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Apostila Legislação Extravagante Acesso Policial aos Dados Telemáticos do Investigado Professor Rilmo Braga Delegado PCGO

Apostila Legislação Extravagante - R3 Concursos€¦ · Apostila Legislação Extravagante Acesso Policial aos Dados ... durante abordagens policiais ou após a regular apreensão

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  • Apostila

    Legislação Extravagante

    Acesso Policial aos Dados

    Telemáticos do Investigado

    Professor Rilmo Braga Delegado PCGO

  • 2

    O Acesso Policial aos Dados Telemáticos

    do Investigado

    Em abril de 2014 foi publicada a Lei nº 12.965, conhecida como lei do

    Marco Civil da Internet no país, que estabeleceu, em seu art. 22,uma hipótese

    de reserva jurisdicional para o fornecimento de registros de conexão ou de

    registros de acesso a aplicações de internet. Nesta esteira, doutrina e

    jurisprudência se enveredaram para o caminho da vedação do acesso policial

    aos dados telemáticos do investigado de forma absoluta, o que, à luz dos

    princípios da proporcionalidade e da supremacia do interesse

    público,definitivamente não pode prosperar, especialmente face à casuística e

    imprevisibilidade inerente às atividades policiais que ocasionam inegável

    mitigação ao princípio da legalidade administrativa.1

    Hodiernamente, decisões do Superior Tribunal de Justiça e estudos

    pontuais começam a contestar o rigor desmotivado da reserva jurisdicional

    inerente à diligência policial em testilha. Visando uma abordagem teórica,

    porém, com um viés eminentemente voltado para a prática policial e das

    demais carreias jurídicas, o presente artigo se propõe a catalogar de forma

    condensada e objetiva todas as hipóteses em que acesso policial aos dados

    telemáticos do investigado pode ser licitamente realizado.

    À guisa de introdução, merece registro que atualmente não há

    jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a temática, uma vez

    que os precedentes da corte maior, consagrados no HC 210.746/SP e HC n.º

  • 3

    91.867/PA, com a conclusão de que o acesso aos dados telefônicos por parte

    da Polícia durante uma abordagem não conduziria à nulidade das provas,

    foram publicados em 2012, razão pela qual estão desatualizados e devem ser

    desprezados. Afinal, na época das decisões supracitadas, o objeto de análise

    do STF foi o acesso à telefones celulares tradicionais que não cumulavam

    funções ligadas à internet, ou seja, não se tratava de smartphones, aparelhos

    que permitem acessos telemáticos, amplamente utilizados nos dias de hoje.

    O primeiro conceito que precisa ficar claro para a aprofundada análise do

    tema é o de dados telemáticos. Em que pese controvérsias sobre o tema,

    merece destaque a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que,

    no HC 132.115/2018/PR, adotou a definição do renomado doutrinador

    Guilherme de Souza Nucci:

    Por fim, no que se refere a interceptação telemática (e-mail) levada à cabo e às

    suas prorrogações, bem apontou o Superior Tribunal de Justiça,em sua decisão,

    que “[o] sigilo da comunicação de dados por meios informáticos [telemáticos],

    assim como os demais direitos individuais, não é absoluto, podendo ser afastado

    para a apuração de crime por meio de decisão judicial devidamente

    fundamentada”. Esse entendimento encontra amparo no campo acadêmico.

    Confira-se: “entendemos válida a disposição feita no parágrafo único do art. 1°

    desta Lei. Como já sustentamos (...), não há direito absoluto, motivo pelo qual a

    comunicação estabelecida por meios ligados à informática (computador) e à

    telemática (misto de computador com meios de comunicação), não deixa

    de ser uma forma atualizada e moderna de comunicação telefônica. Por isso, se

    houver finalidade de apuração de crime, com autorização judicial, pensamos ser

    válida a interceptação de comunicação efetuada por esses meios (ex.:

    conversação captada através de modem ou em determinados sites próprios para

    isso)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 6ª ed. São Paulo: RT, 2012. p.372 – grifei).

    Da leitura do excerto acima, conclui-se que dados telemáticos são

    aqueles que envolvem um conjunto de tecnologias da informação e da

    comunicação resultante da junção entre os recursos das telecomunicações

    (telefonia, satélite, cabo, fibras ópticas etc.) e da informática (computadores,

    periféricos, softwares e sistemas de redes), que possibilitam o processamento,

  • 4

    a compressão, o armazenamento e a comunicação de grandes quantidades de

    dados (nos formatos texto, imagem e som), em curto prazo de tempo, entre

    usuários localizados em qualquer ponto do planeta.

    Superada a análise conceitual supracitada, para uma acurada análise de

    legalidade e de constitucionalidade do acesso aos aplicativos de telemática,

    corrobora a superação dos precedentes do STF apontados acima, a publicação,

    no ano de 2014, a Lei nº 12.965, Lei do Marco Civil da Internet, que

    estabelece os princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil,

    a qual proibiu expressamente o acesso aos dados telemáticos sem ordem

    judicial:

    Art. 7º. O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário

    são assegurados os seguintes direitos:

    I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

    II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;

    III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo

    por ordem judicial; [...]

