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APOSTILA 2017

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APOSTILA

2017

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-Ementa: AULA 1

UNIDADE I objetiva conceituar o Direito, a sociedade e a origem e formação do Estado. Assuntos a

serem abordados:

a) A definição de sociedade e comunidade;

b) A ideia de Estado e dos seus elementos constitutivos.

UNIDADE II busca garantir as noções de população e povo, nação e território, além de poder estatal,

com o fito de garantir o entendimento dos elementos constitutivos do Estado previstos na unidade anterior.

Tratar-se-á:

a) Dos ensinamentos sobre as noções de população, conceito jurídico-político de povo, definição

sociológica de nação, território e poder.

b) Da abordagem principiológica da legalidade e da legitimidade;

c) Da Soberania;

d) Das concepções doutrinárias teocráticas e democráticas.

UNIDADE III principais noções filosófico políticas dos clássicos até os contemporâneos, por meio de

leituras, atividades e comentários que ampliam a reflexão dos alunos perante as influências ao modelo

político atual.

a) Platão: A República;

b) Aristóteles: Política;

c) Maquiavel: O Príncipe;

d) Jean Bodin: Os seis livros da República;

e) Thomas Hobbes: Leviatã;

f) Locke: Segundo tratado sobre o governo civil;

g) Montesquieu: O Espírito das Leis;

h) Rousseau: Do Contrato Social;

i) Emmanuel Joseph Sieyès: A constituinte burguesa;

j) Alexander Hamilton, James Madison e John Jay: The Federalist papers;

k) Norberto Bobbio: Teoria geral da política - filosofia política e as lições dos clássicos;

l) Hannah Arendt: A dignidade da política.

ATIVIDADE 1

Análise SWOT entre os principais clássicos da política, para que, por meio deste mecanismo se

possa perquirir acerca das influências na atual constituição e modelo político. Os quatro filósofos-

políticos a serem contemplados nessa atividade serão: Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques

Rousseau e Montesquieu.

AULA 2

UNIDADE IV debater a separação de poderes, como teoria que freia os abusos e garante a liberdade.

Seria esse princípio na atualidade real e eficiente?

a) Abordagem histórica da separação de poderes;

b) A separação de poderes frente aos principais teóricos, como: Locke, Montesquieu e Os Federalistas;

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c) A relação da separação de poderes com os princípios da igualdade e da liberdade.

UNIDADE V confrontar, de modo crítico, as noções e práticas e prejudicam a estrutura e funcionamento

do Estado, por meio do conhecimento das formas de Estado e sistemas de Governo.

a) Estado Unitário, Federal e outras formas;

b) Espécies de formas de Governo;

c) Aristóteles e a sua classificação;

d) Governo misto;

e) Maquiavel e Montesquieu como garantidores das modernas formas de governo;

f) O sistema presidencial de governo nos moldes das origens americanas;

g) Princípios de distúrbios do presidencialismo;

h) O sistema parlamentar e a sua formação.

ATIVIDADE 2

Leitura do artigo publicado pela professora, cujo título é - A SEPARAÇÃO DE PODERES SOB AS

PERSPECTIVAS DAS ELABORAÇÕES TEÓRICAS DE LOCKE E MONTESQUIEU: ORIGENS, ESSÊNCIAS

E DIFERENÇAS – ELEMENTO DE EQUILÍBRIO E/OU PSEUDOLIBERDADE? – para elaborar um parecer

favorável ou não a manutenção desse instituto.

AULA 3

UNIDADE VI investigar a democracia como instituição a ser aperfeiçoada.

a) Conceito;

b) Espécies: democracia direta, indireta e semidireta (referendo, plebiscito, iniciativa popular, recall e

veto popular;

c) Dos partidos políticos;

ATIVIDADE 3

Leitura do artigo publicado pela professora, cujo título é - SUFRÁGIO-DIREITO E SUFRÁGIO-FUNÇÃO:

DIÁLOGO ENTRE ROUSSEAU E SIEYÈS PARA DEBATER O VOTO COMO DIREITO OU OBRIGAÇÃO –

para elaborar um parecer fundamentando o voto como direito ou obrigação.

BIBLIOGRAFIA

ALBUQUERQUE, Newton de Menezes. Teoria política da soberania. Belo Horizonte: Mandamentos,

2001.

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo:

Companhia das Letras, 1988.

_____. A dignidade da Política. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993.

_____. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

_____. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

2000.

_____. Responsabilidade e Julgamento. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das

Letras, 2004.

_____. Crises da República. Tradução de José Volkmonn. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.

_____. A promessa da Política. 5. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2013.

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_____. O que é Política? 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.

ARISTÓTELES. Política. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

_____. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D.

Rosá. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1973. Coleção Os pensadores.

BITTAR, Eduardo C.B. Curso de Filosofia Política. São Paulo: Atlas, 2008.

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política – A filosofia política e a lição dos clássicos. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2000.

____. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

_____. Igualdade e liberdade. 3. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

_____. A teoria das formas de governo. 10. ed. Brasília: UnB, 2001.

_____. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 2013.

BENJAMIN, Constant. Escritos Políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

BODIN, Jean. Os seis livros da República – livro primeiro. São Paulo: Ícone, 2011.

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

_____. Teoria do Estado. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

DAHl, Robert. A democracia e seus críticos. São Paulo WMF Martins Fontes, 2012.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. São Paulo: Martins

Fontes, 1999.

HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. The federalist papers. New York: Signet

Classics, 2003.

HOBBES, Thomas. Leviathan. London: Penguin Classics, 1985.

KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. São Paulo: Edipro, 2003.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites os fins

verdadeiros do governo civl. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

PLATÃO. As leis. São Paulo: Edipro, 1999.

PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 2004.

RANIERI, Nina. Teoria do Estado: do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri:

Manole, 2013.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os

homens. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

_____. O contrato social: princípios do Direito Político. Tradução de Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 2013.

SIEYÈS, Emmanuel. A constituinte burguesa (Qu’est-ce que le tiers État?). 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2009.

WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os clássicos da política. Vol. 1. 14. ed. São Paulo: Ática, 2006.

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-Notas de Aula 1 e 2: AULA 1

UNIDADE I Bases Gerais – Parte I.

c) Definição de sociedade: reunião de pessoas em busca da convivência de forma amistosa e

organizada. As diversas sociedades são objeto de estudo tanto da Sociologia quanto da Antropologia.

d) Definição de comunidade: grupo local que se apresenta de variáveis tamanhos e é composto por

membros de um mesmo território geograficamente estabelecido, além de critérios de herança cultural

e histórica.

e) A ideia de Estado e dos seus elementos constitutivos: é um modo organizacional, que tem status

de natureza política. Tal entidade representa o poder soberano em busca do governo de um povo

dentro de limites territoriais. Tradicionalmente, o Estado congloba os poderes Executivo, Legislativo

e Judiciário. Numa nação, são desempenhadas por parte do Estado as funções sociopolíticas e

econômicas, além das divisões geográficas de uma república federativa. Tais divisões possuem

autonomia, governo próprio e administração local. Ex.: Brasil – 26 Estados e um Distrito Federal.

UNIDADE II Bases Gerais– Parte II.

a) Dos ensinamentos sobre as noções de:

População: reunião de seres com características particulares. Ou seja, são toda as pessoas presentes

num território (critério demográfico). Obs.: população não é sinônimo de povo!

Conceito jurídico-político e sociológico de povo: o conceito político reflete acerca do quadro

humano sufragante que se politizou (cidadão); o conceito jurídico alega um conjunto de indivíduos

que pertencem ao Estado, isto é, o conjunto de cidadãos (nacional); o conceito sociológico refere-se

a continuidade do elemento humano projetado, historicamente, em várias gerações e dotado de

valores e aspirações comuns.

Definição sociológica de: - nação: raça, religião e língua, que comungados resultam numa nação. Uma nação se congloba com

fatores naturais (território, raça e língua); históricos (tradição, costumes, leis e religião); psicológicos

(consciência nacional).

- território: espaço no qual o Estado exercita o seu poder de império (soberania). Ex.: uma tribo

nômade pode constituir um Estado? Sim! Desde que haja intenção e que consiga exercer seu poder de

soberania em relação a outras tribos quando estiverem em seu espaço geográfico.

- poder: faculdade de tomar decisões em nome do Estado (coletividade).

b) Da abordagem principiológica:

Legalidade: todos devem se submeter às leis.

Legitimidade: é o reconhecimento da unidade de aceitar ou negar algo, enquanto poder disciplinar.

c) Da Soberania: é o poder de mando em última instância, numa sociedade política. Características da

soberania: una (porque não se admite a convivência de duas soberanias num mesmo Estado);

inalienável (porque aquele que detém desaparece quando fica sem ela, sejam povo, nação ou estado);

imprescritível (porque ela não tem prazo de validade).

d) Das concepções doutrinárias do titular da soberania:

Teocráticas: é como se o governante fosse Deus.

Democráticas: assentam a soberania na vontade geral, do povo ou da nação.

e) Conceito de Política: teve origem da polis (polítikos) e significa tudo que se refere à cidade no

âmbito urbano, civil, público e social. Este conceito evoluiu com a Obra de Aristóteles Intitulada de

A Política, considerada o primeiro tratado acerca da natureza, funções, divisão do Estado e formas de

governo (BOBBIO, Dicionário de Política, v. II, p. 954). O conceito contemporâneo de política de

divide em duas perspectivas: a primeira de Ciência do Estado, que se relaciona com a arte de

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governar e a segunda de Ciência do Poder, do qual se obrigaria os participantes da vida política a

obedecer.

f) Conceito de Ciência Política x Teoria do Estado: a Ciência Política estuda a política, os sistemas

políticos, as organizações políticas e os processos políticos e suas estruturas e modificações, ou seja,

leva em conta elementos jurídicos. Já a Teoria do Estado volta-se ao estudo do Estado em todos os

seus aspectos (Concepção de Dallari).

UNIDADE III Principais noções filosófico políticas dos clássicos até os contemporâneos.

Haviam três teorias, provenientes do século XVI, acerca do aparecimento do Estado:

A primeira, alegava que o Estado e a sociedade existiram desde sempre, pois o homem é um ser

dotado de organização social, poder e autoridade para determinar o comportamento de um grupo.

A segunda, previa que a sociedade existiu sem Estado por algum período, pois a necessidade de

instituição do Estado só veio depois.

A terceira, admitia apenas como Estado, a sociedade dotada de características bem definidas.

Alguns autores, como Balladore Pallieri afirmam que o Estado nasceu em 1648, ano de assinatura da

Paz de Westfália, cidade onde foram assinados os tratados definindo o território da França e da

Alemanha, após a Guerra dos 30 anos.

Acerca da formação do Estado, existiram duas teorias:

Da formação natural: de que o Estado se formou naturalmente e não por ato voluntário.

Da formação contratual: de que o Estado se formou a partir de um contrato entre alguns homens ou

todos eles (Locke).

a) Platão:

A evolução do Estado na antiguidade teve início com Platão (428-248 A.C) e Aristóteles (384-322 A.C).

Nesse período, o Estado possuía características básicas, como:

A natureza unitária: aparecendo como uma unidade geral que não admitia divisões interiores,

territoriais e nem de função.

A religiosidade: presença forte da religião nas decisões (Estado Teocrático).

Assim, a política e o Estado na antiguidade seguiam esta linha de raciocínio:

Isto reflete que na antiguidade de Platão, o Estado era a cidade e o governo dos homens com o poder

sobrenatural das divindades.

Platão foi o primeiro a elaborar uma filosofia política por meio de um projeto político-pedagógico, pois

para ele, a ideia do bem é o ápice do conhecimento e o que conduz os homens ao caminho da verdade e a

organizar-se segundo as leis.

Platão acreditava que todas as formas de governo são imperfeitas, seja porque favorecem à corrupção, o

aumento das diferenças sociais, ou porque institucionaliza o erro coletivo. Veja-se as formas de governo

indicadas por Platão:

FORMAS DE GOVERNO

-TIMOCRACIA: GOVERNO QUE BUSCA GLÓRIAS, OU SEJA, AGREGAR TERRITÓRIOS. EX.:

ESPARTA.

-OLIGARQUIA: GOVERNO DE POUCOS (DE RICOS PARA RICOS), E NÃO VALORIZA A

SOCIEDADE.

-DEMOCRACIA: GOVERNO DE MUITOS, QUE SURGIU COMO REVOLTA À OLIGARQUIA.

IDADE ANTIGA

GRÉCIA E ROMA

PLATÃO E ARISTÓTELES

RELAÇÃO ESTADO/

DIVINDADE

UNITARISMO

TEOCRACIA ESTADO INDIVISÍVEL

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-TIRANIA: GOVERNO EM QUE APENAS UM RESOLVE O PROBLEMA. É A DESORDEM RESULTANTE DO GOVERNO DEMOCRÁTICO.

b) Aristóteles:

Para o filósofo a política constituiria a ciência mais suprema da qual estariam as outras subordinadas. O

papel fundamental da política era o de investigar qual a melhor forma de governo e instituições precursoras

da felicidade coletiva.

Nos termos de Aristóteles, os jovens do período não teriam capacidade de envolvimento com as noções

políticas, por apresentarem um comportamento imprudente e por seguirem apenas as suas paixões, o que em

seus termos, lhes transformavam em elementos supérfluo numa cadeia política.

Aristóteles não propôs um modelo de estado como seu mestre Platão, mas foi capaz de sistematizar a as

coisas públicas.

Ao contrário de Platão, Aristóteles sistematiza uma filosofia mais prática e não ideal, pois o Estado,

para ele possui uma expressão mais feliz da comunidade em seu vínculo com a natureza.

Na perspectiva aristotélica, não é possível conceber um indivíduo sem o Estado, pois o homem, em sua

essência é um animal político e tem necessidade de conviver em sociedade, promover o bem comum e a

felicidade.

Isso reflete a noção de que a pólis grega pregava que o Estado era uma necessidade humana, já que o

homem que não necessita viver em sociedade ou é um Deus ou uma Besta.

A obra A Política, do filósofo foi a primeira a tratar da natureza, das funções e da divisão do Estado em

termos de governo, com base na Ciência como princípios respaldados por causas.

Aristóteles acredita que existem duas formas de governo, o justo e o injusto, e que cada governo, de

poucos ou de muitos, pode gerar governos injustos.

Veja-se as formas de governo indicadas por Aristóteles:

GOVERNO JUSTO GOVERNO INJUSTO

-REALEZA: EXERCIDO POR UM INDIVÍDUO

E VISA O INTERESSE DE TODOS.

-ARISTOCRACIA: GOVERNO DE POUCOS

(ELITE), QUE VISA O BEM COMUM.

-REPÚBLICA: OS CIDADÃOS DESFRUTAM

DA PARTICIPAÇÃO DO ESTADO.

-TIRANIA: EXERCIDO POR UM, QUE OPRIME

E REALIZA SEU PRÓPRIO INTERESSE.

-OLIGARQUIA: VISA APENAS O BEM DA

CLASSE QUE GOVERNA.

-DEMAGOGIA: UM SÓ ENXERGA OS

DIREITOS DOS POBRES E MUITAS VEZES É

CONDUZIDO PELA VIOLÊNCIA E

ILEGALIDADE.

c) Maquiavel:

Foi um teórico que viveu ativamente o dia a dia da política, como segundo chanceler da República de

Florença – território italiano no século XV, bastante conturbado. Nasceu em 1469 em uma família de poucas

posses, mas chefiada pelo pai advogado com bastante gosto pela literatura. A sua vivência como diplomata

serviu de base para as suas futuras reflexões.

Maquiavel foi um homem típico do Renascimento (final do século XVII e meados do século XVII),

quando muitas transformações da vida humana promoveram o fim da Idade Média e o início da Idade

Moderna, como a transição do feudalismo para o capitalismo e os efeitos sobre as artes, a filosofia e as

ciências. Assim, o filósofo é sinônimo da ruptura teocrática.

O diplomata florentino reflete muitas transformações em seus escritos, pois prevê a substituição da visão

moralista da política, contaminada por ideais cristãos pela visão racional e realista. Há isto se dá as honras

do termo “pai da Ciência Política”, haja vista que ele o foi o primeiro a fazer o estudo do poder, do sucesso

ou malogro da conquista, por meio do Princípe.

Maquiavel abandona a noção dos antigos de determinar como a política deveria ser e como se construiria

uma sociedade justa, para fazer uma análise fria dos fatos.

O Príncipe é uma espécie de guia estratégico da política, que tanto pode servir para os bons quanto para

os maus, mas o filósofo acredita que alcançar o bem comum, às vezes, faz-se necessária a prática do mal em

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alguns momentos. Pois, qualquer grupo que pretenda conquistar e manter o poder a fim de realizar o bem

público, terá que se utilizar de certos artifícios maquiavélicos.

A principal característica do Estado moderno é a soberania proveniente da onda da globalização do final

do século XX e do início do século XXI. Por conta disso, a ideia de unidade foi ganhando força e

concretizando o poder soberano e a delimitação territorial.

Nesse período houve, portanto, a ruptura ao apelo teocrático.

As noções políticas de Maquiavel possuem extrema originalidade, pois houve uma constante

preocupação com a construção de uma resposta política eficaz para a instabilidade que marcava a Itália de

seu tempo.

O Príncipe, assim, é uma obra que busca não apenas a conquista, mas a manutenção dos Estados,

tornando-os estáveis. Assim, o escrito se tornou uma abordagem desvinculada da abstração filosófica e

especulativa, como forma de transição a era do realismo político.

Para ele a concepção de política é erudita e advém da arte de manter e exercer o poder e o governo.

Maquiavel era um autor realista, pragmático e precursor dos cientistas políticos.

d) Jean Bodin:

Sobre o autor

Jean Bodin (1529-1596) vive em uma época na qual o Estado Nacional ainda não se consolidou

completamente. Será apenas em meados do século XVII, o chamado “século de Luís XIV”, que os eruditos

preocupar-se-ão em registrar algo da vida de seus colegas renascentistas, recolhendo tradições, documentos,

memórias e autógrafos esparsos e assim iniciando os primeiros esforços biográficos sérios deles. Nascido

em Angers, teve sua educação formal no convento dos Carmelitas, mas terá sua formação na Universidade

de Toulouse. Sofre influência dos clássicos gregos e romanos, mas também por ler em hebraico, tem acesso

as tradições jurídicas do Talmud e da Mishná.

Um ponto central de todo seu pensamento sempre foi o da necessidade de uma profunda

racionalização e de uma organização das matérias legais, através da colação, fusão e mesmo derrogação de

diplomas, visando construir um corpo sólido, homogêneo e coerente de leis que se aplicasse ao Estado como

um todo e que comportasse um número mínimo de exceções. Buscará pois, nesse período, uma espécie de

“concordância universal” para o direito, buscando nos fatos e encadeamentos da história um modelo

jurídico.

Pensamento

Bodin acredita que o principal fim da República bem ordenada é um reto governo (República x

ladrões/piratas) de vários lares e do que lhes é comum, com o poder soberano. Assim, a proposta política é

buscar em todas as coisas o fim principal e depois os meios de a ele chegar. Nesse sentido, o homem sábio e

a medida da justiça e da verdade.

Tal posicionamento reflete a noção de que a felicidade de um único homem e da República nem

sempre não semelhantes, ocasionando as diversas leis, costumes e propósitos, segundo os homens e as

paixões dos Príncipes e governantes.

Nas coisas humanas estão a diferença entre o bem e o mal e nas coisas naturais a diferença entre o

verdadeiro e o falso. Assim, a felicidade do homem sábio depende da existência de um único Deus eterno e

infinito.

Do conceito de soberania, Bodin reflete como um “poder absoluto e perpétuo numa República”.

(BODIN, 2011, p. 195). Nesse sentido, para ser soberano o príncipe deve ser irrevogável, ilimitado em

relação aos homens e vitalício.

Diante disto, o poder do soberano é indeterminado, uno e indivisível. Ou seja, o mesmo não está

sujeito às leis civis, nem mesmo as por ele promulgadas.

Deve-se alertar, que não se pode confundir poder absoluto com ilimitado, pois o poder soberano

encontra limitação nas leis naturais e divinas, nas leis fundamentais do Estado (estruturais) e nas leis

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reguladoras das relações privadas (respeito aos contratos – ocasião em que ele já admitia a divisão da

sociedade em esferas pública e privada). (BOBBIO, 1994).

Das ocupações que não acarretam a soberania estão: o lugar-tenente, ainda que com poder absoluto (o

soberano pode ceder a quem quiser sua própria cota e pode retomar a qualquer momento); o Ditador romano

(soberano era aquele que instituía o ditador); Arconte de Atenas (o povo que escolha o arconte é que era o

soberano); Regentes (meros procuradores).

As verdadeiras marcas da soberania na visão de Bodin eram resvaladas pela noção de que não há nada

maior na Terra, depois de Deus, do que os Príncipes soberanos, apesar da ideia do período de que a escolha

destes por Deus era refutada, ele defende que quem despreza o príncipe, despreza a Deus, haja vista que o

soberano não depende, recebe lei ou comando de quem quer que seja. Nesta acepção, o soberano não se

comunica com os súditos, pois caso isso ocorra ele deixa de ser soberano, haja vista que não podem existir

duas coisas infinitas.

Para o filósofo, não são marcas da soberania, por serem comuns ao Príncipe e aos súditos: fazer

justiça, instituir ou destituir todos os oficiais; dar penhor ou pena àqueles que merecem (comum ao príncipe

e aos magistrados); pedir conselhos para os negócios do Estado (encargo do conselho privado ou do senado).

