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Fundado em 1856 Director: Oliveira Moura Director-Adjunto: Melo Teodoro III Série Ano I N.º4 Setembro 2001 Preço 100$00 / 0,5 Cidade da Ribeira Grande: Para a Cidade da Ribeira Grande, a não ser que queira continuar a ser um mero ‘satélite’, ou um ‘amplo e cinzento dormitório’, é não só vital como inevitável que se afirme e relacione dentro do multissecular triângulo formado por ela, pela Cidade de Ponta Delgada e Vila de Lagoa, designado pelo Professor Doutor José Cabral Vieira por ‘área metropolitana de São Miguel’. Para tal necessita de resolver já o gravíssimo problema das suas acessibilidades: Variante, Via Litoral, Via Rápida Ponta Delgada, Lagoa e Ribeira Grande e vias centrais no interior da malha urbana histórica. Só assim se poderá tornar mais apetecível, não só ao visitante como ao investidor. Necessita ainda de resolver com tacto e firmeza o dilema entre duas indústrias, hoje conflituais, futuramente complementares: a ligada à construção civil, e seus derivados, que muita mais valia e emprego têm dado à terra, porém, com o desgaste dos patrimónios edificado e paisagístico, e a futura indústria do lazer, neste caso a do turismo. Trata-se, simplesmente, de ‘não deixar morrer a galinha de ovos de ouro’. Precisa, sobretudo, de pensar que tipo de Cidade quer ser e planeá-lo agora para os próximos dez, quinze anos, rumo a um futuro onde a qualidade de vida não seja a vil e apagada tristeza da de hoje. Urge fazê-lo com as suas duas parceiras, não numa lógica estritamente concelhia, mas de área. SUPLEMENTO CALDEIRAS Cartoon A partir do século XIX, as Caldeiras da Ribeira Grande, assumem-se, gradualmente, como lugar de relevo, não só pelo aprazível da sua paisagem, bem como pelo uso, com fins terapêuticos, dos seus banhos termais. Elas passam a ser um ex-libris da então Vila da Ribeira Grande, bem como da Ilha de São Miguel. Podemos, então, reconhecer que a verdadeira demanda para as Caldeiras começou. Caldeiras Paisagem Histórica Artur Buraca Um Idealista no Benfica Artur Jorge Ferreira Santos é um jovem, de 18 anos, contratado, por três anos, pelo Benfica. Natural da Ribeira Grande, o jovem talento está a viver o seu grande sonho: o de jogar numa grande equipa. DIÁLOGOS Pólo autónomo e complementar ‘Área metropolitana de S. Miguel’ PÁG. 8 ÚLTIMA

‘Área metropolitana de S. Miguel’...tornar mais apetecível, não só ao visitante como ao investidor. Necessita ainda de resolver com tacto e firmeza o dilema entre duas indústrias,

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Page 1: ‘Área metropolitana de S. Miguel’...tornar mais apetecível, não só ao visitante como ao investidor. Necessita ainda de resolver com tacto e firmeza o dilema entre duas indústrias,

Fundado em 1856 Director: Oliveira Moura Director-Adjunto: Melo Teodoro III Série Ano I N.º4 Setembro 2001 Preço 100$00 / 0,5

Cidade da Ribeira Grande:

Para a Cidade da Ribeira Grande, a não ser que queiracontinuar a ser um mero ‘satélite’, ou um ‘amplo ecinzento dormitório’, é não só vital como inevitável quese afirme e relacione dentro do multissecular triânguloformado por ela, pela Cidade de Ponta Delgada e Vila deLagoa, designado pelo Professor Doutor José CabralVieira por ‘área metropolitana de São Miguel’. Para talnecessita de resolver já o gravíssimo problema das suasacessibilidades: Variante, Via Litoral, Via Rápida PontaDelgada, Lagoa e Ribeira Grande e vias centrais nointerior da malha urbana histórica. Só assim se poderátornar mais apetecível, não só ao visitante como aoinvestidor.Necessita ainda de resolver com tacto e firmeza o dilemaentre duas indústrias, hoje conflituais, futuramentecomplementares: a ligada à construção civil, e seusderivados, que muita mais valia e emprego têm dado àterra, porém, com o desgaste dos patrimónios edificadoe paisagístico, e a futura indústria do lazer, neste caso ado turismo. Trata-se, simplesmente, de ‘não deixarmorrer a galinha de ovos de ouro’.Precisa, sobretudo, de pensar que tipo de Cidade querser e planeá-lo agora para os próximos dez, quinze anos,rumo a um futuro onde a qualidade de vida não seja avil e apagada tristeza da de hoje. Urge fazê-lo com assuas duas parceiras, não numa lógica estritamenteconcelhia, mas de área.

SUPLEMENTO

C A L D E I R A S

Cartoon

A partir do século XIX, as Caldeiras da RibeiraGrande, assumem-se, gradualmente, como lugar derelevo, não só pelo aprazível da sua paisagem, bemcomo pelo uso, com fins terapêuticos, dos seus banhostermais. Elas passam a ser um ex-libris da então Vilada Ribeira Grande, bem como da Ilha de São Miguel.Podemos, então, reconhecer que a verdadeira demandapara as Caldeiras começou.

CaldeirasPaisagem Histórica

Artur Buraca

Um Idealista no Benfica

Artur JorgeFerreiraSantos é umjovem, de18 anos,contratado,por trêsanos, peloBenfica.Natural daRibeiraGrande, o

jovem talentoestá a viver oseu grande

sonho: o dejogar numa

grande equipa.

DIÁLOGOS

Pólo autónomo e complementar

‘Área metropolitana de S. Miguel’

PÁG. 8

ÚLTIMA

Page 2: ‘Área metropolitana de S. Miguel’...tornar mais apetecível, não só ao visitante como ao investidor. Necessita ainda de resolver com tacto e firmeza o dilema entre duas indústrias,

2 Setembro 2001

7.ª ARTE

Contribuinte N.º 512 060 398Número de Registo: 123813Apartado 6, 9600 Ribeira GrandeCorreio electrónico: [email protected]. 963560639Depósito Legal N.º:166371/01

Impressão: CoingraParque Industrial de R. GrandeTiragem 1500 exemplares

Ficha Técnica:

Jornal MensalDirector: Oliveira MouraDirector-adjunto: Melo TeodoroColaboradores: António Valdemar, Cristóvão de Aguiar,Daniel de Sá, Fátima Borges, Fernando Silva, Luís Noronha, NelsonTavares, Onésimo de Almeida, Pe. António Rocha, Pe. Edmundo Pacheco,Pedro Câmara Pereira, Teófilo de Braga, João Miguel Fernandes Jorge

Propriedade:

Publicidade: Luís FariaContacto: 919020517Paginação: Francisco Veloso

Porte PagoRegião Autónoma dos Açores

Cooperativa Mãe d’Água, C.R.L.Sede: Centro Cultural de R.Grande

Manuel Bernardo Cabral

Há coisas que teimam em nãomorrer, ou que, quando parecemjá à beira da extinção encontramnovo fôlego e renascem dascinzas. Outras ainda erguem-seda noite do esquecimento a queo tempo as votou, voltando coma sua presença teimosa aomundo dos vivos. É neste últimocaso que se insere “A EstrelaOriental”, ilustre representantedo combativo jornalismo do sécXIX e inícios do XX, que desdehá três números faz sentir a suapresença entre nós, ressuscitadopela teimosia de um verdadeiro“magriço” da cidade nortenha dailha do Arcanjo. Incomodativopara uns, uma lacuna que hámuito urgia preencher paraoutros, este mensário é acima detudo um desafio para todos,desde aqueles que se atreveram avoltar a dar-lhe voz, às forçasvivas do concelho a quemcompete acarinhá-lo, para queessa voz que é a sua não se voltea calar, e até a mim, a quem foiincumbida a tarefa de ocasionalescrevinhador de coisas dasétima arte, qualidade na qualaqui me apresento hoje.A 7.ª Arte, curiosamente, é maisuma dessas coisas que se recusaa morrer. Nascida no final do sécXIX, tornou-se na arte porexcelência do séc. XX. Àproliferação inicial dos“nickelodians”, primeirosrecintos onde se podiam ver as“fitas”, seguiu-se a explosão dassalas de projecção. Nos cinco

continentes, o ritual da salaescura torna-se num facto davida. Por cá, assume um estatutoquase tão sagrado como a missado domingo, encantando demaneira particular os jovens e amiudagem, mas apelando tambémirresistivelmente aos adultos, nãofaltando quem tivesse o seulugar cativo no cinema da sualocalidade. Mas nos anoscinquenta tudo mudou. Ainvasão das nossas casas pelacaixa mágica a que chamamostelevisão fez tremer a 7.ª Arte.Salas de cinema fecham em todoo mundo, e o fim parecia à vista.Mas, apostando num tipo deprodução nitidamentediferenciado do produtotelevisivo, a quem legou comoherança o conceito de filme desérie, que o pequeno écrantransformou nas séries que hojeconhecemos, a indústriacinematográfica reagiu, deixandoclaro que o grande écran não iriamorrer. Desaparecem as salas defilmes de série B e a maior partedos cinemas de província, queexibiam geralmente duas “fitas”por sessão, assim como muitasdas grandes e sumputuosassalas de estreia. Mas emcompensação surgem ospequenas “cinemas de bolso” eos “multiplex”, que fazemrenascer uma forma de vercinema que parecia já moribunda.Um pouco por toda a parte ocinema resiste, e até retomaterreno, identificando e ajustandoo seu produto aos váriossegmentos de mercado.Nas nossas ilhas o tempo nãoparou, mas é seguramente maislento, como se aqui os minutos,horas, segundos, dias, semanas,anos ou meses tivessem umaduração mais longa do que norestante universo. Coisas darelatividade que não sei explicar,mas que retardaram por duasdécadas o surgimento da tal caixamágica pelas nossas paragens.

Mas quando ela surgiu o efeitofoi devastador. Aqui nesta ilhaque chamamos nossa, as salas decinema que por ela seespalhavam foram fechando emcadeia, ultrapassadas pelo talcaixotinho ridículo, mas bem maispoderoso devido à suaestratégica colocação no seiodas nossas casas. Poucasescaparam, e o Teatro Ribeira-Grandense não se encontravaentre os sobreviventes. Comuma vida intermitente nos anos80 e uma degradação físicavisível, que levou ao seudesactivamento total no finaldessa década, parecia tambémcondenado a um fim inglórioqualquer. Felizmente, houvequerer e poder, e o Cine TeatroRibeira-Grandense renasceu dascinzas, qual “fénix renascida”.Sobre o renovado complexo queé hoje abstenho-me deconsiderações leigas, podendoapenas dizer que na minhamodesta opinião qualquer cidadeonde se encontre deverá sentir-se orgulhosa. Sobre a reaberturade um espaço dedicado à 7.ª Arte,na sua forma final mais pura, queé a da comunhão colectiva dosespectadores com o mundoaliciante do grande écran, só meresta regozijar, desejando que omenú apresentado pela empresaexploradora das salas de cinematraga aos espectadores não só odesejado entretenimento, mastambém alguns desafios.7.ª Arte, ‘A Estrela Oriental’ eCine Teatro Ribeira Grandense.Um trio de resistentes queteimam em libertar-se das leis damorte. Um trio que espero,continue a ser acarinhado poruma cidade que os merece, e quedeles necessita.

EditorialA. Salvaguarda do Solar deLalém na Maia

Recuso-me, apesar da legislaçãoinvocada em contrário, em nomedos benefícios que o ‘Ciclo’ deTurismo trará, a aceitar a inevi-tabilidade da construção pela firmaCaetano Raposo & Pereiras dedois inestéticos abrigos pré--fabricados junto a este modelarequipamento turístico, na fre-guesia da Maia, por três razões:

1- Convém à Ribeira Grande ecertamente à sua representante, aCâmara Municipal, porque sendoeste o Concelho micaelense maiscarente em boas infraestrurasturísticas, não só não pôr emcausa a funcionalidade dasexistentes como promover osurgimento de outras iniciativasde igual qualidade;

2- Convém ao Solar de Lalém, queatingiu um notório e reconhecidopatamar de qualidade manter estamais-valia;

3- Convém à firma CaetanoRaposo & Pereiras, não criar má--fama junto da numerosa e selectaclientela internacional, atraída pelo‘slogan’ Açores, Natureza QuaseIntacta, certamente potencialutente dos seus serviços.

Em suma, será mais fácil mudar alocalização dos Abrigos Pré--fabricados do que transferir oSolar de Lalém. Consulte-se, aoque consta, a recém aprovada Leide Bases do Património e, talvez,se encontre uma solução con-sensual. Havendo Vontade, Bom--Senso e Bom-Gosto, obviamente.É caso para se dizer: ‘Não se matea galinha dos ovos de ouro.’

B. Salvaguarda do ColiseuMicaelense da Cidade dePonta Delgada

Sou a favor da salvaguarda doColiseu Micaelense, mas, a serem

correctas as notícias divulgadaspor diversos órgãos de comu-nicação social daquela Cidade, aoque parece não desmentidas, soucontra a sua ‘aquisição e recu-peração pelo Governo Regionaldos Açores’ (A.O., 31 de Julhode 2001), por duas razões:

1- Porque há muito vivemos emclima pré-eleitoral para asautárquicas, o Governo Regionaldos Açores pode ser acusado defavorecimento desleal à candi-datura do P.S. à Câmara Muni-cipal de Ponta Delgada, des-favorecendo injustamente todasas demais, incluindo, por isso, ado partido que sustenta ogoverno à Câmara da RibeiraGrande;

2- Porque, sendo assim, é lícitoesperar do Governo Regional dosAçores, passe a metáfora, comoPai que se pretende justo eimparcial, que use do mesmocritério para os restantes filhoslegítimos da Região Autónomados Açores, a saber: 5 Cidades e14 Vilas.Estes, em nome do tão decantadoPrincípio de SubsidariedadeRegional, esperarão que o, pelosvistos, Abonado, Misericordiosoe Magnânimo Pai lhes adquira erecupere, ou construa algoequivalente a dois Teatros (TeatroMicaelense – já confirmado -,Coliseu Micaelense – no segredodos Deuses), a um Parque daCidade (Pinhal da Paz), a um Hotel--Escola, a um Parque de Con-gressos, a uma Marina, a umaAvenida, etc. e tais.

Que se saiba, o Governo Regionalnão nadará em dinheiro. Então,só poderá ser das duas uma: ouuma evidente, ilegal e injustamanobra eleitoral, ou um simplesespirro epifenómico da nossasilly season.

Oliveira Moura

[email protected]

Cupão de AssinaturaFotocopie e envie para A Estrela Oriental, Apartado 6, 9600 Ribeira Grande

Desejo ser assinante do jornal A Estrela Oriental, recebendo o jornal na morada indicadaJunto envio cheque no valor de 1000$00 (5 ) do Banco

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3Setembro 2001

Mário Moura / Hermano TeodoroDiálogos - Professor Doutor José Cabral Vieira

MM: Poderá caracterizar, emtermos breves, social eeconomicamente a RibeiraGrande no contexto dasrestantes cidades insulares?CV: Antes de mais, falar daRibeira Grande, em termos desuperfície, é falar de umarealidade com cerca de ¼ da Ilhade São Miguel. No que respeitaao seu enquadramento narealidade insular, estamos a falardo terceiro agregadopopulacional dos Açores, logo aseguir a Ponta Delgada e a Angrado Heroísmo. Trata-se de umarealidade, no contexto regional,com uma determinada vocaçãoindustrial que se pode ver atravésde uma certa localização daindústria da construção civil,todo o processo a montante destaindústria, como, por exemplo, aconstrução de blocos, aextracção de areia, extracção eserração de basalto. Depoistemos outras actividadesindustriais, nomeadamente oslacticínios e a geotermia, embora

haja quem considere esta últimacomo um serviço. Será ainda dereferir, e isso é de relevar, que éuma realidade bastante próximado principal centro populacionale económico dos Açores: PontaDelgada. No contexto regional,coloque-se prudentemente talexpressão entre aspas, existiráuma área metropolitana,formada por Ponta Delgada,Ribeira Grande e Lagoa. Estessão os três centros económicosmais dinâmicos do arquipélago.Tal facto, ao que creio, explicaráa própria fixação da população.Analisando o últimoRecenseamento Geral daPopulação, constatamos que, emtermos de crescimento dapopulação residente, há umacréscimo percentual elevado dapopulação deste triângulo que,entre 1991 e 2001, cresceubastante acima da média regional:em primeiro lugar, surge a Lagoa,em segundo, Ponta Delgada e,em terceiro, a Ribeira Grande. Nocaso concreto da Ribeira Grande,

A economia ribeiragrandense3.º Agregado populacional dos Açores

a taxa de crescimento é de 4,83%,enquanto que a média regional éde 1,8%. Exceptuando Vila Francado Campo, que está ao mesmonível estacionário, Povoação eNordeste diminuem. É pois,Lagoa, Ribeira Grande e PontaDelgada, a grande área decrescimento. Aliás, as fronteirasconcelhias nesta área, à medidaque as cidades se vãoexpandindo, tendem cada vezmais a esbater-se: para as cidadesde Ponta Delgada e de RibeiraGrande e para a vila de Lagoa,talvez mais do que falar emfronteiras concelhias, será maisútil pensar-se em termos decomplementaridade ereciprocidade. Não temosdúvidas que uma parte dosignificativo crescimentopopulacional da Lagoa, atingindoqualquer coisa como 9,5%, porconseguinte, muito acima do1,8% de crescimento médio daRegião Autónoma dos Açores,terá a ver com a expansão de todaa área de Ponta Delgada: as

pessoas co-meçam a des-locar-se para aLagoa. À medi-da que as viasde comunica-ção forem me-lhorando, no-meadamente aanunciada li-gação PontaDelgada, La-goa, RibeiraGrande, a mo-bilidade entreelas será muitomaior, o que permitirá a alguémresidir numa e trabalhar noutra.A sua interdependência tenderáa aumentar, assim, justifica-seque os grandes projectos, mesmoos infraestruturais, devam serencarados cada vez mais emconjunto, ao nível de área, nãoao nível individual, de cadaespaço em si mesmo.