    Diante da constatação de que, após o surgimento e a massificação dos

    smartphones, bem como da legislação supracitada, o Supremo Tribunal

    Federal ainda não se manifestou sobre o acesso policial aos dados telemáticos

    durante abordagens policiais ou após a regular apreensão do aparelho, se faz

    necessário uma análise detalhada da jurisprudência do STJ, o qual tem

    paradigma firme no sentido de que tais acessos, feitas cinco ressalvas que

    serão analisadas detidamente adiante, carecem de ordem judicial.

  • 5

    Antes mesmo de apresentar as cinco hipóteses autorizadoras do acesso

    policial aos aplicativos telemáticos, nada melhor do que delinear os meandros

    da jurisprudência do STJ no sentido da proibição de acesso aos dados

    telemáticos de suspeitos de crimes:

    A primeira e paradigmática decisão judicial proferida pela Sexta Turma

    do Superior Tribunal de Justiça, no RHC n.º 51.531/RO/2016, assevera a

    ilicitude da prova alcançada a partir do acesso direto da Polícia Judiciária, sem

    prévia autorização judicial, aos dados e às conversas travadas pelo aplicativo

    whatsApp contidos em aparelho celular apreendido durante prisão em

    flagrante. Confira-se, preliminarmente, a ementa do julgado:

    PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.

    TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO

    JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL

    EVIDENCIADO.

    1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas

    diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial.

    2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das

    provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto

    deve ser desentranhado dos autos.(STJ, RHC 51.531/RO, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 09/05/2016). (grifei)

    Na mesma esteira e pacificando parcialmente o tema, o STJ reiterou, no RHC

    67.379/RN/2016, que o acesso policial aos dados telemáticos de aplicativos do

    aparelho celular do suspeito exige ordem judicial:

    (...)

    PROCESSO PENAL, RECURSO EM HABEAS CORPUS . TRÁFICO DE DROGAS.

    NULIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS NA FASE INQUISITORIAL. PRISÃO EM

    FLAGRANTE. CRIME PERMANENTE. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE BUSCA

    E APREENSÃO. PROVAS EXTRAÍDAS DO APARELHO DE TELEFONIA MÓVEL.

    AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. VIOLAÇÃO DO SIGILO TELEFÔNICO.

    INÉPCIA DA DENÚNCIA E CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO

  • 6

    PENAL NÃO EVIDENCIADAS. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-

    COMPROBATÓRIO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA

    INSIGNIFICÂNCIA NÃO APLICÁVEL. LEI PENAL EM BRANCO HETERÓLOGA.

    SUBSTÂNCIA PSICOTRÓPICA ELENCADA NA PORTARIA 344⁄98 DA ANVISA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

    (...)

    3. O art. 5º da Constituição Federal garante a inviolabilidade do sigilo telefônico,

    da correspondência, das comunicações telegráficas e telemáticas e de dados

    bancários e fiscais, devendo a mitigação de tal preceito, para fins de

    investigação ou instrução criminal, ser precedida de autorização judicial, em

    decisão motivada e emanada por juízo competente (Teoria do Juízo Aparente),

    sob pena de nulidade. Além disso, somente é admitida a quebra do sigilo quando

    houve indício razoável da autoria ou participação em infração penal; se a prova

    não puder ser obtida por outro meio disponível, em atendimento ao princípio da

    proibição de excesso; e se o fato investigado constituir infração penal punida

    com pena de reclusão.

    (...)

    9. Recurso parcialmente provido, tão somente para reconhecer a ilegalidade das

    provas obtidas no celular do recorrente e determinar o seu desentranhamento dos autos.

    (...)

    Posição idêntica mantém o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que,

    em recentes decisões, concluiu estarem os dados de comunicação eletrônica

    transferidos por meio do aplicativo whatsapp acobertados por sigilo, razão pela

    qual o acesso, para fins de investigação de crime, está condicionado à prévia

    autorização judicial. Avalie-se o exemplar:

    HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETAÇÃO FUNDAMENTADA EM

    DADOS DO APLICATIVO WHATSAPP. QUEBRA DE SIGILO SEM AUTORIZAÇÃO

    JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. Os dados de

    comunicação eletrônica pelo aplicativo WhatsApp, realizada de forma

    privada, estão acobertados pelo sigilo, permitindo a coleta para a

    investigação de fato criminoso, mediante autorização judicial específica

    e fundamentada, cedendo à regra constitucional da inviolabilidade,

    assegurada pelo art. 5º, incisos X e XII, da Carta da República, pelo que

    a inobservância faz com que a prova produzida seja considerada ilícita,

    trazendo como consequência o seu desentranhamento. ORDEM

    CONCEDIDA. (TJGO, HABEAS-CORPUS 191692-09.2016.8.09.0000, Rel. DES.

    http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641516/artigo-5-da-constituição-federal-de-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constituição-federal-constituição-da-republica-federativa-do-brasil-1988

  • 7

    LUIZ CLAUDIO VEIGA BRAGA, 2A CAMARA CRIMINAL, julgado em 12/07/2016, DJe 2101 de 31/08/2016) (grifei)

    Nesse mesmo contexto, os demais Tribunais dos Estados da Federação,

    vem comungando da mesma linha de entendimento trazida pelos precedentes acima mencionados.

