhar a força das influências his-

pânica e africana no continente americano.

O vermelho dos figurinos é redundado pelo

exagero da sensualidade demonstrada pe-

los bailarinos. A coreografia se caracteriza

C

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

160

Ailey, na companhia de quem trabalhou

como primeiro bailarino por sete anos.

No terceiro ato, Pretty gritty suíte, tri-

buto a Nina Simone, pretende funcionar

como um grand finale, com a companhia

entusiasmada e sorridente desfilando seus

talentos pelo palco. No entanto, cai na ar-

madilha que arma. A voz de Nina Simone

é tão poderosa que a dança não acrescen-

ta mais nada à cena. Ainda que seja agra-

dável apreciar o swing do grupo, neste úl-

timo ato, em muitos momentos, a vontade

é de se deixar fechar os olhos e ouvir a

música.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

161

Municipal respiraar contemporâneo

Coreógrafos brasileiros: Bailarinos da casa têmalguns bons momentos dançando criadores convidados

ILVIA SOTER

ção para o desenho dos espaços. A música

se mistura a ruídos urbanos e as esquinas por

onde circulam os bailarinos são sempre de-

limitadas pela luz. Ainda que a ideia seja

interessante, a peça acaba por sofrer do pe-

cado comum aos criadores iniciantes. Mar-

cella Gil abusa do recurso da iluminação e

não consegue dar um desenvolvimento

mais rico à sua proposta em termos de mo-

vimentação. O encontro entre a dança e a

vida cotidiana não chega aos corpos.

Ao despir totalmente o enorme palco do

teatro, valorizando pela iluminação o fun-

do da cena e a passarela que atravessa a rua

e liga o teatro ao seu prédio anexo, João Sal-

danha consegue inverter a perspectiva do

olhar do espectador em Manipulações sobre

as forças do vazio. A boca de cena transfor-

ma-se em um fundo de corredor e o palco é

deste modo travestido em estúdio de dança.

Os traços anacrônicos da arquitetura do

teatro ganham correspondência nos figuri-

nos. As saias longas parecem remeter aos

tempos da dança moderna. Este trabalho

segue na linha de investigação das últimas

criações de João Saldanha, ao trazer a dan-

programa Coreógrafos brasileiros do

Ballet do Theatro Municipal recupe-

ra uma bem-sucedida experiência de 1997.

Se naquela ocasião, os coreógrafos convida-

dos já carregavam uma grande bagagem de

criações, nessa nova versão, coreógrafos ex-

perientes como Roseli Rodrigues, Henrique

Rodovalho e João Saldanha são acompa-

nhados pelas debutantes Marcella Gil e

Priscila Albuquerque. Das cinco peças apre-

sentadas, apenas duas foram criadas espe-

cialmente para a ocasião: Manipulações so-

bre as forças do vazio, de João Saldanha e

Tão próximos, de Henrique Rodovalho.

Novos ventos, de Roseli Rodrigues não é

inédita e está desde 1999 no repertório da

Raça Companhia de Dança, dirigida por

Roseli. Já Caos’arte de Marcella Gil e Folia

de Priscila Albuquerque, ambas bailarinas

da casa, já foram apresentadas, ainda que em

estado embrionário, no espetáculo de encer-

ramento do Primeiro workshop do Ballet do

Theatro Municipal, no final do ano passado.

A peça de Marcella Gil inspirada na

movimentação dos trabalhadores do centro

da cidade apoia-se nos recursos da ilumina-

O

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

162

ça como exercício do espaço, afastando-a da

sedução fácil e do espetacular. Com apenas

cinco intérpretes em cena, a densidade da

dança consegue vencer a desproporção en-

tre a presença humana e a arquitetura do

lugar. O silêncio e as pausas valorizam os

gestos de cada intérprete.

Folia, de Priscila Albuquerque dá con-

ta do que se propõe. Circulando bem pró-

xima do universo da dança clássica, a co-

reógrafa constrói uma peça correta, bem in-

terpretada, mas sem grande pretensão ou

ousadia. Em Folia, como também em

Caos’arte, ficam evidentes a seriedade, o

empenho e o prazer com que todos os bai-

larinos defendem o trabalho de cada um

dos criadores.

O ponto mais frágil do programa talvez

seja Tão próximos, de Henrique Rodovalho.

A proposta simples apenas na aparência –

mostrar ao mesmo tempo a proximidade e

a distância entre a intimidade do teatro e

sua vizinhança, a Cinelândia – não chega a

se realizar em cena. O que se vê é ainda uma

tentativa de contaminação de linguagens já

que a movimentação tão particular do co-

reógrafo da Quasar Cia. de Dança não pa-

rece minimamente consolidada nos corpos

que dançam. A ideia fica restrita apenas à

trilha sonora.

Novos ventos fecha o programa com ele-

gância. A coreografia de Roseli Rodrigues

ganha um tratamento preciso por parte da

companhia. Talvez seja nessa peça em que

os intérpretes se mostrem mais à vontade.

É pena, no entanto, que uma estreia tão

importante para o Ballet do Theatro Muni-

cipal tenha acontecido numa matinê e no

meio de um feriado. A boa qualidade do

programa, que tem sua última apresentação

hoje, merecia um lugar de mais destaque na

agenda da casa.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Bailarinos de até 22 anosfirmes como veteranos

Nederlands Dans Theater: Uma das companhiasjovens mais impressionantes do mundo no Rio

ILVIA SOTER

interessante ver como o estado de tensão queoscila sem se desmanchar ao longo da peçaconsegue ser carregado por bailarinos tão jo-vens. Vale lembrar que a NDT II é compostapor bailarinos de até 22 anos.

Henrique Rodovalho criou para a NDTII uma peça de exportação, para o bem e parao mal. Se por um lado, a trilha de bossa novae a movimentação suingada resultam numapeça agradável e de rápida comunicaçãocom o público, por outro lado Sob a pele nãovoa mais alto. O material humano que teve àsua disposição não conseguiu desviar o core-ógrafo de suas trilhas já percorridas.

Spit reúne extratos de vários trabalhosanteriores de Ohad Naharin, diretor artísti-co da companhia israelense Batsheva. Éinteressante ver o vigor e a potência da dan-ça de Naharin em corpos tão jovens. O ca-ráter coletivo de algumas das coreografi-as ganha neles um sabor especial. Maisuma vez, impressiona o engajamento dosbailarinos que conseguem ir fundo em cadauma das propostas apresentadas. No entan-to, é provável que Spit funcionasse melhorcomo um pot-pourri mais assumido. A ten-tativa de costura entre um extrato e outroenfraquece o todo. Ainda mais quando fe-cha uma noite que foi inaugurada pela es-crita genial de Jiri Kylian.

este último fim de semana, um Thea-tro Municipal lotado acolheu caloro-

samente a passagem da Nederlands DansTheater II pelo Rio de Janeiro. Nesta turnê,o programa de uma das companhias jovensmais impressionantes do mundo tem doisapelos especiais para os brasileiros: umacoreografia de Henrique Rodovalho, diretorda Quasar, e a bela presença da – cada diamais competente – carioca Nina Botkay.

27’52’’, de Jiri Kylian – artista que criou aNDT II e dela foi diretor artístico até 1999 –abriu a noite mostrando que o coreógrafo nãose deixou acomodar. Com o rigor e a criativi-dade de sempre, a peça de Kylian surpreendepela simplicidade e pela contemporaneidade.A técnica de base clássica da companhia, ter-reno onde mais de 50 coreografias de Kylianse desenvolveram, se coloca de lado para dei-xar emergir corpos que se movimentam nolimite do descontrole, como que movidos defora e em tensão permanente. O título da peçajoga com a ideia de que aquela quase meiahora de coreografia é fruto de um grande nú-mero de horas de trabalho que poderiam nemaparecer. Não é o caso aqui. A precisão e aeconomia da peça são o evidente resultado daexperiência de um artista inspirado que man-tém cada um dos bailarinos no limite de suaspossibilidades e de seu comprometimento. É

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Tubos de ensaio ainda em estudoOBERTO PEREIRA

quando se lembra que dança contemporâneacarrega em sua definição a relação diretacom o mundo. Para cada nova pergunta a serfeita nesse mundo, novos modos de elabora-ção de conceitos são exigidos. Na dança doCena 11, técnica e tecnologia são interfacesde um mesmo modo de elaboração coreográ-fica. Robôs, corpos e um cachorro, todos emcena, compartilham a insatisfação dessa per-gunta quase sempre sem resposta. É assim. Eesse assim está lá, traduzido em dança.

A caixa de Skinner, que dá nome à obra,é um lugar de isolamento de animais emlaboratório para que se estude ali, em con-dições ditas ideais, seu comportamento,segundo seu idealizador, o americanoBurrhus Skinner. Essa caixa-lugar está nacena de Alejandro, é o espaço de sua dan-ça. Um espaço que é metamorfoseado, auma só vez, em palco e nos corpos de seus(todos excelentes) bailarinos. Tudo ali com-porta a construção de um pensamento, deuma investigação.

Mas, como tempo-espaço não se dis-solvem jamais, parece que agora esse énovo desafio que se impõe: como fazer deSkinnerbox eficiente em sua trajetóriaentre arte e ciência, sem esquecer queexiste um tempo imperante, que não ne-cessita de tantas recorrências para confir-mar uma proposição. Esse tempo aindanão está lá, preciso, como o espaço está. Asinvestigações devem continuar, portanto.

desafio de tratar da ideia de liberda-de a partir de conceitos como compor-

tamento, condicionamento e adestramento,exige quase uma investigação científica. Éjustamente neste atrito, entre ciência e arte,que ziguezagueia o pensamento coreográ-fico de Alejandro Ahmed em Skinnerbox,sua mais nova obra de para seu Grupo Cena11 Cia. de Dança, apresentada neste fim desemana no Rio, no Teatro Nelson Rodrigues.A dança, e mais especificamente o corpo,transformam-se em lugares de observação,estudos de caso, tubos de ensaios.

Todo seu processo de elaboração carre-gou essa intenção científica. Sob o título deProjeto-SKR, procedimentos teórico-práticosde investigação voltaram-se para questõescomo as relações homem-máquina, sujeito-objeto e controle-comunicação. E tais proce-dimentos, sempre apresentados ao público, emforma de espetáculo (mesmo que à revelia docoreógrafo, que não os vê assim), foram, aolongo de um período, servindo como testes deelaboração de uma dança que desse conta detal desafio, cujo o resultado é justamente o es-petáculo Skinnerbox. Mesmo vencido, elepermanece ainda em aberto, escancaradoem sua incompletude: O que é da arte faz osopro de vida do que é da ciência.

Para compor sua ideia, Alejandro criouuma técnica de dança. Ou talvez um compor-tamento, ou um condicionamento, ou aindaum adestramento. Nada mais arrojado hoje,

O

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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A poética sem concessõesde Marcela Levi

OBERTO PEREIRA

enhuma concessão a ser feita e mes-

mo assim a poesia ali está, presente

quase como matéria bruta, pronta para ser

destilada. É assim que Marcela Levi faz a

trama de sua última peça-solo que compõe

uma trilogia, e que leva o nome de in-orga-

nic, estreada no Espaço SESC nesta última

quinta-feira.

O que salta aos olhos, logo de cara, é que

não se trata apenas de uma bailarina, mas de

uma criadora que cria não para si, mas em si;

que não usa seu corpo para sua dança, mas

seu corpo é sua dança, absolutamente inun-

dado de uma presentidade desconcertante.

Cada objeto em cena, desde um enorme co-

lar de pérolas até uma cabeça empalhada de

um boi, compartilha com sua habilidade de

construir cenicamente sua ideia como con-

dição, nunca como complemento. É isso que

faz in-organic ser tão orgânico para alcan-

çar a dose certa de ironia, de uma justa e fina

fisgada na percepção de quem a assiste.

Marcela carrega em seu processo de

criação o DNA da coreógrafa Lia Rodri-

gues, com quem trabalhou durante oito anos.

A mesma perspicácia em perceber como

algumas informações no mundo revelam

sua crueldade mesmo tacitamente aceitas so-

cialmente, numa crítica fina e aguda, alinha-

va suas cenas, tão áridas, tão secas, e ao mes-

mo tempo tão cheias de poesia, cortantes em

sua justeza, exatas em seu timing. Quase uma

poesia de João Cabral de Melo Neto.

Um dos pontos de partida é uma premia-

da foto de um jornalista em que uma mãe

aparece sentada numa calçada velando o

corpo de seu filho brutalmente assassinado

no centro da cidade. O espaço que há entre a

dor estampada na imagem e as declarações

de satisfação do fotógrafo por ter ganho o tal

prêmio é o espaço em que a ideia se constrói,

ou seja, um espaço exíguo e desconfortá-

vel. A dança de Marcela Levi é assim: não

fazendo concessão, aumenta a nossa chan-

ce, como público, de entender que a dança,

há muito tempo, deixou de ser como tanto

querem os saudosos das harmonias e dos

belos movimentos na música. Sua dança,

estando no mundo, carrega consigo a impe-

ratividade desse mesmo mundo, em que

harmonias e movimentos também se dão

pelos seus avessos.

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JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 27 DE JUNHO • 2007RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 27 DE JUNHO • 2007RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 27 DE JUNHO • 2007RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 27 DE JUNHO • 2007RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 27 DE JUNHO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Lia Rodrigues fazobra-prima da dor

OBERTO PEREIRA

direito, porque é ela a matéria-prima que faz

mover os bailarinos.

Mas não há como negar que exista uma

beleza em cena, uma beleza quase plásti-

ca, ou mesmo provocada por um espanto,

por uma respiração suspensa, condensada,

que permanece em pausa violenta e crua,

tanto na cena quanto no público. Há o chei-

ro de catchup, escancarado em seu uso para

simular sangue, que logo toma todo o re-

cinto. Sim, se há a simulação, ela também é

desnuda. E não há como negar que exista a

crueldade de nunca, mas nunca mesmo,

promover-se um alento, mínimo que seja,

de uma chance para se retomar um nova,

ou outra, respiração.

Encarnado, de Lia Rodrigues, em sua

agudeza, nasce transformando matéria-pri-

ma em obra-prima, sem nunca abrir mão do

que há de bruto na primeira para logo ser

metamorfoseada na segunda. Para nós, não

há apenas o olhar ou o ouvir. O olfato e o tato,

de tantas dores, irrompem em coreografia. E

isso, no final das contas, também é dança.

ão há música, apenas o som que os cor-

pos produzem. Não há figurino. A luz

é econômica e a espetacularidade é de ou-

tra ordem. O que há, na verdade, é apenas –

e, sobretudo – a ideia. Uma ideia às vezes

bruta, às vezes perfilando nuances. E essa

ideia é a dor, só isso. Uma dor que toma o

corpo que dança e faz a coreógrafa Lia Ro-

drigues nomear seu espetáculo, que estreou

nesta última quinta-feira no Espaço SESC,

de Encarnado.

Na cena, essa dor se torna dança pela sua

absoluta presentidade. O aqui e o agora são

explodidos sem nenhuma outra chance de

aparecer, se não em seu estado de pura la-

tência. Está lá o livro Diante da dor dos ou-

tros, de Susan Sontag, que inspirou a coreó-

grafa. Mas estão lá também Lygia Clark,

Deleuze, Pollock, Deus, e tantos outros, amal-

gamados em um tempo enxuto, em um mo-

vimento que conta muitas vezes com passos

de balé para logo se diluírem em êxtase.

Aliás, o que é passo logo se deforma em

gesto para conceder à ideia seu espaço por

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JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE JULHO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE JULHO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE JULHO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE JULHO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE JULHO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Bailarino visionárioem mais um belo desafio

Hell’s Kitchen Dance com Mikhail Baryshnikov:Estrela do balé clássico mostra estar a serviço do futuro

na abertura do 25º Festival de Dança de Joinville

ILVIA SOTER

ção contemporânea, e sim de dois jovens e

talentosos coreógrafos: o francês Benjamin

Millepied e a canadense Aszure Barton.

A passagem do tempo está no centro

de Years later, dançada por Baryshnikov,

com coreografia de Benjamim Millepied e

videografia de Olivier Simola. O bailarino

é visitado, através do vídeo, por imagens em

preto-e-branco de um Baryshnikov adolescen-

te, desenvolvendo numa sala de dança as com-

petências exigidas pelo balé clássico. Mas não

há uma gota de nostalgia. O passado aparece

somente como citação, como bagagem carre-

gada sem esforço por um bailarino que se

mostra em plena forma no presente, preciso e

delicado em cada gesto, movendo-se com sim-

plicidade, bom humor e maestria.

No gesto simpático, Baryshnikov convi-

dou três estudantes da Escola do Teatro

Bolshoi do Brasil para fazer uma breve par-

ticipação nessa noite de estreia. Concentra-

díssimos, eles foram a única presença do

balé clássico na noite.

Dançada pelo ótimo William Briscoe,

Rom, que substituiu Leap to tall no último

momento, joga de forma inteligente com

á mais de 20 anos imerso no ambien-

te da dança contemporânea, a grande

estrela do balé clássico Mikhail Baryshnikov

não para de se colocar em situação de desa-

fio. Artista visionário, também interessado

em outras linguagens como a fotografia e o

teatro, ele tem hoje como projeto maior co-

locar-se a serviço do futuro. Sua fundação, a

Baryshnikov Arts Center (BAC), vem ser-

vindo com celeiro de novos talentos, não

apenas na área da dança. A Hell’s Kitchen

Dance, companhia jovem que criou e que o

acompanha na turnê brasileira, é um dos

frutos do BAC. Baryshnikov abriu, anteon-

tem, o 25º Festival de Dança de Joinville,

em Santa Catarina, e se apresenta hoje no

Theatro Municipal do Rio.

Baryshnikov está em cena com esses bai-

larinos – universitários e estudantes em for-

mação – e isto é uma postura de vida: abrir

caminhos e pôr no mercado artistas interes-

sados e interessantes, que, ao seu lado, podem

conquistar novos espaços. A escolha dos co-

reógrafos segue os mesmos critérios. As pe-

ças dançadas pela Hell’s Kitchen Dance no

Brasil não são de grandes estrelas da cria-

H

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JULHO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 20 DE JULHO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 20 DE JULHO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 20 DE JULHO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 20 DE JULHO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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a tensão entre o ritmo da música tradicio-

nal húngara e a força deste jovem bailari-

no negro. Nada sobra e nada falta na peça,

criada por Aszure, ou na forma como

Briscoe a defende.

A única peça de conjunto, Come in, de

Aszure Barton, fecha a noite. Pela primeira

vez, Baryshnikov se integra ao grupo. A qui

também o tempo e a memória irrigam a

dança. As imagens assinadas por Kevin

Freeman criam a atmosfera desvanecimen-

to que a coreografia seguirá. Nessa traves-

sia de corpos, cheia de silêncios e breves en-

contros, é possível ver a boa qualidade dos

bailarinos da Hell’s Kitchen Dance.

No fim da noite, resta a sensação de que o

tempo só trabalhou a favor de Baryshnikov.

Sua marca está em tudo o que passou pela

cena. E, nela, a dança é feita de beleza, so-

briedade, elegância e muita delicadeza.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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O mestre diante do mestreMikhail Baryshnikov se apresenta em Joinville confrontado

numa tela com o início de carreira e prova, aos 59 anos,que o virtuosismo está na inteligência

OBERTO PEREIRA

assado e futuro aparecem como inter-

face de um mesmo pensamento de dan-

ça: O russo Mikhail Baryshnikov e sua com-

panhia Hell’s Kitchen Dance evidenciam o

tempo em seu caráter de simultaneidade,

nunca em sentido causal ou cronológico. Em

sua estreia na turnê brasileira, anteontem à

noite, no Centreventos Cau Hansen, come-

morando os 25 anos do Festival de Dança de

Joinville, em Santa Catarina, um dos grandes

mitos da dança ocidental do século XX

mostrou como sua maturidade pode vir à

cena entremeando maturidade e arrojo es-

tético numa dança de qualidade. É a partir

desse jogo que tudo se constrói. E o público,

cerca de 4.500 pessoas, aprende definitiva-

mente como um bailarino pode, sim, saber

envelhecer sendo ainda bailarino. No Rio,

Baryshnikov faz apresentação única hoje, às

20h30, no Theatro Municipal, das coreogra-

fias Years later, Come in, Sweet dream, Ron.

O que mais saltou aos olhos em todo es-

petáculo em Joinville foi o vigor de todos os

muitos jovens (e excelentes!) integrantes,

em contraponto com a experiência de um

senhor de quase 60 anos que divide com

eles o palco. Essa primeira impressão logo

se esclarece quando se sabe que se trata, na

verdade, não apenas de mais uma compa-

nhia criada por um bailarino para que ele

possa se apresentar, mas de um projeto de

educação.

A partir da constatação de que um ver-

dadeiro bailarino encontra sua formação

profissional de dança apenas dentro de uma

companhia, Baryshnikov resolveu criar uma

espécie de etapa intermediária: sua Hell’s

Kitchen Dance reúne estudantes, que ainda

frequentam seus cursos superiores, para que

a partir dessa experiência possam se lançar

ao mercado de trabalho. De bailarino, o mito

agora é também um formador. Coisa de ar-

tista maduro e inteligente.

Saber disso modifica totalmente o modo

de se assistir ao espetáculo. Na peça Come

in, por exemplo, de autoria de uma das bai-

larinas do grupo, Aszure Barton, de apenas

32 anos, fica evidente o caráter de uma eta-

pa, mas sem nunca abrir mão da qualidade

artística. E é justamente na simplicidade co-

reográfica que ali se esboça que reside uma

ideia do “entre”: o entre-lugar e o entre-

P

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JULHO • 2007ULHO • 2007ULHO • 2007ULHO • 2007ULHO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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tempo. O maduro bailarino entre jovens bai-

larinos. Os jovens bailarinos entre suas eta-

pas de formação. A relação coreográfica

entre todos.

É na abertura do espetáculo que esse “en-

tre” já aparece como senha para tudo que

ainda está por vir. Numa peça (auto) bio-

gráfica, com o título Years later, o bailarino,

sozinho em cena, divide sua dança com ele

mesmo, ainda muito jovem, num filme em

preto-e-branco de seus tempos de Rússia.

Apesar da aparente obviedade que ali se de-

lineia, não há como não se emocionar com a

coragem de estampar as ações do tempo

numa dança que foi sempre tão virtuosa.

Hoje, o que se pode verificar é que esse vir-

tuosismo de Baryshnikov está em sua inteli-

gência. E isso, especialmente para bailarinos

e por que não, para todos nós, é a lição maior

que ele e sua companhia nos ofertam.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Mistura de gêneros que não dá ligaAs cinco peles do samba: Linguagens

se cruzam sem formar um todo

ILVIA SOTER

energias das divindades africanas. A maior

parte do elenco, todo feminino, mostra ter

uma larga experiência anterior no samba

como será evidente na cena seguinte. Mas

é nesta antessala, quando o samba ainda se

insinua, que a movimentação atinge sua for-

ma menos codificada e mais interessante.

Em seguida, o público se acomoda em

outro ambiente, uma ampla sala de estar onde

a maior parte da peça se desenrola para de-

pois ganhar o jardim, para a parte final.

Se a proposta de convívio entre público

e obra consegue ser realizada com eficiên-

cia, assim como a integração do espetáculo

à casa, a visita que a dança contemporânea

faz ao samba não assume contornos nítidos

o tempo todo nesta sala. A dança contem-

porânea se borra de samba, mas o samba

guarda por demais seus traços característi-

cos. Talvez As cinco peles do samba ganhas-

se força e profundidade se apostasse mais

na síntese e abrisse mão de parte do vasto

material de pesquisa levantado pela equi-

pe. Infelizmente, o que é interessante e agra-

dável acaba por se esgarçar pelo excesso de

ícones, de imagens, de referências e de cenas.

O tratamento quase didático de algumas

cenas acaba por esvaziar o aspecto festivo

da noite que poderia ser garantido pela boa

ideia, pela beleza e pela energia do elenco.

Casa da Glória, espaço cultural que

começa a receber artistas abriga As

cinco peles do samba, novo espetáculo de

Andréa Jabor. Para esta peça, a improvisa-

ção, área em que Andréa circula há muitos

anos, é alimentada por três fontes comple-

mentares: a arquitetura do casarão, dentro

da linha do sitespecific, o conceito das cinco

camadas do corpo desenvolvido pelo artis-

ta austríaco Hundertwasser e o samba, mú-

sica e universo que a dança contemporânea

se propõe a visitar. O espetáculo se desen-

volve em três cômodos diferentes da casa.

Para Hundertwasser, a casa é considerada

a terceira pele, aquela que vem depois da

epiderme e da vestimenta.

É esperado do público que ele seja

mais do que mero espectador. Ele irá ora

assistir ora entrar literalmente no samba.

As portas do espaço estão abertas uma

hora antes e se fecham uma hora depois do

espetáculo. Um bar reúne os visitantes e

busca criar o ambiente de convívio neces-

sário à proposta.

A primeira cena acontece num cômodo

que serve de antessala tanto para o espetá-

culo quanto para o próprio samba. Neste

local, a movimentação se desenvolve ain-

da em estado embrionário. É o samba como

potência, emergindo da incorporação das

A

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 • SEXTA-FEIRA • 2 • SEXTA-FEIRA • 2 • SEXTA-FEIRA • 2 • SEXTA-FEIRA • 277777 DE JULHO • 2007 DE JULHO • 2007 DE JULHO • 2007 DE JULHO • 2007 DE JULHO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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A construção deum novo vocabulário

OBERTO PEREIRA

A trilha, assinada por Lenine, confir-ma a prática da companhia em trabalharcom grandes compositores brasileiros.Nesse caso, o diálogo que se estabeleceentre tradição e contemporaneidade, en-tre o quintal e o mundo, entre frevos des-mantelados por efeitos tecnológicos e abateria de um Iggor Cavalera cria o es-paço da dança que se faz em cena. Numcenário asséptico composto por azulejospretos, figurinos que desmancham fronta-lidades e uma iluminação que borra con-tornos, o que se vê é algo que brilha nobreu. Quase como o fio de uma navalha.Cortante. Seco. Preciso.

E o que mais impressiona é como a com-panhia responde com eficiência àquilo queainda é novo entre a criação e a descobertacoreográficas em Breu. Novas possibilida-des de movimentos no solo, algo que Peder-neiras parece ainda experimentar e que jáse esboçava em sua obra anterior, Onqotô,comprovam como seu vocabulário pulsavivo, mostrando que nele reside a possibili-dade plena de se tratar de novos temas, detraduzir novas ideias.

Esse é o desafio vencido pelo GrupoCorpo. Mas não uma vitória que se firma emsua certeza, mas aquela que se lança a umconstante teste de sua eficácia. Aquela queentende a criação com crise, e a descobertacomo sua única saída.

a dança, a criação de um vocabuláriopróprio de movimentos é um desafio

que poucos coreógrafos conseguem vencer.O grande problema, além de sua pertinên-cia em traduzir uma ideia, conservando umaassinatura daquele que cria ao longo de suasobras, é a capacidade de tornar esse voca-bulário, assim como uma língua, algo vivo,algo que evolui com o mundo.

Rodrigo Pederneiras talvez seja um dosúnicos artistas brasileiros a se dedicar à cons-trução desse vocabulário, ferramenta que lhepermite tecer uma trama coreográfica que jáconta com neologismos e licenças poéticasnuma estrutura que ele mesmo inventou. Maisuma prova disso é sua nova obra, Breu, queestreou quinta-feira no Theatro Municipal,com sua companhia, o Grupo Corpo.

Como tudo se organiza ali é a chave paraque se entenda que, em dança, criação e des-coberta são apenas interfaces de um pensa-mento que se estrutura no corpo. Não seriapouco reconhecer isso em Breu. Mas o queé colocado em cena como ideia tambémencontra na trilha sonora, no figurino (deFreusa Zechmeister), na iluminação e nocenário (de Paulo Pederneiras) a possibili-dade de entendê-los como extensões dessecorpo que dança, alargando a qualidadedessa dança ainda mais. O que se vê é umacoesão de ideias amalgamadas em uma só.Nada escapa, nada sobra.

N

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 17 DE AGOSTO • 2007SEXTA-FEIRA • 17 DE AGOSTO • 2007SEXTA-FEIRA • 17 DE AGOSTO • 2007SEXTA-FEIRA • 17 DE AGOSTO • 2007SEXTA-FEIRA • 17 DE AGOSTO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Estranhamento efricção em um caldeirãode referências urbanas

Breu: Novo espetáculo doCorpo é intenso, passando rápido

como um raio

ILVIA SOTER

vitavelmente modificado ao ser combina-

do com o que ele acaba de criar, faz com

que cada nova peça seja colocada numa

estrada de mão dupla, que pode ser percor-

rida do passado para o futuro, ou no outro

sentido. Dessa vez, Sete ou oito peças para

um ballet, coreografia criada em 1994 e

deixada em repouso pela companhia des-

de 1999, serve para dar ainda mais visibi-

lidade ao contraste e à tensão de Breu. A

estrutura de variações a partir de uma par-

titura repetitiva – proposta pela trilha de

Philip Glass e Uakti – traz já em Sete ou

oito peças para um ballet um corpo-autô-

mato que vai ganhando o gingado de Pe-

derneiras, em momentos de quase descon-

trole. As cores da bandeira brasileira são

aos poucos acrescidas pelo terra e pelo roxo

dos figurinos.

Em Breu, a dança de Pederneiras vira

mais uma curva. A depuração das linhas, a

fluidez de entradas e de saídas de cena, a

brasilidade impressa nos quadris e nos tron-

cos ganham novos contornos nesta peça. As

linhas se amalgamam e o grupo se transfor-

ma em massa, uma massa quase sempre dis-

omo manda a tradição, o público cario-

ca recebe no inverno a esperada visi-

ta do Grupo Corpo. A cada dois anos, essa

curiosidade aumenta pela expectativa de

uma nova criação. Este ano, a trilha sonora

– sempre o chão onde Rodrigo Pederneiras

e sua equipe alicerçam suas peças – é com-

posta pelo pernambucano pop Lenine. Breu

é feito de sombras, do jogo entre o preto e o

branco, de tensão e de quedas. O cenário e a

iluminação de Paulo Pederneiras criam um

ambiente ladrilhado em negro, cujas paredes

são continuadas pelo piso que brilha, reflete

e distorce a pouca luz que incide em cena. Os

figurinos de Freusa Zechmeister criam, atra-

vés de grafismos, a gradação entre o preto e

o branco e conseguem fazer com que os cor-

pos dos bailarinos ora se destaquem, ora se

confundam com o chão que os atrai a maior

parte do tempo da coreografia.

Ao trazer uma peça antiga para abrir a

noite, antecedendo a nova criação, Rodri-

go Pederneiras mostra o quanto sua escri-

ta se desenvolve sem perder seus traços

absolutamente particulares. A ideia de um

repertório que é sempre atualizado e ine-

C

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOR IO DE JANE IRO • SÁBADO • 18 DE AGOSTO • 2007R IO DE JANE IRO • SÁBADO • 18 DE AGOSTO • 2007R IO DE JANE IRO • SÁBADO • 18 DE AGOSTO • 2007R IO DE JANE IRO • SÁBADO • 18 DE AGOSTO • 2007R IO DE JANE IRO • SÁBADO • 18 DE AGOSTO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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forme, que pulsa, explode e retorna exausta

ao chão, muitas vezes com violência. Os

corpos se atraem e se repelem também nos

duos. O País colorido e brejeiro de várias

peças da companhia é invadido por um

Brasil mais urbano, competitivo, parte de

um mundo-caldeirão de referências e rit-

mos, sublinhado pela música de Lenine.

Tem frevo dançado no chão, tem hard rock

e caboclinho. Tem rebolado, silêncio e im-

pacto de corpos.

Na fusão da luz com a escuridão, Breu é

intenso e seus 40 minutos passam rápido

como um raio. Pederneiras cria estranha-

mento e fricção; adultera o que já havia fei-

to antes, lança-se um novo desafio e traduz

tudo isso em dança, com a competência e a

criatividade de sempre.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

175

Nem a dama doteatro se ajusta

OBERTO PEREIRA

clamam por novas chaves. E elas ainda

devem ser descobertas por um público

que vem acompanhando a produção de

Bertazzo e por isso mesmo acostumado

com outros parâmetros. Sendo assim, as fra-

gilidades são evidentes e elas devem ser

tratadas como tal.

A séria pesquisa corporal que Bertazzo

desenvolve comprova que se trata de um

mestre. O que está claro em cena é que te-

mos um grupo de jovens conscientes de sua

performance, numa concentração e numa

entrega que chegam a emocionar. Tudo ali

comporta uma organicidade física que, des-

ta vez, infelizmente, não encontrou um bom

lugar na dança. E isso fica ainda mais à

mostra quando se leva em conta a ilumi-

nação, o figurino e, sobretudo, a desigual

trilha sonora que mistura peças do reper-

tório clássico com efeitos sintetizados, num

resultado que beira o inacreditável. Por

vezes, tem-se a impressão de que se está à

frente de uma cena de figurantes de filmes

épicos hollywoodianos de 1950.

Nem mesmo a grande dama do teatro

brasileiro, Fernanda Montenegro, ajusta-se

modo de assistir ao novo espetáculo

de dança assinado pelo coreógrafo

paulista Ivaldo Bertazzo, Mar de gente, que

estreou nesta quinta-feira no Teatro Carlos

Gomes, deve, enfim, se modificar. Apresen-

tando-se agora como uma companhia pro-

fissional (recém-criada em junho deste

ano), que leva seu nome e que reúne nada

menos de 30 bailarinos, o grupo deixou de

ser um projeto social para entrar no rol do

profissionalismo da dança brasileira.

Tal passagem já havia sido esboçada no

ano passado, quando da apresentação do

espetáculo Milágrimas, em que a represen-

tante de seu maior patrocinador, a Petro-

bras, anunciava que se tratava ali de uma

companhia de dança profissional, embora

isso ainda não constasse no programa. Era,

de fato, um espetáculo feito a partir de um

projeto social com dança, denominado Pro-

jeto Dança Comunidade. E isso mudava ab-

solutamente todo o modo de olhar o resul-

tado que se dá em cena.

Agora, enfim, assumindo esse novo ca-

ráter, os critérios de análise do que se cons-

trói coreograficamente em Mar de gente

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 20 DE AGOSTO • 2007• SEGUNDA-FEIRA • 20 DE AGOSTO • 2007• SEGUNDA-FEIRA • 20 DE AGOSTO • 2007• SEGUNDA-FEIRA • 20 DE AGOSTO • 2007• SEGUNDA-FEIRA • 20 DE AGOSTO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

176

plenamente com a cena coreográfica.

Uma pena, pois sua competência dramá-

tica poderia ter se espraiado melhor em

todo o espetáculo, e não apenas funcio-

nar como pontuações esparsas. Além dis-

so, o palco do Carlos Gomes não se mos-

tra adequado às variações coreográficas

típicas de Bertazzo, que funcionam me-

lhor em espaços de arena maiores. A pro-

va disso é o convite feito pela própria

atriz à plateia para ocupar as arquiban-

cadas no palco.

Mar de gente não é o melhor trabalho

dessa nova companhia que já possui um his-

tórico como projeto social. Mas é suficien-

temente capaz de provocar saudades dos

três grandes espetáculos que o mesmo Ber-

tazzo produziu por aqui, entre 2000 e 2002,

quando ainda trabalhava com o extinto

Corpo de Dança da Maré.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

177

O desafio de setornar profissional

Mar de gente: Em nova fase, companhia criada porIvaldo Bertazzo começa a mostrar singularidades

ILVIA SOTER

a cena, sublinha ainda mais a participação

dos jovens como coro. A atriz que contrace-

na com o grupo é responsável pela maioria

dos textos que servem como costura entre

as cenas e as músicas.

O coro, essa massa humana, esse mar de

gente, acentua um dos interesses centrais de

Bertazzo: a complexidade e a suposta uni-

versalidade do gesto humano. Se antes, em

Samwaad, o grupo visitou músicas e danças

da Índia e, em Milágrimas, tinha um colori-

do africano, agora, em Mar de gente, preten-

de borrar as referências locais para se apro-

ximar de um mundo atemporal, berço da ci-

vilização. A coreografia de Bertazzo também

mescla referências variadas e ganha mais

força quanto maior é o grupo que dança.