‘Área metropolitana de São Miguel’

MM: O que se designou, entreaspas, por área metropolitana dailha; ou seja, no triângulo RibeiraGrande, Lagoa e Ponta Delgada,encontra justificação ainda emfinais do século XV, vivendo-se,desde então, num regime decomplementaridade em pé deigualdade. Contudo, hoje, PontaDelgada dita o desenvolvimento dasoutras duas: Lagoa e RibeiraGrande. Veja-se o exemplo doTurismo, em que o GovernoRegional estabeleceu três Centros:Ponta Delgada, Angra e Horta.CV: A que nível?MM: Ao nível de todas asinfraestruturas dos serviços deapoio ao Turismo: Direcções eDelegações Regionais de Turismo,etc. Ao nível governamental, poisao nível da iniciativa privada cadaqual é livre de investir onde bementenda. Ou mesmo ao nível doincentivo público autárquico.Todavia, quando entra o incentivopúblico regional, dinheiro de todosnós, para estimular uma área em

contrário da Ribeira Grande que temuma determinada taxa de atracçãode pessoas, ou pelo menos não temuma determinada taxa de repulsão,desconheço a natureza dofenómeno, estes concelhos têmuma taxa de repulsão bastanteelevada. As pessoas, exactamentepor falta de oportunidades, tendema sair. Como não tenho dadosestatísticos pormenorizados não seise a Ribeira Grande tem uma taxa derepulsão baixa ou uma taxa deatracção elevada. Mas isso terá aver, em princípio, por um lado, como desenvolvimento que se temverificado nos últimos anos, poroutro, também com a proximidade ecom o desenvolvimento de PontaDelgada. Creio que odesenvolvimento desta últimaCidade, só pode trazer benefíciospara a Cidade da Ribeira Grande evice-versa. Mas a questão dacomplementaridade reflecte odesenvolvimento de modelointegrado, os projectos terão queser comuns, será necessário ter umavisão global de toda esta área.Assim, por exemplo, sendo verdadeque os hotéis estão localizados emPonta Delgada, porém, pode havercomplementaridade turística com aRibeira Grande.

MM: Como?

detrimento de outra, muitas vezespara reforçar o que já é forte, emdetrimento do mais fraco, aí algovai mal. O árbitro está a tomarpartido. Por exemplo, uma coisa é ainiciativa privada dizer que hotéisrentáveis só na cidade de PontaDelgada, outra é o GovernoRegional, fazendo tábua rasa aodesenvolvimento harmónico,multipolar, aceitá-lo. O que devefazer é, tal como sucede em outrasilhas, criar condições deinvestimento.Inclusive, as vias de comunicaçãoprometidas para o triângulo, namelhor das hipóteses só estarãoprontas, se não houver nada pelocontrário, nos próximos dez anos.Até lá o ‘lobby’ da construção civil,pelo que se vê, aposta em grande naconstrução, em extensão e emaltura, na área de Ponta Delgada.Um dos seus representantesconfessou publicamente que nospróximos dez anos a população dePonta Delgada atingirá os 100 000habitantes. De onde virão? Das

outras Ilhas? Do resto da Ilha? Porum lado, é a desertificação dasoutras ilhas e do interior da de SãoMiguel, por outro, é a concentraçãoem Ponta Delgada, com todos osinconvenientes negativos para aperda de qualidade de vida dos ponta-delgadenses.CV: Já se nota a saída de populaçãode outras ilhas. Aí há doiselementos a considerar: PontaDelgada começa a ficar saturada eas pessoas cada vez mais procuramtrabalhar no centro e viver fora. Comas novas vias de comunicação,Ponta Delgada, Lagoa e RibeiraGrande ficarão, por conseguinte,com melhores condições. De facto,creio que a tendência destas duascidades e uma vila é para crescerem.Se as pessoas, vão circular dentrodeste triângulo, então os poderespúblicos têm que concorrer com asinfraestruturas adequadas,nomeadamente as novas vias decomunicação, as acessibilidades,que temos vindo a referir.MM: E fora desta área?CV: Não tenho muitaspreocupações em relação a estepólo, que designo por áreametropolitana, creio que com asinfraestruturas projectadas ele teráo dinamismo necessário para sedesenvolver. Todavia, em relação aoutros concelhos da ilha e a outrosde outras ilhas, aí começo a sentiralguma apreensão. Neles, ao

Perfil Auto-biográfico

Nasci emPonta Del-gada, ilha dasFlores, e aípermaneci atéaos dezasseisanos, altura emque me trans-feri para acidade daHorta. NestaCidade, estu-dei do 10.º ao12.º anos deescolaridade,tendo poste-r i o r m e n t e

rumado à Cidade de Lisboa,onde me licenciei em Economiapela Universidade Técnica. Em1987, regressei aos Açores.Casei em 1989, voltei no mesmoano a Lisboa para fazer umMestrado na Faculdade deEconomia da Universidade Novade Lisboa. Em 1994, rumei àHolanda, onde fiz oDoutoramento em Economia naUniversidade de Amsterdão.Desde 1987, tenho vindo aexercer funções docentes naUniversidade dos Açores.Escrevi para o jornal Açores, senão me erra a memória, de 1992 a1994, mais tarde transformado emRevista Açores. Ainda em 1994,já na Holanda, mantinha umacoluna semanal naquela Revista.Depois, por dificuldades decomunicação, não havia ainda orecurso ao correio electrónico,parei esta colaboração. Há cercade um ano, recomecei a colaborarcom a imprensa local, no casovertente com o Jornal AtlânticoExpresso.Desde Novembro de 2000, soudeputado à AssembleiaLegislativa Regional dos Açorespela Ilha de São Miguel, eleitocomo independente na lista doPartido Socialista. Continuo,entretanto, por me ser permitido,a colaborar com o Departamentode Economia e Gestão daUniversidade dos Açores.Ainda antes de ser deputado,era e mantenho a Direcção doMestrado em Gestão Pública

(Continua na pag.6)

O Professor Doutor JoséCabral Vieira, ligado, de ummodo independente, àAssembleia LegislativaRegional dos Açores, acedeua participar nestes “Diálogos”,não na condição de deputado,mas sim na de ProfessorUniversitário e de cidadão.

EO

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4 Setembro 2001

Penacova, Segunda-feira 2de Abril de 2001 - ConheciVitorino Nemésio, em carne eosso, numa viagem deprovisório regresso à Ilha, abordo do Carvalho Araújo,após o meu primeiro ano deestudante de Coimbra. Alémdo alvoroço de ir ao encontroda Ilha, nesse tempo aindanão perdida em totalidade,mas já querendo alojar-se noíntimo, e cuja ausência mehavia sido penosa ¾ tive asorte de ver visivelmentevisto o poeta de BichoHarmonioso e o escritor deCorsário das Ilhas, título emque foi inspirado o nome daRepública onde vivi comoestudante. Local mais bemescolhido não poderia tersido escolhido para talencontro: um navio e o mar,os dois pilares sobre os quaisassenta a trave-mestra dasensibilidade do ilhéu ilhadoou desilhado. Dou a palavraao Poeta: Como eu gosto deestar / Aqui na minha janela/ A dar miolos às aves! /

Uma conversa sobre Nemésio - IIPonho-me a olhar para omar: / ¾ Olha um navio semrumo! / E, de vê-lo, dá-lho avela, Ou sejam meus cíliostristes: / A ave e a nave, emresumo, / Aqui, na minhajanela […]. Todas as tardeslevo a minha sombra a beber,/ Como uma nuvem, ao marque saiu do meu ser: / Não émais doce a sombra docavalo / Aberta pelo luar, e odono a acompanhá-lo […].

Como bicho não harmoniosoque eu era nesse tempo já tãoabolido, não me atrevi sequera chegar à fala com odemiurgo de O Mistério doPaço do Milhafre e de CasaFechada. Mas, como semprefui curioso e bom ouvinte,fui-me aproximando,

timidamente, do grupo deestudantes para quemNemésio preleccionava.Dissertava sobre cavalos,havia alguns no porão. Acheiestranho. Mas, no decorrerrodeado daquele retouçar dapalavra, como na Ilha se diz,o espanto foi tomando posse

de mim ou eu dele. O Poetanão discorria sobre o cavalocomo um qualquer eguariço.O animal transmudara-se, nobrasido da conversa, empretexto cultural para oMestre excursionar pelaIdade Média, com os seuscavaleiros andantes, a poesiatrovadoresca, o D. Quixote…Sabia eu já que os seusalunos da Faculdade deLetras experimentavamgrande dificuldade em tomarapontamentos, porque asaulas do Mestre rasgavamjanelas para o imenso mundoda Literatura, da Linguística,da História, da Filosofia, daCiência, que o Professor tãomagistralmente encadeava,vogando na asa de umapalavra mais assinalada, deuma sugestão, de umaassociação de ideias. As suasprelecções na sala de aulanão se compadeciam com aestreiteza de uma liçãomonótona, com plano prévioe com as consabidas fases demotivação, exposição, e nãosei que mais, até àconsumação da aridezpedagógica e à consumiçãodos estudantesestenografando anotaçõespara o seu magro sustentointelectual…Mal sabia eu que aqueladivagação sobre o cavalo, nonavio e com o mar servindode fiança, seria a gestação oujá a fase de preparação de um

livro de poesia, O CavaloEncantado, publicado doisanos mais tarde: O meucavalo é todo memória: / Umfio de vento contra estrelas, /A lanterna que sai dacocheira, como elas / Do póda noite para as nuvensaltas. / Nas lavas do mardoce, ele manso e a quatro /Compõe comigo um largomovimento, / Umacontinuação de amor e decomeço / Entre canas deaurora e melros debicados: /Ele vivo e móvel como quemé tudo, / Cavalo dehorizonte, e pelo modo debeber, / O topete na cara, oolhar de lua, a pata fresca, /Alto da morte por enquantona minha vida de cavaleirohoje madrugando […].

Não se poderá falar deVitorino Nemésio sem, pelomenos, se lhe associar duasgrandes personalidades suascontemporâneas, em Coimbra:Miguel Torga e PauloQuintela. Enquanto Professorem Bruxelas, nos finais dadécada de trinta, Nemésioteve como aluna AndréeCrabbé, já nessa altura,interessada pela obratorguiana. Vinda paraPortugal em consequência daSegunda Guerra Mundial,vive temporariamente em casade Nemésio, então na RuaAntero de Quental, ondeconhece o escritor que nessa Cristóvão de Aguiar

altura já havia publicadoAnsiedade, Rampa, Tributo eAbismo, em poesia; e PãoÁzimo, A Terceira Voz e ostrês primeiros dias daCriação do Mundo, emprosa. Poucos anos maistarde, e creio queapadrinhado pelo próprioNemésio, realiza-se ocasamento civil de AndréeCrabbé Rocha com o cidadãoAdolfo Correia da Rocha,médico, natural de SãoMartinho de Anta, que, comopoeta e escritor, havia jáadoptado, em 1936, no seulivro A Terceira Voz, opseudónimo de Miguel Torga.(Continua)

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5Setembro 2001

Não sou bom a procurar aquilo queperco. Nem os “Versos a uma cabrinhaque eu tive”. Poema que li – e já nãosei a que livro de Nemésio pertence –um pouco antes de o ter comoprofessor. Esses versosacompanhavam-me, muitas vezes, nocaminho de minha casa até às suasaulas. Mais do que os versos dopoema, o seu título ainda hoje meocorre.Ligo esses versos a uma cabrinha aospersonagens do Mau Tempo noCanal, de onde se ergue, sempre, aserpente cega. Sobre o chão do Faialou do Pico, de uma onda na travessiado Canal ou no desfazer de uma curvaque leva à Urzelina, ela surge. Acabrinha deixa-se enfeitar nos seuscornos com a serpente cega. Nãovinculada ao ouro ou à única pedrapreciosa que lhe dava a visão, mas talcomo o tenente pobre da MargaridaDulmo se habituou a vê-la: anel;serpente cega enroscada ao dedoanelar dessa espécie de fada faialense.A minha serpente cega não é um arode ouro com um rubi encastrado numadas esferas oculares e com o outroolho vazado. A serpente cega queguardo não passa de um retorcidoferro. A sua extensão é bem maior doque a necessária para um anel. OsDulmo ou os Terra poderiam dela terfeito um colar ou uma pulseira. Teriaficado bem rodeando o pescoço ouum dos pulsos de Margarida. Masqual deles a levantaria do chão doscampos – peça de arado ou de outroqualquer instrumento agrícola terásido a sua origem – para o tratamentode um joalheiro? Nenhum. SalvoNemésio, o próprio, não enquantofigura da sua prosa, mas enquantopersonagem de si mesmo e dos seusversos. Ou, quem sabe, enquantorecolhia nota sobre nota, para o seuestudo sobre os Jesuítas ou para AMocidade de Herculano, tivesseentressonhado uma serpente. Não deouro, modelo tão em voga nos anéisdesde o final do século XIX até aoperíodo entre as duas guerras, mas deferro.Também eu tive Nemésio comoprofessor, como muitos outros quepassaram pela Faculdade de Letras deLisboa. Era uma turma de História daCultura Portuguesa. Fui sempre umaluno de pouca assiduidade. Masmanhã em que me levantasse cedo,não perdia as suas aulas. Nelas tudocabia. Desde a cultura da batata (ouda semilha) à teoria sociológica deWerner Sombart.

Rodeado de IlhaVERSOS A UMA CABRINHA QUE EU TIVE

Dele não esqueço o seu histrionismoao contar uma passagem de GasparFrutuoso sobre o povoamento da ilhaGraciosa. Aí é referida uma famíliaque desde cedo habitou a ilha: osSodré. Desse episódio fixei o seuentusiasmo e o realismo queemprestou à cena de um afogamento

de um desses Sodré , ao regressar anado do ilhéu da Praia.A aula terminou com uma incursãoheráldica sobre as armas dos Sodré.As palavras que descrevem as peçasdas armas caíam sobre a sala como sefossem, ainda, o doloroso e últimoimpulso para uma braçada de quemiria perecer, afogado. Nemésio faziarolar sobre o silêncio da sala, oderradeiro golpe contra a fúria da onda:“Sobre o azul, um chaveirão de pratacarregado de três estrelas de seispontas, de vermelho, acompanhadasde três gomis de prata. Sobre o todo,um leão devorador, garras e línguatiradas de muito rubro”.Durante anos tenho mantido a visãodessas armas dos Sodré. (Parece quenão eram bem assim. Alterou-as umpouco. Pelo menos no que respeita àfigura do leão. Mas sempre que vejoo ilhéu, da avenida marginal da vila daPraia, vejo uma imensa onda arrastar,ferozmente, para as funduras doAtlântico um desses homensprimeiros no povoamento daGraciosa).Nemésio dizia mais, no relato desseafogamento: “A onda, uma coluna desal, avançou sobre o rapaz. Na margemdo ilhéu, em dia de julho de muito sol

pode-se ver o rebrilhar desse sal e nelese inscreve uma vaga figura humana”.Nunca estive na Graciosa num diaquente de julho. E não me parece – ostemas bíblicos renascem, muitasvezes, da palavra de Nemésio – que oilhéu da Praia, visto da vila, em algumdia quente de julho, se assemelhasse à

salinizada Sodoma sobranceira ao MarMorto.Há, nas figuras criadas por Nemésio,muito de auto-retrato. Ele paira entreessa cabrinha que insinua ter tido, umdia, na sua ilha de infância e essa“Menina Rosa de Holanda” (“Azul àporta, aroma na janela,/Dêsne que avi a minha vida anda/Amarela,amarela”) transfigurada pela suaimaginação. Para depois parecer quetermina, na sua extensão de homem ede poeta, junto desse poema “Pedrade Canto”, onde a idade surge prontaa explodir num canto derradeiro, masnão resignado na amplitude de voz ede sexo.Também há muito do seu retrato nospersonagens que constrói nas páginasda sua ficção. Irrompem, brilham eextinguem-se de um modo veloz. Sãovozes de gente que dá às suas palavrasum carácter de secreta veemência, paralogo de seguida a transformar, tal comoum olhar vazio se pode trocar por umaimagem de medo. Essa gentenemesiana tem energia, mas tambémtem e sabe suportar grandes dores.Num geral são homens ou velhasmulheres que irrompem de madrugada,vindos da lonjura do sono, com as suascabeças cobertas de cabelos brancos.