Nestes moldes, as marcar da soberania são definidas como: o poder de dar a lei a todos em geral e a

cada um em particular, sem o consentimento de alguém maior; declarar a guerra ou celebrar a paz; instituir

os principais oficiais; deter a última alçada (julgar em última instância); poder de conceder graça aos

condenados sobre sentença e contra o rigor das leis, seja para a vida ou para os bens, para a honra ou para a

revogação de banimento.

e) Thomas Hobbes:

Sobre o Autor

Thomas Hobbes (1588-1679) nasceu na aldeia de Westport na Inglaterra. Sua maior ocupação durante

toda a vida foi como filósofo, onde seus principais interesses estavam voltados para a Teoria do

Conhecimento, a Ciência Política, a Filosofia e o Direito. As obras Do Cidadão (1642) e O Leviatã (1651)

são as principais em meio à construção do seu legado político-filosófico, pois apresentam as ideias mais

notáveis, que bastante influenciaram a modernidade, como o Estado de Natureza, o Estado Civil, o Contrato

Social, a Soberania e as Formas de Governo. Suas concepções tiveram notáveis resquícios dos pensamentos

de Galileu, Descartes, Bacon, Tácito, Aristóteles e Maquiavel. Através de suas formulações, Hobbes foi

capaz de influenciar Locke, Spinoza, Montesquieu, Rousseau, Durkheim e Nietzsche.

Contexto Histórico

Nascido na “Inglaterra dos Tudor”, Hobbes foi influenciado pela Reforma Anglicana, que ocorreria

cinco décadas antes. Nesse contexto, o século XVII foi de grande importância para a Inglaterra, pois marcou

o começo do expansionismo ultramarino inglês, onde foram lançadas as bases do capitalismo industrial com

a Revolução Gloriosa, ocorrendo o marco do absolutismo monárquico, que teve o seu expoente máximo

com Luís XIV, o “Rei Sol”, famoso pela famosa frase “O Estado sou eu”, e, além disso, com as influências

do Barroco, da Contra-Reforma e do Renascimento. Tais precedentes refletem no rompimento do

pensamento medieval, o que o levou a refletir sobre o papel do Estado.

Pensamento

Hobbes defendia a ideia segundo a qual os homens só podem viver em paz se concordarem em

submeter-se a um poder absoluto e centralizado.

Para ele, a Igreja Cristã e o Estado Cristão eram elementos de um mesmo corpo, que era regido pelo

Monarca e este teria o direito de interpretar as escrituras, decidir as questões religiosas e até presidir o culto.

O filósofo sob análise percebia o Estado numa perspectiva garantidora da segurança jurídica e política

para a ordem econômica. Nestes moldes, cumpre destacar que o pensador em loco apresenta como

fundamento de grande valia política, um Estado concentrador de poder, no qual se configura o uso da força

para combater a violência proveniente do Estado de Natureza.

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Nesse sentido, o pensamento de Thomas Hobbes era pautado numa busca intensa da estabilidade para

a vida dos indivíduos em sociedade.

Como elemento de transição do Estado de Natureza para a Sociedade Civil, Hobbes insere o

Contratualismo, uma teoria prática, cuja origem é a sociedade e cujo fundamento é o Poder Político, ou seja,

tratou-se de um acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos de modo que fosse decretado o fim

do Estado Natural e o início do Estado Político.

Assim, pode-se ressaltar que o Estado de Natureza surgiu para realçar a ideia racional de um Estado

como ambiente de atuação do homem civilizado, tendo como fundamento da obrigação política, o consenso

que legitima a autoridade constituída.

Destarte, para selar a paz, os homens deveriam renunciar seu direito a todas as coisas, desistindo, cada

um, de ser obstáculo a autopreservação dos outros. Para tal renúncia mútua, dá-se o nome de contrato.

Desse modo, no Estado – Leviatã, os homens cediam o seu direito de se autogovernar, formando uma

espécie de “homem artificial”, que concentra todos os seus poderes em um só corpo político, o Estado.

Impende ilustrar, que o Estado é comparado ao Leviatã, um monstro bíblico, refletindo o monopólio

do poder da violência, ou seja, da violência usada para garantir a paz. Lembrando, que o fundamento da

instituição do Estado para Hobbes, tem como base a ideia de soberania, conforme se vê na expressão “o

homem é o lobo do próprio homem”, que acaba por remeter que quando o indivíduo tem a oportunidade de

explorar e agir conforme as suas conveniências, ele assim, o fará (HOBBES, 1964).

Por fim, cumpre realçar, que a principal preocupação de Hobbes foi procurar um fundamento para o

poder político (autoridade), através de uma visão pessimista (realista) da natureza humana, onde se observa

que o homem não é por natureza bom e o medo da morte fez com que os homens resolvessem estabelecer

um acordo, passando a viver debaixo da lei, em que poder absoluto do soberano é a alternativa mais

racional ao Estado de Natureza dominado pelo egoísmo e pela guerra (COUTINHO, 2010).Veja-se:

Contribuições

- Racionalismo (o conhecimento só se dá através da razão) e Empirismo (a única fonte de conhecimento é

a experiência): Hobbes revolucionou ao revelar que poderia haver a convivência dessas duas correntes

antitéticas, através do raciocínio correto dos fenômenos.

- Estado (Deus x Homem): afirmou que o Estado é uma criação do homem e não tinha qualquer relação

com a vontade de Deus. A prova disto é o contrato social, que demonstra a criação do Estado por meio de

uma vontade política.

- Lei Natural x Lei Civil: antecipou as tendências do direito positivo do século XIX. Para ele, não existem

dois direitos, mas apenas um, que é o Direito Positivo. Contudo, reconhece a lei natural como fundamento

do direito positivo, sendo obrigatória a primeira apenas em conformidade com a lei positiva (HOBBES,

1998).

f) Locke:

Sobre o Autor

John Locke (1632-1704) viveu num contexto pós-medieval. Iniciou na academia em Oxford aos 20

anos, quando aos 54 anos, ocorreu a sua expulsão ilegal, haja vista os ditames da instituição tradicionalista

que desconfiava da originalidade de seu pensamento. Tal decisão partiu da Coroa, como forma de retaliação

política. É importante mencionar que ao longo do êxito com as etapas acadêmicas, Locke recusou a

ordenação na igreja, pela preferência dos estudos pela medicina, mas o seu verdadeiro destaque se deu com

ESTADO DE

NATUREZA

CONTRATO SOCIAL

ESTADO CIVIL

“O homem é o

lobo do próprio

homem”

O homem não é por natureza bom, por isso, justifica-se a

necessidade de imposição de um acordo, passando este a viver

debaixo da lei

O poder absoluto do soberano é a alternativa

mais racional para o Estado de Natureza

dominado pelo egoísmo e pela guerra

RUPTURA

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a filosofia, quando se desligou de Oxford e voltou seus estudos para a autoridade do Estado na religião, e em

seguida com a lei natural sancionadora desta autoridade fundamentada pela experiência, o que se percebe

um cunho tradicionalista e autoritário em suas atitudes. O filósofo sob análise viu o mundo intelectual,

político e econômico ser radicalmente modificado, com destaque para a Inglaterra. Nestes termos, auxiliou

na modificação dos pressupostos filosóficos e políticos da Europa, o que o fez notável. Deve-se à obra “Dois

tratados sobre o governo” ao amplo conhecimento das questões de Estado adquiridos por Locke no curso de

seus frequentes diálogos com Conde de Shaftesbury (Anthony Ashley Cooper - líder político poderoso e

rico). Os indícios sugerem que o livro foi escrito para atender aos propósitos deste último. Por fim, cumpre

destacar que Locke era um homem erudito, reservado e discreto, o ideal do gentil-homem inglês que se

mantém até hoje e é, em parte, uma invenção de Locke, pautado pela sua ligação com Shaftesbury.

Contexto Histórico

Teve suas atividades desempenhadas mediante o contexto da Revolução Gloriosa (1688-1689),

ocorrida na Inglaterra, que culminou na Monarquia Parlamentarista, em substituição ao Absolutismo,

considerando o fortalecimento da classe burguesa e grandes proprietários, ocasião em que foi aprovado o

Bill of Rights (Declaração de Direitos), instrumento que trouxe estabilidade e ao mesmo tempo fez florescer

o fortalecimento da burguesia e da aristocracia rural, cuja consequência posterior foi a Revolução Industrial.

Pensamento

Mas, se é verdade que Deus nos deixa livres, que não é possível encontrar na ordem natural fator

algum que sujeite um homem a outro, mesmo à parte a vontade revelada de Deus, ainda assim pode ser

relevante indagar o que nos faz verdadeiramente livres e em que consiste essa liberdade. Isso porque a

liberdade absoluta, não tem significado algum; ela deve ser definida (onde não há lei, não há liberdade). É a

lei da natureza que estabelece os limites da liberdade natural e, uma vez que a lei da natureza é expressão da

vontade de Deus, é possível reconciliar a onipotência de Deus com a liberdade humana. A direção positiva

de Deus nos é concedida através de nossa razão. A lei da natureza é a lei da razão. É nossa razão, portanto,

que promulga para nós a lei da natureza e é nossa razão que nos faz livres. A razão é o modo de cooperação

entre os homens – o vínculo comum pelo qual o gênero humano se une numa única irmandade e sociedade.

Não pode haver nenhuma fonte arbitrária para o poder de um homem sobre outro, nem mesmo uma fonte na

revelação, pois o direito divino já é descartado por falta de provas. Há uma autoridade da razão e da

equidade comum, que é a medida fixada por Deus às ações dos homens, para a mútua segurança destes. O

direito de governar, bem como o poder para governar, são um direito e um poder naturais, fundamentais e

individuais, equiparados aos de conservar a si próprio e ao resto da humanidade (LOCKE, 2005).

O estado de natureza é simplesmente a condição na qual o poder executivo da lei da natureza se

mantém exclusivamente nas mãos de indivíduos e não se tornou comunal. Pode-se deduzir que tenha sido

esta a condição original de toda a humanidade, pois, onde quer que se encontre uma autoridade coletiva

estabelecida e permanente, descobre-se sempre que se trata do resultado da reflexão dos homens e das

medidas que deliberaram a fim de garantir e estabelecer o domínio da racionalidade e os dispositivos da lei

natural (BITTAR, 2008). Agora, surge uma indagação acerca da razão que leva o homem a passar

efetivamente de um estado de natureza para um estado de sociedade.

O conceito de propriedade surge como motivo para o estabelecimento de uma sociedade política. A

origem da propriedade privada vem do fato de que cada homem tem uma propriedade em sua própria

pessoa, de modo que o trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos são seus. Por conseguinte, tudo quanto

ele retire do estado em que a natureza o proveu e deixou, mistura-a com o seu trabalho, transformando-o em

sua propriedade (MEFFETTONE, Sebastiano; VECA Salvatore, 2005). Esta célebre passagem, que quase

contradiz o princípio fundamental de que os homens pertencem a Deus e não a si mesmos, juntamente com a

afirmação geral de que é o trabalho, com efeito, que estabelece a diferença no valor da coisa são, talvez, as

afirmações de maior repercussão que Locke já proferiu. Os homens foram levados a abandonar o estado de

natureza e a estabelecer uma fonte de poder para regular e conservar a propriedade. O maior e principal fim

da união dos homens em sociedades políticas, e de submissão deles a um governo é a conservação da

propriedade. Para Locke, as vidas, as liberdades e os bens imóveis recebem o nome genérico de propriedade

(BOBBIO, 2000). Veja-se:

12

Por fim, no caso específico da propriedade, Locke também problematiza como o homem conseguiu ter

a propriedade individual daquilo que Deus deixou de comum ao gênero humano. Ou seja, em que momento

os frutos passam a ser seus? Nesse contexto, cumpre destacar que ser justo é não se meter no trabalho alheio,

haja vista que o trabalho funciona como uma espécie de elemento de isonomia bem como permite a criação

da diferença do valor em todas as coisas, pois o pacto o torna viável a regulamentação e próprias as

invenções do homem, de modo que o resultado de tudo, é o uso do dinheiro e do trabalho como fundamentos

do direito de propriedade (MEFFETTONE, Sebastiano; VECA Salvatore, 2005).

Oposições

Para Robert Filmer, Deus havia estabelecido a superioridade de alguns homens em relação aos outros,

estando os monarcas acima de todos os demais, tudo conforme as Escrituras. Filmer, seguindo Grócio,

defendia que a procriação conferia um direito de superioridade, de sujeição de vontade a outra vontade, e até

mesmo de propriedade. Locke contestava essa ideia, como empirista, por entender que a superioridade dos

pais sobre os filhos seria temporária, e mais ainda pelo princípio de que o homem é artefato e propriedade de

Deus, e não de si próprio.

PERSPECTIVA COMPARADA: A CONCEPÇÃO DE ESTADO SEGUNDO HOBBES E LOCKE

Identificados como filósofos jusnaturalistas, Thomas Hobbes (1588/1679) e John Locke

(1632/1704), que perpassaram suas teorias acerca do Estado levando-se em consideração a evolução de um

chamado estado de natureza para um estado civil, apontando ser um processo necessário para a manutenção

de uma ordem que atendesse aos interesses do povo e evitasse a disseminação dos conflitos.

Ocorre que, a despeito dessa identidade teórica geral, os motivos embasadores dessa defesa

apresentam pontos essencialmente opostos e coerentes às visões políticas de cada um, destacando-se não

apenas a figura do Estado, mas ainda a relação deste com o povo.

Neste sentido, Thomas Hobbes caracteriza o estado de natureza como o próprio estado de guerra, em

que todos os homens, numa condição pré-cívica, na ausência de uma autoridade reguladora, ao desfrutarem

de uma liberdade e igualdade máximas, terminariam por incorrer em práticas egoísticas para satisfazer suas

necessidades individuais, agindo por instinto de sobrevivência e levando o próximo inclusive à morte.

Assim, fazia-se necessário entre os homens a criação de um pacto social, na medida em que, com ele,

fosse atribuído a uma autoridade soberana poderes ilimitados para a manutenção da paz e da ordem, posto

que, se assim não o fosse, a civilização estaria fadada ao eterno conflito. Para Hobbes (1996, p. 184), a

monarquia era, neste contexto, a forma de governo preferível para evitar a desagregação do estado e o

consequente estado de guerra, conforme se percebe quando menciona que: “Finalmente, o maior

inconveniente que possa acontecer a um estado é ser susceptível de se desagregar e cair na guerra civil; as

monarquias estão menos sujeitas a isso que todos os outros governos”.

Locke, entretanto, indica que o estado de natureza consiste na fase historicamente inicial da

humanidade, sem a força concreta de um ente, aperfeiçoando-se para o estado civil a partir do momento em

que se faz necessário estabelecer uma autoridade, por meio de um contrato social, capaz de resolver os

conflitos existentes entre os homens, sob o risco de adentrar-se em um estado de guerra que se dissocia

daquele estado. Ademais, determina originariamente a tese da separação dos poderes do Estado, em que o

Poder Legislativo deveria deter supremacia sobre os demais (Poderes Executivo e Federativo), conforme se

observa nas lições de Bittar (2008, p. 189), quando aponta que:

ESTADO DE

NATUREZA

CONTRATO SOCIAL

SOCIEDADECIVIL

O Estado não

possui direito

sobre a vida do

cidadão

Firmado para superar inconvenientes, como a violação de

direitos (vida, liberdade, bens e propriedade). Trata-se de

um pacto de consentimento

Condições de convívio social sob o amparo

das autoridades que decidem os conflitos e

julgam as pendências

TRANSIÇÃO

13

Isso significa que ninguém estará submetido a outro poder, a outra autoridade, senão em últ ima

instância, ao poder contido na lei [...] Estar sob o mando da lei e do Poder Legislativo é não estar sob

o poder de nenhuma outra fonte de autoridade que possa obscurecer a liberdade natural que cada

indivíduo conserva e carrega desde o estado de natureza.

Tal posicionamento revela a necessidade de atribuir-se à lei uma fonte capaz de conduzir o

comportamento humano e proteger o povo de arbitrariedades.

g) Montesquieu:

Sobre o autor

Charles Luis de Secondat, barão de Montesquieu, nasceu no castelo de La Brède, em meio a uma

família de nobres, nas proximidades de Bordeaux, em 1689. Tendo realizado seus estudos jurídicos

inicialmente em Bordeaux (até 1708) e depois em Paris, retornou a La Brède em 1713, após a morte de seu

pai, a fim de administrar a herança. Casou-se em 1715 com a protestante Jeanne de Lartigue, com quem teve

um filho e duas filhas.

Herdou de seu tio o tio o título de barão de Montesquieu e o cargo de presidente de seção do

Parlamento de Bordeaux (antes da Revolução Francesa os parlamentos franceses eram órgãos judiciários),

em 1716, (foi conselheiro em 1714) tendo presidido a Tournelle, divisão criminal do Parlamento, por onze

anos. Manteve o cargo de presidente do Parlamento até 1728, quando o vendeu, como se fazia então.

Realizou viagens à Itália, Suíça, Alemanha, Holanda e Inglaterra. Neste último, ficou mais de um ano

(1729-1731) e, estudando a vida política inglesa, concebeu elevada opinião sobre as instituições políticas

dos ingleses que podemos encontrar em sua obra maior: O Espírito das Leis. Voltando à França em 1731,

estabeleceu-se no castelo de La Brède, onde, à parte algumas estadas breves em Paris (havia sido eleito

membro da Academia em 1727), viveu trabalhando em suas obras até a sua morte, em 1755. Montesquieu

escreveu sobre diversos assuntos, mas seu maior interesse era a ciência política.

Contexto Histórico

Montesquieu nasceu no ano em que teve fim a Revolução Gloriosa, 1689, em que foi instituida a

Monarquia Parlamentar e aceita a Declaração de Direitos na Inglaterra, e sob o apogeu do absolutismo

francês na figura de Luís XIV, que perdurou até 1715. Sua vida adulta foi em uma França imersa no

absolutismo declinante de Filipe de Orleans (sobrinho de Luís XIV e regente de Luís XV até 1723) e Luís

XV.

Suas ideias vieram após as de Locke, que consubstanciou a primeira crítica séria ao absolutismo, e

precederam as de Rousseau, que entoaram na Revolução Francesa. As teses de Locke e Montesquieu se

assemelham na medida em que ambas buscam a proteção da liberdade em detrimento da tirania.

Pensamento

O Espírito das Leis foi uma análise empírica dos fatos sociais retratados em Cartas Persas e

Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência.

Montesquieu alega que todos são regidos por leis, não existindo governados ao acaso. Neste contexto,

ele distingue as leis naturais das leis positivas. Assim, a lei positiva foi um advento assecuratório da lei

natural, que o homem tende a desobedecer; o que resvala a noção de que a lei natural é comum a todos os

homens, porem a lei positiva apresenta variações de acordo com o seu povo, a sua sociedade e os diversos

fatores físicos (clima, solo), econômico-sociais, costumes e a religião. O filósofo, assim, nos termos de

Bobbio (1994) acabou desenvolvendo uma completa teoria da geral da sociedade.

As formas de governo apresentadas por ele rompem as tradições clássicas ao estabelecer que existem as

monarquias, as repúblicas e os governos despóticos.

Há ainda a noção de dicotomia entre natureza e princípio, pois enquanto que a natureza é aquilo que faz

o governo ser o que é (estrutura e organização); o princípio é aquilo que o faz atuar (mola mestra).

Veja-se as formas de governo propostas:

14

MONARQUIA REPÚBLICA GOVERNO

DESPÓTICO

-Só um governa por leis

fixas e estabelecidas.

-Considera a melhor forma

de governo, por possuir

um mecanismo de freio

aos abusos de poder.

-Só ela possibilita a

liberdade.

-Possuem leis

fundamentais: canais por

onde vai passar o poder

(estabilidade e segurança).

- Princípio: honra.

-Corrupção: concessão de

honrarias.

-O povo ou parte dele detém o poder soberano.

a) Democracia:

-Defensor do modelo de democracia representativa

(indireta), pois o povo não tem aptidão para fazer

corretamente tudo o que compete em decorrência

do poder soberano.

-Leis fundamentais: sufrágio pela sorte, publicidade

do voto e elaboração de leis exclusivamente pelo

povo.

-Princípio: virtude no sentido moral e político,

desvinculado de religião.

-Corrupção: perda da igualdade.

b) Aristocracia:

-Será mais perfeita quanto mais próxima for da

democracia e da grande virtude.

-Leis fundamentais: sufrágio por escolha, mandato

dos magistrados por prazo determinado,

impossibilidade de substituição.

-Princípios: modéstia e simplicidade (igualdade dos

nobres entre si).

-Corrupção: poder hereditário, caráter arbitrário e

ausência de temor externo.

- Só um governa, sem

leis e nem regras.

-Forma degenerada da

Monarquia.

-Lei fundamental:

estabelecimento de um

conselheiro ajudante,

pois para o autor, o

déspota é preguiçoso,

ignorante e voluptuoso.

-Princípio: o medo.

-Corrupção: é

corrompido por sua

própria natureza,

sobrevivendo ao acaso.

Para Montesquieu, “corrupção de todo governo começa quase sempre pela corrupção de seu

princípio”.

Montesquieu busca um significado para a palavras liberdade e reflete que a liberdade política não

consiste em fazer tudo que se quer, mas sim, dentro das limitações legais. Nestes termos, a liberdade política

só existiria nos Estados moderados, desde que não houvesse abuso de poder.

A teoria da separação de poderes foi desenvolvida com base na Constituição inglesa e para ele

existem três tipos de poderes: o Legislativo, o Executivo (das coisas que dependem dos direitos das gentes) e

o Executivo (das coisas que dependem do direito civil).

Nestes termos, a liberdade política é condicionada a vigilância de um poder sobre o outro, evitando,

assim, a concentração de poderes.

Ao tratar do Poder Judiciário, Montesquieu ressalta o mesmo como um poder nulo, pois as decisões

judiciais são a pura aplicação da literalidade das leis (juiz boca de lei). Assim, o Legislativo seria os

representantes eleitos pelo povo, como um corpo de nobres hereditários.