    Inobstante os referidos precedentes, importante destacar e citar que o I Fórum Nacional de Juízes Criminais (FONAJUC) aprovou, por maioria, o

    enunciado 7, nos seguintes termos:

    O acesso ao conteúdo de todos os dados, dentre eles, aplicativos e contatos

    telefônicos, em celular apreendido durante flagrante pela polícia, prescinde de autorização judicial.

    Constatado que, em regra, o acesso aos aplicativos telemáticos por parte

    da Autoridade Policial está condicionado à ordem judicial, se faz necessário

    firmar balizas das cinco situações excepcionais, em que se dispensa a reserva

    jurisdicional, quais sejam:

    1) Acesso a mensagens de texto, chamadas efetuadas e recebidas e outros

    dados que não envolvam acesso telemático;

    2) Acesso aos dados telemáticos de telefone localizado em cumprimento de

    mandado de busca e apreensão;

    3) Acesso aos dados telemáticos em abordagens flagranciais emergenciais, em

    que a demora pode causar transtornos investigativos irreparáveis,

    especialmente à integridade da vítima ou ao sucesso da diligência;

    4) Acesso aos dados telemáticos de telefone de pessoa morta, desde que haja

    autorização do familiar responsável;

  • 8

    5) Acesso aos dados telemáticos autorizado pelo proprietário do telefone.

    A primeira exceção à reserva de jurisdição, para o acesso policial aos

    dados telefônicos, materializa-se na jurisprudência de ambos tribunais

    superiores. De acordo com o STJ o acesso às mensagens de texto da caixa de

    entrada do telefone não caracteriza interceptação telefônica, de modo que

    dispensada está a exigência de ordem judicial:

    PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE

    DROGAS. DECRETO CONDENATÓRIO TRANSITADO EM JULGADO. IMPETRAÇÃO

    QUE DEVE SER COMPREENDIDA DENTRO DOS LIMITES RECURSAIS.

    ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DETIDA DO PLEITO EM SEDE DE

    WRIT. CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A DEMONSTRAR A AUTORIA DO DELITO.

    PENA SUPERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA.

    IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA CORPORAL EM RESTRITIVA DE

    DIRETOS. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE, NULIDADE ABSOLUTA OU TERATOLOGIA A SER SANADA. ORDEM DENEGADA.

    (...)

    VI. Existência de mensagens na caixa de entrada do aparelho de celular do réu

    que corroboraram as demais provas da autoria do delito a ele imputado, não

    havendo se falar em nulidade de tais elementos probatórios, pois a hipótese não

    caracteriza interceptação telefônica, sendo despicienda a prévia autorização judicial.

    IX. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator. (HC 210.746/SP, Rel.

    Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 01/08/2012). (grifei)

    O STF, na mesma toada, considera que o acesso aos dados telefônicos

    não se submete à cláusula constitucional da reserva jurisdicional:

    HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA;(2) ILICITUDE DA

    PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE

    REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM

    AUTORIZAÇÃO JUDICIAL;(3) ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES

    TELEFÔNICA SDE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS,PORQUANTO

  • 9

    ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º, II, DA LEI

    8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS. VÍCIOS NÃO

    CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA.

    (...)

    2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em

    flagrante do corréu, terem realizado a análisedos últimos registros telefônicos

    dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se

    confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem,

    inclusive, proteção jurídica distinta.Não se pode interpretar a cláusula

    do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto

    registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação

    de dados e não dos dados. (grifei)

    A doutrina de Henrique Hoffmann2 segue na mesma esteira:

    Em relação aos dados telefônicos, não depende de prévia autorização judicial o acesso pela autoridade policial à agenda eletrônica e aos registros de ligações

    (histórico de chamadas).[11] De igual forma, é lícita a requisição junto à

    operadora de telefonia, pelo delegado de polícia, de dados de localização

    pretéritos (ERBs às quais o investigado se conectou com o celular).[12] Todos

    esses dados são estáticos e não revelam o teor de qualquer comunicação.

    Todavia, para a obtenção de dados de localização em tempo real, o legislador,

    que poderia ter deixado o acesso na esfera exclusiva do poder requisitório da

    autoridade de Polícia Judiciária (pois tais informações não revelam o conteúdo da

    comunicação), exigiu autorização judicial (artigo 13-B do CPP) para investigação

    do crime de tráfico de pessoas (artigo 149-A do CP), que pode ser dispensada se

    não houver manifestação judicial no prazo de 12 horas, em verdadeira cláusula de reserva de jurisdição temporária.[13]

    Nestes termos, a primeira exceção consagra-se na legitimidade do

    acesso policial ao telefone do suspeito para acessar aos dados telefônicos, tais

    como mensagens de texto, chamadas efetuadas e recebidas e outras, desde

    que não envolvam acesso telemático aos aplicativos que envolvam a conexão

    com a internet, tendo em vista proibição prevista na Lei nº 12.965/2012

    retromencionada.