São gente que fala dos deuses doOlimpo ou da processão dos nomesde um deus único. O seu auditório -quem os vê e ouve acabou de serdespertado de madrugada erapidamente regressa à pazconsoladora que o sono representa noinferno quotidiano – parece-se com

inocentes pastores que trazem as suashoras nas terras de erva da Terceira.Mas esses velhos vêm à boca do sonode cada um dos seus ouvintes e dizem:“Este mundo não é nada fácil”.É este o modo sobre o qual Nemésioedificou a sua obra. A vida da ilhapermanece. Rodeia a sua escrita equando alguém enterra as mãos nosbolsos da sua fala encontra umaeconomia que não está directamenteassente no dinheiro, mas numacompaixão convulsiva. É que, na ilhada sua escrita não há, de uma formaexacta, sentimento, mas simsensibilidade.Como justifico o que estou a dizer?Não serei eu quem o terá de fazer.Nemésio encarrega-se disso na quasetotalidade dos seus versos. Veja-seaquele com que termina “Menina Rosade Holanda”. É assim que lhe dáfechamento: “Rosas de fogo, meninaRosa, me coube dar”.Dar. Um verbo que não é transportede sentimento. Somente leva consigosensibilidade, como um insecto pólennas suas patas ou um pássaro uminsecto no bico. Um verbo que quertransmitir o desejo de, a um tempo,fazer a rosa feliz e a Rosa (igualmente)feliz. Um pouco como quem quer

aproximar o desejo de felicidade daperdiz e do caçador ou, então, do peixee do pescador.Dizem-me, os da Ribeira Grande, quenão me posso alongar mais. Que tenhode ficar por aqui, mesmo em ano decentenário de Nemésio. Todavia, aindame atrevo a dois ou três parágrafos.Um dia, num almoço do grupo Cénicoda Faculdade de Letras, coube-me asorte ou o azar de ficar sentado ao seulado. Não me falou dos Açores, masdo Brasil e da festa de Santo Antão,em Óbidos. Pelo fim do almoço acendium cigarro. “Tu fumas, rapaz! É umacoisa tão feminina!” E iniciou umainterminável conversa com quemestava sentado do outro lado.Vinguei-me, mais tarde, quando pusnum poema, a sua Terceira, a crescer;não para cima, mas para baixo; e muitodevagar.Por sua causa, levava na lista de coisase sítios a ver, quando cheguei pelaprimeira vez a S. Miguel, a Lagoa doCongro. Aí, sim. A sua cabrinhamove-se com destreza, de oco em ocode árvore. Ela representa um factoético sobre fundações inabaláveis. Queé quando à angustia de imoderadacompaixão se segue a dor de uma raivainocente, mas impiedosa. Sob os seuscascos desliza muito longe o nossopensamento; serpente que se eleva naaérea música do vento por entre oscompactos troncos de criptoméria.Aí, na margem da Lagoa do Congro,juro ter já ouvido a sua voz, escondida,entoando a lenga-lenga do Romancedas Cinco Guardas: a primeira guardaera um velho que não dormia; asegunda guarda era uma campanagarrida; a terceira guarda, uma leoaparida; a quarta guarda, um rio quebem corria e a quinta e última guardaera dois manos que eu tinha.Fala mais ou menos assim a canção.Nemésio girava-a entre os dedos comoum redondo seixo; como a medalhado seu primeiro centenário, anverso ereverso com os versos do seu rosto.Haveria de a atirar, por fim, depois debem cantada, às águas da lagoa. Nomais perfeito dessa água, a vida tem aprofundidade e a escuridão de umtanque de lodos abatidos. A vida:serpente cega de uma canção.

Olá a todos!O meu nome é Bruno Raposo,tenho 21 anos e sou estudantedo 3.º ano de Psicologia daUniversidade Lusófona emLisboa. Além disso, sou micae-lense e nortenho.Venho através deste e-mailsalientar a minha satisfação aosaber da publicação deste jornal.

Aquando da minha chegada deLisboa, e já um pouco cansado,deparei-me com o n.º 3 destejornal em cima da mesa da sala deestar. Eu que não sabia sequerda vossa existência (ignorânciaminha, é claro!), fiquei imen-samente satisfeito por saber quefinalmente o concelho da RibeiraGrande tem umjornal que fale, critique, aprove,

enfim, dinamize as consciênciaslocais, pelos vistos, há muitotempo adormecidas.Li atentamente o jornal e, comovivi toda a minha infância, parteda adolescência e continuo apassar muito tempo da minhavida no Porto Formoso e nonosso concelho, senti-me feliz/triste com a notícia da aberturado areal ao público. Passo a

explicar: senti-me feliz por tudo oque foi escrito sobre esteassunto na secção NORTADASdo jornal, mas triste porque aabertura do Areal de SantaBárbara implicou, de forma clara,um abandono da Praia dosMoinhos por parte da CâmaraMunicipal de Ribeira Grande.Enfim, um jornal não serveapenas para produzir

pensamentos agradáveis naspessoas, para isso, compravaum livro de fábulas e de históriasinfantis.Sem mais comentários a fazer ecom disposição para qualquercolaboração com este jornal,despeço-me.

Com cumprimentos,

Bruno Raposo

OPINIÃO

João Miguel Fernandes Jorge

Arquivo Autor

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6 Setembro 2001

CV: A Ribeira Grande tem, todoso reconhecem, problemas porresolver. Por exemplo, do pontode vista da revitalização, darecuperação da Cidade, emtermos dos próprios edifícios, háuma certa degradação da Cidade.Quem passa nota-o. Comoresolvê-lo? Aí há vários poderespúblicos. Tem o grave problemado trânsito, que tem que serprioritariamente resolvido. ARibeira Grande tem de deixar deser uma Cidade de passagem,para passar a ser uma Cidade dedeslocação e de algumapermanência. As pessoas param,antes do Nordeste e das Furnas,para tomar o café, comer um bolo,mas não permanecem.Vou sugerir, então, como sepoderá realizar a desejada enecessária complementaridadeturística (isto é uma visão que temtambém o seu quê de eco-nómico). Para que as actividadeseconómicas se fixem é precisoque haja uma certa e determinadaatracção dos locais. Para o casoconcreto da Ribeira Grande, porum lado, desvio de trânsito paraa envolvente (pesado), por outro,para a via litoral (ligeiros); ou seja,libertar o espaço no centro daCidade. Eventualmente, a nãoser os carros normais para cargae descarga, não poderá havertrânsito no centro. Não sei setransformá-lo numa espécie de‘calçadões’. Por exemplo, todasas Cidades do Brasil os têm: umazona central onde pura esimplesmente não passamcarros, uma área dinâmica ondeas pessoas se deslocamlivremente. Tem claramente de

existir uma área desta natureza. Énecessário criar condições paraque a iniciativa privada sedesenvolva. E aí vou chegar àquestão da complementaridadeem sentido mais abrangente. Ofacto de as pessoas estarem aviver ou a dormir em PontaDelgada, nãoquer dizer quenão venham jan-tar ou almoçar àRibeira Grande, adistância nem égrande. Mas, aonível da res-tauração, é pre-ciso que a RibeiraGrande ofereçaeste atractivo. Omesmo deveráacontecer a outros níveis. Umaforma de o fazer passa pelaexploração das riquezaspaisagísticas e arquitectónicas;não vou dizer se isso deverá serfeito pela iniciativa pública oupela privada, se deverá ser opúblico a incentivar os privados.Há exemplos na ilha: as Câmarasda Povoação e de Nordestecontribuíram para a abertura deunidades de alojamento. Poderiaser em outros sectores. Aindaassim, as pessoas podem estarnos hotéis em Ponta Delgada,mas só lá ficam para dormir,todavia, elas podem e devemvisitar a Ribeira Grande, ir ao café,ao restaurante, etc.. O caso daCidade holandesa de Leiden.Parece incrível o que elesconseguem vender aos turistas.Um pequeno fontanário que emsi mesmo despertará poucointeresse, está integrado num

Libertar o centro da Cidadecircuito da Cidade que demoratrês horas a completar; o que fazcom que as pessoas, com vagare deleite, parem em vários pontos:esplanadas, cafés e outrasvalências. A Ribeira Grande temmuito disso. Outro exemplo:Zaanse Schans, uma pequena e

próspera localidade holandesa,permite estabelecer um certoparalelismo com a Ribeira Grande.Ali desenvolveu-se umapoderosa indústria associada aosmoinhos de vento. O distrito deZaan chegou a ter 900 moinhosde vento, utilizados não só paraa moagem de cereais, tais comotrigo e milho, mas também paramoer materiais empregues emoutras indústrias, nomeadamentea de tinturaria. Porém, com ainovação tecnológica, esta áreaentrou em recessão económica.Apesar de alguns moinhos teremdesaparecido, o grosso perma-neceu. Hoje em dia, a área foirevitalizada. Como? Algunsmoinhos continuam activos, coma função de demonstração,integrados num circuito dosmoinhos que atrai milhares deturistas. Este recurso patrimonial,que não foi destruído,

transformou-se num inegávelpotencial económico. Elesustenta um determinado númerode empregos, a restauração eoutros serviços ali estabelecidos.Creio que os moinhos da RibeiraGrande poderiam ser utilizadosdeste modo, tal como o circuitodo chá, ou do linho, ou doArcano, entre outros. Acomplementaridade no ciclo doturismo entre Ponta Delgada e aRibeira Grande poderá ser algodesta espécie.MM: Vimos sem sucesso, hádezasseis anos, propondo isso naárea da museologia e património!Aliás, todo o nosso projecto deMuseu vai neste sentido: temosestudado os moinhos e feitocircuitos dos moinhos, temosfeito isso para o Arcano, para opatrimónio edificado, para oarqueológico, etc.. Contudo, oMuseu não existe legalmentenem tem condições suficientespara se desenvolver. É umaquestão de mentalidade.CV: Temos que começar poridentificar os recursos quetemos. Voltando aos moinhos.Apesar de estarem inactivos, elescontinuam, com uma novareconversão, a ser um recursopotencial. Dir-se-á o mesmo como património monumentaledificado e outro. É necessáriotransformá-los em riqueza. Aonível do conceito é fácil, adificuldade envolve sempre a suaconcretização. A questão dasmentalidades não é muito fácil.Excepto no caso de Angra doHeroísmo, onde, ao que parece,já existirá alguma experiência deturismo cultural, no resto dos

Açores está a dar-se os primeirospassos. É necessário haverprofissionalismo, não ceder àtentação de ‘vender gato porlebre’, o turista apercebe-se fácile rapidamente disso, e o mercadointernacional é, nesta área,extremamente concorrencial.Além do mais, e isto é o nossogrande desafio, e a nossadesvantagem: não temosformação nem know how nestaárea.Outra questão é que, obviamente,a indústria moderna exige muitasvezes alterações de fundo. Nãopodemos ter um turismo modernocom uma Cidade neste estado.Na Ribeira Grande, repetimos,um dos grandes projectos, e temde ser sempre pioneiro emrelação a tudo o mais, é aconstrução das vias decomunicação; ou seja, libertar ocentro da Cidade, pois énecessário que as pessoas sedesloquem com gosto pelaCidade. Esta é uma das questõesde fundo da Ribeira Grande. Aesmagadora maioria dasCidades que vive do turismo,proporciona a circulaçãopedestre calma e descontraídaaos visitantes.MM: Torná-la mais atractiva.CV: Exactamente. E isso atraidepois esplanadas. Não é nomeio do trânsito, não é no meioda confusão que isso podenascer. É preciso ter o espaçoconvidativo. O centro, sendouma zona nobre, com aanimação própria de umaCidade, tem de estar livre. Otrânsito deve circular pelasartérias laterais.

MM: Falou-se do pesoeconómico e social, porém,falta referir o seguinte: o pesode se ser Cidade; a des-centralização administrativa ea sua mais valia no terciário daRibeira Grande. Que pensadisso?CV: É difícil. A acontecer umadescentralização administrativaesta nunca será, por enquanto,numa dimensão que atinja umimpacto significativo. Em minhaopinião, e isso é intuição, nãoadvém de nenhuma avaliaçãotécnica, a acontecer, even-tualmente, uma transferência,nunca será, por exemplo, a deuma Secretaria Regional na suatotalidade. Assim sendo, taldescentralização nunca terá umimpacto significativo naeconomia da Ribeira Grande. Noentanto, nunca pensei muitonisso, admito.MM: Por que é difícil que issoaconteça?CV: Uma vez mais não está emcausa o serviço. Se se tratasseapenas de uma multiplicação deserviços, creio que seria fácil.Do ponto de vista das pessoas,se se tratar de deslocação dosserviços, aí haverá resistência.Por exemplo, a construção de

A Cidade e a partilha de infraestruturas regionaisDireito ou sonho inútil?

escolas: os professores podemachar bem que se construamnovas escolas, que os alunosse transfiram, todavia, quandose trata da sua transferência, aítalvez já não concordem.MM: Mas a construção das viasentre Ponta Delgada, Lagoa eRibeira Grande fará com queestes pontos distem sensivel-mente entre 5 a 10 minutos.Chegar a locais no interiordestas localidades, como já hojesucede, levará mais tempo. Nãoacho isso, a partir daí, um pontode vista defensável.CV: Isso teria sido fácil nomomento da construção dosistema autonómico. Há, nosAçores, não sei se existirãorecursos financeiros, umaapetência para reivindicar amultiplicação de serviços;todas as terras, a título deexemplo, gostariam de ter umHospital...Admito, no entanto, econcordo, que com a melhoriadas vias de comunicação aresistência à mudança de algunsserviços seja atenuada; atéporque as pessoas tenderão, nofuturo, a viver cada vez maisafastadas dos centros dascidades. Além disso, vai ser

mais apetecível viver na RibeiraGrande devido ao desenvol-vimento de algumas infra-estruturas por parte da ini-ciativa privada, como é o casodum hipermercado. De resto, epara além dessa possível quebrade resistência, tudo passa,como é obvio, por uma decisãopolítica.Importa, contudo, avaliartecnicamente os custos e osbenefícios económicos dumamaior descentralização adminis-trativa. Sei que isso não énormalmente feito com rigor,mas esse facto não diminui, nembelisca, a relevância desse tipode estudos. Talvez não seja poracaso que algumas adminis-trações, nalgumas áreas enalguns países, têm todas, ouquase todas, os serviçospúblicos concentrados numúnico edifício; um edifíciomultiserviços.MM: O problema da RibeiraGrande é outro: ela tinha umHospital e perdeu-o. Parte damaquinaria moderna e umserviço do nosso Hospital, hojeum mero Centro de Saúde, eparte do pessoal que neletrabalha, foi ou está a sertransferido para o Hospital de

Ponta Delgada. Isto tem de serdenunciado.Por exemplo, a sua unidade decardiologia, podendo servir oresto do Norte da Ilha, esabemos como o tempo éimportante numa crisecardíaca, foi transferido paraPonta Delgada, a Unidade deIlha. Não se compreende a nãoser numa lógica de concen-tração, tal como aconteceu eestá a acontecer em outrosserviços daquele Hospital. Omesmo não sucedeu,felizmente, apesar dosesforços, porque, enfim, houveresistência, em relação à

Protecção Civil. A realidade dailha de São Miguel, com duasCidades, uma a Norte, outra aSul, obrigaria a uma partilhaadministrativa diferente, com-plementar. E isto não acontece.Nós aqui pensamos, como devecalcular, sobretudo a geraçãoque atingiu a idade adulta nopós partilha tripolar do podernos Açores, e achamos que éaltura de sermos Cidade com aresponsabilidade adminis-trativa que daí advém.

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7Setembro 2001

MM: Vamos supor que a Cidade daRibeira Grande está a tentar discutiro modelo de desenvolvimento quepretende adoptar, por conseguinte,precisa de ponderar aspotencialidades de vários modelosconhecidos.Um primeiro modelo seria designadopor cinco cidades no arquipélago,cinco pólos de desenvolvimento,fazendo assim valer o seu estatutode cidade. A tripolaridade foidecidida pelas três cidadesexistentes à época da SegundaAutonomia, passado um quarto deséculo, existindo mais duas, e, umadelas, Ribeira Grande, no que dizrespeito a diversos parâmetroseconómico-sociais, estará em 2.º e3.º lugar no contexto das cincocidades, deverá haver uma novacontratualização entre estas e opoder regional.Um outro modelo será globalmentedesignado, entre aspas, por ‘áreametropolitana’, com as seguintesvariantes: 1- Área metropolitana deLisboa, na qual existe uma capital, àvolta da qual se espalham cidades-dormitório. São cidades satélites; 2-‘Área metropolitana do Porto, nãotendo a cidade do Porto as valênciasadministrativas de Lisboa, existindoem seu redor cidades claramentenão-dormitórios, vivendo umagrande complementaridade: portomarítimo na cidade de Matosinhos,aeroporto na da Maia, etc.. Sãocidades complementares; 3- ‘Áreametropolitana envolvendo a ilhaTerceira’, formada por uma das, emtermos cronológicos, últimas duascidades dos Açores, ou seja, Praiada Vitória, na qual Angra concentratodas as valências administrativase a Praia muito das económicas:porto e aeroporto.O que lhe propomos é que nos ajudea equacionar os convenientes einconvenientes de cada modelo equal será o melhor negócio para aRibeira Grande. Por outras palavras,em relação a esses diversosmodelos propostos de áreametropolitana qual o queaconselharia?CV: Por preferência, se fosse aseleccionar, não optaria pelomodelo de área metropolitana deLisboa, ou seja, uma cidade centralcom cidades satélites, pois produz

cidades-dormitório, o que causamuitos problemas sociais,nomeadamente os relacionadoscom o tráfego. Sou a favor domodelo de área metropolitana doPorto, com complementaridadeentre as cidades. No caso da RibeiraGrande, por exemplo, será possívelque o turista pernoite em PontaDelgada, é a iniciativa privada queos localiza aí, mas que haja serviçosque o atraem para a Ribeira Grande,designadamente ao nível darestauração. Isso é um exemplo dacomplementaridade entre as duas.Obviamente que a Ribeira Grandeterá que concorrer com os serviçosde animação e de restauração dePonta Delgada, mas as duas podembeneficiar da mesma fonte; isto é,da vinda do turista. Sou muito maisa favor deste tipo de modelo,porque também provoca menoresconcentrações. Penso que o grandeproblema das cidades-dormitório, éque essas cidades ficando desertasdurante o dia, transformam-se emenormes concentrações durante anoite, com todos os problemas queisso acarreta. Relativamente aoúltimo modelo, o mesmo passa umpouco pela descentralização dealgumas valências. No entanto, alocalização das infraestruturasexistentes na Praia (porto eaeroporto) e em Angra depende,penso eu, de factores técnicos.MM: A que modelo, dos que vimos,a área metropolitana de São