O filósofo mostra preferência pela Monarquia, quando alega que o Poder Executivo, que é

encarregado da execução da vontade geral, seria melhor exercido por um só do que por muitos, assim,

aponta que o monarca deveria exercer o Poder Executivo. O Executivo teria o poder de vetar as deliberações

do Poder Legislativo, bem como o Legislativo verificaria a forma como as leis devem ser executadas.

h) Jean-Jacques Rousseau:

Sobre o autor

Jean-Jacques Rousseau1 (1712-1778) nasceu em Genebra. Dotado de excepcionais qualidades de

inteligência e imaginação, foi ele um dos maiores escritores e filósofos do seu tempo. Em suas obras,

defende a ideia da volta à natureza, a excelência natural do homem, a necessidade do contrato social para

garantir os direitos da coletividade. Seu estilo, apaixonado e eloquente, tornou-se um dos mais poderosos

1 Biografia retirada dos elementos pré-textuais da obra “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os

homens” (1999) e de pesquisa realizada em sites de cultura – vide referências.

15

instrumentos de agitação e propaganda das ideias que haviam de constituir, mais tarde, o imenso cabedal

teórico da Grande Revolução de 1789-93. Ao lado de Diderot, D'Alembert e tantos outros nomes insignes

que elevaram, naquela época, o pensamento científico e literário da França, foi Rousseau um dos mais

preciosos colaboradores do movimento enciclopedista. Das suas numerosas obras, podem citar-se, dentre as

mais notáveis: “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” (1954), “Júlia

ou A Nova Heloísa” (1761), romance epistolar, cheio de grande sentimentalidade e amor à natureza; “O

Contrato Social” (1762), onde a vida social é considerada sobre a base de um contrato em que cada

contratante condiciona sua liberdade ao bem da comunidade, procurando proceder sempre de acordo com as

aspirações da maioria; “Emílio ou Da Educação” (1762), romance que filosófico, no qual, partindo do

princípio de que "o homem é naturalmente bom" e má é a educação dada pela sociedade, preconiza "uma

educação negativa como a melhor, ou antes, como a única boa"; “As Confissões” (1770), obra publicada

após a morte do autor (1781-1788), que é uma autobiografia sob todos os pontos de vista notável e foi

escrita quando esteve foragido na Inglaterra ao lado de David Hume, além das “Considerações sobre o

Governo da Polônia e sua Reforma Projetada” (1771).

Contexto Histórico

Suas atividades mais relevantes foram reveladas no século XVIII, sendo mais o popular dos filósofos

que participaram do movimento intelectual do Iluminismo, que ocorreu na Europa, e teve sua maior

expressão na França, palco de grande desenvolvimento da Ciência e da Filosofia. O iluminismo foi o

período de transformações na estrutura social, onde os temas giravam em torno da liberdade, do progresso e

do homem. Além disso, é importante frisar também a Revolução Francesa (1789-1799), um período de

intensa agitação política e social na França, que teve um impacto duradouro na história do país e, mais

amplamente, em todo o continente europeu. O movimento trouxe o declínio da Monarquia e a busca por

liberdade, igualdade e fraternidade. Assim, a era moderna pressupõe ideais conquistados pela Revolução

Francesa. Por fim, foi precursor do Romantismo do século XIX, influenciando, inclusive, José de Alencar,

em seus romances indígenas que contavam com o mito rousseauniano do “bom selvagem”.

CONTEXTO RESULTADO

Ideologia. Republicanismo.

Foco. A vontade geral.

Antes. 1513 ”O Príncipe” de Nicolau Maquiavel, oferece uma forma moderna de política

na qual a moralidade dos governantes e as preocupações do Estado estão separadas.

1651 “O Leviatã” de Thomas Hobbes, defende a fundação do Estado sobre a base

de um contrato social.

Depois. 1789 O clube jacobino começa a se reunir em Paris. Seus membros extremistas

tentam aplicar os princípios de Rousseau à política revolucionária.

1791 Na Grã-Bretanha, Edmund Burke culpa Rousseau pelos “excessos” da

Revolução Francesa.

QUADRO 1: Rousseau em contexto./ FONTE: KELY, Paul. O livro da política. São Paulo: Globo, 2013,

p. 120.

O pensamento

O pensamento de Rousseau influenciou as ideias da Revolução Francesa. Ninguém antes dele havia

pensado na sociedade como algo separado de suas instituições políticas, como uma entidade que poderia ser

estudada e mudada pela ação. Assim, ele foi o primeiro dos filósofos do Iluminismo, a raciocinar em termos

de relações sociais (KELY, 2013).

Rousseau destaca-se pelas características de um pensamento muito mais afinado com as ondas do

futuro do que com os paradigmas do passado medieval, que o caracteriza como um pensador distintamente

moderno.

16

O princípio fundamental de toda a obra de Rousseau, pela qual é definida até os dias atuais, é que o

homem é bom por natureza, mas está submetido à influência corruptora da sociedade. Ele criticava a

civilização, acusando-a de dissimulada e hipócrita (BOBBIO, 2000; BONAVIDES, 2007).

Observe o esquema abaixo, para que em seguida sejam analisados cada tópico do pensamento de

Rousseau.

- O bom selvagem:

Foi um mito criado por Rousseau para caracterizar o ser humano em seu estado natural, não

contaminado por constrangimentos sociais. Deve-se entender, portanto, que ele não nega os ganhos da

civilização, mas sugere caminhos para reconduzir a espécie humana à felicidade. Assim, o grande objetivo

dele era formar o homem como cidadão.

- A Educação:

Os pressupostos básicos de Rousseau com respeito à educação eram a crença na bondade natural do

homem, e a atribuição à civilização da responsabilidade pela origem do mal. Se o desenvolvimento

adequado é estimulado, a bondade natural do indivíduo pode ser protegida da influência corruptora da

sociedade. Consequentemente, os objetivos da educação, para Rousseau, comportam dois aspectos: o

desenvolvimento das potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais.

O método de Rousseau contemplava, essencialmente, que o mestre deve educar o aluno para ser um

homem, usando a estrutura provida pelo desenvolvimento natural do aluno, enquanto ao mesmo tempo

mantendo em mente o contexto social no qual o aluno eventualmente será um membro. Isto somente pode

ser conseguido em um ambiente muito bem controlado. Por fim, nota-se que com a figura do bom selvagem

Rousseau acaba dando argumentos para negar a importância do valor da educação, sendo, portanto,

contraditório.

- O Contrato Social, a vontade geral e a liberdade:

A ideia do contrato social é central nas preocupações filosóficas e políticas de Rousseau, pois se trata

de um consenso estabelecido entre as pessoas visando à fundação de uma sociedade, ou seja, este contrato é

um divisor de águas entre o estado de natureza e o estado cívico no qual vivem os seres humanos. (BITTAR,

2008, p. 200).

O Estado é a unidade e como tal expressa a "vontade geral", porém esta vontade é posta em contraste e

se distingue da "vontade de todos", a qual é meramente o agregado de vontades, o desejo acidentalmente

mútuo da maioria.

A vontade geral é para assegurar a liberdade, a igualdade, e a justiça dentro do estado, não importa a

vontade da maioria, e no contrato social à soberania individual é cedida para o estado em ordem que esses

objetivos possam ser atingidos. Ou seja, a vontade geral, que funda o pacto, é garantidora da condição de

igualdade entre os homens. Lembrando ainda, que ela não consiste no somatório de interesses particulares, é

algo, portanto, que está acima das vontades individuais, é uma conjunção de interesses num só, ou ainda um

consenso da maioria.

Por isso a vontade geral dota o Estado de força para que ele atue em favor das teses fundamentais

mesmo quando isto significa ir contra a vontade da maioria em alguma questão particular.

Ao renunciar a liberdade, o homem, nas palavras de Rousseau, abre mão da própria qualidade que o

define como humano. Ele não está apenas impedido de agir, mas privado do instrumento essencial para a

realização do espírito. Para recobrar a liberdade perdida nos descaminhos tomados pela sociedade, o filósofo

preconiza um mergulho interior por parte do indivíduo rumo ao autoconhecimento. Mas, isso não se dá por

meio da razão, e sim da emoção, e traduz-se numa entrega sensorial à natureza.

Ele concluiu que somente um contrato tácito e livremente aceito por todos permite cada um ligar-se a

todos enquanto retendo sua vontade livre. A liberdade está inerente na lei livremente aceita. Ou seja, para

Rousseau seguir o impulso de alguém é escravidão, mas obedecer a uma lei auto-imposta é liberdade.

Humanos existem

em um estado de

natureza antes da

sociedade.

Eles eram livres

e felizes como

os animais...

... mas trocaram

sua liberdade por

um contrato

social e leis.

Renunciar a

liberdade é

renunciar a ser

homem

Nós não podemos

voltar para um

estado de

natureza...

... mas podemos escrever

um novo contrato social

promovendo a liberdade

por meio da lei.

17

Rousseau considera a liberdade um direito e um dever ao mesmo tempo, pois todos nascem homens e

livres; a liberdade lhes pertence e renunciar a ela é renunciar à própria qualidade de homem. Assim, o

princípio da liberdade é direito inalienável e exigência essencial da própria natureza espiritual do homem.

É importante acrescentar que Rousseau não era socialista e muito menos contra a sociedade privada,

desde que ela fosse distribuída com justiça, para que não seja criado um embate entre liberdade e igualdade.

Por fim, conclui-se que o contrato social de que trata aqui é aplicável a um Estado social legítimo,

próximo da vontade geral e distante da corrupção. Ou seja, no mundo de Rousseau, liberdade e igualdade

marcham juntas em vez de em caminhos opostos.

- A soberania do “povo como corpo”: Para Rousseau, a soberania do poder deve estar nas mãos do povo, através de um corpo político dos

cidadãos. Ou seja, ele tinha a crença de que o povo era a entidade soberana a partir da qual o Estado ganhava

a sua legitimidade.

A natureza da soberania de Rousseau só pode derivar de um procedimento contratual segundo o qual a

multidão, substitui as suas vontades particulares por uma geral, que é a essência da soberania. Neste sentido,

ele acaba por atribuir ao povo no Estado um estatuto filosófico inédito para a realidade dos séculos XVII e

XVIII. Por conseguinte, se o corpo político se dissolve, o povo se desfaz e a soberania desaparece e aí se vê

que a soberania é um atributo essencial do povo, portanto inalienável e indivisível. (GOYARD-FABRE,

2002, p. 180-182).

Faz-se atualíssimo, nestes moldes, o diagnóstico de Rousseau (2013, p.90), acerca do livro III, no

capítulo XI, quando fala “da morte do corpo político”,e assim, menciona que:

O princípio da vida política reside na autoridade soberana. O poder legislativo é o coração do Estado;

o poder executivo é o cérebro que dá movimento a todas as partes. O cérebro pode paralisar-se e o

indivíduo continuar a viver. Um homem torna-se imbecil e vive, mas, desde que o coração deixe de

funcionar, o animal morre.

- Jusnaturalismo rousseauniano, leis e justiça:

Advém não somente do uso da expressão estado de natureza como algo oposto ao estado cívico. A

proposta de Rousseau é reconstruir o social com base na dimensão do natural, tendo como parâmetro o

convívio social, em que ele propõe um retorno para a natureza, pois esta é o modelo pelo qual se deve

inspirar a sociedade humana, à medida que dela emana aquilo que é natural e que repousa a felicidade, a

igualdade e a abundância. Nesse sentido, o que Rousseau menciona é um homem diferente do de Hobbes em

seu estado de natureza do medo. (BITTAR, 2008, p. 203).

Destarte, Reale (1962, p. 546) coloca que “Para Rousseau, o homem natural é um homem bom que a

sociedade corrompeu, sendo necessário libertá-lo do contrato de sujeição e de privilégios, para se estabelecer

um contrato social legítimo, conforme a razão”.

As leis são criadas com base na emanação da própria soberania do povo, não importando quem exerce

o poder legiferante, o que importa é que o povo sempre será o detentor da soberania, para que seja possível a

manutenção e perpetuação da ordem. Ou seja, o fundamento de toda lei deve ser a noção de justiça,

imanente do pacto, e a priori, de qualquer convenção humana. Assim sendo, a lei só pode ser identificada

como ordem à medida que ela é a orientação racional para todos e expressão da vontade geral, concretizada

mediante a harmonia do pacto perante a sociedade.

Com isso, Rousseau aguardava que o contrato social fosse uma ordem justa, correspondente ao estado

de natureza, respeitante da vontade geral, que jamais falha e que está sempre retamente constituída. Falsear a

justiça, e implantar o governo da injustiça, é dar espaço para o crescimento das vontades particulares, de

interesses egoísticos em detrimento da maioria.

- Direitos naturais e Direitos civis: Os direitos civis surgem somente após o advento do contrato social. Já os direitos naturais, são

anteriores aos direitos civis, preexistindo a qualquer convenção social. Assim, percebe-se uma divisão do

homem dois estados em que, o primeiro, é o estado natural e, o segundo, o estado civil. E, entre eles, há um

elemento de mediação dessa ruptura, uma convenção, cujo nome é contrato social. (BITTAR, 2012, p. 300).

18

Em cada estado de do homem existe uma mudança substancial de qualidade de convívio e organização

social. A mudança, portanto, se dá com a cessão de liberdades individuais ao Estado, que é feito por meio do

contrato social. Ou seja, é o pacto que fundamenta a existência do que é construído pelo homem e que não se

encontra na natureza.

Segundo ele, a sociedade tem que tomar cuidado ao transformar seus direitos naturais em direitos

civis, afinal de contas o homem é si é bom por natureza, e a sociedade o corrompe por convenção.

Diferentemente de Hobbes para quem o homem é mau por natureza, Rousseau admitiu o contrário, pois tudo

que provém da natureza é bom. (NADER, 1997, p. 138).

- Sobre as ciências e as artes: No “Discurso sobre as ciências e as artes” Rousseau argumenta que a restauração das artes e ciências

não contribuíram para a purificação do gênero humano, mas para a sua corrupção.

- Da desigualdade:

Atribuindo a propriedade fator de desigualdade, Rousseau em seu livro “Discurso sobre a origem e os

fundamentos da desigualdade entre os homens”, na parte “Discurso sobre a desigualdade”, discorre acerca

do desenvolvimento humano, enquanto indivíduo, na natureza e no meio social, fazendo assim surgir as

civilizações e seus governos.

Como indivíduo, o homem faz uso de seus instintos como forma de preservar sua existência,

aprendendo a vencer dificuldades impostas pela natureza, sendo que, a partir da descoberta do fogo, o

aprendizado no cultivo de culturas, dentre eles o trigo, o fez fincar em lugares permanentes, deixando de ser

nômades, permitindo a criação de habitações fixas e contribuindo para a manutenção da família, que passou

a conviver com outras famílias.

Esse ambiente doméstico foi por demais fértil para fazer florescer o amor, e com ele, outros prazeres,

mas também o ciúme e a discórdia, porque outras percepções foram ocorrendo, passando a ser notado o mais

belo, o mais forte, o mais hábil ou eloquente, e assim a ter mais consideração, o primeiro passo para a

desigualdade, com experiências humanas como a vaidade, o desprezo, a vergonha e o desejo.

A descoberta da metalurgia e da agricultura fez o homem despertar a iniciativa de não mais trabalhar

sozinho, passando a contar com o auxilio de outrem. Para Rousseau, é nesse momento que desaparece a

igualdade, introduzindo-se a desigualdade, passando o trabalho a ser necessário, quando as florestas se

transformaram em campos, vendo-se logo a escravidão e a miséria germinarem.

Se o homem que fundia e forjava a ferro, também precisava alimentar-se, precisou de outros para

alimentar a este. A partir de culturas da terra, o trabalho e a posse contínua sobre o bem fez surgir a ideia de

propriedade.

Pondera Rousseau (1999, p. 216) para o fato de que “as coisas nesse estado poderiam ter permanecido

iguais se os talentos fossem iguais e se, por exemplo, o emprego do ferro e o consumo dos alimentos

estivessem sempre em perfeito equilíbrio”. Assim, o mais forte, o mais esperto, o mais engenhoso ganhava

muito enquanto o outro labutava para viver, surgindo daí a desigualdade natural.

A propriedade trouxe como seu primeiro efeito, na desigualdade, o desejo oculto de tirar proveito à

custa de outrem, passando a advir a dominação e a escravidão. Os mais poderosos passaram a assumir

paixões desenfreadas, gerando cobiça sobre o bem alheio e, com isso, terríveis desordens. Surgiram as

guerras percebidas como desvantajosas para os ricos, que logo vislumbraram formas de união, como forma

de conservar sua situação e seus bens, com a mensagem de proteção aos mais fracos. Atribuindo a tal

perspectiva a origem da sociedade e das leis.

Daí surgiram as sociedade políticas, expondo o autor três razões: 1ª) fundamentar o direito de

conquista, evitando que conquistador e conquistado permanecessem em estado de guerra; 2ª) estabelecer o

direito de propriedade, como meio de regrar convivência entre pobres e ricos; e 3ª) forma de proteção da

propriedade, considerando o elevado grau de vulnerabilidade dos que possuem bens, que deviam ter

precauções, para evitar de ser lesados pelos pobres, que não tinham nada a perder.

Assim, o governo nasce a partir da sociedade por meio de algumas convenções gerais que fizeram

confiar a particulares a custódia da autoridade pública, dando poder ao magistrado de impor o cumprimento

das deliberações do povo.

O corpo político foi constituído como um contrato entre o povo e os chefes por eles escolhidos, para

observar as leis, formando vínculos de união, cabendo ao magistrado visar à utilidade pública em prejuízo

19

do seu próprio interesse, não se podendo esquecer dos danos causados pelos chefes, pagos pelo povo, real

prejudicado, cuja tranquilidade se buscava manter a partir da ideia da intervenção da vontade divina, para

dar um caráter sagrado à autoridade soberana.

Os governos poderiam assumir diferentes formas (monarquia, aristocracia, democracia), a depender

das diferenças mais ou menos acentuadas que existiam entre os particulares no momento da instituição,

sendo certo que as distinções políticas levam as distinções civis.

Desse modo, empenha-se o autor a estabelecer e desenvolver a origem e o progresso da desigualdade,

o estabelecimento e o abuso das sociedades políticas, tudo em decorrência da natureza do homem que em

estado de natureza apresenta desigualdade quase nula, mas que se apresenta crescentemente à medida do

desenvolvimento das suas faculdades e com o progresso do espírito humano. Assim, veja-se:

BREVE COMPARAÇÃO ENTRE HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU

FILÓSOFO NO ESTADO DE

NATUREZA

O CONTRATO SOCIAL A LIBERDADE

Hobbes A vida é sórdida,

embrutecida e curta.

É necessário para garantir a paz

e evitar o estado de natureza.

Pode existir apenas com a

ausência da lei.

Locke A “propriedade” se

encontra ameaçada.

Elemento de conservação da

propriedade em sentido amplo.

Direito natural que encontra

um limite necessário no

pacto social.

Rousseau As pessoas são satisfeitas e

felizes.

Preserva as desigualdades e

destrói a humanidade pessoal.

Pode ser conquistada dentro

dos limites da lei.

QUADRO 2: Hobbes x Locke x Rousseau./ FONTE: KELY, Paul. O livro da política. São Paulo: Globo,

2013, p. 123; LIMONGI, Maria Isabel de Magalhães Papaterra. Os contratualistas: Hobbes, Locke e

Rousseau. In: RAMOS, Flamarion Caldeira; MELO, Rúrion; FRATESCHI, Yara. Manual de Filosofia

Política. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 97-117.

ATIVIDADE 1

Análise SWOT entre os principais clássicos da política, para que, por meio deste mecanismo se

possa perquirir acerca das influências na atual constituição e modelo político. Os quatro filósofos-

políticos a serem contemplados nessa atividade serão: Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques

Rousseau e Montesquieu.

Quando a propriedade privada apareceu na

sociedade, ela criou uma divisão imediata

entre aqueles que tinham propriedade e

aqueles que não tinham.

O advento da propriedade privada foi

responsável por todas as divisões e

desigualdades que existem na sociedade,

de acordo com Rousseau.

Pessoas que tinham mais propriedades

começaram a se julgar superiores àquelas

que tinham menos.

20

EQUIPE:

________________________________________________________________________________________________________

COMPONENTES: __________________________________________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________

-Atividade 1: ANÁLISE SWOT

2 DOS PRINCIPAIS FILÓSOFOS POLÍTICOS

AJUDOU ATRAPALHOU INFLUÊNCIAS

I

N

T

E

R

N

A

O

R

G.

PONTOS FORTES

PONTOS FRACOS NA CONSTITUIÇÃO ATUAL

E

X

T

E

R

N

A

A

M

B

I

E

N

T

E

OPORTUNIDADES

AMEAÇAS NA POLÍTICA ATUAL

2 O termo "SWOT" é um acrônimo das palavras strengths, weaknesses, opportunities e threats, que significam respectivamente:

forças, fraquezas, oportunidades e ameaças.

21

-Notas de Aula 3 e 4: AULA 3

UNIDADE III principais noções dos clássicos até os contemporâneos – continuação.

a)Emmanuel Joseph Sieyès:

Nasceu em Paris (03/05/1748 – 20/06/1836) mantendo as atividades de político, escritor e eclesiástico

francês. A obra mais significante publicada foi o panfleto “Quést-ce que le tiers état?”, ou seja, “O que é o

terceiro Estado?”, que em tradução livre no Brasil significava “A Constituinte Burguesa”, um escrito

político datado de 1788.

A constituinte burguesa se confunde com um dos mais significativos momentos da história moderna: a

Revolução Francesa. Assim, a obra é a tradução explícita da esperança revolucionária da época, em que a

força do poder político era uma alternativa de reversão do quadro de opressão.

Na França pré-revolucionária o primeiro estado (clero) e o segundo estado (nobreza) não pagavam

impostos e usufruíam de benefícios e do tesouro real, por meio de pensões e cargos públicos.

