aprendercomosoutros.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/24/2019 aprendercomosoutros.pdf

    1/8

    CAPTULO 2.2 DA TESE APRENDIZAGEM AMOROSA NA INTERFACE ESCOLA

    PROJETO DE APRENDIZAGEM TECNOLOGIAS DIGITAIS, por Luciane M. Corte Real

    no PROGRAMA DE PS GRADUAO EM INFORMTICA NA EDUCAO DA UFRGS

    PGIE/UFRGS, 2007.

    2.2 APRENDER COM OS OUTROS OU O ESTATUTO DO OUTRO NA EPISTEMOLOGIA

    GENTICA (JEAN PIAGET)

    Cabe agora, em nosso percurso, detalharmos no sentido de pensar a dimenso coletiva e

    cognitiva do aprender aprender com os outros. Com esse intuito, vamos adentrar em alguns

    conceitos da epistemologia gentica.

    Antes dessa proposta, em breves palavras, apresentamos esse autor.

    Jean Piaget nasceu a 9 de Agosto de 1896 na cidade de Neuchtel, na Sua. Estudou

    Cincias Naturais na Universidade de Neuchtel. Frequentou a Universidade de Zurique onde

    contatou com a psicanlise. Trocou a Sua pela Frana onde realizou os seus primeiros estudos

    experimentais de psicologia do desenvolvimento. Em 1923 casou com Valentine Chtenay. Deste

    casamento teve trs filhas: Jacqueline, Lucienne e Laurent, cujo desenvolvimento intelectual foi

    meticulosamente estudado por Piaget.

    Piaget revolucionou as concepes de inteligncia e de desenvolvimento cognitivo partindode pesquisas baseadas na observao e em entrevisrtas que realizou com crianas. Interessou-se

    fundamentalmente pelas relaes que se estabelecem entre o sujeito que conhece e o mundo que

    tenta conhecer. considerado epistemlogo gentico por investigar a natureza e a gnese do

    conhecimento nos seus processos de desenvolvimento.

    Na dcada de 50, funda o Centro Internacional de Epistemologia Gentica da Faculdade de

    Cincias da Universidade de Genebra, de onde saram importantes obras sobre Psicologia

    Cognitiva.

    Desenvolveu estudos sobre os prprios processos metodolgicos, o mtodo clnico e a

    observao naturalista. Estes mtodos correspondem a importantes avanos na investigao em

    Psicologia.

    Como epistemlogo, procurou determinar cientificamente o processo de construo do

    conhecimento. Nos ltimos anos da sua vida centrou os seus estudos no pensamento lgico-

    matemtico.

  • 7/24/2019 aprendercomosoutros.pdf

    2/8

    Piaget no prope um mtodo de ensino, mas apresenta uma teoria do desenvolvimento

    cognitivo cujos resultados so utilizados por psiclogos e pedagogos. Tornou-se conhecido como o

    mais destacado especialista cognitivo em Psicologia, destacando-se o carcter interdisciplinar e

    criativo que orientou as suas investigaes.

    Aps essa breve apresentao do autor, vamos iniciar esse percurso terico tratando da

    necessidade da coordenao de esquemas entre si e com o outropara a constituio de um sujeito

    psicolgico. O encontro com este outro s poder se dar a partir da estrutura cognitiva (que, de

    incio, reflexa) de cada um dos envolvidos no processo, necessitando de um longo processo de

    descentrao de cada um dos participantes para a distino dessa alteridade. Tambm sabemos que a

    construo das estruturas cognitivas tem um aspecto interno que diz respeito organizao do

    sistema cognitivo e um aspecto externo, no sentido de uma adaptao ao meio que aqui estamos

    tomando como alteridade (no sentido do processo de acomodao/assimilao1). Assim, tambm,

    trabalharemos as noes de descentrao, egocentrismo, cooperao e autonomia at chegarmos no

    pensamento do adolescente, onde essa alteridade tem a possibilidade de estar consolidada.

    Nessa caminhada terica, pontuamos a importncia do afeto na possibilidade da construo

    das estruturas cognitivas.