Curiosamente, é justamente neste mo-

mento em que o projeto se pretende pro-

fissional, que algumas características que

sempre imprimiram grandiosidade às pe-

ças de Bertazzo – como trilha sonora de

alta qualidade composta especialmente

para o espetáculo ou uma iluminação ade-

quada e criativa – se fragilizam. A trilha so-

nora de Mar de gente, além de não valorizar

educador e coreógrafo Ivaldo Bertaz-

zo inaugura com Mar de gente, em

cartaz no Teatro Carlos Gomes, uma nova

fase em sua carreira. Em seus 30 anos de prá-

tica profissional, uma de suas principais

marcas foi misturar, em seus espetáculos,

amadores iniciados em sua linguagem de

dança e métodos somáticos, seus cidadãos-

dançantes – termo cunhado por Bertazzo –

e artistas profissionais. Desde 2000, inves-

tindo prioritariamente em cidadãos-dançan-

tes moradores de espaços populares e, a

partir 2003, de volta a São Paulo, o coreó-

grafo decidiu transformar esse elenco no que

define como uma companhia de teatro-dan-

ça profissional. Os jovens que hoje com-

põem essa equipe foram capacitados no seio

do projeto Dança Comunidade, um projeto

sócio-artístico dirigido a grupos de várias re-

giões da periferia de São Paulo.

Neste primeiro espetáculo, a companhia

guarda como traço das produções anterio-

res o fato de ser utilizada como um corpo de

dança, um grande coro que apenas em pou-

cos momentos se recorta em formações di-

ferentes. Trazer Fernanda Montenegro para

O

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 24 DE AGOSTO • 2007• 24 DE AGOSTO • 2007• 24 DE AGOSTO • 2007• 24 DE AGOSTO • 2007• 24 DE AGOSTO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

178

a dança, em muitos momentos prejudica a

passagem de uma coreografia a outra. A

peça parece espremida no palco italiano do

Teatro Carlos Gomes, levando a crer que foi

desenvolvida para outro tipo de espaço cê-

nico, enquanto a iluminação achata ainda

mais o espaço.

Para aqueles que acompanham o grupo

desde Samwaad é impossível não notar o

crescimento de alguns jovens e o desenvol-

vimento de suas competências físicas e téc-

nicas. O uníssono, a busca pelo homogêneo

e a sincronia de gestos, que por algumas

peças caracterizou boa parte das coreogra-

fias de Bertazzo, perdem-se um pouco para

tornar possível o surgimento de singulari-

dades. Alguns jovens começam a se desta-

car ao imprimir traços bem pessoais à core-

ografia.

A continuidade da experiência com

Bertazzo ao longo do período de amadure-

cimento desses cidadãos-dançantes mostra

que, se ainda há um longo caminho a ser tri-

lhado para que o grupo possa ser visto como

uma companhia profissional por suas quali-

dades artísticas, muito já foi percorrido. A

partir de agora, o grande desafio é saber

desdobrar o material já incorporado e dar

maior visibilidade a cada um dos jovens que,

dançando, chegaram até aqui.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

179

No programa, umaboa dose de humor eficiente

OBERTO PEREIRA

tanto, sua execução é surpreendente, mes-

mo que deixe ainda mais claro porque essa

técnica de pontas deve mesmo ser desenvol-

vida apenas pelas mulheres.

O programa, de quase duas horas e

meia, foi um tanto extenso, contando com

mais três obras que não estavam previstas.

Mas valeu a pena assistir à impagável

Morte do cisne, um ícone no repertório clás-

sico. E é claro que quem mais tirou provei-

to e se divertiu com o espetáculo foram

aqueles que conhecem a fundo os ballets

parodiados. Os pequenos detalhes, que es-

cracham com os trejeitos e os maneirismos

das grandes estrelas, são, sem dúvida, os

mais engraçados.

Diante da lastimável situação finan-

ceira da nossa primeira e única compa-

nhia de ballet, a do Theatro Municipal jus-

tamente, que quase não se apresentou ain-

da nesse ano, assistir aos Trocks permitiu

que o ballet fizesse o público carioca rir.

Nada mais oportuno, para que se esqueça

um pouco de lamentar o que acontece por

aqui. Afinal, essa não é mesmo uma das

funções da comédia?

que se deve ter bem claro ao assistir

às apresentações da companhia

nova-iorquina Les Ballets Trockadero

de Monte Carlo, que se apresentou nesse

fim de semana no Theatro Municipal, é que

se trata puramente de entretenimento.

E como tal, ela é absolutamente eficiente,

como se pôde comprovar em sua passagem

por aqui.

Tal eficiência aposta num elemento que

muitas vezes fica distante da dança, seja ela

qual for: o humor. Tudo bem que o humor dos

Trocks, como são conhecidos, é quase paste-

lão. Tudo bem também que eles traduzem

em comédia quase chanchadesca os gran-

des ballets clássicos de repertório. Ao fazê-

lo, o que os legitima é a técnica arrojada de

seus bailarinos, todos homens, o que conce-

de ainda mais graça às suas apresentações.

Nessa técnica pode se ver ainda o timing

perfeito, exigência para qualquer iniciativa

que pretende fazer rir.

Estão lá os dificílimos fouettés, as pirue-

tas e as sequências de saltos, executados to-

dos sobre as pontas dos pés, o que não é, jus-

tamente, tarefa dos homens no ballet. Entre-

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 20 DE SETEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 20 DE SETEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 20 DE SETEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 20 DE SETEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 20 DE SETEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

180

O mapa da dançacontemporânea

OBERTO PEREIRA

Tudo isso está reunido numa belíssima

caixa que foi recém-lançada pelo Itaú Cul-

tural: os textos mapeadores dos pesquisado-

res, 5 video-danças, todos em DVDs, as 25 co-

reografias, também em 5 DVDs, fotografias

das obras e ainda artigos reflexivos sobre

todo o projeto. Para tanto fôlego assim, há

que se relevar algumas lacunas no mapea-

mento, além de uma certa desigualdade na

qualidade dos trabalhos apresentados. Mas,

dentro desse contexto, até mesmo tais cons-

tatações já se servem como índices de como

está a dança contemporânea brasileira.

O Rio de Janeiro está bem representado

em todo o projeto. Além dos ótimos trabalhos

de Marcela Levi (in-organic) e Helena Viei-

ra (Maria José), há que se destacar o instigan-

te video-dança Jornada ao umbigo do mundo,

de Alex Cassal, Alice Ripoll e Theo Dubeux.

Geografizar o que é, por definição, algo

inconstante coloca a dança contemporânea

como lugar de reflexão e de história. Sônia

Sobral, viabilizadora do projeto, sabe desse

desafio ontológico. E por isso mesmo nos

permite ter esse mapa movente que se re-

faz a cada instante.

apeamento, cartografia: termos que

em sua origem carregam a ideia de

geografia são emprestados para tratar de

um espaço que se move continuamente,

numa relação quase absoluta com o tempo,

a dança. Como adequar essa relação de um

espaço que se cria a cada momento e de um

tempo que é sua causa e consequência em

dança, e mais especificamente em dança

contemporânea, é o desafio que se impõe o

projeto Rumos Dança, do Itaú Cultural. Um

projeto absolutamente pioneiro, ambicioso

e, acima de tudo, necessário.

A ideia parece simples: reunir num mes-

mo catálogo uma situação da dança contem-

porânea no Brasil. Tal reunião se deu em três

frentes: um levantamento de informações

sobre essa dança, elaborado por 14 pesqui-

sadores que tentaram cobrir todas as

regiões do País; uma amostra do que já está

sendo produzida por aqui num dos mais re-

centes mídias artísticos, o video-dança; e por

fim a reunião de 25 trabalhos de caráter in-

vestigativo, previamente selecionados por

uma comissão e que abarcam a produção na-

cional na área.

M

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 5 DE OUTUBRO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 5 DE OUTUBRO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 5 DE OUTUBRO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 5 DE OUTUBRO • 2007 • SEXTA-FEIRA • 5 DE OUTUBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

181

Estreia daCia. da Ideia surpreende

OBERTO PEREIRA

Estação é um trabalho que tem como

semente uma pesquisa universitária de

Sueli, que se expandiu e se tornou um espe-

táculo. Nesse sentido, carrega a envergadu-

ra da pesquisa, condição primeira da dança

contemporânea. E, mesmo com maturidades

tão diversas, os cinco bailarinos em cena

conseguem defender bem as ideias que es-

tão no próprio nome do grupo que os agluti-

na. Entretanto, é o jovem talento Thiago

Sancho quem se destaca, apontando para

uma promissora carreira como bailarino e

intérprete.

Já o espaço do Teatro II do SESC Tiju-

ca, ao mesmo tempo que é, sem dúvida,

pequeno demais para a coreografia que ali

se desenvolve, parece denotar o cuidado

com que a Cia. da Ideia entra na cena cari-

oca: tudo deve ser do tamanho deles, mos-

trando que desde o início a ideia é mesmo

a de construir um percurso, sem queimar

etapas. O início dessa viagem, com Estação,

começou muito bem. Metafórica e profis-

sionalmente.

ma nova companhia surge no cenário

da dança contemporânea carioca, tra-

zendo uma boa questão para se pensar qual

é o estado dessa dança hoje. Trata-se da Cia.

da Ideia, que tem como idealizadores os bai-

larinos Sueli Guerra e Jean Gama, ambos

oriundos de importantes e históricas com-

panhias da cidade e que acabou de estrear,

neste último sábado, no Teatro II do SESC

Tijuca, o espetáculo Estação, permanecen-

do em temporada até o final do mês.

A questão trazida pela companhia é a

vontade de experientes bailarinos, como são

Sueli e Jean, em viabilizar sua dança, algo

que parece simples, mas que se tornou um

verdadeiro desafio nesses tempos de políti-

ca quase zero para a dança, sobretudo no

âmbito municipal. Dessa vontade, surgiu o

empenho de se juntar a outros bailarinos e

tornar real um trabalho que carregasse a

qualidade da dança atada ao senso de pro-

fissionalismo. Essa primeira batalha, ao que

tudo indica, a Cia. da Ideia venceu, e com

muitos méritos.

U

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 10 DE OUTUBRO • 2007• QUARTA-FEIRA • 10 DE OUTUBRO • 2007• QUARTA-FEIRA • 10 DE OUTUBRO • 2007• QUARTA-FEIRA • 10 DE OUTUBRO • 2007• QUARTA-FEIRA • 10 DE OUTUBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

182

A dança baila entrelinhas e entrelinhas

OBERTO PEREIRA

o lançamento, somente nesse primeiro se-

mestre de 2007, de três livros muito signifi-

cativos dessa produção.

Bastante distintos entre si, esses livros

contemplam públicos diferentes, com modos

de tratar a dança também diferentes, inclu-

sive com formatos diferentes, mas todos

apontando sempre para o crescimento des-

sa demanda entre nós. São eles: Angel Vian-

na: a pedagoga do corpo, de Enamar Ramos

(Summus); Contos de balé, de Inês Bogéa

(Cosac & Naify); e Cisne Negro: 30 anos de

vida na dança, de Cássia Navas (Retrato

Editora).

O primeiro é resultado de um doutora-

mento feito na área de teatro na UniRio e

mostra um perfil muito importante da mes-

tra da dança Angel Vianna: como seu mé-

todo corporal, denominado Conscientiza-

ção do Movimento, pode ser útil para a for-

mação de atores. A pesquisadora Enamar

provou ter fôlego para a pesquisa, articu-

lando informações históricas, estéticas e pe-

dagógicas, sem nunca perder seu objeto de

vista. Entretanto, algumas imprecisões, so-

bretudo no que se refere ao curso superior

produção bibliográfica sobre a arte da

dança tem crescido muito no Brasil,

ainda que as prateleiras dedicadas a ela,

mesmo nas melhores livrarias da cidade,

ainda se resumam a, no máximo, alguns tí-

midos centímetros que reúnem alguns pou-

cos títulos. Se reunir o que existe nessa área

nem sempre é tarefa das mais fáceis para

nosso mercado de livros, tal fato vai na con-

tramão das expectativas de um perfil de

pesquisadores que cresce a cada ano, sobre-

tudo em razão da existência de cursos su-

periores de dança (no Brasil, já contamos

com 12 deles, de norte a sul do país), um

mestrado (na Universidade Federal da

Bahia, o primeiro específico de dança por

essas terras) e algumas especializações

lato sensu.

Para dar conta dessa produção científi-

ca, uma bibliografia voltada para área urge.

Hoje, dissertações e teses são publicadas e

coletâneas de artigos são consumidas rapi-

damente por um público ávido por referên-

cias teóricas para seus trabalhos tanto teó-

ricos quanto práticos. Um bom sinal disso é

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 13 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 13 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 13 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 13 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 13 DE NOVEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

183

em dança idealizado por Angel, não com-

binam com a meticulosidade do texto

quando se dedica a explorar com afinco a

relação entre o corpo pensado pela mestra

e o ator em cena.

O segundo é um livro escrito por uma

bailarina e isso faz toda a diferença. A capi-

xaba Inês Bogéa foi, durante anos, bailari-

na do Grupo Corpo e hoje se dedica, em São

Paulo, à crítica de dança e a um doutorado

na área. Com seu Contos de balé, ela preten-

de atingir um público ainda pouco servido

de livros sobre dança: o infantil. Essa é a

segunda empreitada de Inês nesse sentido,

que já havia lançado em 2002, O livro da

dança (Cia. das Letras). Agora, a originali-

dade fica por conta de sua proposta: narrar,

do ponto de vista de algum personagem ou

não, a história de cinco balés do repertório

clássico. Com belíssimo formato e ricamen-

te ilustrado, sua iniciativa é louvável. Ape-

nas alguns dados históricos sofrem por al-

gumas imprecisões que merecem ser revis-

tas. E, claro, a ausência de mais fotos de bai-

larinos brasileiros assim como a de algumas

referências sobre as montagens no Brasil

(como, por exemplo, a clássica montagem

integral de O lago dos cisnes, no Theatro

Municipal do Rio de Janeiro, em 1959, a

primeira nas três Américas) podem ser sen-

tidas por um leitor mais exigente.

Já o terceiro livro comemora um feito: a

existência, ou por que não dizer, a sobrevi-

vência de uma companhia particular de

dança no Brasil, que completa seus 30 anos:

a companhia Cisne Negro, dirigida por

Hulda Bittencourt. A pesquisadora paulista

Cássia Navas debruçou-se em contar essa

história num texto fluido, mas que hora

alguma deixa escapar informações tanto ca-

talográficas, quanto históricas e estéticas.

Trata-se de um típico livro de mesa, com

requintado projeto gráfico e belas fotos das

coreografias históricas do grupo. Um livro

que já nasce como documento de uma his-

tória que se faz a cada dia, encarando o de-

safio de se produzir dança hoje nesse país.

E é nesse sentido que o texto de Cássia tra-

fega, tornando a dança do Cisne Negro uma

dança viva nas páginas que escreveu.

Três produções bibliográficas distintas

para públicos os mais diversos. Em comum,

a certeza de que a produção teórica sobre

dança cresce no Brasil, mesmo que na mão

inversa das políticas públicas para essa área.

Pelo menos, pensa-se mais sobre a dança

hoje, entre nós, deixando estampados esses

pensamentos, sempre plurais, em livros que

devem, em muito pouco tempo, rechear as

prateleiras das livrarias mais cuidadosas

com seu público.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

184

Descompasso entreo tema e a coreografia

Nós, os outros: Companhia “oficial” da cidade,Ateliê Coreográfico estreia com espetáculo fraco

tidade postiça, construída de fora. O tema

vem sendo visitado com frequência e com-

petência por muitos coreógrafos cariocas

nos últimos anos como, por exemplo, Gusta-

vo Ciríaco, Fred Paredes, Dani Lima, para

citar apenas alguns.

É Regina Miranda quem assina roteiro,

direção e encenação de Nós, os outros. O es-

petáculo reúne pequenas coreografias criadas

tanto pelos componentes da própria compa-

nhia, como por outros coreógrafos e professo-

res do Ateliê, como Duda Maia, Marina Mar-

tins, Paulo Marques, Renata Diniz e João Pau-

lo Gross. Dois momentos de autoria da pró-

pria Regina Miranda abrem e fecham a peça,

tentando habilmente dar unidade ao conjun-

to. Mesmo que se perceba uma busca de cos-

tura entre uma cena e outra, na noite de es-

treia, a peça pecava pela falta de um fio con-

dutor mais claro. Algumas cenas trazem de

forma explícita a discussão pretendida, como

aquela em que uma das bailarinas se apresen-

ta misturando sua identidade a uma lista de

clichês sobre a mulher brasileira, mas o trata-

mento da questão também não escapa ao cli-

chê. A complexidade da discussão sobre bra-

ILVIA SOTER

uma noite de chuva e caos na cidade,

os discursos de Ricardo Macieira e de

Regina Miranda, Secretário das Culturas e

Diretora do Centro Coreográfico do Rio de

Janeiro, respectivamente, antecederam a

estreia de Nós, os outros, primeiro espetácu-

lo da Ateliê Coreográfico Companhia de

Dança. Segundo Macieira, o grupo estrea-

va também como a companhia oficial da ci-

dade do Rio, ou “corpo estável”, nas palavras

do secretário.

O Ateliê Coreográfico, carro-chefe do

Centro Coreográfico, nasceu como um proje-

to de formação em dança, e suas ações foram

assistidas pelo público em outras ocasiões, no

formato de encerramento das oficinas de cri-

ação. Nesta segunda fase, um grupo de 11 jo-

vens foi selecionado para formar a companhia.

Nós, os outros pretende discutir a identi-

dade brasileira a partir do olhar do outro. No

programa do espetáculo, citações de Oswald

de Andrade e referências a Roberto da

Matta, Darcy Ribeiro e aos registros que

Debret fez sobre o Brasil reforçam a pro-

posta de exploração e rejeição de uma iden-

N

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 2 DE NOVEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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silidade e alteridade não ganha em momento

algum terreno fértil na cena. A diversidade do

povo brasileiro presente nesta companhia –

como, aliás, na maior parte das companhias de

dança do país afora – não dá conta de acres-

centar nada de novo ou de singular à questão.

Neste caso, parece apenas reforçar o aspecto

de integração social a que a ação do Ateliê se

propõe. Na maior parte das cenas, o tema se-

gue alheio ao que é dançado.

O grupo, visivelmente empenhado e de-

dicado à tarefa que lhe cabe, não encontra

nesta peça oportunidade para mostrar suas

possíveis competências nem como intérpre-

te nem como criador.

Como etapa de conclusão de mais um

ano de atividades de formação do Centro

Coreográfico, o espetáculo já seria fraco.

Mas se compreendido como o Secretário das

Culturas anunciou, enquanto a coroação da

política pública de apoio à dança contem-

porânea iniciada na primeira gestão do Pre-

feito César Maia, a fragilidade de Nós, os

outros se torna ainda maior.

A política municipal de subvenção a 13

companhias de dança – suspensa em 2005

– foi durante anos referência no País e no

exterior. Essa nova etapa que reduz o apoio

municipal a somente a Ateliê Coreográfico

Companhia de Dança não reflete nem de

longe a criatividade, a riqueza e a diversi-

dade que a política anterior garantiu ao

panorama da dança do Brasil.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

186

Criação comodiálogo de diferenças

Paradise city: Espetáculo australiano promoveencontro, troca e poesia no ginásio do SESC Tijuca

ILVIA SOTER

vocação com flexibilidade e habilidade

para girar, e a rampa é invadida pelo ska-

tista e pelo ciclista, que são atrapalhados pe-

los obstáculos criados pelos outros. Aquela

possível conversa de surdos sugerida no iní-

cio da peça se transforma, assim, numa in-

tensa e, na maioria das vezes, divertida tro-

ca de provocações. Um verdadeiro diálogo

se estabelece. A improvisação, o erro e, prin-

cipalmente, o nonsense alimentam o jogo.

Por exemplo, a descida da imensa cortina de

veludo vermelho, aparentemente estranha

à pista, ajuda a inserir a diva decadente na

cena. A música, gerada por computadores

e executada ao vivo, não deixa que o jogo

se desmanche mesmo nas pausas.

O espaço urbano, com frequência tratado

como ambiente de exacerbação do individu-

alismo, ganha em Paradise city outros tons. A

juventude dos intérpretes reforça a potência

criativa deste espaço e justifica o título da

peça. Ainda que cada um ali seja diferente e

que, sobretudo, fale uma língua cinética dis-

tinta, não há nada que impeça que haja encon-

tro, troca, poesia e dança. Paradise city tem

também o mérito de atrair para a dança con-

temporânea espectadores de todas as idades.

Ginásio do SESC Tijuca transformou-

se numa inusitada pista de skate para

acolher Paradise city, do grupo australia-

no Branch Nebula. O espetáculo, uma das

atrações do Panorama de Dança, faz sua

última apresentação hoje, no mesmo local,

às 17 horas.

Nesta arena, um ciclista de BMX, um

skatista, um b-boy, uma bailarina loura e

atlética e uma acrobata são acompanhados

por uma cantora com ares decadentes.

Como espaço público, a cena é lugar de

coabitação das diferenças destes persona-

gens do imaginário urbano, mas também faz

emergir o que lhes é comum: o movimento.

Num primeiro momento da peça, suas es-

pecificidades cinéticas e suas competên-

cias são exibidas e confrontadas com as dos

outros. Cada corpo é sublinhado pela sua

movimentação característica e por suas ex-

tensões: o figurino, a voz, o microfone, a bi-

cicleta, o skate, a rampa etc. Não é possí-

vel imaginar o ciclista sem as rodas ou a

cantora sem sua cortina vermelha.

Aos poucos, no vazio desta pista, um jogo

é estabelecido. O dançarino de break desa-

fia a bailarina loura, que responde à sua pro-

O

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • DOMINGO • 4 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 4 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 4 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 4 DE NOVEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 4 DE NOVEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

187

Excesso de devoçãoem espetáculo sem desafios

Excelência da bailarina MariaAlice Poppe sobressai

OBERTO PEREIRA

tes da dança brasileira. Existe aí, sem dúvi-

da, um caminho amaciado pela emoção que

sua figura provoca. O perigo está justamen-

te quando essa emoção beira a devoção,

entupindo os canais dos desafios mais difí-

ceis se não houvesse tal facilidade. Talvez

Maria Alice precisasse, freudianamente,

processar, tal como o filho o faz com sua mãe,

sua relação com a mestra. E, assim, acredi-

tar também que seu corpo já abriga essa

mestra e a carrega como informação e re-

conhecimento.

A coreografia, assinada por Alexandre

Franco, parece também sucumbir a essas fa-

cilidades, o que a torna quase como um de-

calque no corpo da bailarina. É interessan-

te perceber como são nos movimentos lar-

gos e amplos que Maria Alice deixa esca-

par suas habilidades técnicas mais históri-

cas, entregando-se aos olhos dos familiari-

zados com sua dança. E é justamente nesses

pequenos momentos que ela nos prova o que

Ilya Prigogine nos mostrou através da ciên-

cia: o tempo é mesmo irreversível.

xistem dois facilitadores que funcio-

nam como eixos para o espetáculo

Atempo, que Tato Taborda concebeu e di-

rigiu para a bailarina Maria Alice Poppe,

que estreou na última quinta-feira no Es-

paço SESC. Como trata do tempo, tentou-

se escapar a qualquer custo de sua dimen-

são cronológica e causal, mas a escolha de

se trabalhar com uma criança e uma mes-

tra da dança, que aparecem dançando em

vídeos projetados em telões, de certa for-

ma a recupera.

Como não cair nas armadilhas da linea-

ridade temporal, estampando na cena três

fases tão simbólicas da vida de uma mulher,

como a infância, a maturidade e a velhice?

Será que a própria dança de Maria Alice,

cuja excelência arremata em simultaneida-

de essas três fases, não daria conta sozinha

de discuti-las? Esse primeiro facilitador se-

ria mesmo necessário?

Outra questão: essa é a terceira vez que

Maria Alice trabalha com sua mestra An-

gel Vianna, um dos nomes mais importan-

E

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 10 • 10 • 10 • 10 • 10 DE DEZEMBRODE DEZEMBRODE DEZEMBRODE DEZEMBRODE DEZEMBRO • 2007 • 2007 • 2007 • 2007 • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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A proposta é clara,mas a dança é sem ousadiaAtempo: Maria Alice Poppe refaz sua trajetória

ILVIA SOTER

gel e a criança Sofia Arruda como desdo-bramentos da própria intérprete. Sofia apa-

rece dançando vestida de bailarina numa

das salas da Escola Angel Vianna. Esta casa-ventre materno reforça a ideia de origem.

A proposta de Atempo aparece em cena

de forma clara, mas, apesar da clareza e dacoerência com que é construído, o espetá-

culo se vê amarrado no que pretende tratar.

A estrutura da dramaturgia, regular em ex-cesso, não vai além de expor sua ideia. Em

tempo real, Maria Alice busca uma movi-mentação apenas possível, muitas vezes mí-

nima, como se seu corpo estivesse apertado

neste tempo presente. Na tela, o tempo es-corre para frente e para trás, na criança, em

Angel que ali é passado, origem e também

um possível devir. Em outros momentos, abailarina se funde com a sua própria ima-

gem projetada ou dela se descola.

Ainda que assistir a Maria Alice Poppedançar seja sempre uma experiência enri-

quecedora e prazerosa, a coreografia de Ale-

xandre Franco não ousa ou se arrisca e aca-ba apenas por reforçar o que dela é conheci-

do. Nem a paralisia é assumida integralmen-

te, nem a dança irrompe para impor a MariaAlice novos e merecidos desafios ou ainda

para jogar de forma mais livre com as diver-

sas temporalidades de sua dança. Tempora-lidades que convivem inevitavelmente em

qualquer corpo, mas que aqui são sublinha-

das de forma excessivamente didática.

esde que saiu da Staccato Dança Con-

temporânea, companhia que fundou

com o coreógrafo Paulo Caldas, Maria Alice

Poppe vem buscando outra inserção no ce-nário da dança carioca. Sem embarcar na tri-

lha dos intérpretes-criadores, a bailarina tem

colocado suas inúmeras qualidades a serviçode outros coreógrafos. Ainda que não assine

as peças que dança, nem por isso deixa de es-

tar no centro de seus novos projetos. No anopassado, dançou o ótimo Tempo líquido, que

Maurício de Oliveira criou a seu convite para

os Solos de Dança no SESC. Já em Atempo –em cartaz no mezanino do Espaço SESC até

domingo –, é em torno de sua trajetória como

bailarina que o espetáculo se constrói.O texto do programa expõe a mudança

da ideia inicial, a de trabalhar a partir de

Alice através do espelho, para a de tratardesta outra Alice, a Maria Alice “na vida

real”. Para tal, a intérprete recorre a parce-

rias anteriores e fundadoras de sua histó-ria, como sua mestra Angel Vianna, o co-

reógrafo Alexandre Franco, que já coreo-

grafou intérprete e mestra em outra oca-sião, e o músico Tato Taborda, autor da tri-

lha de Tempo líquido, que, além da música,

agora assina roteiro e direção.Nesta peça, três telões – uma possível

referência aos espelhos do texto de Lewis

Carroll – multiplicam o número de mulhe-res em cena. Além de Maria Alice, presen-

te e em vídeo, outras imagens trazem An-

D

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 13 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 13 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 13 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 13 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 13 DE DEZEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

189

Bela récita, apesar dos nósRoberta Márquez e Thiago Soares perdem a sincronia

OBERTO PEREIRA

Alguns pequenos problemas de remonta-gem, como o andamento dramatúrgico um tan-

to esgarçado da cena dos festejos na casa dos

barões, ou a da falta de ensaios na cena dossoldadinhos, ambas do prólogo, não impediram

que a récita contasse com ótimos momentos. Os

alunos da Escola de Dança Maria Olenewamerecem o primeiro destaque. Hélio Bejani

acertou em sua atuação como Drosselmeyer,

o trio dos Mirlitons formado por Karina Dias,Filipe Moreira e Rodrigo Negri estava impe-

cável e todo o corpo de baile mostrou-se coe-

so. Vale ressaltar dois jovens de grande futuro:Irlan Santos, que brilhou na dança russa, e

Amanda Assucena, perfeita como Clara.

Já Roberta Márquez e Thiago Soares pro-varam porque ocupam hoje postos de desta-

que em uma das mais importantes companhi-

as de ballet do mundo. No grand pas-de-deux,

mostraram suas evidentes qualidades: en-

quanto Thiago executou sua variação com

elegância, minúcia e aplomb, Roberta dei-

xou que exatidão e graça fossem a marca da

sua. Entretanto, na coda, uma evidente des-

sintonia entre os dois não permitiu a perfei-

ção que essa parte do balé demanda.

Trazer O quebra-nozes de volta à sua casa

carioca, e brasileira, é dar à cidade e ao País

um excelente presente de Natal. Outro exce-

lente presente seria a certeza de que essa com-

panhia contará com dias melhores no ano que

se anuncia, com temporadas que façam jus ao

papel que ocupa no cenário nacional.

ode-se dizer que o ballet O quebra-no-

zes é parte obrigatória dos festejos na-

talinos em todos os países em que essa data

é comemorada e em que exista uma com-panhia apta a encená-lo. E como não existe

apenas uma versão oficial, cada companhia

em cada país concede à sua remontagem ca-racterísticas próprias a essa tradicional

composição de Tchaikovsky.

No Brasil, não seria diferente. A primei-ra e única companhia de balé clássico do País,

a do Theatro Municipal do Rio de Janeiro,

abriga em seu repertório por mais de 25 anosuma versão que já ganhou um selo nacional

e que possui ainda tons cariocas, assim como

a árvore de Natal da Lagoa. Assinada porDalal Achcar, essa versão foi felizmente res-

gatada após seis anos de ausência no princi-

pal palco da cidade, graças à gestão de Mar-celo Misailidis e sua equipe na direção da

companhia, e graças também às novas e pro-

missoras gestões da Secretaria Estadual deCultura, de Adriana Rattes, e da Fundação

Teatro Municipal, de Carla Camurati.

A segunda récita da temporada contoucom casa cheia e muita expectativa com as

participações especialíssimas de Roberta

Márquez e Thiago Soares, bailarinos forma-dos aqui e que pertenceram ao Theatro

Municipal, hoje primeiros bailarinos no

Royal Ballet de Londres. Sem dúvida, tra-tou-se de uma comemoração natalina e tan-

to e o público soube reconhecer isso.

P

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 17 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 17 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 17 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 17 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 17 DE DEZEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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O balé de uma nota sóPanorama da dança não muda em relação a 2006,e companhias lutam com criatividade para driblar

a falta de investimento do poder público

OBERTO PEREIRA

Em âmbito estadual, a esperança come-

ça a surgir com a nova secretária da cultu-

ra, que tem em seu passado ligações com a

dança. Desse modo, espera-se que desastres

como a curta gestão passada à frente da

Fundação Teatro Municipal, que fez com

que a única companhia de balé clássico do

País se apresentasse em três parcas tempo-

radas, possam ser evitados. Projetos como

apresentações de dança contemporânea

aos domingos ao preço de R$ 1 no Munici-

pal, assim como o de circulação de compa-

nhias pelo Estado devem ser urgentemente

reconsiderados.

Já em nível federal, os prêmios da par-

ceria Funarte/Petrobras continuam salvan-

do a pele daqueles que ainda teimam em

viver de dança. Há, entretanto que se lem-

brar: salvar a pele é algo que se cumpre

durante um curto espaço de tempo, e a dan-

ça, sabemos nós, carece de permanências e

continuidades para existir.

Como se vê, pouco mudou. Mesmo as-

sim, tivemos muita dança de qualidade pela

cidade. Os principais festivais continuam

os mesmos três: Festival Panorama de Dan-

assando os olhos sobre a retrospectiva

do ano de 2006, publicada pelo Jornal

do Brasil (em 27 de dezembro), pode-se

constatar um quadro bastante similar ao

que aconteceu nas danças carioca e brasi-

leira neste ano de 2007. Algumas dessas per-

manências são absolutamente lamentáveis,

e outras representam um alívio por sua con-

tinuidade.

A política, ou melhor, a ausência de po-

lítica para esta área em nível municipal con-

tinua catastrófica. Nada de pertinente foi

realizado e ainda por cima há que se engo-

lir goela abaixo a recém-criada Atelier

Coreográfico Companhia de Dança, justa-

mente numa época em que todas as compa-

nhias públicas do Brasil estão se reunindo

para questionar seus modos de existência e

enquanto importantes companhias cariocas

lutam de todos os modos para sobreviver.

Fora isso, não há projetos consideráveis e

mesmo os teatros que outrora abrigavam

espetáculos de dança, como o Espaço Sér-

gio Porto e o Teatro Carlos Gomes, hoje es-

tão absolutamente esquecidos pelos artistas

e pelo público, infelizmente.

P

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 18 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 18 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 18 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 18 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 18 DE DEZEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

191

ça, Dança em Foco e Solos de Dança no

SESC. Aliás, vale ressaltar a atuação do Es-

paço SESC, palco que abrigou as mais im-

portantes estreias cariocas e continua

cumprindo com as funções de um centro co-

reográfico, abrigando também ensaios de

companhias, promovendo aulas de dança e

formando plateias.

Das atrações internacionais, vale mencio-

nar a vinda de Baryshnikov e sua nova

companhia, assim como a Nederlands Dans

Theater II, que apresentou 27’52’’, uma obra-

prima de Jiri Kylián. Em contraposição, ques-

tiona-se a iniciativa de se apresentar compa-

nhias como a nova-iorquina Complexions,

com seu jazzdance empoeirado e, sobretudo,

a Momix Dance Theatre, que fez aqui uma

de suas piores e mais amadoras apresenta-

ções, numa verdadeira ação caça-níqueis.

Um grande motivo de comemoração é

o aniversário de 80 anos da Escola Estadual

de Dança Maria Olenewa, a primeira esco-

la oficial de dança do Brasil e representan-

te máxima de sua tradição nessas terras.

João Saldanha, Lia Rodrigues e Grupo

Corpo são os brasileiros que merecem sem-

pre destaque por tudo que representam de

qualidade em dança. Já os novos ares trazi-

dos por Marcela Levi e pela jovem Focus

Cia. de Dança (há que se relevar a inade-

quação do nome dessa companhia, por fa-

vor) nos dão boas esperanças do que ainda

teremos por vir.

A maior de todas as esperanças da dan-

ça brasileira é que a próxima retrospectiva

do ano seja diferente nos pontos que assim

mereçam. E também que a dança carioca,

feita aqui e apresentada pelo mundo afora,

continue sendo destaque em mais tantas

outras retrospectivas.

MELHORES DO A N O

1 – Ballet do Theatro Municipal em Manipulações sobre as forças do vazio, de JoãoSaldanha

2 – Lia Rodrigues Companhia de Danças em Encarnado

3 – Grupo Corpo em Breu

4 – Nederlands Dans Theater II

5 – Baryshnikov e a Hell’s Kitchen Dance

6 – Paula Águas em Caminho aberto, de Mário Nascimento

7 – Flávia Tápias em 5 coreógrafos e 1 corpo

8 – Marcela Levi em in-organic

9 – Focus Cia. de Dança em Outro lugar

10– Boris Charmatz em Gala

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Alegria para encerrara temporada de balé

O quebra-nozes: Montagem conquista o público

ILVIA SOTER

até o reino das neves, a integração do grupocustou a acontecer.

Apesar do cenário e dos figurinos detons excessivamente infantis, a dança cres-ce com mais ritmo e precisão nas variaçõesde todo o segundo ato, com destaque paraos Mirlitons.

Os papéis principais estiveram a cargo deRoberta Márquez e Thiago Soares, dois ta-lentos brasileiros egressos do Ballet do The-atro que hoje fazem parte do hall de bailari-nos principais do Royal Ballet de Londres eque estiveram no Rio, como convidados, es-pecialmente para estas apresentações. Visi-velmente nervosa, a competente RobertaMárquez teve uma performance correta, po-rém tímida, na sua reestreia no palco onde jábrilhou por tantos anos. Seguro e tranquilo,Thiago Soares garantiu bons momentoscomo o príncipe, mostrando seu amadureci-mento e suas inúmeras qualidades, sem afe-tação. Provavelmente prejudicados pelo pou-co tempo de ensaio, faltou ainda maior inte-gração entre os dois no grand pas-de-deux.

Num ano de “vacas magras” para a dan-

ça, a montagem de O quebra-nozes, em car-

taz até o dia 28, cumpre com dignidade a fun-

ção de encerrar a temporada desta impor-

tante companhia com alegria e uma casa

cheia – da plateia à galeria –, como rara-

mente aconteceu em 2007.

omo manda a tradição, O quebra-

nozes encerra a temporada 2007 doTheatro Municipal, presente com seu balé,orquestra e coro. A montagem de Dalal Ach-car é velha conhecida do público carioca,apesar de ter estado fora dos palcos nos úl-timos seis anos. Seu ponto forte é a ênfasena teatralidade. Este balé, especialmentesedutor para o público infantil, ganha ape-los maiores com a presença de um grandeelenco de crianças e com a garantia do hu-mor, na versão de Dalal.