Tais grupos exploravam o terceiro estado, representado pelos burgueses, camponeses, artesãos,

aprendizes, proletários, comerciantes e todos aqueles que eram economicamente usurpados , politicamente

desprivilegiados e socialmente oprimidos.

Nesse sentido, a proposta revolucionária de Sieyès era restauradora, pois nela os usurpados e

politicamente acuados do terceiro estado iriam readquirir o que perderam.

Com isso, a obra desperta dois aspectos, a representatividade política da nação e como se organizar para

promulgar uma constituição representativa.

Para o autor, todo cidadão que reúna as condições determinadas para ser eleitor tem o direito de se fazer

representar. Assim, esse direito é uno e deve ser exercido por todos igualmente.

Na época o voto era dado por estado, que colocava sempre o terceiro estado em condição minoritária,

mesmo sendo este dotado de uma população mais numerosa.

A única saída era forma de se restaurar a legitimidade deste estado era a convocação de uma assembleia

com poderes para alteração da ordem privilegiada, ou seja, o poder constituinte, para criar novos limites da

convivência social. E esta foi uma das primeiras conquistas da Revolução Francesa.

Por fim, em agosto de 1789, a Assembleia Constituinte, com espeque político da Declaração dos Direitos

do Homem e do Cidadão atropelou as propostas do autor, reconhecendo: que os homens nascem livres e

iguais em direitos; que todos são iguais perante à lei; que todos os cidadãos têm direito à liberdade,

igualdade, propriedade e segurança; a propriedade é um direito inviolável e sagrado; todos os cidadãos têm

direito à resistência e opressão. Ou seja, Sieyès consagrou-se como estrategista da tomada do poder pelo

Terceiro Estado.

b)Hannah Arendt:E A AUTORA

Hannah Arendt (14/10/1906, Hanôver, Alemanha – 04/12/1975, Nova York, EUA) foi uma filósofa

política alemã de origem judaica, uma das mais influentes do século XX. Sua mãe, Martha Arendt, desde

cedo repassou para a filha ideiais da social-democracia, mediante uma educação deveras liberal. Ainda

adolescente Hannah Arendt teve contato com a obra de Kant (1988). Antes do 18 anos abandonou a escola e

transferiu-se para Berlim, por questões disciplinares, onde passou a estudar teologia e filosofia. Durante o

período da Segunda Guerra (1939-1945) houve a cooperação da França com as invasões provenientes da

Alemanha e então, Arendt foi levada a um campo de concentração na condição de estrangeira suspeita,

entretanto, conseguiu fugir para Nova York em 1941, como exilada e apátrida, perdendo assim a sua

nacionalidade alemã e permanecendo, desse modo, sem direitos políticos, de modo que a sua cidadania

americana só foi conseguida em meados de 1951. A estudiosa casou-se por duas vezes, a primeira com

Güntier Stern (1929 -1937) e a segunda com Heinrich Blücher (1940-1970). Já nos Estados Unidos, Hannah

Arendt, trabalhou em diversas editoras, como a Schoken Books e desenvolveu a sua carreira acadêmica logo

após efetivar um contrato com a Universidade de Chicago (1963) e somente no ano posterior, a cientista

22

política em questão entraria para a American Academy of Arts and Letters, onde lecionou até 1967, quando

foi transferida para Nova York para dar início às aulas na New Scholl of Social Research até 4 de dezembro

de 1975, data de seu falecimento. No quadro abaixo, seguem as suas principais obras:

b1) Contexto histórico:

A autora de origem judia, conforme já mencionado, foi perseguida pelo regime de Adolf Hitler.

Nestes termos, faz-se necessário compreender o contexto histórico em que, a Primeira Guerra Mundial

ocorreu em 1914, onde Hitler tentava refletir a sua posição na sociedade mesmo sendo o início da sua

entrada no exército em um baixo lugar da hierarquia militar. Mas, durante a guerra ele foi capaz de

desenvolver um patriotismo alemão apaixonado, apesar de não ser cidadão alemão. Nesse momento, Hannah

Arendt tinha apenas 8 anos de idade e ainda residia na Alemanha.

Com o término da Primeira Guerra, Hitler permaneceu no exército, mesmo recebendo um baixo

salário para desenvolver cursos de “pensamento nacional, educação e propaganda”, com um intuito de

promover um bode expiatório para a derrota da Alemanha, qual seja, o “judaísmo internacional”, que sofreu

influência da ideologia anti-semita refletida por Hitler na busca de aderências para o Partido Nazista, através

de sua oratória e lealdade pessoal.

A Segunda Guerra Mundial foi um conflito militar global que durou de 1939 a 1945, envolvendo a

maioria das nações do mundo, incluindo todas as grandes potências.

Como consequência de tais questões históricas, Hannah Arendt sofreu constante perseguição na

Alemanha e acabou se refugiando em Nova York, já em sua fase adulta.

b.2) Pensamento

Para um melhor entendimento do texto sob análise, faz-se necessária a compreensão dos quesitos

abaixo relacionados.

b.2.2) Panorama Geral

A autora de origem judia, perseguida pelo regime de Adolf Hitler, construiu uma obra fundamental

para a compreensão da política e da condição humana. Em especial, dois títulos da autora, conhecida como

"pensadora da liberdade", são considerados essenciais ao entendimento de fenômenos ocorridos no século

20 e que de certa forma nos ajudam a compreender questões contemporâneas: Origens do totalitarismo

(1951), e Eichmann em Jerusalém - um relato sobre a banalidade do mal (1963).

b.2.3) Da obra “Eichmann em Jerusalém”- um relato sobre a banalidade do mal

Trata-se de um livro sobre o julgamento de Adolf Eichmann, em Jerusalém, publicado em 1963.

Sequestrado num subúrbio de Buenos Aires por um comando israelense em 1960, Adolf Eichmann

foi levado até Jerusalém e segundo Arendt durante o processo ao invés de um mosntro, surge um

funcionário burocrata; o que acabar por revelar a banalidade do mal.

O jornalismo político e a reflexão filosófica da autora acaba permitindo perceber a capacidade do

Estado de igualar o exército da violência ao mero cumprimento de uma atividade burocrática quando indaga:

como condenar um funcionário público honesto e obediente, cumpridor de suas metas, que não fizera mais

do que agir conforme a ordem legal vigente na Alemanha do período?

De um lado, apontado como monstruoso carrasco nazista e de outro como responsável pelo

planejamento e operacionalização da solução final (extermínio sistemático dos judeus), como um

funcionário que obedece uma voz imperativa. É nesse ponto que Arendt se depara com a confluência entre a

capacidade destrutiva e burocratização da vida pública, ou seja, tratava-se de um homem comum, porém

desprovido da capacidade, presente na maioria dos indivíduos, de raciocinar por si próprio.

Por fim, à época da publicação do livro, as ideias de Arendt atraíram numerosas críticas dos

militantes de organizações judaicas, pois eles consideravam as suas conclusões falsas e rejeitavam a

insinuação de cumplicidade no extermínio. E na verdade, a autora somente salientou a complexidade da

natureza humana e uma certa banalidade do mal, que surge à medida que se encara com naturalidade

aberrações como a prática do mal. Assim, ela conclui que apenas o exercício de uma constante vigilância

pode assegurar a preservação e a defesa da liberdade.

23

b.2.4) De parte da obra estudada na disciplina de Teoria da Justiça

O texto estudado constitui um capítulo da obra Responsabilidade e Julgamento (2004) e representa um

artigo escrito por Hannah Arendt em resposta às críticas e más interpretações dirigidas a sua obra Eichmann

em Jerusalém (2000).

A ideia central do texto é o questionamento acerca da existência ou não de uma capacidade de julgar

independente do meio em que se está inserido, espontânea e natural do ser humano.

No tocante ao julgamento, a autora indaga se há capacidade de se julgar um fato sem ter estado

presente em seu acontecimento. Esse segundo questionamento se dá por ter a mesma identificado na

sociedade um medo de julgar de forma pessoal decorrente do sentimento de que todos são igualmente ruins,

resultando em uma culpa coletiva. Nesse sentido, esclarece que “quando todos são culpados ninguém o é”.

Assim, não havendo responsabilidade pessoal, tem-se a impressão de que não há culpados. A culpa

coletiva na Alemanha é patente, pois se desculpam pelo holocausto indivíduos que nem mesmo eram

nascidos à época.

Dessa forma, considera prudente que questões de responsabilidade pessoal sejam julgadas perante um

Tribunal, considerando o homem em si, “de carne e osso”. Ao contrário, defende que os atos de omissão não

devem ser julgados, como o caso de acusação de silêncio do Papa Pio XII perante o massacre de judeus.

Hannah Arendt esclarece, então, suas intenções, haja vista que mal interpretadas, quando da

formulação da „”teoria do dente da engrenagem”, referente aos julgamentos pós-guerra.

Segundo esta, os dentes da engrenagem, pessoas que compõem o serviço público fazendo-o funcionar,

são totalmente substituíveis. E essa foi a principal desculpa dos réus, a de que se não tivessem feito isso,

outro o poderia e o teria feito. Se assim fosse, então, nenhuma outra pessoa poderia ser responsabilizada pelo

holocausto além de Hitler, única figura insubstituível na Alemanha Nazista.

A autora não concorda com tal argumento, defendendo que são os pequenos dentes da engrenagem

que cometem os grandes crimes e, portanto, devem ser julgados como ser humanos. Por ter sido Eichmann

visto por essa perspectiva é que seu caso suscitou tanto interesse.

O argumento do mal menor era amplamente divulgado e foi utilizado como forma de aceitação do mal

em si mesmo, já que, ao aceitar o mal menor, aceita-se, ainda assim, o mal.

Desse modo, não se pode transferir a responsabilidade que é pessoal ao sistema, o que não significa

que este deva ser deixado de lado durante o julgamento. No regime totalitário, todas as manifestações

públicas são coordenadas, ficando difícil delas não participar, devendo isso ser considerado. Somente os que

se afastam da vida pública é que conseguem se isentar da criminalidade.

Tal regime, porém, incita crimes não contra inimigos do regime político, como numa ditadura, mas

contra pessoas inocentes, pelo que a responsabilidade é pessoal. E esses crimes foram legalizados na

Alemanha nazista, de forma que a não criminalidade, nesse governo, era a exceção.

No entanto, apesar de ambas implicarem julgamento, a moral e a legalidade não se confundem, por

isso, explica a autora, é possível se distinguir o certo e o errado independente da lei. Assim, mesmo sendo as

práticas criminosas legalizadas, os réus não deveriam ter delas participado.

Do mesmo modo que a teoria dos dentes de engrenagem, os atos de Estado foram constantemente

mencionados como justificativa nos julgamentos pós-guerra, porém, infundado tal argumento, pois nenhum

dos crimes foi cometido em nome da legítima defesa e da manutenção do próprio Estado.

A obediência a ordens superiores também foi citada nos julgamentos. A autora esclarece que a

obediência pressupõe apoio, pois sem esse, o regime não teria subsistido. “Se obedeço às leis do país, eu

realmente apoio a sua constituição”.

Volta-se, então, à questão tratada inicialmente, de entender em que diferiam aqueles que não

participaram da vida pública e não se opuseram a ela. Hannah Arendt explica que tais pessoas foram capazes

de julgar o sistema posto, independente das leis vigentes, concluindo que não poderiam viver na condição de

assassinos.

Por fim, a autora defende que são pouco confiáveis aqueles plenamente devotos a normas e padrões,

posto que estes podem ser facilmente alterados. Bem melhores são os céticos, porque analisam os fatos antes

de se posicionar. Alcançando o ideal aquele que crê que, enquanto viver, terá que conviver consigo mesmo.

b.2.5) Contextualização com os Filmes

“Hannah Arendt”

24

Após as informações acima mencionadas, faz-se necessário um momento de interdisciplinaridade

entre elas (história, sociedade, política e justiça) e a obra cinematográfica que trata da autora sob análise. No

filme, Hannah Arendt demonstra a realização de um sonho a vivência nos Estados Unidos nos anos 50, por

lembrar que ela e seu marido Heinrich viveram como refugiados de um campo de concentração nazista na

França antes da chegada. E é nos Estados Unidos que aparece a oportunidade de cobrir o julgamento do

Nazista Adolf Eichmann para a “The New Yorker”3.

Na oportunidade ela descreve a sua avaliação sobre o caso e outros fatos desconhecidos que geraram

cinco artigos da revista publicados em separado. E, nesse contexto, se inicia o drama de sua vida, já que nos

seus escritos ela mostra que nem todos os participantes dos crimes de guerra eram monstros, segundo ela, os

judeus também estavam envolvidos e auxiliaram na matança de seus iguais.

Assim, a sociedade se volta contra ela e a revista e as críticas foram tão fortes que até mesmo seus

amigos mais próximos se assustaram com a situação. Por fim, o filme ganhou prêmios como o “Toronto

Internacional Film Festival” (2012) e o “New York Jewish Film Festival” (2012).

“O Leitor”

Este filme é um recente complemento ao livro de Arendt. O leitor (2008), baseado no romance de

mesmo título do escritor e jurista alemão Bernhard Schlink, conta a história de uma relação amorosa entre

Michael Berg, um estudante de 15 anos (interpretado na juventude por David Cross e na maturidade por

Ralph Fiennes) e Hanna Schmitz, funcionária da companhia de bonde, cerca de 20 anos mais velha. O papel

de Hanna Schmitz rendeu a Kate Winslet o Oscar e o Globo de Ouro de Melhor Atriz.

Ao ingressar na faculdade de Direito de Heidelberg - instituição em que, curiosamente, Hannah Arendt

se graduaria em Filosofia, Berg acompanha como espectador ao julgamento de um grupo de oficiais

mulheres da “SS” e descobre chocado, que sua ex-amante era uma das acusadas. Durante as sessões do

tribunal, em 1966, Hanna deixa claro em seu depoimento que a função de guarda da “SS” era apenas um

meio de sobrevivência, e que ela cumpria ordens. Não aparentava estar totalmente ciente das dimensões do

Holocausto, demonstrando ser apenas uma peça na engrenagem, na organização e triagem das presas que

rumariam para os campos de concentração e com um drama pessoal que, se revelado, poderia modificar sua

sentença.

UNIDADE IV Separação de Poderes.

Tal princípio teve sua primeira notável forma de aparição na idade antiga com Aristóteles, que

distinguia a Assembleia-Geral, o corpo de magistrados e o judiciário. Na idade média foi Marcílio de Pádua

que percebeu a natureza das funções estatais distintas. John Locke fazia a distinção entre poderes executivo,

legislativo e judiciário, mas foi em Montesquieu que o princípio foi mais prestigiado, com a obra “O

Espírito das Leis”.

A obra de Montesquieu proporcionou uma grande reflexão no quesito liberdade, pois trouxe à baila o

critério de que a pessoa poderia fazer tudo o quanto permitirem as leis e de que “todo homem que detém o

poder tende a abusar do mesmo”.

Montesquieu alega que cada Estado tem três poderes: o Legislativo, o Executivo (das coisas que

dependem dos direitos das gentes, conforme a sua perspectiva) e o Judiciário (como executivo das coisas

que dependem do direito civil). Assim, o Legislativo faz as leis para sempre ou para determinada época, bem

como derroga as que já estão feitas; o Executivo preocupa-se com a paz, a guerra, a segurança e a prevenção

de invasões, com o envio de embaixadores; o Judiciário trata da faculdade de punir crimes e julgar causas de

ordem civil.

Na concepção de Montesquieu, o Estado que se utilizar da divisão de poderes gozará de liberdade

política, segurança jurídica das relações entre indivíduos, sob a égide da autoridade que os governa. Se

apenas um poder se apodera dos demais deixa de haver liberdade, já que a concentração gera o despotismo e

3 Revista cultural semanal fundada nos EUA em 1925, pelo jornalista Harold Ross. Inicialmente, destinava-se a ser um veículo de

humor sofisticado, mas logo ampliou essa ideia e construiu seu prestígio jornalístico internacional publicando crítica, ensaios,

reportagens investigativas e ficção. Nesses 85 anos, sua extensa lista de colaboradores inclui importantes jornalistas e escritores,

bastando lembrar que, além de Hannah Arendt, também John Hershey e Truman Capote escreveram suas obras primas

originalmente como reportagens para a revista. Seu atual editor é David Ramnick, autor de A ponte, um perfil do presidente dos

EUA Barack Obama.

25

que onde não há liberdade não há política alguma. Tal concepção antecipa a técnica do check and balances,

desenvolvida na Inglaterra.

Na atualidade, a separação de poderes é revelada como o melhor remédio para a garantia das

liberdades individuais, mas desde que cessou a ameaça de retorno ao estado absolutista passou a existir a

necessidade de uma migração do plano individual para o social, por razões de garantia de uma separação de

poderes absoluta dos poderes do Estado Moderno.

UNIDADE V Formas de Estado e Sistemas de Governo.

i) Estado Unitário e Estado Federal:

O estado unitário é um momento centralizador de plena afirmação do Estado como organização do

poder. Sua característica marcante é a inteira ausência de coletividades inferiores providas de órgãos

próprios. As formas de centralização são quatro:

-Centralização Política: unidade política, ou seja, um país, um direito e uma lei. Nesse sentido, é

inexistente a presença de ordenamento legiferantes menores, ou seja, não há legislação estadual e nem

municipal.

-Centralização administrativa: principal característica do Estado unitário e significa que o estabelecimento

da corrente da mais ampla unidade quanto à execução das leis quanto à gestão dos serviços, isto feito por

agentes do poder totalmente independentes quem interessam os serviços.

-Centralização concentrada: ocorre quando as ordens de cima do centro das decisões políticas circulam

para baixo pelos canais administrativos até as coletividades e os agentes do poder são meros instrumentos de

execução e controle, com obediência às ordens recebidas.

-Centralização desconcentrada: aqui é reconhecida aos agentes do Estado uma pequena parcela de

competência, como um poder parcial delegado pela autoridade superior, ou seja, continuam presos aos laços

de hierarquia. Assim, não se pode confundir a centralização desconcentrada com a descentralização, pois na

primeira os agentes atuam em nome do poder central e na segunda ao agentes administrativos têm

independência em nome da coletividade secundária da qual procedem.

Observe a seguir as vantagens e desvantagens do Estado Unitário:

VANTAGENS DESVANTAGENS

-Uma ordem política, jurídica e administrativa em

todo o país;

-Fortalecimento da autoridade que se impõe como se

mantém com mais facilidade

-Economia na manutenção de um corpo burocrático

e único.

-Impessoalidade e imparcialidade no exercício das

prerrogativas de governo.

-Ameaça sobre a autonomia das coletividades

particulares. Presença de uma barreira entre o

indivíduo e a sociedade, que culmina no sacrifício

da liberdade.

-Diminuição do interesse dos grupos de interesse

local pela matéria pública porque não há autonomia.

-A legislação nacional cuida da matéria local e

atrasa a resolução dos problemas porque não há

familiarização dos temas locais pelo poder central.

Quando se fala na descentralização no Estado Unitário refere-se à administrativa, já que ele não pode

ser descentralizado politicamente senão estaríamos diante de um Estado Federal.

O Estado Federal é um Estado soberano formado pela pluralidade de estados em que o seu poder

emana dos estados-membros ligados a uma unidade estatal. Didaticamente, cumpre estudar o tal estado por

três perspectivas: Estado Federal como federação (é uma união de Direito Constitucional uma vez que a

Constituição e não um tratado internacional cria a federação brasileira); Estado Federal frente aos Estados-

membros (no Estado Federal a Constituição delimita a organização federal trançando um raio de

competência, dá forma às instituições e estatui órgãos legislativos, executivos e judiciários – Ex.: art. 21 e

22, CF/88); Estados-membros como unidades constitutivas do sistema federativo (os Estados Federados

possuem um sistema completo de poder, onde o Congresso Nacional é composto por duas casas legislativas

em que uma representa a vontade popular – Câmara dos Deputados e a outra é composta pelos

representantes dos Estados-membros – Senado Federal).

A essência do Estado Federal é traduzida pelos princípios da participação, em que os estados-

membros participam do processo de elaboração da vontade política e da autonomia, onde podem estes

26

estatuir uma ordem constitucional própria e estabelecer competências aos três poderes, com fito nos

princípios básicos da Constituição Federal.

A crise do federalismo advém da perspectiva de que cada vez mais o poder central anula as

autonomias regionais e locais.

Historicamente, pode-se destacar 3 fases no federalismo:

1)Dos princípios da participação e da autonomia, há a predominância do segundo em relação ao primeiro e

gerava uma ameaça a federação.

2)Perfeito equilíbrio entre a União e os Estados federados.

3)Ruptura do equilíbrio entre participação e autonomia, com o predomínio da primeira em detrimento da

segunda.

j) Espécies de formas de Governo:

A monarquia já fora adotada em todas as partes do mundo, mas hoje se encontra em desuso. No Estado

Moderno houve a necessidade da instituição de governos fortes e por isso o surgimento das monarquias

absolutas. Com o passar dos tempos e com a rejeição ao absolutismo, ao final do séc. CVII surgem as

monarquias constitucionais em que o rei estava sujeito às limitações impostas pelas Constituições. Veja-se:

CARACTERÍSTICAS PONTOS POSITIVOS PONTOS NEGATIVOS

-Vitaliciedade, já que o monarca

governa enquanto viver.

-Hereditariedade, pois é escolhido

em função da linha de sucessão.

-Irresponsabilidade, pois não

possui responsabilidade política e

não dá explicações ao povo.

-O monarca está acima das

disputas políticas.

-O monarca promove a unidade

do Estado por ser superior a todas

as correntes.

-Estabilidade das instituições.

-O monarca recebe educação

especial e se prepara desde cedo

para governar.

-Caso o monarca não governe ele

se torna inútil e dispendioso.

-A unidade do Estado deve

depender da ordem jurídica e das

instituições e não de uma só

pessoa.