    Carretero (2001, p. 8), estudando as relaes entre inteligncia e afetividade presentes na

    obra de Piaget, afirma a indissociabilidade desta relao e entre conhecer e desejar. A afetividade

    o motor, a causa primeira do ato de conhecer; o mecanismo que origina a ao e o pensamento, o

    qual implica afirmar que todo ato de desejo um ato de conhecimento e vice-versa. Segundo este

    autor, Piaget demonstra ser claramente monista, quer dizer, parte do suposto bsico de que o afeto e

    a cognio no se do separados do que tomamos como realidade, e sim, que se diferenciam para

    efeitos puramente didticos ou de metodologia de investigao. A fim de estudo, podemos separar

    em funes cognitivas e funes afetivas, mas no comportamento concreto do indivduo so

    indissociveis (PIAGET, 2001, p. 19). Um dos exemplos, conhecido pela maioria dos estudiosos

    de Piaget, o jogo simblico, descrito em seu livro: A formao do smbolo na criana (1971),

    onde explicitamente Piaget se refere s questes afetivas e ao desenvolvimento da estrutura

    cognitiva presentes no jogo simblico. Piaget refere que assimilao do real por meio da fico

    simblica prolonga-se em combinaes compensatrias "sempre que o real mais a construir do

    que a reproduzir por prazer", um ato proibido executado ficticiamente, uma situao desagradvel

    que a criana viveu pode ser tambm vivida novamente ficticiamente para poder elabor-la.

    1 Piaget prope que as relaes entre o sujeito e o meio consistem em uma interao radical, de tal modo que a

    conscincia no comea pelo conhecimento dos objetos nem pelo da atividade do sujeito, mas por um estadoindiferenciado; e desse estado que derivam dois movimentos complementares, um de incorporao das coisas aosujeito, o outro de acomodao das prprias coisas (PIAGET, 1970, p. 384).

  • 7/24/2019 aprendercomosoutros.pdf

    3/8

    Em seu artigo Les relations entre l'intelligence et l'affectivit dans le dveloppement de

    l'enfant, Piaget (1954) nos esclarece as relaes entre a vida intelectual e a afetividade em sua

    teoria. Faz uma analogia com o funcionamento de um automvel que depende da gasolina para

    acionar o motor, mas esta no modifica a estrutura do carro. Exemplifica tambm, quando um aluno

    resolve um problema de lgebra h uma necessidade e, ao longo do trabalho, podem intervir estados

    de prazer, decepo, sentimentos de fadiga, de aborrecimento, de contentamento, etc. A afetividade

    pode impedir, provisoriamente, que um aluno compreenda determinado contedo ou estabelea uma

    determinada relao com as regras, mas no interfere na configurao das estruturas cognitivas.

    Para Piaget (2001, p. 18), o termo afetividade tambm designa os sentimentos propriamente

    ditos e, em particular, as emoes e as diversas tendncias, incluindo as tendncias superiores e

    em particular a vontade.

    Nas relaes entre desenvolvimento intelectual e afetivo, tambm podemos pensar as

    fronteiras da construo de si e do outrona teoria piagetiana. Ilustramos com a seguinte tabela:

    TABELA 1: PARALELISMO ENTRE OS ESTDIOS DO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL E AFETIVO

    (PIAGET, 2001, p. 31-2)

    INTELIGNCIA SENSRIO MOTORA(no socializada)

    SENTIMENTOS INTERINDIVIDUAIS(acompanhada da ao do sujeito)

    I Dispositivos hereditrios:- reflexos- instintos (conj. de reflexos)

    I Dispositivos hereditrios:- tendncias instintivas- emoes

    II Primeiras aquisiesDepende da experincia e da intelignciasensrio-motora: primeiros hbitos e

    ercepes diferenciadas

    II Afetos perceptivosPrazeres ou dores ligadas s percepes esentimentos de agrado ou desagrado

    III Inteligncia sensrio-motora(de 6 a 8 meses, inicia o processo paraaquisio da linguagem que ser por voltados 2 anos)

    III Regulaes elementaresNo sentido de Janet: reaes com sentimentode xito ou fracasso

    INTELIGNCIA VERBAL(conceitual socializada)

    SENTIMENTOS INTERINDIVIDUAIS(intercmbio afetivo entre pessoas)

    IV Representaes pr-operatria(interiorizao da ao em um pensamentono reversvel)

    IV Afetos intuitivos(sentimentos sociais elementares,aparecimento dos primeiros sentimentosmorais)

    V Operaes concretas(operaes elementares de classes e derelaes para um futuro pensamento formal

    V Afetos normativosapario de sentimentos morais autnomos,com interveno da vontade (o justo e oinjusto j no dependem da obedincia deuma regra)

    VI Operaes formaislgica das proposies livre de contedos

    VI Sentimentos ideolgicosos sentimentos interindividuais se duplicam

  • 7/24/2019 aprendercomosoutros.pdf

    4/8

    em sentimentos que tm por objetivos ideaiscoletivos, o indivduo capaz de fazer metasna vida social

    Para Piaget, as construes afetivas e cognitivas so simultneas; logo, no podemos

    identificar qual precede ou condiciona a outra.