Já no prólogo, a riqueza de detalhes daambientação se faz presente. A iluminaçãode Maneco Quinderé reforça a magia docenário de José Varona, especialmente ade-quado na cena do interior da casa. O elencoadulto e infantil, numeroso e bem caracteri-zado, convence nesta festa de Natal europeia.Para esta montagem, além dos solistas e docorpo de baile do Theatro, o elenco foi refor-çado pela presença de convidados como, porexemplo, o ótimo Irlan Santos, além das cri-anças da Escola de Dança Maria Olenewa.

Mas alguns ajustes ainda se fazem neces-sários para que a grandiosidade da parte te-atral possa achar equivalente na dança. Noúltimo fim de semana, sobretudo no prólo-go e no primeiro ato, as cenas de conjuntodemoraram a encontrar a harmonia neces-sária. A cada cena, da batalha dos soldados

C

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 20 DE DEZEMBRO • 2007• QUINTA-FEIRA • 20 DE DEZEMBRO • 2007• QUINTA-FEIRA • 20 DE DEZEMBRO • 2007• QUINTA-FEIRA • 20 DE DEZEMBRO • 2007• QUINTA-FEIRA • 20 DE DEZEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

193

A coreografia como organismo vivoJoão Saldanha prova competência

ímpar em novo espetáculo

OBERTO PEREIRA

mos poucos no Brasil hoje assim. E isso se

vê na dança na qual ele acredita e executa

com competência ímpar.

O elenco está afinadíssimo, mas vale

ressaltar a performance de Thiago Grana-

to, cujo movimento é tradução fina e exata

da ideia que ali se propõe. O figurino, a am-

biência cênica, a iluminação, tudo é coeso,

numa economia que torna cada passo um

teorema sobre a própria arte da dança. A

trilha sonora com composições de Ligeti

auxilia na confecção de espaços às vezes

densos, às vezes fluidos, que são preenchi-

dos pelos bailarinos.

A discussão sobre o espaço e o vazio

está lá. Mas o que mais impressiona é ver

um artista fazer de suas ideias prolonga-

mentos elegantes de algo cujo ambiente,

em tempo e em espaço, temos o privilégio

de compartilhar.

onocromos, nova obra do coreógrafo

João Saldanha que estreou anteontem

no Espaço SESC, é uma daquelas provas

elegantes de que uma boa ideia é um orga-

nismo vivo que necessita apenas de um am-

biente propício que a permita continuar

existindo. Neste caso, essa boa ideia é Ma-

nipulações sobre as forças do vazio, excelen-

te obra que João compôs para o Ballet do

Theatro Municipal no início do ano. E seu

continuar existindo aparece com todo o vi-

gor de uma dança acabada, cênica e coreo-

graficamente, nessa obra de agora.

Embora pronta, espetacularmente aca-

bada, Monocromos é uma obra viva que se

desdobra nela mesma ao estabelecer diálo-

gos com a obra que a gestou e com tudo o

que poderá ainda vir dali como pensamen-

to de dança. João Saldanha é um daqueles

artistas que não se rende a tendências. Te-

M

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 21 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 21 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 21 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 21 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 21 DE DEZEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

194

Coreografia precisa,como um ato cirúrgico

Monocromos: Uma joia rara no Espaço SESC

ILVIA SOTER

o teatro e se estabelece como presença equi-

valente à de um dançarino, relação quemanterá até o fim da peça. Uma vez ilumi-

nada, a dimensão do espaço cênico – muito

maior do que a plateia – subverte a propor-cionalidade habitual. A música de Ligeti e

a luz de Adelmo Lapa não são adicionais à

escrita de Saldanha, mas pulsam em cenacomo pontos fundamentais.

Num primeiro momento, Monocromos

se desenha como um mesmo solo que a

cada vez que é dançado se diferencia de

modo sutil. A presença, ao mesmo tempo

intensa e sóbria, de Jamil Cardoso, Laura

Samy, Marcelo Braga, Thiago Granato e

Vivian Miller instaura um ambiente de

solenidade coerente e necessário à peça.

A os poucos, as figuras como duos, trios, va-

zios e conjuntos se desdobram, sem deixar

que a singularidade de cada intérprete seja

deixada à sombra. O espaço se condensa e

se dilata, dentro e fora do corpo que dança,

em trajetos regulares, desvios, linhas retas,

curvas e espirais. E é dessas estruturas co-

reográficas, simples apenas na superfície,

que a sofisticação da escrita de João Sal-

danha vai emergir. O título da peça pode

ser entendido quase como uma provocação

já que é na insistência numa aparente re-

gularidade que a variação explode. Mono-

cromos é uma joia rara que mostra que co-

reografar pode ser um gesto preciso como

um ato cirúrgico.

oão Saldanha é um destes artistas cujas

questões que persegue podem ser reco-nhecidas de peça em peça. Cada uma de suas

criações deve ser lida como etapa de uma

pesquisa que faz questão de manter-se sem-pre em estado de processo, toda coreogra-

fia trazendo algo que aponta para a seguin-

te. Quando há proximidade no tempo entreelas, como é o caso em Monocromos – nova

etapa da pesquisa iniciada em Manipula-

ções sobre as forças do vazio, peça que criou

para o programa Coreógrafos brasileiros

para o Ballet do Theatro Municipal no pri-

meiro semestre –, essa ideia de desdobra-

mento se faz ainda mais evidente. Monocro-

mos teve sua pré-estreia no último Festival

Panorama de Dança e, felizmente, voltou

para uma curta temporada, até amanhã, no

mezanino do Espaço SESC.

Já há alguns anos, o interesse de João Sal-

danha se voltou para a relação do corpo que

dança e o espaço que esta dança secreta para

depois ocupar, questão fundadora do projeto

da dança moderna. Não é também por acaso

que a obra de Oscar Niemeyer esteve no cen-

tro de Extracorpo, seu penúltimo trabalho.

Proporção, volume, tensão entre figura e fun-

do são apenas algumas das ideias que vêm

servindo de matéria para as últimas criações

do coreógrafo e que, em Monocromos, estão

sintetizadas com maestria.

Antes mesmo de a luz se insinuar na

cena, a música cresce em volume, preenche

J

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • SÁBADO • 22 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 22 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 22 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 22 DE DEZEMBRO • 2007RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 22 DE DEZEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Os melhores espetáculosde dança de 2007

ILVIA SOTER E SUZANA VELASCO

EncarnadoEncarnadoEncarnadoEncarnadoEncarnadoLia RodriguesLia RodriguesLia RodriguesLia RodriguesLia RodriguesCompanhia de DançasCompanhia de DançasCompanhia de DançasCompanhia de DançasCompanhia de DançasDepois de dois anos de turnê interna-cional, desde sua estreia na França em 2007,

o mais recente espetáculo da Lia Rodrigues

Companhia de Danças chegou ao Rio, nopalco do Espaço SESC. Baseada no livro Di-

ante da dor dos outros, de Susan Sontag, a

peça tratava a dor de maneira seca, poéticae contundente.

BreuBreuBreuBreuBreuO Grupo Corpo fez a sua temporada anual

no Rio apresentando o novíssimo Breu.

Nesta peça, o coreógrafo Rodrigo Peder-

neiras adulterou o que já havia feito antes,

lançou-se num novo desafio e traduziu tudoem dança, com a competência de sempre.

O quebra-nozesO quebra-nozesO quebra-nozesO quebra-nozesO quebra-nozesClássico incontestável das temporadas

natalinas, O quebra-nozes, na versão deDalal Achcar, foi remontado pelo Thea-

tro Municipal, depois de uma ausência

de seis anos, e comprovou que, antes detudo, é uma obra popular. O público lo-

tou as récitas e provocou a prorrogação

do balé, que ganhou apresentações ex-tras em 2008.

Mikhail BaryshnikovMikhail BaryshnikovMikhail BaryshnikovMikhail BaryshnikovMikhail BaryshnikovÀ frente da Hell’s Kitchen Dance, compa-

nhia de dança contemporânea que criou com

jovens bailarinos, o grande dançarino e co-reógrafo russo provou, no Theatro Munici-

pal, que o tempo trabalhou a seu favor. Ele

se mostrou em forma, preciso e delicado emcada gesto, movendo-se com simplicidade,

bom humor e maestria.

Nederlands DNederlands DNederlands DNederlands DNederlands Danse anse anse anse anse TTTTTheater IIheater IIheater IIheater IIheater IICom idades entre 17 e 22 anos, os integrantesda companhia holandesa – entre eles, a cario-

ca Nina Botkay – mostraram no Rio porque

formam um dos mais festejados grupos dedança da atualidade. No programa, destacou-

se 27’52’’, peça do tcheco Jiri Kylian, criador

do grupo que, em sua origem, tinha o objetivode alimentar posteriormente a companhia-

mãe Nederlands Danse Theater. Mas isso é

passado. A NDT 2 esbanjou brilho próprio.

MonocromosMonocromosMonocromosMonocromosMonocromosÚltima estreia de 2007, Monocromos apre-

sentado no Espaço SESC, é uma joia rara.

João Saldanha sintetizou, nesta peça, as ques-tões que lhe têm servido de matéria – pro-

porção, volume e tensão entre figura e fun-

do – e demonstrou que coreografar pode serum gesto preciso como um ato cirúrgico.

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA• 27 DE DEZEMBRO • 2007• QUINTA-FEIRA• 27 DE DEZEMBRO • 2007• QUINTA-FEIRA• 27 DE DEZEMBRO • 2007• QUINTA-FEIRA• 27 DE DEZEMBRO • 2007• QUINTA-FEIRA• 27 DE DEZEMBRO • 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

196

Bull DancingBull DancingBull DancingBull DancingBull DancingDividindo seu tempo entre Brasil e Holanda,

o piauiense Marcelo Evelin debruçou-se so-

bre a manifestação folclórica do Bumba meuboi para recombinar os elementos da festa

popular a partir da ótica da desconstrução.

ClandestinoClandestinoClandestinoClandestinoClandestino e e e e e Como?Como?Como?Como?Como?Numa curtíssima temporada no Espaço

SESC, com seus espetáculos Clandestino e

Como?, a dupla de coreógrafos e bailarinosÂngelo Madureira e Ana Catarina Vieira

mostrou a sofisticação com que vem tratan-

do das misturas possíveis entre as danças

populares e a investigação contemporânea.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

197

2008 CRÍTICAS

O GLOBO - 27 DE JANEIRO DE 2008Muita literatura para pouca dança

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 15 DE FEVEREIRO DE 2008Em busca de uma identidade

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 17 DE FEVEREIRO DE 2008Voo rasante de uma companhia com história

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 18 DE FEVEREIRO DE 2008Falta ensaio, falta coesão

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 22 DE FEVEREIRO DE 2008Coreografia cai na armadilha da literatura

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 24 DE FEVEREIRO DE 2008Elenco de primeira, repertório discutível

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 9 DE MARÇO DE 2008Veteranos do movimento alternam tecnologia, nonsense e elegância

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 9 DE MARÇO DE 2008Uma celebração pautada pelo frescor da criação

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 16 DE MARÇO DE 2008Coreografias inéditas apresentam risco e surpresa no Espaço SESC

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 21 DE MARÇO DE 2008Gesto vira pilar coreográfico

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 31 DE MARÇO DE 2008Mistura irregular de épocas e estilos

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 14 DE ABRIL DE 2008Giselle mantém a aura de clássico

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 16 DE ABRIL DE 2008Ânimo renovado para a temporada

SILVIA SOTER

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

198

O GLOBO - 27 DE ABRIL DE 2008Verborragia de movimentos no flerte de

Deborah Colker com a dança-teatroSILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 27 DE ABRIL DE 2008Falta habilidade na coreografia

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 16 DE MAIO DE 2008Entretenimento profissional

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 18 DE MAIO DE 2008Dois caminhos possíveis de apoio à dança

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 1 DE JUNHO DE 2008Metade do espetáculo já bastaria

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - SEGUNDA-FEIRA, 09 DE JUNHO DE 2008Bailarinos se entregam

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 20 DE JUNHO DE 2008Transcriação shakespeariana

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 26 DE JUNHO DE 2008Desafio é desfazer má impressão da companhia Russian State Ballet

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 6 DE JULHO DE 2008Russos continuam devendo

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 7 DE JULHO DE 2008Balé para gente pequena

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 9 DE AGOSTO DE 2008Sobre o palco, um ofício que se leva a sério

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 15 DE AGOSTO DE 2008Rigor sem espaço para o desvio

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 20 DE AGOSTO DE 2008Começo bom, mas com fim frustrante e triste de ver

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 12 DE SETEMBRO DE 2008Qu’eu isse

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 7 DE SETEMBRO DE 2008Recriação que vira futuro

ROBERTO PEREIRA

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

199

JORNAL DO BRASIL - 9 DE SETEMBRO DE 2008Em processo de conhecer seus próprios limites

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 13 DE SETEMBRO DE 2008Parceria explora os limites corpóreos

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 18 DE SETEMBRO DE 2008Na Bienal de Lyon, passado e futuro em harmonia

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 20 DE SETEMBRO DE 2008Uma construção cristalina

SILVIA SOTER

O GLOBO - 28 DE SETEMBRO DE 2008Quatro corpos descrevem o amor

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 31 DE OUTUBRO DE 2008A dimensão exata da dança atual

ROBERTO PEREIRA

CRÍTICA NÃO PUBLICADAEspetáculo H3 de Bruno Beltrão

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 2 DE NOVEMBRO DE 2008Cada gesto é um pequeno mundo

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 03 DE NOVEMBRO DE 2008Visão genial do cotidiano

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 4 DE NOVEMBRO DE 2008Longe dos estereótipos da rua

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 17 DE NOVEMBRO DE 2008Uma lição de obviedade e perda de tempo

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 5 DE DEZEMBRO DE 2008De frente para o público

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 15 DE DEZEMBRO DE 2008A atualidade que a obra sugere, mas não mostra

ROBERTO PEREIRA

O GLOBO - 19 DE DEZEMBRO DE 2008João Saldanha abre o seu processo de criação

SILVIA SOTER

JORNAL DO BRASIL - 27 DE DEZEMBRO DE 2008Poder público quase mata o ofício da dança

ROBERTO PEREIRA

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

200

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

201

Muita literaturapara pouca dança

Algum lugar fora do mundo: Excesso de citaçõescompromete espetáculo da Cia. Corpos Nômades

ILVIA SOTER

tribuídas diversas barracas de camping,

“relicários” segundo a companhia. O pú-

blico é levado – de modo muitas vezes

bastante impositivo e autoritário – a par-

ticipar e a entrar nas barracas, já que

parte da peça acontece dentro delas.

Cada barraca abriga o universo de um dos

artistas cujos textos alimentam o espetá-

culo, o que faz com que a experiência de

cada espectador seja única, impedindo

que a peça seja vista e experimentada em

sua totalidade. Uma prática que denun-

cia a fragmentação do olhar e a parciali-

dade das experiências, mas que já foi

exaustivamente utilizada pelo teatro e

pela dança nas últimas décadas.

Na profusão de acontecimentos, textos

falados, deslocamentos pelo espaço, perso-

nagens teatralmente construídos e defen-

didos, projeção de vídeos e barracas que

se pretendem instalações de artes plásti-

cas, a dança acaba por ocupar um lugar

bastante secundário no espetáculo, apesar

da boa qualidade do trabalho de alguns

bailarinos. Sempre no centro do palco, a

dança parece apenas preencher as lacu-

coreógrafo João Andreazzi, radicado

em São Paulo, e a Cia. Corpos Nôma-

des chegaram ao Rio de Janeiro com o es-

petáculo Algum lugar fora do mundo que en-

cerra hoje sua curta temporada no Teatro

Nelson Rodrigues. Definida no convite

como um “espetáculo multidisciplinar onde

a dança contemporânea dialoga com o tea-

tro e as palavras de Rimbaud, Artaud, Bau-

delaire, Cocteau, Fernando Pessoa e Buñuel”,

a peça pretende tratar de questões impor-

tantes da vida contemporânea.

Já no foyer, o público é convidado a se

relacionar com os atores/músicos/baila-

rinos que buscam estabelecer um diálo-

go, olhos nos olhos e mesmo através de

contato físico, com boa parte dos espec-

tadores. A cena se desenvolve, então, den-

tro do teatro onde atores e público circu-

lam entre a plateia e o palco. A estrutura

italiana do Teatro Nelson Rodrigues pa-

rece pouquíssimo funcional para a pro-

posta do grupo, o que deixa imaginar que

o espetáculo tenha sido concebido para

outro tipo de espaço cênico. No fundo do

palco, dispostas em semicírculo, estão dis-

O

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • • • • • DOMINGODOMINGODOMINGODOMINGODOMINGO • • • • • 27 DE JANEIRO • 200827 DE JANEIRO • 200827 DE JANEIRO • 200827 DE JANEIRO • 200827 DE JANEIRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

202

nas deixadas pela descostura da dramatur-

gia e não chega a ganhar uma força mai-

or. Não seria possível imaginar Algum lu-

gar fora do mundo sem seus personagens

e textos, mas sem a dança a peça não per-

deria sua identidade. E Algum lugar fora

do mundo se perde na forma como trata o

multidisciplinar. O que poderia servir

como ampliação dos recursos empregados

para construir um sentido – ainda que não

linear – para a dramaturgia se esgarça

num excesso de referências e de citações

que se diluem sem antes ser suficiente-

mente exploradas.

Page 203: Ao Lado da Critica   Volume 2

AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

203

Em busca deuma identidade

OBERTO PEREIRA

que vão ganhando a cena coreográfica na

cidade. A Focus Cia. de Dança apresenta,

através de B612 – O essencial é invisível

aos olhos, um futuro interessante, porque

carrega consigo, de forma exemplar, um

passado, em corpos tão jovens. Não à toa, a

plateia da estreia misturava ícones do balé

clássico com artistas arrojados da dança

contemporânea carioca. Um feito, há que

se dizer.

Justamente por ser tão jovem, a Focus co-

loca como questão para o público qual é o tem-

po que se deve conceder para que seu coreó-

grafo, Alex Neoral, ainda possa encontrar sua

assinatura coreográfica. No espetáculo apre-

sentado, por exemplo, é possível rastrear, de

forma nítida, os artistas a quem Neoral pede

as bênçãos para poder criar. Mesmo com sua

evidente competência em coreografar, talvez

seja sua hora de abandonar um certo “saber-

fazer” para buscar o risco de novas possibili-

dades. É justamente agora, nesse momento em

que a companhia é tão jovem, coesa e talen-

tosa, que esse risco deveria aparecer.

A o contrário, Neoral aposta em certos

truques de dança contemporânea um tanto

temporada de dança de 2008 no Rio

de Janeiro teve início nessa última

quarta-feira, no Espaço SESC, pela jovem

Focus Cia. de Dança. Pela importância sim-

bólica desse momento, vale pensar como o

lugar e o espetáculo onde ele aconteceu

são emblemáticos hoje na cidade. O lugar

reafirma mais uma vez a importância, qua-

se vital, que o Espaço SESC adquiriu para

a dança carioca. Além de funcionar como

uma espécie de centro coreográfico, abri-

gando importantes estreias e ensaios de

companhias, agora lançou-se também, em

mais uma de suas felizes iniciativas, como

um fomentador de companhias, subsidian-

do cinco delas, com verbas que as permi-

tem um pouco mais do que a simples sobre-

vivência. Vale lembrar de um projeto se-

melhante, abandonado pela Secretaria das

Culturas, que, tempos atrás, distinguiu a

dança que se fazia por aqui da do resto do

País. Hoje, o SESC tomou para si essa tare-

fa e a Focus, por exemplo, é uma dessas cin-

co companhias.

Já o espetáculo é emblemático, porque

sinaliza a potencialidade de jovens talentos

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 15 DE FEVEREIRO • 2008 • SEXTA-FEIRA • 15 DE FEVEREIRO • 2008 • SEXTA-FEIRA • 15 DE FEVEREIRO • 2008 • SEXTA-FEIRA • 15 DE FEVEREIRO • 2008 • SEXTA-FEIRA • 15 DE FEVEREIRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

204

gastos. A trilha sonora, por exemplo, assina-

da por Lucas Marcier e Rodrigo Marçal,

prima pela narratividade, algo imperdoável,

pois apenas funciona como legenda ao es-

petáculo. Os figurinos, sobretudo as calças,

merecem ser rapidamente revistos, pois su-

blinham um modo empoeirado de compre-

ender cenicamente a dança, que não com-

bina com o vigor da companhia.

Talvez o momento em que se pode fla-

grar um respiro de algo realmente novo no

espetáculo seja o duo executado pelos ex-

celentes Clarice Silva e Márcio Jahú. Sem

música, o que se vê ali é uma busca, algo

essencial para a dança contemporânea.

Alex Neoral e sua Focus Cia. de Dança

ainda têm tempo para testar novas danças.

Por isso, foram apontados no fim do ano pas-

sado pelo Jornal do Brasil como uma promes-

sa. Assim, esse espetáculo pode ser encarado

como um exercício para sua consolidação

como coreógrafo e como companhia.

E finalmente: sobre a obra O pequeno

príncipe, que deveria ter inspirado o espe-

táculo, esqueça. Ela simplesmente não apa-

rece em cena.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

205

Voo rasante de umacompanhia com história

Revoada: Espetáculo que comemora 30 anosda companhia Cisne Negro não honra sua trajetória

ILVIA SOTER

Presente do mesmo coreógrafo à Hulda

Bittencourt pelos 30 anos da Cisne Negro,

1,2...7, também com música de Stravinsky, é

uma peça só para homens. Mais teatral que

a primeira, a peça apoia-se numa tentativa

de humor que só a fragiliza. O elenco mas-

culino, tecnicamente menos competente que

o elenco feminino, não dá conta nem dos

aspectos teatrais nem das variações com

precisão. A poesia e o humor pretendidos

ficam apenas como promessa.

Anéis, de Dany Bittencourt, com trilha es-

pecialmente composta por Adriana Calcanho-

to, tem um início promissor, em que o swing

da música ganha uma movimentação simples

e ondulante nos corpos das bailarinas. Infeliz-

mente, essa simplicidade se perde numa co-

reografia repleta de clichês que não se desen-

volve nem nas figuras espaciais, nem na rela-

ção com a música ou com os objetos. Os figuri-

nos reforçam na peça seu aspecto escolar,

como se a coreografia fosse apenas uma

amálgama de sequências de sala de aula.

Completar 30 anos de atividades de dan-

ça no Brasil é para pouquíssimos. É pena que

a merecida comemoração deste feito não

tenha sido à altura.

á muito sem se apresentar no Rio de

Janeiro, a Cisne Negro Cia. de Dan-

ça encerra hoje uma curtíssima temporada

no Teatro SESC Ginástico. Comemorando os

seus 30 anos de existência, com Hulda Bit-

tencourt como diretora artística, a Cisne Ne-

gro é símbolo de qualidade, bons bailarinos

e resistência, neste ambiente da dança bra-

sileira sempre sujeito a marés cambiantes.

Diante disso, Revoada não honra o histórico

dessa companhia e não parece representa-

tivo de sua trajetória.

A coreografia Revoada, de Gigi Caciule-

anu, primeira do programa e criada por en-

comenda para a companhia, traz a figura do

pássaro – do cisne mais especificamente –

alimentada por duas obras de Igor Stravinsky:

Firebird e Fireworks. Jogando com o negro e

o vermelho nos figurinos, a peça explora os

movimentos ondulantes dos braços, ícone do

cisne na dança cênica e já explorado à exaus-

tão por inúmeros coreógrafos ao longo do

século passado. Excessivamente frontal e

previsível, e visivelmente mal adaptada ao

palco do SESC Ginástico, a coreografia não

consegue nem de longe se aproximar da for-

ça da música de Stravinsky.

H

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Falta ensaio, falta coesãoCisne Negro apresenta trêsobras em espetáculo pueril

OBERTO PEREIRA

Visivelmente carente de ensaios, a

companhia não estava coesa na estreia.

Assim, a fragilidade dos três trabalhos ga-

nhou ainda mais evidência. As obras de

Caciuleanu são um amontoado de sequên-

cias de passos que pouco contribui para a

elaboração de uma ideia coreográfica. Já

Anéis, de Bittencourt, deveria ser imedia-

tamente repensada se merece mesmo es-

tar no repertório da companhia. Tudo na

obra se torna mais canhestro quando se

sabe o que a motivou: um convite à compa-

nhia para participar do lançamento publi-

citário de um anticoncepcional feminino. A

obviedade com que o tema aparece é pue-

ril tanto na iluminação e no figurino quan-

to na frontalidade exagerada e demonstra-

tiva que permeia toda a coreografia.

Por ser uma das mais importantes com-

panhias brasileiras, a Cisne Negro mere-

ce ser apresentada de forma mais condi-

zente com essa sua importância. E isso que

dizer apuro na qualidade da encenação e

pertinência na escolha de seu repertório.

eriam dois bons motivos a se comemo-

rar: o feito de uma companhia privada

de dança completar 30 anos e seu retorno

ao Rio de Janeiro, após seis anos. O fato é

que a paulistana Cisne Negro Cia. de Dan-

ça, que se apresenta no Teatro SESC Ginás-

tico neste fim de semana, concede poucas

chances para que essa comemoração real-

mente aconteça.

O espetáculo em cartaz reúne três obras,

duas assinadas pelo francês Gigi Caciulea-

nu, Revoada e 1,2... 7, e Anéis, de Dany Bit-

tencourt. Nas três, contudo, o que se tem é

um modo bastante elementar de como pen-

sar coreografia nos dias de hoje. Tudo bem

que a companhia esteja voltada, historica-

mente, para um estilo de dança que se cons-

trói a partir de elementos como o passo de

dança, sobretudo calcados na técnica de

balé clássico. Tudo bem também que tente

resolver os desafios daí provenientes de

maneira conservadora. O problema mais

grave é quando os requisitos básicos para

isso não aparecem em cena.

S

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 18 DE FEVEREIRO • 2008 SEGUNDA-FEIRA • 18 DE FEVEREIRO • 2008 SEGUNDA-FEIRA • 18 DE FEVEREIRO • 2008 SEGUNDA-FEIRA • 18 DE FEVEREIRO • 2008 SEGUNDA-FEIRA • 18 DE FEVEREIRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Coreografia cai naarmadilha da literaturaB612 – O essencial é invisível aos olhos:

Ênfase na relação com O pequeno príncipe intimidatrabalho da Focus

ILVIA SOTER

ry, não serve apenas como material subjacen-te à criação, mas está no título e é dela que apeça se propõe a tratar. É nítida a preocupa-ção do coreógrafo de tentar escapar da linea-ridade narrativa da obra, mas fica igualmen-te nítida a preocupação de deixar claro que olivro está lá, na base da coreografia. Ao jogarcom luz e projeções em sombra, com a cor azulque caracteriza as ilustrações do livro e, so-bretudo, atendo-se às formas e aos personagensde Exupéry, a criatividade da Focus se intimi-da e a coreografia acaba por se restringir ailustrar em dança alguns aspectos de O peque-

no príncipe. A trilha sonora também não es-

capa desta armadilha.

Se por um lado é verdade que a juventu-

de e a ingenuidade do personagem de Exu-

péry podem encontrar correspondência na

Focus – o que talvez justifique a escolha des-

te livro –, por outro lado, o livro parece acres-

centar pouco para o avanço do trabalho co-

reográfico. Apesar da ótima qualidade dos in-

térpretes e de alguns momentos que se des-

tacam como o duo de Clarice Silva e Marcio

Jahú, o excesso de ênfase em demonstrar a

relação com o livro revela que faltou confiar

na frase de Exupéry que dá título ao espetá-

culo: “o essencial é invisível aos olhos. ”

ma das companhias agraciadas peloprojeto de Residência Artística SESC

Rio, a Focus não nasceu hoje, apesar de terganhado uma maior visibilidade apenasrecentemente. Composta por jovens ecompetentes bailarinos e sob a direção deAlex Neoral, o grupo funciona já há al-guns anos como um coletivo criativo quenão deixou de atuar, ainda que nas brechasdas agendas de seus componentes. Somen-te no ano passado a Focus passou a termaior centralidade na vida do coreógra-fo e de seu grupo. O apoio do SESC serácertamente fundamental para que estecoletivo promissor tenha boas condiçõespara desenvolver sua pesquisa.

Em B612 – O essencial é invisível aosolhos, em cartaz no mezanino do EspaçoSESC até domingo, Alex Neoral se colocanovos desafios como o de partir da literatu-ra e também o de trabalhar com uma trilhasonora original, o que não havia experimen-tado em suas criações anteriores.

Literatura e dança dialogam há muito tem-po no cenário da dança carioca, mas o modocomo esse diálogo se dá nem sempre é evi-dente. No caso da Focus, a conhecidíssima obraO pequeno príncipe, de Antoine Saint-Exupé-

U

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 22 DE FEVEREIRO • 2008• SEXTA-FEIRA • 22 DE FEVEREIRO • 2008• SEXTA-FEIRA • 22 DE FEVEREIRO • 2008• SEXTA-FEIRA • 22 DE FEVEREIRO • 2008• SEXTA-FEIRA • 22 DE FEVEREIRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Elenco de primeira,repertório discutível

OBERTO PEREIRA

gurino e a iluminação não avançam nada

em relação às outras obras de Rodovalho,

embora nesta a situação fique ainda mais

grave por causa dos textos que, falados pelos

pobres bailarinos, beiram a mediocridade.

Já em Caixa de cores, de Luiz Fernando

Bongiovanni, a coreografia respira novos

ares e permite que a companhia apareça

com o que ela tem de melhor: seu apuro téc-

nico. Através de movimentações novas,

pode-se notar como os bailarinos correspon-

dem com competência aos desafios que o

coreógrafo impõe. A partir disso, fica abso-

lutamente dispensável o modo previsível e

excessivamente didático com que as cores

são apresentadas, pois seria na coreografia

que as cores poderiam ser desveladas em

suas características.

A Companhia de Ballet da Cidade de

Niterói, mesmo com o frágil programa, mos-

tra seu talento em aglutinar ótimos bailari-

nos, tarefa de seu diretor Roberto Lima.

Nesse sentido, Lara Dantas, Fabiana Nunes

e Gregory Lorenzutti devem ser citados. A

mesma competência deve estar na escolha

de seu repertório. Não sem urgência.

esse momento em que a existência das

companhias de dança estatais do País

está sendo colocada em xeque, questionan-

do-se desde a forma de contratação de seus

bailarinos até seus projetos artísticos, vale

a pena olhar com atenção para a Companhia

de Ballet da Cidade de Niterói, que se apre-

senta até domingo no Teatro Ginástico.

Tal oportunidade revela como uma

companhia pública deve articular com pre-

cisão suas escolhas, e isso quer dizer, basi-

camente, formação de seus bailarinos e cons-

tituição de seu repertório. A partir das duas

obras apresentadas, a companhia de Nite-

rói deixa claro que avançou no primeiro

item, mas que ainda tateia quando a ques-

tão é a escolha dos coreógrafos com quem

trabalha.

A primeira obra da noite, Enquanto dure,

de Henrique Rodovalho, comprova, mais

uma vez, que o coreógrafo não está empe-

nhado em fazer absolutamente nada além

do que já sabe fazer. Tudo ali já foi exausti-

vamente experimentado e não há espaço

para novas tentativas, não há criação. O vo-

cabulário de movimentos, assim como o fi-

N

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • DOMINGORIO DE JANEIRO • DOMINGORIO DE JANEIRO • DOMINGORIO DE JANEIRO • DOMINGORIO DE JANEIRO • DOMINGO • 24 DE • 24 DE • 24 DE • 24 DE • 24 DE FEVEREIRO FEVEREIRO FEVEREIRO FEVEREIRO FEVEREIRO • 2008• 2008• 2008• 2008• 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

209

Veteranos do movimentoalternam tecnologia,nonsense e elegância

Solos de Dança no SESC: Nona ediçãoprivilegia bailarinos experientes

ILVIA SOTER

cursos tecnológicos em cena, sem explorá-

los o suficiente.

Em seguida, em Dança, Paula Nestorov

opõe uma ambientação bem estruturada de

música e iluminação a uma dança que sur-

ge no limite do despojamento acentuado

pela forma como ela própria ocupa a cena.

Uma dança que se pretende em estado de

estudo e que se materializa em breves, bo-

nitas e potentes sequências que são desman-

chadas antes de se desenvolverem. Mas

Dança também de desmancha antes que

uma ideia ali fique colocada. A escuridão e

a impossibilidade do público em ver o que

está em cena ao final, a bailarina deitada e

imóvel, pouco acrescentam além da sensa-

ção de que algo que poderia acontecer não

aconteceu.

Em Baldio, o humor particular e inteli-

gente de Fred Paredes é orquestrado pelo

coreógrafo Toni Rodrigues. A familiarida-

de de Fred com a cena, sua presença tea-

tral que quase impede que se distinga in-

térprete de personagem e o limite do non-

sense que caracterizou muitos de seus tra-

balhos estão na peça. A inda que deste en-

programação da primeira semana dos

Solos de Dança no SESC tem como tra-

ço comum a presença de artistas que já pos-

suem uma grande bagagem de dança. Dos

quatro solos em cartaz até hoje no Espaço

SESC, apenas Helder Vasconcelos, de Per-

nambuco, é presença inédita nos palcos ca-

riocas.

A parceria de Helder Vasconcelos com

o italiano radicado na França Armando

Menicacci traz à luz uma questão especial-

mente sensível no ambiente da dança das

Regiões Nordeste e Sul do Brasil: o diálogo

entre as danças populares ou tradicionais e

a contemporânea. Dançarino de Cavalo-

Marinho e de Maracatu Rural, na peça apre-

sentada – um concentrado de 20 minutos de

seu espetáculo Por si só –, ele explora algu-

mas das possibilidades da tecnologia para

borrar os contornos da dança popular e

mostrar elementos importantes da constru-

ção de sua própria identidade. A cativante

presença do dançarino e a relação olho no

olho que estabelece com o público são os

pontos fortes da peça que acaba por fazer

desfilar de maneira bastante didática os re-

A

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOR IO DE JANE I RO • DOMINGO •R IO DE JANE I RO • DOMINGO •R IO DE JANE I RO • DOMINGO •R IO DE JANE I RO • DOMINGO •R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 9 DE MARÇO • 2008 9 DE MARÇO • 2008 9 DE MARÇO • 2008 9 DE MARÇO • 2008 9 DE MARÇO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

210

contro não pareça nascer o novo, é sempre

prazeroso vê-lo em cena.

A noite se encerra com a elegância

de Quase como se fosse amor, de Márcia

Rubin. A o som dos Beatles, a solidão existe

como um estado sereno, visitado pelas lem-

branças da presença do outro, de outros, mas

ao mesmo tempo como um estado de pleni-

tude. E essa plenitude se percebe também

na bailarina. A movimentação de braços e

tronco em espiral que caracteriza a dança

de Márcia aparece mais madura nesta peça,

mais eloquente, com mais nuances e desdo-

bramentos. Márcia Rubin domina a cena

com segurança e tranquilidade. Figurino e

iluminação arrematam a peça, fazendo de

Quase como se fosse amor um delicado pre-

sente para os olhos e os ouvidos.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

211

Uma celebração pautadapelo frescor da criaçãoMostra de coreografia é marcada porunião entre autoria e interpretação

OBERTO PEREIRA

noite. Aliando autobiografia e dança, Por si

só talvez precisasse mesmo de seus 40 minu-

tos originais para que a articulação entre

dança, música e vídeo pudesse se dar.

O segundo solo da noite aponta para ou-

tra mudança na mostra que agora permite que

coreógrafos criem para si próprios. Dança traz

a excelente Paula Nestorov em mais um de

seus exercícios de despimento da espetacula-

ridade, já iniciado em Movente, sua obra do

ano passado. Quando permite que seu movi-

mento seja dança, sua maior habilidade, Pau-

la acessa, mesmo a contragosto, o registro de

espetáculo, ainda que por momentos esparsos.

Mas infelizmente isso vem atado ao desejo

ainda pouco articulado de não mostrar o que

ali se faz como dança. Uma pena. Fica apenas

a questão, então, da pertinência de se aceitar

participar, justamente, de uma mostra de dan-

ça, de estar sobre um palco e, sobretudo, de

estar à frente de um público e ciente do res-

peito que isso demanda. Tomara que a artista

encontre uma saída para esse impasse em que

ela própria se colocou.

Baldio, coreografia de Toni Rodrigues,

trafega pelas áreas que Frederico Paredes

estreia da 9ª edição da mostra Solos

de Dança no SESC nesta última quin-

ta-feira funcionou, mais uma vez, como uma

espécie de celebração da dança carioca.