-Mesmo com educação especial

não há garantia de liderança e

eficiência para governar.

-Antidemocrática, uma vez que

não permite ao povo escolher seu

governante.

A república se opõe a monarquia e tem um sentido próximo da democracia, pois indica a possibilidade

de participação popular no governo. A ideia republicana é fruto das lutas contra a monarquia absoluta e a

favor da soberania popular. Nesse sentido, ela aparecia como expressão democrática de governo e atribuição

de responsabilidade política, pois buscava assegurar a liberdade individual. Com isso, tem-se como

características da república:

- A temporariedade, pois o chefe de governo recebe um mandato, com prazo de duração, sendo vedadas as

reeleições sucessivas.

-A eletividade, já que os chefes de governo são eleitos pelo povo.

-A responsabilidade, haja vista que o chefe de governo é politicamente responsável por prestar contas ao

povo ou a um órgão de representação popular.

O presidencialismo teve os Estados Unidos como referência, cujo sistema também é conhecido como

separação/divisão de poderes. Nesse modelo:

- Há um presidente que é ao mesmo tempo Chefe de Estado e de Governo.

- Tem um presidente escolhido por eleição popular.

- O presidente e os parlamentares possuem mandato prefixado, em que o presidente só poderá ser demitido

em hipótese de impeachment, por voto parlamentar, nem o legislativo ser dissolvido pelo presidente.

- O ministério é designado pelo presidente e é responsável perante ele e não pelo legislativo. Neste modelo

o legislativo possui atividades distinta de votar as leis, mas não tem o poder de implementá-las.

- O presidente possui poder de veto, sendo esta uma das formas mais fortes de representação. Ele se dá

quando o presidente não concorda com o projeto de lei e não faz a sanção da lei quando enviada após a

aprovação do congresso. O veto pode ser derrubado por uma maioria qualificada do congresso. Nos Estados

Unidos não existe veto parcial, ou seja, ele ocorre no projeto todo. Já no Brasil há veto parcial de frases,

não sendo permitido o veto de expressões ou de palavras.

27

O presidencialismo brasileiro após 1988 foi mantido, mas hoje o que vigora é um presidencialismo de

coalizão, expressão cunhada por Sérgio Henrique Abranches, que caracteriza o padrão de governança

brasileiro expresso nas relações entre os poderes Executivo e Legislativo. A noção central é de união entre

esses dois poderes com a existência de coalizões partidárias. Assim, esse regime reserva à presidência um

papel crítico e central, no equilíbrio, gestão e estabilização da coalizão. Hoje os partidos se unem em prol da

hegemonia e não mais impera qualquer enfoque ideológico, o que caracteriza uma mudança no perfil do

presidencialismo de coalizão na atualidade.

O parlamentarismo é fruto de uma longa evolução histórica, por isso, não possui contexto de criação do

sistema e nem movimento político determinado. Nele percebe-se:

- Que o governo possui legitimidade indireta, pois não surge da votação popular, mas sim do parlamento

formado por um partido singular com maioria das cadeiras ou uma coalizão de partidos que determina a

maioria.

- O governo sobrevive com a confiança da maioria do parlamento perante o qual é responsável, ou seja, se

não há confiança, não há como sustentar o governo.

- O parlamento pode ser dissolvido antes do término da legislatura, convocando-se uma nova eleição.

- Coexistem a Chefia do Governo (Premier, Primeiro Ministro) e a Chefia do Estado (Presidente, Rainha,

etc.).

No parlamentarismo não há separação de poderes e sim a busca pela integração entre o Parlamento e o

Executivo. Na Inglaterra, há uma fusão de poderes, ou seja, nela o parlamento é quem indica, sustenta e

desfaz o governo.

Esse regime sobreviveu no Brasil com a influência de Rui Barbosa à primeira Constituição Republicana

de 1891 até a instituição do Ato Adicional de 02 de Setembro de 1961, editado para dissolver a crise política

advinda da renúncia de Jânio Quadros. Em 1963, por meio de plebiscito restaurou-se os poderes

presidenciais e o retorno do presidencialismo ao Brasil. Com o Golpe Militar de 1964 os militares

dizimaram as chances de retorno ao parlamentarismo, pois não cogitavam a deia de dividir o poder com o

parlamento.

Hoje, existem três configurações de parlamentarismo:

-Primeiro sobre desiguais: é o líder maior do partido vencedor, como por exemplo ocorre com os primeiros-

ministros britânicos, que escolhem os demais ministros dentre os parlamentares e podem demiti-los.

-Primeiro entre desiguais: não possui tanto poder quanto o exemplo britânico, mas chegando ao governo

pode demitir os demais. É o caso da Alemanha, onde existem mais de dois partidos principais, sendo

necessárias as alianças.

-Primeiro entre iguais: aqui o cabinete resulta de uma coalizão de partidos e cada um possui a sua parcela

de poder e não há superioridade e nem hierarquia. O exemplo é a Itália e a Dinamarca.

k) Aristóteles e a sua classificação:

REALEZA SÓ UMA PESSOA GOVERNA.

ARISTOCRACIA GOVERNO EXERCIDO POR UM GRUPO REDUZIDO EM RELAÇÃO AO

TODO.

DEMOCRACIA

OU REPÚBLICA

GOVERNO EXERCIDO PELA PRÓPRIA MULTIDÃO DE INTERESSE

GERAL.

l) Governo misto:

O semipresidenciaismo foi criado a partir da Constituição de 1958 na França. Nele o presidente não

eleito pelo parlamento tem mais poderes do que os Chefes de Estado do parlamentarismo clássico, assim na

França o presidente tem uma estrutura de poder dual, com presidente e primeiro ministro compartilhando

poderes significativos, dentre eles, o de convocar referendo ou dissolver o parlamento e nomear o primeiro

ministro.

m) Maquiavel e Montesquieu como garantidores das modernas formas de governo:

Maquiavel desenvolveu a teoria dos ciclos de governo, ou seja, a partir de um estado anárquico os

homens resolvem escolher seu governante. Assim, a monarquia eletiva acaba por se transformar em

28

monarquia hereditária. Tal ação denota uma degeneração da monarquia, e, consequentemente, o

desenvolvimento da tirania. Para combater essa forma de governo, uma parcela de homens bons toma o

governo e instauram a aristocracia. Os descendentes dos aristocratas instauram a oligarquia. E o povo, não

suportando mais, resolve governar-se por si só, causando a anarquia.

Já Montesquieu mencionava que:

GOVERNO

REPUBLICANO

QUANDO O POVO, OU PARTE DELE DETÉM O PODER SOBERANO.

GOVERNO

MONÁRQUICO

APENAS UM GOVERNA, CONFORME LEIS FIXAS PREVIAMENTE

ESTABELECIDAS.

GOVERNO

DESPÓTICO

APENAS UM GOVERNA, MAS SEM OBEDIÊNCIA AS REGRAS E POR

MEIO DE CAPRICHO PRÓPRIO.

ATIVIDADE 2

Leitura do artigo publicado pela professora, cujo título é - A SEPARAÇÃO DE PODERES SOB AS

PERSPECTIVAS DAS ELABORAÇÕES TEÓRICAS DE LOCKE E MONTESQUIEU: ORIGENS,

ESSÊNCIAS E DIFERENÇAS – ELEMENTO DE EQUILÍBRIO E/OU PSEUDOLIBERDADE? –

para elaborar um parecer favorável ou não a aplicabilidade e/ou manutenção desse instituto.

AULA 4

UNIDADE VI Aperfeiçoamento da Democracia.

d) Conceito:

O termo democracia possui origem grega, mais especificamente em Atenas e significa governo do povo

(demo = povo / kracia = governo).

Ao longo dos tempos foram variadas as definições acerca do termo democracia, dentre elas, destacam-

se:

“Se houvesse um governo de deuses, esse povo se governaria democraticamente” Rousseau.

“A democracia é a pior forma de todas as formas imagináveis de governo, com exceção de todas as demais

que já se experimentaram”. Winston Churchill.

“A democracia é o governo do povo, para o povo e pelo povo; governo que jamais perecerá sobre a face da

Terra”. Lincoln.

“Vivemos sob a forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos; ao contrário.

Como tudo o que depende não de poucos, mas da maioria, é democracia”. Péricles.

“A democracia é um lamentável mal entendido”. Simone Goyard-Fabre.

Norberto Bobbio ressalta três tradições do pensamento político acerca da democracia:

1)Teoria Clássica ou Aristotélica: governo do povo e de todos os cidadãos.

2)Teoria Medieval ou Romana: apoia-se na soberania popular onde o poder do soberano decorre do povo

e este o transfere para ser governado de acordo com as leis.

3)Teoria Moderna ou Maquiaveliana: nasceu com o Estado Moderno e as grandes monarquias, em que as

formas históricas de governo são duas: a monarquia e a república, e a antiga democracia nada mais é do que

uma forma de república.

e) Espécies: A democracia direta surgiu na Grécia antiga, no século V antes de Cristo. As bases dela consistiam em

isonomia (igualdade de todos perante à lei); isotimia (abolição de títulos e funções hereditárias) e isagoria

(direito de palavra e igualdade reconhecida para se falar em todas as assembleias populares e debater

publicamente os negócios públicos).

A democracia indireta teve seu primeiro apoio em Montesquieu, pois este acusava o povo de ser bom

para escolher, mas rum para governar, daí a necessidade de representantes que iriam decidir e querem em

nome do povo a representação.

29

A democracia representativa é como se o povo realmente governasse, há uma presunção de que a

vontade representativa é a mesma vontade do povo, ou seja, aquilo que os representantes querem vem a ser

legitimamente aquilo que o povo haveria de querer.

A democracia semidireta altera as formas clássicas de democracia. Apesar das dificuldades foi possível

fundar instituições que fizessem do governo popular um meio-termo entre a democracia direta dos antigos e

a democracia indireta dos modernos. São instrumentos da democracia semidireta:

1)Referendum: nele o povo adquire o poder de sancionar as leis, ou seja, o parlamento elabora as leis, mas

esta só se faz juridicamente perfeita e obrigatória depois da aprovação popular, depois de submetido ao

sufrágio dos cidadãos que votarão pelo sim ou pelo não, pela sua aprovação ou rejeição.

2)Plebiscito: é restrito às leis. É um ato extraordinário e excepcional que tem por objeto medidas políticas,

matéria constitucional, refere-se à estrutura essencial do Estado ou do governo, à modificação ou

conservação das formas políticas.

3)Iniciativa popular: é um processo que envolve a apresentação das assinaturas de 1% dos eleitores

brasileiros divididos em cinco estados, com não menos de 0,3% do eleitorado de cada. A assinatura deve

ser acompanhada de nome completo, endereço e título. As listas de assinatura devem ser organizadas por

município e por estado de acordo com o formulário a ser retirado na Câmara dos Deputados. Entidades

poderão patrocinar a apresentação de projetos de lei, desde que se responsabilizem pela coleta de

assinaturas. O projeto deve ter informações da Justiça Eleitoral quanto aos dados de eleitores por estado,

aceitando-se os números referentes ao ano anterior caso não haja números atualizados. O projeto deve ser

protocolado na secretaria-geral da mesa, que tem a obrigação de verificar as exigências. O projeto de lei

ganhará número e passará a ter a tramitação dos demais. Casa projeto deve citar apenas um assunto. Os

projetos não podem ser rejeitados por questões técnicas, sendo a Comissão de Constituição e Justiça

obrigada a adaptar a redação do texto (art. 61, II, § 2º, CF/88).

4)Direito de revogação ou recall: alguns países como a Suíça e os Estados Unidos admitem o fim do

mandato de funcionário ou parlamentar por comportamento que merece censura do eleitor. Assim, um

determinado número de cidadãos, em geral a décima parte do corpo de eleitores, formula, em petição

assinada, acusações contra deputado ou magistrado que decaiu da confiança popular, pedindo a sua

substituição ou intimando-o a que se demita de seu mandato.

5)Veto: faculdade que permite ao povo manifestar-se contrário a uma medida ou lei já devidamente

elaborada pelos órgãos competentes em vias de ser posta em execução.

f) Partidos políticos:

O Estado da atualidade é eminentemente partidário, ou seja, a pressão da camada economicamente

inferior da sociedade produziu anseios populares de teor reivindicatórios e o instrumento para tal fim é o

partido político. A história mostra que os partidos se corrompem e com isso se perde a prática democrática e

o povo.

Os Estados contemporâneos adotam três sistemas principais de partidos:

1)Bipartidarismo: se dá nos Estados em que há dualidade de tendências, dois partidos com capacidade e

possibilidade de chegar ao poder. Ex.: Estados Unidos (partido Republicano e Democrata).

2)Multipartidarismo: ocorre com os adeptos do pluralismo político, já que é a melhor forma de

representar o pensamento de várias correntes de opinião. Ex.: Brasil.

3)Unipartidarismo: partido único. Uma contradição, tendo em vista que o partido pressupõe pelo menos

duas realidades distintas. A concepção ocidental de democracia não admite um partido único, uma vez que

é baseada na regra do pluralismo político. Ex.: governos tiranos e ditatoriais.

ATIVIDADE 3

Leitura do artigo publicado pela professora, cujo título é - SUFRÁGIO-DIREITO E SUFRÁGIO-

FUNÇÃO: DIÁLOGO ENTRE ROUSSEAU E SIEYÈS PARA DEBATER O VOTO COMO DIREITO

OU OBRIGAÇÃO – para elaborar um parecer fundamentando o voto como direito ou obrigação.

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EQUIPE:

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COMPONENTES: __________________________________________________________________________________________________________________________________

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-Atividade 2: ESTUDO DE CASO – SEPARAÇÃO DE PODERES

*O que deve ser abordado no parecer:

RELATÓRIO + FUNDAMENTAÇÃO + CONCLUSÃO

RELATÓRIO: Leitura do artigo publicado pela professora, cujo título é - A SEPARAÇÃO DE PODERES

SOB AS PERSPECTIVAS DAS ELABORAÇÕES TEÓRICAS DE LOCKE E MONTESQUIEU: ORIGENS,

ESSÊNCIAS E DIFERENÇAS – ELEMENTO DE EQUILÍBRIO E/OU PSEUDOLIBERDADE? – para

elaborar um parecer favorável ou não a aplicabilidade e/ou manutenção desse instituto.

FUNDAMENTAÇÃO:

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CONCLUSÃO:

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-Atividade 3: ESTUDO DE CASO/ SUFRÁGIO-DIREITO X SUFRÁGIO-FUNÇÃO

*O que deve ser abordado no parecer:

RELATÓRIO + FUNDAMENTAÇÃO + CONCLUSÃO

RELATÓRIO: Leitura do artigo publicado pela professora, cujo título é - SUFRÁGIO-DIREITO E

SUFRÁGIO-FUNÇÃO: DIÁLOGO ENTRE ROUSSEAU E SIEYÈS PARA DEBATER O VOTO COMO

DIREITO OU OBRIGAÇÃO – para elaborar um parecer fundamentando o voto como direito ou obrigação.

FUNDAMENTAÇÃO:

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CONCLUSÃO:

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-Texto para a atividade 2.

-Texto para a atividade 3.

APÊNDICES

35

A SEPARAÇÃO DE PODERES SOB AS PERSPECTIVAS DAS ELABORAÇÕES

TEÓRICAS DE LOCKE E MONTESQUIEU: ORIGENS, ESSÊNCIAS E

DIFERENÇAS – ELEMENTO DE EQUILÍBRIO E/OU PSEUDOLIBERDADE?

Júlia Maia de Meneses Coutinho

Jânio Pereira da Cunha

Lucas Gonçalves da Silva

“O princípio da vida política está na autoridade soberana. O poder legislativo é o coração do

Estado; o poder executivo é o cérebro que põe em movimento todas as partes. O cérebro pode ser

atingido pela paralisia e o indivíduo continuar a viver ainda. O homem torna-se imbecil e vive ainda;

mas tão logo o coração deixe de funcionar, o animal perece”.

(Jean-Jacques Rousseau).

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O princípio da separação de poderes é uma temática que requer o exame do contexto histórico,

segundo o qual é condensada toda a compreensão deste elemento como dogma constitucional.

Assim, é datada do século XVIII a sua aparição e posteriormente a sua implantação nos textos

políticos de diversos Estados ocidentais, resultado da fadiga política proveniente do excesso de poder

político de que resultou a monarquia absolutista (BONAVIDES, 2008, p. 144).

O tema sob escólio se justifica relevante pelo fato de que a Teoria da Separação de Poderes provoca,

principalmente em termos políticos, uma base para a formação de um Estado Constitucional.

Com efeito, seu grande contributo foi a demonstração de que os lindes de poder pelo poder fossem

elementos de grande valia para o estabelecimento do sistema de freios e contrapesos, além de garante de

uma “possibilidade” de “ampla liberdade” em detrimento do abuso de poder.

Tem-se como objetivo principal perquirir acerca do arcabouço de formulações teóricas que

demonstrem as origens e as essências da separação de poderes e, secundariamente, revelar facetas no que

cumpre mencionar acerca das teorias de Locke (1998) e Montesquieu (2000), dois celebrados filósofos que

galgaram destaque em suas elaborações, principalmente no que diz respeito à manifestação da diferença

entre ambos; sem esquecer de que é acrescido o posicionamento diferenciado proveniente do estudo acerca

dos artigos federalistas. E, foi via então, da contraposição entre antecedentes teóricos e diferenciações

sistemáticas, em conjunto com a discussão da liberdade, é que se busca trazer à baila a realidade da

Constituição Federal de 1988.

O ensaio emprega critérios metodológicos, que contam com um estudo descritivo-analítico, por

intermédio de pesquisa bibliográfica em livros, artigos, periódicos e dados oficiais virtuais, como atributos

36

de garantia de interdisciplinaridade da História em relação a Filosofia, Sociologia, Direito e Ciência

Política, com o intuito de alcançar os objetivos e o problema proposto pelo tema.

Após tais contextualizações de cariz introdutório, faz-se necessário desaguar na problemática

enfrentada pelo escrito sob relatório, qual seja, se a Teoria da Separação de Poderes, partindo-se de um

requisito dotado de estabilidade do poder, restaria configurada como elemento de equilíbrio e/ou

pseudoliberdade.

2 ORIGENS E ESSÊNCIAS: VISITA AOS ANTECEDENTES

Oportuno é adentrar os antecedentes da teoria de cada representante filosófico político da separação

de poderes, para que, com o estudo da origem e da essência do contexto histórico de cada um, se possa

entender melhor suas nuanças teóricas.

De início, faz-se necessário lembrar, conforme a explanação de Passos (2013, p. 89), que “A teoria

da separação de poderes surge como uma formulação teórica fundamental para a ruptura com os paradigmas

do estado absoluto e para a inauguração de uma nova ordem fundadora do estado constitucional”.

Cumpre salientar que Platão (1999), na obra As leis, primeira parte; Aristóteles (1998), em Política,

capítulo XI, e Políbio (1997), em História, livro VI, dentre outros antigos em menor destaque, teorizaram a

respeito da divisão de funções governamentais. Locke (1998), entretanto, quem desenvolveu uma

manifestação teórica mais eficaz de limitação do poder estatal com base no movimento liberal europeu

(RANIERI, 2013, p. 266).

Assim, um dos primeiros resquícios desta teoria pode ser reconhecido, de modo introdutivo por

Aristóteles (1998), na Política, quando este revela o conceito de constituição mista, em que o poder político

pode ser exercido por vários grupos; ou aquela em que o exercício da soberania e do governo, em vez de

estar em mãos de uma pessoa apenas, é comum alcançar a todos, pois esse acontecimento é refletido por

Bittar (2008, p. 100) quando descreve que:

Aristóteles aponta os três elementos, ao que tudo parece, essenciais, para toda constituição (politéia),

independente do regime ou da forma de governo: (1) um que delibera sobre os assuntos da pólis; (2)

um que se incumbe das magistraturas; (3) um que cuida da administração da justiça [...]. Da

conjugação desses três elementos é que se pode definir como círculo e como se administra o poder em

determinada comunidade política.

Em complementaridade ao posicionamento do autor ora referido, faz-se necessário destacar, ainda,

o ponto de reflexão trazido por Pereira (2005, p. 19), quando leciona que Aristóteles (1998)

[...] reparte as funções do Estado em deliberante (consistente na toma da de decisões fundamentais),

executiva (consistente na aplicação pelos magistrados dessas decisões) e judiciária (consistente em

fazer justiça), sem cuidar de sua separação, sem sugerir, ainda que de longe, a atribuição de cada uma

delas a órgão independente e especializado.

37

John Locke (1998), no que diz respeito aos seus antecedentes, evoca o fato de que, o ano de 1642 é

caracterizado por uma série de conflitos que eclodiram,4 como a Guerra Civil Inglesa, proveniente do temor

de que Carlos I implantasse o absolutismo na Inglaterra. Posteriormente, no ano de 1661, Luís XIV

incorpora o absolutismo por intermédio da célere frase o Estado sou eu (KELLY, DACOMBE, FARNDON

et al, 2013, p. 106).

Nestes termos, como consequência de tais antecedentes, pode-se exprimir a ideia de que, em 1689, a

Declaração de Direitos Inglesa assegurou os direitos do Parlamento e as eleições livres de interferências da

realeza. E no século XVIII, também, as revoluções de cunho popular que correram na França e na América

culminaram no surgimento das repúblicas baseadas em princípios e perspectivas liberais (KELLY,

DACOMBE, FARNDON et al, 2013, p. 106). Assim, nos termos de Bobbio (1984, p. 37), “Locke, pode ser

considerado como a primeira e mais completa formulação do estado liberal”.