    A segunda hipótese excepcional que precisa ser pontuada, em que o

    acesso aos dados telemáticos do telefone do suspeito poderá ser realizado pela

    abordagem policial, se consagra na jurisprudência consolidada do STJ no

    https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11symhttps://www.conjur.com.br/2017-jun-13/academia-policia-delegado-policia-acessar-dados-autorizacao-judicial#sdfootnote11symhttps://www.conjur.com.br/2017-jun-13/academia-policia-delegado-policia-acessar-dados-autorizacao-judicial#sdfootnote12symhttps://www.conjur.com.br/2017-jun-13/academia-policia-delegado-policia-acessar-dados-autorizacao-judicial#sdfootnote13sym

  • 10

    sentido de que a ordem judicial de mandado de busca e apreensão traz em seu

    bojo, de forma implícita, a autorização para o acesso aos dados telemáticos do

    smartphone do alvo da diligência:

    PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO "LAVA-JATO". MANDADO DE BUSCA E

    APREENSÃO. APREENSÃO DE APARELHOS DE TELEFONE CELULAR. LEI 9296/96.

    OFENSA AO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA.

    DECISÃO FUNDAMENTADA QUE NÃO SE SUBORDINA AOS DITAMES DA LEI

    9296/96. ACESSO AO CONTEÚDO DE MENSAGENS ARQUIVADAS NO APARELHO. POSSIBILIDADE. LICITUDE DA PROVA. RECURSO DESPROVIDO.

    I - A obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em

    aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos

    ditames da Lei 9296/96.

    II - O acesso ao conteúdo armazenado em telefone celular ou

    smartphone, quando determinada judicialmente a busca e apreensão

    destes aparelhos, não ofende o art. 5º, inciso XII, da Constituição da

    República, porquanto o sigilo a que se refere o aludido preceito

    constitucional é em relação à interceptação telefônica ou telemática

    propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos.

    III - Não há nulidade quando a decisão que determina a busca e apreensão está

    suficientemente fundamentada, como ocorre na espécie.

    IV - Na pressuposição da ordem de apreensão de aparelho celular ou

    smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados,

    sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o

    aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade

    de ser utilizado como prova criminal.

    V - Hipótese em que, demais disso, a decisão judicial expressamente determinou

    o acesso aos dados armazenados nos aparelhos eventualmente apreendidos,

    robustecendo o alvitre quanto à licitude da prova. Recurso desprovido. (STJ, RHC

    75.800/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em

    15/09/2016, DJe 26/09/2016). (grifei)

    No RHC nº 77.232/SC/2017, o STJ reitera de forma ainda mais clara o

    entendimento de que é lícito o acesso ao aparelho telefônico do suspeito em

    cumprimento de mandado de busca e apreensão:

  • 11

    PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E

    ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO . DADOS ARMAZENADOS NO APARELHO CELULAR.

    INAPLICABILIDADE DO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA LEI N. 9.296⁄96.

    PROTEÇÃO DAS COMUNICAÇÕES EM FLUXO. DADOS ARMAZENADOS. INFORMAÇÕES

    RELACIONADAS À VIDA PRIVADA E À INTIMIDADE. INVIOLABILIDADE. ART. 5º, X, DA CARTA

    MAGNA. ACESSO E UTILIZAÇÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA

    DO ART. 3º DA LEI N. 9.472⁄97 E DO ART. 7º DA LEI N. 12.965⁄14. TELEFONE CELULAR

    APREENDIDO EM CUMPRIMENTO A ORDEM JUDICIAL DE BUSCA E APREENSÃO.

    DESNECESSIDADE DE NOVA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ANÁLISE E UTILIZAÇÃO DOS

    DADOS NELES ARMAZENADOS. RECURSO NÃO PROVIDO.

    (...)

    III - A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior

    firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados

    constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS,

    conversas por meio de programa ou aplicativos (" WhatsApp "), mensagens

    enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela

    polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel.

    IV - No presente caso, contudo, o aparelho celular foi apreendido em

    cumprimento a ordem judicial que autorizou a busca e apreensão nos

    endereços ligados aos corréus, tendo a recorrente sido presa em

    flagrante na ocasião, na posse de uma mochila contendo tabletes de maconha.

    V - Se ocorreu a busca e apreensão dos aparelhos de telefone celular, não há

    óbice para se adentrar ao seu conteúdo já armazenado, porquanto necessário ao

    deslinde do feito, sendo prescindível nova autorização judicial para análise e

    utilização dos dados neles armazenados.

    Recurso ordinário não provido. (grifei)

    Diante do exposto, em que pese ser extremamente recomendável que a

    Autoridade Policial, ad cautelam, represente pela ordem judicial também para

    acesso aos dados telemáticos, não há falar em reserva jurisdicional para a

    abordagem policial ao telefone do suspeito durante o cumprimento de

    mandado de busca e apreensão.

    http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641516/artigo-5-da-constituição-federal-de-1988http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10730639/inciso-xii-do-artigo-5-da-constituição-federal-de-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constituição-federal-constituição-da-republica-federativa-do-brasil-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103847/escuta-telefônica-lei-9296-96http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641516/artigo-5-da-constituição-federal-de-1988http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10730704/inciso-x-do-artigo-5-da-constituição-federal-de-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constituição-federal-constituição-da-republica-federativa-do-brasil-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/188546065/constituição-federal-constituição-da-republica-federativa-do-brasil-1988http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103340/lei-geral-de-telecomunicações-lei-9472-97http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11284316/artigo-7-da-lei-n-9472-de-16-de-julho-de-1997http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/117197216/lei-12965-14

  • 12

    A terceira exceção, ainda mais relevante para a prática policial, firmada

    pelo STJ, no RESP 1.661.378/2017, é a proporcionalidade do acesso ao

    smartphone do suspeito em caso de flagrância delitiva de crimes graves em

    situações emergenciais:

    (...)