    Podemos observar, a partir da tabela, a descentrao, num primeiro estgio, sensrio-motor,

    na atividade no socializada, que se caracteriza pela no diferena eu e outro. Comeo da

    descentrao: a afetividade comea a dirigir-se ao outro medida que o outro se distingue do

    prprio corpo (PIAGET, 2001, p. 48). Com o advento da linguagem, e mais adiante, com a

    reversibilidade do pensamento, a atividade comea a dirigir-se ao outrosocial. A descentrao da

    afetividade aparece juntamente com os primeiros contatos com o outroe, em conseqncia, com as

    primeiras formas de sentimentos interindividuais, sendo uma evoluo da afetividade

    intraindividual.

    A apario (construo) da funo simblica produz uma transformao fundamental na

    vida psicolgica da criana. Graas a ela, esta pode evocar uma situao ausente por intermdio de

    um significante qualquer. A imagem mental, que uma representao interiorizada, e a linguagem

    vo constituir numerosos significantes que permitem estender indefinidamente o mbito da

    inteligncia. A partir da, a criana no fica submetida apenas configurao perceptiva, pode

    referir-se ao passado ou ao futuro. Neste sentido, uma relao diferente da anterior, entre o eu e o

    outro, pode ser configurada com o aparecimento da linguagem. O jogo de exerccio substitudo

    pelo jogo simblico, que inicia com a imitao do outro, na tentativa de acomod-lo a seus

    esquemas de ao at verdadeiras construes de estrias envolvendo suas relaes interpessoais. O

    outro introjetado na imitao.

    A mudana da atividade e da afetividade faz o outro mudana que libera a criana de seunarcisismo muito mais que uma simples e pura transferncia: uma reestruturao detodo o universo afetivo e cognitivo. Quando o outro2se torna um objeto independente, querdizer permanente e autnomo, as relaes eu e o outro j no so simples relaes deatividade prpria com um objeto exterior: comeam a ser verdadeiras relaes deintercmbio entre o eu e o outro (PIAGET, 2001, p. 65).

    Retornando a tabela, observamos que, no quinto estgio, aparecem os sentimentos

    autnomos. A criana capaz de realizar avaliaes morais que, em certos casos, podem entrar em

    conflito com a moral heternoma de obedincia.

    2 Grifo nosso.

  • 7/24/2019 aprendercomosoutros.pdf

    5/8

    Rickes (2002) faz uma construo, baseada na Epistemologia Gentica, da alteridade/outro,

    trabalhando a partir das fronteiras do dentroe dofora3.

    Para a autora, o lao com o mundo, portanto, que vai constituindo o mundo e o prprio

    sujeito, de tal forma que mesmo o que supnhamos como um a priori orgnico os reflexos

    precisar ser construdo numa relao (RICKES, 2002, p. 75). Refere que, a partir de um olhar

    sobre o cotidiano da criana, observa-se que o que constitui uma fronteira fora para um beb, em

    contato com o mundo atravs de reaes circulares, bastante diferente daquilo que compe tal

    limite para uma criana de dois anos em fase de aquisio da linguagem, ou ainda, para um menino

    de 13 anos, capaz de estabelecer relaes de reciprocidade. No beb, observamos, a partir das aes

    sensrio-motoras, a tentativa de construo de um fora, e, no incio, a indiferenciao entre o fora e

    o dentro. Com a construo da linguagem, ele se distancia deste tipo de ao para poder inscrever-

    se, atravs de uma ao internalizada, como o pensamento, at poder estabelecer uma diferenciao

    entre o dentro e o fora, que se realiza cognitivamente, como a alteridade, e com a qual possvel

    estabelecer uma relao cognitiva de reciprocidade.

    Rickes (2002, p. 78) chama a ateno de que a constituio de uma alteridade ocorre no

    momento em que o sujeito pode minimamente reconstruir tal alteridade internamente. Ou seja,

    para que algo seja percebido como habitando o fora deve ter antes deixado algumas pegadas

    dentro. preciso, para que tais pegadas se faam marcar, que algo desse fora tenha sido integrado

    ao sistema, produzindo nele certo desequilbrio que ativar a necessidade de que se faam algumas

    diferenciaes capazes de, ento, reconhecer esse fora numa extenso mais ampla. Da se infere

    que o que se encontra no lugar de fora, de objeto, de alteridade, para o sujeito, est l por que fezcerta marca interna para o mesmo. Mesmo o fora aparece como uma construo interna sempre

    aprimorada, sempre mutante.