Trata-se de um lugar especial que foi sendo

construído a cada edição e que abriga o fres-

cor da criação em seu estado permanente

de latência. Por isso, provoca tantas discus-

sões e por isso deixa tantos rastros. Beatriz

Radunsky, sua curadora, sempre preocupa-

da em manter esse frescor, busca novos for-

matos que, a cada ano, renovam o perfil da

mostra. E este ano não foi diferente.

A primeira semana trouxe um pouco des-

sa transformação que pôde ser constatada no

convite feito ao pernambucano Helder Vas-

concelos para mostrar seu solo já pronto há

tempos, Por si só, dirigido pelo italiano Ar-

mando Menicacci. O interessante na presen-

ça desse solo numa mostra que até então só

apresentava artistas residentes no Rio de

Janeiro é observar como algo feito longe

daqui carrega outros modos de composição,

o que areja, sem dúvida, os modos de percep-

ção tanto da obra desse artista quanto a dos

cariocas a serem apresentadas na mesma

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O • D O M I N G O • 9 D E M A R Ç O • 2 0 0 8R I O D E J A N E I R O • D O M I N G O • 9 D E M A R Ç O • 2 0 0 8R I O D E J A N E I R O • D O M I N G O • 9 D E M A R Ç O • 2 0 0 8R I O D E J A N E I R O • D O M I N G O • 9 D E M A R Ç O • 2 0 0 8R I O D E J A N E I R O • D O M I N G O • 9 D E M A R Ç O • 2 0 0 8

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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vem desenvolvendo ao longo de sua carrei-

ra. A cena, desse modo, faz compartilhar dan-

ça, música e teatro, tendo como costura uma

ironia fina que perpassa todo o discurso ali

construído. Essa transição de uma linguagem

a outra, marca de Paredes, está cada vez mais

nítida, o que às vezes aparece como justapo-

sição e outras vezes como hibridismo. É jus-

tamente essa incerteza que perturba. Mas é

nela que reside a qualidade de Baldio.

Outro momento em que autoria e inter-

pretação aparecem juntas na noite é Quase

como se fosse amor, de Márcia Rubin. O mais

inquietante é que justamente as noções de

autoria e interpretação são borradas em seus

limites na cena que ali se constrói. Delicado,

porém tão contundente, o solo de Rubin exi-

be um corpo que trai sua aparente fragilida-

de no gesto maduro de uma artista que, ao

interpretar o que ela mesma cria, inaugura

exatidões. E essas exatidões aparecem na

incerteza provocada pelo que ali é borrado,

pelo que está fora do limite, algo que, em

dança, se vê apenas em grandes criadores.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

213

Coreografias inéditasapresentam risco e surpresa

no Espaço SESCSolos de Dança: Um projeto com qualidades,

mas com suas fragilidades

ILVIA SOTER

ta peça, Thiago consegue estabelecer uma

relação cúmplice com o público e aparece

menos tímido e bastante à vontade em

cena. Jogando com poucos elementos, um

microfone, um lenço e purpurina vermelha,

e explorando em seu corpo, com destreza,

as possibilidades de reversibilidade e repe-

tição do movimento, ele constrói uma dan-

ça que chega a ser provocadora e sensual,

sem cair no lugar-comum.

Em Ela e mais alguma coisa, Dani Lima,

em parceria com Micheline Torres, busca

criar um ambiente em que a dança perca

qualquer qualidade extraordinária. A lista

de acontecimentos que compõem um dia,

quase todos aparentemente sem importân-

cia, serve de pano de fundo para tratar a

dança como um desses eventos. Nessa peça,

visivelmente em estado de esboço, percebe-

se o início de uma discussão entre a banali-

dade e a relevância, na dança como na vida.

A presença de Dani Lima oscila entre esse

estado de tranquilidade quase regular e

outros em que se deixa invadir pela dança

e mostra que em seu corpo ela aponta para

novos desenhos.

segunda semana dos Solos de Dança

foi bem representativa das qualida-

des e das fragilidades que este projeto car-

rega desde suas primeiras edições.

La Mariée, coreografado por Ana Vitó-

ria para Ana Botafogo, abriu a noite. Quan-

do o público entra, se vê diante de uma qua-

se instalação, em que a bailarina aparece

envolta em seu enorme vestido estrutura-

do. Inspirada na escultura homônima de

Nicki de Saint-Phalle, Ana Vitória coloca

a bailarina no limiar da imobilidade e do

movimento. É admirável a forma como Ana

Botafogo entra no jogo e se dispõe a circu-

lar por um terreno menos conhecido por

ela, o da dança contemporânea e do uni-

verso desta coreógrafa. Se os pequenos e

contidos gestos que caracterizam a escrita

de Ana Vitória ainda pareçam, em alguns

momentos, frágeis e menos precisos em

Ana Botafogo, a intérprete constrói La

Mariée com propriedade e apoiada nessa

sua disponibilidade e em suas muitas qua-

lidades expressivas.

Thiago Granato e Cristian Duarte se

encontram no bem-humorado Plano B. Nes-

A

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANE IRO • DOMINGO • 16 DE MARÇO • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 16 DE MARÇO • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 16 DE MARÇO • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 16 DE MARÇO • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 16 DE MARÇO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Na dobra do tempo encerra a noite com

Lavínia Bizzotto coreografada por Juliana

Moraes, em mais um encontro inédito. La-

vínia, ex-bailarina da Quasar, cria uma mu-

lher no limite da tensão e do descontrole. In-

térprete com uma bonita e eficiente presen-

ça em cena, seu virtuosismo aparece atra-

vés do modo como explora os pequenos ges-

tos desarticulados. No entanto, Na dobra do

tempo fica apenas aí, apoiado na competên-

cia dessa intérprete e sem acrescentar a isso

uma ideia que o levasse adiante.

A proposta dos Solos de Dança de ser-

vir como catalisador de encontros entre cri-

adores e intérpretes que ainda não haviam

trabalhado juntos e que por apenas dois

meses convivem e produzem a peça que ali

é apresentada é, sem dúvida, marcada pelo

risco e pela surpresa. Nesta edição não foi

diferente. Foram vistos alguns trabalhos que

chegaram ao palco com um grau maior de

resolução e outros ainda como um esboço

de algo que poderá (ou não) ser melhor de-

senvolvido posteriormente.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

215

Gesto virapilar coreográfico

Recurso transforma o tratamento cênico da série

OBERTO PEREIRA

ço cênico mais intimista como a arena do

Espaço SESC, tão distinto dos grandes pal-

cos aos quais está acostumada. A estranha

figura da noiva da escultura está lá, em cena,

esgarçando a imagem de uma primeira bai-

larina em intrigantes achados coreográficos

com as quais ela tão bem dialoga.

O excelente bailarino Thiago Granato

aparece em Plano B, segundo solo da noite,

fruto de uma parceria com o paulistano Cris-

tian Duarte. O vigor de sua dança, a cada

novo trabalho ainda mais burilado, tem ago-

ra como desafio uma cena que lhe cobra

algo com o qual parece não estar acostuma-

do: uma presentidade física que deve esta-

belecer uma relação direta com a plateia.

Isso ainda é para Thiago, visivelmente, uma

dificuldade, enquanto é ação frequente nas

obras de Cristian. Mas essa dificuldade se

torna elemento a mais para se detectar na-

quele corpo tão preparado a qualidade de

uma dança que está para além do que ali se

constrói cenicamente, felizmente.

Em Ela e mais alguma coisa, Dani Lima

e Micheline Torres investigam o gesto fe-

minino mais cotidiano, aquele que perpas-

segunda semana da 9ª edição da mos-

tra Solos de Dança no Sesc foi marca-

da, curiosamente, pela presença do gesto

como uma espécie de agenciador coreográ-

fico em todos os quatro solos da noite, tão

distintos esteticamente. A cada novo uso des-

se gesto uma nova possibilidade de tratamen-

to cênico da ideia se traduz em dança podia

ser observada.

O trabalho que abre o programa traz a

grande dama do balé brasileiro, Ana Bota-

fogo, em sua aventura mais radical de incur-

são na dança contemporânea até o momen-

to. A escultura La Mariée, da franco-ameri-

cana Niki de Saint-Phallé, concedeu à coreó-

grafa Ana Vitória subsídios para discutir

temas caros ao universo feminino, empres-

tando-se também como título da obra. Para

tanto, a exatidão do gesto, sua marca, apare-

ce traduzida no corpo treinado pelas rédeas

do balé clássico de Botafogo de modo sur-

preendente, pois é antes em sua dramatici-

dade que essa exatidão acontece. Trata-se,

portanto, de uma equação justa, fruto de uma

habilidade técnica da bailarina em adaptar

a qualidade de sua performance a um espa-

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • SEXTA-FEIRA • SEXTA-FEIRA • SEXTA-FEIRA • SEXTA-FEIRA • 21 DE MARÇO • 2008• 21 DE MARÇO • 2008• 21 DE MARÇO • 2008• 21 DE MARÇO • 2008• 21 DE MARÇO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

216

sa os dias, mas que quase nunca é desvela-

do. A qualidade do que se apresenta, ainda

em forma de pleno processo de elaboração

coreográfica, é a da delicadeza enxuta de

quem experimenta esse gesto não como um

produto, mas antes como algo que está ali

em sua dimensão própria, usual, quase ba-

nal, quase imperceptível de tão corriquei-

ra. E essa delicadeza está na dança de Dani,

que poderia ter investido ainda mais nessa

preciosidade e menos numa cena já tão vis-

ta de uma suposta “dança contemporânea”.

Fechando a noite, a bailarina Lavínia

Bizzoto aparece em Na dobra do tempo, de

Juliana Moraes. A qui, o gesto é tratado em

sua dimensão de espasmos, em uma suspen-

são de um estado de percepção que é qua-

se êxtase. O corpo de Lavínia, visivelmen-

te apto a investidas técnicas arrojadas, en-

trega-se nesse solo a um outro desafio cuja

dificuldade torna-se matéria para a própria

composição coreográfica. É desse estado,

nessa dificuldade do embate, que os espas-

mos surgem e permanecem, sempre em re-

corrências.

Os Solos de Dança no SESC se confirmam

como a mais importante mostra do primeiro

semestre em terras cariocas. Que venha sua

décima edição, o que, em tempos como esses

que a cidade vive, é quase um milagre.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

217

Mistura irregularde épocas e estilos

Joias do ballet russo: Repertório e artistas nãosalvam a apresentação do Russian State Ballet

ILVIA SOTER

confusão da noite e de que algo ficou pelo

meio do caminho.

Isso já ficou claro no início da primeira

parte do programa. No pas-de-deux do segun-

do ato de O lago dos cisnes, em vez de assu-

mir apresentar apenas o casal de solistas, a

companhia trouxe para a cena seis bailari-

nas, na tentativa de representar a importan-

tíssima participação do corpo de baile nesta

cena, revelando a pretensão de se aproximar

ao máximo de cada balé, o que, neste tipo de

espetáculo, não é apenas desnecessário, mas,

sobretudo, impossível. A inda na primeira

parte, problemas de iluminação deixaram

literalmente na sombra a peça Pas-de-qua-

tre. Fechando a primeira parte, a entrada dos

convidados especiais Thiago Soares e Mari-

anela Nuñez só deixou mais evidente as fra-

gilidades da companhia russa. O casal de

convidados, ambos do Royal Ballet de Lon-

dres, fez uma impecável apresentação do

pas-de-deux do Corsário, mostrando seguran-

ça absoluta e integração entre si, assim como

precisão técnica e musical. O que faltou na

maior parte da noite sobrou na breve passa-

gem do casal. Sem nenhuma explicação, infe-

riado há 30 anos, o Russian State Bal-

let, companhia estatal russa que este-

ve no Theatro Municipal neste fim de sema-

na, trouxe ao Rio de Janeiro o espetáculo

Joias do ballet russo, um pot-pourri de extra-

tos de alguns balés importantes e outros

menos expressivos. O mérito do programa

foi mostrar pequenos trechos de balés pou-

co conhecidos do público carioca. Mas a es-

tratégia de apresentar numa mesma noite

16 extratos (seriam 17, mas um foi suprimi-

do sem explicação) de épocas e estilos dife-

rentes e, sobretudo, de qualidade artística ir-

regular, mostrou-se pouco eficiente.

Ciente da necessidade de tentar criar o

clima necessário para a apreciação dos ba-

lés, já que o desfile de pequenas peças e a

ausência de acompanhamento da orques-

tra estão longe do que seria ideal para fa-

zer com que o público fosse envolvido pelo

espetáculo, a companhia optou por adotar

dois cenários que ora se revezavam, ora se

combinavam. A maioria das peças aconte-

ceu tendo ao fundo um telão representan-

do um palácio ou uma lua, cenários gené-

ricos que só aumentaram a sensação de

C

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 31 DE MARÇO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 31 DE MARÇO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 31 DE MARÇO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 31 DE MARÇO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 31 DE MARÇO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

218

lizmente, Thiago Soares não voltou para o

Dom Quixote, como anunciado no programa.

A segunda parte da longuíssima noite foi

igualmente irregular. Num determinado

momento, graças a um problema técnico, a

música simplesmente parou de tocar, en-

quanto os bailarinos tentavam, em vão, con-

tinuar dançando. O ponto alto foram dois

solos que atraem pela curiosidade do ponto

de vista histórico, já que carregam nomes

importantes do balé. Foi interessante poder

assistir a Amapola da Califórnia, de Anna

Pavlova, e O diabo coxo, de Fanny Elssler,

dançados com adequação, ainda que te-

nham ficado perdidos no meio de tantas

mudanças de coreógrafos, músicas, momen-

tos históricos e registros.

O programa do Russian State Ballet mais

uma vez mostrou que este tipo de proposta

só se torna de fato interessante quando tan-

to as peças apresentadas quanto os intérpre-

tes que as defendem têm a excelência que

justifica um espetáculo de gala. No caso de

Joias do ballet russo, nem o repertório esco-

lhido nem os artistas da companhia russa

fizeram com que as fragilidades da propos-

ta não se colocassem à frente de suas possí-

veis qualidades.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

219

Giselle mantéma aura de clássicoBalé se impõe com segurança,

a mesma de Silvio Viegas

OBERTO PEREIRA

do para algumas promissoras carreiras.

A companhia parece renovar-se e isso é

um passo certeiro dado por seu diretor

Marcelo Misailidis.

Se todo o balé transcorreu correto, há

que se ressaltar o desempenho dos seis bai-

larinos que formavam o pas-de-six do pri-

meiro ato (Priscilla Mota, Taís Diana, Cíce-

ro Gomes, René Salazar e Rodrigo Negri),

destacando-se aí o nome de Karina Dias,

com certeza uma das grandes estrelas des-

sa récita e uma futura primeira bailarina. No

segundo ato, entretanto, Priscila Albuquerque

não se mostrou ainda madura o suficiente

para desempenhar o difícil papel da rainha

das wilis, enquanto Edifranc Alves construiu

com justeza seu Hilarion, papel nada fácil e

que nem sempre ganha atenção devida dos

remontadores desse balé.

Mas a grande estrela da noite foi mes-

mo a nossa primeira bailarina Ana Botafo-

go desempenhando mais uma vez aquele

que é, com certeza, o principal papel de sua

carreira. Bailarina romântica por excelên-

cia, Ana concede a cada interpretação de

Giselle minúcias dramáticas que ganham

Theatro Municipal abre a temporada

de balé apresentando sua companhia

em Giselle, pérola do romantismo e ainda

hoje um grande desafio do repertório clás-

sico. Por tudo que representa, esse balé se

torna sempre uma boa oportunidade para

que se avalie as condições dessa que é a

principal companhia clássica do País.

A versão que temos aqui desde 1982,

assinada por Peter Wright, com certeza não

é a das melhores, mas consegue ainda assim

bons resultados. E isso pôde ser visto na es-

treia, no último sábado, que contou com um

teatro cheio e uma companhia afinada e

coesa. Giselle ainda é um sucesso.

Cenários e figurinos muito apropriados,

que acertavam em seu tom de marrom no

primeiro ato, e de verde no segundo, conce-

deram qualidade à encenação. E a orques-

tra do Theatro, regida com segurança pelo

maestro Silvio Viegas, completava com com-

petência esse quadro.

Entretanto, a grande novidade da noi-

te estava no corpo de baile: novos rostos,

sobretudo no naipe masculino, desperta-

ram a curiosidade do público, já apontan-

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 14 DE ABRIL • 2008SEGUNDA-FEIRA • 14 DE ABRIL • 2008SEGUNDA-FEIRA • 14 DE ABRIL • 2008SEGUNDA-FEIRA • 14 DE ABRIL • 2008SEGUNDA-FEIRA • 14 DE ABRIL • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

220

ainda novas nuances quanto mais madura a

bailarina se torna.

Pena que ela tenha dividido a cena com

Jesús Pastor, bailarino espanhol convida-

do, cujo desempenho nem de longe dialo-

ga com a qualidade de sua dança. Visivel-

mente despreparado para o papel, sem

qualidades dramáticas e tecnicamente

frágil, Pastor deixa a questão no ar sobre

a pertinência de se convidar bailarinos es-

trangeiros, já que possuímos tantos com

talento no País.

Giselle é mesmo um sucesso. E é também

uma grande lição para jovens bailarinos

que têm a oportunidade de dividir a cena

com os mais experientes. Esse é o sentido

de tradição, imprescindível para uma com-

panhia como essa do Theatro Municipal.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

221

Ânimo renovadopara a temporada

Giselle: Theatro Municipal apresentamontagem caprichada do balé

ILVIA SOTER

construindo o drama de Giselle em cada

mudança de olhar, em cada pequeno ges-

to. Nem mesmo quando agradece entre as

cenas do primeiro ato a intérprete se se-

para da personagem.

Jesús Pastor, bailarino espanhol com pas-

sagem pelos English National Ballet e Ame-

rican Ballet Theatre, emprestou sua bonita

figura a Albrecht, e apesar de ter dado con-

ta de suas variações de forma correta, mes-

mo que sem grande brilho, parecia não es-

tar no auge de sua forma. No papel de Hila-

rion, constata-se o amadurecimento de Edi-

franc Alves, ainda que ele não pareça sem-

pre à vontade nos momentos de pantomima.

O corpo de baile mostrou-se afinado já

no primeiro ato, garantindo o espírito de

festa e de alegria da vindima, com desta-

que para a segurança e a precisão de Kari-

na Dias no pas-de-six. No entanto, para o

corpo de baile, a prova de fogo de Giselle

encontra-se no segundo ato. E o Ballet do

Theatro Municipal saiu-se bastante bem.

Priscila Albuquerque construiu sua Myrtha

de forma correta, com frieza e rigidez. O

corpo de baile deu conta das figuras preci-

ma montagem bem cuidada e compe-

tente de Giselle abriu no último sába-

do a temporada do Ballet do Theatro Muni-

cipal do Rio de Janeiro. Este balé, que há 5

anos não era dançado pela companhia, apre-

sentou um corpo de baile revitalizado, bem

ensaiado e com boa integração com a or-

questra. A escalação desta montagem mos-

tra a preocupação da direção em, ao mes-

mo tempo, valorizar os já consagrados intér-

pretes deste balé e dar oportunidade a ou-

tros artistas da casa, renovando a participa-

ção dos solistas nos papéis de destaque. Es-

colha que se mostrou acertada.

Na noite de estreia, Giselle e Albrecht

foram Ana Botafogo e o convidado espe-

cial Jesús Pastor (dupla que se repete hoje).

Ana Botafogo, com vasta experiência nes-

te papel, mais uma vez apoia-se em seu

absoluto domínio da cena e constrói sua

Giselle dando visibilidade a todas as nu-

ances da personagem. Num crescente, seu

rendimento é ainda maior no segundo ato.

Acompanhá-la neste papel, ao longo dos

anos, é confirmar que seu virtuosismo se

dá na forma como encarna a personagem,

U

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 16 DE ABRIL • 2008RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 16 DE ABRIL • 2008RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 16 DE ABRIL • 2008RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 16 DE ABRIL • 2008RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 16 DE ABRIL • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

222

sas das wilis, e, no segundo ato, Ana Botafo-

go e Jesús Pastor tiveram seus melhores

momentos de integração.

Independentemente de um destaque

ou de outro, o que mais saltou aos olhos

nesta estreia foi o conjunto da obra: o ca-

pricho da montagem – levando-se em con-

ta cenários, iluminação e figurinos; o tra-

balho harmônico e bem orientado da com-

panhia e o ânimo com que os bailarinos

defenderam seus papéis. Em tempos de

“vacas magras” na área da cultura, assis-

tir a Giselle é ganhar esperanças para a

temporada que se inicia.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

223

Verborragia de movimentosno flerte de Deborah Colker

com a dança-teatroCruel: Nova peça da coreógrafa

confirma sua busca por linguagem

ILVIA SOTER

É possível reconhecer em Cruel o desen-

volvimento de algo que já apontava em Nó,

como a preocupação de encontrar um voca-

bulário próprio e coerente com o tema em

questão, durante toda a peça. Neste sentido,

Cruel é mais arriscado e avança. Do baile à

mesa, Deborah Colker vai utilizando seus

recursos coreográficos na construção dessa

identidade, ainda que o que se vê nesse sen-

tido não tenha o impacto de algumas de suas

peças anteriores, apoiadas na exploração de

grandes suportes arquiteturais. A compa-

nhia guarda o vigor e a boa qualidade téc-

nica dos espetáculos anteriores e sobretu-

do o elenco feminino garante a teatralida-

de perseguida. Em Cruel, pela primeira vez

Deborah Colker não está em cena.

Não deixa de ser curioso o fato de que a

coreógrafa tenha se apropriado de uma

mesa justamente no momento em que mais

tenta se aproximar da dança-teatro. É ine-

vitável pensar na coreografia Mesa verde,

de Kurt Jooss, emblemática do primeiro

momento da dança-teatro alemã nos anos

1930. Enquanto esse marco da dança moder-

na tratava dos horrores da guerra a partir

ara aqueles que esperam mais uma

peripécia da Companhia de Dança

Deborah Colker, talvez Cruel possa causar

estranhamento. Em cartaz no Theatro Mu-

nicipal do Rio de Janeiro até amanhã, a

nova peça da coreógrafa mais pop do Rio

flerta mais com a dança-teatro do que com

seu lado mais acrobático. Sobretudo na sua

primeira parte. Não é por acaso que desta

vez ela contou com a ajuda do diretor de

teatro Gilberto Gawronski, responsável

pelo trabalho com os bailarinos na busca

de conduzi-los à densidade dramática que

ela persegue ao longo da peça. Ainda que

não haja uma narrativa linear no sentido

de libreto, existem personagens mais ou

menos identificáveis que atravessam os 90

minutos do espetáculo em dois atos. Cruel

começa num baile que anuncia o clima das

relações entre os casais. A partir da entra-

da de pratos e, em seguida, de uma grande

mesa, as situações de tensão são conduzi-

das para o ambiente familiar. Ainda que

uma trama clara não seja contada, identi-

fica-se a mãe, o pai, a outra, o amante, os

filhos, etc.

P

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOR IO DE JANE IRO • DOMINGO • 27 DE ABR I L • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 27 DE ABR I L • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 27 DE ABR I L • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 27 DE ABR I L • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 27 DE ABR I L • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

224

das negociações que ocorriam em torno da

mesa, a mesa de Cruel aborda os dramas

familiares. Do baile à mesa de Cruel, as pos-

síveis nuances das relações entre esses per-

sonagens são, no entanto, achatadas por uma

verborragia de movimentos e pela trilha

sonora acachapante que se impõe pelo ex-

cesso, sem silêncios ou respirações. Os figu-

rinos de Samuel Cirnansck reforçam a ide-

éia de opulência, já que operam entre um

desfile de alta costura e a roupa de aula de

dança, não achando o tom, nem num caso

nem no outro.

Na segunda parte de Cruel, os mesmos

personagens voltam à cena, num cenário

diferente, em que espelhos pivotantes fun-

cionam como um novo suporte. Aqui, Debo-

rah parece mais à vontade, circulando pela

exploração de bonitas imagens que o espe-

lho permite. Mas este segundo ato se man-

tém completamente descolado do anterior

e poderia servir como uma peça indepen-

dente, ou como partida para uma nova pes-

quisa, pois pouco acrescenta ao que aconte-

ceu na primeira parte. Se por um lado, a

dança de Deborah Colker em Cruel avança

por outros caminhos, seu jeito de trilhá-los

se apoia ainda num certo exagero e numa

intensidade sem pausas, onde não cabe o não

dito, o que nasce nas entrelinhas, o que é sutil.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

225

Falta habilidadena coreografia

Deborah Colker expõe fragilidade na montagem,materializada em passos de dança mal conectados

OBERTO PEREIRA

tileza de um olhar, o timing preciso de uma

cena bem construída, ou seja, elementos su-

tis (e muitas vezes mais cruéis), são substitu-

ídos por passos de dança mal conectados, que

prezam pela máxima extensão dos bailari-

nos, como se quisesse (e precisasse) mera-

mente provar suas habilidades técnicas.

Uma inabilidade com o ofício coreográ-

fico fica evidente em todo o espetáculo. O

excesso de frontalidade e simetria, por

exemplo, revela recursos pueris na constru-

ção da cena, sobretudo na primeira parte. E

o parco vocabulário de movimentos, justa-

mente aí, na cena do baile, traz à memória

do público, para o bem e para o mal, irreme-

diavelmente, a sofisticação de um Lecuona

(2004), espetáculo de Rodrigo Pederneiras

para seu Grupo Corpo, que por si já lembra-

va Nine Sinatra songs (1982), da americana

Twyla Tharp. Lembranças e saudades, claro,

tomam conta de quem assiste.

Já na segunda parte, o recurso dos biom-

bos, já tão explorado na dança, ainda fica

restrito pelo uso que pode render mais um

impacto visual do que um verdadeiro modo

de tratar do tema. Mesmo espelhados e

novo espetáculo da coreógrafa cario-

ca Deborah Colker, Cruel, estreado na

quinta-feira no Theatro Municipal, apresen-

ta um avanço estético e muitos problemas.

Para tratar do tema “crueldade”, ousou-se,

pela primeira vez, investir no gesto teatral,

buscando na dramaturgia uma possibilida-

de coreográfica. Esse avanço, notável quan-

do se observa a produção de Colker, revela

uma certa coragem de se aventurar em

campos ainda desconhecidos para ela, e

também o reconhecimento disso, a ponto de

admitir que necessita de auxílio, no caso,

chamando Gilberto Gawronsky, parceria

que ainda pode render bons frutos.

Mas os problemas que assolam Cruel

quase impedem que se note essa nova expe-

riência da coreógrafa, deixando apenas que

suas fragilidades ganhem a cena. Aliás, é jus-

tamente na cena e suas implicações no cor-

po o que mais merece atenção de Colker, que

ainda acredita que a embalagem pode ser

mais importante que o próprio produto.

Talvez o mais grave de todo o espetáculo

seja apostar no exagero e no explícito para

se falar da crueldade. O pequeno gesto, a su-

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE IRO • DOMINGO • 27 DE ABR I L • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 27 DE ABR I L • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 27 DE ABR I L • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 27 DE ABR I L • 2008R IO DE JANE IRO • DOMINGO • 27 DE ABR I L • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

226

mesmo com o recurso vazado (simetrica-

mente) no meio, eles não se justificam

como metáfora de crueldade. Novamente,

a embalagem no lugar do produto.

O exagero e o explícito estão, por fim,

nos cenários óbvios de Gringo Cardia, nos

figurinos que funcionam muito mal, de Sa-

muel Cirnansck e, sobretudo, na trilha so-

nora absolutamente imperativa de Berna

Ceppas, que teima em preencher todo o es-

paço sem deixar nenhuma brecha para a

dança que ali se constrói.

Cruel aponta para a coragem da core-

ógrafa em buscar novas possibilidades

cênicas. Talvez seja cedo ainda para se

falar em crise, algo que vem se mostran-

do absolutamente necessário e urgente

em sua carreira. Além, é claro, do fato de

que ela precisa se lembrar de que, no

exagero e no explícito, não há lugar para

o espectador, pois tudo está dado, sem

chances para interlocução, tornando re-

almente cruel a própria experiência de

assistir a esse espetáculo.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

227

Entretenimento profissionalCoreografia não interessa.A palavra de ordem é efeito

OBERTO PEREIRA

liza, não investindo hora nenhuma em ou-

tras possibilidades cinéticas que não seja o

ato de se exibir, no que há de mais ingênuo

e pueril nisso. Mas, admite-se, num show

como esse, faz parte do código ser tudo isso,

para que o espetáculo e o exibicionismo

sejam apenas dois nomes para uma mes-

ma investida. E nisso, Waterwall é absolu-

tamente honesto, pois cumpre exatamente

com o que se propõe, o que é comprovado

pela própria escolha do local de apresen-

tação, uma casa de show.

Em alguns momentos, chega-se a lamen-

tar que o diretor artístico, Ivan Manzoni, não

tenha ousado um pouco e aproveitado os

ótimos efeitos que consegue com a água.

Dentro do seu senso de espetacularidade,

bem que cabiam algumas novas tentativas

de surpreender o público sem privá-lo de sua

inteligência. Em todos os casos, em Wa-

terwall há música, iluminação, figurino, ce-

nário e muito, mas muito movimento. E tudo

isso enche mesmo os olhos. Quem vai assis-

tir com o mero intuito de se divertir sai dali

muito satisfeito. E não há mesmo nada a se

questionar sobre isso.

ara quem vive esbravejando contra a

tal dança contemporânea, talvez uma

boa sugestão seja assistir ao espetáculo (de

dança?) Waterwall, em cartaz até domingo

no Citibank Hall, na Barra da Tijuca. Não

há sobre o que pensar e nem o que enten-

der: trata-se de entretenimento puro. E, nes-

sa perspectiva, a tarefa é cumprida com to-

tal profissionalismo.

Se pensarmos em termos coreográficos,

tudo ali é palpérrimo. Mas quem está inte-

ressado em coreografia? A palavra de or-

dem é efeito. E há vários deles, todos a par-

tir de um muro feito de água que escorre in-

cessantemente durante os 70 minutos do es-

petáculo. Isso sem contar as evoluções fei-

tas pelos bailarinos-acrobatas (sic), todos

muito bons, e que, entre um número mais ou-

sado e outro, escorregam de bruços na água,

de frente para o público, soltando um inevi-

tável sorriso.

Assim, tudo é também frontal e por de-

mais simétrico e a previsibilidade é quase

insuportável. Mas há talvez que se expli-

car o que é ser frontal em dança? Basta

pensar em como o corpo se bidimensiona-

P

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE IRO R IO DE JANE IRO R IO DE JANE IRO R IO DE JANE IRO R IO DE JANE IRO • SEXTA-FE IRA • 16 DE MAI• SEXTA-FE IRA • 16 DE MAI• SEXTA-FE IRA • 16 DE MAI• SEXTA-FE IRA • 16 DE MAI• SEXTA-FE IRA • 16 DE MAIOOOOO • 2008 • 2008 • 2008 • 2008 • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

228

Dois caminhos possíveisde apoio à dança

OBERTO PEREIRA

artística Mônica Mion e sua assistente, Ana

Teixeira. A primeira ação foi reunir num

encontro, pela primeira vez na história da

companhia, todos os que nela exerceram o

cargo de direção desde seu início, em 1968.

Nomes importantes, como José Possi Neto e

Luis Arrieta, puderam compartilhar com

seus colegas suas experiências muitas ve-

zes comuns a todos, as mesmas dificuldades

enfrentadas, próprias de qualquer órgão ar-

tístico ligado ao poder público. O que ficou

evidente, entretanto, foi a disposição de to-

dos eles em tornar possível esse projeto de

dança que hoje representa um patrimônio

artístico brasileiro. Uma disposição que per-

manece até os dias de hoje e que deverá

permanecer enquanto a companhia existir.

Outra ação que merece menção foi o

lançamento do bem-vindo vídeo 4 Décadas de

movimento, de autoria de Osmar Zampieri,

que conta com imagens do acervo do grupo,

toda sua trajetória. E, ainda, a ação mais

aguardada: a companhia no palco, dançan-

do, mostrando seu vigor e profissionalismo

ao misturar, com habilidade ímpar a tradi-

ção e a contemporaneidade, através de

uas formas absolutamente distintas de

organização e produção de dança:

uma está estreitamente ligada à tradição,

enquanto a outra está atravessada pela con-

temporaneidade. Uma remonta os tempos

barrocos de Luís XIV, na França, e diz res-

peito às companhias de dança oficiais, liga-

das ao poder público, tendo a Ópera de Pa-

ris como matriz. A outra é sintoma de uma

modernidade líquida, como advoga o soci-

ólogo polonês Zygmunt Bauman, e se cons-

titui em forma de coletivos de artistas inde-

pendentes. Essas duas formas estiveram em

pauta na programação deste fim de sema-

na em São Paulo e revelaram que podem

sim estabelecer um convívio estético possí-

vel e bastante revelador.

A forma tradicional foi muito bem re-

presentada através da comemoração dos 40

anos do Balé da Cidade de São Paulo, segun-

da companhia oficial do País (a primeira é

o Ballet do Theatro Municipal do Rio de Ja-

neiro). Para contar um pouco dessa história

e traçar os percursos de tradição trilhados

por ela, foram organizadas algumas ações

numa iniciativa acertada de sua diretora

D

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE I RO • DOMINGO • 18 DE MA IO • 2008R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 18 DE MA IO • 2008R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 18 DE MA IO • 2008R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 18 DE MA IO • 2008R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 18 DE MA IO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

229

obras assinadas por Arrieta e Sandro Bore-

lli. Uma comemoração que aponta dois sen-

tidos em sincronia: para a história e para o

futuro, ambos carregados de uma qualida-

de que está na dança do Balé da Cidade e

nos corpos de seus excelentes bailarinos.

A segunda forma de organização cami-

nha justamente na contramão dessa que é

tão estabelecida e consagrada ligada ao

poder público como são as companhias ofi-

ciais: trata-se dos coletivos, grupos de artis-

tas independentes que se juntam para tor-

nar possível sua produção, em cooperações

mútuas. Através de estratégias sempre no-

vas, móveis e sobretudo instáveis, acabam

por inaugurar, a cada nova criação, modos

de sobrevivência artística. Não há hierar-

quias, não há regras preestabelecidas e car-

gos a serem ocupados, mas apenas o desejo

comum de viabilizar ideias em dança.

Esses grupos, que surgem nos quatro can-

tos do País e que se autonomeiam coletivos

puderam se encontrar pela primeira vez

através da mostra pioneira organizada por

Sonia Sobral, no Itaú Cultural, denominada

Coletivo Corpo Autônomo, iniciada no dia 7

e que se estende até o dia 18 deste mês.

Através de apresentações, sobretudo dos

coletivos com mais tempo de existência,

como o Couve-flor – Microcomunidade ar-

tística mundial, de Curitiba, e o Centro de

Criação do Dirceu, de Teresina, seis grupos

dividiram também o palco do Centro Cul-

tural para que pudessem falar de suas es-

tratégias de sobrevivência. Tal apresenta-

ção ajudou a entender como os resultados

estéticos são absolutamente contaminados

pelos modos de produção que os per-

meiam. Trabalhos arrojados, muitas vezes

desmedidos em sua profusão de ideias, denun-

ciam uma busca bastante jovem de novos

resultados cênicos.

Duas propostas diferentes de fazer a

dança existir nesse país de poucas investi-

das em políticas públicas para a área: uma

companhia oficial, com bailarinos devida-

mente empregados e cargos muito bem de-

finidos convive com mostras de coletivos

que se perguntam, a cada dia, como será a

criação de amanhã. Nem por isso, as dificul-

dades e os desafios – estéticos e financeiros

– para uma são maiores ou menores que

para outra. São diversos, como deve mesmo

ser a arte contemporânea.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

230

Metade doespetáculo já bastaria

Batalha é secundária diante de Suíte Funk,o atual em estado puro

OBERTO PEREIRA

seus corpos um lugar privilegiado de obser-

vação de como esse movimento se atualiza

sempre numa perspectiva contemporânea.

Talvez justamente por isso Suíte Funk

seja um tanto superior a Batalha, porque faz

da dança, ela mesma, sua matéria-prima.

Tudo que está em cena converge para um

pensamento coreográfico. E o desempenho

dos bailarinos, o figurino e o cenário corres-

pondem com perfeição à proposta. Apenas

a luz precisa ainda de contornos mais preci-

sos e talvez as falas, já usadas na obra ante-

rior, possam ser prescindidas. É a dança que

se atualiza ali o mais importante.

Já em Batalha, o excesso de referências

exteriores esbarra nos clichês de uma pos-

tura corporal bélica, próprias dos bailarinos

de hiphop, que hoje já merece ser revista.