    1. É inequivocamente nula a obtenção de dados existentes em aparelhos de

    telefonia celular ou em outros meios de armazenamento de dados, sem

    autorização judicial, ressalvada, apenas, excepcionalmente, a colheita da

    prova através do acesso imediato aos dados do aparelho celular, nos

    casos em que a demora na obtenção de um mandado judicial puder

    trazer prejuízos concretos à investigação ou especialmente à vítima do

    delito (STJ RESP 1.661.378/2017).

    (...)

    Deste modo, cristalina a lição do STJ no sentido de que, a percepção

    desse risco de perecimento do elemento informativo a ser confeccionado e da

    relevância dos objetivos da abordagem, podem legitimar a vistoria direta pela

    Polícia Judiciária e desacompanhada de ordem judicial aos dados contidos em

    aparelho celular em situações excepcionais, tais como em casos de extorsão

    mediante sequestro, tráfico de grande volume de drogas, e outros.

    Consoante disposto por João Biffe Junior e Joaquim Leitão Junior:

    Em situações excepcionais, nas quais as peculiaridades do caso concreto

    demonstrem, de forma inequívoca, a urgência na obtenção das

    informações e/ou o risco concreto de perecimento dessas,justificada a

    excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e

    penal do agente ou autoridade policial, poderão os policiais proceder ao

    acesso dos arquivos e registros existentes no referido aparelho,

    inclusive com a consulta a aplicativos de comunicação, vez que a

    expectativa de privacidade não pode servir para amparar crimes que estão em

  • 13

    plena consumação (ex.: extorsão mediante sequestro e tráfico de drogas) e

    tampouco ser utilizada para salvaguardar associações e organizações criminosas,

    legitimando a impunidade. 3 (grifei)

    No caso “R. VS Fearon”, a Suprema Corte do Canadá considerou o, em

    acirrada votação, 4 votos a 3, pela legitimidade do acesso pela polícia, quando

    de prisão em flagrante delito, aos dados armazenados em aparelho celular,

    dispensada prévia autorização judicial, por força da urgência que recobre a

    diligência. O caso foi citado pela Excelentíssima Ministra Maria Thereza de Assis

    Moura, no voto proferido no julgamento do Recurso em Habeas Corpus n.º

    51.531, do Estado de Rondônia, onde se enfatizou a necessidade da presença

    do fator urgência para a realização da diligência.

    Naquela oportunidade, a Corte reputou admissível o acesso excepcional

    aos dados do aparelho celular quando houvesse um “elemento de urgência”,

    ínsito à própria prisão em flagrante, a fim de garantir os objetivos da

    persecução penal, auxiliando as autoridades policiais na identificação e

    mitigação de riscos à segurança pública. A Corte canadense estabeleceu quatro

    critérios de legitimidade da medida: (a) a licitude da prisão; (b) o acesso

    imediato aos dados do aparelho celular, para garantir que este se deu no

    propósito de proteger as autoridades policiais, o suspeito ou o público,

    preservar elementos de prova e, se a investigação puder ser impedida ou

    prejudicada significativamente, descobrir novas provas; (c) a restrição do

    acesso apenas a correspondências eletrônicas, textos, fotos e chamadas

    recentes; e (d) a documentação detalhada dos dados examinados e de como

    se deu esse exame, com a indicação dos aplicativos verificados, do propósito,

    da extensão e do tempo do acesso. O último requisito auxilia na posterior

    revisão judicial e permite aos policiais agir em estrito cumprimento às demais

    condições expostas.2 (grifei)

    https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11symhttps://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote12sym

  • 14

    Nessa toada, fica claro que o acesso direto ao conteúdo guardado nos

    aparelhos celulares pela Polícia Judiciária, independente de autorização

    judicial, é legítimo quando presente a urgência da diligência, a qual se detecta,

    em especial, em situações de flagrante delito de crimes graves. Isto porque,

    consoante já explanado, a verificação pode auxiliar na identificação e na

    redução dos riscos à segurança e à ordem públicas, na localização de vítimas e

    de produtos de crime, na prisão de coautores do delito, na preservação de

    vestígios, na prevenção da evasão de suspeitos e na conclusão eficaz da

    apuração criminal. Além disso, a obtenção imediata permite a conservação dos

    elementos informativos, impedindo a exclusão remota dos dados.