    Chamamos a ateno que a construo do outro, alm da estrutura cognitiva, envolve a

    estrutura afetiva. O sujeito se estrutura, cognitivamente e afetivamente, no mesmo movimento que

    estrutura o seu fora. por meio de regulaes de regulaes que a afetao do sistema por algo

    que lhe alter pode ser incorporada de forma a introduzir uma diferenciao passvel de ser

    integrada no e pelo modo de funcionamento de dito sistema (RICKES, 2002, p. 86).

    Um dos trabalhos de Piaget que no podemos deixar de citar, que tambm nos ajuda a pensar

    na estruturao eu/outro, o Juzo Moral na Criana (1994), onde ele trabalha a relao com o

    3 Para Piaget, na relao, no encontro com o fora que o sujeito se constitui em sua funo cognitiva,construindo, ao mesmo tempo e num mesmo movimento, o fora, o objeto, a partir das estruturas que este encontroengendra. na medida em que este fora resiste s expectativas do sujeito, em que este, esperando continuidade,encontra ruptura, que o fora se inscreve enquanto alteridade (RICKES, 2002, p. 42). O que resiste interao situa-seno lado de l, fora em relao a um dentro que busca incorporao do mundo (Idem, p. 74).

  • 7/24/2019 aprendercomosoutros.pdf

    6/8

    outro na construo das regras morais. Tal desenvolvimento vai desde a anomia autonomia e,

    assim, s, ento, possibilitando a cooperao. Neste sentido, podemos pensar que o outroassume

    diferentes posies: da indiferenciao, para hierarquia at a parceria.

    Para Piaget, a autonomia constitui-se no ponto de chegada de uma longa construo que tem

    seu princpio na anomia, ou ausncia de regras poderamos acrescentar, na indiferenciao

    existente entre eu e o outro, uma vez que as regras inscrevem o outro assim como so o efeito dessa

    inscrio (RICKES, 2002, p. 164). A regularidade nas aes da criana passa do estatuto de ritual

    para o de regra, quando nessa regularidade intervm algo relativo ao social, seja a presena da

    autoridade de um adulto que lhe impe certo comportamento, seja a de outra criana com quem

    compartilha determinada repetio. A incluso do outro (na construo das regras) produto de

    construes endgenas do prprio sujeito e no simplesmente algo que a presena do outro impe.

    Nessa construo o ritual toma um novo carter, transformando-se em regra. Desde cedo, vemos

    que o nvel no qual o sujeito constitui seu fora produz diferenas qualitativas na relao que este

    mantm com as regras (Idem, p. 164).

    O perodo da anomia, segundo Piaget (1994, p. 19), um momento egocntrico, no qual as

    crianas, mesmo acompanhadas, jogam sozinhas, cada uma para si, sem se ocuparem uma das

    outras ou da codificao das regras: [...] em outros termos egocentrismo significa ao mesmo tempo

    ausncia da conscincia de si e ausncia de objetividade, enquanto tomada de conscincia do objeto

    inseparvel da tomada de conscincia de si. Na modalidade heternoma de lidar com as regras,

    elas so concebidas como sagradas, imutveis, advindas desde fora, inculcadas pela presso de

    coao adulta.

    O ponto de chegada das sucessivas construes, da anomia heteronomia, a autonomia.

    Esta a possibilidade de cooperao que se instaura com a construo da reversibilidade da ao.

    Na autonomia as regras aparecem como resultado de uma deciso que deve ser respeitada na

    medida em que foram coletivamente tomadas. A regra decorrncia do respeito mtuo.

    Somente na medida em que o sujeito capaz de descentrar de seu ponto de vista, colocando-

    se no lugar do outro, armando uma possibilidade de cooperao operar com , que seu agir pode

    ser autnomo. Chamamos a ateno que a construo do pensamento rumo descentrao e, porconseqncia, operao, com a reversibilidade que lhe intrnseca, a construo da

    possibilidade de engendrar relaes de cooperao e a autonomia que essa implica. Esse processo

    s tem a possibilidade de acontecer nas relaes coletivas ou, dizendo de outra forma, em vivncias

    com o outro.

    Cada relao social constitui, por conseguinte, uma totalidade mesma, produtora de

    caractersticas novas e transformando o individual em sua estrutura mental (PIAGET, 1973b, p.

  • 7/24/2019 aprendercomosoutros.pdf

    7/8

    35). A potencialidade produtiva das relaes sociais tem sua mxima expresso nas relaes de

    cooperao, ou seja, na capacidade adquirida pelas aes terem se tornado reversveis, nas quais o

    sujeito tem a possibilidade de agir cooperativamente, pois o outrose faz presente como um igual,

    como passvel de troca. Para Piaget (1994), a cooperao/autonomia pressupe ter em conta o lugar

    do outro, o que no est dado desde o incio, mas produto de uma construo.