Miguel aponta?CV: Eu creio que ela aponta maisno sentido da do Porto, emboratenha, possivelmente, algunssintomas da de Lisboa. A Lagoa,como vimos, cresceu em termosdemográficos, porém, desconheçoem pormenor o que o motivou: terásido só motivado por algumdesenvolvimento económico daLagoa, ou terá sido por a Lagoaservir também de dormitório a PontaDelgada? Exigiria, bem entendido,uma análise mais profunda. Creioque, Ribeira Grande e Lagoa,possuem forças económicaspróprias, o que lhes permitiráconstruir a área num modelo maiscomplementar.MM: Infelizmente, a realidade daRibeira Grande começa a apontartambém para o modelo de áreametropolitana tipo Lisboa. Nãotanto como dormitório, mas porservirmos o boom da construçãocivil e das obras públicas,essencialmente em Ponta Delgada,através do fornecimento de inertes(areia, pedras, blocos, etc.), numaespécie, deixe-se passar o termo, deeconomia colonial: em função docentro, polui-se e descaracteriza-seo ambiente e destrói-se o patrimóniohistórico; quer dizer, destroem-se osrecursos naturais e culturais queserviriam de atracção complementarao ‘Ciclo’ do turismo. Mata-se agalinha de ovos de ouro.CV: Eu acho que os poderes

públicos, autárquicos inclusive,deviam tomar em consideração arealidade da área metropolitana,ponderar os seus aspectospositivos e negativos. Asinfraestruturas, repito, serão cadavez mais complementares. A formacomo elas forem feitas, bem ou mal,poderão favorecer ou distorcer adesejada complementaridadedentro desta área.MM: Sou realisticamente céptico aeste respeito. Parece-me evidenteque, deixe-se passar a metáfora,existirá um motor e um condutor,Ponta Delgada, que maneja ovolante, depois existem doisajudantes, Lagoa e Ribeira Grande,esta última acha que por ser cidade,por ser mais desenvolvida, etc., temdireito de estar no lugar ao lado docondutor: duvido que o condutorqueira uma potencial concorrente aseu lado!Ao invés, dever-se-ia meditaracerca do para onde nos levam, setal nos interessa, se é o melhornegócio para todos. Só à pretensaárea metropolitana de São Miguel,a uma parte dela, ou a toda ela, ou atoda a ilha? Tal reflexão é essencial.Aliás, foi para isso que este jornalapareceu. Está de acordo connoscode que é preciso debater talquestão?CV: Estou 100% de acordo com estaintenção. É preciso debater, épreciso prever com algumaantecedência, embora sob pena de

se cometerem alguns erros. Agrande questão é tentar prever, nãoo próximo ano, não os próximos doisou três anos, mas os próximos dez,quinze anos. São nestes períodosque ocorrem as grandes mutações.Há uma certa tendência quepoderíamos designar por míope, desó ver à distância do amanhã, oudaqui a um mês, de satisfazer muitoaquilo que é a pequenareivindicação do dia-a-dia, e nãopensar em termos de fixar as metasde desenvolvimento a médio e alongo prazos, entre dez, quinze anos.Estas tendências, quer queiramosou não, fazem-se sentir. Dez anos éo período que medeia entre doisrecenseamentos. Se calhar, nestaaltura em que estão a ser lançadosos dados do Recenseamento Geralda População, é a ocasião ideal parase pensar e perspectivar a situação.MM: Para finalizar, em termos depreferência dos modelos, o queaconselharia?CV: O modelo da áreametropolitano do Porto, emprimeiro lugar, o modelo das cincocidades, em segundo, o de Angra/Praia, em terceiro, e por último, o deLisboa.MM: Por que razão prefere o modeloda área metropolitana do Portoao das cinco cidades, cinco pólosde desenvolvimento?CV: Por uma questão muito simples.Do ponto de vista dos benefíciossociais e do ponto de vista dodesenvolvimento económico trazmais vantagens. A questão dascinco cidades, cinco pólos dedesenvolvimento depende umpouco da força da cidade e,sobretudo, dos poderes públicos.É algo criado mas não através dasforças locais, qualquer coisaexógena, que é despejada e que criauma determinada dinâmica ali. Oque não quer dizer que isso nãopossa vir a acontecer. O outromodelo, o da área metropolitanado Porto, por ser local, parece-mepoder vir a ser mais sólido, maissustentável, mais enraizado, maisfácil de se prolongar no tempo. Nãoé que o outro modelo não sejaviável, mas penso que o que sugiroacaba por ser mais estável.

Qual o melhor negócio para a Ribeira Grande?‘Não matar a galinha dos ovos de ouro’

MM: A Ribeira Grande deve muitoà iniciativa privada, nomeadamenteà indústria. Há mesmo quem digaaté, e eu subscrevê-lo-ia quaseintegralmente, que ela fez o que ainiciativa pública não fez, todavia,ela tem contribuído para a perdade qualidade de vida na Cidade: apoluição sonora, a circulação detrânsito pesado, a poluição dasribeiras e do mar, o esburacamentodo solo e do sub-solo, acontaminação das águas potáveis,o ‘stresse’ provocado nos edifíciospatrimoniais, etc.. Como conciliaro potencial da indústria do turismocom a outra vocação industrial?Não tem havido coragem, nalgunscasos falta de visão, cegueira

Recursos naturais, patrimoniais e turismoLugar para todos

mesmo, para implementar semdelongas a 2.ª fase da variante e avia litoral, por outro, também temhavido falta de coragem parachegar a um acordo com osindustrias de modo a se equiparemde dispositivos que tratem os seusresíduos. Estão a descaracterizara paisagem natural e patrimonial.Da resolução desses problemasdepende o futuro turístico daRibeira Grande.CV: Se temos aqui paisagem ealguma arquitectura, de facto, sequeremos participar do fluxo doturismo, há que preservar apaisagem e a arquitectura. Há defacto um conflito entre odesenvolvimento do turismo e o

desenvolvimento de outrasactividades económicas: pecuária,construção civil. É preciso ver atéonde poderá ir uns e outros. Aí éuma área de intervenção directados poderes públicos, que nós portradição, por um factor cultural,somos muito tolerantes em relaçãoà agressão ao meio ambiente. NosAçores ainda não há uma culturaambiental, existe tão-só uma minoriaque está sensibilizada para isso,mas a maioria da população estáinsensível. Esta situação tambémé devida à falta de coragem dospoderes públicos. Eles teriam queorientar os agentes privados,podendo fazê-lo de várias formas:ou delimitam determinadas áreas

onde se podem aproveitar umascoisas e não outras (passa porquestões do ordenamento doterritório, aqui falhamos muito aesse nível), ou aumentam nasmultas, tornando o seu montantemuito superior aos benefícios queo prevaricador obtém após pagaras multas actuais. Ou seja, certosagentes económicos cometem umcrime cuja multa compensa pagar.Daí se continuar a prevaricar.Somos tolerantes mesmo emrelação ao não cumprimento da lei.É o caso da desflorestação, já queo preço do leite é superior ao damadeira. Mas haveria que cumpriro estipulado na lei. Na questão doambiente, poderei adiantar um

‘case study’: fiz uma caminhadacom um grupo de amigosholandeses, no regresso, depareicom um espectáculo degradante:toneladas de sacos de adubovazios. Como resolver tal situação?Devolução do saco. Na Holanda,uma garrafa de água custa 2 florinse 25, mas a água custa só 1 florim.Isso obriga o consumidor adevolver a garrafa se quer reaver 1florim e 25. A resolução doproblema dos sacos do adubopassaria pelo mesmo: é posto umpreço ao saco sendo o compradorreembolsado no acto da suadevolução.

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8 Setembro 2001

Identificação - Planta perene ou bienal, podendo atingir a altura de 1,5 m.De cor verde brilhante, com folhas profundamente recortadas e reduzidas,por assim dizer, às nervuras, as suas flores são amarelas e estão dispostasem umbela.Muito resistente à secura, aparece em locais incultos, junto a aglomeradospopulacionais, podendo ser visto nas falésias costeiras.Utilização - O funcho apresenta propriedades carminativas (expulsão degases), diuréticas (excita a produção de urina), estomacais, emenagogas(favorece a menstruação) e galactogogas (favorece a secreção de leite) .

FamíliaApiaceae

Nome científicoFoeniculum vulgare

Distribuição GeográficaEm todas as ilhas dos Açores.

Esperamos por si...Esperamos por si...

É desejável que a Cidade da Ribeira

Grande tenha o seu Plano deUrbanização e o Concelho tenha oseu Plano Director Municipal(PDM).Quanto mais depressa foremaprovados esses documentos,menos prejuízos haverá para oscidadãos deste Concelho. Umarecomendação da Presidência doGoverno a 13 dos Municípios queainda não aprovaram o seurespectivo PDM, aponta “Aimpossibilidade de, em áreas nãoabrangidas por Plano DirectorMunicipal, serem celebradoscontratos de desenvolvimentoentre a Administração RegionalAutónoma e a AdministraçãoLocal”.No entanto, a pressa na aprovaçãodo PDM não impede que tenha dehaver um debate com aparticipação de todos quantos sepreocupem com o modelo dedesenvolvimento futuro da suaterra.No dia 13 de Junho foi apresentada

É necessário debater para...

A Cidade e o Marno Centro Cultural uma propostade Plano de Urbanização. Comoentão foi esclarecido, a comissãode acompanhamento pretendefazer uma auscultação informalpara fundamentar a sua apreciaçãoda proposta. Só depoisapresentará uma versão do Planoque irá para debate público.

Neste “alerta” pretendo chamar aatenção apenas para um pontopolémico – o ordenamento dolitoral.

Litoral da Ribeira Grande – umluxo desperdiçado

O Areal de Santa Bárbara, muitosme diziam há anos que era umacausa perdida, ou porque osinteresses da extracção da areiaseriam incontornáveis, ou porqueseria uma praia condenada, porqueo mar é mais perigoso do que emqualquer outro lado.Afinal, na mais segura piscinapode acontecer um caso alarmante,como relataram os diários do dia 19de Julho, desde que não secumpram as recomendaçõesdivulgadas.Ora, uma praia que tem vigilância,com o sinal de bandeiras quetodos conhecem, com nadadoressalvadores, com mota de água dosBombeiros, com pranchas de surf(e respectivos surfistas) e outrosmeios de socorro, que sejabastante frequentada, onde muitos

olhos podem detectar qualquersituação de pânico é muito maisSEGURA, do que o mesmoespaço, sem nada do que seapontou e apenas com umaindicação – praia não vigiada.Para além da segurança, temespaços limitados para o banho,para jogos, para prática de bodyboard e surf, de modo a ninguémse sentir incomodado. Há espaçopara tudo isso, porque é umaextensão de mil metros de areia,comparados com os escassosquatrocentos da Praia das Milícias. Este Areal foi desaproveitadodurante muitos anos mas ainda sevai tornar num dos motivos deatracção da Ribeira Grande.

Contrastes

A poucos metros deste Arealencontramos talvez o local de piorqualidade urbana de toda a Região.Casas que se amontoam ecoexistem com buracos onde semistura o entulho, a sucata e o lixoe com acessos próprios de umsafari.Tal espaço só poderá ter umdestino – a demolição total. Todoaquele espaço deveria ser libertadode urbanizações futuras, não sóporque é um local inóspito, mastambém porque a erosão iria pôrem risco quaisquer construções.Não se compreende que o Planode Urbanização classifique todaaquela zona de requalificação

urbana e indique a construção deum Hotel com oito pisos. Porquerazão terá de haver um Hotelnaquele local e não noutroqualquer? Porque razão terá de teroito pisos, quando se indica aconstrução até dois pisos em todaa orla a Sul da Rua do Estrela?Outro Areal – o fronteiro à Cidade– foi desperdiçado, com aconstrução de um aterro que ligouo Monte Verde ao Bandejo. APraia estendia-se até ao curso daribeira Seca, como mostram asfotografias de há cinquenta anos.Esperamos que o espaço que ficoua montante do aterro, e que reduziua praia a uma frente reduzida, nãoseja escolhido para o Parque daCidade, porque duvidamos quealgo ali pudesse medrar para alémde cactos, piteiras e aloés.Por outro lado, o aterro provocaum efeito de ressaca às vagas,afastando a areia da costa, como severifica desde há anos.Concordamos com a construçãode um esporão perpendicular àlinha de costa, que reduza avelocidade das correntes, quequebre a força das vagas e permitaa deposição das areias. Esse é oefeito contrário à construção demuros ou paredões paralelos àlinha de costa, que contribuempara o efeito de ressaca e acabampor ser destruídos.O esporão pode ainda servir deancoradouro e ter uma rampa devaragem para pequenas

embarcações e a via litoral não sedestina a ocupar o espaço da praia,pelo contrário, pretende-serecuperar o areal, com duas zonasbalneares e de recreio náuticocomplementares – no Bandejo enas Poças. Este compromissodeve ser assumido de forma arentabilizar uma riqueza que aRibeira Grande tem desprezado.O traçado da via litoral tem derespeitar a distância de segurançaem relação à linha de costa deforma a não ser um elementoconcorrente com o mar, ligando asduas zonas de recreio náuticoapontadas.A via litoral tem de ser umelemento que aproxime a Cidade domar e não um obstáculo ao seuacesso. O seu traçado não podeser rectilíneo nem em planta nemem alçado, tem de acompanhar osacidentes da costa e as cotasdiferentes que esta apresenta, deforma a criar zonas de diferenteutilização e impedir que seja uma“via rápida”, que impeça o peão decircular em segurança.Sendo um anseio de muitos anos, énecessário que muitos pensemmuito bem como querem oordenamento do litoral da Cidade.Aproveitando ao máximo ascaracterísticas que a tornamdiferente e atractiva.

PLANTAS USADAS NA MEDICINA POPULAR (3)Funcho

Identificação - Planta perene ou bienal, podendo atingir a altura de 1,5 m.De cor verde brilhante, com folhas profundamente recortadas e reduzidas,por assim dizer, às nervuras, as suas flores são amarelas e estão dispostasem umbela.Muito resistente à secura, aparece em locais incultos, junto a aglomeradospopulacionais, podendo ser visto nas falésias costeiras.Utilização - O funcho apresenta propriedades carminativas (expulsão degases), diuréticas (excita a produção de urina), estomacais, emenagogas(favorece a menstruação) e galactogogas (favorece a secreção de leite) .

FamíliaApiaceae

Nome científicoFoeniculum vulgare

Distribuição GeográficaEm todas as ilhas dos Açores.

na medicina popular e dasmais citadas em toda abibliografia relacionada complantas medicinais earomáticas.

No concelho da RibeiraGrande, encontramos autilização do funcho comfins bastante diversos.Assim, num inquérito queefectuámos, em 1992, emSanta Bárbara, era utilizadopara a confecção de sopa etambém para alimento de

coelhos. Por seu turno, naRibeirinha, a planta era usadapara combater “a prisão deventre e as dores debarriga”. De acordo com apessoa inquirida “ferve-seuma ou duas colheres desementes de funcho numlitro de água, durante 5minutos” e “deve-se usarduas ou três vezes ao dia”.

O funcho é uma das plantasmais utilizadas, nos Açores, Teófilo Braga

Luís Noronha

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9Setembro 2001

Não seria tarefa fácil, para quemse propusesse transmitir aosvindouros, a assistência prestadanestas nossas ilhas, após a suadescoberta e que apenas sebaseou no espírito desolidariedade e fraternidade deinspiração cristã, muito antes desurgir a assistência pública que,nos nossos dias com osdinheiros do Estado, seencarrega dos carenciados detodas as faixas etárias dasociedade contemporânea.A antiga Vila da Ribeira Grandedeu magnífico exemplo, abrindoos seus lares, asilos comoinicialmente se chamavam, paratodas as faixas da sua população,infância desvalida e velhos, maistarde surgindo a dos rapazes.Os irmãos Cabido e BernardoManuel da Silveira Estrela, foramos anfitriões.No começo do século passado,uma cheia de grande dimensãoarrasou as casas da cova demilho e, o Sr. Cónego Cristiano deJesus Borges, na alturaparoquiano na América, recolheufundos para a sua reedificação.Regressando pouco depois ànossa antiga Vila, vendo as casasreedificadas, concebeu oprojecto da transferência do asilodos rapazes, sediado na casa dodoador, Bernardo Manuel daSilveira Estrela, na freguesia daRibeira Seca, para um prédio queadquiriu e beneficiou e onde hojese mantém a instituição, apósobras de vulto realizadas.Ainda me lembro pelos anos 33,como menino de coro,acompanhar o meu padrinho Pe.José de Medeiros Quental,ouvidor da Ribeira Grande, nabenção da Ermida de NossaSenhora Auxiliadora, contígua aoAsilo e destinada à assistênciareligiosa dos rapazes.Era presidente da câmara, o Sr. Dr.Artur Soares Arruda e o primeirodirector do Asilo, Pe. ManuelGonçalves Rei , natural dafreguesia da Maia. Lembro-me,quando tudo acabou, de meupadrinho dizer-nos: vamos todospara as nossas casas, porqueesta é de caridade, recebe e não