Destarte, os antecedentes históricos de Locke (1998) conduzem ao diagnóstico de que a ideologia

presente em sua teoria é, à larga, proveniente do Liberalismo, com foco no Estado de Direito, haja vista sua

máxima recorrente de que, para haver liberdade, deve existir a lei. Tal preceito é recorrente nas reflexões de

Kelly, Dacombe e Farndon et al (2013, p. 106-107), quando mencionam, o fato de que o filósofo inglês

Locke haver sido

[...] o primeiro a articular os princípios liberais de governo, a saber que o propósito do governo era

preservar os direitos dos cidadãos à liberdade, à vida e à propriedade, buscar o bem público e punir

quem violasse os direitos dos outros. [...] Locke defendia que os poderes e funções do governo

deveriam ser limitados. [...] Além disso, para Locke, um governo legítimo manteria o princípio da

separação dos poderes legislativo e executivo. O poder legislativo seria superior ao executivo - o

primeiro teria o poder supremo de estabelecer regras gerais nos assuntos do governo, enquanto o

último só seria responsável por impor a lei em casos específicos.

Em seguida, Barracho (2011, p. 53) exprime que “A elaboração inicial da teoria dos três poderes de

Locke foi posteriormente retomada e desenvolvida pelo Barão de Montesquieu, que foi um notável escritor e

um espírito crítico face às instituições e costumes de sua época”.

Já no que diz respeito aos antecedentes da teoria de Montesquieu (2000), releva evidenciar a ideia

de que, em 1689, depois da Revolução Gloriosa, na Inglaterra, foi estabelecida uma monarquia

constitucional (KELLY, DACOMBE, FARNDON et al, 2013, p. 110).

De tal sorte, impõe-se frisar que a ideologia presente nos escritos de Barão de Montesquieu (2000)

é pautada por uma política constitucional com foco na separação de poderes, haja vista os resultados pós-

teóricos ocorridos em 1787, quando se adotou a Constituição dos Estados Unidos da Filadélfia, e, em 1789-

4 Como forma de ilustração e interdisciplinaridade de História e Filosofia Política, faz-se necessário evidenciar o fato de que

Locke (1998) teve suas atividades intelectuais contemporâneas ligadas à contextura da Revolução Gloriosa (1688 – 1689), que

ocorreu na Inglaterra e desencadeou na substituição do Absolutismo, em razão da Monarquia Parlamentarista, reputando-se o

fortalecimento da classe burguesa e dos grandes proprietários, ocasião em que foi aprovado o Bill of Rights, ferramenta que

promoveu estabilidade e, ao mesmo tempo, fez prosperar o fortalecimento da burguesia e da aristocracia rural, tendo sido a

Revolução Industrial a posterior consequência.

38

1799, durante a Revolução Francesa, quando se implantou uma república democrática secular em

substituição ao governo da monarquia e da Igreja (KELLY, DACOMBE, FARNDON et al, 2013, p. 110).

Durante o Iluminismo, no século XVIII, não resta dúvida, a autoridade representada pela Igreja foi

sendo contestada pelas descobertas ocorridas por parte da Ciência, que já não mais aceitava um governo

segundo o direito divino. Assim, no Continente Europeu, com destaque para a França, é que houve constante

investigação, resultante na perspectiva de Montesquieu (2000), quando se pensou menos na pessoa do

governante, pois, para ele, o mais importante era a existência de uma constituição com vistas a evitar o

despotismo, e isso se daria mediante a separação de poderes dentro do governo.

Desde este momento, é perceptível a preocupação de Montesquieu (2000) com a liberdade dos

cidadãos. No cerne dessa alegação encontrava-se a sua teoria da divisão do poder, que privilegiava três

categorias distintas - o Executivo, cuja responsabilidade era a administração e aplicação das leis; o

Legislativo, que desempenhava a tarefa de aprovar, rejeitar ou propor emendas a essas; e o Judiciário,

encarregado da interpretação e aplicabilidade do todo legislado. Nesse sentido, a aplicabilidade da teoria

consistia na separação e independência dessas esferas, que seriam capazes de bloquear a sobreposição de um

em relação aos demais.

É de se reconhecer que tal distinção entre essas políticas não é tão nova quanto parece, já que os

Gregos e os Romanos já reconheciam uma divisão semelhante em alguns aspectos. Foi em Montesquieu

(2000), entretanto, que se revelou uma inovação caracterizada pela separação das instituições de poder, com

vistas a garantir o equilíbrio e a estabilidade, visando sempre a minimizar os riscos de abuso de poder

(ALBUQUERQUE, 2006, p. 116).

As ideias de Montesquieu (2000) enfrentaram certa hostilidade na França, mas seu princípio da

separação de poderes foi bastante influente na América, porquanto serviu de sustentáculo para a

Constituição dos Estados Unidos pós-Revolução Francesa, firmando a separação de poderes como um

modelo para a nova república, para as democracias em formação, que carregavam e mantinham alguma

variação do sistema proposto por ele (KELLY, DACOMBE, FARNDON et al, 2013, p. 111).

Ao longo do percurso teórico da separação de poderes, deve-se realçar o fato de que Rousseau

(2003), em O contrato social, asseriu a prevalência do Legislativo como elemento primordial do resultado

lógico entre a separação de poderes e o contrato social, visando à afirmação do povo como poder soberano.

Assim, o Executivo atuaria de modo a assegurar a execução das leis. Essa concepção rousseauniana afastou

os precedentes franceses e ingleses de aplicação do princípio, que serão vistos ao longo deste texto.

O último filósofo que tratou da essência da separação de poderes, exprimindo uma nova

manifestação da teoria, foi, consoante noticia Ranieri (2013, p. 269), “Benjamin Constant, em sua obra

Esquise d’une Constitution de 1814”, em que ele sugere uma variação do modelo mediante a divisão em

quatro funções estatais, ou seja, os três poderes tradicionais e um poder moderador, com força superior aos

39

demais, para prevenir e solucionar os conflitos entre os outros. Essa concepção proposta por ele foi adotada

com exclusividade pela Constituição Imperial do Brasil (1824), bem como pela Constituição Portuguesa de

1826, haja vista o caráter marcantemente absolutista.

3 LOCKE E MONTESQUIEU: OS EDIFICADORES DAS PRINCIPAIS

ELABORAÇÕES TEÓRICAS

Neste momento do texto, faz-se importante mencionar as duas principais formulações teóricas que

tratam da Teoria da Separação de Poderes, quais sejam, a de Locke (1998) e a de Montesquieu (2000).

John Locke (1632 – 1704) subsistiu num contexto pós-medieval. Aos 20 anos, deu início aos seus

estudos na academia de Oxford, quando aos 54 anos houve a sua expulsão ilegal, em virtude dos

tradicionalistas desconfiarem da originalidade das suas teorias, e esta decisão teve ponto de partida da

própria Coroa, como forma de retaliação política. Com o êxito em sua vida acadêmica, Locke preferiu a

recusa à ordenação na Igreja em detrimento dos estudos em Medicina, mas obteve verdadeiro destaque com

a Filosofia, quando se desligou de Oxford e seguiu com seus estudos acerca do Estado, auxiliando inclusive

na modificação dos pressupostos filosófico-políticos da Europa, o que o fez notável, por meio da obra Dois

tratados sobre o governo, que demonstrou um amplo conhecimento das questões do Estado adquirido por

ele mediante seus diálogos com o Conde de Shaftesbury, um líder político poderoso e rico da época. Há

indícios de que o livro fora escrito para atender aos propósitos políticos do Conde, mas não deve ser

esquecido quão político e erudito era Locke (BITTAR; ALMEIDA, 2012, p. 289-291).

A visão de Locke (1998) exprime a noção de que os poderes fundamentais do Estado são

representados pelos Poderes Legislativo e Executivo, considerando-se terceiro poder, de modo a

complementar a tríade funcional da divisão de poderes, qual seja, o Poder Federativo, uma espécie de poder

governamental capaz de firmar pactos com os demais Estados, mas que é um dos aspectos complementares

do Poder Executivo. Nestes termos, o Poder Executivo é percebido perante um vínculo de subordinação

natural em relação ao Poder Legislativo, pois a sua principal função é executar as leis, compreendidas como

normas gerais e abstratas advindas do Poder Legislativo. Assim, o Poder Legiferante, mesmo vivido como

um elemento supremo e desempenhando um papel de verticalização à elaboração teórica da divisão de

poderes em Locke, encontra-se subordinado ao povo, cujo fundamento é a derivação de tal poder (BOBBIO,

1984, p. 40).

Mesmo com a ideia central de uma formulação teórica pautada, conforme aponta Maus (2010), na

“verticalização” do Poder Legiferante, Locke (1998), ao pensar de forma razoável, propõe limites taxativos

a este poder, quais sejam, a persistência, no estado civil, dos direitos naturais; a emissão de leis, por parte do

Parlamento, com um elevado grau de estabilidade; a não privação do indivíduo de sua propriedade sem o

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consentimento deste, e a não transferência do poder de fazer leis para outras mãos, pois este é derivado do

povo, um delegado que não pode delegar (BOBBIO, 1984, p. 40-41).

Ao impor limites à atuação legiferante, Locke (1998) demonstra coerência em suas premissas

baseadas no direito de resistência, que subsiste mediante o abuso do Poder Executivo, no caso da tirania e da

violação dos limites do Poder Executivo, anteriormente expressas neste texto. Desse modo, a máxima

representativa de tal circunstância do direito de resistência é a injustiça entendida em relação não a quem se

rebela contra o opressor, mas sim, a quem oprime seus súditos (BOBBIO, 1984, p. 41).

Com tais precedentes, exala-se o teor fundamental da teoria sob escólio, quando se nota que o

direito natural de um Estado, baseado num consenso de subordinação entre Executivo e Legislativo, sem

esquecer que o último é limitado por um direito de resistência, capaz de ser fonte de equilíbrio para a

verticalização proposta por Locke (1998), é apto a trazer as diretrizes fundamentais do Estado liberal

cadenciadas por Montesquieu (2000), com a constituição dos Estados americanos e a Revolução Francesa, o

que serviu como eixo de interligação na passagem do Estado liberal inglês para o continental (BOBBIO,

1984, p. 41).

Ao analisar a teoria exibida por Locke (1998), Bonavides (2008, p. 147) é preciso e coerente, ao

diagnosticar a ideia de que:

Locke, menos afamado que Montesquieu, é quase tão moderno quanto este, no tocante à separação de

poderes. Assinala o pensador inglês a distinção entre os três poderes - executivo, legislativo e

judiciário – e reporta-se também a um quarto poder: a prerrogativa. Ao fazê-lo, seu pensamento é

mais autenticamente vinculado à Constituição inglesa do que o do autor de O Espírito das Leis.

Já Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu (1689 – 1755), nasceu em uma família de

nobres e realizou estudos iniciais em Bordeaux e, posteriormente, em Paris. Ao longo de sua vida, teve

contato com o cargo político de Presidente de Seção do Parlamento, haja vista o legado do título de Barão de

Montesquieu, herdado pelo seu tio. Foi, ainda, conselheiro, presidindo a divisão criminal do Parlamento por

11 anos, quando vendeu o seu cargo, atitude bastante comum ao período. Em constantes viagens pelo

Mundo, foi capaz de estudar a vida política de muitos lugares, em especial, da Inglaterra, para quem teceu

uma vasta opinião acerca das instituições políticas, possível de encontrar no livro O Espírito das Leis. Viveu

trabalhando em suas obras sobre diversos assuntos, mas não escondia a sua afeição e interesse pela Ciência

Política (BITTAR, 2008, p. 191-192).

Montesquieu (2000), no capítulo XI da obra O Espírito das Leis desenvolveu outra nuança da

separação de poderes, que mais tarde resultou no pensamento político representado por Kant. Faz-se

importante contextualizar o fato de que as três formas de governo propostas por Montesquieu são a

República (democracia e aristocracia), respaldada pelo princípio da virtude; a Monarquia, baseada na honra

e do Despotismo, consubstanciado pelo princípio do medo, restando clara a aversão dele em relação a esta

terceira forma de governo. Paralelo as formas de governo anteriormente mencionadas percebe-se uma

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conjunção, por parte do Filósofo, com a separação de poderes, que se norteava como análise objetiva da

realidade histórica de fusão entre virtude, honra e medo com o exercício do poder (BOBBIO, 2001, p. 130).

O poder denota-se como um elemento de suma relevância na teoria de Montesquieu (2000), haja

vista que ele retrata a importância da presença de uma margem de liberdade para os cidadãos e aos corpos

intermediários, de maneira a reduzi-la ou suprimi-la, tornando-se, pois, tangíveis as distinções entre

moderados e absolutos. Nestes termos, o governo moderado é o garante da liberdade, chamada de negativa,

que é diferente da expressa por Rousseau (2003) como liberdade de autonomia. E, já em Kant (2003), é

possível encontrar tanto os conceitos de liberdade positiva como negativa, característicos do seu

pensamento, em que concilia, na primeira hipótese, a tradição de uma reflexão liberal com a segunda

perspectiva de símbolo do entendimento democrático (BOBBIO, 1984, p. 42).

Após tal linha digressiva acerca das ideias há pouco relacionadas no que diz respeito a liberdade,

volta-se o foco para a teoria de Montesquieu (2000), a qual preceitua a liberdade como o direito de se

comportar conforme a previsão legal, ou, até, na máxima de que a liberdade faz morada na reflexão de que a

pessoa não deve se sentir obrigada a agir caso a lei não ordene. Daí a caracterização de liberdade negativa,

haja vista a vinculação de não intervenção legal em ordens e proibições não prescritas. Tal diagnóstico

reverbera o postulado de que Montesquieu previu um grande benefício com esse contexto de liberdade

(BOBBIO, 1984, p. 43).

Do conceito de liberdade negativa, proposto por Montesquieu, deriva a garantia de que somente em

regimes onde o poder soberano não está concentrado numa só mão, mas distribuído em distintos órgãos,

objeto de controle recíproco, é que se pode visualizar a liberdade de que se trata, típica de governos

moderados, nos quais os cidadãos buscam a realização de tudo aquilo que é permitido por lei (BOBBIO,

1984, p. 43).

Montesquieu (2000) previu, portanto, uma forma de controle de poder por intermédio de uma

divisão que privilegiasse uma limitação, resultado de estudos do governo inglês de sua época. Com tal

enfoque, enfatiza que o abuso de poder pode ser evitado desde que o poder reprima o poder; assim, tem-se

que o meio ideal para tal artimanha é a separação de poderes, cujo fim é a liberdade (BOBBIO, 1984, p. 43).

Adita-se, por oportuno, o posicionamento de Dallari (2006, p. 2016), ao mencionar que Montesquieu

concebe tal sistema para “assegurar a liberdade dos indivíduos”. É o autor, nesse passo, acolitado por

Neumann (1973) e Moraes (2003, p. 156). Na lição do Constitucionalista cearense, que retrata fielmente o

caso em questão “o princípio político da separação de poderes é essencial para a liberdade, e de que os

poderes devem ser distribuídos de tal forma que as partes essenciais de um não venham a ser esmagadas

pelo peso desproporcionado de algumas partes e outros”.

Após a discussão acerca da liberdade negativa, chega-se aos poderes do Estado inventariados por

Montesquieu (2000) - o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. E ele os complementa com o raciocínio de

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que, para haver a separação de poderes, faz-se necessário que estes estejam separados, visando a chegar à

liberdade; ou seja, tudo estaria perdido se o mesmo corpo exercesse os três poderes, pois, no lugar do

contato com a liberdade, restaria estabelecida a ligação com uma força opressora (BOBBIO, 1984, p. 43). A

técnica desenvolvida, portanto, visou à conservação da liberdade em meio ao emprego de preceitos do

Estado Liberal e em aspectos primários da liberdade política. Assim, Montesquieu (2000, p. 166) delineia

sabiamente a noção de que a liberdade política “só existe quando não se abusa do poder; mas trata-se de uma

experiência eterna que todo homem que possui poder é levado a dele abusar; ele vai até onde encontra

limites”.

Essa perspectiva também é reconhecida no pensamento de Kant (2003, p. 155), que, em

complemento, exprime o argumento de que:

Todo Estado encerra três poderes dentro de si, isto é, a vontade unida consiste de três pessoas (trias

políticas): o poder soberano (soberania), na pessoa do legislador; o poder executivo, na pessoa do

governante (em consonância com a lei) e o poder judiciário, (para outorgar a casa um o que é seu de

acordo com a lei), na pessoa do juiz.

Relativamente a esse conceito de liberdade, é lícito asseverar acerca da sua enorme contribuição

com os ideais da Revolução Francesa, prescritos pelos seus primeiros juristas, culminou no art. 16 da

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esse artigo prevê que “toda sociedade, onde a garantia

dos direitos não esteja assegurada nem a separação de poderes determinada, não possui constituição”. O

dispositivo sob análise, assim como muitos outros documentos que triunfaram mundo afora, trouxe a

chamada reforma das instituições e foram capazes de erigir a teoria de Montesquieu a dogma, fazendo dele o

símbolo da liberdade nas organizações do poder político e trazendo o caráter de separação de poderes, de

acordo com os ditames de Maus (2010), “horizontalizada”, diverso do proposto por Locke.

Incontestável, portanto, é a preocupação de Montesquieu com a união dos poderes em um mesmo

corpo, quando destaca que o Judiciário, somado ao Legislativo, seria fato gerador de arbitrariedade e

ausência de liberdade. Já o Judiciário vinculado ao Executivo resultaria em uma forte opressão

(BONAVIDES, 2007, p. 269).

É notória, então, a expressividade do pensamento de Bonavides (2007, p. 246), quando reflete que

“Doutrinariamente, a tese de Montesquieu é a mesma de Locke: a salvaguarda da liberdade, o extermínio da

tirania”.

É perceptível, portanto, o fato de que a Teoria da Separação de Poderes travou constante luta contra

os abusos, porquanto, consoante à intelecção de Piçarra (1989, p. 49), tinha a faculdade de asseverar, a

“exclusão da tirania e do arbítrio inevitáveis quando todos os poderes estão concentrados em um só órgão e

a garantia da liberdade e da segurança individuais, seriamente comprometidas quando as leis são aplicadas

por quem delas é autor”. Por fim, vê-se que as expressões-chave, nesse momento da Teoria, são instituições

de poder, bloqueio e estabilidade.

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4 OS FEDERALISTAS E O PONTO DE VISTA DIFERENCIADO

Consoante evoca Ranieri, os artigos federalistas demonstram o entendimento dos homens no final do

século XVIII acerca da limitação do poder estatal (2013, p. 265).

É sintomática a noção de que a Constituição dos EUA, de 1787 esteja entre as primeiras que

perfilharam a Teoria da Separação de Poderes, juntamente com a Declaração Francesa de 1789 e as

Constituições Francesas de 1791 e 1795 (RANIERI, 2013, p. 265).

A este fato adite-se a perspectiva de que Thomas Jefferson, um dos articuladores da Constituição

dos EUA de que se tratou anteriormente, tenha se utilizado das teorias de Locke e Montesquieu para

incorporar a separação de poderes aos anseios dos federalistas, conforme a fundamentação de Kelly,

Dacombe e Farndon et al (2013. P. 109), expressa na sequência.

De fato, Thomas Jefferson, um dos articuladores da Constituição Americana e de sua Declaração de

Independência, reverenciava Locke e usou muitas de suas frases nos documentos que fundaram o

país. A ênfase na proteção da “vida, liberdade e propriedade” encontrada na Declaração de Direitos na

Constituição e os direitos inalienáveis “à vida, liberdade e à busca da felicidade” na Declaração

podem ser diretamente identificados na filosofia de John Locke um século antes.

O redator da Constituição dos EUA, promulgada em 1789, na Filadélfia, James Madison trouxe, nos

artigos XLVII a LI dos Artigos federalistas, a sua intensa preocupação acerca das limitações de poder.

Com isso, Madison, Hamilton e Jay (1993, p. 350), por meio do artigo nº LI, foram capazes de trazer

à tona a necessidade de empregar a separação de poderes mediante uma metáfora perfeitamente aplicável

aos dias atuais, quando, aduziram que,

Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem governados

por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem internos. Ao moldar um governo que

deve ser exercido por homens sobre homens, a grande dificuldade reside nisto: é preciso capacitar o

governo a controlar os governados e em seguida obrigá-lo a se controlar a si próprio.

De tal sorte, o que se percebe com os Artigos Federalistas, é a problemática enfrentada pela

limitação de poder, haja vista que a mera demarcação de limites constitucionais não seria suficiente para

salvaguardar a concentração de poder em apenas um par de mãos.

Mesmo buscando atributos provenientes dos ensinamentos antecedentes, na interpretação

estadunidense da Teoria da Separação de Poderes, a fórmula de limitação é recíproca entre os poderes do

Estado, sintetizando, assim, o sistema de freios e contrapesos - check and balances – segundo o qual os

poderes se encontram repartidos, porém equilibrados, de modo que não se possa ultrapassar os limites

estabelecidos constitucionalmente.

Destarte, é importante notar que, na França, a separação de poderes cujo marco referencial é a

Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, pode exprimir um aspecto que se

diferencia da perspectiva ianque, qual seja, a de que, muito embora a francesa tenha sido empregada como

técnica de limitação de poder, foi a estadunidense que aperfeiçoou a ideia de equilíbrio e limitação do poder

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pelo poder. Assim, as dicções-chave, nesse momento da Teoria, são repartição de poderes, equilíbrio e

limites constitucionais.

5 ALGUMAS DISCUSSÕES ACERCA DA LIBERDADE

Ao longo dos tempos, é inegável, principalmente no que diz respeito às formulações do século

XVIII, o fato de que os estudiosos tenham se empenhado em diagnosticar um perfeito conceito de liberdade,

que teve concepções destacadas em Hobbes, Locke Montesquieu, Rousseau e Kant, e estas são ilustradas até

os dias atuais (BOBBIO, 2000, p. 103-104).

De início, em Hobbes (1964), a liberdade é um elemento muito próximo do estado civil, pois, no

estado de natureza, as liberdades se confrontam, culminando em uma guerra de todos contra todos.