Daí, a previsibilidade coreográfica e os tru-

ques de se usar depoimentos não cooperam

com o que se pretende.

Suíte Funk merece ser apresentada so-

zinha. Até porque comprova que o vocabu-

lário de dança de rua é algo vivo, vibrante,

e absolutamente contemporâneo. E todos os

bailarinos ali, sem exceção, sabem muito

bem como nos mostrar isso.

á muito a dança de rua, ou o hiphop,

vem se contaminando com as ques-

tões da dança contemporânea e desse pro-

cesso alguns ótimos saldos já podem ser de-

tectados. Nomes como Bruno Beltrão e Pau-

lo Azevedo aqui no Rio e Frank Ejara, em

São Paulo, já se tornaram referências nessa

busca absolutamente nova de colocar a dan-

ça da rua no palco e estabelecer novas con-

figurações cênicas que essa passagem de-

manda.

Nesse sentido, a existência da Compa-

nhia Urbana de Dança, capitaneada por

Sonia Destri, é mais uma bem-vinda incur-

são nesse ainda tão profícuo diálogo. Em seu

recém-estreado espetáculo, que reúne duas

obras, Suíte Funk e Batalha, ambas assina-

das por ela, em temporada até domingo no

Espaço SESC, pode-se ver um modo bastan-

te próprio de se tomar parte nesse processo.

O que mais chama a atenção no trabalho

de Destri e sua companhia é que o contem-

porâneo está lá em estado bruto, no puro

movimento, no vocabulário específico da

dança de rua. E para isso, conta-se com dez

excelentes bailarinos, todos homens, que con-

cedem ao espetáculo um vigor que faz de

H

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE I RO • DOMINGO • 1 DE JUNHO • 2008R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 1 DE JUNHO • 2008R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 1 DE JUNHO • 2008R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 1 DE JUNHO • 2008R IO DE JANE I RO • DOMINGO • 1 DE JUNHO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Bailarinos se entregamEspetáculo em Santa Teresa é uma grande celebração

OBERTO PEREIRA

cuidado para que todos os ambientes sejamdevidamente criados. Apenas o excesso defumaça, num ambiente um tanto pequeno,deveria ser revisto, porque inclusive dificul-ta a visão de algumas danças.

Mas o que há de melhor no espetáculosão justamente os bailarinos. Observarcomo eles se entregam à tarefa propostapor Barbot é comovente. E os desempe-nhos de Ulisses Oliveira, como Iansã, eHugo Luís da Silva, como Xangô, merecemdestaque, pois seus corpos estão ali a ser-viço de uma causa maior, funcionando ha-bilmente como um trânsito entre dança ereligiosidade. Já outros momentos, comoo de Iemanjá, por exemplo, devem ser re-vistos, tanto no uso de músicas tão gastascomo as Vangelis, quanto na própria per-formance um tanto inexpressiva da baila-rina Sara Hana.

O reino do outro mundo é contempo-râneo sim. Porque se apresenta naquele lu-

gar, naquele bairro, nessa cidade, porque

se apresenta hoje. E porque se apresenta

de um modo absolutamente digno, respei-

toso e honesto. Tudo é uma grande cele-

bração, coroada ao final pela presença do

próprio Barbot, como Oxalufã, o Oxalá

mais velho. Não há como não se emocio-

nar nesse momento. E uma parte dessa

emoção, assim como na fé, não tem mes-

mo explicação.

programa faz questão de deixar cla-ro: O reino do outro mundo, que a

Companhia Rubens Barbot Teatro de Dan-ça apresenta até dia 29 deste mês na Cate-dral Anglicana São Paulo Apóstolo, em SantaTeresa, é “um espetáculo contemporâneosobre as danças dos Orixás.” Tal aviso assi-nala um modo de composição cênica que re-almente pouco tem a ver com a dança con-temporânea, mas antes com um entendi-mento, nos dias de hoje, da corporeidade deuma dança que está intimamente ligada àreligiosidade.

Na verdade, trata-se quase de uma aula.A lista dos 13 orixás funciona como um ro-teiro didático para que cada um se apresen-te, um após o outro, de modo que seja facil-mente reconhecido pelo público. Nenhummal nisso, se lembrarmos que não se tratamesmo de dança contemporânea, que nãosuportaria esse didatismo. E por isso mesmoreleva-se o uso simplório do figurino e damúsica, que apenas reiteram o que se quertratar. Não há metáfora, não há releitura.Mas há uma honestidade impressionante emcomo tudo ali se articula.

Rubens Barbot consegue, nos quase 90minutos de espetáculo, tirar o máximo pro-veito do local onde ele acontece, uma igre-ja, cuja escolha já perturba quando o assun-to a ser tratado são temas de uma outra re-ligião. E a iluminação também coopera com

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE JUNHO • 2008 SEGUNDA-FEIRA • 9 DE JUNHO • 2008 SEGUNDA-FEIRA • 9 DE JUNHO • 2008 SEGUNDA-FEIRA • 9 DE JUNHO • 2008 SEGUNDA-FEIRA • 9 DE JUNHO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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“Transcriação”shakespeariana

Balé de Londrina relêRomeu e Julieta em desafio difícil

OBERTO PEREIRA

tão bem o que se quer dizer nessa transcria-

ção shakespeariana: tudo pertence àquele uni-

verso porque foi posto ali, mas em estado de

decalque, de colagem, de uma leitura possí-

vel. Não à toa, quase toda movimentação se

dá rente ao chão, em decalques que vão sendo

construídos e desconstruídos a todo o momento.

A companhia responde muito bem ao

desafio proposto por Leonardo Ramos. Afi-

nada e coesa, indentifica-se nela a cumpli-

cidade com o trabalho do coreógrafo, opor-

tunidade rara de convivência nos dias de

hoje. Ressalta-se, entretanto, a atuação pre-

cisa e madura do bailarino Cláudio de Sou-

za, um dos responsáveis pelos momentos

mais arrojados do espetáculo.

Um excesso de luzes coloridas na ilumi-

nação, uma falta de silêncio que se oponha à

grandiloquência da música de Prokofiev e

um esgarçamento no tempo coreográfico são

alguns elementos que merecem revisão. Mas

nem de longe fazem de Decalque menos da-

quilo que ele é: uma transcriação possível,

que vai do teatro à dança, sem nenhum re-

ceio de transitar no espaço que há entre es-

sas duas linguagens.

grande mérito de Decalque, espetácu-lo que o Balé de Londrina apresenta

no Teatro Cacilda Becker até domingo, é aideia de tradução que ele carrega, ao partirda obra de Shakespeare, Romeu e Julieta, paraorganizar em dança uma possibilidade de lei-tura. Desafio nada fácil, o que se pode verifi-car na cena que se constrói é não apenas essaideia de tradução, mas antes, recuperando opoeta Haroldo de Campos, a ideia de transcria-

ção. É nesse terreno que o coreógrafo e dire-tor da companhia, Leonardo Ramos, atua: nolugar de “entre-linguagens”, para construirseu vocabulário de movimentos.

Assim, não há espaço para literalidades.Julieta e Romeu são personagens visitadospor todos os bailarinos e cabe ao públicoestar atento para identificar, ou não, quemos representa no momento. E mesmo o sen-tido de representação é trazido aqui numaoutra esfera, em que há menos o gesto dra-mático, já que a cena se constrói no puro mo-vimento. Um avanço e tanto na carreira docoreógrafo e de sua companhia.

Justamente por essa primazia do movimen-to, o título do espetáculo, Decalque, configura

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JUNHO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JUNHO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JUNHO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JUNHO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 20 DE JUNHO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Desafio é desfazermá impressão da companhia

Russian State Ballet

OBERTO PEREIRA

ra um balé como A bela adormecida, cujo tour

de force é justamente aliar o que nele tem detradição, já que se trata de uma obra inspira-da nos tempos barrocos de Luís XIV, com osarroubos técnicos conquistados hoje em dia.A célebre dupla que assinou esse balé, Peti-pa/Tchaikovsky, imprimiu claramente as exi-gências de uma companhia tradicional debalé para seu desempenho, dada a magnitu-de do projeto dos dois. É esperar para ver.

Se apostarmos na fama que vem con-quistando sua primeira bailarina, IrinaKolesnikova, tudo pode ser uma agradá-vel surpresa. A Dance Magazine, uma dasrevistas mais importantes da área, reco-nheceu recentemente seu talento, mesmoque sua professora, Elvira Kokorina, dafamosa Vaganova Ballet Academy ondese formou, a tenha humilhado diversasvezes frente aos colegas, tentando conven-cê-la do contrário.

Vale a pena conferir, por se tratar de umacompanhia de balé jovem e privada e quetraz uma obra de peso. Talvez sirva comoremédio para tirar da lembrança o estragoque seus compatriotas fizeram por aqui re-

centemente.

Rio de Janeiro ainda está traumatiza-do com a última investida russa na

cidade na área do balé: em março deste ano,a passagem desastrosa do Russian State Bal-let pelo Theatro Municipal, com o espetácu-lo Joias do ballet russo, deixou claro que mes-mo um país com fama de ser a capital mun-dial dessa arte pode muito bem ter suas com-panhias de segundo (ou terceiro) escalão.Agora, a vinda de mais um exemplar russotem pela frente a missão de desfazer mini-mamente a péssima impressão deixada pe-los seus conterrâneos em terras brasileiras.

A Konstantin Tachkin’s Ballet Theatre ofSaint Petersburg (um dos nomes para a mes-ma Saint Petersburg Ballet Theatre, apenaslevando o nome de seu fundador), além deser uma jovem companhia para os padrõesrussos, já que conta apenas com 14 anos, étambém uma companhia privada de balé. Aolado de um Kirov, ou mesmo de um Musor-gsky Theatre Opera and Ballet, ambos sedia-dos na mesma São Petersburgo, e do Bolshoi,em Moscou, ela é praticamente uma inician-te e já por isso desperta curiosidade.

E essa curiosidade apenas aumenta ao sa-ber que escolheram para sua turnê brasilei-

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO •RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 26 DE JUNHO • 2008 QUINTA-FEIRA • 26 DE JUNHO • 2008 QUINTA-FEIRA • 26 DE JUNHO • 2008 QUINTA-FEIRA • 26 DE JUNHO • 2008 QUINTA-FEIRA • 26 DE JUNHO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Russos continuam devendoSt. Petersburg Ballet passa em branco no Municipal

OBERTO PEREIRA

vem para o término da turnê, deixando

uma lacuna irremediável na qualidade

artística do que foi apresentado. Sua subs-

tituta, a solista Ana Khabarova, apesar de

correta, não conseguiu imprimir em sua

Princesa Aurora as tonalidades interpre-

tativas que a personagem demanda. E

tecnicamente apresentava falhas que se tor-

navam ainda mais visíveis nos dessincroni-

zados pas-de-deux com o ótimo Vyacheslav

Sunegin, sobretudo nas piruetas, todas fora

do eixo.

Se os cenários e figurinos correspon-

diam à suntuosidade barroca exigida

pelo balé, o mesmo não aconteceu com

a coreografia. Privilegiando a pantomi-

ma em detrimento da própria dança,

essa versão deixou muito a desejar quan-

do se trata de um balé que leva a assina-

tura de um mestre como Marius Petipa,

que soube como poucos aliar o gesto ao

movimento.

Não foi desta vez, portanto, que os russos

conseguiram mostrar para o Rio de Janeiro,

a capital do balé no Brasil, o que eles têm

de melhor na área. Saudades do Kirov.

ão foi desta vez que os russos conse-

guiram tirar a péssima impressão no

público carioca deixada pelos seus compa-

triotas do Russian State Ballet em março

deste ano. A St. Petersburg Ballet Theatre,

que apresentou o balé A bela adormecida,

embora infinitamente melhor que a outra,

ainda assim não empolgou o público que

lotava o Theatro Municipal nesta última

quinta-feira.

Talvez duas importantes ausências pos-

sam ter contribuído para isso: a da prometi-

da orquestra com 38 músicos e a da primei-

ra bailarina Irina Kolesnikova. Não houve

explicação da produção sobre isso e, levan-

do em conta os altíssimos preços dos ingres-

sos, essas faltas se tornaram imperdoáveis.

Para o público carioca, único no Brasil a

estar acostumado a assistir balés do reper-

tório clássico com música ao vivo, a expe-

riência de fazê-lo com música gravada soou

quase como uma heresia.

Mas foi sobretudo a ausência de Koles-

nikova que se fez sentir durante todo o es-

petáculo. Bailarina de fama mundial, ela

chega ao Brasil apenas na semana que

N

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O • R I O D E J A N E I R O • R I O D E J A N E I R O • R I O D E J A N E I R O • R I O D E J A N E I R O • D O M I N G O • 6 D E J U L H O • 2 0 0 8D O M I N G O • 6 D E J U L H O • 2 0 0 8D O M I N G O • 6 D E J U L H O • 2 0 0 8D O M I N G O • 6 D E J U L H O • 2 0 0 8D O M I N G O • 6 D E J U L H O • 2 0 0 8

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Balé para gente pequenaAna Vitória extrai beleza do fértil gênero infantil

OBERTO PEREIRA

de Renato Machado e os figurinos de Ana

Paula Moniz e Cláudia Diniz impressionam

por funcionarem com tal harmonia em con-

junto que parecem ter sido feitos por ape-

nas um artista. Raramente se vê uma con-

cepção cênica tão coesa assim, o que, sem

dúvida, deve ser creditado à direção segura

de Marcelo Aquino.

Já a coreografia tem achados muito

interessantes, embora algumas vezes per-

ca o ritmo, problema imperdoável em se

tratando de um espetáculo voltado para

crianças. Ana Vitória aparece dançando

com a propriedade de sempre e é acom-

panhada com competência pelo bailari-

no Márcio Cunha. Já Alexandre Bado e

Renata Costa necessitam ainda encon-

trar um tom mais preciso em suas inter-

pretações, que ainda esbarram num cer-

to exibicionismo.

Cirandas cirandinhas é um primeiro e

importante passo para a dança carioca por

contribuir na formação de um público. Um

desafio vencido com a qualidade e com o

esmero que merecem a atenção não só das

crianças mas de todos nós.

ma importante lacuna na dança con-

temporânea carioca é finalmente

preenchida com Cirandas cirandinhas, espe-

táculo assinado pela coreógrafa e bailari-

na Ana Vitória, que estreou neste sábado

no Espaço SESC: a dança dedicada às cri-

anças. Tarefa das mais difíceis, já que o pú-

blico a ser conquistado costuma ser um tan-

to exigente, trata-se de uma bela oportuni-

dade para se conferir como esse campo é

ainda bastante fértil para as investidas co-

reográficas.

Cirandas cirandinhas tem ainda muitos

outros méritos. O primeiro deles é trazer à

cena a música de Villa-Lobos de uma for-

ma absolutamente inovadora, sem perder

de vista o que há de lúdico nela. E também

por visitar contemporaneamente várias das

brincadeiras infantis que habitam o imagi-

nário brasileiro, mesmo que um tanto esmae-

cidas nos tempos excessivamente tecnoló-

gicos de hoje.

Além disso, o espetáculo tem qualidades

cênicas que saltam aos olhos e que com cer-

teza conseguirão seduzir seu público alvo:

o cenário de Sérgio Marimba, a iluminação

U

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 7 DE JULHO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 7 DE JULHO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 7 DE JULHO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 7 DE JULHO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 7 DE JULHO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Sobre o palco, um ofícioque se leva a sério

Paulo Caldas e sua dançaabsolutamente contemporânea

OBERTO PEREIRA

gia de dança. Novos apoios são inaugu-

rados, novas conexões são testadas, novas

saídas para que o movimento não se es-

vaia nunca em clichês são apontadas. A

iluminação precisa de Renato Machado

auxilia nos recortes de espaços, enquan-

to a trilha sonora redimensiona o tempo.

Tudo se encaixa. Não há sobra, nem faci-

lidades.

Além dos excelentes bailarinos Caro-

lina Wiehoff, Natasha Mesquita e Toni Ro-

drigues, que já introjetaram em seus cor-

pos o que coreógrafo obsessivamente

constrói em cena, tem-se o privilégio de

testemunhar a consolidação de um novo

talento, o bailarino João Paulo Gross, e a

impressionante atuação da já experiente

Paula Maracajá.

Essa parece ser uma nova fase do traba-

lho de Paulo Caldas. O mais importante dis-

so tudo, quase na esteira modernista das es-

pecificidades, é sua habilidade no vocabu-

lário de movimento, é seu ofício levado às

últimas consequências. Além do fato de ele

fazer respirar ali uma dança absolutamen-

te contemporânea.

que há de mais específico na habilida-

de em se construir uma grafia do mo-

vimento parece ser o mote de Quinteto,

espetáculo do coreógrafo carioca Paulo

Caldas para sua companhia Staccato, que

estreou nesta quinta-feira no Espaço SESC.

Não há espaço para referências que não

sejam aquelas próprias do que se constrói

como vocabulário de dança. E é nesse lu-

gar específico que a cena se dá: madura,

consistente, e por vezes absolutamente gra-

ve. Um ofício que se leva a sério está es-

tampado no palco.

Entretanto, a busca pelo “em si” do mo-

vimento não impede que rastros de uma ges-

tualidade se pulverizem nos corpos que

dançam. Eles estão nos detalhes, na mão que

se articula de modo peculiar, ou na sincro-

nia sensível das tramas coreográficas. Mas

essa gestualidade aparece apenas impul-

sionando o que dela pode ser extraído como

movimento. Nada mais que isso. E é nisso que

se reside sua maior riqueza.

Os intrincados duos, por exemplo, pa-

recem querer-se quase pas-de-deux, abu-

sando aqui da boa vontade da terminolo-

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O • S Á B A D OR I O D E J A N E I R O • S Á B A D OR I O D E J A N E I R O • S Á B A D OR I O D E J A N E I R O • S Á B A D OR I O D E J A N E I R O • S Á B A D O • 9 D E A G O S T O • 2 0 0 8 • 9 D E A G O S T O • 2 0 0 8 • 9 D E A G O S T O • 2 0 0 8 • 9 D E A G O S T O • 2 0 0 8 • 9 D E A G O S T O • 2 0 0 8

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Rigor sem espaçopara o desvio

Quinteto: Paulo Caldas investigapossibilidades de exploração do movimento

ILVIA SOTER

vezes, nessas linhas sugeridas, que se ilumi-

nam e depois desaparecem, braços, tronco e

pernas se inscrevem, podendo ali permane-

cer, experimentando suas possibilidades

nesta geometria.

Em Quinteto, as espirais, os loopings, os

movimentos circulares repetidos até a qua-

se vertigem, as entradas e saídas dos corpos

no chão que se davam sem arestas, marcas

recorrentes da dança da Stacatto, não estão

mais no centro. Já no primeiro e bonito solo

de Carolina Wiehoff, as extremidades –

mãos e pés – ganham um outro valor. O tra-

balho das mãos e dos punhos acaba por im-

primir uma qualidade expressiva que ape-

nas se insinua, decorrente dos momentos em

que o movimento se aproxima do gesto.

As mãos falam muito mais do que nas suas

criações anteriores, e essa teatralidade que

apenas se esboça, por contraste, acaba por

sublinhar a busca de recursos do movimen-

to pelo e para movimento. Cada um dos cin-

co intérpretes tem o domínio absoluto do que

lhe cabe em cena. Desta vez, o competente

elenco masculino é formado apenas por

Toni Rodrigues e João Paulo Gross, já que o

cada nova criação, o coreógrafo Pau-

lo Caldas aprofunda sua pesquisa so-

bre as possibilidades cinéticas do corpo que

dança. Se em Filme, trabalho do ano passa-

do, ele parecia concluir um ciclo em que se

dedicou a experimentar as potências do

kine, cruzando referências da dança e do ci-

nema, Quinteto revela uma outra faceta

desta pesquisa. As preocupações do coreó-

grafo nesta peça parecem flertar com algu-

mas questões modernistas já que as combi-

nações entre linhas, planos, figura, fundo e a

presença dos cinco intérpretes servem de

partida e chegada para a obra. Com o mes-

mo rigor de sempre, nesta nova peça, Paulo

Caldas investe na exploração de outras pos-

sibilidades de movimento de dança e, sem

se desviar da estrada que trilha há muitos

anos, consegue trazer sangue novo para o

seu vocabulário.

A iluminação insinua linhas que dese-

nham os planos ortogonais. Mais do que

marcas no espaço, essas linhas surgem como

projeção dos bailarinos, continuando as for-

mas desenhadas pelas diagonais que se cru-

zam nos corpos e entre os corpos. Outras

A

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 15 DE AGOSTO • 2008SEXTA-FEIRA • 15 DE AGOSTO • 2008SEXTA-FEIRA • 15 DE AGOSTO • 2008SEXTA-FEIRA • 15 DE AGOSTO • 2008SEXTA-FEIRA • 15 DE AGOSTO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

238

coreógrafo não está presente. A familiari-

dade de Carolina Wiehoff com a escrita de

Paulo Caldas aumenta a cada nova peça, o

que também acontece com Natasha Mesqui-

ta. É nas duas que as mudanças da Staccato

se tornam mais visíveis. A chegada de Pau-

la Maracajá à companhia, intérprete expe-

riente, trouxe ainda mais brilho ao grupo.

Na linha de artistas como, por exemplo,

Merce Cunningham – a presença de John

Cage na trilha sonora reforça a referência

ao coreógrafo americano –, Paulo Caldas

parece interessado em verticalizar sua in-

vestigação e não faz concessões. Para o

mergulho que dá na forma, ele acaba por

evacuar a expressividade que poderia bor-

rar sua proposta. Ganha em rigor e preci-

são, mas talvez deixe escapar o desvio que

poderia transformá-la e apontar novos e tal-

vez interessantes desdobramentos.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Começo bom, mas comfim frustrante e triste de ver

OBERTO PEREIRA

gil, descritivo e óbvio, mostrou como Thiago

se porta muito bem sozinho em cena, num

palco como o do Theatro Municipal.

Já na segunda parte, o ponto alto foi

Winter dreams, do grande mestre Kenne-

th MacMillan, primorosamente dançado

por Thiago e Marianela. O entrosamento

dos dois era evidente, e a cena pôde ser

construída de forma legítima, clara, coesa

e sem afetação.

O mesmo não se pode dizer do pas-de-

deux de Giselle e, sobretudo, do problemáti-

co solo El cisne, com coreografia de Ricar-

do Cué. O bailarino David Makhateli não

encontrou ainda a dosagem precisa de sua

interpretação, deixando que um excesso de

dramaticidade inundasse sua dança.

Mas talvez o mais frustrante tenha sido o

final. Claro que o público esperava ansiosa-

mente por um brilhante e vigoroso grand pas-

de-deux, típico de noites como essas e que até

então não tinha sido apresentado. Isso ficou

claro nos primeiros acordes do balé Dom Qui-

xote, com a entrada triunfal do casal Thiago e

Roberta. Mas inexplicavelmente as variações

não foram apresentadas e a coda foi dividida

entre todos os bailarinos, cada um com seu fi-

gurino. Triste de ver. O público merecia ver os

dois brasileiros, aliás, cariocas, dançando jun-

tos outra vez, com competência e graça de

sempre. Não foi desta vez. Uma pena.

que mais se destacou anteontem no

Theatro Municipal durante a apresen-

tação do espetáculo encabeçado pelo bra-

sileiro Thiago Soares, primeiro bailarino do

Royal Ballet de Londres, curiosamente in-

titulado Thiago Soares and friends, foi justa-

mente o apuro técnico e a maturidade artís-

tica alcançados pelo anfitrião da noite. Não

deixa de ser motivo de orgulho para o Bra-

sil ter formado um bailarino que, tendo en-

trado relativamente tarde na dança, e ain-

da pela porta do hip hop, se tornou uma es-

trela mundial do balé.

Entretanto, um programa pouco convin-

cente não permitiu que os bailarinos convi-

dados, e mesmo o próprio Thiago, mostras-

sem sua arte. Sobretudo as ótimas Roberta

Marquez, outra brasileira a ocupar a primei-

ra posição no Royal Ballet, e Marianela

Nuñez tiveram poucas chances de apresen-

tar sua competência e seu talento.

Um programa modificado de última

hora frustrou a expectativa do público em ver

Thiago e Marianela dançando Tchaikovsky

pas-de-deux, de Balanchine. A noite foi aber-

ta com o emblemático pas-de-deux do balé A

Floresta Amazônica, de Dalal Achcar, um

ícone da dança carioca. Com certeza, esta foi

a melhor peça da primeira parte da noite, que

ainda teve o solo Les Bourgeois, de Cauwen-

bergh, que, embora coreograficamente frá-

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • RIO DE JANEIRO • QUARTA-FEIRA • 20 DE AGOSTO • 200820 DE AGOSTO • 200820 DE AGOSTO • 200820 DE AGOSTO • 200820 DE AGOSTO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

240

Qu’eu isse

ILVIA SOTER

acontece. O jogo entre o que se faz visível e oque fica escondido pelas caixas mostra a boaintegração entre cenário e iluminação. É pena,no entanto, que no palco do Teatro I estes vo-lumes ocupem espaço demais e acabem pordeixar a dança espremida.

A companhia composta de bailarinos deformação bastante diversa mostra grandeprazer em estar em cena, assim como enga-jamento com o projeto de Rui Moreira. Afalta de unidade no grupo, ainda que se tor-ne um problema em muitos momentos, nãodeixa de ser coerente com a proposta docoreógrafo de assumir a identidade localcomo um amálgama de diferenças.

No entanto, quando se trata da coreografia,esta identidade se transforma numa colagemde referências distintas que se sobrepõem semse misturarem. Passos de danças urbanas,movimentos de capoeira, danças e cantos in-dígenas e africanos convivem em cena sem,de fato, criarem algo de novo. Ao longo de todoo espetáculo, ainda é possível identificar a ori-gem de cada passo e seus estilos. É curioso, porexemplo, observar a frontalidade do grupo ea sincronia dos passos, como se a ênfase no sin-gular fosse subitamente abandonada.

A forte presença de Rui Moreira em cena,torso nu e vestido com uma bonita e sonorasaia de folhas secas é, sem dúvida, o ponto altoda peça. Sua bela figura – que ondula e pon-tua as danças de grupo – faz o público matar asaudade deste intérprete que, por anos, foi um

dos ícones da dança mineira.

u’eu isse, curruptela de “que eu fosse”,é o titulo do espetáculo de dança da

companhia SeráQuê?, dirigida por Rui Mo-reira, em cartaz no Teatro I do CCBB até odia 21 de setembro. É quase impossível nãorelacionar este título ao da penúltima peçado Grupo Corpo, Onqotô, forma de se per-guntar onde é que eu estou, sobretudo quan-

do se sabe que o diretor da SeráQuê? é

egresso desta outra companhia mineira.

Cercado de um time de primeira, enca-

beçado por Milton Nascimento, que assina a

trilha sonora, Bia Lessa, responsável por ce-

nários e figurinos, e Pedro Pederneiras na ilu-

minação, Qu’eu isse busca nas manifestaçõespopulares e regionais a matéria para a sua

dança. A peça é a segunda parte de uma tri-

logia que trata da influência indígena e afri-

cana na identidade brasileira, tema decorren-

te da pesquisa que o coreógrafo desenvolveu

com apoio do Instituto Vitae em 2005.

Esta dupla influência está bastante presen-

te na música de Milton Nascimento, enquanto

a cenografia e os figurinos se apoiam em tra-

ços mais urbanos e trazem marcas contempo-

râneas para o olhar que Rui Moreira lança

sobre nossa identidade. Os figurinos, em co-

res claras, ganham uma textura especial pe-

las palavras marcadas nas roupas, como se os

bailarinos estivessem envoltos em páginas já

escritas. As caixas de papelão que compõem

o cenário são manipuladas pelos bailarinos

que criam, a cada momento, volumes diferen-

tes, demarcando os territórios onde a dança

Q

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 12 DE SETEMBRO • 2008• SEXTA-FEIRA • 12 DE SETEMBRO • 2008• SEXTA-FEIRA • 12 DE SETEMBRO • 2008• SEXTA-FEIRA • 12 DE SETEMBRO • 2008• SEXTA-FEIRA • 12 DE SETEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Recriação que vira futuroCom 42 grupos, mostra de dança tem a memória como tema

OBERTO PEREIRA

subvenções públicas e privadas. Seu curador,Guy Darmet, propõe olhar para essa produ-ção no que ele chama de Retour en avant, ouseja, uma memória acionada em cada obra,lançando flechas do tempo para o futuro.

Para nós, brasileiros, um sabor todo espe-cial nos toma quando se fala da Bienal, des-de 1996, quando o Brasil e sua dança foramseu tema. Para o Rio de Janeiro, mais especi-ficamente, essa edição histórica ajudou a ala-vancar o principal festival da cidade, o Pa-norama, tornando-o internacional, assimcomo a impulsionar a ação política de fomen-to às companhias de dança em âmbito muni-cipal, que hoje foi reduzida a pó.

E desde lá, os brasileiros estiveram pre-sentes na programação francesa. Nesta edi-ção, por exemplo, são duas as companhiasconvidadas por Darmet: a carioca Compa-nhia Urbana de Dança, dedicada em pes-quisar diálogos entre as danças de rua e acontemporânea, apresenta a já conhecidaSuíte Funk, de sua diretora, Sonia Destri, ea estreia de Agwa, de Mourad Merzouk, umartista da própria cidade de Lyon, ambas emcoprodução com a Bienal; e também a pau-listana Companhia Sociedade Masculina,composta apenas de homens, que apresentaPalpable, do grego Andonis Foniadakis, e Tro-picália, do goiano Henrique Rodovalho, di-retor e coreógrafo da Quasar Cia. de Dança.

Tudo isso ao lado de artistas importan-tes que também compõem a grade de pro-gramação, como Anne Teresa de Keersma-

omemorando sua 25a edição, a Bienalde Dança de Lyon, na França, que co-

meça hoje e se estende ao longo de 25 dias,volta-se para sua própria história, tendocomo mote a memória, o repertório e a re-criação. Nada mais contemporâneo, em setratando de dança. Há alguns anos, os modosde como o que se produz hoje pensamentocoreográfico estão se dando conta das habi-lidades do corpo em contar histórias e, maisdesafiante, registrar sua própria história.

Aqui no Brasil, o tema já perpassou im-portantes festivais, como o Panorama deDança, do Rio, a Bienal de Santos e a deFortaleza, e também o Festival Internacio-nal de Recife, sobretudo nas edições do anopassado. A Bienal de Lyon aparece dialo-gando com as mesmas questões, mostrandoque se trata de questões que estão no mun-do da dança. Sobretudo porque estão apon-tando para o que é possível continuar a serproduzido em dança a partir de um passadoque apenas é interface do futuro. Isso numaarte que sempre foi vista como atada irre-mediavelmente ao presente.

Reunindo 42 companhias de 19 países,em 54 obras, sendo que delas, 19 são novasco produções, além do já tradicional Défilé,um desfile que acontece nas ruas da cidade,claramente inspirado nos desfiles das esco-las de samba brasileiros, a Bienal de Lyonoferece uma palheta bastante diversificadada produção coreográfica atual, tendo comoorçamento mais de 6 milhões de euros, entre

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JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • DOMINGO • 7 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 7 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 7 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 7 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 7 DE SETEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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eker (da companhia belga Rosas), MaguyMarin, Suzane Linke (que apresenta a Re-construção de uma obra sua de 1985), Caro-lyn Carlson e Angelin Prejlocaj, todos eles

já conhecidos do público carioca.

Mas talvez o mais curioso em toda a

Bienal fique por conta da própria companhia

pública da cidade, o Ballet de L’Opéra de Lyon,

que apresenta entre outras coisas um progra-

ma inteiramente dedicado a W illiam For-

sythe. Mas o curioso está na remontagem deThe show must go on, do francês Jérôme Bel, aque nós pudemos assistir aqui em 2002, noPanorama de Dança. Uma obra absolutamen-te atual, que fala da cultura pop, sobretudo namúsica e, como consequência, na dança, derepente vira “repertório”. Nada mais Retour enavant, como quis Guy Darmet. Nada maispara provar que o presente já é, por si só, his-

tória, mesmo na dança.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Em processo de conhecerseus próprios limites

OBERTO PEREIRA

convívio não possam abrandar e imprimir um

modo próprio à companhia ser num futuro

próximo. Seus currículos deixam flagrar uma

competência técnica reconhecida em festivais

competitivos de dança, o que denota certa ina-

bilidade para o espetáculo inteiro, para uma

obra completa. Mas talvez justamente por isso,

por essa fresca imaturidade, a companhia des-

perte curiosidade.

Numa obra com claras influências de

W illiam Forsythe, Silvestrin lançou mão de

uma releitura da Oferenda musical de Bach,

feita pelo conjunto belga Het Collectief,

para mostrar a dança de 39 bailarinos que

se esmeraram, algumas vezes até demais,

em cumprir o que era proposto. Mesmo que

um sorriso para a plateia ou uma amostra

de virtuosismo escape aqui e ali de vez em

quando, foi uma companhia com vontade de

acertar o que se pôde assistir. E dessa von-

tade compartilha quem se interessa pela

dança no Brasil.

Para o próximo programa, com estreia

marcada já para novembro, Bronislava

Nijinska, George Balanchine e o carioca Pau-

lo Caldas foram escolhidos para dividir a

mesma noite. Tomara que Polígono tenha sido

útil para que esse próximo desafio nos mostre

uma companhia de dança mais coesa e, na

medida do possível, mais madura. Torçamos.

mais nova companhia pública de dan-

ça do País sobe ao palco pela primei-

ra vez: trata-se da São Paulo Companhia de

Dança, que apresentou a obra Polígono, em

uma temporada nesse último fim de semana

no Teatro Sérgio Cardoso, na capital paulis-

ta. Sem dúvida, uma estreia bastante aguar-

dada não só pelo público daquela cidade, mas

de todo o País. A razão para isso é simples:

além de ser um projeto que pretende colo-

car em cena obras do repertório clássico dos

séculos XIX, XX e XXI, tarefa que o Ballet

do Theatro Municipal do Rio de Janeiro cum-

pria até então sozinho, é também composta

de jovens bailarinos garimpados por todo o

Brasil e alguns do exterior, sob a direção ex-

periente de Iracity Cardoso e Inês Bogéa.

Formada em fevereiro deste ano, a com-

panhia exala todos os índices de um jovem

grupo que ainda se encontra em pleno pro-

cesso de autoconhecimento. Isso é absolu-

tamente imprescindível para esse tipo de

empreendimento coreográfico e, nesse sen-

tido, Polígono, do coreógrafo italiano Ales-

sio Silvestrin, parece ser exemplar para esse

primeiro exercício.

Ainda sem um perfil definido, os jovens

bailarinos estão juntos no palco dividindo ape-

nas a ansiedade de pertencer a uma compa-

nhia de peso como essa. Nada que o tempo e o

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 9 DE • TERÇA-FEIRA • 9 DE • TERÇA-FEIRA • 9 DE • TERÇA-FEIRA • 9 DE • TERÇA-FEIRA • 9 DE SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO • 2008• 2008• 2008• 2008• 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Parceria exploraos limites corpóreos

Vieira e Cezário vão além de diretore bailarino e atingem cocriação

OBERTO PEREIRA

É gratificante observar como Renatogenerosamente abriu espaço em sua as-sinatura coreográfica para que seu novo-velho parceiro pudesse arejá-la com ou-tras possibilidades de movimento. O re-sultado é um ritornelo do que já é con-quistado como estilo de um coreógrafomaduro em relação com o que é experi-mentado de novo.

Os cinco bailarinos, todos excelentes,entenderam fisicamente a proposta. Masé em Soraya Bastos onde se pode detec-tar com minúcia essa percepção, sobretu-do no impactante duo com Thiago Sanchoe em seu solo. Já Bruno Cezário, bailarinoímpar de sua geração, nos mostra que oque aprendeu em convivências com osmais importantes coreógrafos em suaspassagens em companhias pelo mundoestá não apenas em seu ofício como bai-larino, mas indiciado em sua promissoraentrada no mundo da criação.

Ritornelo representa um lugar especialna carreira de Renato, pois evidencia seu

percurso, em retornos constantes e avanços

significativos. Tudo ali confere legitimida-

de a isso: a ótima luz, a trilha sonora precisa,

mas sobretudo a dança que retorna a ela

mesma, sem nenhum receio disso. E isso, sa-

bemos nós, não é pouca coisa.

ideia de ritornelo, tão ligada ao uni-verso musical e que já foi motivo de

reflexão por parte de filósofos como GillesDeleuze, ganha sua tradução física em dan-ça. Dotado de uma materialidade outra, osentido de retorno e repetição numa com-posição é investigado coreograficamente,em espetáculo batizado com o termo, e queleva a assinatura do veterano Renato Viei-ra em parceria com seu bailarino BrunoCezário. O espetáculo que estreou nestaquinta-feira no mezanino do Espaço SESCfica em cartaz até 12 de outubro.