Uma Festa de Caridade na Ribeira Grandepode dar nada a ninguém.De todas as instituições debeneficiência, avulta aMisericórdia da Ribeira Grande.As Misericórdias, foram obra daRainha D. Leonor, viúva de JoãoII e que perdera o filho único, oInfante D. Afonso, tragicamentearremessado na ribeira deSantarém. O seu coraçãodilacerado e vazio, encheu-se decompaixão pelos pobres. Foinesta eminente obra social,coadjuvada por Frei Miguel deContreiras. Estas instituiçõesramificaram-se por toda a parte epassaram além fronteiras, para avizinha Espanha, por intermédiode D. Joana de Áustria, mãe deD. Sebastião. Deixara em Lisboao filho, e, para o seu coraçãoigualmente vazio, funda emMadrid a primeira misericórdia, àsemelhança do que vira e deixaraem Portugal.Na antiga Vila da Ribeira Grande,a Misericórdia obtém o seualvará de Filipe I de Portugal,precedido da autorização dobispo de Angra, D. Manuel deGouveia em 14-2-1593,funcionando no edifício junto àIgreja do Espírito Santo, Senhordos Passos, onde por anosfuncionou a Repartição deFinanças do Concelho. É curiosonotar que algumas das nossasmisericórdias são dedicadas, comseus hospitais, ao Divino EspíritoSanto, sendo igualmente o casoda cidade de Angra,encontrando-se a suamisericórdia junto à Igrejamonumental do mesmo nome eque até se destaca do mar, aoentrar na baía e que podeconsiderar-se um ex libris dacidade e a rua que serpenteia oantigo hospital, tem ainda hoje, onome de Santo Espírito. Quisigualmente o nosso GovernoRegional que o magníficohospital de Ponta Delgada, fosseconsagrado ao Divino EspíritoSanto.Como veio a Misericórdia para oconvento de São Francisco, dosFrades, como é conhecido?O decreto de 1834 do ministro,Joaquim António de Aguiar, poralcunha o mata-frades, extinguiraem Portugal e no resto doImpério, todos os conventos,mosteiros, colégios, casas dereligiosos.Nunca se chocaram tãointensamente, os conceitos deliberdade e liberalismo. Todosestes bens, seriam de início,incorporados na FazendaNacional.No pensamento de Mouzinho daSilveira, o produto destes bensseria canalizado para pagar a

dívida pública, agravada com aguerra civil, mas prevaleceu aopinião de ser o seu valordistribuído pelos heróis da causaliberal, a título de indemnização.Os restantes bens, vendidos aodesbarato, em nada beneficiaramo Estado que se viu a braços comuma grave crise financeira. Estareflexão é o veredictum daHistória.No entanto, ainda se conseguiuressalvar alguns grandesconventos e destiná-los a obrasde instrução, assistência ehospitais. Assim, por volta de1834, a Misericórdia transferiu-seda sua primeira sede junto àIgreja do Espírito Santo para oconvento de São Francisco,convento dos Frades, onde semantém o Hospital.Não foi fácil manter, sem aintervenção do Estado, estascasas de caridade que lutavamcom grandes privações. Pedia-seesmola!Não era fácil, proceder a uma listade irmãos para uma nova mesaadministrativa, ao contrário doque hoje sucede em muitas dasnossas instituições de caridade,chegando a dificultar-se ainscrição de novos irmãos. Nãohá como uma cooperação sinceraentre os irmãos, sucedendo-seuns aos outros, na administraçãodestas casas que são afinal detodos.Pelos anos 50, era crítica asituação económica da nossaMisericórdia e então, se resolverealizar, em 21 de Abril de 1951,na Ribeira Grande, um Cortejo deOferendas!Foi o primeiro que a RibeiraGrande presenciou, mobilizandotoda a gente. Claro que houveum ribeiragrandense, o grandeanfitrião desta parada debeneficiência saudoso

enfermeiro, José Pereira da Silva!Todas as freguesias semobilizaram, procederam àrecolha de géneros, artefactos etudo quanto se pudesseconverter em dinheiro, pois asofertas eram todas arrematadas.Cada freguesia preparou o seucarro alegórico, à frente do qualse destacaram os autarcas e orespectivo pároco.Ideia fulgurante, foi aapresentação do carro da CâmaraMunicipal! Ostentava um velhocom um livro aberto, onde sepodia ler: foi aqui que GasparFructuoso escreveu as Saudadesda Terra!Não se podia dizer mais, tudoestava dito, é o verdadeiro exlibris da cidade nortenha.Pelo meu Ex.mº amigo, Sr. JoãoTavares, dedicado Administradordo centro de saúde desta cidade,foram-me oferecidas fotocópiasde um album, recheado de fotos erecolhidas por ocasião doaludido cortejo. Duas ilustrameste trabalho: a mesa dapresidência montada no adro daIgreja dos Frades e a que presidiuo governador do DistritoAutónomo de Ponta Delgada,Capitão Aniceto dos Santos, como anfitrião do cortejo, enfermeiroJosé Pereira da Silva, vendo-se Pe. António Rocha

Assine, divulgue e comente

A Estrela OrientalA Ribeira Grande em Jornal

atrás sentado na mesa depresidência, o Sr. Dr. João Anglin,reitor do Liceu de Ponta Delgadae chamado a ocupar, muitasvezes, a presidência da JuntaGeral do Distrito.A outra foto, marca a presençada freguesia de Nossa Senhorada Estrela, vendo-se acumprimentar o Sr. Governador, osempre lembrado Prior da Matriz,Pe. Evaristo Carreiro Gouveia.No próximo número, endereçareialgumas notas sobre o Vigário daMatriz, Dr. Gaspar Fructuoso,para que os novos saibamconhecer e admirar o grandevulto de padre e historiador queviveu e morreu entre nós e quedepois de velhos, como o velhoda Câmara Municipal, no seucarro alegórico, saibam transmitiraos seus descendentes, a liçãoque tanto honra a Ribeira Grande.Outrossim, deixarei algumasnotas do meu conhecimentopessoal sobre o governadorcapitão Aniceto dos Santos cujaacção da mais absolutaindependência à frente do nossoDistrito, muitos ainda vivos, nãoconseguiram esquecer.

Arquivo Hospital da Ribeira Grande

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10 Setembro 2001

CidadeMuseu da Ribeira GrandeSede: Colecções etnológicas, arqueologia,cerâmica, Presépio Movimentado,Laboratório arqueológicoRua S. Vicente Ferreira, 102ª a 6ª feira – 8:30 - 12:3013:30 –16:30296 472 118, ext. 33,37, 39Arquivo arqueológico/ Largo das FreirasReservas visitáveis (a abrir brevemente),Rua do Estrela

Museu de Arte SacraSacristia e Arcano MísticoIgreja Matriz296 473 660

ConcelhoMuseu do Pico da PedraRua da Paz2ª a 6ª: 9 às 12 – 14 às 18Etnografia local e exposições temporária296 498 770

Posto Municipal de TurismoJardim do Paraíso296 474 332

CidadeResidencial da Ribeira GrandeRua dos Condes296 473 488

Casa S. RitaRua Gaspar Frutuoso, 21296 474 074

ConcelhoQuinta de SantanaCanada da Meca296 491 241

Quinta das AreiasCanada dos MingachosRabo de Peixe296 491 066

Casa das CalhetasRua da Boa ViagemCalhetas296 498 120

Solar de LalémEstrada S. Pedro – Maia296 442 004

Herdade de Nossa Senhora das GraçasLomba da Maia296 446 369

Casa da RibeiraQuinta da LadeiraLomba de S.Pedro

Cinema: Todos os dias a partir das 21:454ª Feira: Matinée às 14:30 e Soirée às 21:45Domingo: Matiné às 15:30 e Soiré às 21:45Bilheteira: 296 474 100Centro Cultural:Academia de Música / PontilhaÁrea escolar da Ribeira Grande:Expressões musical e dramática /Clube de informática / Associação deJovens JornalistasRua El-Rei D. Carlos IGeral: 296470340Administração: 296470 345

Rádio Nova CidadeRua Adolfo Medeiros296 472 738

Jornal A Estrela OrientalCentro CulturalApartado 6, 9600 - Ribeira Grande

CidadeHospital da Ribeira GrandeRua de S. Francisco296 472 128

ConcelhoPosto de Saúde da MaiaBoavista296 442 600

Posto de Saúde deRabo de PeixeEscolas Novas296 491 783

Posto de Saúde deFenais da AjudaAvenida do Pensamento296 462 555

CidadeMisericórdiaRua de S. Francisco, 19-23296 472 359

CentralRua de S. Francisco, 20-22296 472 426

RibeirinhaRua do Jogo 1-A296 479 202

ConcelhoBorges da Ponte - Rabo de PeixeRua Padre João J. Sousa, 30296 491 312

Posto Farmacêutico - Pico da PedraRua Dr. Moniz M. Mota, 9296 498 600

Santa Casa da Misericórdia - MaiaRua da Boavista296 442 244

CidadeRua do Ouvidor, 25296 472 120, 296 473 410

ConcelhoMaiaRua Santa Catarina, 9296 442 444

Rabo de PeixeAv. D. Paulo J. Tavares296 491 163, 296 492 033

Centro de Prestações Pecuniárias296 472 030

Conservatória de Registo CivilRua Conde Jácome Correia296 472 555

Conservatória do Registo PredialRua Sousa e Silva296 472 133

CartórioNotarialRua Conde Jácome Correia296 472 115

Delegação da Câmara de Comércio eIndústria de Ponta Delgada296 472 375

Repartição de FinançasRua do Espírito Santo, 2-4296 472 211

Tribunal Judicial1.º Juízo / 2.º JuízoRua Sousa e Silva, 7296 470 300

CidadeRua N. Sra. da Conceição296 470 140

ConcelhoMaiaEstrada S. Sebastião296 440 000

Rabo de PeixeRua N. Sra. de Fátima296 490 140

Pico da Pedra296 498 770

CidadeServiçoRua da Praça, 47296 472 899

ConcelhoMaia (Urgência)296 446 017

Lomba da Maia - Outeiro296 446 175

CidadeServiços de Documentação/Museu daRibeira Grande:Biblioteca: Arqueologia, história geral,nacional, açoreana e local, museologia,etnologia, literatura açoreanaHemeroteca: Jornais locais e boletinsIconoteca: arquivo fotográficoArquivo: históricoTodos os dias úteis das 8:30 às 12:30 e das13:30 às 16:30Rua S. Vicente Ferreira, 10296 472 118, ext. 33e-mail: info@bib-pub-ribeira grande.rcts.pt

Calouste GulbenkianEspecializada em literatura geral, obrasde referência e internete-mail: [email protected]

JuvenilLiteratura infantil e para adolescentes.Jogos, trabalhos manuais, contos evídeos. Todos os dias úteis das 9-12:30 e das13:30 às 17Rua da Praça, n.º 5296 472 118, ext. 27

CidadeCâmara Mun. de Ribeira GrandeLargo Artur Hintze Ribeiro296 472 118

Junta de Freguesia de RibeirinhaRua Aristides Soares Gamboa, 26296 479 431

Junta de Freguesia de MatrizRua Prior Evaristo C. Gouveia296 473 512

Junta de Freguesia de Conceição(Prov.) Rua de N. Sr.ª Conceição, 114296 472 270

Junta de Freguesia de Ribeira SecaRua do Mourato, 1296 472 845

Junta de Freguesia de S. BárbaraRua Nª Sra. das Vitórias, 49296 477 166

ConcelhoJunta de Freguesia deLomba de S. Pedro - Covão296 462 550

Junta de Freguesia de Fenais da AjudaRua da Canada296 462 402

Junta de Freguesia de Lomba da MaiaLargo da Igreja296 446 041

Junta de Freguesia de MaiaRua Santa Catarina296 442 246

Junta de Freguesia de S. BrásRua Nova, 13296 442 850

Junta de Freguesia de Porto FormosoRua Pe. João B. Couto, 19296 442 474

Junta de Freguesia de Rabo de PeixeRua do Rosário, 29296 491 266

Junta de Freguesia de CalhetasLargo da Igreja296 498 270

Junta de Freguesia de Pico da PedraAvenida da Paz, 14296 498 770

Terceiras Tabacaria e LivrariaRua Gonçalo Bezerra, 6-8

296 472 804

M u s e u s

B i b l i o t e c a s

L i v r a r i a

A l o j a m e n t o

T e a t r oC e n t r o C u l t u r a l

Precisa Saber Que...

C o m u n i c a ç ã o S o c i a l

H o s p i t a l

F a r m á c i a s

P S P

B o m b e i r o sP r o t e c ç ã o C i v i l

C o r r e i o s

S e r v i ç o s d o E s t a d oe O u t r o s

T u r i s m o

A u t a r q u i a s

E s t a m o sE s t a m o sE s t a m o sE s t a m o sE s t a m o sem frenteem frenteem frenteem frenteem frenteao Teatroao Teatroao Teatroao Teatroao Teatro

R i b e i r a g r a n d e n s eR i b e i r a g r a n d e n s eR i b e i r a g r a n d e n s eR i b e i r a g r a n d e n s eR i b e i r a g r a n d e n s eAbertos aoAbertos aoAbertos aoAbertos aoAbertos ao

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A Cidadee o Mar

Contrastes

+ Com pouco se fez muito

Crónica Mal-HumoradaPastel, pastéis, cabeças e cabaças

Se há quem chame cidade-vila à antigavila-cidade, há quem a despromovaainda mais. Talvez por razões históricasque desconheço, sem dúvida com boaintenção, mas o certo é que no seu papeltimbrado e no brasão de pedra da suasede, a Junta da principal freguesia doconcelho exibe os dizeres: “Freguesiada Ribeira Grande-Matriz”. Tal e qual:“freguesia”.Mas nisto de títulos, é mais fácil obtê-los do que merecê-los, o que não querdizer que nunca os mereça quem ostenha ou que quem os queira sempreos alcance. Há anos, foi prometida paraa Ribeira Grande a classificação decidade património mundial, o queninguém, no entanto, levou a sério.Faltam-lhe uma dezenas demonumentos e, sobretudo, umaspáginas de História que o justifiquem,como aconteceu com Angra por causado seu porto, tão mudado agora quenem os olhos experientes de FrancisDrake o reconheceriam, a não ser talvezpela presença próxima do monte Brasile dos ilhéus das Cabras.A Ribeira Grande nem sequer tevenunca um porto, e era pelo da Lagoaque fazia as suas exportações, desde otrigo para as guarnições militares doNorte de África até ao pastel para ostintureiros da Flandres ou de Inglaterra.O pastel foi tão importante que setornou mesmo na primeira desgraçaagrícola dos Açores, porque, por causadele, se destruiu mato virgem edesapareceram muitas searas. Paragarantir a beleza do azul que osburgueses desse tempo vestiam, ou obrilho do preto que ajudava a fixarservindo-lhe de base, a qualidade dopastel era vigiada por uns fiscais, denomeação régia, a que se chamavalealdadores, e que nem sempre terãosido tão leais como se impunha.Capazes de comprar o cargo por unsbons milhares de reais, chegou algum avender os seus favores de fechar osolhos quando não devia. Competia-lhes evitar que o pastel fosse colhidocom chuva, que as folhas fossem moídasde um dia para o outro, que a massaestivesse mais de três dias nostabuleiros ou que os engenhos nãotivessem cobertura. Cresceu a fomeentre os pobres e o dinheiro entre osricos, porque uma terra de pastel rendia

oito vezes mais do que uma de trigo.Desaparecido praticamente dos Açores(o incansável e saudoso padre JoãoFlores criou um museu agrícola na RibeiraChã onde o pastel é figura de relevo), nãose pode esquecer, no entanto, aimportância que teve para estas ilhas.Isso mesmo quis dizer a ProfessoraDrª. Fátima Sequeira Dias numaconferência feita na Bélgica. O texto foitranscrito para francês por um tradutoroficial que, mal se deparou com areferência ao pastel, disse que, nessetempo, os Açores exportavam“pâtisserie” (pastelaria) para a Flandres.Havia de ser bonito ver chegar uma nau aAntuérpia, carregada de pastéis de nata,depois de vinte ou trinta dias de viagem,sujeitos aos estragos do calor do sol, dahumidade do mar e do apetite dos ratos,que sempre foram bons marinheiros enunca sofreram de escorbuto.Na lista de desacertos sobre os Açores, odescuidado tradutor tem, no entanto, boacompanhia.Eis alguns exemplos.Há pouco mais de trinta anos, o genéricode um documentário da responsabilidadedo Ministério da Educação apresentavaa montanha do Pico à luz característicados poentes africanos, com um coqueiroe uma negra esguia de cabaça na cabeça.Em outro documentário – estrangeiro –dizia-se que essa mesma montanha temmais de quinhentos metros de altitude(verdade mais que óbvia, aliás…). Naantiga Emissora Nacional, foi noticiadoque uma sua equipa de reportagem estavade visita às ilhas de S. Miguel, Terceira,Pico, Faial e Horta. A revista “Portugal-Informação” afirmou, vai para um quartode século, sob a responsabilidade do seudirector, que abundavam na Terceiracampos de milho, tabaco e chá, e que asFormigas eram uma reserva de vegetação,caça e pesca. No antigo S.N.I. havia umafotografia da igreja matriz de Vila Francado Campo com a legenda: “ S. Miguel, aSé”. Um ex-colono de Angola tentouconvencer o meu amigo padre FranciscoMedeiros a ir de S. Miguel ao Picocomprar-lhe dois pés de café, garantindoo pagamento do táxi. Mas cá também seas dizem e fazem. Um livro de autormicaelense afirma que já havia incensos econteiras no tempo da descoberta alémde que a rocha vulcânica destas ilhas foirevestida por terra que veio trazida peloar e pelo mar. Há poucos dias, um jornalde Ponta Delgada em vez de Macaronésiaescrevia que fazemos parte da“Macarronésia” (ilhas do macarrão oudo falar macarrónico?…). E há omonumento à Autonomia, com novepalmeiras a representar os Açores, comoque dando alguma razão ao taldocumentário do Ministério daEducação.