Para Locke (1998), a liberdade é proveniente da lei, ou seja, em sua teoria, o objetivo da lei é

preservar e aumentar a liberdade.

Montesquieu (2000) validou o que, na sua visão, corresponde à doutrina liberal, e, de acordo com o

capítulo II, do livro XII do Espírito das Leis, intitulado “O que é liberdade”, o Filósofo cuida de revelar que

a liberdade é agir de acordo com a permissão legal, ou seja, é um bem fruto da limitação estatal, o que

corresponde, nesse sentido, a temática da doutrina liberal. Nas preleções de Bonavides (2007, p. 268),

Montesquieu é claro ao distinguir a liberdade sob dois aspectos - o filosófico e o político - já que “A

liberdade do ponto de vista filosófico consiste no exercício da vontade. Do ponto de vista político, cumpre

torná-la com respeito ao cidadão e com respeito à Constituição”. Pode-se concluir, portanto, que a liberdade

política, de que se trata, é um artigo constitucional que possui como sustentáculo a Teoria Separatista.

No concernente à separação de poderes, ao falar de Montesquieu, Bonavides (2007, p. 266) é claro,

quando menciona que “essa limitação se faz indispensável em nome da liberdade humana, sendo sua única

segurança, seu único esteio”. Como forma de complementaridade a este raciocínio, ao comentar o Filósofo,

o sociólogo Aron (2008, p. 24) revela que “diria que um Estado é livre quando o nele o poder limita o

poder”.

Rousseau (2003), no capítulo VIII, do livro I, do Contrato Social, intitulado “Do Estado Civil”,

institui um ideal de liberdade pautado na obediência às leis prescritas por nós mesmos, capazes de promover

a formação da vontade geral, ou seja, uma liberdade dada a si mesmo, que não coincide com liberdade de

autodeterminação individual e sim coletiva; correspondendo, portanto, à temática da doutrina democrática.

Já Kant (2003) adere à doutrina de preceitos rousseaunianos, mas inspirando-se nas concepções de

Direito, de Estado e História, em que a liberdade política perpassa as duas noções de liberdade mediante a

necessidade de mantê-las distintas, o que demonstra uma perfeita avaliação crítica.

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Assim, a liberdade negativa corresponderia à liberdade dos modernos e a liberdade positiva seria

igual à dos antigos. Nestes termos, a liberdade positiva seria agir positivamente no plano da ação, ou seja,

envolve o caráter de autonomia, para determinar o que se deve ou não fazer. Já a liberdade negativa significa

agir de modo que não haja impedimento para a realização de algo, sendo, portanto, uma liberdade delimitada

(BITTAR, 2008, p. 275-276).

Com tais preceitos e após se adentrar a perspectiva de parte dos filósofos políticos que dão respaldo

ao conceito de liberdade, é imprescindível acoplar o posicionamento de Bobbio (1997, p. 13), que acrescenta

uma interdependência de liberdade e igualdade:

O único nexo social e relevante entre liberdade e igualdade se dá nos casos em que a liberdade é

considerada como aquilo em que os homens – ou melhor, os membros de um determinado grupo

social – são ou devem ser iguais, do que resulta a característica dos membros desse grupo serem

igualmente livres ou iguais na liberdade: essa é a melhor prova de que a liberdade é a qualidade de um

ente, enquanto a igualdade é um modo de estabelecer um determinado tipo de relação entre os entes

de uma totalidade, mesmo quando a única característica comum desses entes seja o fato de serem

livres.

Após as noções gerais de liberdade, é factível averiguar a aplicabilidade desse princípio à Teoria da

Separação de Poderes, observando-se que, no modelo proposto por Montesquieu (2000), a liberdade se

reporta a uma máxima preocupação para com a liberdade dos cidadãos em virtude do emprego da divisão

dos poderes, cuja liberdade aparece como independência das esferas e bloqueio à sobreposição de poder,

visando a minimizar os riscos de abuso. Já nos Artigos Federalistas, é notório o fato de que a repartição de

poderes visa a reunir equilíbrio, estabilidade, freios e contrapesos, para que os limites previstos

constitucionalmente não venham a ser ultrapassados; em sendo assim, a liberdade prevista nestes escritos é

próxima do contexto de estabilidade.

6 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E A SEPARAÇÃO DE PODERES

De início, este tópico requer breve diagnóstico histórico acerca da interação do princípio da

separação dos poderes ao longo da atividade constitucional do Brasil. E esse reflexo é perfeitamente

conduzido por Streck e Oliveira (2013, p. 140), quando sintetizam que:

O princípio da separação de poderes foi incorporado ao longo da primeira Constituição Brasileira, que

inaugurou a tradição da sua figuração explícita em todas as Constituições subsequentes, com a

exceção, única, da carta de 1937. A Carta de 1824 discriminou quatro funções estatais: a legislativa, a

moderadora, a executiva e a judicial (art. 10). É escrito que a divisão e harmonia dos poderes é o

princípio conservador dos direitos do cidadão e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que

a Constituição oferece (art. 9º). O imperador, pessoa inviolável, sagrada, não sujeita a

responsabilidade alguma, é o chefe do executivo e exerce o poder moderador, considerado a chave de

toda a organização política (arts. 98 e 99). Com a primeira Constituição republicana, o princípio da

separação de poderes toma o formato tripartite, sem o poder moderador (art. 15). A constituição de

1934 utiliza a palavra coordenados (art. 3º) em vez de harmônicos, esta última sempre adotada pelos

demais textos constitucionais. Como aduzido, a separação de poderes não teve guarida expressa na

Carta de 1937. A Constituição de 1946 retorna com a previsão explícita (art. 36), no que é seguida

pela carta de 1967 (art. 6º) e pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969 (art. 6º).

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Em paralelo a esses aspectos nacionais, há de se perquirir acerca da atuação do princípio em termos

internacionais, pois, de acordo com o pensamento ora complementado Streck e Oliveira (2013, p. 140), “o

princípio da separação de poderes com engendramentos peculiares, é previsto pela generalidade das

Constituições ao redor do mundo”.

Após serem privilegiadas as prerrogativas nacionais e internacionais, faz-se necessária uma

definição do instituto, divisada na lição de Campos (2007, p. 81) para quem;

O princípio da separação de poderes, consistente na divisão das competências concernentes à

elaboração das leis e à aplicação do Direito entre poderes distintos do Estado, institucionalmente

independentes, atende às razões pragmáticas da elaboração dogmática do Direito e da cientifização da

jurisprudência, bem assim à necessidade de impedir que o Poder Judiciário se auto-programe

mediante sua vinculação ao direito vigente.

Neste sentido, a CF/88, com esteio na separação de poderes, trouxe a prescrição do seu art. 2º, em

que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Assim, de acordo com os ensinamentos anteriormente descritos por Montesquieu (2000), a

liberdade é pedra de toque imóvel do princípio da separação de poderes, sendo esta perfeitamente acolhida

pela Constituição Federal de 1998, conforme mencionado, cujo modelo, deveras garantista, é capaz de

salientar, em seu art. 5º, caput, quando traz à baila a determinação de que “Todos são iguais perante a lei,

sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.

Desse modo, o constituinte originário prezou pela harmonia e coordenação entre os poderes,

conforme este é expresso na preleção de Mendes, Coelho e Branco (2009, p. 116):

[...] tem por finalidade orientar os intérpretes da Constituição no sentido de que, instituindo a norma

fundamental de um sistema coerente e previamente ponderado de repartição de competências, não

podem os seus aplicadores chegar a resultados que perturbem o esquema organizatório-funcional nela

estabelecido, como é o caso da separação de poderes, cuja observância é consubstancial à própria

ideia de Estado de Direito.

Faz-se importante acrescentar que a palavra “liberdade” é manifestada por 19 vezes ao logo da

Constituição Cidadã, o que leva a constatar a importância desse ideal trazido pela Revolução Francesa, que

foi capaz de propiciar um aporte teórico não apenas ao objeto de estudo em questão, como também em

diversas outras garantias constitucionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta ocasião, ao se traçar as considerações últimas deste escrito, torna-se imprescindível destacar

uma metáfora ilustrativa inserida em O Senhor dos anéis, obra do escritor Tolkien (2001), quando este faz

perfeita parábola, deixando transbordar mediante um contexto de ficção a maneira como o poder é capaz de

corromper pessoas e instituições, pois, se utilizando da figura de um anel, o literato menciona que o guardião

deste elemento deve levá-lo até a montanha da perdição e posteriormente destruí-lo. Ocorre que, durante o

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percurso, a atitude que era aparentemente fácil se revela quase impossível de se concretizar, haja vista que o

anel, elemento em xeque nessa narrativa, se traduz como retórica do poder, ou seja, um elemento

corruptível, representante perfeito da ambição e do egoísmo causados por ele. Esta metáfora é perfeitamente

aplicável à Teoria da Separação de Poderes, que teve seu ponto máximo de engrandecimento com as

perspectivas de Locke e Montesquieu, posteriormente repaginadas pelos Artigos Federalistas. Neste sentido,

fica a indagação: será que se o responsável pelo anel tivesse sido objeto de algum tipo de controle,

balanceamento, freio, contrapeso, limite ou equilíbrio, a atitude resguardada pela ambição do poder ainda

teria guarida? Acredita-se que, com tais cuidados, os riscos de abuso de poder seriam minimizados, dando

azo à estabilidade.

Destarte, essa é a problemática enfrentada pela separação de poderes desde os seus primeiros

esteios antigos, modernos e até contemporâneos. Isto permite a conclusão, nos termos de Bonavides (2008,

p. 159), ao acentuar que “Competiria pois a esse princípio desempenhar ainda, conforme entendem alguns

de seus adeptos, missão moderadora contra os excessos desnecessários de poderes eventualmente

usurpadores”[...].

Desse modo, não há Estado sem poder, pois este é o princípio que causa unificação à ordem

jurídica. A ilimitação do poder causa repugnância ao pensamento político contemporâneo, porquanto o

razoável é o pensamento contrário da convicção de que o poder deve ser limitado, pois todo poder é passível

de corrupção, inclusive o democrático (PEREIRA, 2005, p. 17).

Assim, Bobbio (2013, p. 8) destaca a importância de dois componentes de estreita relação com a

separação de poderes - o liberalismo e a democracia – e, em consequência, observa: “a exigência, de um

lado, de limitar o poder e, de outro de distribuí-lo”.

A divisão de poderes é um elemento de impedimento do arbítrio, iniciativa que encontra certa

facilidade em autoridades independentes. Com a divisão, pode-se estabelecer um sistema de freios e

contrapesos como garantia da liberdade individual. A ausência de uma divisão de poderes acarreta, também

na intelecção de Pereira (2005, p. 20), a confusão ou concentração de poderes, que “[...] não é propícia à

liberdade individual em regra, estando esta melhor assegurada pela separação, ou pela colaboração de

poderes, que implica evidentemente uma distinção ou separação de funções”.

Com isso, adentra-se a questão a respeito da Teoria Clássica da Separação de Poderes – esta não se

encontraria superada? Pode-se sustentar a ideia de que, mesmo em meio à evolução e à diminuição do

limite, do equilíbrio e da reciprocidade dos poderes do Estado, o que se nota é o possível aumento da

liberdade do cidadão como forma de adaptabilidade das instituições do Estado Liberal ao Estado

Constitucional Contemporâneo. A esse fenômeno se ajunta uma perspectiva de pseudoliberdade, sendo

ainda imprescindível a normativização do equilíbrio do Princípio da Separação de Poderes, conforme a

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previsão estipulada constitucionalmente. Assim, separação de poderes se tornou elemento de vitalidade para

a consecução de um espaço imune às interferências (ACKERMAN, 2007).

Ao falar da confluência entre Direito Constitucional e Ciência Política, Moraes (2013) se reporta à

lição de Bobbio (1986, p. 13), perfeitamente cabível e atual ao contexto sob relação, qual seja, a de que “o

direito e o poder são duas faces de uma mesma moeda, pois só o poder pode criar o direito e só o direito

pode limitar o poder”.

Nestes termos, conclui-se que a grande máxima estabelecida pelo Princípio da Separação de

Poderes restaria configurada mediante a não concentração de poder, visando sempre à divisão, ao equilíbrio,

à estabilidade e à harmonia, para que não sejam usurpadas as funções destes, parecendo pertinente a

fundamentação de Piçarra (1989, p.13), ao descrever a importância da existência de “mecanismos de

coordenação e independência”, produzindo a autolimitação de poder; sem esquecer de que essa separação de

poderes não ocorre de modo drástico e sim com critérios de interdependência e complementaridade entre

eles.

REFERÊNCIAS

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ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Montesquieu: sociedade e poder. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os

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ARISTÓTELES. Política. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

BARRACHO, Carlos. Temas e Ideias em Ciência Política: a questão do poder. Lisboa: Clássica Editora,

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50

SUFRÁGIO-DIREITO E SUFRÁGIO-FUNÇÃO: DIÁLOGO ENTRE ROUSSEAU E

SIEYÈS PARA DEBATER O VOTO COMO DIREITO OU OBRIGAÇÃO

Júlia Maia de Meneses Coutinho

Silvana Paula Martins de Melo

INTRODUÇÃO

Este escrito justifica-se relevante, pois nasceu em meio às erupções históricas e paradigmáticas

acerca do tema, que privilegia elementos de grande valia para a democracia representativa e o Estado

Democrático de Direito, quais sejam, o sufrágio universal e o voto.

Por ora de suas historicidades, o objetivo inicial aflora o enveredamento para a diferenciação

conceitual carregada no íntimo de cada um desses substratos.

Oportunamente, por conseguinte, objetiva-se revelar a soberania da diferença do sufrágio, em

sufrágio-direito (acolhido por Jean-Jacques Rousseau) e sufrágio função (defendido na Revolução Francesa,

por Emmanuel Joseph Sieyès), que se manifesta como pressuposto simbólico do Estado Democrático de

Direito, haja vista a intrínseca relação com a soberania popular e a soberania de uma nação.

Metodologicamente, resguarda-se ao tema uma pesquisa inicial de cunho bibliográfico, por meio de

fontes como obras e artigos especializados, além das legislações pertinentes a cada período, pois o direito é

fonte constante de transformações sociais e antropológicas. Em seguida, buscou-se a interdisciplinaridade

entre Ciência Política, Direito Constitucional e Eleitoral para a solução mais adequada da problemática do

escrito, qual seja a ideia de que, por intermédio das evoluções históricas, conceituais, sociais e democráticas,

o sufrágio é um gênero, do qual são espécies o voto e a abstenção, o que chama para si a responsabilidade de

enfrentar a seguinte indagação majorada pelo tema no Brasil: o voto é direito ou obrigação?

2 SUFRÁGIO E VOTO: BREVES NOTAS

Inicialmente, faz-se necessário destacar que os direitos políticos na contextura atual fazem parte de

um dos três grandes elementos dos direitos fundamentais, tornando-se relevantes em virtude da sua estreita

relação com a democracia.

Assim, os direitos políticos hão de ser percebidos como um aparato de normas que promovem o

pleno exercício da soberania, com base no art. 1º, parágrafo único da CF/88. Isto é perfeitamente acolhido

pela definição de Ferreira (1989, p. 228), quando exprime que os direitos políticos são “prerrogativas que

permitem ao cidadão participar da formação e comando do governo”.

Destarte, são espécies de direitos políticos o direito de sufrágio, a alistabilidade, a elegibilidade, a

iniciativa popular de lei, o ajuizamento de ação popular e a organização e participação de partidos políticos.

51

Impende frisar que o estudo em apreço será delimitado pela espécie do sufrágio, que detém o voto, como

manifestação.

No âmbito desta explanação, os direitos políticos não promovem a defesa contra o Estado, mas sim

a integração com ele.

Os direitos políticos comportam a divisão em dois grupos, os primeiros são os positivos, que

aparecem como garantes de participação do povo no poder mediante o sufrágio e que abrangem a

capacidade eleitoral ativa (representada pelo direito de votar, previsto no art. 14, da CF/88). Ao falar a

respeito, Gomes (2011, p. 41) expõe que “é o status do indivíduo perante o Estado” e a capacidade eleitoral

passiva (que é o direito de ser votado, situado no art. 14, §3º, da Magna Carta). Os outros constituem os

direitos políticos negativos, coadunados como regras capazes de privar os cidadãos, por meio da perda

definitiva ou temporária (suspensão), do direito de votar e ser votado, cabendo ainda determinadas restrições

à elegibilidade em certas circunstâncias.

No âmbito da elegibilidade e inelegibilidade, faz-se necessário introduzir a percepção de Rollo

(2010, p. 2), haja vista a sua ampla visão que nos permite adentrar a seara do Direito Comparado, quando

leciona que se criam

[...] regras de inelegibilidade ou condições de elegibilidade para impor restrições à disputa de pleitos,

desprezando esse tripé da democracia ou ficando à margem dele. Na maior parte das vezes, inclusive,

essas regras obedecem a conceitos ideológicos, ao contrário de atentar, para a busca do bem-estar do

eleitor, algo que deveria ser o principal objetivo dos quantos ungidos para o exercício do poder pelos

resultados das urnas. Estados Unidos e Alemanha não possuem regras restritivas para os disputantes

de pleitos, não cabendo a ninguém imaginar tais países com menos densa democracia representativa

em comparação que a encontrada no Brasil.

Com a visão de Rollo (2010) acerca de países como Estados Unidos e Alemanha, quando se

ressaltam a elegibilidade e a inelegibilidade em contraposição à realidade brasileira, pode-se verificar que,

do mesmo modo, em relação à Alemanha, encontra-se o poscionamento de Max Weber (2014).

Goyard-Fabre (2003, p. 46), ao abordar o tema da democracia, acrescenta a pertinente opinião de

que “A dificuldade, portanto, consiste em determinar o que é o povo nesse regime”. Esse entrave divisado

pela autora é expandido perante o pensamento de Bobbio (2013, p. 35), quando aborda esta reflexão:

[...] A democracia é certamente a mais perfeita das formas de governo, ou pelo menos a mais perfeita

entre as que os homens foram capazes de imaginar e, pelo menos em parte, de realizar; mas

justamente porque é a mais perfeita é também a mais difícil. Seu mecanismo é o mais complicado;

mas, justamente por ser o mais complicado, é também o mais frágil. Esta é a razão pela qual a

democracia é o regime mais desejável, mas também o mais difícil de fazer funcionar e o mais fácil de

se arruinar: ela se propõe a tarefa de conciliar duas coisas contrastantes, que são a liberdade e o poder

[...].

Chega-se, portanto, ao ponto de máxima correlação ao tema: a democracia como pressuposto de

ampla magnitude no Estado Democrático de Direito, e que carrega consigo variadas definições, haja vista, a

gama de possibilidades que a regra da maioria possibilita em um regime político.

52

Este fato nos faz evocar a noção de que a democracia exige uma cultura política mínima de

consciência da cidadania, promovida pela regra da maioria. Tal significado quer dizer, o “voto é, na

realidade, o maior instrumento de exercício da cidadania”. (BARROS, 2008, p. 206).

Oportuno, neste momento, é destacar que o art. XXI da Declaração dos Direitos do Homem da

Organização das Nações Unidas, de 1948, justifica o pensamento de Kelsen (2000) e Aristóteles (1998).

Assim, podemos inferir que o Estado de Direito resguarda que a força das leis deve chegar a todos,

de modo isonômico. Nestes moldes, o Estado Democrático de Direito permite que o povo participe

efetivamente, objetivando, uma sociedade livre, justa e solidária, em que todos, governantes e governados,

estejam submetidos, igualmente, à forma da lei.

Com esteio no art. 1º, parágrafo único, da CF/88, promove-se a percepção de que todo poder emana

do povo, ou seja, daquele que carrega consigo a condição de primeiro titular do Poder Constituinte

Originário, que o exerce mediante representantes eleitos ou diretamente nos termos da Constituição Federal.

Já o art. 14 determina que a soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direito e

secreto, com igual valor para todos, o que caracteriza a democracia indireta ou representativa, e, nos termos

da lei, mediante iniciativa popular, referendo e plebiscito, elementos da democracia dita direta ou

participativa. Nota-se um exercício, misto, portanto, da soberania popular, cujo nome é democracia

semidireta. É este, pois, o caso do regime de governo do Brasil.

Tais espécies de regimes democráticos estabelecem estreita relação com a cidadania, já que esta

representa o aparato de direitos fundamentais e de participação na vida estatal. A cidadania é exercida de

modo ativo, com o direito de escolha dos governantes, e, de modo passivo, com o direito de ser escolhido

governante. Com tais premissas, determinadas pessoas podem exercer ativamente a cidadania sendo

eleitores, mas não podem exercê-la passivamente como candidatas, a exemplo do art. 14, §4º da CF/88, ao

prescrever caso dos analfabetos.

Particularidade importante a ser suscitada é a inexistência da democracia sem o pluralismo político,

já que este se revela como pedra de toque em prol da harmonia entre interesses antagônicos, ou seja, o

pluralismo garante a participação de todos nesse processo, inclusive das minorias. O princípio do pluralismo

político, resguardado pelo art. 1º, V, da CF/88, é objeto de desmembramento para diversas outras partes da

Constituição Federal, como, a garantia da manifestação do pensamento, prevista no art. 5º, IV; a livre

convicção política do art. 5º, VIII e o pluripartidarismo do art. 17, o que garante, ainda mais, o equilíbrio de

interesses contraditórios.

Conforme acrescenta Goyard-Fabre (1999, p. 03), “O direito político evolui – e deve evoluir – de

acordo com os problemas criados pela movimentação histórica e pelo progresso das sociedades”.

Hoje, no Brasil, é possível assinalar que o voto é obrigatório, secreto e direto. Então, é que surge a

garantia de maior efetividade da democracia e liberdade do cidadão.