O conteúdo dessa nova materialidadeque traduz o conceito de ritornelo é físico,cinesiológico, corpóreo. Nesse sentido, acomposição coreográfica investe tanto emprecisões de execução de passos já conhe-cidos de dança (estão lá piruetas, déboulés,e até a prática de uma dança que se faz emconjunto) quanto em movimentos que bor-ram os limites de início e fim, tornando seupercurso o mais importante. O corpóreoaqui explode nos interstícios dos tons depele que escapolem pelo ótimo figurinoidealizado por Cezário e Marine Levesque.As várias texturas do preto acentuam atextura dos corpos dos bailarinos, que orase controlam em absoluta sincronia, ora sederramam em espasmos pela cena.

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JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SÁBADO • 13 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 13 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 13 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 13 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 13 DE SETEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Na Bienal de Lyon,passado e futuro em harmonia

Là laià là laià!!!Là laià là laià!!!

Lá la laiá la laiá!!!

OBERTO PEREIRA

pia dos desfiles de escolas de samba cari-

ocas, como fez questão de frisar o curador

da Bienal, Guy Darmet, durante a coleti-

va de imprensa. O Brasil, como tem sido

em suas últimas edições, esteve presente

de forma contundente por aqui,neste que

é um dos eventos mais importantes de

dança do mundo.

Sua presença, entretanto, não foi senti-

da apenas no desfile. Um dos espetáculos

mais interessantes até o momento de toda

a programação foi apresentado pela cari-

oca Companhia Urbana de Dança, dirigi-

da por Sonia Destri, que reuniu duas obras

em seu programa: Suíte funk e Agwa, esta

última ainda inédita no Brasil. Não fez feio.

De autoria de um artista lionense, Mourad

Merzouki, Agwa é uma coprodução da

Bienal e com certeza trata-se de um dos

mais interessantes trabalhos de todo o

evento. Apresentada no belíssimo Teatro

Célestins, com seus dez integrantes, a com-

panhia mostrou o que vem sendo desenvol-

vido em terras brasileiras de forma exem-

plar: o hip hop em diálogo com a dança

contemporânea.

ssa é a grafia francesa do nosso corri-

queiro laialaiá que embala os estribi-

lhos de sambas-enredos. Aqui na Bienal de

Dança de Lyon não poderia ser diferente:

durante seu Défilé, no último domingo, a

escola de samba Ombres e Lumieres (Som-

bras e Luzes) tomou a famosa Rue de Re-

publique com seus 250 participantes, fazen-

do ecoar pela cidade francesa um samba

cantado em português, composto por Léo

Viana: Da sombra veio pra luz / Veio provar

o que era bom / O carnaval que hoje em dia

nos seduz /No Rio ou na Ville de Lyon.

Tudo estava lá: comissão de frente, por-

ta-estandarte, abre-alas, porta-bandeira e

mestre-sala, carro alegórico, rainha da ba-

teria, uma ala com 21 baianas francesas e

uma bateria com 100 integrantes, também

todos franceses. Não era de se surpreen-

der que tenha sido, de longe, o momento

mais empolgante do desfile que, além da

escola de samba, reuniu pequenos blocos

de cidades vizinhas e bairros de Lyon, que

desenvolveram seus temas, com figurino,

música e coreografia. Trata-se, claro, de

uma óbvia “inspiração” e não de uma có-

E

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 18 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 18 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 18 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 18 DE SETEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 18 DE SETEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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E isso ainda não é tudo. A partir de sex-

ta-feira, a paulista Companhia Sociedade

Masculina apresenta a versão de Henrique

Rodovalho para a Tropicália, uma criação

de 2008, denunciando uma clara deferên-

cia de Darmet à dança brasileira, sobretu-

do a partir de 1996, quando foi tema de toda

a Bienal.

Além das participações brasileiras, ou-

tras tantas atrações mostraram um festival

com seus altos e baixos absolutamente cor-

riqueiros. Se os melhores momentos até ago-

ra ficaram por conta do Ballet da Ópera de

Lyon, que apresentou com competência um

programa todo dedicado a William Forsythe

e outro com a ainda polêmica obra The show

must go on, de Jérôme Bel, ou mesmo com o

Ballet de Lorraine, que recriou uma obra

histórica de 20 anos atrás do coreógrafo Do-

minique Bagouet, Les petites pièces de Ber-

lin, os mais frágeis foram apresentados pela

Compagnie Montalvo-Hervieu (com Ger-

shwin) e pela companhia do americano

Ronald K. Brown, com três pequenas obras

pouco articuladas.

Entretanto, no sentido de dialogar com

o tema proposto pela Bienal deste ano, a

ideia de memória, nada foi mais instigante

do que o apresentado nesta terça-feira, no

Teatro da Ópera da cidade, pela companhia

belga Rosas, dirigida por Anne Teresa de

Keersmaeker. Em D’un soir un jour, a clás-

sica cena do jogo de tênis do filme de Anto-

nioni, Blow up, de 1966, projetada no palco,

entra em diálogo com a misteriosa coreo-

grafia de Nijinsky, Jeux, com música de De-

bussy, de 1913, que também tratava do mes-

mo esporte. Tudo essencialmente contem-

porâneo em termos coreográficos, em dois

tempos distintos de citação. E de uma bele-

za cênica impressionante. Tudo condizente

ao mote da própria Bienal: Retour em avant.

Ou seja, o passado e o futuro, em dança, hoje.

E ao mesmo tempo.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

247

Uma construçãocristalina

Ritornelo: Uma peçacom ótimos bailarinos edensidade coreográfica

ILVIA SOTER

como metáfora da história da própria com-

panhia. Após uma temporada de repetidos

sucessos na Europa, o bailarino Bruno Ce-

zário está de volta ao grupo onde cresceu e

de onde partiu, para dividir com Renato

Vieira a assinatura dessa peça em que tam-

bém dança, com destaque.

É ele quem começa sozinho em cena.

Paragem e agitação, corpos que se fundem

ou que se encaixam sem se tocarem, músi-

ca e silêncio, sombra e luz vão construindo

solos – quase sempre de Bruno –, duos, trios

e conjuntos. Essas diversas cenas sugerem

relações de casais, triângulos amorosos, ou

ainda pássaros que partem e retornam aos

seus ninhos, sempre com uma certa densi-

dade teatral que surge da atitude dos intér-

pretes em cena. A construção coreográfica

e dramatúrgica de Ritornelo é tão cristali-

na que acaba por denunciar que a peça ga-

nharia se não se estendesse no tempo. Os úl-

timos quadros funcionam quase como um

prólogo, num espetáculo que prima justa-

mente por ser conciso e enxuto, dançado por

uma companhia cheia de qualidades como

conjunto e individualmente.

O jogo harmônico que os intérpretes

estabelecem é visivelmente fruto da es-

ão são muitas as companhias cariocas

que como a Renato Vieira Cia. de

Dança podem se orgulhar de ter 20 anos de

atividades ininterruptas. Ritornelo, a peça

que comemora esse feito, mostra quanto a

escrita de Renato Vieira depurou-se ao lon-

go dos últimos anos. Se em Terceira margem,

criação anterior, já estava claro que a temá-

tica podia ser abordada pelo coreógrafo de

modo menos narrativo, em Ritornelo, a dan-

ça e suas questões intrínsecas são o diagra-

ma sobre o qual os sentidos e as interpreta-

ções são construídos. Ritornelo apoia-se em

cinco ótimos bailarinos, em um espaço cê-

nico limpo, em figurinos simples, uma ilumi-

nação quase sempre branca que joga com o

contraste entre claro e escuro, bem como em

uma trilha sonora que reforça a densidade

da coreografia, dando o tom dos diferentes

momentos. A dança ganha ao ser reduzida

àquilo que parece ser o essencial na abor-

dagem coreográfica.

Os sóbrios figurinos em negro reforçam

os ares de dança moderna desta peça de

Renato Vieira, talvez a sua obra mais abs-

trata. No retorno dos temas musicais e de

situações que sempre voltam com pequenas

variações, Ritornelo também pode ser lida

N

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • SÁBADO • 20 DE SETEMBRO • 2008 • SÁBADO • 20 DE SETEMBRO • 2008 • SÁBADO • 20 DE SETEMBRO • 2008 • SÁBADO • 20 DE SETEMBRO • 2008 • SÁBADO • 20 DE SETEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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tabilidade dessa companhia. A presença

segura de Soraya Bastos colore de tons

quase expressionistas suas cenas. Joaquim

Tomé, Laura Ávila e Thiago Sancho ali-

am vigor e precisão técnica e mostram-se

também perfeitamente integrados à pro-

posta de Renato Vieira e Bruno Cezário.

Não é surpresa constatar que Bruno Ce-

zário segue como um dos intérpretes mais

competentes de sua geração. Em tempos

em que há grande evasão de talentos bra-

sileiros para companhias estrangeiras não

é possível deixar também de festejar este

feliz retorno.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

249

Quatro corpos descrevem o amorMeu prazer: Ótima estreia dos novosnomes do grupo de Márcia Milhazes

ILVIA SOTER

Na dança de Márcia, o corpo é prolixo,como se desse visibilidade a cada estímu-lo e reação vitais, mesmo quando não dan-çam. Neste trabalho, o que se destaca é asutileza como a escrita revela cada umdesses personagens, do início ao fim. AlCrisppim oscila entre uma marcha irregu-lar, pouco determinada, e a paralisia. Apresença doce, serena e lânguida de AnaAmélia Vianna se opõe e, por vezes, seencaixa na movimentação agitada e no li-mite do descontrole de Felipe Padilha. Osúltimos são responsáveis pelo duo maisinteressante da peça. Mas é com raro mag-netismo que Fernanda Reis atrai pra si oolhar do público. Sua personagem, que ar-rebata o corpo e o rosto da intérprete semtrégua, sempre no limiar da loucura e dador, aumenta a carga dramática da peça.

Em Meu prazer, diferente, por exemplo,das anteriores Joaquim Maria, onde osduos trazem os encontros e as relações decasal, ou ainda Tempo de verão, em que adança sugere triângulos amorosos, o amormuito raramente chega a algum momentode comunhão ou de alívio. E a estrutura dapeça segue a mesma lógica. No final, é ape-nas a personagem de Fernanda Reis que,por exaustão, resta em cena. Assim termi-na Meu prazer, como a experiência de amar,sem conclusão.

m jardim suspenso feito de grandesflores e círculos coloridos, uma dessas

joias de Beatriz Milhazes, é o cenário deMeu prazer, criação de Márcia Milhazesque vem quebrar o jejum de três anos de-pois de Tempo de verão. Nesta nova forma-ção da companhia, Ana Amélia Vianna e AlCrisppim – intérpretes que já têm as mar-cas de Milhazes no corpo – são acompanha-dos por dois novos integrantes, o promissorFelipe Padilha e a ótima Fernanda Reis,bailarina que tem em seu currículo quaseuma década no Grupo Corpo.

O amor é o tema deste trabalho. E, comoo título da peça já aponta, ele é apresentadopela coreógrafa como um sentimento quepertence aos que amam e que muito poucotem a ver com o objeto do amor. O pronomepossessivo já aponta o que se desenha emcena: quatro intérpretes/personagens em si-tuação de isolamento. Apesar da iluminaçãoensolarada de Glauce Milhazes, da trilhasonora romântica e das muitas cores do ce-nário, Meu prazer é sombrio. O amor agita oscorpos sem trégua, os paralisa, produz sereserrantes, o amor se apresenta como obsessão.Os olhares que eventualmente se cruzam eos escassos e breves encontros entre os cor-pos só deixam mais evidente a solidão. Cadaum desses personagens traduz um estado pos-sível daqueles que amam.

U

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • DOMINGO • 28 DE SETEMBRO • 2008 • DOMINGO • 28 DE SETEMBRO • 2008 • DOMINGO • 28 DE SETEMBRO • 2008 • DOMINGO • 28 DE SETEMBRO • 2008 • DOMINGO • 28 DE SETEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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A dimensão exatada dança atual

OBERTO PEREIRA

Artistas de mais de dez países, alguns

pela primeira vez no festival, e estreias de

artistas brasileiros formam uma seqüência

elegante de espetáculos que garantem a

pluralidade contemporânea. Mas como o Pa-

norama está para além de ser uma mera pro-

gramação de espetáculos, toda a investida

paralela acaba por conceder a ele um tom

formativo e performativo a um só tempo, o

que fica evidente na 3ª edição da Mostra

Universitária, nas residências dos artistas

convidados, nas oficinas gratuitas, no proje-

to louvável de formação de público e na

novidade da programação dedicada ao pú-

blico infantil.

Ainda aí, vale verificar a proposta do

seminário sobre um tema tão necessário

quanto inédito: “A economia da dança,” que

reúne profissionais em torno das questões

próprias da produção dessa arte.

Este é o panorama que o Panorama de

Dança apresenta. Sua qualidade é partilhar,

mais uma vez, diferenças.

ideia de um panorama é criar uma di-

mensão de um estado de coisas. Em

dança, esse estado é algo móvel, em cons-

tante transformação, o que quase impos-

sibilita a perspectiva exata de sua cons-

tituição. Os 11 dias ininterruptos de uma

agenda lotada do festival Panorama de

Dança que começou ontem tratam dessa

incapacidade legítima de dar a dimensão

exata do estado da dança contemporânea.

E é justamente aí que reside sua maior

riqueza.

Em sua 17ª edição, o que salta aos olhos

é a continuidade de um pensamento que

coloca em diálogo diversidades, sua marca

desde que nasceu, ainda sob a rubrica de Lia

Rodrigues. Mas dentro dessa continuidade,

estão seus avanços, algo natural por se tra-

tar de um evento de dança. A noite de aber-

tura com a já consagrada companhia fran-

cesa de Maguy Marin sinaliza o tom que

perpassa o festival: o novo como interface

de uma tradição e vice-versa.

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 31 DE OUTUBRO • 2008• 31 DE OUTUBRO • 2008• 31 DE OUTUBRO • 2008• 31 DE OUTUBRO • 2008• 31 DE OUTUBRO • 2008REVISTA PROGRAMAREVISTA PROGRAMAREVISTA PROGRAMAREVISTA PROGRAMAREVISTA PROGRAMA

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

251

Espetáculo H3 de Bruno Beltrão

ILVIA SOTER

técnicas de dança de rua, para desdobrá-losem um vocabulário rico e próprio. Isso se dánão apenas nos corpos dos bailarinos –aliás, todos ótimos –, mas inevitavelmentena relação com o espaço e com a música.

Não há, por exemplo, uma relação auto-ritária e ilustrativa entre música e dança. Atrilha de Lucas Marcier e Rodrigo Marçalambienta, contextualiza a dança e com essadialoga sem a ela se impor. A iluminaçãode Renato Machado segue a mesma linha,o que reforça a sobriedade que acompanhatoda peça. Desta vez, o palco está nu e deforma suave cada um dos nove jovens rapa-zes – todos vindos da dança de rua – ocu-pam a cena sem pressa. A dança ganha opalco aos poucos, em solos, duos e trios emque um pode apenas observar o que o outrofaz, ou ainda construir um diálogo de corpose fluxos. Essa expansão do vocabulário ga-nha correspondência nos espaços varridospelos bailarinos em deslocamentos velozes.Suavidade, lentidão, paragem e explosão sealternam sempre com elegância.

H3 é um mergulho na forma, no fazercoreográfico, nas possibilidades do desdo-brar e do compor, e mostra o amadurecimen-to de Bruno Beltrão nesta função. Se ficaevidente a competência do Grupo de Ruade Niterói, fica também a torcida para queum possível H4 agregue a todas essas con-

quistas a irreverência e o humor que mar-

cam a trajetória da companhia.

m rara passagem pelo Rio, o Grupo deRua de Niterói – presença cada vez

mais constante nos palcos europeus – apre-sentou H3, a mais nova criação de BrunoBeltrão. Já há alguns anos Bruno Beltrãovem investindo nas possibilidades que adança contemporânea e a dança de rua têmde se contaminarem mutuamente. H2-2005e outras de suas peças anteriores já coloca-vam alguns dos pressupostos do hip hop emquestão. É esse insistente desrespeito pelopurismo da dança de rua uma das caracte-rísticas que faz de Bruno Beltrão um dos co-reógrafos mais consistentes de sua geração.

Do hip hop – no caso de H3, mais de suatécnica do que de seu universo – o coreó-grafo tem extraído material que explora,desenvolve e consegue desdobrar em resul-tados pra lá de interessantes. Sem abando-nar o virtuosismo e a grande dose de testos-terona da dança de rua, Bruno vem conse-guindo estender as margens da técnica do hip

hop sem ter a ingenuidade de que ao fazê-lopossa ainda guardar essa identidade.

Nessas outras paisagens por onde circu-la, a dança de Bruno jamais esteve restritaàs batalhas, à batida regular e insistente ouao espaço circunscrito do hip hop. Em H3,Bruno Beltrão faz uma escolha e verticali-za sua pesquisa.

Deixando de lado os aparatos tecnoló-gicos, ele investe na exploração de movi-mentos, fluxos, qualidades e intensidades das

E

CRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADACRÍTICA NÃO PUBLICADARIO DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • 200RIO DE JANEIRO • 20088888

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Cada gesto é umpequeno mundo

Espetáculo da coreógrafa francesafaz interação física e intelectual

OBERTO PEREIRA

fado, milimetricamente composto, deflagra-do em detalhes nas execuções sincroniza-das dos ótimos bailarinos.

Através de um corredor de espelhos, esseambiente restrito, repetitivo, é reproduzidopelos bailarinos ao mesmo tempo em que éreproduzido por sua imagem refletida, àexaustão. O sentimento que desperta, claro,é o de um certo desconforto. Um desconfor-to que está no reconhecimento da dimensãode nosso Umwelt, da complexidade de nos-sas relações com o mundo, de que tamanho

ele seja.

Por isso, o lugar tão demarcado onde a

cena acontece. Por isso, os rastros dessa rela-

ção que vão sendo depositados fora desse lu-

gar. Por isso, um vento forte que sopra inces-

santemente durante toda a cena e que teima

em desfazer esses mesmos rastros, aventura

moderna de um homem em relação com seu

ambiente. Não à toa, a trilha sonora, executa-

da “ao vivo” por uma corda que esbarra em

guitarras elétricas depositadas na beira do

palco, prescinde do ser “vivo” ao mesmo

tempo em que desvela seu mecanismo aní-

mico. O “ao vivo”, assim, é mecânico.

O ambiente, para Maguy Marin, está

abalroado de gestos. Cada um desses gestos,

um pequeno mundo. Mesmo que repetitivo,

mesmo que às vezes insano. É disso que sua

dança fala.

palavra alemã Umwelt (mundo à vol-

ta, entorno, ambiente) dá nome ao es-petáculo que a coreógrafa francesa MaguyMarin apresentou ontem na abertura doFestival Panorama de Dança para um Tea-tro João Caetano absolutamente lotado. Amesma palavra traduz também um concei-to interessante que ajuda a pensar o mesmoespetáculo, desenvolvido pelo etólogo esto-niano, Jakob von Uexküll.

A ideia é pensar o Umwelt como a for-ma que cada espécie interage com o ambi-ente, entendido aqui como uma rede de lu-gares que provoca a interação física, emo-cional e intelectual. Essa interação se dá,para cada espécie, de modo próprio, o quefaz desse ambiente uma contrução a partirde necessidades e interesses individuais.Assim, a complexidade de cada Umwelt édiretamente proporcional à complexidadede cada sistema vivo.

É exatamente deste ambiente que trataa obra de Maguy Marin. Um de seus pontosde partida é a habilidade de Samuel Beckettem construir sua linguagem cênica a partirdas variações de poucos elementos. Assim,em cena, um restrito repertório de gestos,mais do que de movimentos, tece essa redede relações. Esses gestos, cotidianos, banais,da vida ordinária, transformam-se magica-mente em material que aparece coreogra-

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • DOMINGO • 2 DE NOVEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 2 DE NOVEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 2 DE NOVEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 2 DE NOVEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • DOMINGO • 2 DE NOVEMBRO • 2008

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Visão genial do cotidianoUmwelt: Maguy Marin abre Panorama de

Dança com contundência e poesia

ILVIA SOTER

Isolados quase que o tempo todo, masacompanhados pela sincronia com que rea-lizam diversos gestos cotidianos mais ou me-nos banais, os bailarinos se deslocam emsentido anti-horário. Para o público, eles apa-recem caminhando para trás e simultanea-mente realizando ações simples como ves-tir-se, despir-se, comer, subir as calças, bei-jar-se etc. Figurinos, objetos, pequenas vari-ações e combinações de ações vão ampli-ando os significados de cada uma das voltasdesses homens e mulheres. Aquele quenuma primeira vez experimenta na cabeçauma infantil coroa de papel na próxima vezcata as migalhas no chão com a coroa. O quepode parecer ingênuo como descrição nãoo é em cena. Vestidos de noiva, vestidos debaile, uniformes militares, roupas baratas,armas ou bebês vão ampliando os sentidosde cada cena breve.

E a vida, dia a dia, vai se construindo narepetição do igual, que ganha a cada veznovas implicações. O que entra nesse fluxomuitas vezes é descartado. O tempo passa ese faz notar também pelos resíduos deixa-dos pelos homens.

A maturidade da companhia dá densida-de à peça escrita com primor a partir de umaideia simples. O genial em Umwelt está naforma clara, direta, sintética e econômica comque Maguy Marin afirma sua visão contun-dente do mundo contemporâneo. E sem dei-xar de nela imprimir poesia e delicadeza.

170 Panorama de Dança abriu seus tra-balhos com Umwelt, da Compagnie Ma-

guy Marin. Pela terceira vez no Brasil, essacompanhia francesa pode ser comparada à al-deia gaulesa do personagem Asterix: um re-duto de resistência repleto de bravos guerrei-ros. Maguy Marin faz parte daquele seleto gru-po de artistas cuja prática jamais separa éticade estética. Cada uma de suas ações está liga-da a essa postura como, por exemplo, a esco-lha de instalar-se no Centro Coreográfico deRillieux-la-Pape, subúrbio da cidade de Lyon– tenso e repleto de desigualdades sociais –ou de seguir um caminho coreográfico pró-prio, avesso aos modismos e aos maneirismostão presentes hoje na dança contemporânea.

Segundo a coreógrafa, o teatro de SamuelBeckett foi inspiração para essa peça, assimcomo foi o caso em May B. Tempo e espaço,instâncias indissociáveis, são tratados emUmwelt a partir do vazio da experiência hu-mana. O cenário é composto de espelhos dis-postos paralelamente que criam os nichos eos corredores por onde os bailarinos circulam.Um vento constante e a iluminação fazemessas estruturas vibrarem, e a imagem espe-cular jamais se dá de forma nítida. Em cadalado da boca de cena, dois carretéis tencionamum fio que começa a se mover no início dapeça. O fio do tempo, uma corda sempre tensae em movimento que em Umwelt irrita trêsguitarras elétricas e produz um ruído tambémtenso, ao longo de toda a peça.

O

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Longe dosestereótipos da rua

Espetáculo transcende os arremedosde videoclipe do hip hop

OBERTO PEREIRA

de em nuanças que são pensamentos co-

reográficos.

A iluminação é de uma sofisticação ímpar.

O figurino é mais do que a roupa usual de quem

faz dança de rua. A trilha sonora funciona

mesmo como uma espécie de trilha a ser per-

seguida. E o cenário é eficaz em sua econo-

mia. Mas o que impacta são as novas investi-

das de uma ocupação de espaço que os exce-

lentes bailarinos vão imprimindo na cena. O

duo de Eduardo Hermanson e Danilo Perei-

ra atesta isso com a propriedade de quem sabe

exatamente de que textura sua dança é feita.

Todo o movimento que se apresenta é

perpassado por um pensamento de uma dan-

ça tão viva, tão contaminada pelas questões

atuais do mundo, que não há como não re-

conhecer que não se trata de dança de rua

em diálogo com a dança contemporânea,

embora esteja ocupando lugar na progra-

mação de um festival dedicado a essa últi-

ma. Em H3, o que se tem é dança de rua con-

temporânea. Mas, para muito além disso, se

tem na verdade uma dança cuja qualidade

é algo intrínseco, o que a faz prescindir defi-

nitivamente de rótulos.

oda referência ao trabalho que o co-

reógrafo Bruno Beltrão vem desen-

volvendo sempre aponta para uma suposta

relação que ele estaria inaugurando de for-

ma exemplar entre a dança de rua, seu pon-

to de partida, e a dança contemporânea.

Com H3, seu novo espetáculo que estreou

no Rio de Janeiro como parte da programa-

ção do Festival Panorama de Arte, na sex-

ta-feira e no sábado, no Teatro Villa-Lobos,

tem-se a oportunidade de perceber que essa

suposta relação é apenas um modo mais cô-

modo de se lidar com algo absolutamente

novo que Beltrão nos oferece.

Na verdade, trata-se antes de uma

“dança de rua contemporânea”, alcunha

que talvez nos auxiliasse a pensar o que

se promove na cena em H3. O que ali é

mostrado é uma dança de rua viva, mutan-

te, por isso contemporânea, como assim o

é qualquer gênero de dança em que cria-

ção e descoberta façam parte de sua cons-

tituição. Esqueça um hip hop envelhecido,

que ainda teima em parecer arremedo de

videoclipe. Na cena de Beltrão, a discus-

são é outra, e o velho vocabulário explo-

T

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 4 DE NOVEMBRO • 2008• TERÇA-FEIRA • 4 DE NOVEMBRO • 2008• TERÇA-FEIRA • 4 DE NOVEMBRO • 2008• TERÇA-FEIRA • 4 DE NOVEMBRO • 2008• TERÇA-FEIRA • 4 DE NOVEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Uma lição de obviedadee perda de tempo

OBERTO PEREIRA

que lembra Vidas secas de Graciliano

Ramos, sem se dar conta de que por lá já

aconteceu algo como o movimento Man-

guebeat, por exemplo. E o Sudeste, região

das grandes metrópoles, sucumbiu à ar-

madilha fácil de retratá-la apenas atra-

vés de sua urbanidade. Até mesmo a obra

Clara Crocodilo, ícone paulistano da dé-

cada de 1980, de Arrigo Barnabé, apare-

ce na trilha sem nenhum tratamento co-

reográfico.

Mas o maior problema de Plural não é

a obviedade e nem mesmo a qualidade

evidentemente irregular de seus bailari-

nos. O que merece mesmo revisão é a in-

tenção de se tratar cada região do Brasil

como uma unidade identificável, sem le-

var em conta o que há de diverso em cada

uma delas.

Assim, pergunta-se qual é a intenção de

um espetáculo de dança contemporânea ao

tratar de um tema que mais lembra as em-

poeiradas lições da disciplina Educação

Moral e Cívica, ministrada nos colégios, no

auge da ditadura militar. Mais acachapan-

te impossível.

maior problema de Plural, espetácu-

lo que o Grupo Tápias estreou nesta

quinta-feira no Espaço SESC, é o enten-

dimento da ideia de plural como algo to-

talizante e não, justamente o contrário,

de algo que atente para a diversidade.

A proposta é bastante simples, para não

dizer pueril: cada região do Brasil foi

confiada a um coreógrafo diferente para

ser traduzida coreograficamente. Nessa

primeira versão, Norte, Nordeste e Su-

deste ficaram a cargo de Ricardo Risu-

enho, Ana Vitória e Giselle Tápias, res-

pectivamente.

Triste observar que todos os três core-

ógrafos apostaram antes na obviedade,

afogando-se nela, sem atentar para as nu-

anças do desafio que tinham pela frente.

O Norte, menos problemático de todos,

não escapou de contar em sua trilha com

uma inevitável música indígena, embo-

ra pudesse prescindir dela, sobretudo con-

tando com a bela cena da moça da plateia

sendo amarrada com barbante por um dos

bailarinos. Já o Nordeste ficou atolado

numa visão antiga, atada a uma estética

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 17 DE NOVEMBRO • 2008• SEGUNDA-FEIRA • 17 DE NOVEMBRO • 2008• SEGUNDA-FEIRA • 17 DE NOVEMBRO • 2008• SEGUNDA-FEIRA • 17 DE NOVEMBRO • 2008• SEGUNDA-FEIRA • 17 DE NOVEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

256

De frente para o públicoAna Botafogo encara a platéia

na Maison de France

OBERTO PEREIRA

das quatro estações do ano, misturando dan-

ça, música e poesia. Ana divide o palco com

o excelente e maduro bailarino Joseny Cou-

tinho, seu colega do Theatro Municipal. A

química entre os dois é evidente. E Lilian

Barretto assume, com segurança, a condu-

ção de seus três ótimos músicos, dos quais se

destaca o gaitista José Staneck.

A direção de Luis Arrieta, que tam-

bém assina as coreografias ao lado de

Hélio Bejani, é precisa, coisa de quem

domina os códigos da cena. Apenas os fi-

gurinos merecem ser revistos, sobretudo

o do bailarino e o último vestido usado

por Botafogo.

Mas em todo o espetáculo o que mais

impressiona é uma cena em que não há

música e nem movimento: a bailarina

chega à boca de cena, descalça, cabelos

soltos, e encara a plateia de frente. Nessa

hora, em poucos segundos, através de

uma dramaticidade impactante, se enten-

de perfeitamente por que Ana Botafogo

é uma verdadeira artista.

grande mérito de Suíte floral, novo es-

petáculo da dupla formada pela pri-

meira bailarina Ana Botafogo e a pianis-

ta Lilian Barretto, em cartaz no Teatro

Maison de France até o dia 10 de dezem-

bro, é a busca por um novo formato que

intenta não apenas um equilíbrio entre

música e dança, mas também configurar

uma espécie de concerto camerístico

mesclado por essas duas linguagens.

Há desafios a serem enfrentados nessa

empreitada. Sobretudo Ana Botafogo, baila-

rina de grandes palcos e acostumada a fazer

com que a eficácia de sua interpretação em

balés de repertório chegue até as últimas fi-

las das galerias do Theatro Municipal, ainda

deixa escapar aqui e ali alguns exageros num

palco mais intimista. Mas é louvável que es-

teja buscando outras dimensões em sua dan-

ça e em sua atuação, o que a faz uma artista

ímpar no País dentro do panorama tão restri-

to do balé clássico.

A ideia do espetáculo é simples, mas fun-

ciona com presteza ao que se propõe: tratar

O

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 5 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 5 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 5 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 5 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 5 DE DEZEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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A atualidade que a obrasugere, mas não mostra

OBERTO PEREIRA

bre autoria e memória, tão atuais, estão es-

tampadas antes no gesto que pronuncia a

dança, do que numa dança que se dá a ver.

Nada mais contemporâneo.

Neste solo, Denise não mostra, sugere. E

o ato de sugerir está na precisão quase eró-

tica do termo, porque se constrói a partir de

uma brecha possível entre o coreógrafo e a

bailarina. Para tanto, estão lá Rodrigo Per-

derneiras, do Grupo Corpo, e Lia Rodrigues,

dois com quem a bailarina dançou. Mas eles

estão lá de uma forma que só ela poderia os

ter e poderia os evidenciar. Naquele corpo,

naquele momento. Um aqui e agora que se

dissolve em impressões.

A única música do espetáculo, Clair de Lune,

de Debussy, comprova isso. Impressionistica-

mente. Só assim se conhece o lado da bailari-

na. A quela que, generosamente, se dá a ver.

primeira vista, o espetáculo 3 solos em

um tempo, que a bailarina Denise

Stutz apresentou neste fim de semana no

Teatro Gláucio Gil, poderia ser visto como

uma empreitada moderna, na medida em

que desvela seu fazer, pulverizando impres-

sões na própria ação metalinguística. Mas,

ao se dedicar um pouco mais de atenção

àquilo que se organiza em cena, chega-se

inevitavelmente à conclusão de que se tra-

ta de um projeto contemporâneo, com ques-

tões contemporâneas.

Na verdade, tem-se uma espécie de co-

letânea de seus três últimos trabalhos, todos

solos: DeCor, de 2003, Absolutamente só, de

2005 e Estudo para impressões, de 2007. Em

todos os eles, perpassa uma fala que a fala da

bailarina, quando essa bailarina tem o direi-

to a ela. Desse modo, todas as questões so-

À

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 15 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 15 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 15 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 15 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 15 DE DEZEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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João Saldanha abreo seu processo de criação

III Danças: Intimidade e maturidade em seis solos

ILVIA SOTER

exemplo, o Wim Wenders de Paris Texas, a fi-

losofia de Deleuze, o pop e a discoteca.

O primeiro solo é de João Saldanha.Seu assumido desconforto como intérpre-

te, bem como seu jeito meio gauche de

abordar os movimentos que há muitosanos só se via em outros corpos só aumen-

tam a sedução que exerce sobre o públi-

co. Já nos solos de Marcelo Braga surgealgo interessante e divertido, bem distan-

te da escrita habitual de João. Marcelo é

mais do que intérprete: em cena, ele seconstrói como um personagem que dança,

faz mágica e canta, tudo no limite do kits-

ch. Os dois solos de Laura Samy tambémrevelam uma forma distinta de se movi-

mentar, ainda que dentro de uma constru-

ção mais familiar à companhia, mas comtoques de humor elegante. Em III Danças,

João Saldanha e seus dois parceiros de lon-

ga data exploram com maestria seu lado B.Toda a peça é atravessada por este humor

fino decorrente, sobretudo, da capacidade dos

três de rirem de si próprios e da dança. Isso,acompanhado da competência destes artistas,

já garante um bom espetáculo. Porém, para

aqueles que acompanham a trajetória do Ate-lier de Coreografia, III Danças tem uma gra-

ça a mais, a de visitar, através dessa peça, ele-

mentos criações anteriores da companhia epoder fazer parte da celebração do encontro

e da intimidade de seu núcleo criativo.

m III Danças é possível reconhecer

muitos dos traços que identificam o

trabalho do Atelier de Coreografia nestas

quase duas décadas de atividade. Lá estão,por exemplo, a economia e a elegância do es-

paço cênico, os figurinos da ótima Pia Franca,

o projeto sempre preciso de iluminação deAdelmo Lapa – que, desta vez, joga com as

relações entre cor-luz e cor-pigmento, provo-

cando interessantes efeitos na retina dos es-pectadores – e a trilha de Sacha Amback. João

Saldanha orquestra todos estes elementos

com sua competência e seu domínio da com-posição coreográfica. Mas, sem se deixar aco-

modar naquilo que poderia ser sua zona de

conforto, o coreógrafo volta à cena como in-térprete, ao lado de seus dois fiéis escudei-

ros, os bailarinos Laura Samy e Marcelo Bra-

ga. Sua presença traz um novo equilíbrio aessa balança. Um equilíbrio mais instável e

nem por isso menos interessante.

III Danças aborda a intimidade do proces-so de criar e de se expor, mas, sobretudo, toca

nas vantagens e nas desvantagens – as primei-

ras muito maiores do que as últimas – da ma-turidade de intérpretes e criador. A peça reú-

ne seis solos, dois de cada um, e imagens de

vídeo que vão desde o registro inteligente deconversas informais entre os três ao longo do

processo dessa criação, até extratos de filmes,

referências mais ou menos explícitas do queos inspira. Entre os vídeos e a cena estão, por

E

O GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBOO GLOBORIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 19 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 19 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 19 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 19 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SEXTA-FEIRA • 19 DE DEZEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Poder público quasemata o ofício da dança

OBERTO PEREIRA

necessidade de ajustes em seus termos, esse

edital não deixou de ser uma atitude louvá-vel da Secretaria de Estado da Cultura, que

merece continuidade e aprimoramento. Ou-

tra ação importante dessa secretaria foi teracolhido em seus teatros o Festival Panora-

ma de Dança, mais um dos projetos abando-

nados pela Prefeitura há anos.Desse modo, a dança carioca se tornou

refém dos editais para a dança para poder

existir, e a Funarte representa aqui um pa-pel importante, sobretudo com seu Prêmio

de Dança Klauss Vianna, através da gestão

lúcida de Leonel Brum, seu coordenador.Muito do que foi visto na cidade foi graças à

existência desse prêmio.

Mas o oásis desse deserto continua mes-mo sendo o Espaço SESC, em Copacabana.