    No concernente à atuação prática do Delegado de Polícia, quando da

    apreensão de aparelhos celulares, merecem registro as propostas formuladas

    por João Biffe Junior e Joaquim Leitão Junior3, recomendando-se a instituição

    desta rotina:

    3.1. Da apreensão em virtude de prisão em flagrante delito

    Com a apreensão do aparelho de telefonia celular em virtude da prisão em flagrante, deverá a autoridade policial:

    a) determinar que o agente responsável pela apreensão certifique o horário em que esta ocorreu;

    b) em seguida, o aparelho deverá ser colocado em “modo avião” e desabilitada a

    função Wi-Fi, evitando a intercepção do fluxo da comunicação (recebimento de

    novas mensagens) quando o objeto já estava em poder do Estado;

    c) deverá a autoridade policial ou policial responsável pela operação realizar um

    despacho escrito, justificando a necessidade de afastamento da expectativa de

    privacidade do possuidor do aparelho em virtude das peculiaridades do caso

    concreto, demonstrando, de forma inequívoca, a urgência na obtenção das

    informações e/ou o risco concreto de perecimento destas;

    d) havendo necessidade de acesso a mensagens posteriores à apreensão,

    enviadas, mas não recebidas pelo destinatário, deverá a autoridade policial ou o

    membro do Ministério Público representar/requerer à autoridade judiciária que

    permita a interceptação do fluxo de dados. Com o deferimento do pedido, o

    aparelho poderá ter sua funcionalidade restabelecida (desligando-se a função air

    https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote12sym

  • 15

    plane mode), reconectando-o à rede mundial de computadores, com a interceptação de toda a comunicação realizada por meio dos aplicativos e SMS;

    e) caso o aparelho se encontre bloqueado com senha, sendo, portanto,

    necessária realização de perícia para degravação dos dados registrados,

    recomenda-se a obtenção de autorização judicial, evitando qualquer alegação de nulidade por interceptação de comunicações em tempo real;

    f) por fim, se a busca exploratória for autorizada pelo usuário do celular

    (proprietário ou possuidor), recomenda-se que seja colhido termo de anuência,

    tomando-se as cautelas de colocar o aparelho em modo de voo e desligar a conexão Wi-Fi, evitando qualquer alegação de interceptação em tempo real.

    3.2. Da apreensão em virtude de cumprimento de mandado de busca e apreensão

    Com a apreensão do aparelho de telefonia celular em virtude do cumprimento de

    mandado de busca e apreensão, deverá a autoridade policial ou membro do

    Ministério Público tomar as seguintes cautelas:

    a) a representação policial ou manifestação ministerial deverá conter a

    autorização para apreensão de equipamentos eletrônicos (computadores,

    tablets, aparelhos de telefonia celular, HD e mídias diversas) e acesso ao conteúdo neles armazenados;

    b) além disso, deverá conter expressamente na representação ou manifestação

    ministerial o pedido para interceptação do fluxo da comunicação de dados

    transmitidos pelos equipamentos apreendidos, possibilitando que, após a

    apreensão, as mensagens recebidas via aplicativos ou por meio de SMS sejam lícitas e possam ser utilizadas em juízo.3

    Henrique Hoffmann1, com a clareza de sempre, corrobora o

    entendimento acima e deixa claro que "Apenas excepcionalmente, em

    situações urgentes nas quais a obtenção de um mandado judicial possa trazer

    prejuízos concretos à investigação ou especialmente à vítima do delito (ex:

    sequestro), pode a Polícia Judiciária obter diretamente os dados".

    A quarta hipótese que dispensa a ordem judicial é o acesso aos dados

    telemáticos de telefone de pessoa morta, desde que haja autorização do

    https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote18symhttps://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote18sym

  • 16

    familiar responsável, na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de

    Justiça:

    RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E PORTE

    ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ART.

    41, DO CPP. INOBSERVÂNCIA. DADOS E DE CONVERSAS REGISTRADAS NO

    WHATSAPP. EXTRAÇÃO SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.

    CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO

    PARCIALMENTE PROVIDO.

    (...)

    2. Não há ilegalidade na perícia de aparelho de telefonia celular pela

    polícia na hipótese em que seu proprietário – a vítima – foi morto, tendo

    o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa,

    interessada no esclarecimento dos fatos que o detinha, pois não havia

    mais sigilo algum a proteger do titular daquele direito (RHCNº 86.076/MT/2017). (grifei)

    (...)

    Deste modo, inexorável a conclusão de que o familiar responsável pelo

    aparelho telefônico de pessoa falecida tem legitimidade para autorizar o acesso

    policial à quaisquer informações que constem no telefone, inclusive dados

    telemáticos de aplicativos telefônicos acessados pela internet.

    A quinta e última exceção, nos termos do Parecer nº 201600007003083

    desta Assessoria Técnico-Policial lavrado pela Excelentíssima Doutora Fabine

    Drews Alvim, fica por conta das hipóteses em que houver a autorização,

    expressa e inequívoca, do usuário do aparelho celular para o acesso aos dados

    pela Polícia Judiciária, o que, por óbvio, afasta a necessidade da ordem

    judicial:

    (...)