Artur Jorge Ferreira Santos é umjovem, de 18 anos, que foi contratado,por três anos, pelo Benfica. Naturalda Ribeira Grande, o jovem talentoestá a viver o seu grande sonho: o dejogar numa grande equipa. A subidade Artur não o fez esquecer a suainfância, ligada, permanentemente, aofutebol, tanto na equipa do SportingClube Ideal como no Santa Clara. Ojovem ribeira-grandense salienta quemuitos dos seus colegas têm o talentosuficiente para alcançar patamaressuperiores do futebol.Tudo começou com a iniciativa deRicardo Rodrigues, o treinador dosJuvenis do Sporting Clube Ideal, em1998. No mês de Setembro de 1998,Artur conseguiu demonstrar, nasinstalações do clube da Luz, a sua“Garra” e talento. Foram 15 dias quepermitiram chamar a atenção dosdirigentes “encarnados”. O corte noorçamento destinado às camadasjovens, principalmente às equipassecundárias (B), parecia que acabariacom o sonho de Artur, mas o talentodo jovem foi superior, de tal formaque o atleta, mesmo com a desistênciada equipa B de juvenis, conseguiuregressar, no ano seguinte, ao Benfica,desta vez para ingressar na equipa Ade Juvenis.Segundo Artur Santos, em entrevistaao nosso jornal, a integração inicialfoi, obviamente, um pouco difícil, pelofacto de se ver longe dos pais e detodos os que faziam parte do quesempre foi a sua vivência infantil e

Um Craque Ribeira-grandense no Gloriosojuvenil, na sua terra natal.Contudo, foi uma aventura aliciante eprometedora. A adaptação do jogadorfoi facilitada, e ainda o é, pela suainserção num Centro de Estágio. Noseu primeiro ano, Artur teve deestudar de dia e treinar a partir das19:30. Actualmente, e por já ter 18anos, o jogador pode optar por estudar.Para facilitar as opções dos jogadores,está em fase de formação um cursopara jogadores, com equivalência ao12.º ano, de modo a que os jovenspossam interligar as suas capacidadesintelectuais com uma aprendizagemda prática desportiva.Relativamente ao Centro de Estágio,é constituído por 23 jovens, de váriospaíses, e conta com uma psicóloga aodispor dos jovens atletas. Para ArturSantos os companheiros e amigos, quemoram neste mesmo Centro, têmfacilitado o progressivo aper-feiçoamento do jogador ribeira-grandense. É este espírito de grupo ede camaradagem que Artur temassimilado e aprendido, muito pelofacto, segundo o jogador, de otreinador Chalana, o adjunto LuísRoquette e o treinador dos Guarda-redes José Henrique conseguiremtransmitir aos jogadores uma filosofiade jogo baseada na união de grupo.O jovem jogador fez questão desalientar que “é muito difícil subir nacarreira de jogador, e, por causa disto,é muito fácil descer”. Por isso, a uniãodentro do grupo é um aspecto muitoimportante, de forma a que o jogador

seja capaz de manter estabilidadesuficiente para triunfar colectiva eindividualmente. Assim, a amizadeque Artur tem sabido cultivar, juntodos companheiros de equipa, explicaa conquista do vice-campeonatoportuguês de juniores.O vice-campeão fez questão detransmitir, na sua entrevista, que,na Ribeira Grande, existem muitosbons jogadores, mas, que deviaexistir “uma maior aposta nascamadas jovens” e que “muitosjogadores deviam ser devidamenteaproveitados” . Segundo ArturJorge, “um jogador deve terconfiança em si mesmo e acreditarno seu talento. As condições queactualmente a sua antiga equipa,o Sporting Clube Ideal, oferece sãomuito boas, passando pelasinstalações até aos equipamentos,coisas que não existiam no meutempo”.Desde modo, o jornal “A EstrelaOriental” faz questão de destacar estegrande talento. As pessoas envolvidasneste novo projecto informativoesperem que o jovem atleta ArturSantos consiga alcançar os seusobjectivos, tanto na escola comonos relvados. Que a sua promissoracarreira futebolística seja rodeada degrandes vitórias, levando a RibeiraGrande e os Açores ao mais alto nível.Força rapaz!

- Com pouco se faria muito mais

É desejável que a Cidade daRibeira Grande tenha o seu Planode Urbanização e o Concelhotenha o seu Plano DirectorMunicipal (PDM).Quanto mais depressa foremaprovados esses documentos,menos prejuízos haverá para oscidadãos deste Concelho. Umarecomendação da Presidência doGoverno a 13 dos Municípiosque ainda não aprovaram o seurespectivo PDM, aponta “A im-possibilidade de, em áreas nãoabrangidas por Plano DirectorMunicipal, serem celebradoscontratos de desenvolvimentoentre a Administração RegionalAutónoma e a AdministraçãoLocal”.

Daniel de Sá

Nelson Tavares

O fotógrafo

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11Setembro 2001

O Porto de Santa Iria, as Prainhas e a Praia da ViolaO Porto de Santa Iria e asPrainhas, na Ribeirinha, mais aViola, situada entre a Maia e aLomba da Maia, não fora a faltade sinalização desta última, oque o nosso amigo Luís Serpapor certo remediará em doistempos, tal a qualidade,constituiram o mais agradávelachado deste Verão.O Porto de Santa Iria, outrora oPorto da Ribeira Grande, é ocomplemento perfeito das Poçasda Matriz. Enquanto nestasúltimas, o Rei Sol bate forte efeio de manhã à noite, mas namaré baixa tem pedregulhos eágua de má qualidade, em SantaIria, o Monarca Omnipresentedespede-se às cinco da tarde,mas, em contrapartida, mesmona maré baixa tem água pura e dequalidade.

Obra de CaridadeSão mais que muitos os quereclamam um acesso mais fácilaos sanitários públicosexistentes no Parque Infantil daCidade da Ribeira Grande.Queixam-se os turistas, osidosos e todos os que têmdificuldades motoras ou cardio-vasculares, pois, têm quepercorrer, na ida e na volta, umpenoso calvário de 106degraus.Seria oportuno e uma obra decaridade, a autarquiaimplementar o seu projecto deconstrução de um elevador, ououtra solução tida como capaz,não esquecendo a facilitaçãodo acesso àquele local acadeiras de rodas.

Tony, N.º 1O Tony, de seu nome completoAntónio Crispim Borges da Ponte,médico de profissão, cidadãoribeiragrandense de raça ecoração, homem de sete ofícios,findo o interminável Calváriocostumeiro de burocracias eoutros empecilhos do mesmoquilate, deu finalmente início àsansiadas obras da Urbanização doCabo da Vila. É com iniciativasdestas, com esta qualidade, visãoe envergadura, enquadradasnuma rede inteligente deinfraestruturação pública, que seconstrói a Cidade, o Concelho eos Açores. Parabéns Tony,parabéns Ribeira Grande.

Hiper a Vapor, Obras Públicas a Passo de CaracolAs terraplanagens do nossoHiper Modelo começaram noprimeiro dia útil a seguir ao feriadodo 1.º de Maio, dia Mundial doTrabalhador, as obras, abertura dealicerces, etc., em meados doseguinte. Em Agosto, por seuturno, o edifício, com reconhecidaqualidade arquitectónica, exibia jácara de Hiper.Que sirva de exemplo àsrançosas e morosas ObrasPúblicas, tais como a Variante e aestrada da Ribeira Grande, paranão falar nos Mercados destaCidade.

DestaquesSporting Clube Ideal: O Verde que ViveNo dia 13 de Julho, pelas 20:30, realizou-se a Assembleia Geral de Sóciosdo Sporting Clube Ideal. Nesta Assembleia, os membros da DirecçãoIdealista apresentaram o Relatório e Contas da época 2000 – 2001. Segundoa Direcção, foram definidos, no início do seu mandato, cinco objectivosprincipais: saneamento financeiro do clube, participação digna da equipade futebol sénior nas provas promovidas pela Associação de Futebol dePonta Delgada, sem prejuízo do referido em primeiro; reforço das verbase dos meios destinados aos escalões de formação do futebol;reorganização do Clube na sua vertente administrativa, funcional e derecursos humanos; e a reabilitação, valorização e renovação do seupatrimónio imobiliário e móvel.Quanto ao futuro, e após todos os sócios presentes na AssembleiaGeral terem eleito a próxima equipa directiva, liderada de novo porFernando Cordeiro, foram delineados alguns objectivos para a próximaépoca. Uma das grandes apostas é a subida de divisão da equipasénior à III Divisão Nacional, Série Açores. Outra aposta é oinvestimento prioritário na formação de todos os escalões jovens. OSporting Clube Ideal, tal como sucedeu no passado, pretende apostarna criação de uma Secção de Atletismo.

Clube Desportivo de Rabo de Peixe:regresso às origensNo mundo futebolístico associativo se uma qualquer equipa aparecetoda ela devotada ao desporto pelo desporto, com toda a certeza estamosna presença de uma raridade. O Clube Desportivo de Rabo de Peixe,renascido, pela mão do jovem Jaime, para a prática desportiva, é umadessas raridades. É o regresso às origens, ao desporto salutar a todos osníveis. O dinheiro ali não conta. Ele, para já, só é bem vindo para arecuperação da sua sede social e para fazer a máquina mexer. Que osintético para o seu campo de jogos, tal como para os do Pico da Pedra,Ribeirinha e Maia (outro renascido para o futebol) se proceda para breve.Força Jaime. A tua freguesia precisa.

Filarmónica N. S. das Victórias: toca a viajar

A fazer fé na sua capacidade de ser uma das porta-bandeiras da Cidadede Ribeira Grande, a Filarmónica de N. S. das Victórias, fundada em 1986,em tempo de festa da sua Padoreira, uma vez mais, deslocou-se para forada Ilha de São Miguel. A felizarda, por intermédio do Inatel, fez umintercâmbio com a Sociedade Artística Musical 20 de Julho de SantaMargarida do Arrabal, Concelho de Leiria, tendo esta a visitado durantea Páscoa última, cabendo a sua vez de felicitar a dita com a sua presençaentre 19 e 24 de Julho. Mostrando uma tenaz resistência nas suas escolasde formação, a Filarmónica de Nossa Senhora das Victórias está sempre,qual borboleta multicolor, em estado larvar. Que os voos para fora da Ilhacontinuem.

Orféon Académico de CoimbraNo dia 2 de Agosto, pelas 21:30, o Orféon Académico de Coimbra,em digressão pelos Açores, realizou um concerto na Santa Casa daMisericórdia, Conceição, da Ribeira Grande.Foi fundado, em 1880, por um estudante de Direito, João Arroyo,sendo o coro mais antigo de Portugal. O ribeiragrandense Dr. RaposoMarques foi seu Regente durante mais de 30 anos.Actualmente, é um coro misto, estando representadas todas asfaculdades da Universidade de Coimbra.

Benfica Águia Sport procura apoiosO clube enfrenta um momento de crise. A causa principal reside no factode não ter sede. Para tal, uma comissão instaladora foi criada para estruturarnovas ideias, de modo a projectar uma nova estrutura. Mário MiguelRodrigues Furtado, em entrevista ao nosso jornal, afirma que “a falta deapoios é uma realidade e o Benfica Águia não pode avançar para umpatamar importante (a Sede) sem a ajuda dos poderes municipais egovernamentais.” A Câmara Municipal da Ribeira Grande prometeuavançar com o financiamento para o projecto. Contudo, o tempo está apassar e continuamos com a mesma situação lamentável.Os apoios só poderão surgir quando um projecto for delineado. Sem aexistência deste primeiro passo importante nada poderá avançar. MárioMiguel espera e desespera para que o projecto esteja pronto, de modo afazer renascer um clube de muitas glórias.

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Hermano Teodoro - Museu da Ribeira Grande

Esboço para um estudo da paisagem

O Doutor Gaspar Frutuoso, nolivro quarto das Saudades da Terraescreve sobre o aparecimento dealgumas furnas no lugar ainda, hoje,designado por Caldeiras da RibeiraGrande. Em outra parte do mesmolivro descreve, com mais detalhe, oambiente de vulcanismo activo(caldeiras, olheiros, resfolgadouros)lá existente, este, ao que se podeperceber, espacialmente, maisalargado do que aquele que nos diasque correm lá se encontra; emsimultâneo, relata pormenores dasua fauna, mormente pássaros ecoelhos, e da sua flora, serra,junqueiras, silvas, “feitos”. Aindano livro quatro, o cronista fala sobrea instalação de uma fábrica naquelelocal, de duração efémera,sensivelmente, entre os anos de1564 e 1578, cujo objectivo visou aexploração de pedra hume.Além do lugar onde disse queestivera a fábrica de pedra hume,perto de meia légua da vila daRibeira Grande, antre ela e a serra,está uma concavidade que terácinco ou seis alqueires de terra,cercada de umas quebradas, onde

Cronistas: vulcanismo e banhosjá se tirou muita pedra hume, depedreiras que ali há dela; e notempo antigo, antes de tirar dali apedra, estavam umas caldeiras oufurnas, como covas pequenas namesma terra, que ferviam comolhos de água e polme; mas depoisque se deixou de tirar a pedrahume, se abriram estas covasdoutra maneira, mais em número emais bravas e espantosas quedantes, de tal maneira que, tirandoserem mais pequenas, quase sãotão furiosas como as Furnas queestão à parte do oriente […].(Saudades da Terra, Livro IV,1998).A primeira referência escrita queencontrámos sobre a utilização daságuas medicinais das Caldeiraspertence ao cronista Frei Diogo dasChagas (n. 1584?, ilha das Flores).Na sua descrição da ex-Vila daRibeira Grande discorre ele queexistem “fogos […] acima dela [ha]semelhantes aos das furnas, emcujas agoas, se uão tambem tomarbanhos e alguas pessoas se achãomuito bem com ellas // como euesperimentei [sic] o Setembro do

anno 1643 […]”. (EspelhoCristalino em Jardim de VáriasFlores, 1989). Mais à frente, ofranciscano explicita o quanto essaságuas são proveitosas para a cura deenfermidades, relatando o caso doseu transporte para o Convento deNossa Senhora de Guadalupe (vulgode São Francisco; dos Frades; ou atémesmo dos Terceiros), situado naentrada poente da ex-Vila,actualmente, com aparência deperfeito abandono.Frei Agostinho Monte Alverne(1629-1726), outro franciscano,micaelense, também ligado aoConvento de Nossa Senhora deGuadalupe, nas suas Crónicas daProvíncia de S. João Evangelistadas Ilhas dos Açores (Livro II,1961), seguindo Frutuoso, escrevesobre as Caldeiras da RibeiraGrande na sua relação com a ditafábrica de pedra hume. Porém,refere que, finda aquela indústria, aex-Vila da Ribeira Grande ficou comuma Canada cujo nome é da Mina,hoje, ainda lá existente, sendo que amesma liga o Caminho da Tondela/Magarça (Caminho Velho das

Caldeiras) ao Largo do Cardão, localonde já existiu um Posto deRecepção de Leite, este junto daestrada empedrada que leva ao Vale.O Jesuíta Padre António Cordeiro,terceirense, em 1717, na suaHistoria Insulana, livro quinto,quando fala De outras Furnas,Fogos, & Tremores desta Ilha [SãoMiguel], & em especial de VillaFranca, tendo em conta não sóFrutuoso, bem como a sua própriaobservação (“A eftas vi eu tambem,ha quafi cincoenta annos, & pareceque algu tanto já mudadas do queferiaõ de antes”), também releva oseu vulcanismo.No ano de 1723, uma vez mais a darconta da utilização dos seus banhos,temos Francisco Chaves de Melo, oqual ao escrever sobre a Ilha de SãoMiguel refere que: “Ao Sul [da Vilada Ribeira Grande] ao pé de umaserra estão umas Caldeiras de águamui cálida e continuamente fervente,em que os enfermos tomam banhospor serem medicinais as águas dosminerais [sic]”. (A MargaritaAnimada, 1994).Em finais de setecentos, as

Caldeiras da Ribeira Grandecontinuam a ser procuradas paradelas se usufruir das suas águasminero-medicinais. Hugo Moreira,recentemente, falecido, em artigopublicado no Correio dos Açoressobre “Parentes da Madre Teresa daAnunciada no Convento de NossaSenhora da Esperança”(24.05.2001), fala sobre a existênciade um documento em que “Diz FreiJosé do Egipto […], morador eprocurador das capelas noConvento de S. Francisco da Vila daRibeira Grande […], que uma léguadistante da mesma Vila está umVale, titulado das Caldeiras aonde aDivina Providência produziu águasminerais que servem de granderemédio para curar muitasenfermidades […]”.Todavia, face às fontescompulsadas, será nos doisséculos seguintes, que as Caldeirasda Ribeira Grande setransformarão numa excelentereferência quanto à sua paisagemnatural e humanizada; ou seja,num espaço, verdadeiramente,histórico.

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Arquivo Museu R. Grande

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II Suplemento Caldeiras da Ribeira Grande - Setembro 2001

ObservaçãoCom este esboço de trabalhopretende-se dar um contributopara a história das paisagensribeiragrandenses. O leitor, comtoda a legitimidade, poderáinterrogar: porquê as Caldeirasda Ribeira Grande? A nossaresposta parte, essencialmente,sem menosprezo por qualqueroutro lugar, da grande afeiçãoque nutrimos por aquele Vale;não só por ele em si mesmo,mas também pelo complexopaisagístico, situação essa que ésecular, que a partir dele irradia:Gramas, Ladeira da Velha,Lombadas, Lagoa do Fogo, Saltodo Cabrito, Caldeira Velha e,mais recentemente, Porto deSanta Iria, Monte Escuro, Lagoade São Brás. Aliás, esseconjunto de paisagens, na nossahumilde opinião, suscita grandespotencialidades para umaproveitamento no âmbito doturismo dito rural.É evidente que não esgotamostodas as possibilidades deestudo do Vale das Caldeiras.No entanto, face àmultiplicidade das fontescompulsadas (escritas, orais,fotografias, observação noterreno), tentámos traçar umarota onde, eventualmente,pensamos ajudar o leitor aatingir uma visão histórica sobreaquele deleitável Vale, emespecial, durante os últimosdois séculos.Cientes do quanto este estudose encontra aberto a umaprofundamento, esperamoscontribuir para o conhecimentode um espaço que persiste, àsvezes com dificuldades, em seafirmar nos roteiros daquelesque, temporariamente,pretendem “desenfadar-se dolidar da vida”, tal comoescreveu, em 1865, o insignejornalista Francisco MariaSupico.