53

Nesse sentido, o sufrágio, significa apoio, refere-se ao direito de votar e ser votado. De acordo com

os fundamentos de Bonavides (2008, p.245), “O sufrágio é o poder que se reconhece a certo número de

pessoas (o corpo de cidadãos) de participar direta ou indiretamente na soberania, isto é, na gerência da vida

política”. O constitucionalista paraibano, docente da Universidade Federal do Ceará, (2008, p. 245)

acrescenta, ainda, que,

Quando o povo se serve do sufrágio para decidir, como nos institutos da democracia semidireta, diz-

se que houve votação; quando o povo porém emprega o sufrágio para designar representantes como

na democracia indireta, diz-se que houve eleição. No primeiro caso, o povo pode votar sem eleger; no

segundo caso o povo vota para eleger.

Importante também é destacar a manifestação de Silva (1993, p. 309) acerca do conceito de

sufrágio, como “direito público de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar

da organização da atividade política do poder estatal”.

Seu atributo de universalidade ocorre quando se outorga o direito de votar a todas as pessoas que

preencham os requisitos estipulados constitucionalmente, sem restrições raciais, econômicas, instrutivas,

sexuais nem religiosas.

Em razão de tais terminologias, impende frisar que o sufrágio é o grande elemento de identificação

de todo esse sistema, e que o voto é um dos instrumentos de determinação, pois o art. 14, da CF/88 assim

previu o sufrágio como universal e o voto como direto e secreto.

De início, muitas são as conceituações para sufrágio, portanto, faz-se preciso destacar as

considerações de Bulos (2012, p. 438), que em lição, “o voto é o exercício do direito de sufrágio. Ambos são

inconfundíveis porque o voto é a manifestação prática do direito subjetivo público de sufrágio”. Nestes

termos, Silva (1993, p. 316) nos remete à ideia de que o voto é o “ato político que materializa, na prática, o

direito público subjetivo de sufrágio”.

Várias são as características do voto: é direto (por meio da escolha direta dos representantes, mas

comporta uma exceção constitucional prevista no art. 8º, § 1º), é secreto (para garantir um processo

imparcial e dificultar a prática do “cabresto”).

O voto também possui o atributo de ser igual (por possuir o mesmo peso e valor para o voto de

todos), é personalíssimo (porque o ato de votar é restrito à pessoa do eleitor sem o envolvimento de terceiro,

ou seja, não se admite voto por correspondência nem por procuração), é obrigatório (aos maiores de 18 anos

e aos de menos 70 anos, mas comporta a exceção pela faculdade de votar no caso dos analfabetos, com

idade de 70 anos e mais os que se encontram na faixa etária dos 16 aos menores de 18 anos), é livre (por

comportar a liberdade de votar em quem quiser ou até mesmo incorrer em anulação do voto) e periódico

(por contar com a sua realização em determinados períodos).

Todas essas características do voto podem ser identificadas, sem quaisquer dúvidas, mas o caráter

personalíssimo, igualitário e secreto deste comporta informações adicionais que serão explanadas à frente.

54

O voto é um instrumento personalíssimo, portanto, não pode ser realizado mediante instrumento de

procuração. É importante relatar, no entanto, que o art. 81, § 1º da CF/88 prevê uma excepcionalidade para a

regra do voto indireto, a eleição indireta para o cargo de presidente da República, caso haja impedimento do

presidente e do vice- presidente nos dois últimos anos do mandato.

O caráter secreto do voto revela a garantia da lisura das votações, de modo a evitar situações de

suborno e intimidação.

Além disso, garante-se, pelo voto com valor igual para todos, a isonomia perante a lei, consoante a

previsão do art. 5º, caput, da CF/88, o que resulta no cuidado da Constituição em garantir a igualdade dos

cidadãos ante o exercício do voto, ou seja, para o constituinte, todos os participantes desse processo

possuem a mesma importância em relação à política. Releva lembrar que o valor igual do voto teve raízes na

Revolução Francesa, conforme é abordado tanto por Laboulaye (1886) como por Losurdo (2004), ao

assinalar que a Revolução trouxe o primeiro resquício de sufrágio universal para a Europa, tempos depois

disseminado para os outros continentes.

Ademais, é importante abordar as três espécies de voto que originam o questionamento central

deste tema - os votos nulos, em branco e de legenda. No primeiro, ao eleitor é possível de digitar nas urnas

um número incompatível com a disputa do pleito, o que ideologicamente representa a não identificação do

eleitor com os candidatos e partidos da disputa, ou seja, o voto nulo representa, portanto, uma forma direta

de protesto. O segundo, chamado de voto em branco, é também uma escolha e não representa influência no

resultado, mas a abstenção proveniente dele implica a qualificação dos candidatos aos cargos. O terceiro e

último, denominado voto de legenda, encontra amparo legal na Lei das Eleições (nº 9.504/97) em seu art. 60

e representa a vontade do eleitor em assinalar o número do partido em vez do número do candidato em

relação ao cargo disputado, sendo assim, computado para a legenda da agremiação partidária.

3 DIÁLOGO: SUFRÁGIO-DIREITO E SUFRÁGIO-FUNÇÃO - O VOTO COMO

DIREITO OU OBRIGAÇÃO?

As constituições dos Estados democráticos de direito recepcionam o povo como titular da

soberania, pois o poder supremo em uma democracia, como o próprio étimo desse vocábulo, pertence ao

povo.

Evidencia-se o fato de que o constituinte originário, ao preceituar, no parágrafo único do art. 1º da

Constituição Federal de 1988, que “Todo o poder emana do povo [...]”, considerou o regime democrático

como pedra de toque republicana. Assim, ensina Muller (2010, p. 51)

[...] todo o poder de Estado não está no “povo”, mas “emana” dele. Entende-se como exercido por

encargo do povo e em regime de responsabilização realizável perante ele. Esse entendimento de

“emanar” também não é supostamente metafísico; é normativo. Por isso não pode ele permanecer

uma ficção, senão que deve ter o poder de desembocar em sanções sensíveis na realidade, tendo

necessariamente ao seu lado a promessa democrática na sua variante ativa.

55

O povo, consoante expresso, é titular da soberania no Estado brasileiro, exercendo-a por via do

sufrágio universal e do voto direto, secreto e igualitário. Na intelecção de Neves (1994, p. 72-73):

As disposições constitucionais referentes ao sufrágio universal, igual e secreto têm por objetivo

assegurar a independência do eleitor em relação a seus outros papéis sociais e, dessa maneira,

imunizar o procedimento eleitoral contra diferenças de status e opinião.

O sufrágio, por sua vez, guarda relação com os direitos fundamentais, pois a conquista desses

direitos foi marcada por um processo histórico em que a Constituição de 1988, também conhecida como

democrática, tornou-se um instrumento de garantia de tais direitos.

A inserção da sociedade no âmbito político, por intermédio da participação popular, e a escolha de

representantes, mediada pelo sufrágio, permitiu que houvesse a transferência do poder do soberano para o

povo, asserindo a democracia sob os ditames dos direitos fundamentais da escolha e da liberdade.

Na perspectiva Rocha (1996), a participação política é direito fundamental ostentado na Declaração

dos Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas, de 1948 (art. XXI).

Os direitos fundamentais estão ligados diretamente à liberdade de consciência e escolha.

Inicialmente individuais, ao longo dos anos, esses direitos foram evoluindo para atender as carências da

sociedade no âmbito coletivo.

Neste passo, optamos aqui pela corrente doutrinária que divide os direitos fundamentais em quatro

gerações, logo, possuem grande relevância os direitos de primeira geração ou de liberdade - direitos civis e

políticos - no que toca à efetivação da democracia, considerando que, com esses direitos conquistados, a

pessoa tem a liberdade de escolha de seus representantes, sem ser reprimida ou coagida, bem como os

direitos de quarta geração, onde figuram, como preleciona Bonavides (2006), o direito à democracia, o

direito à informação e o direito ao pluralismo.

Tendo sido a democracia afirmada sob a égide dos direitos fundamentais, destaca-se o fato de que o

sufrágio universal constitui um de seus pilares no Estado Moderno. O voto, conforme precedentemente

assinalado, é o instrumento de exercício do direito de sufrágio, assim como é o expediente pelo qual o eleitor

expressa a vontade na escolha de seus representantes ou sobre os assuntos que lhe exigem manifestação. Em

outras palavras, por intermédio do voto, o eleitor materializa sua confiança em determinado candidato ou

legenda. Ocorre que o eleitor pode ainda manifestar o voto de maneira inválida, por via do voto em branco

ou nulo. Estes não serão computados, de maneira que o eleitor exerce o direito de sufrágio, mas não

manifesta validamente sua vontade pelo voto, consoante é mais bem elucidado doravante.

O voto emerge como verdadeiro instrumento de legitimação para entrega do poder do povo aos

seus representantes, porquanto é ato fundamental para concretização efetiva do princípio democrático

consagrado pelo Texto Constitucional de 1988.

56

A conjunção de problemas analisada neste ensaio consiste na obrigatoriedade ou não do voto, haja

vista o fato de que sua natureza jurídica é objeto de debate entre os juristas. Para tanto, se faz essencial

definir se o sufrágio é direito ou função, pois se manifesta como pressuposto simbólico do Estado

Democrático de Direito no século XXI, considerando-se a intrínseca relação com a soberania popular e a

supremacia do Estado-nação.

Doutrinariamente, também, há que se falar em grandes debates travados com vistas a este escopo.

Imperioso é mencionar duas teorias antagônicas: a primeira (sufrágio-direito), historicamente representada

por Jean-Jacques Rousseau (2013), que procedeu coerentemente da sua doutrina da soberania popular,

quando refletiu acerca do contrato social, afirmando, em síntese, que ninguém pode tirar dos cidadãos o

direito de voto; e, em sentido contrário, a segunda (sufrágio-função), capitaneada por Barnave apud

Duverger (1956), na Revolução Francesa, e por Sieyès (2001), segundo a qual o sufrágio não é a vontade

autônoma do eleitor que intervém na eleição, mas a vontade soberana do Estado-nação. Para responder à

indagação respeitante ao sufrágio, é elucidativo o posicionamento de Bonavides (2008, p. 245), quando

relata:

As escolas que respondem a esse quesito podem repartir-se em duas correntes principais: a dos que se

acolhem à doutrina da soberania nacional, e são conduzidos então a ver no sufrágio uma função; e a

dos que se abraçam à doutrina da soberania popular, para dai o interferirem como um direito.

Conforme se aceite a primeira ou a segunda das posições acima anunciadas, chegaremos ao seguinte

resultado: à admissão do sufrágio restrito, quando se entende que, mediante o voto, a coletividade

política exerce uma função (doutrina da soberania nacional); ou ao reconhecimento do sufrágio

universal, quando, pelo contrário, se toma o poder de participação do eleitor como exercício de um

direito (doutrina da soberania popular).

No trabalho sob relatório, preferimos o posicionamento revelado na doutrina da soberania popular,

o de remeter ao sufrágio a perspectiva de direito e não de função, haja vista o fato de que a doutrina da

soberania nacional revela que o sufrágio não é um elemento de vontade autônoma do eleitor que participa da

eleição, mas sim a vontade soberana do Estado-nação. Assim, na lição de Bonavides (2008, p. 246),

[...] Com o sufrágio, segundo a mesma doutrina, não é a vontade autônoma do eleitor que intervém na

eleição, mas a vontade soberana da nação. Podendo pois a nação investir no exercício da função

eleitoral tão-somente aqueles que julgar mais aptos a cumprir esse dever, dessa doutrina decorre com

mais frequência, além do sufrágio restrito, o princípio da obrigatoriedade do voto, bem como o

chamado mandato representativo, com que se consagram conforme já patenteamos, a atuação

independente do eleito em face do eleitor.

A respeito do sufrágio-direito, o constitucionalista (2008, p. 246-247) expõe:

Quanto ao sufrágio-direito, resulta da concepção de que, sendo o povo soberano, cada indivíduo,

como membro da coletividade política, é titular de parte ou fração da soberania. Toma-se o povo

numa acepção quantitativa; faz-se do sufrágio a expressão da vontade própria, autônoma, primária, de

cada indivíduo componente do colégio eleitoral; admite-se enfim que o voto sendo um direito - seu

exercício será facultativo e que o mais lógico para a natureza do mandato seria considerá-lo

imperativo e não representativo.

Dallari (2006, p. 183-184) também se posiciona a respeito do sufrágio-direito e do sufrágio-função,

assim se exprimindo:

57

A constatação desses dois aspectos , ou seja, de que o povo deve ter a possibilidade de escolher seus

governantes e de que tal escolha corresponde a uma necessidade do Estado, suscitou uma polêmica

em torno da natureza do voto, ou sufrágio, sustentando uns que trata de um direito, enquanto que, para

outros, existe apenas uma função, havendo ainda quem preferisse ver no sufrágio apenas a expressão

de um dever eleitoral. A opinião absolutamente predominante é a de que se trata de um direito e de

uma função, concomitantemente.

Superado o debate, isto é, considerando-se o sufrágio como direito, passa-se ao seu estudo na

modalidade universal. Silva (1993) considera universal o sufrágio, quando o direito de votar é assegurado a

todos os nacionais de um país, sem restrições derivadas de condições de nascimento, fortuna ou capacidade

especial. Assim, incumbe esclarecer que não há sufrágio completamente universal (BONAVIDES, 2008).

Geralmente todo sufrágio é restrito. A distinção estabelecida entre sufrágio universal e sufrágio restrito é

relativa, considerando que ambos comportam restrições - o sufrágio restrito em maior grau e o sufrágio

universal em menor grau.

Dessa forma, se alcança a noção de que o sufrágio universal admite a exigência de certas condições,

isto é, de restrições, mas essas limitações não representam privilégios de riqueza ou classe social. Assim, são

excluídas as pessoas com idade inferior a 16 anos, os absolutamente incapazes para a prática de atos da vida

civil, bem como os condenados no âmbito penal, com atribuição de pena transitada em julgado enquanto

durarem seus efeitos, etc. De tal sorte, consoante relatado, o sufrágio universal não pode ser levado em

termos absolutos.

Ante as considerações tecidas nesta relação, passamos ao estudo fulcral da problemática proposta,

qual seja: o voto é direito ou obrigação?

São características do voto, repitamos, personalidade, obrigatoriedade formal do comparecimento,

liberdade, sigilo, periodicidade, igualdade, entre outras. Como requisitos essenciais à validade do voto,

destacam-se a personalidade e a liberdade, pois não pode o eleitor ser substituído por ninguém, ao passo que

pode votar em quem quiser ou até mesmo anular o voto.

Hodiernamente, o Texto Maior consagra o voto direto e secreto facultativo para os analfabetos,

maiores de 16 e menores de 18 anos, bem como para os de idade 70 anos e mais (art. 14, §1º, II, CF/88) e

obrigatório para os eleitores que tenham de 18 a 70 anos (art. 14, §1º, I, CF/88).

Quanto ao voto facultativo, trata-se de instituto mediante o qual o eleitor não está compelido a

participar do processo de escolha governamental, logo o descumprimento do ato de votar, que, no primeiro

momento, seria algo obrigatório, não gera enseja qualquer sanção jurídica para quem não emite o voto.

Bulos (2012, p. 494), dissertando sobre o assunto, relata que: “Nessa hipótese especifica, o eleitor fica

desincumbido do dever jurídico de emitir necessariamente o seu voto. Nem precisa comparecer a uma seção

eleitoral, porque o ato de votar, em tais casos, é opcional. Não enseja qualquer sanção jurídica”. Percebemos

que, o eleitor que deixar de votar em tais circunstâncias não é multado nem privado dos benefícios oriundos

do gozo dos direitos políticos.

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Por sua vez, o voto obrigatório, segundo o pensamento de Bulos (2012, p. 493) é proveniente da

Carta de 1934. O Texto de 1946 o manteve, enquanto a Constituição de 1937 o ignorou. Essa

obrigatoriedade só retornou em 1967, sendo mantida na Emenda Constitucional n.º 1/69, da mesma forma

que na Constituição da atualidade.

As consequências para a inobservância do inciso II do art. 14 da Constituição Federal de 1988 vêm

previstas na legislação eleitoral, ou seja, o eleitor que deixar de exercitar o voto obrigatório, sem se justificar

perante a Justiça Eleitoral, se sujeita a multa (art. 7º, CE5), podendo, ainda, ser privado de vários benefícios,

caso não vote, justifique ou pague a multa arbitrada. Para ilustrar, trazemos à baila algumas das sanções que

podem ser aplicadas ao eleitor em mora. Vejamos: a) o leitor não poderá fazer inscrição ou prova em

concurso público, investir-se ou ser empossado em função pública; b) receber vencimentos, remuneração,

salário ou proventos de função ou emprego público na administração direta, indireta bem como nas

fundações governamentais subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado,

correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; c) participar de concorrência publica da União,

Estados, Território, Distrito Federal ou Municípios e suas respectivas autarquias (art. 7º, §1º, CE) etc.

É significativo compreender, no entanto, que o voto obrigatório não significa uma restrição à

liberdade de voto. O objetivo é sujeitar o eleitor a comparecer à zona eleitoral para manifestar preferência.

Esta, por conseguinte, dentro de uma concepção democrática, é livre e soberana, resumindo-se, atualmente,

à utilização da urna eletrônica e, finalmente, na assinatura da folha individual de votação. Nesses termos,

Cheibub (2012, p. 57) defende o argumento de que “O voto no Brasil é [...] livre (só existe a obrigatoriedade

de comparecer ao local de votação, mas o eleitor pode votar em quem quiser ou até mesmo anular o seu

voto)”, portanto, o direito de voto é único e intransmissível, resultando apenas da vontade do eleitor.

Resta claro, como entende Silva (1993), que essa obrigatoriedade se restringe ao comparecimento à

seção eleitoral e não à indicação de um candidato. No mesmo sentido, ao falar da obrigatoriedade do voto,

Barros (2008, p. 210) transcorre de modo a se entender que

[...] o voto, por si só não é obrigatório. Se fosse, o leitor não poderia anular a sua manifestação de

vontade política. A manifestação „nula‟ e a „em branco‟ não podem ser consideradas voto em sentido

técnico, pois tais manifestações, não são aproveitadas, nem no sistema majoritário, nem no

proporcional. Portanto, entendo que „o que é obrigatório‟ será o comparecimento do eleitor no dia da

eleição, e não o voto, já que o mesmo o mesmo pode opinar pela manifestação „nula‟ ou

simplesmente, votar em branco.

Podemos notar que a obrigatoriedade do voto não impõe ao eleitor o dever jurídico de emitir

necessariamente seu voto. Significa apenas que ele deverá comparecer à seção eleitoral, pois lhe é conferida

a faculdade de votar em branco ou nulo. Acrescente-se a isso o fato de que a própria legislação eleitoral (Lei

n.º 9.504/97) assegura que não serão computados os votos em branco e os nulos, ou seja, o eleitor pode

5 CE = Código Eleitoral (Lei nº 9.504/97).

59

exercer o direito de sufrágio, sem, contudo, manifestar sua vontade pelo voto válido. Desta sorte, o voto não

é obrigatório, mas o comparecimento é dotado de obrigatoriedade.

É válido inferir que o sufrágio é um gênero do qual são espécies o voto e a abstenção. Salientamos

que, embora o voto não seja uma obrigação, representa verdadeira conquista política para o povo brasileiro,

logo, não razoável que o povo deixe de exercer a soberania do qual é titular, para continuar sendo invocado

apenas como metáfora em uma retórica ideológica que serve meramente para justificar as ações do Estado;

ao contrário, o poder do povo deve tornar-se práxis efetiva. Portanto, para que a soberania popular possa

efetivamente ser exercida, se faz necessária a participação política por parte do soberano, que se materializa

por meio do voto.

CONCLUSÃO

A modo de fechamento revela-se que o sufrágio carrega consigo uma soberania da diferença

pautada na distinção entre sufrágio-direito (ROUSSEAU, 2013) e sufrágio-função (BARNAVE apud

DUVERGER, 1956; SIEYÈS, 2001). Tal distinção foi perfeitamente acolhida por Bonavides (2008),

seguido de perto por Dallari (2006), conforme oportunamente destacado em tópicos anteriores.

Isto nos leva a compactuar com a hipótese de prevalência da teoria do sufrágio-direito de Rousseau,

por abraçar a doutrina da soberania popular, já que, de modo contrário, o sufrágio-função de Barnave e

Sieyès submete-se à soberania nacional e revela que o sufrágio não é um elemento de vontade autônoma do

eleitor que participa da eleição, mas sim a vontade soberana do Estado-nação.

Isso nos parece equivocado, pelo fato de o sufrágio, como defendido desde as linhas iniciais deste

estudo ser o ponto máximo do exercício da soberania popular; um pressuposto do Estado Democrático de

Direito no século XXI; ou seja, ele, e o voto são capazes de instrumentalizar o exercício da soberania

popular, já que, por seu intermédio, o povo decide.

Demonstramos a relevância de compreender que o voto obrigatório não significa restrição à

liberdade de voto. Seu objetivo é sujeitar o eleitor a comparecer à zona eleitoral para manifestar uma

preferência. Esta, por conseguinte, sob uma concepção democrática, é livre e soberana.

Por fim, essa obrigatoriedade materializada no Texto Constitucional se restringe ao

comparecimento à seção eleitoral e não à indicação de um candidato. Percebemos que não há imposição ao

eleitor do dever jurídico de emitir necessariamente seu voto, pois lhe é conferida a faculdade de votar em

branco ou nulo, ou seja, o eleitor pode exercer o direito de sufrágio, sem, contudo, manifestar sua vontade

pelo voto válido. Desta sorte, o voto não é obrigatório, mas o comparecimento é dotado de obrigatoriedade.

Ressaltamos que o não comparecimento, sem a devida justificativa perante a Justiça Eleitoral, enseja multa,

assim como a possibilidade de privação de vários benefícios.

REFERÊNCIAS

60

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