    Para Montagero e Naville (1998),

    a noo de cooperao est ligada perspectiva psicossocial pela qual (o) Piaget dos anosjovens procurava explicar o desenvolvimento cognitivo. Do ponto de vista da atitudeintelectual, essa forma de interao ope-se ao egocentrismo dos estados iniciais que limitao indivduo a seu prprio ponto de vista (p. 123).

    No plano social, a cooperao pode conduzir prtica solidria e idia de justia, portanto

    a construo de valores. Da mesma forma, no plano intelectual, a cooperao abre possibilidades,

    ao liberar o sujeito de uma atitude egocntrica, permitindo o acesso lgica. A cooperao , por

    outro lado, no nvel das relaes interindividuais, o equivalente da reciprocidade lgica. A

    cooperao, em uma perspectiva desenvolvimentista, marca uma passagem a equilbrios melhores,

    definidos pelas relaes entre os elementos de uma totalidade e a perspectiva construtivista, na qual

    o indivduo atinge a construo de normas por um ajustamento das interaes.

    Para Piaget (1923, p. 74), adaptar-se ao mundo social, como ao meio fsico, construir um

    conjunto de relaes e situar-se a si prprio entre essas relaes graas a uma atividade de

    coordenao implicando a descentrao e a reciprocidade de pontos de vista.

    Montagero e Naville (1998) referem que a noo de descentrao d conta da direo do

    desenvolvimento cognitivo. A princpio, a atividade cognitiva est submetida ao prpria e ao

    ponto de vista imediato. Posteriormente, ela se libera, de forma progressiva, de seus limites iniciais,

    graas descentrao, processo fundamental do desenvolvimento cognitivo. Essa noo definida

    por oposio de centrao. Piaget entende por centrao a fixao cognitiva nos objetivos

    imediatos da atividade pessoal isolada, a fixao na perspectiva prpria e no que se apresenta com

    pregnncia percepo. A descentrao o processo de liberao do egocentrismo inicial. Permite a

    passagem de uma subjetividade deformante a uma objetividade relativa. Insero de um ponto de

    vista prprio em um conjunto de pontos de vista possveis e na insero do eu em um universo do

    qual ele no mais o centro. As coordenaes que permitem as descentraes so ao mesmo tempo

    individuais e sociais. O conceito de cooperaoest estreitamente ligado ao de descentrao.

    Descentrar remete tambm capacidade de se desprender de um aspecto delimitado do real

    considerado at ento, para se levar em considerao outros aspectos e, finalmente, coorden-los.

  • 7/24/2019 aprendercomosoutros.pdf

    8/8

    Outra noo que est inversamente ligada descentrao o egocentrismo. O egocentrismo

    manifesta-se em todos os registros da atividade ou do pensamento, tais como:

    - Lacunas do comportamento interpessoal: a criana tem a dificuldade para se dar conta do

    ponto de vista de outrem: ela cr comungar e comunicar-se com o grupo inteiro mesmo que ela

    proceda a um monlogo incompreensvel para o outro; ela no pode cooperar nas tarefas que

    exigem a conciliao de seus meios e objetivos com os do parceiro.

    - Falha lgica ou dificuldade de compreender as noes relativas: de uma maneira geral, o

    hbito de pensar de acordo com o prprio ponto de vista impede de manejar o julgamento da

    relao, ou seja, de compreender a relatividade das noes por oposio ao seu carter absoluto. Por

    exemplo, um menino de 6 anos declara naturalmente que ele tem um irmo, mas que seu irmo no

    tem irmo (MONTAGERO; NAVILLE, 1998, p. 145).

    Piaget (apud MONTANGERO; NAVILLE, 1998) tambm chama a ateno, em seu estudo

    sobre a linguagem como meio de comunicao, que o verdadeiro dilogo instaura-se quando a

    criana d-se conta da perspectiva do outro, coordenando os pontos de vista com conservao do

    contedo.

    A partir desse breve passeio pela teoria piagetiana pontuamos que na medida em que o

    sujeito cognitivo se diferencia do outro que ele pode integr-lo na construo de seu pensamento

    ou de sua ao. Assim, considerar o ponto de vista do outros pode acontecer quando as estruturas

    cognitivas so capazes de sustentar a reversibilidade do pensamento, no perdendo de vista toda a

    questo de afeco que este ato requer. Retomaremos, no captulo 2.4, a importncia de todo este

    processo para a possibilidade das Aprendizagens Amorosas.