Além de ações no sentido de manutenção

de companhias (ler texto ao lado), foi palcodas principais estreias do ano. E elas não

foram poucas, mesmo diante desse cenário

tão adverso. No próprio Espaço SESC, tive-mos ótimos espetáculos, como os de Alex

Neoral com a Focus Cia. de Dança (B612),

Ana Vitória Dança Contemporânea (Ciran-

das cirandinhas), João Saldanha e seu Ate-

lier de Coreografia (III Danças), Paulo Cal-

das e a Staccato Cia. de Dança (Quinteto),Renato Vieira Cia. de Dança (Ritornelo) e

Sônia Destri e sua Companhia Urbana de

Dança (Suíte Funk).

ão. A dança no Rio de Janeiro não vai

bem, obrigado. Em 2008, dando con-tinuidade ao seu processo de encolhimento

no que se refere às condições reais de pro-

dução, a dança carioca sobrevive graças àação incansável de seus artistas, curadores

e produtores. Foram eles que deram o tom

do que aconteceu nesses últimos meses,provando mais uma vez que é possível sim

fazer dança de qualidade, mesmo que as

adversidades imperem.Para uma cidade que já foi modelo

nacional de política pública para a dança

em âmbito municipal, o que se tem hojenesse sentido é praticamente nada. Com

uma Secretaria de Cultura agonizante em

seus últimos meses, afogada até o pescoçopelo desastre orçamentário que provou ser

a não necessária Cidade da Música, o que

se tem é apenas um Centro Coreográficoque apenas serviu de espaço para ensaios

de companhias, mas pouco contribuiu efe-

tivamente para o desenvolvimento nosetor. Nada foi feito. Aliás, tudo foi des-

feito. A torcida fica para que a nova Pre-

feitura que entra em poucos dias saibaresgatar toda a história de uma política

para a dança já experimentada na cidade.

Já em âmbito estadual, nos últimos minu-tos do segundo tempo, um edital foi lançado,

dividindo os parcos R$ 750 mil para artistas

não apenas do Rio. Embora contasse com a

N

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • SÁBADO • 27 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 27 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 27 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 27 DE DEZEMBRO • 2008RIO DE JANEIRO • SÁBADO • 27 DE DEZEMBRO • 2008

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Fora dos domínios do SESC, ainda foipossível assistir a dois importantes espetá-

culos: O reino do outro mundo, da Compa-

nhia Rubens Barbot Teatro de Dança, em

plena igreja anglicana de Santa Teresa, e o

delicado relato de uma excelente bailarina

como Denise Stutz, em 3 Solos em um tem-

po. Já Deborah Colker não chegou a empol-

gar com seu Cruel, com certeza um de seus

espetáculos mais frágeis.

Os festivais continuam os mesmos, além

da novidade da Mostra Carioca de Dança

Contemporânea, da Caixa Cultural, que ser-

viu como uma espécie de balanço do que

aconteceu de mais representativo no ano na

cidade. O Festival Panorama de Dança, que

teve em sua programação dois dos melho-

res espetáculos do ano, Umwelt, da francesa

Maguy Marin, e H3, de Bruno Beltrão, con-

tinua seguindo sozinho em seu perfil. Os

Solos de Dança no SESC também mostrou

trabalhos que mereceram atenção, como os

de Márcia Rubin em Quase como se fosse

amor, além de uma Ana Botafogo surpre-

endente, em La Mariée. Além deles, há de

se ressaltar a contínua ação do Dança em

Foco, mostra dedicada à produção de vídeo-dança nacional e internacional.

As atrações internacionais, salvo a pro-

gramação do Panorama, foram desastrosas.Uma invasão de companhias russas de ter-

ceiro escalão mostrou o que há de pior em

termos de balé naquele país, numa verda-deira ação caça-níqueis por aqui. E, falando

em balé, nossa principal companhia, o Bal-

let do Theatro Municipal, que deixou nesteano de ser a única brasileira a se dedicar a

esse segmento, desde a criação da São Pau-

lo Companhia de Dança, apresentou umaGiselle correta em abril, mas acabou o ano

inexplicavelmente apertada num palco de

um shopping center da zona sul, apresentan-do extratos de O quebra-nozes, já que sua

casa encontra-se em reformas.

Nesse próximo ano, fica a esperançade novas possibilidades para que a dança

carioca volte a florescer como já foi um dia.Já do ano que passou, fica a certeza de queas pessoas envolvidas com essa arte, nessa

cidade, são, além de artistas da dança, artis-

tas que inventam seus próprios modos de so-brevivência.

Além de ser palco das principais estreias de

dança na cidade e de abrigar dois de seus fes-

tivais mais importantes, os Solos de Dança no

SESC (produção própria) e o Festival Panora-

ma de Dança, o SESC Rio, através do Espaço

SESC, lançou-se, desde novembro do ano pas-

sado, a uma nova empreitada absolutamente

louvável: apoiar companhias de dança. O que

um dia foi atributo da Prefeitura, hoje é uma ação

que garante um mínimo de dignidade e trabalho

a cinco artistas cariocas: João Saldanha, Pau-

lo Caldas e Renato Vieira, que receberam por

um ano o valor de R$ 100 mil, e Alex Neoral e

Sonia Destri, que receberam R$ 50 mil, apoios

que já foram garantidos novamente para o pró-

ximo ano. Além dessa ajuda financeira substan-

cial, o SESC ainda oferece a essas companhias

espaço para ensaios, palco para as estreias e

circulação pelas unidades do estado. Nesse

próximo ano, como contrapartida, esses artis-

tas deverão oferecer oficinas práticas ao pú-

blico e, após uma avaliação dos resultados,

outros nomes poderão ser incluídos. Todo esse

projeto é assinado por Beatriz Radunsky e sua

equipe, que vêm desenvolvendo um trabalho

ímpar na história da dança do Rio de Janeiro.

B OXE 1

(não publicado)

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

261

ainda com mais duas mostras voltadas espe-

cificamente para esse nicho: o Festival Dança

Criança, que felizmente voltou a ocupar a Cai-

xa Cultural em outubro deste ano, oferecendo

espetáculos, oficinas e mostra de vídeos; e o

Panoraminha, novidade do Festival Panorama

de Dança, com dois espetáculos: Chuá, da Di-

menti, companhia baiana, e Matrioska, do por-

tuguês Tiago Guedes. São investimentos como

esses que podem garantir que, no futuro, o

público de dança se alargue e que a demanda

no setor, consequentemente, aumente. Todos

sairiam ganhando.

Um dos grandes desafios para a dança, não

apenas no Rio de Janeiro, mas em todo o mun-

do, é a formação de plateia. Na Europa, por

exemplo, profissionais especialmente contra-

tados para se dedicar a descobrir e implemen-

tar estratégias nesse sentido estão sendo for-

mados e contratos. Mas entre nós, algumas

iniciativas também estão sendo tomadas, so-

bretudo no que se refere ao público infantil, o

que não deixa de ser uma ótima investida para

que um público venha a se formar no futuro.

Além da ótima estreia da coreógrafa Ana Vitó-

ria com Cirandas cirandinhas, o Rio contou

B OXE 2

(não publicado)

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263

2009 CRÍTICAS

JORNAL DO BRASIL - 9 DE FEVEREIRO DE 2009Falta ritmo à companhia de Andrea Jabor

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 15 DE MARÇO DE 2009Mostra que cruza a fronteira dos solos

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 15 DE MARÇO DE 2009Começou mal, mas terminou com brilho

ROBERTO PEREIRA

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264

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265

Falta ritmo à companhiade Andrea Jabor

Construção dramatúrgica é falha, e hiatosdo espetáculo no Espaço SESC são enormes

OBERTO PEREIRA

vel ao instaurar a dúvida de que lugar o

samba passará a ser tratado dali em diante.

Além do ritmo, atentar para uma certa

elegância que o samba exige talvez seja o

próximo desafio de Jabor. Os figurinos, o ce-

nário, mas sobretudo o gesto, que esbarra o

tempo todo no caricatural, precisam ser re-

vistos com urgência para se chegar à maté-

ria fina da dança que se quer mostrar. Tudo

está demasiadamente evidenciado, sem que

seja, hora alguma, apenas insinuado. O sam-

ba no pé, sabemos nós, tem dessas sutilezas.

Talvez falte a Andrea Jabor e suas seis

bailarinas tratar o samba não de forma rei-

terativa, que chafurda no excesso de reve-

rência estereotipada aos grandes mestres e

esquece a construção cênica em si. Tal como

acontece com esses mesmos mestres, vale

agora encontrar a essência, tanto da cena

quanto do próprio tema. Para isso, há que se

maturar muita coisa ainda nessa pesquisa.

Apenas uma pergunta, que fica depois de

tudo: Andrea Jabor, e o seu samba no pé,

onde está mesmo?

coreógrafa carioca Andrea Jabor e sua

companhia Arquitetura do Movimen-

to apresentam no Espaço SESC, até 8 de

março, a segunda parte de uma trilogia de-

dicada à pesquisa do samba. Tarefa nada

fácil, tal empreitada demanda qualidades

que ainda aparecem turvas em Ao samba –

A cruz, o xis e o esplendor, justamente no que

se refere ao que é intrínseco do próprio

samba.

Um dos principais problemas é justa-

mente a questão do ritmo, quase um contras-

senso, lembrando-se do tema que aborda.

Nada de errado com o ritmo nos pés das óti-

mas bailarinas que, aliás, sambam muito

bem. O problema está no ritmo de sua cons-

trução dramatúrgica. Os hiatos são enormes.

Alguns deles tornam evidente que os des-

necessários 90 minutos do espetáculo abri-

gam material suficiente para alguns enxu-

tos 40, talvez. Isso é flagrante no texto por

demais autorreferente da coreógrafa, logo

no início. Tão desarticulado do que viria a

seguir, sua pertinência se torna questioná-

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRORIO DE JANEIRO • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE • SEGUNDA-FEIRA • 9 DE FEVEREIRO FEVEREIRO FEVEREIRO FEVEREIRO FEVEREIRO • 200• 200• 200• 200• 20099999

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

266

Mostra que cruzaa fronteira dos solos

As cinco obras exigem maisinteração entre os intérpretes

OBERTO PEREIRA

pantes de cada uma das peças. Nenhum pro-

blema, tratando-se de uma comemoração e,

sobretudo, levando-se em conta que essa

mostra sempre buscou novos formatos.

ZAP, que abriu a noite, reuniu três exce-

lentes bailarinos de uma mesma companhia,

a Focus: Alex Neoral, Carol Pires e Clarice

Silva. Cada um coreografou um extrato que

foi dançado pelo colega. A qualidade alcan-

çada é admirável, sobretudo no solo de Ca-

rol, defendido por Alex: interessante, vigo-

roso, com um timing perfeito.

O segundo solo, Arena, foi, sem dúvida, o

mais arrojado do programa. Flávia Meire-

les, Gustavo Ciríaco e Marcela Levi apre-

sentaram uma mistura de vídeo-instalação

e dança absolutamente curiosa, discutindo

a relação entre o espaço da arena, o artista

e o público. O resultado é novo, corajoso, in-

quietante.

O trabalho mais frágil ficou por conta de

Esther W eitzman, Frederico Paredes e Ma-

ria Alice Poppe, em Ela, ela também. A o

aproximar duas bailarinas tão distintas,

como Esther e Alice, buscou-se, infelizmen-

te, o que havia de semelhança possível en-

primeira noite da décima edição da

mostra Solos de Dança no SESC, nes-

ta quinta-feira, no Espaço SESC em Copa-

cabana, foi uma celebração. Mais do que a

constatação das diferenças artísticas, o que

se pôde festejar é a possibilidade de que

todas possam coexistir, graças a ação de

uma instituição como o SESC e do empre-

endimento de seus dirigentes.

Para comemorar seus dez anos, a mostra

propôs novidades. Através da curadoria da

coreógrafa Márcia Rubin e de Beatriz Ra-

dunsky, mentora do projeto, duas grandes

modificações foram notadas: em vez dos

quatro solos compondo a noite, foram apre-

sentados cinco; e, mais, interessante: em cada

peça, mais artistas foram envolvidos, dife-

rentemente dos outros anos, em que a rela-

ção era apenas a de coreógrafo-bailarino.

O resultado, bastante intrigante, fez com

que se chegasse à conclusão de que todos os

trabalhos apresentados não são, em defini-

tivo, solos, embora no palco sempre estives-

se apenas uma pessoa dançando de cada

vez. O que se viu foram duos e trios, levan-

do-se em conta a relação entre os partici-

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR IO DE JANE IRO R IO DE JANE IRO R IO DE JANE IRO R IO DE JANE IRO R IO DE JANE IRO • • • • • DOMINGO DOMINGO DOMINGO DOMINGO DOMINGO • 15 DE MARÇO • 2009• 15 DE MARÇO • 2009• 15 DE MARÇO • 2009• 15 DE MARÇO • 2009• 15 DE MARÇO • 2009

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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tre elas, e não suas qualidades individuais.

E o tempo, por demais esgarçado, contribuiu

para que essas diferenças não exploradas

apenas fossem soltas na cena, sem nenhum

tratamento coreográfico.

A coreógrafa Ana Vitória decidiu revi-

sitar uma antiga obra sua, 1, segundo, com

as bailarinas Andréa Bergallo e Soraya

Bastos. Para além da certeza de que se trata

mesmo de três excelentes artistas, é o solo

de Ana que mais impressiona, pois se pode

ver a relação direta entre criador e intérpre-

te. Seu vigor físico, sua marca, cede espaço

agora para uma maturidade bonita de se ver

em cena, tingindo a dança da coreógrafa

com novas nuances.

E, por fim, Catábases, de Renato Vieira,

reúne Bruno Cezário e Joaquim Tomé num

duo bastante interessante. O único ponto a

se burilar, em se tratando da excelência dos

intérpretes em questão, é a medida exata de

uma dança que resvala, às vezes, na quali-

dade da mera exibição das habilidades dos

bailarinos.

Dez anos da principal mostra de dança do

primeiro semestre são motivo de comemora-

ção. Parabéns ao SESC. Esse espaço continua

sendo o endereço oficial da dança carioca.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

268

Começou mal,mas terminou com brilho

João Wlamir faz trabalho óbvio, eMárcia Milhazes supreende

OBERTO PEREIRA

A dupla João Saldanha e Marcelo Bra-

ga foi responsável por um dos dois solos

apresentados na noite. Bambi, dançado pelo

excelente Jamil Cardoso, é um comentário

sutil sobre a feminilidade masculina e sua

relação com a dança. Poético, preciso, com

ótimo figurino, foi um dos ótimos encontros

proporcionados pela mostra.

Pas deux, de Paulo Caldas, mostra a con-

tinuidade na pesquisa de movimento do co-

reógrafo, que vem apontando novos rumos,

desde Quinteto, seu último espetáculo. Tra-

ta-se de um duo, defendido por Carolina

W iehoff e João Paulo Gross, bailarino que

deu mostras de seu apuramento técnico e

artístico de forma impressionante.

Paula Águas resolveu dar nova roupa-

gem ao seu já “clássico” Qual é a música?, e

convidou a bailarina Monica Burity e a DJ

D aniela V isco para interagir com ela. A

partir de estímulos deflagrados pela plateia,

convidada a falar num microfone uma pa-

lavra ou frase, música e dança deveriam

interagir. Nem sempre isso aconteceu, infe-

lizmente. Mas valeu a oportunidade de ver

Monica numa performance inteligente por

segunda semana dos Solos de Dança

no SESC, comemorando sua décima

edição, trouxe mais cinco trabalhos à cena,

misturando solos, duos, trios e até quartetos,

sempre tentando cumprir com a exigência

de que apenas uma pessoa dançasse a cada

vez. O resultado, novamente, foi interessan-

te pelo que carrega de diferenças nas pro-

postas coreográficas e tece um painel da pro-

dução carioca de dança.

A noite não começou bem. Uma em qua-

tro, obra assinada por João Wlamir, sucum-

biu à obviedade de um tema que o coreógra-

fo vem perseguindo há tempos, o universo da

bailarina clássica, mas que ainda não conse-

guiu desenvolvê-lo, se é que isso merece

realmente ser feito. A opção pelo excesso e

pelo absolutamente explícito, e uma teatra-

lidade exagerada, que mais combina com a

dimensão do palco do Theatro Municipal e

não com a arena do SESC, impediram que

qualquer proposta pudesse ser desenvolvida.

Nem mesmo bailarinas do quilate de Ana

Botafogo, Bettina Dalcanale, Laura Prochet

e Mônica Barbosa puderam salvar a obra da

falácia de sua pretensão. Uma pena.

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILR I O D E J A N E I R O • R I O D E J A N E I R O • R I O D E J A N E I R O • R I O D E J A N E I R O • R I O D E J A N E I R O • DOMINGO DOMINGO DOMINGO DOMINGO DOMINGO • • • • • 1515151515 D E D E D E D E D E MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO • 2 0 0• 2 0 0• 2 0 0• 2 0 0• 2 0 0 99999

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

269

sua ironia fina e rapidez nas soluções de

improviso.

Encerrando de forma especial a longa

noite, Márcia Milhazes trouxe A moça, o

segundo solo do programa. Delicadíssima

textura de movimento que retrata o esta-

do feminino, a coreografia foi interpreta-

da com exatidão e doçura por Ana Amé-

lia Vianna. O requintado figurino e a tri-

lha sofisticada dialogam intimamente

com a movimentação desenvolvida por

Márcia. Com certeza, um dos momentos

especiais da noite.

A mostra Solos de Dança no SESC com-

pleta dez anos e se consagra como o prin-

cipal evento de dança na cidade do primeiro

semestre. Graças à sua idealizadora, Beatriz

Radunsky, ao longo desses anos, vários for-

matos foram testados, todos interessantes.

Agora é aguardar qual o perfil que essa

mostra fundamental para o Rio de Janeiro

vai tomar no futuro.

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271

1999-2007 OUTROS TEXTOS

JORNAL DO BRASIL - 16 DE OUTUBRO DE 1999Dança: imitação e metáfora

ROBERTO PEREIRA

REVISTA BALLET/TANZ – BERLIM – NOVEMBRO DE 2000O meme na carne

ROBERTO PEREIRA

JORNAL A NOTÍCIA – SANTA CATARINA - 8 DE JUNHO DE 2002Quando a dança fala de si mesma

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DO BRASIL - 16 DE MARÇO DE 2004A formação de plateias

ROBERTO PEREIRA

REVISTA BALLET/TANZ – BERLIM - ABRIL DE 2005Die Verwirrungen des Luiz de Abreu

ROBERTO PEREIRA

JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE – FORTALEZA - 14 DE OUTUBRO DE 2007A arte de criticar

ROBERTO PEREIRA

WWW.IDANCA.NET - 10 DE SETEMBRO DE 2007As agruras de um projeto não selecionado

ROBERTO PEREIRA

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273

Dança: imitação e metáforaHoje aberta a todo tipo de experimentação com o corpo nacena, a dança contemporânea não responde mais o que é

ou o que diz o corpo, mas se concentra – como afirmaRoberto Pereira em texto inédito – em como o corpo fala

OBERTO PEREIRA

polo. O bailarino técnico, e por isso frio, e por

isso sem alma, era responsável por uma

dança bastante diferente daquela do baila-

rino expressivo. O verdadeiro desafio, entre-

tanto, era perceber exatamente como essas

lacunas eram visíveis, e o que elas queriam

mesmo dizer.

Enquanto o grande reformador da dan-

ça Jean-Georges Noverre (1727-1810) ten-

tava discutir, ainda no século XVIII, talvez

na primeira vez, teoricamente, como a dan-

ça deveria se tornar expressiva, em nosso

século, o grande coreógrafo Georges Balan-

chine (1904-1983) garantia ser impossível

dizer, em dança, que uma bailarina era a

sogra da outra. Ao mesmo tempo, Balanchi-

ne reivindicava para si o direito de fazer

uma dança que ele dizia não ser “abstrata”,

já que era construída em corpos absoluta-

mente concretos.

Deste impasse na diversidade de tarefas,

o corpo que dançava foi atrás de suas espe-

cificidades. Acuado na esquina da natureza

e da cultura, emprestava de cada uma delas

o que fez e faz da dança ser dança. Uma

dança que iria lançando mão de metáforas

dança também não ficou imune à von-

tade iluminista de conhecer o mundo.

À pergunta enciclopedista do século XVIII,

“o que é dança?”, propunham-se inevitavel-

mente mais outras duas perguntas: “como e

o que ela quer dizer?”. Pensando em garan-

tias de comunicação, começou-se a pensar

numa dança que era de ação, em detrimen-

to de uma outra, da corte. Essa última esta-

va preocupada com a beleza de sequências

de passos cada vez mais sofisticadas, o que

lhe rendeu a comparação com os fogos de

artifícios: o corpo técnico a serviço da bele-

za. Já a outra tinha como preocupação falar

à alma: o corpo expressivo.

A dualidade “técnica e expressão” daí

decorrente acomoda-se na dualidade carte-

siana: o corpo e alma deveriam, em algum

momento, encontrar a perfeita harmonia na

dança. Enquanto o corpo, mero instrumento

de trabalho de uma alma inteligente, des-

lindava-se em passos e divertissements, a

dramaticidade encontrava seu terreno na

pantomima. E essa cadeia dicotomizada iria

promovendo adjetivos para um bailarino

que estivesse mais próximo de um ou outro

A

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 16 DE OUTUBRO • 1999RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 16 DE OUTUBRO • 1999RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 16 DE OUTUBRO • 1999RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 16 DE OUTUBRO • 1999RIO DE JANEIRO • QUINTA-FEIRA • 16 DE OUTUBRO • 1999CADERNO IDEIASCADERNO IDEIASCADERNO IDEIASCADERNO IDEIASCADERNO IDEIAS

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

274

e metonímias, para que sua inteligibilidade

fosse certeira a um público anônimo e pa-

gante e, por isso mesmo, exigente.

O balé romântico foi o grande cristali-

zador de ideias quando se decidiu encarar

essa empreitada de significações. O que se

dançava no palco era uma representação,

em dança, no que se podia ler no libreto.

Chamamos isto confortavelmente de balé:

o que escapasse da tirania narrativa do tex-

to era o que fazia os espectadores-leitores

levantarem os olhos e lerem movimentos. A

dança empunha-se, sem querer estar a ser-

viço apenas de tarefas que estavam à mar-

gem de suas especificidades.

Entre este texto e o gesto no palco, as re-

lações metonímicas imperavam. A relação

causal diminuía ao máximo as chances de

interpretações que pudessem funcionar como

ruído de comunicação. O que me fazia acei-

tar aquela mulher que se chama Odete e que

dança como um cisne estava codificado em

gesto e, sobretudo, em contiguidades em seu

figurino: as peninhas do cisne que adornavam

sua cabeça e seu tutu. Ingênuo? Em todos os

casos, absolutamente eficaz.

Mas nada disso, entretanto, evitou que a

minha amiga Inês Rodrigues Assumpção, de

dez anos, perguntasse espertamente à sua

mãe-coreógrafa ao assistir ao mesmo balé:

“O que a Odete está dizendo para o Sigfried

agora?” No eixo das combinações, são es-

sas as perguntas possíveis. Já o outro eixo, o

da seleção, torna instantânea a relação do

objeto e a sua representação por meio de

contatos metafóricos: semelhança sincrôni-

ca, substituição poética. E é saltando do ou-

tro para este eixo que a dança garantiu seu

passaporte para a Modernidade.

A pergunta agora jamais seria “o que

é?”, mas injetaria no movimento do corpo

que dança uma pluralidade de “como é?”.

Mesmo com resistência, a facilidade de se

rotular um bailarino de técnico ou expres-

sivo e todos os julgamentos subsequentes

cedem lentamente espaço para um enten-

dimento outro do que seja dramaticidade

neste corpo que dança. Primeiro requisito

para tanto: perceber que a poética desse

corpo é antes de tudo construção, e que aque-

la esquina natureza-cultura não deve ser

confundida por um beco sem saída.

Susan Blackmore, em seu livro The

Meme Machine (1999), garante que o que

diferencia a espécie humana das outras es-

pécies é sua capacidade de imitação. Se-

guindo as trilhas da memética, ciência que

estuda as unidades culturais/ideias repli-

cantes (os memes), proposta pelo neo darwi-

nista Richard Dawkins, a autora mostra o

quão fluido pode ser o ângulo entre as duas

instâncias citadas acima. Contar uma histó-

ria e recontá-la é, sem dúvida, um caso de

tradução, mas antes de tudo de imitação.

Corpo natural e corpo cultural encontram,

então, na dança, não mais emblemas de frio

ou quente, técnico e expressivo, mas de

modos de construção, metafóricos e/ou me-

tonímicos.

Os cariocas poderão, neste mês de outu-

bro, entrar em contato com esses modos de

construção através de dois espetáculos em

especial. O primeiro deles é o já famoso

Casa, da coreógrafa Deborah Colker. Nessa

casa, movimentos do cotidiano continuam

sendo movimentos do cotidiano, conectan-

do-se contiguamente ao cenário, à música e

ao figurino. Inclusive, todos estes elementos,

sem si mesmos, trazem também essa rela-

ção causal que garante entendimentos: a

música, por exemplo, também é ruído de

porta que se bate. Mas esta mesma relação

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

275

não se dá nos movimentos. O divertissement

está lá, ao lado do gesto codificado, sem

muitas contaminações. Bater bolo, como mo-

vimento, não se transforma, metalinguisti-

camente, num movimento esvaziado da

ideia de “bater bolo”. A inteligibilidade aí

garante o revestimento pop deste trabalho,

rascunhando na dança contemporânea con-

tornos de balé. Neste sentido, Noverre po-

deria ser, com certeza, um morador ilustre

dessa casa.

O outro espetáculo, que trafega por um

caminho inverso do traçado por Colker, é

Non donné par l’auteur, do coreógrafo fran-

cês Jérôme Bel, e que faz parte do 8o Pano-

rama RioArte de Dança, do dia 27 de outu-

bro no Teatro Carlos Gomes. Aqui, o movi-

mento banal de segurar um objeto cria sua

própria “dramaturgia”, no sentido em que se

torna “movimento por” e não mais “movi-

mento para”. Significação não está no gesto

de segurar um dicionário ou uma bola ou um

par de patins. Gesto é, antes, movimento.

Gesto esvaziado para ser preenchido por ele

mesmo, como movimento. Metalinguistica-

mente. A questão aqui é a da autoria, tal

como já denuncia o título da obra: todos nós

podemos segurar um dicionário, mas nem

todos podemos executar uma pirueta. O que

separa um do outro não é apenas o seu grau

de dificuldade enquanto execução. E o que

os aproxima é justamente o que Bel propõe

minimalisticamente: o movimento, seja ele

qual for, com possibilidade de um movimen-

to dançado. Mesmo que ele também tenha

sido o ato de segurar um objeto.

A tarefa da dança é mais plural do que

querer dizer algo. O que quer e o que pode

a língua era a pergunta que Caetano Veloso

fez há 15 anos. A dança ainda precisa desta

mesma questão seu hit parade. Para que ad-

jetivos como técnico e expressivo não

sejam excludentes e não continuem constru-

indo um corpo cartesiano quebracabeça-

mente. E para que metáfora e metonímia

possam ser poéticas de um corpo que dança,

sempre, mimeticamente, por imitação. Uma

imitação reinventada a cada execução, mas

sendo sempre consequência-causa de outras

danças. Pois parafraseando livremente o

coreógrafo francês Boris Charmatz, o corpo

é a alma da dança.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

276

O meme na carneOBERTO PEREIRA

O corpo fragmentado vai virando, assim,pouco a pouco, o lugar em que a informaçãotambém fragmentada se instaura. Estão láas grandes calamidades como Kosovo, Etió-pia, Carandiru, Vigário Geral, ao lado demarcas e pessoas que, sem que a gente sedê conta, fazem parte de nossas vidas. Abre-viando o que seria uma lista infinita de fa-tos e nomes, um dos bailarinos reproduz umslogan irônico: “Just do it!”

O corpo como mídia da evolução carre-ga com ele a propriedade simbólica de ar-mazenar a informação de seu ambiente. Tal-vez por isso a dança seja um instrumentoque funciona aqui com a precisão de umbisturi médico na operação de seu reconhe-cimento. Na dança de Lia Rodrigues, estecorpo se constrói disso: a técnica do balécompartilha com a fofoca do artista que sesubmeteu a uma lipoaspiração, publicadanuma dessas revistas populares. A ideia des-tas duas informações traduzidas em dançaespanta justamente por trazer tão perto da-quele que assiste o reconhecimento aindamaior: a de que ele também está ali, nu.

O espetáculo de Lia Rodrigues é um ma-nifesto. O preço do ingresso, cerca de 1 dólar,e a prestação de contas do dinheiro que a com-panhia recebe anualmente da Secretaria Mu-nicipal de Cultura, cerca de 25 mil dólares,publicada no programa, dão a dimensão exa-ta disso. Quanto vale o corpo que dança?

Ou melhor: Quanto vale o corpo? Quantovale uma ideia? As respostas vêm em formade pergunta, indignação e movimento. E são

sempre, e assim sempre serão, insuficientes.

dança não trafega mais confortavel-

mente entre natureza-cultura. A dançaé a prova de que a esquina entre estas duasinstâncias é o lugar de contaminações em mãodupla. O novo trabalho da coreógrafa Lia Ro-drigues, apresentado no último mês de julhono Rio de Janeiro, Aquilo de que somos feitos,alarga a dimensão desse trânsito e mostra que

o corpo que dança está comprometido, sem-

pre, com seu ambiente. Nas novas noções de

evolução que estudam a cultura, este trânsito

é o que se chama de coevolucionismo.

O espetáculo de Lia Rodrigues é um ma-

nifesto. Recupera a imprevisibilidade da per-

formance, instaurando nela o engajamento

político e social misturado com uma esperan-

ça naive dos anos 70. Let the sun shine in, a

canção emblema de uma geração, aparece em

contraponto a uma avalanche de ícones do

desenho animado infantil japonês. O espetá-

culo de Lia é uma constatação: o corpo, qual-

quer corpo, contaminado pela informação, é

mídia de ideias. O que o neo evolucionista

Richard Dawkins chama de meme, ideia que

se replica na cultura, assim como o gene, na

natureza, na cena de Lia, ganha a carne.

No começo, os corpos dos oito bailarinos

nus não estão mais nus. Após alguns segun-

dos, cabe ao público, lançado em uma sala

sem cadeiras, revesti-los de outros figurinos,

assim como reveste o silêncio de outra mu-

sicalidade. Numa das cenas, esses mesmos

corpos nus avançam pela plateia em espas-

mos pelo chão e se amontoam contra uma

parede: a carne que havia ganho significa-

ções torna-se simplesmente carne.

A

REVISTA BALLET/TANZREVISTA BALLET/TANZREVISTA BALLET/TANZREVISTA BALLET/TANZREVISTA BALLET/TANZBERLIM • NOVEMBRO • 200BERLIM • NOVEMBRO • 200BERLIM • NOVEMBRO • 200BERLIM • NOVEMBRO • 200BERLIM • NOVEMBRO • 20000000

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

277

Quando a dançafala de si mesma

OBERTO PEREIRA

gem da bailarina nas pontas, girando em tor-no de si mesma, perdurar por tanto tempo, demaneira tão popular: ela simboliza o momen-to em que a dança, ainda sob a alcunha dobalé, vira dança, apenas e sobretudo.

Quando a fotografia foi inventada, a cri-se por ela imposta no universo das artesanunciava o projeto da Modernidade: era ahora de cada linguagem artística buscar suaespecificidade. A dança, que a partir do sé-culo XX começa a contar com a sua verten-te moderna via Ballets Russos e IsadoraDuncan, principalmente, também lançou-seao desafio de se perguntar: O que e comoeu quero dizer? O que é da propriedade dadança, e somente dela?

As respostas foram sendo buscadas enesse processo muita coisa aconteceu. Nes-sa “muita coisa”, o balé e a dança modernativeram de passar a conviver com a dançacontemporânea, com o butô, a dança-teatro,a new dance e tantas outras possibilidadesque o cruzamento entre corpo e cena per-

mite. Agora, a questão não se voltava mais

apenas para o que era específico da dança,

mas como ela ia se tingindo com outras lin-

guagens, assim como o mundo ia se tingin-

do pelas informações disponibilizadas pela

globalização.

Mas, mesmo com tantas transformações,

a dança precisou saber antes o que lhe cabia

uando uma pessoa é convidada a re-produzir a primeira imagem que lhe

vem à cabeça quando ouve a palavra balé,ela imediatamente coloca os braços acimada cabeça e começa a rodopiar no lugar, si-mulando uma bailarina nas pontas, com osbraços em terceira posição. Essa imagem,ainda tão forte nos dias de hoje, é uma he-rança romântica, e sua permanência no ima-ginário popular deve muito ao que o balédesenvolvido no século XIX promoveu emavanços técnicos e estéticos na dança. Essaimagem, que ainda deverá perdurar pormuito tempo, é aquela descrita por ChicoBuarque e Edu Lobo, em O Grande Circo

Místico, na canção Ciranda da bailarina, ouaquela que se pode ver a cada vez que umacaixinha de música é aberta: a bailarinapura, branca, inatingível.

Para que essa figura pudesse ser ideali-zada, uma trama bastante complexa de comoo corpo se movia e por que ele assim se mo-via começou a ser tecida. Uma trama cêni-ca, mas que começava a garantir para a dan-ça a sua maioridade: a dança, ocidental ecênica, tal como é conhecida hoje, ganhousua sistematização, sua autonomia enquantolinguagem a partir do balé romântico, aque-le povoado por sílfides, elfos e wilis. E, nessaépoca, ela já contava com mais de três sécu-los! Talvez seja essa a razão de aquela ima-

Q

JORNAL A NOTÍCIAJORNAL A NOTÍCIAJORNAL A NOTÍCIAJORNAL A NOTÍCIAJORNAL A NOTÍCIASANTA CATAR INA • SÁBADO • 8 DE JUNHO • 2002SANTA CATAR INA • SÁBADO • 8 DE JUNHO • 2002SANTA CATAR INA • SÁBADO • 8 DE JUNHO • 2002SANTA CATAR INA • SÁBADO • 8 DE JUNHO • 2002SANTA CATAR INA • SÁBADO • 8 DE JUNHO • 2002

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enquanto tarefa nesse mundo: a construçãode um corpo (a técnica) e sua configuraçãocênica (a estética), algo que começou lá, na-quele corpinho que girava (e ainda gira, parafelicidade da própria dança) em torno de simesmo. Assim, a dança fala de si mesmaquando a ela é permitida a construção de umaimagem. Resta a nós, que percebemos nelaum lugar privilegiado de desvelamento do

mundo, aprender a ler essa imagem: a cadanovo corpo, a cada nova cena. Resta a nós en-tender que ali trafegam, numa via de mão du-pla, informações da natureza (corpo) e dacultura (dança). Só assim esse mundo pode serentendido como um lugar em que as ideias,as boas ideias, devem permanecer. Tal comoaquela ideia da bailarina da caixinha de mú-sica. Tal como a dança.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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A formação de plateias

OBERTO PEREIRA

de dança do País, em 1939, a imprensa cario-ca contava com pelo menos oito críticos que,uma vez entendedores de música, se aven-turavam a escrever sobre dança.

Dentro desse contexto, o crítico JaquesCorseuil (1913-2000), um dos primeiros re-almente especializados no assunto, deve sermencionado como peça fundamental nessaconstrução de uma história da dança brasi-leira e de seu público. Outros o seguiram eformaram uma tímida história paralela dacrítica de dança brasileira. Nesse sentido,valem ser citados Antonio José Faro, SuzanaBraga e, em São Paulo, Nicanor Miranda eLineu Dias, entre tantos outros. Hoje, nãoapenas naquela cidade, mas em todo o País,o nome de Helena Katz representa essa açãode continuidade de se fazer pensar a dançadentro do circuito do jornalismo cultural.

Assim, com quase um século de ativida-de, a crítica de dança no Brasil ainda tempela frente o mesmo desafio de ser um doselementos de formação dessa tradição, apon-tando setas para diferentes alvos: no públi-co, no artista e na própria obra. Se a palavracrítica conta em sua raiz etimológica com apalavra grega krinein, que significa “que-brar” e, ao mesmo tempo, “colocar em cri-se”, ela parece caber nesse empenho de sepensar uma dança brasileira: ajuda a que-brar automatismos no entendimento do queo adjetivo “brasileira” significa para a dan-ça, ao mesmo tempo que coloca em crise,num processo contínuo e profícuo, o que seproduz e o que se pensa na área no País.

ogo no início de seu clássico estudosobre a Formação da Literatura Bra-

sileira, o crítico Antonio Candido propõe suanoção de formação a partir da ideia de sis-tema: obras ligadas por denominadores co-

muns, com características internas, como lín-

gua, temas e imagens, além de característi-

cas de ordem social e psíquica, como “a exis-

tência de um conjunto de produtores literá-

rios, mais ou menos conscientes do seu pa-

pel; um conjunto de receptores, formando os

diferentes tipos de público, sem os quais a

obra não vive, e um mecanismo transmis-

sor (...) que liga uns aos outros”. Embutidos

nessa noção, estão o sentido de tradição e aideia de continuidade que cria padrões de

pensamentos e comportamentos.