    Em que pese a garantia à inviolabilidade da vida privada e da intimidade, por ser

    direito da personalidade, seja indisponível e irrenunciável, uma vez que

    relacionada ao princípio da dignidade da pessoa humana, o seu titular, em razão

    http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10676044/artigo-41-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1028351/código-processo-penal-decreto-lei-3689-41

  • 17

    da capacidade de autodeterminação, pode optar por de parcela do exercício dela

    dispor. Relembre-se que se trata de direito da personalidade, e não de dever da

    personalidade, de modo que o exercício pleno ou limitado da prerrogativa se dá

    em consonância com a convicção do titular. O vínculo existente entre privacidade

    e liberdade revela que a proteção à intimidade e à vida privada se dá como

    pressuposto ao exercício da liberdade de consciência, de crença e de expressão,

    em resguardo a influências alheias que ameacem ou perturbem o livre

    desenvolvimento da personalidade, de modo que não obstada a exposição a critério do próprio titular.

    Nesse aspecto, a autorização de acesso, expressa e inequívoca, firmada

    pelo titular, em termo próprio, na presença de duas testemunhas, em

    que esclarecida a sua abrangência e a sua finalidade, dispensa, em qualquer caso, a autorização judicial. (grifei)

    (...)

    Ademais, o entendimento sufragado acima é corroborado por João Biffe

    Junior e Joaquim Leitão Junior4:

    (...)

    3.1. Da apreensão em virtude de prisão em flagrante delito

    Com a apreensão do aparelho de telefonia celular em virtude da prisão em

    flagrante, deverá a autoridade policial:

    (...)

    f) por fim, se a busca exploratória for autorizada pelo usuário do celular

    (proprietário ou possuidor), recomenda-se que seja colhido termo de

    anuência, tomando-se as cautelas de colocar o aparelho em modo de

    voo e desligar a conexão Wi-Fi, evitando qualquer alegação de

    interceptação em tempo real. (grifei)

    Na mesma esteira, Henrique Hoffmann2, conclui que "Obviamente,

    quando o proprietário autorizar o acesso às informações, pode ser feito pela

    Polícia Judiciária.

    Superada a celeuma acerca do acesso policial ao conteúdo telemático do

    aparelho telefônico do apreendido, seja durante a abordagem de suspeitos, na

    unidade policial ao final da diligência ou na realização de exames periciais,

    https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote18symhttps://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote12sym

  • 18

    recentemente, outro tema, que guarda extrema pertinência, tornou-se

    destaque no mundo jurídico, qual seja a legalidade do espelhamento do

    aplicativo whatsapp do suspeito.

    O debate fulcral ocorreu no julgamento do HC 454.228/2018 realizado

    pelo Superior Tribunal de Justiça e o colendo tribunal firmou relevante e

    acertado paradigma no sentido da ilegalidade de eventual autorização judicial

    para que investigadores realizem o espelhamento do aplicativo whatsappdo

    suspeito.

    A diligência, muito conhecida no mundo policial, é realizada, em regra,

    através da leitura instantânea em um computador, do Código QR (Quick

    Response) do aplicativo whatsapp instalado no smartphone do suspeito,

    visando o monitoramento policial em tempo real das conversas do suspeito, o

    que passa a ser feito através do site whatsapp web. O espelhamento

    costumeiramente ocorre em uma rápida apreensão ou contato policial com o

    aparelho, sem que o alvo da diligência perceba que teve seu aplicativo

    “clonado”, o que é condição de sucesso da empreitada.

    O STJ negou a analogia pretendida pelo juiz de primeira instância,

    alegando especialmente que a lesão à intimidade é muito mais exacerbada,

    abrange inúmeros usuários e viabiliza acesso de informações anteriores ao

    decreto autorizador, razão pela qual se trata de procedimento ilegal:

    RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL.

    TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. AUTORIZAÇÃO

    JUDICIAL DE ESPELHAMENTO, VIA WHATSAPP WEB, DAS CONVERSAS

    REALIZADAS PELO INVESTIGADO COM TERCEIROS. ANALOGIA COM O

    INSTITUTO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPOSSIBILIDADE.

    PRESENÇA DE DISPARIDADES RELEVANTES.

    ILEGALIDADE DA MEDIDA. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA

    DECISÃO JUDICIAL E DOS ATOS E PROVAS DEPENDENTES.

    PRESENÇA DE OUTRAS ILEGALIDADES. LIMITAÇÃO AO DIREITO DE

    PRIVACIDADE DETERMINADA SEM INDÍCIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA E

    MATERIALIDADE. DETERMINAÇÃO ANTERIOR DE ARQUIVAMENTO DO

    INQUÉRITO POLICIAL. FIXAÇÃO DIRETA DE PRAZO DE 60 (SESSENTA)

  • 19

    DIAS, COM PRORROGAÇÃO POR IGUAL PERÍODO. CONSTRANGIMENTO

    ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. (STJ; HC 454.228; Proc.

    2018/0141168-0; SC; Relª Minª Laurita Vaz; Julg. 09/10/2018; DJE 19/10/2018; Pág. 5427)

    Definitivamente, o espelhamento de aplicativos guarda muito mais

    proximidade com a atividade de um detetive particular que atua na surdina e

    não se coaduna com uma constitucional e legal investigação policial,

    especialmente porque não se vislumbra proporcionalidade entre o grau de

    lesão ao bem jurídico intimidade e os benefícios que podem ser gerados pela

    diligência, os quais podem ser obtidos através de inúmeras outras atividades

    de inteligência policial, razão pela qual por mais que a medida seja adequada,

    ela não é necessária5.