A partir do século XIX, as Caldeirasda Ribeira Grande, assumem-se,gradualmente, como lugar de relevo,não só pelo aprazível da suapaisagem, bem como pelo uso, comfins terapêuticos, dos seus banhostermais. Elas passam a ser um ex-libris da então Vila da Ribeira Grande,bem como da Ilha de São Miguel.Podemos, então, reconhecer que averdadeira demanda para as Caldeirascomeçou. A vereação, de 2 de Marçode 1811, reconhecendo o valor dolugar e das suas potencialidades,deliberou:[…] que em atençam ao grande bemque Resultara a todos desta Ilha e[ainda] mesmo [a] muitosestrangeiros que concorreram buscarRemedeo para a Sua Saude;Acordarem que Sfisece [sic?] humaCasa no lugar das Caldeiras a Custadeste Conceilho [sic], onde ha muntasagoas mineraes que pasam pordivercas [minas?] de [ferro?],inxofre, e outros betumes, pelos quaisSe conhece a grande utelled.e [sic]que Se pudera tirar destes banhos.(AMRG, Acordans, 1810-1820).Chegada a segunda década deoitocentos, a quantidade deestrangeiros, mas não só, queprocuram o Vale das Caldeiras égrande. Por exemplo: Thomas Ashe,John W. Webster, Captain Boid, osirmãos Buller e Ferdinand Fouqué porlá passaram. A literatura por eleslavrada, apesar do relativismo que amesma oferece (estados psicológicos,formação académica, sensibilidadesestéticas coevas, época do ano edurabilidade das viagens, daí o cuidadono seu tratamento), torna-sefundamental para ajudar a configurar oVale nas suas vertentes de paisagemnatural (vulcanismo, veredas,arborização) e humanizada; porexemplo, caminhos, jardins,habitações, Casa de Banhos.Presumivelmente, no ano de 1811, um“Capitão de dragões”, inglês,comummente aceite como ThomasAshe, escreve sobre os seus banhos o

Na demanda das Caldeirasseguinte: “On my arrival at the baths IWas much gratified to find that theyare better attended to than the bathsof the Furnas. The buildings are neatand clean, and the waters possess themost salutary qualities: they haveperformed miraculous cures”. Curasdo tipo: reumatismo, gota e, ao queparece, lepra. (History of The Azoresor Western Islands, 1813).Volvidos poucos anos (1817-18), oquímico americano John W. Webster,na sua lavra refere que o “pequenovalle” era “rodeado de outeiros”; queos seus banhos, usados para curarenfermidades, “são muito menosfrequentados do que os do Valle dasFurnas”, estes apresentando “muitomais particularidades e onde asacomodações são muito superiores”.Webster faz uma descrição do modode os preparar até à condução dassuas águas “para covas oblongas,guarnecidas com lages de pedragrosseira, covas estas abertas no chãoterreo de dois ou tres pequenosedificios [...], por desleixo, quasi emrui[n]as”. (A Ilha de São Miguel em1821 [data da publicação], Arquivodos Açores, 1983).No início da década de trinta (1832),Captain Boid, outro inglês, narra, deuma forma que diria cristalina, arelevar um bom gosto estético, opanorama natural que leva ao Vale,não esquecendo o seu interior, ascaldeiras, os balneários, as habitações:Ficam os banhos situados nadirecção Sudeste a partir da vila,para o interior, sendo o caminho quepara lá conduz muito pitoresco einteressante, ainda que pedregoso,difícil e perigoso, excepto para quemandar a pé.Leva-nos através de fendascavernosas e barrancos, poucomelhor sendo do que um leito seco deribeira, mas exibe ao mesmo tempo,aos olhos do admirador dapaisagem, algumas combinaçõespanorâmicas, extremamentesurpreendentes.Fizemos caminho por entre esta

paisagem até chegarmos a um valeprofundo cingido por montanhas e aofundo do qual ficam as caldeiras, aolado de uma aldeola constituída poroito ou nove cabanas, comacomodações pouco melhores do queas das Furnas.[No Vale] […] encontra-se umanascente de água fresca que, ao serrequisitado um banho, é levada porcanais para as caldeiras de lama,onde, com rapidez incrível, atinge oponto de ebulição, formando bolhascom grande violência e impregnando-se de todos os ingredientes minerais evirtudes das lamas. É entãoconduzida para os balneários onde setempera conforme o calor desejado ese regula de acordo com asnecessidades do doente. (Descriçãodos Açores ou Ilhas Ocidentais,Insvlana, 1951).Para os finais dos anos trinta (Abril,1839), o Vale é visitado pelos irmãosBullar, outros ingleses. O quedescrevem oscila entre um olhar dedesolação sobre a natureza e apaisagem humanizada (“tudo temaspecto desolador”; um “triste retiro”;uma “verde solidão”; “as casasdesertas, tristes e brancas, pareciamhabitações de uma cidade dizimadapela peste”) e o reconhecimento deuma nota de alegria que tem comofonte a “Maria das Caldeiras”, filha do“guarda dos banhos”, “rapariga nova,activa e esperta, de cor morena, olhos

Bem a meio da centúria deoitocentos, as Caldeiras, um Vale jáassumido pela importância do seutermalismo, do ponto de vistaoficial são reconhecidas como zonade mato [a lembrar a “serra” doscronistas dos séculos anteriores].Como resposta a um conjunto dequesitos, mandados a todos opárocos pelo governo (1858), oPrior da Matriz da ex-Vila daRibeira Grande, Manoel Cabral deMello, para os quesitos “Tempousios, ou charnecas? Como sedenominão? e “Tem nascentesd’agoas medicinaes? De quenaturesa são?”, exarou,respectivamente, o seguinte:Tem alguns occupando asencostas, e altos das Serras, quemedirão tanto como as terrascultivadas; e são conhecidos pelosmattos das Caldeiras, Pico alto,Mulatas, e Athaydes: pertencem aparticulares. […]Tem algumas, a que chamãoferreas, e sulphureaes; e possue asCaldeiras, sitio a trez quartos delegoa ao sul da Parochia, e assimchamado pelas que ali ha, e fervemcontinuamente, ao qual concorrem,no bom tempo, a tomar banhosmuitas familias da Ilha, e de fora.(Arquivo Paroquial da Matriz,Ribeira Grande, Collecção dequesitos dirigidos pelo Governoaos Parochos, em 1858, NotasPara o Livro do Tombo).

Pitoresco e sadioFrancisco Maria Supico,farmacêutico e jornalista,continental (n. 1830, Lousa),redactor do Jornal ribeiragrandenseA Estrela Oriental (1856), no seuAlmanach do Archipelago dosAçores para o ano de 1865,relembra, de um modo sintético(coisa que Joaquim CandidoAbranches fará de um modoidêntico, no seu AlbumMichaelense, em 1869), as duasgrandes vertentes de vocação doVale ribeiragrandense: as suastermas com fins medicinais, adescontracção e o revigoramentoque a paisagem do campo favorece:Abundam na ilha de S. Miguel asnascentes d’ agoas medicinaes,havendo dous sitios, qual maispittoresco e sadio, principalmentefrequentados por quem necessitarecorrer a estes remediosnaturaes, ou por quemsimplesmente quer desenfadar-sedo lidar da vida, em pontos aondea natureza ostenta todo o primorde suas galas.Esses sitios são as Caldeiras,proximo da magnifica villa daRibeira –grande; e o maravilhosovalle das Furnas.No primeiro ha abundancia deaguas sulphureas e ferreas, e todasas proporções para ali passar aestação propria quem quizer fazeruso d’ aquellas salutiferas aguas,ou simplesmente gozar a

convivencia campesina que ali ébastante agradavel.O segundo é tão arrebatador pelobello e pelo pavoroso, que éimpossivel descrever-se. Fumegame restrugem as crateras, no meiodos mais deliciosos panoramasque possam imaginar-se.Em 1867, Ferdinand Fouqué, umquímico francês, com as suasobservações às águas termais doVale, e outros químicos no séculoseguinte, seriam fatais, até aos diasque correm, para a sua credibilidadeem termos terapêuticos. Para alémda pequena descrição que fazdaquele “petit vallon orné dejardins touffus et de charmantesmaisons” [a mensagem é ligeira masnão deixa de ser valiosa para seinferir sobre qual a paisagemhumanizada], no que concerne aoseu termalismo, Fouqué salientaque “L’íntroduction de l’eau douceest indispensable pour obtinir laquantité de liquide nécessaire àl’alimentation des baignoires; maiselle a l’inconvénient de détruirecomplétement la fixité decomposition de la petite quantitéd’eau qui jaillit avec les gaz”. (LesEaux Thermales de L’Île de San-Miguel, Açores, Portugal, 1873).Em finais do século XX, a análisede Ferdinand Fouqué continuapertinente. Na sequência de umRelatório do Grupo de Trabalhopara o Estudo do Termalismo na

Região Açores (Agosto de 1979), aDirecção Regional de Sáude (DRS),do Governo Regional dos Açores,informa, em 1982, a Autarquiaribeiragrandense de “que oestabelecimento termal dasCaldeiras da Ribeira Grande nãoteria [diz-se: de momento],interesse para ser aproveitado nocampo da saúde, nomeadamentepara a realização de tratamentostermais” (CMRG, DAF, Processos36/11, 1982, e 36/73, 1985). Paraessa conclusão, entre outrospontos, foi tido em consideração oseguinte: “A nascente de águasulfúrica, hipertermal, ácida, dascaldeiras da Ribeira Grande, temum caudal reduzido, sendoposteriormente, aumentado comáguas pluviais, o que lhe retira asua pureza minero-medicinal. Talfacto já fora anteriormente focadonos relatórios dos químicos queexecutaram a sua análise,nomeadamente: 1872 Ferdinando[sic] Fouque, 1912 EngenheiroCharles Lepiérre, 1953 EngenheiroAntónio Herculano de Carvalho”.Jorge Gamboa de Vasconcelos,Delegado de Saúde do Concelhoribeiragrandense entre 1940 e 1977,crítico de arte, Deputado àAssembleia Nacional, convidado,tal como outros, a se pronunciarsobre aquela carta da DRS,corrobora a sua posição, sendotambém de parecer que:

É pois mais como valor turísticodo que valor terapêutico que obalneário das Caldeiras, deve ser[diz-se: hoje] apreciado e mantido,o que não quer dizer que, nofuturo, e depois da descoberta denovos valores crenoterapicos dassuas águas, não possa vir amerecer mais amplodesenvolvimento adentro da SaúdePública. Isto é mais uma razãopara a sua conservação. (carta de07.03.82; Procs. 36/11, 1982, e, 36/73, 1985).Apesar das observações dosquímicos indicados e, muitoposteriormente, das restriçõesalegadas pela DRS, da RegiãoAutónoma dos Açores, as termasdas Caldeiras da Ribeira Grandenunca deixaram de ser utilizadas poraquistas das mais variadas origens.Actualmente, a Casa das Termas,que quanto aos seus banhoscontinua a usar da dosagemtradicional das duas águas (a doce ea sulfúrea), bem como da aplicaçãode lamas retiradas da CaldeiraGrande, abre todos os dias, exceptoSábados e Domingos, das 9:00h às16:h00. A eles recorrem,essencialmente, para tratamento dedoenças de pele e de reumatismo. ASenhora Odete Correia Melo, 55anos, responsável pela preparaçãodos banhos, vive mesmo ali ao ladono lugar de Gramas, freguesia daRibeirinha.

vivos, cabelo escuro e belos dentes,vestida à sua moda, de chapéu depalha redondo, com guarnição de sedaverde, sáia de algodão estampado e aoombro uma bolsa branca de linho,espécie de saco de caça, onde trás aschaves dos banhos e das casas” aliexistentes. A narração dos Bullerestende-se a uma descrição dobalneário, o qual se encontrava“aberto a todas as horas do dia”,sendo “um longo edifício, espécie deduplo estábulo, dividido em quatrocompartimentos, em cada um dosquais se enterrou no chão umabanheira de seis pés de comprido portrês de largo” (presentemente, dosquatro compartimentos para usobalnear lá existentes, um possuiduche, os restantes banheiras); àpreparação dos banhos pelo “guarda”,onde também não esquecem acomposição das águas: “As águassulfúreas destas Caldeiras não são tãoricas como as das Furnas e o caudal érelativamente pequeno e insuficiente.São, porém, mais ácidas e menossaponáceas, mas do mesmo modorevigorantes. O seu sabor faz lembraro da água quente com fumo,levemente acidulada”. (Um Invernonos Açores e um Verão no Vale dasFurnas, 1986).

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IIISuplemento Caldeiras da Ribeira Grande - Setembro 2001

É no dealbar do século XX e nassuas quatro primeiras décadas, deacordo com as referências quedispomos, que poderemos situar operíodo de ouro do Vale dasCaldeiras.Os seus moradores já não são na sualarga maioria, tal como dizem osBuller para a década de trinta doséculo anterior, da então Vila daRibeira Grande, mas sim da cidadede Ponta Delgada. Pelo menos láresidiam. Basta confirmar osregistos dos prédios urbanos até àdécada de trinta do século passado(cf. documentação no Museu deRibeira Grande). Constituem umaelite social com muito bom gosto.Utilizem o Vale durante o Verão.Fazem batalhas de flores e gardenparties. Criaram em 1896, umaassembleia, a Assembléa Artisticadas Caldeiras, cujo objectivomáximo visava “cultivar a musica eoutras artes liberaes e tambemproporcionar aos socios e suasfamilias, reuniões dançantes,musicaes, jogos e outras diversõesanalogas no vale das Caldeiras,concelho da Ribeira Grande”.(Edição impressa, Ponta Delgada,1896). Curiosamente, a maioria dosproprietários com habitações noVale não assinam a constituição daAssembleia Caldeirense. Os jornaisribeiragrandenses da época, vãoinformando sobre as movimentaçõessociais do período estival. Umanotícia de O Norte, de 13 de Julho,de 1901, reza assim: “Caldeiras –Para este amenissimo Valle foram jáalgumas familias passar o tempo deverão”. Ou ainda o Ecos do Norte,de 5 de Agosto, de 1916: “-Encontra-se já nas Caldeiras averanear o Snr. Dr. HumbertoBetencourt de Medeiros e Camara”,antigo Presidente da Junta Geral doDistrito de Ponta Delgada.O Cónego Cristiano Borges deJesus, lagoense, a quem a RibeiraGrande muito deve, no AlbumAçoriano, de 1903, para a parte daRibeira Grande, oferece ao Rei D.Carlos I a visão de um Vale idílico,

Período de ouro do Valeespaço de uma elite social comprazeres requintados, epicentroirradiador de um complexopaisagístico bastante alargado:Nas proximidades da Villa daRibeira Grande, a pouco mais dequatro kilometros para o centro dailha, fica o pittoresco Valle dasCaldeiras, que com as suas aguasthermaes sulfurosas, com os seusgraciosos chalets, os seus deliciosospasseios e risonhos panoramas,constitue um dos quadroscampestres mais garridos de S.Miguel.As Caldeiras são, por assim dizer,uma estação thermal d’élite, poisque, tendo uma dezena dehabitações, ali só se reune umlimitado e escolhido numero deveraneantes. Passam-se os dias embellos passeios, á Fonte dasLagrimas [os Buller também láestiveram. Mais recentemente, osAmigos dos Açores. Cf. PercursoPedestre do Salto do Cabrito,1999], á nascente das Lombadas, áLagoa do Fogo, ou ao Salto doCabrito, ou ainda jogando, emlindos jardins, à sombra dasarvores frondosas, entre o perfumedas flores, o croquet e o tennis.A noite é na Assembleia, em danças,cantos, jogos e recitações, n’umconvivio intimo, alegre, familiar.A lucidez do Cónego CristianoBorges de Jesus, “polemista depulso”, “um predestinado, nascido eeducado para dominar multidõesque aos templos affluem a escutaros pregoeiros do Evangelho”(Almanach Açores, Anno II, 1905),nesse breve trecho, em nossaopinião, resume a dinâmica socialdas Caldeiras durante a existência dasua Assembleia. Octávio de ChavesTeixeira, 85 anos, frequentador doVale desde os anos vinte do séculopassado, relembra com vivacidade asua vida social. Salienta os jogos, ànoite, no edifício da Assembleia, ocroquet, os banhos na Casa dasTermas, os passeios às Lombadas, àLagoa do Fogo, ao Salto do Cabrito(Testemunho, Agosto de 2001).

Madalena Vaz do Rego SilvaPacheco de Faria e Maia, 46 anos,diz que a avó, esposa do capitãoVaz do Rego, lhe contava que “asSenhoras de manhã estavam nassuas casas; depois do almoço,arranjavam-se, devidamente, e iamtodas para a Assembleia. Era oponto de encontro. As Senhorasbordavam e os Senhores jogavamcom cartas” (Testemunho, Julho de2001).No início de Agosto de 1929, oCônsul da Itália na Ilha de SãoMiguel, organiza um garden- party,largamente noticiado no Correio dosAçores: “Nas Caldeiras. O garden-party oferecido aos oficiais italianos[do navio-escola ‘CristoforoColombo”, sendo seu ComandantePietro Starita] pelo sr. Cônsul daItália”, José Tavares Carreiro. “[O]sr. Cônsul [...] ofereceu […] na suaesplêndida propriedade do Vale dasCaldeiras um garden-party, que,decorrendo com a maior animação,assumiu as proporções de uma festaelegante e brilhantíssima” [notícia de06.08.1929, segundo Arquivo doseu neto, Manuel Velho TavaresCarreiro Júnior, 65 anos, actualCônsul do mesmo país na Ilha deSão Miguel]. Para além de JoséBruno Tavares Carreiro, participouno garden-party, o Dr. LuísBettencourt de Medeiros e Câmara,um dos assíduos do Vale. Entremúltiplos sabores oferecidos,“Inumeros pares [romperam] noamplo terraço ao som dos fox-trotse dos tangos, volteando com vivoentusiasmo”. Um estudo atento dasfotografias que Manuel VelhoTavares Carreiro Júnior possuidesse garden-party, certamente,ajudará a perceber a nata social queparticipou na festa de seu avô.Para o mesmo ano, o literato,natural de Vila Pouca de Aguiar(1879-1961), Sousa Costa, escreveas Ilhas das três formosuras. É umaprosa que faz transbordarbucolismo para o lugar que elenomeia como Caldeiras de S.Vicente: “Flôres, um delirio de

flôres. Arvores, um poder dearvores. Ao todo dez ou quinzevivendas, com os seus parques, comos seus jardins – todos no ar intimode membros duma familia só!” Oescritor ainda acrescenta: “[…] tudorespira ar de vida e saúde nêsterecanto de boleadas curvas efragrantes essencias – e os passarosmorrem exaustos de cantar”.Porém, face ao que, entretanto,pudemos apurar, o encantamento doVale não parece suscitar grandecriatividade artística. Vislumbra-sepouca poesia (para já, só temosconhecimento do caso de LaureanoAlemeida, alma de poeta, natural da

Ribeirinha, Ribeira Grande), prosa(João de Melo) e pintura. Para estaúltima situação, uma surpreendenteaguarela de António Crispim,ribeiragrandense de gema, encontra-sena posse da família do Capitão Vazdo Rego, residentes de longa data noVale. Já a fotografia é maisabundante.O pintor Domingos Rebelo chegou apassear-se pelo Vale. Manuel VelhoTavares Carreiro Júnior, por legadode memória, da parte de sua mãe,Elisa Maria de Medeiros e Câmara,rememora: “Mestre DomingosRebelo, tendo sido hóspede dosmeus avós paternos, chegou ao Vale,sendo recebido por minha mãe.Quando chegou ao Vale olhou para afrente do prédio e, virando-se para aminha mãe, disse: ‘isto é umasinfonia azul’. É que a barreira doprédio [poente] estava toda cheia de

bordões de São José, que são azuis[hoje, com conteiras] os quaistambém se chamam carapantos”.(Testemunho, Julho de 2001).No ano de 1935, a Sociedade TerraNostra apresenta num CongressoNacional de Turismo uma tese adefender a necessidade de, face àssuas “favoráveis condições de ordemgeográfica e ordem moral”, a Ilha deSão Miguel ser declarada zona deturismo. Todavia, apesar daproponente sobrelevar a importânciadas águas termais da Ilha, com vista àsua integração num turismo de cura ede repouso, omite as Caldeiras daRibeira Grande como parte a integrar

num possível roteiro para aquele tipode turismo. Da Ribeira Grande sórealça a importância, como costumepopular, das suas Cavalhadas deSão Pedro e o tríptico [pensamosque o de Santo André] “deinestimável valor artístico” existentena igreja Matriz da então Vila. (Ilhade S. Miguel, terra de turismo,1935).A anteceder os anos quarenta, ao queparece, a actividade da AssembleiaArtística das Caldeiras começou ararear. Álvaro Garcia Temudo daPonte, natural da Matriz, RibeiraGrande, nascido em 1930,frequentador assíduo do Vale, desdetenra idade, recorda que na década dequarenta do século passado aAssembleia já não tinha qualqueractividade (Testemunho, Julho de2001), situação essa que, hoje, aindase mantém.