A dança brasileira, embora tenha inicia-

do esse processo proposto por Candido

quase um século depois da literatura (que,

para o crítico, se dá no período romântico),

teve, e ainda tem, vários desafios e, entre

eles, o da formação de seu público, elemen-to citado acima como parte dessa cadeia sis-

têmica proposta. Historicamente, como essa

tradição começa a ser delineada no Rio de

Janeiro no início do século XX (sobretudo a

partir da fundação de sua primeira escola

oficial de dança em 1927), a necessidade de

uma crítica de dança foi fundamental. Ha-

via de se entender como aquela linguagem

cênica poderia ser produzida aqui e pode-

ria ganhar contornos “brasileiros”. Na oca-

sião da primeira temporada oficial do balé

do Theatro Municipal, primeira companhia

L

JORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILJORNAL DO BRASILRIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 16 DE MARÇO • 2004RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 16 DE MARÇO • 2004RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 16 DE MARÇO • 2004RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 16 DE MARÇO • 2004RIO DE JANEIRO • TERÇA-FEIRA • 16 DE MARÇO • 2004

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Die Verwirrungendes Luiz de Abreu

OBERTO PEREIRA

amba do crioulo doido é uma expressão

que no Brasil quer dizer confusão. Não

à toa é o título do novo trabalho do bailari-

no e coreógrafo brasileiro Luiz de Abreu,

que reside hoje na cidade de São Paulo. A

confusão provocada por ele nesse trabalho

mistura assuntos caros num país com tantas

desigualdades sociais. E o que mais impres-

siona é que esta mistura está mimetizada no

corpo do bailarino, cuja construção e orga-

nização de técnicas diversas é o próprio

“samba do crioulo doido”.

Esta é uma peça de 20 minutos, assinada

e dançada por Abreu, e desenvolvida com o

apoio do programa Rumos Dança 2003 do

Itaú Cultural, sob a sábia coordenação de

Sônia Sobral. Apresentado pela primeira vez

em 5 março de 2004, na capital paulista, de

imediato causou também confusão entre o

público que lotava o teatro naquela noite.

Nu, calçando apenas um par de botas

prateadas de salto altíssimo, o bailarino ao

som de uma batida grave de samba deixa

entrever suas formas. A os poucos era possí-

vel ouvir a voz da cantora Elza Soares, num

grito de arranhar a garganta, proclamando

S o verso da canção: “a carne mais barata do

mercado é a carne negra”. Luiz de Abreu é

negro. Homossexual. Bailarino. E brasilei-

ro. Ao fundo, um grande painel repleto de

pequenas bandeiras do Brasil fazem o ce-

nário. Tudo é verde e amarelo. Exceto a car-

ne que ali se movimenta.

O que se desenvolve no palco é uma

habilidade de olhar de fora o que é de den-

tro. O olhar estrangeiro, alimentado pelo

sabor do exótico, mistura-se com o olhar do

próprio brasileiro que discrimina, que ex-

clui. À primeira vista, parece tratar-se de

uma estética típica de boate gay e seus sho-

ws de transformistas. Mas achar que é ape-

nas isso é não entender exatamente o que

Luiz de Abreu provoca, ao tratar dessa mes-

ma estética, metalinguisticamente, para de-

nunciar esses olhares, estrangeiros ou não,

sempre comprometidos com uma visão do

que quer dizer ser negro, gay e bailarino

hoje num país como o Brasil.

A confusão que reside no corpo de Abreu

borra qualquer tentativa de classificação

daquilo que se move no palco. O que ocorre

é a confusão típica de um bailarino de hoje:

REVISTA BALLET/TANZREVISTA BALLET/TANZREVISTA BALLET/TANZREVISTA BALLET/TANZREVISTA BALLET/TANZBERLIM • ABRIL • 2005BERLIM • ABRIL • 2005BERLIM • ABRIL • 2005BERLIM • ABRIL • 2005BERLIM • ABRIL • 2005

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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não há a ideia de passo ali, mas a dança de

um samba que acontece tramando armadi-

lhas com o balé e a dança contemporânea.

Nada mais inquietante para se pensar a

dança brasileira. Uma dança de avesso. Nua.

E de exotismos avessos.

Ao final do espetáculo, ouve-se uma ver-

são em ritmo de batucada da abertura da

ópera O Guarany, de Carlos Gomes. Obra

típica de um olhar estrangeiro que se cons-

truiu no próprio compositor brasileiro que

ansiava por falar de si a partir do código do

outro, essa música funciona quase como um

hino nacional. Neste momento, Luiz de

Abreu enfia um pedaço da bandeira brasi-

leira no ânus e transforma o resto do tecido

em um estandarte de escola de samba. Des-

fila pelo palco. Seu pênis balança ao ritmo

de samba. Corpo e bandeira são quase um

parangolé de Hélio Oiticica, que brinca

com a questão da obra de arte na instabili-

dade do momento, do que se reveste e do

que se toma estabelecido. A carne mais ba-

rata do mercado é embrulhada pelo símbo-

lo de uma pátria. É a apoteose.

Luiz de Abreu provoca a confusão de

olhares na plateia: reconhece-se o que é ser

brasileiro, por dentro; e reconhece-se o que

é ser brasileiro por fora, a partir do olhar

estrangeiro introjetado, do olhar coloniza-

do, (quase) para sempre.

* * *

Em outubro desse mesmo ano de 2004,

Abreu foi convidado a remontar o Samba

do crioulo doido em Salvador, capital do

Estado da Bahia, dentro da terceira edição

do projeto Ateliê de Coreógrafos Brasilei-

ros, idealizado por Eliana Pedroso. O que era

um solo transformou-se em uma peça para

dez bailarinos, nove homens e uma mulher –,

todos negros, e todos igualmente nus.

Essa versão foi mostrada no Teatro Cas-

tro Alves, o maior e mais importante tea-

tro da cidade, reservado sempre para gran-

des espetáculos. Simbolicamente, há de se

pensar: Castro Alves, poeta romântico bai-

ano, escreveu “Navio negreiro”, um de seus

mais conhecidos poemas, que trata justa-

mente da questão do negro sendo trazido

da África para o Brasil. Hoje, Salvador é

uma cidade composta, em sua maioria po-

pulacional de negros.

O teatro estava lotado na estreia do dia

16. Risos nervosos durante a peça eram ou-

vidos. Ao final, uma massa de mais de mil

pessoas se levanta e aplaude. Ou, para ser

mais legítimo, consagra uma conquista da-

quele espaço. E mostra que um teatro não

poderia levar aquele nome impunemente.

A performance tinha sido elevada à potên-

cia máxima. O samba do crioulo doido, a

partir de então, não é mais apenas confusão

e passa a ser entendido, antes de mais nada,

como um manifesto.

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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F

JORNAL DIÁRIO DO NORDESTEJORNAL DIÁRIO DO NORDESTEJORNAL DIÁRIO DO NORDESTEJORNAL DIÁRIO DO NORDESTEJORNAL DIÁRIO DO NORDESTEF O R T A L E Z A • D O M I N G O • 1 4 D E O U T U B R O • 2 0 0 7F O R T A L E Z A • D O M I N G O • 1 4 D E O U T U B R O • 2 0 0 7F O R T A L E Z A • D O M I N G O • 1 4 D E O U T U B R O • 2 0 0 7F O R T A L E Z A • D O M I N G O • 1 4 D E O U T U B R O • 2 0 0 7F O R T A L E Z A • D O M I N G O • 1 4 D E O U T U B R O • 2 0 0 7

A arte de criticar

OBERTO PEREIRA

alar de crítica de dança hoje, no Bra-sil, é falar de um projeto de resistên-

cia. Efetivamente, escrevendo e publicandocrítica de dança em periódicos, temos, que eusaiba e até o presente momento, apenas cin-co críticos, que nomeio agora: Helena Katz,no jornal O Estado de São Paulo, a primeiraentre nós, Inês Bogéa, da Folha de São Paulo,Marcello Castilho Avellar, no O Estado de

Minas, Silvia Soter, no jornal O Globo e euno Jornal do Brasil, ambos no Rio de Janeiro.

Muito diferente do início do século XX,quando a dança e mais especificamente obalé aportou por em terras brasileiras, e quan-do existiam dezenas de jornais na então ca-pital federal, cada um deles com um críticode dança, hoje esse ofício beira o exíguo. Seantes havia espaço nos jornais para críticasextensas, que muitas vezes começavamnuma edição e terminavam noutra, em outrodia da semana, tão grande era o texto, hojeas possibilidades de que elas saiam e quetenham um tamanho condizente com suaimportância são bem menores. Em quase to-dos os jornais. Com quase todos os editores.

Do início deste ano até o final do mês desetembro, por exemplo, os dados numéricos

apontam para essa crise. Helena Katz foi quemmais publicou, com 29 textos (dados segundoseu site: www.helenakatz.pro.br), Inês apare-ce com 9 textos, Marcello com 20, Silvia com7 e eu com 20 textos (dados fornecidos pelospróprios colegas). Tudo isso é ínfimo, se a crí-tica de cinema, por exemplo, é tomada comotermo de comparação. Mas é um dado interes-sante e que se deve levar em conta quando sefala de dança brasileira hoje.

A idéia de crítica, que tem sua origemna palavra grega krinein, carrega consigodois sentidos interessantes: a de quebra e ade crise. Essa seria sua tarefa quase ontoló-gica. Quebrar a obra em pedaços, colocan-do em crise os sentidos pré-organizados quese colam a ela. É fazer com que a obra res-pire em outros modos, em outros registros.

Não à toa, a crítica de dança surgiu empleno século XIX, quando essa arte, atravésdo balé romântico, sistematizava sua ima-gem tornando-se o que hoje conhecemoscomo dança cênica ocidental. Não à toa, foinesse mesmo século que a história ganhavaseu estatuto de área de conhecimento, de ci-ência. A crítica começava a fazer parte des-sa história. E começava a contá-la também.

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Hoje, sua função vem se transformando.Como tudo no mundo. Hoje, por exemplo,existe o espaço virtual que subverte as exi-gências de tamanhos de textos e espaçosdelimitados. E também que permite umareação instantânea dos leitores, estabele-cendo diálogos vivos, num ziguezague deidéias. O site idança (www.idanca.net) é umótimo exemplo de lugares de ação e de tro-ca de idéias no Brasil. Mas é curioso: quan-do escrevi meu mais recente artigo para essesite, senti uma estranheza aguda por poderescrever o quanto desejava e precisava. Umoutro registro, uma outra mídia, com certeza.

Mas se estamos falando em crítica den-tro de um ambiente de festival de dança,como o é a Bienal de Dança do Ceará, seriainteressante colocá-la em contraponto comuma outra instância, que hoje divide com acrítica um lugar decisivo entre a obra, o ar-tista e o público: a curadoria.

Um ofício muito mais recente que o docrítico, o curador aparece em fins do século XX,para cuidar de algo que não se aprisionavamais em ismos: a arte contemporânea. Para adança, se formos também levar em conside-ração a recente prática de festivais de dançaque carregam a idéia de uma curadoria, po-deremos constatar que se trata, em sua gran-de maioria, de festivais de dança contempo-rânea, pelo menos no Brasil. A tarefa seria ade administrar o que era quase inadministrá-vel, o que não se classificava mais como as-sim o permitiu um dia o balé e a dança moder-na, por exemplo. E administrar está na origemlatina da palavra curador, curator, que signifi-ca tutor, ou aquele que administra.

Pensar em curadoria e crítica hoje é pen-sar em ações da dança contemporânea, so-bretudo no Brasil, onde essas ações comun-gam com os festivais de dança estratégiasde sobrevivência. Apenas cada uma delas

age de formas diferentes, mas sempre com-plementares, na relação entre a obra, o ar-tista e o público.

A curadoria, de alguma forma, propõeflechas de sentidos da e na obra, antes mes-mo que o público entre em contato com ela.É um a priori que en-forma sua percepção:por que essa determinada obra está nessedeterminado festival? como ela dialogacom as outras obras que também compõemsua programação? onde ela é apresentada?quando? como? em que ordem? o que euassisti ontem “contamina” o que eu assisti-rei hoje, que já está “contaminado” pelo queverei amanhã?

A crítica desmancha os itinerários des-sas flechas de sentidos. Quebra seu percur-so, colocando em crise o que se pensou, exi-gindo que se repense. É um posteriori. Umdepois que redimensiona o antes.

Na Bienal de Dança do Ceará, esses doislugares tão importantes hoje quando se falaem dança contemporânea estarão clamandopor urgências: a urgência de se fazer enten-der o que são todas essas informações que seviabilizam apenas com a existência de umfestival como esse nesse ambiente, entenden-do quais são suas pertinências e suas reverbe-rações; e, ao mesmo tempo, estampa a lacunado outro pólo, que seria a do exercício crítico.

Tomando as proporções continentaisbrasileiras, a existência de apenas cinco crí-ticos atualmente é quase risível. Se o senti-do de tradição em dança que se faz no Bra-sil hoje necessita da formação de artistas ede seus públicos, suas estratégias são clarase muitas vezes impiedosas. Tenhamos cadavez mais críticos, para que os tantos festivaisque já existem pelo país afora sejam colo-cados em crise. Numa crise, entretanto, queos co-mova, ou promova transformações.Nada mais contemporâneo, certo?

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N

As agruras de umprojeto não selecionado

OBERTO PEREIRA

o dia 25 de junho deste ano, mais pre-

cisamente às 9h48 horas, postei meu

projeto denominado O Jazzdance no Bra-

sil: histórias de um corpo em swing, para

participar da edição de 2007 do Prêmio

Funarte Klauss Vianna de Dança. Não se

tratava de um projeto e de uma tentativa ab-

solutamente inéditos: eu já havia inscrito

esse mesmo projeto no último edital das

Bolsas Vitae de Arte, no ano de 2004, e ele,

como se pôde rapidamente concluir, não foi

selecionado.

No último dia 6 deste mês de setembro,

pude verificar que, novamente, esse meu

projeto não foi selecionado, agora então

pelo edital da Funarte. E tal constatação

(negativa, em vários sentidos) me levou a

pensar alguns pontos que merecem reflexão

sobre a viabilidade da pesquisa teórica de

dança no Brasil, quando não vinculada di-

retamente ao ambiente universitário. Tal

constatação, longe de ser um caso particu-

lar meu, poderia ser tomada como um caso

bastante comum a todos aqueles que se lan-

çam a essa aventura de fazer pesquisa teó-

rica de dança neste país e, mais ainda, acre-

ditam que editais como esses da Funarte

podem representar uma saída (quase única)

nesse deserto de opções que nos cerca.

Bem, vamos às reflexões possíveis, todas

elas meras conjeturas que levanto, mas que

podem servir para colocar em questão al-

guns pontos que merecem atenção hoje de

todos nós. Bem, sendo assim, parto do seguin-

te: meu projeto não foi selecionado nova-

mente. Diante desse fato, conto apenas com

duas possibilidades que justificariam sua

não seleção e é a partir delas que gostaria

de propor a feitura deste artigo.

Antes, porém, de me dedicar a elas, gos-

taria de deixar claro que, ao ter aceitado sub-

meter um projeto meu a uma comissão que

eu não conhecia, mas que conheci depois

(quando da publicação dos nomes de seus

integrantes no site da Funarte no mesmo dia

6 de setembro), e que respeito profundamen-

te, hora nenhuma tive ou tenho a intenção de

colocar sua constituição em questão. Todos ali

me parecem, e devem parecer a todos da clas-

se da dança brasileira, legitimados de algum

modo para ocuparem o lugar que estavam

ocupando. Ponto. Pronto.

WWW.IDANCA.NETWWW.IDANCA.NETWWW.IDANCA.NETWWW.IDANCA.NETWWW.IDANCA.NETRIO DE JANEIRO E SÃO PAULO • SEGUNDA-FEIRA • 10 DE SETEMBRO DE 2007RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO • SEGUNDA-FEIRA • 10 DE SETEMBRO DE 2007RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO • SEGUNDA-FEIRA • 10 DE SETEMBRO DE 2007RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO • SEGUNDA-FEIRA • 10 DE SETEMBRO DE 2007RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO • SEGUNDA-FEIRA • 10 DE SETEMBRO DE 2007

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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Assim, a primeira possibilidade que me

veio à cabeça que justificaria a não seleção

de meu projeto é a mais óbvia: o projeto não

é bom. Simples assim. Ou porque o tema não

parece ser pertinente, ou porque sua elabo-

ração não está de acordo com as exigências

do edital, ou ainda porque seu orçamento

não está digno e/ou compatível ao que ele

se propõe. Ou ainda: o projeto era “até” bom,

mas havia outros melhores. E como a cota

era restrita, os outros projetos (“melhores”)

poderiam ter sido priorizados. Como já par-

ticipei de várias comissões que analisam

projetos como esse meu, inclusive na pró-

pria Funarte (Prêmio Funarte Petrobras de

Fomento à Dança, entre os dias 21 e 25 de

novembro de 2005), fico pensando que es-

ses são critérios absolutamente legítimos.

Todos três. Vamos a eles:

A pertinência de se estudar a história da

dança no Brasil e do Brasil me parece, pelo

menos num primeiro momento, inquestioná-

vel. Num país onde ainda muito há de ser

feito nesse sentido, uma iniciativa de se es-

tudar a história de uma estética tão impor-

tante como o jazzdance sempre me veio

como obviamente necessária. Por várias

razões, eu diria. E eu poderia elencá-las aqui.

Mas acho que bastaria dizer que existiram

ainda poucas iniciativas nesse sentido, com

projetos pontuais que não abarcaram a gran-

deza de se estudar esse momento tão caro à

nossa dança em sua dimensão histórica e em

suas mais diversas vertentes, sobretudo nas

cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Nomes fundamentais de nossa dança,

que se encontram devidamente citados no

meu projeto (que propositalmente coloquei

como um anexo a esse texto), mereciam,

hoje, quase 20 depois do auge dessa estéti-

ca entre nós, um estudo aprofundado. Nomes

inclusive que compõem o quadro de criado-

res de dança contemporânea de hoje, como

Alejandro Ahmed, Mário Nascimento e

Henrique Rodovalho, apenas para citar al-

guns. Além desse estudo, a captura e o regis-

tro de suas imagens em suas mais diversas

possibilidades também se fazem prementes,

eu acreditava. Enfim, o que existe é a cons-

tatação de que quase tudo ainda está por ser

feito no que se refere ao jazzdance no Bra-

sil. Mas a comissão pode não ter concorda-

do comigo, e isso é (e deve ser, já que con-

cordei em submetê-lo a ela) compreensível

e deveria ser aceitável.

Então, o segundo critério, que toca no

ponto da elaboração do meu projeto propri-

amente dita. Talvez eu tenha pecado em

algo crucial que fez a exigente comissão não

aceitá-lo. Alguma omissão grave, algum

ponto que não estava suficientemente cla-

ro, ou mesmo sua articulação pode não ter

parecido satisfatória. Mas estava tudo ali:

objetivo, histórico, justificativa, cronograma,

orçamento, currículo. Será, meu Deus, que me

esqueci de algo? Outro fato que seria abso-

lutamente legítimo.

Como coloquei o projeto em questão em

seguida a esse texto, peço aos leitores mais

dedicados que, por favor, me ajudem, apon-

tando falhas, para eu possa, então, e definiti-

vamente, aprender, se for mesmo esse o caso,

como se elabora um texto que se pretende

projeto. Talvez o meu histórico de mais de

20 anos de pesquisa de dança não tenha ain-

da me habilitado a elaborar um texto digno

de ser selecionado por uma comissão como

a desse edital. Talvez. Isso é absolutamente

aceitável, também.

O fato de eu ser um doutor (e por uma

dessas coincidências, pelo menos quatro das

integrantes dessa comissão são minhas co-

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

286

legas de programa de doutorado da mesma

universidade), com a pesquisa lançada em

livro pela editora da Fundação Getulio Var-

gas, talvez não tenha me auxiliado nesse

desafio. O fato de eu ser mestre em filosofia

pela Universidade de Viena, com a pesqui-

sa também lançada em livro (já em sua se-

gunda edição), também não.

E também não, o fato de eu ser crítico de

dança do Jornal do Brasil já há quase 10

anos, ou o fato de eu ter nove livros publica-

dos sobre dança, além de cinco coletâneas

de artigos sobre dança co-organizadas por

mim, todos elas esgotadas e quase unânimes

em seu uso nos cursos superiores de dança

pelo país afora; ou o fato de eu ter sido por

seis anos curador de um festival da impor-

tância que tem o Panorama de Dança; ou o

fato de eu viajar pelo País ministrando pa-

lestras e cursos ou participando de comis-

sões (apenas nesse ano de 2007, já pude es-

tar em cidades como Vitória – ES, Belo Hori-

zonte – MG, Caxias do Sul – RS, Porto Alegre

– RS, Londrina – PR, São José dos Campos –

SP, Fortaleza – CE, Uberlândia – MG, Joinvi-

lle – SC, São Paulo – SP e Campo Grande –

MS); enfim, todos esses fatos juntos não de-

vem ter me ensinado a elaborar um projeto

digno. Claro, isso é absolutamente possível e

legítimo. Talvez eu tenha que aprendê-lo. Ou

desistir definitivamente disso.

Mas esse artigo, ao tocar nessa possibili-

dade, coloca a oportunidade de todos nós sa-

bermos como é elaborar um bom projeto de

pesquisa histórica em dança no Brasil. Aten-

ção: essa é a chance!

Bem, resta ainda meu orçamento. Como

os leitores podem constatar, solicitei a ver-

ba de 50 mil reais, que ainda julgo ser sufi-

ciente para um projeto como o meu, mesmo

abarcando a história de duas grandes cida-

des, como o Rio e São Paulo, sem excluir Belo

Horizonte. E acredito ser honesto como di-

vidi os pagamentos de todos aqueles que me

auxiliariam no que eu havia me proposto.

Talvez eu tenha me equivocado em algum

ponto. E peço, então, que me ajudem. Lem-

brem-se, novamente: essa ajuda pode ser

valiosa para todos aqueles que estão lendo

esse texto e que tenham (ou não) seus proje-

tos reprovados em editais como esses. Como

já comentei aqui, fiz parte de comissões como

essa e para mim os orçamentos eram sem-

pre muito “reveladores”. Parecia que se po-

deria fazer um raio X da verdadeira índole

de alguns proponentes ao se entrar em con-

tato apenas com seus orçamentos...

Bom, vamos então à segunda possibili-

dade ou à segunda hipótese: o meu projeto

talvez tenha sido cancelado. Simplesmente

assim: cancelado. E aí vamos tentar enten-

der o que me leva a tal suposição.

Como é de conhecimento do todos, abso-

lutamente todos que fazem arte neste país

(e talvez não daqueles que a financiam, in-

felizmente), muitos dos artistas e dos pesqui-

sadores não possuem uma firma que os re-

presente. Não somos pessoa jurídica, não

temos CNPJ, por tudo o que justifica as difi-

culdades legais de se ter e se manter uma

firma hoje em dia.

O que mais da metade desses artistas e

pesquisadores fazem? Procuram por firmas

(muitas vezes de idoneidade questionável)

para que possam servir como “proponentes”

de seus projetos, para que os representem

juridicamente. Tal fato não é novo e é uma

realidade concretíssima em nosso meio. É

assim. E pronto.

Como todos fazem, também saí atrás de

uma firma que pudesse ser minha propo-

nente e que pudesse me representar junto a

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

287

esse edital da Funarte. Achei que seria mais

prudente procurar a firma de uma pessoa

amiga, conhecida minha, com quem eu, in-

clusive, trabalho. Mesmo tendo que pagar

impostos na ordem de 18%, achei que seria

mais seguro e honesto contar como uma fir-

ma idônea como essa que eu havia escolhi-

do. Assimilei esses impostos em meu orça-

mento e acreditei que estava tudo absolu-

tamente correto.

Um detalhe muitíssimo importante: nin-

guém desta firma tinha absolutamente al-

guma coisa a ver com a elaboração e a efe-

tivação de meu projeto. Todos os que eu

havia convidado a integrá-lo como meus

assistentes (cujos nomes, cuidadosamente,

retirei da versão do meu projeto que segue

em anexo, por motivos os mais óbvios) não

estavam ligados à firma em questão.

No final do mês de agosto (portanto, qua-

se dois meses depois de eu ter postado meu

projeto no correio), numa dessas coincidên-

cias da vida, soube por essa minha amiga

que ela havia sido convidada a compor a tal

comissão que avaliaria os projetos do edi-

tal em questão. E esse convite teria sido fei-

to pouco tempo antes da comissão se reunir.

Ela aceitou o convite, como eu acho mesmo

que deveria. E eu ganhei um problema.

Na mesma hora em que me dei conta de

que o fato de ela ter aceitado participar da

comissão comprometeria o meu projeto,

porque a firma dela (mesmo que ela seja

apenas uma entre cinco sócios) não pode-

ria ser proponente ao mesmo tempo em

que ela participava da comissão, tentei

achar uma saída para o problema que se

instaurava.

Liguei para o então coordenador de dan-

ça da Funarte e expus meu problema. Essa

ligação se deu exatamente no dia 27 de

agosto. A minha proposta é que me fosse

concedida a chance de simplesmente trocar

a firma que seria a minha proponente, pois

acreditava apenas na pertinência do meu

projeto, da minha ideia e da minha compe-

tência, que o assinava. Ingenuamente, eu

acreditava que isso seria possível na medi-

da em que a firma em nada comprometeria

a efetivação de meu projeto, caso ele fosse

selecionado, pelos motivos já expostos. En-

fim, tratar-se-ia apenas de um recurso me-

ramente burocrático que me permitiria re-

ceber a verba. De novo: caso meu projeto

fosse selecionado.

A resposta que obtive foi negativa. Não

havia essa possibilidade de troca, embora o

edital não considerasse essa situação em

específico (o da troca de CNPJ em casos

como esse). E o meu projeto, assim posso

intuir, deve ter sido desclassificado por esse

motivo. Ou pela soma dos tantos outros

motivos que expus ao longo desse texto. Não

sei e não deverei nunca saber: no site da

Funarte não há essa resposta.

O pesquisador, que não tem uma firma,

talvez tenha ficado sem a oportunidade de

sua ideia ter sido sequer lida, considerada,

avaliada. O proponente passa a ser mais

importante que aquele que concebe e exe-

cuta o projeto. Pior ainda: passa a ser mais

importante, que a própria ideia em questão.

No meu caso, se for esse mesmo o caso, o

pesquisador fica sem a pesquisa. E o País

fica sem a oportunidade de ter contada uma

pequena, mas tão importante, parte da his-

tória de sua dança.

Fiquei pensando se não seria o momento

de revermos os editais e tentarmos trazê-los

mais para perto da realidade daqueles que

realizam a dança, em suas mais diversas

interfaces, neste país. Fiquei me lembrando

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

288

do edital de bolsas do extinto e saudoso Ins-

tituto RioArte, da Secretaria das Culturas

da Cidade do Rio de Janeiro, que concedia

suas bolsas a pessoas físicas. Eu mesmo tive

a oportunidade de ser agraciado com uma,

no ano de 2002, quando fiz uma pesquisa

sobre a importante contribuição da bailari-

na Eros Volusia (1914-2004) para nossa

dança, e que foi, inclusive, transformada em

livro, compondo a coleção Perfis do Rio, da

editora carioca Relume Dumará, no ano de

2004. Ah, e também me lembrei da bolsa

que recebi entre 1998 e o início de 2002, do

CNPq, para que eu pudesse fazer meu dou-

torado. A ajuda mensal era depositada numa

conta bancária aberta em meu nome. E as-

sim pude fazer minha pesquisa.

Quem são as pessoas jurídicas que fari-

am uma pesquisa sobre a vida de uma bai-

larina como a Eros Volusia? Ou que se de-

dicariam a pesquisar o jazzdance no Brasil?

Como solucionar esse caso e deixar mais

transparente o que é uma realidade que to-

dos conhecemos, mas que simplesmente

não é levada em conta na elaboração de

editais como esses?

Eu gostaria, confesso, de ser o proponen-

te – físico – do meu projeto, ser responsável

por ele, responder por ele, receber por ele.

Acho que é isso. E sei que isso pode ser pos-

sível.

Enfim, meu projeto não foi, pela segun-

da vez, selecionado. Todos os livros que

comprei pensando em sua futura realização,

e todo o material que venho colecionando

ao longo desses três anos, acreditando que

ele um dia seria viabilizado financeiramen-

te, tudo isso deve ganhar apenas um lugar

em minha estante.

Pelas evidências que se impõem, acho

mesmo que está na hora de desistir dele. E

ficar torcendo, por mim e por todos os pes-

quisadores de teoria da dança no Brasil, que

a desistência seja apenas deste projeto.

ENTÃO , O PROJETO

O Jazzdance no BrasilHistórias de um corpo em swing

Introdução

A história da dança no Brasil, em sua

amplitude e complexidade, deixa flagrar

uma situação um tanto urgente: muito

ainda está por ser realizado, levando-se

em conta estéticas diversas, momentos

históricos diversos e especificidades con-

textuais diversas.

Há mais de 20 anos venho me dedi-

cando a contar um pouco dessa história.

Em minha pesquisa de doutorado, por

exemplo, debrucei-me sobre a análise

dos balés do começo do século XX, perí-

odo de sua formação no País, relacionan-

do-os com toda a influência de um perío-

do histórico determinado, a saber, o Es-

tado Novo e sua ideia de brasilidade. Em

paralelo a esse trabalho, pude escrever e

publicar a biografia de cinco grandes bai-

CONTINUA

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

289

larinos (ver currículo em anexo), que, em

suas vidas, narravam também a própria

história da dança brasileira.

Ao ter trafegado, em meus estudos, ine-

vitavelmente, pela dança que se fazia em te-

atros de revista, shows de cassinos e em fil-

mes musicais (ou chanchadas), pude perce-

ber como toda uma produção de dança

voltada principalmente para o entreteni-

mento carecia ainda de uma investigação

histórica.

Nesse sentido, mais adiante, comecei

a me interessar por um movimento que

assaltou a dança brasileira, sobretudo

nas décadas de 1970 e 1980, e que se

tornou o lugar desse mesmo entreteni-

mento (sobretudo através de programas

de televisão), ao mesmo tempo que

apontava novos caminhos para essa

mesma dança brasileira: o jazzdance.

Passados alguns anos, pude observar

que esse movimento poderia, enfim, ser

observado historicamente. Tal observa-

ção, contudo, não deveria ser tomada

como a necessidade de um mero levan-

tamento de dados, mas antes como uma

rica ferramenta para se entender muito

do que se promove em dança hoje no País,

sobretudo no que diz respeito à formação

de bailarinos de importantes companhi-

as contemporâneas.

Assim, a abertura do programa Fantás-

tico, da Rede Globo de Televisão, o grupo

Dzi Croquetes, composto apenas de ho-

mens travestidos, a novela Baila Comigo,

as companhias de dança Bandança e Va-

cilou Dançou, no Rio de Janeiro, e Raça

Cia. de Dança, em São Paulo, a remonta-

gem brasileira de Chorus Line, as acade-

mias de Joyce Kermman, a extinta revis-

ta Dançar e as influências de Lenny Dale

no Rio de Janeiro e Redha Benteifour em

São Paulo configuram-se como alguns dos

muitos ícones de uma época em que o

chamado “boom do corpo” tomou a cena

da dança brasileira, ao mesmo tempo que

ainda se vivia sob os rastros fortes da cen-

sura de uma ditadura militar vigente.

Este projeto anseia visitar esse mo-

mento bastante peculiar da dança brasi-

leira, pois além de representar um capí-

tulo ainda não escrito em sua história,

nele também é possível detectar algumas

pistas para o entendimento da formação

de um determinado tipo de bailarino

hoje, muitas vezes requisitado em com-

panhias de dança contemporânea que se

faz no País.

JJJJJustificativustificativustificativustificativustificativaaaaaPensar a história desse movimento, o

jazzdance, dentro da história da dança

do Brasil e no Brasil, permite observar

como tanto sua estética quanto sua téc-

nica ainda perduram nos tempos atuais,

pensando basicamente em duas frentes:

na dança contemporânea e na dança de

rua. Como essa estética resiste ainda

hoje? Quais são os grupos e/ou coreó-

grafos que ainda assinam composições

assumidamente feitas sob sua rubrica?

Como sua técnica é hoje ensinada? Que

tipo de bailarino ela forma? Onde eles

estão dançando hoje?

Responder tais perguntas, já por se-

rem elaboradas, justifica a pertinência

desse projeto hoje no contexto de pes-

quisa não apenas histórica, mas estética,

CONTINUA

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

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de boa parte da dança que se faz hoje

neste país.

ObjetivoObjetivoObjetivoObjetivoObjetivo

Este projeto tem como objetivo fazer um

levantamento histórico do jazzdance na

dança brasileira, especialmente nas três

últimas décadas do século XX, nas cida-

des de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Entrevistas filmadas com os princi-

pais personagens desta história, levan-

tamento do material iconográfico, como

programas, cartazes e fotografias, levan-

tamento das críticas e reportagens de

jornais e revistas, assim como levanta-

mento dos registros em vídeos, tanto dos

acervos pessoais como dos programas

de televisão, sobretudo os da Rede Glo-

bo, do SBT e da TV Cultura, formam a

matéria-prima dessa pesquisa, que deve

ser apresentada em forma de texto, de

CD-ROM contendo as imagens em ge-

ral, além de uma compilação dos vídeos

em DVD. Todo esse rico material pode-

rá ser transformado em publicação pos-

teriormente.

MetodologiaMetodologiaMetodologiaMetodologiaMetodologia

A pesquisa histórica será feita a partir de:

• Pesquisa nos acervos da Biblioteca

Nacional.

• Pesquisa no Banco de Dados da Rede

Globo de Televisão, do SBT e da TV

Cultura.

• Pesquisa iconográfica e histórica nos

acervos pessoais dos personagens des-

sa história.

• Entrevistas com personagens residen-

tes nas cidades do Rio de Janeiro, de

São Paulo e de Belo Horizonte, assim

como no exterior.

• Pesquisa e leitura de bibliografia espe-

cializada.

Alguns nomes de possíveisAlguns nomes de possíveisAlguns nomes de possíveisAlguns nomes de possíveisAlguns nomes de possíveis

entrevistados podem ser citadosentrevistados podem ser citadosentrevistados podem ser citadosentrevistados podem ser citadosentrevistados podem ser citados

Alejandro Ahmed, Alexandre Magno,

André Vidal, Betina Guelman, Betty Fa-

ria, Caio Nunes, Carlota Portella, Ciro

Barcelos, Cláudia Raia, Cláudio Tovar,

Cristina Helena, Dalal Achcar, Daniela

e Denise Panessa, Déborah Bastos, De-

nise Millet, Djenane Machado, Elizabe-

th Oliosi, Fernanda Chama, Henrique

Rodovalho, Ismael Guiser, Jacqueline

Motta, João Saldanha, Jorge Fernando,

Juan Carlo Berardi, Luiz Boronini, Már-

cia Barros, Maria Lúcia Priolli, Marly

Tavares, Mário Nascimento, Maysa Tem-

pesta, Nádia Nardini, Nino Giovanetti,

Priscila Teixeira, Regina Sauer, Renato

Vieira, Rose Calheiros, Roseli Rodrigues,

Silvia Matos, Silvia Soter, Soraya Bastos,

Suzana Braga, Tânia Nardini, Tatiana

Leskova, Tony Nardini, Vilma Vernon e

Washington Cardoso.

Ficha técnica e número deFicha técnica e número deFicha técnica e número deFicha técnica e número deFicha técnica e número de

pessoas envolvidas no projetopessoas envolvidas no projetopessoas envolvidas no projetopessoas envolvidas no projetopessoas envolvidas no projeto

• Idealizador, coordenador e

pesquisador: Roberto Pereira

• Escaneamento e produção de imagem

• Produção de CD ROM

• Produção de DVD

• Revisão de texto

Número de pessoas envolvidas

no projeto: 5 (cinco)

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AO LADO DA CRÍTICA: 10 ANOS DE CRÍTICA DE DANÇA – 1999-2009

291

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Este livro foi produzidona cidade do Rio de Janeiro

pela Fundação Nacional de Artes – Funartee impresso na Imo’s Gráfica e Editora, Rio de Janeiro – RJ

no quarto trimestre de dois mil e novecom fotolitos fornecidos pela Funarte

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