    Pelos fatos e argumentos supracitados, constata-se que, no atual

    panorama legal e jurisprudencial brasileiro, em regra, exige-se ordem judicial

    para o acesso aos aplicativos telemáticos por parte da Autoridade Policial,

    feitas as cinco ressalvas excepcionais elencadas acima, hipóteses em que o

    Delegado de Polícia tem legítimo, legal e constitucional acesso à quaisquer

    informações, inclusive telemáticas, que estejam no aparelho telefônico do

    suspeito.

    Visando a melhor inteligibilidade do leitor repise-se referidas hipóteses:

    1) Acesso a mensagens de texto, chamadas efetuadas e recebidas e outros

    dados que não envolvam acesso telemático;

    2) Acesso aos dados telemáticos de telefone localizado em cumprimento de

    mandado de busca e apreensão;

  • 20

    3) Acesso aos dados telemáticos em abordagens flagranciais emergenciais, em

    que a demora pode causar transtornos investigativos irreparáveis,

    especialmente à integridade da vítima ou ao sucesso da diligência;

    4) Acesso aos dados telemáticos de telefone de pessoa morta, desde que haja

    autorização do familiar responsável;

    5) Acesso aos dados telemáticos autorizado pelo proprietário do telefone.

    Feita a reprise, nos cumpre refletir ainda acercadas garantias

    constitucionais que sempre estarão em rota de colisão, quando da investigação

    policial. Ora, é preciso garantir os direitos do investigado, mas, devemos

    enxergar também os direitos da coletividade. Havendo um conflito de

    garantias, devemos só pesar levando sempre em consideração os princípios da

    proporcionalidade e da supremacia do interesse público. Deste modo, não há

    outro caminho senão o da mitigação das garantias individuais, fazendo

    prevalecer o interesse da coletividade.

    Enfim, fora as exceções acima explicitadas e não se tratando de acesso a

    fluxo de informações em tempo real, este protegido pelo artigo 5º, XII, da CF

    e pela Lei 9.296/96, que versa sobre as interceptações das comunicações

    telefônicas e telemáticas, não há falar em impedimento legal ao acesso policial

    às informações já materializadas no dispositivo móvel, o que se assemelha a

    uma mera anotação feita em uma simples agenda.

    Por fim, deixamos uma simples pergunta e reflexão: Em uma abordagem

    policial onde foram achados com um determinado investigado 5kg de cocaína,

    bem como um caderno contendo informações financeiras e de fornecedores da

    droga, poderia ou não, o policial ter acesso a esse conteúdo? Qual a diferença

    deste conteúdo se encontra materializado em uma agenda ou em um

    dispositivo móvel?

  • 21

    Referências

    1 STF HC 70814-5/SP.

    2 HOFFMANN, Henrique. Delegado de polícia pode acessar dados sem

    autorização judicial. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-jun-

    13/academia-policia-delegado-policia-acessar-dados-autorizacao-judicial.

    Acesso em

    em 11 de março de 2016, às 10h30min.

    3 BIFFE JUNIOR, João; LEITÃO JUNIOR, Joaquim. O acesso pela polícia a

    conversas gravadas no Whatsapp e as gerações probatórias decorrentes das

    limitações à atuação estatal. Disponível em

    http://genjuridico.com.br/2016/08/12/o-acesso-pela-policia-a-conversas-

    gravadas-no-whatsapp-e-as-geracoes-probatorias-decorrentes-das-limitacoes-

    a-atuacao-estatal/. Acesso em 11 de março de 2016, às 11h50min.

    4 BIFFE JUNIOR, João; LEITÃO JUNIOR, Joaquim. Conotações práticas acerca

    do acesso pela polícia a conversas gravadas no Whatsapp. Disponível em

    http://genjuridico.com.br/2016/09/16/conotacoes-praticas-acerca-do-acesso-

    pela-policia-a-conversas-gravadas-no-whatsapp/. Acesso em 11 de março de

    2016, às 12h50min.

    5 Alexy Robert. Teoria dos Direitos e Garantias Fundamentais, Malheiros,

    2006, pg. 116 a 120.

    https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11anchttps://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11anchttps://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11anchttp://genjuridico.com.br/2016/08/12/o-acesso-pela-policia-a-conversas-gravadas-no-whatsapp-e-as-geracoes-probatorias-decorrentes-das-limitacoes-a-atuacao-estatal/http://genjuridico.com.br/2016/08/12/o-acesso-pela-policia-a-conversas-gravadas-no-whatsapp-e-as-geracoes-probatorias-decorrentes-das-limitacoes-a-atuacao-estatal/http://genjuridico.com.br/2016/08/12/o-acesso-pela-policia-a-conversas-gravadas-no-whatsapp-e-as-geracoes-probatorias-decorrentes-das-limitacoes-a-atuacao-estatal/https://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11anchttps://sei.go.gov.br/sei/controlador.php?acao=documento_visualizar&acao_origem=procedimento_visualizar&id_documento=8417992&arvore=1&infra_sistema=100000100&infra_unidade_atual=6652&infra_hash=083c57063955373ca9f86a7a06347ad6d16849ca7329d3420afef62e5d61b9c1#sdfootnote11anc