Em meados do século passado, oVale continuará a ser procuradopara fins minero-medicinais, pelasua água férrea, devido à suapaisagem natural e pelas romarias àSenhora da Saúde. O períodoestival, mormente, Junho, Julho e

Agosto, continua a ser o preferido.Carreiro da Costa, em 1948, naLição da Ribeira Grande, escreveque: “Se os sequiosos e os doentesquiserem minorar a sua sede e osseus males, terão de recorrer a esteconcelho para nele beberem aságuas das Lombadas e da Senhorada Graça, do Porto Formoso – e, seos sequiosos de enfermidades dapele quiserem pôr fim às suas

Meados do século XXchagas, terão de ir, de longada, àstermas das Caldeiras e aos banhosda água prodigiosa da Ladeira daVelha”. Revistas e jornais nãodeixam de informar sobre ascapacidades paisagísticas e termaisdo Vale: “As belezas naturais das

Caldeiras daRibeira Grande[…] são dignas deserem visitadas ea grandiosidadedo Lago das SeteCidades,observado dascumeeiras, é umbelvedereobrigatório noroteiro doturista”. (Viagem,Revista deTurismoDivulgação eCultura, n.º 87,1948). Ao que sepode perceber, a

divulgação turística intensifica-separa final do século. No entanto,consideramos ser um tipo depublicitação de rotina, pequenastiras aqui e acolá, centrando-se asmesmas no que concerne aotermalismo do Vale e ao seuenquadramento no amplo complexopaisagístico que inclui: Lombadas,Lagoa de Fogo, Salto do Cabrito eLadeira da Velha, faltando a

Caldeira Velha, Monte Escuro,Lagoa de São Brás, Porto de SantaIria.Para os anos cinquenta, a memóriaoral continua a dar conta de que omesmo era todo rodeado decriptoméria, eucalipto, canforeira,acácia, plátanos, carvalhos, “comalgumas pequenas clareiras”,assegura Álvaro Temudo. Havia,ligeiramente, a Norte da casa doCapitão Vaz do Rego, nas bermasde um arvoredo um miradouro, como seu palheiro, conhecido por vistada Ribeirinha [hoje, ainda comreminiscências]; uma caldeira deenxofre, cujo seu forte cheiromatava pássaros [presentemente,extinta], bem como uma Fonte,chamada dos Namorados [tambémextinta], já que, quando em grupo,quem lá chegava em primeiro lugare bebesse das suas águas teriacasamento em breve tempo.(Testemunho, de Octávio deChaves Teixeira, Agosto de 2001).A partir do leque de propriedadesque foram expropriadas (Diário doGoverno, II Série, n.º 154, 1961)para a construção da estrada queliga as Caldeiras às Lombadas(1962-1966, trabalho executadopela empresa de Agostinho Ferreirade Medeiros, freguesia da RibeiraSeca, Concelho de Ribeira Grande,actualmente, ainda ligada àconstrução civil), poder-se-á

reconstituir a paisagem natural paraPoente do Vale: terrenos de pasto,de cultivo, de chá e de mata. Aarborização também existia no seuinterior: nele havia duas alamedas[ainda lá existentes], uma quepassava pela mata do Capitão Vazdo Rego (plátanos), na partetraseira [nascente] da actual casapertença de Viriato Moreira,morador na freguesia da RibeiraSeca, Ribeira Grande, a qualdesemboca junto ao local onde seabrem covas para o célebre cozidodas caldeiras [ao tempo deFrutuoso nelas pelavam-se cabritose assavam-se ovos], e uma outra apoente da casa do actual herdeirode José Tavares Carreiro, esta jásem arborização. Álvaro Temudolembra-se da existência de bordõesde São José no declive a poente dacasa de Manuel Velho TavaresCarreiro Júnior, bem como de cháno lado poente da casa do CapitãoVaz do Rego. Em 1964, a JuntaGeral do Distrito de Ponta Delgadaprocede ao empedrado da estradaque liga a Ribeirinha ao Vale. Otrajecto da anterior, térrea e commuitas covas (“às vezes os carrosde praça recusavam ir lá acima; oseu custo era 20 escudos”, dizÁlvaro Temudo), praticamente,manteve-se. A empresa de JoséPereira Dâmaso, da freguesia daMatriz, Ribeira Grande, nos dias

Restaurante Caldeiras

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que correm, ainda afecta àconstrução civil, é que efectuou omelhoramento dessa estrada. Aindapara a década de sessenta, a partirde uma fotografia, pertença do Dr.João Luís Toste, natural dafreguesia da Conceição, RibeiraGrande, residente em PontaDelgada, tirada no sentido poente-nascente; ou seja, junto à estradaque liga as Caldeiras às Lombadas,é de se inferir, apesar deincorrermos em risco, de que o Valese encontrava rodeado de árvores,tal como hoje, estas formandocomo que uma espécie de anel, estebafejado por pastagens [aexistirem, para a época, fotografiasaéreas, certamente, todas asinseguranças serão dissipadas]. Nofinal dos anos sessenta (1967), oVale é considerado, pela ComissãoRegional de Turismo das Ilhas de S.Miguel e de Santa Maria, como umlocal digno de ser visitado.

Page 16: ‘Área metropolitana de S. Miguel’...tornar mais apetecível, não só ao visitante como ao investidor. Necessita ainda de resolver com tacto e firmeza o dilema entre duas indústrias,

IV Suplemento O Ciclo do Espírito Santo - Agosto 2001

Com um nome porventura associadoao benfazejo Vale (flora, água - doce eférrea - e termas), a Senhora da Saúdetem vindo a merecer ininterruptasromarias. A ermida actual foi erigidaem pleno meado do século XIX(1850? Tal como a que se encontra emplaca no seu frontespício?). O PriorManoel Cabral de Mello, comoresposta ao quesito governamental“Ha Ermidas, ou Capellas publicas nafreguesia?”, informa que: “Ha dez[…], 10.ª Situada nas Caldeiras, a trezquartos de legoa ao Sul da Parochia; dainvocação da Senhora da Saude;fundada ha poucos annos, por DonaIzabel Margarida Bottêlho, sua familiae outras pessoas devotas, a instancias

Romarias à Senhora da Saúde: rito campestredo Sabio, e virtuosoPadre Mestre FreiJosé da Purificação,da extincta Ordemde San Francisco,meu SanctoPatriarcha. Não temServentuario. Temde rendaproveniente d’umjuro 2400 rs”. Emnosso ver, asromarias à Senhora

da Saúde constituíram-se como umrito campestre invejável. ÁlvaroTemudo recorda a festa de 15 deAgosto, onde a afluência de residentesda ex-Vila era grande. No Vale, paraalém dos momentos de religiosidade, amissa na ermida, a procissão no seuinterior, os festeiros espalhavam-sepelas matas em seu redor, usufruindode piqueniques coloridos. Octávio deChaves Teixeira, ainda é do tempo emque, no dia da Senhora da Saúde, só secelebrava missa em seu louvor. Diz eleque chegou a ser sacristão em taisactos solenes. (Testemunho, Agostode 2001). A procissão começou poriniciativa do “Senhor José da Costa,antigo sacristão da igreja Matriz da

Ribeira Grande. Ainda no tempo doavô do Senhor Manuel Velho TavaresCarreiro Júnior, só se celebravamissa”, assegura Maria das MercêsBerquó de Aguiar Viveiros, 71 anos.(Testemunho, Julho de 2001).Actualmente, a Senhora Maria dasMercês e muitas outras assíduas doVale, nomeadamente as da família Vazdo Rego, é que asseguram a Festa emhonra da Senhora da Saúde,promovendo um bazar, na casa daAssembleia, coisa que tem váriasdécadas, cuja receita reverte a favor damanutenção da Ermida e até mesmodaquela casa.A partir de uma notícia (Agosto de1993), quanto a nós exemplar para seperceber as romarias à Senhora daSaúde, o Jornal Correio dos Açoresescreve nestes termos:O dia 15 de Agosto tem uma tradiçãomuito forte entre a nossa população –é o dia turístico do Povo que vai depasseio até às Caldeiras, onde passao dia em contacto com a Natureza econvive com os familiares e amigos,principalmente por ocasião derefeição, toda ela à base de iguariasregionais, onde se destaca o peixeassado, o vinho de cheiro, a galinha

com arroz e abundância de fruta, nãoesquecendo a carne assada e o cálicede aguardente…De tarde, como é tradição bastantealongada, a procissão da Senhora daSaúde, registando-se numerosamassa de forasteiros.É um regalo este dia, vivido no Valedas Caldeiras entre cantares alegres[languidez, cisma açórica,acasalamentos, jogos com bolas naspastagens, tendas de campismo nasorlas das já pouco extensas matas] erisadas de quem, uma vez por ano,

sai do seu habitual para respirar arpuro - a atmosfera límpida dasCaldeiras.Outras romarias também se faziam: astardes dos Domingos eram passadas

No último quartel do século XX, umduplo facto parece emergir em volta doVale das Caldeiras: um estado deabandono, seguido, lentamente, de umarequalificação ao nível do seu espaçopúblico (Largo, Casa das Termas).Em 1971, data que parece coincidircom a abertura do único restauranteinstalado nas Caldeiras (o RestauranteCaldeiras), aberto por Manuel daPonte Tavares Brum, cujo um dosfilhos ainda o mantém emfuncionamento, no Correio dos Açoreslançava-se o repto: o Vale apesar demuito visitado não dispunha decondições de agradabilidade. “Torna-seurgente fazer alguma coisa para tornareste aprazível lugar numa capaz infra-estrutura do nosso turismo. […]Estamos a pensar, entre outras coisas,na defesa da chamada casa daassembleia; na construção de umaresidencial; no serviço permanente(Verão e Inverno) dos banhos; numparque para estacionamento de carros;num local para práticas desportivas,principalmente ténis e croquet [e até

‘Alindar as Caldeiras’mesmo o campismo, coisa que o Valesabe bem proporcionar. Por exemplo,em 1952, lá existia uma Colónia deFérias]”.Para os veraneantes com moradias nasCaldeiras, a década de setenta e aseguinte, são períodos onde apersistência do sossego, o contactocom a natureza, na busca das suaságuas e frutos silvestres, o convívio,predominam, prolongando, assim, umdado histórico persistente.Porém, Domingos Amaral, natural dafreguesia de Rabo de Peixe, RibeiraGrande (81 anos), reformado, emMarço de 1985, através do Diário dosAçores [artigo que ainda não tivemosacesso], desencadeia, novamente, apolémica em volta do continuadoabandono e degradação do Vale.(Testemunho, Julho de 2001).As reacções camarárias não deixaramde se fazer sentir. Fernando Monteiro,Engenheiro Agrónomo, mariense, jáfalecido, na altura vereador da Câmararibeiragrandense, em 30 de Abril, de1985, atento às preocupações doarticulista, alerta o elenco autárquicopara o seguinte: “A zona das Caldeirasda Ribeira Grande – beleza natural ehistórica – de elevado valor paisagísticoestá a passar por uma fase degradativagalopante e quase irreversível,designadamente as Termas, aAssembleia, a Casa de Federação, apintura das habitações etc., que urge da

parte da C[âmara] M[unicipal] umaatenção urgente e positiva”. (Procs.:1982 e de 1985).Contudo, as respostas ainda haviam dese arrastar. Dinarte Miranda,ribeiragrandense, natural da freguesia daRibeirinha, comerciante activo nacidade da Ribeira Grande, outrovereador da dita Câmara, em 14.02.86,recoloca a questão, propondo à mesacamarária o seguinte: “1º Alindar o Valedas Caldeiras, plantando arvores earbustos proprios, à semelhança doVale das Furnas. 2º Mandar colocarbancos de jardim e algumas mesastípicas dos parques. 3º Tornarfuncional as suas termas, retirando osbalneários, substituindo as canalisações[sic] e banheiras, caiar, pintar, etc, etc.4º [Propõe] ainda [à] Câmara mandarelaborar um, projecto, do que vai ser,em termos futuros, as Termas daRibeira Grande [...]”. (cf. Procs.indicados).Entretanto, no ano de 1987, como quea regressar às origens, pelo menos dequem a mandou construir, em Auto deCessão, a título precário, a DirecçãoRegional do Tesouro cede à CâmaraMunicipal de Ribeira Grande a Casadas Termas das Caldeiras. (ver Procs.).Tal edifício foi inscrito pela primeiravez na matriz predial, em nome daJunta Geral do Distrito de PontaDelgada, no ano de 1937. Hoje,continua a ser propriedade da Região

Autónoma dos Açores. Na sua fachadaprincipal ainda se encontra incrustada adata de 1811, bem como nela estáafixada uma placa a indicar:“Património da Junta Geral”.Por fim, é na década de noventa que aautarquia ribeiragrandense dá início àrequalificação do Vale.“Abandonadas durante muito tempo[escreve o Açoriano Oriental de22.08.96] por anteriores governaçõesautárquicas […] as Caldeiras,localizadas a meio caminho entre aRibeirinha e o vale das Lombadas,estão a sofrer profundas alterações.Desde o Verão passado que a CâmaraMunicipal tem realizado obras deembelezamento, protecção paisagísticae patrimonial da zona”. Tal“embelezamento e protecçãopaisagística”, revela-se na introduçãode alguns tiques urbanos num espaço,imensamente, rural: joga nos passeios eem redor das duas caldeiras, asfalto,iluminação pública, bancos, sanitários.Todavia, a “protecção patrimonial”parece mais complicada em se afirmar.Curiosamente, no Vale não têm sidoacrescidos edifícios aos já, de longadata, ali existentes, excepto pequenascasotas de apoio à lavoura. Contámosdezoito, inclusive, Restaurante, Casadas Termas, Ermida, ruínas do antigodepósito da Empresa das Águas dasLombadas e uma moradiatransformada, ao que se pode perceber

(não vimos o seu interior), emarmazém.Depois de descoberto, diríamos que deum modo massivo, o Vale, neste iníciodo terceiro milénio depois de Cristo,continua a sofrer de alguns males:vegetação descuidada, a lembrar odevasso; abate de árvores, tornando-ocom aspecto árido (o Vale, envolvidopor arborização, só prolongada na suaribeira, possui grande variedade deplantas: criptoméria, acácia, giesta,eucalipto, pinheiro, palmeira, cedro,carvalho, limoeiro, chá, laranjeira,plátano, incenso, flores das maisdiversificadas); excesso de carros,onde não faltam as lavagensclandestinas; e excrescênciasconsumistas várias. Parece que orepto do Correio dos Açores, de1971, no seu essencial, ainda está porresolver; por outro lado, na ópticados históricos das Caldeiras, a suaoriginalidade incorre no risco de seperder. Para Octávio de ChavesTeixeira, do sossego de outrora, o Valepassou a um tormento (Testemunho,Agosto de 2001).Colocando-se de parte osmelhoramentos sofridos, o Vale dasCaldeiras da Ribeira Grande é umexcelente exemplo para suscitar umareflexão sobre quais deverão ser asresponsabilidades do corpo social emrelação à Natureza, seja esta naturalou até mesmo humanizada.

nas Caldeiras, onde as suas matas epastos eram vestidos com mantas ecapachos. Álvaro Temudo recorda:“Quando tinha 8 ou 9 anos, aosDomingos, depois da missa,preparavam-se carros de bois ecarroças, onde nos eixos destas seamarravam os farnéis; ia-se cantandopor aí acima; parava-se junto da águaférrea [na rampa de entrada do Vale,lado poente]; bebia-se qualquer coisa;mais acima, nas matas, ou numapastagem ali ao lado, estendiam-se oscapachos e as mantas e comia-sequalquer coisa; à tarde, depois doalmoço, preparavam-se umas canas-da-índia [bambu] e novelões[hortências], enfeitando-se ascarroças para o regresso. Algumaspessoas levavam guitarras, ondehavia cantinelas. Eram passeioslembrados 15 dias antes e 15 diasdepois”.Na terça-feira do Senhor Salvadordo Mundo, o povo da Ribeirinhatambém se deslocava para o Valepara, na linguagem popular, entreas suas matas, roer os ossos.“Algumas famílias iam para asCaldeiras com o resto que havia dafesta”, assevera Álvaro Temudo.

Outra Bibliografia: Augusto Branco Camacho, O Bem Comum, 40 anos de administração distrital, 1926-1966, Ponta Delgada, 1966; Cristina Rodrigues Sampaio, Caldeiras da Ribeira Grande,Banhar e comer às portas da natureza, Jornal Correio dos Açores, 22 de Julho de 2001; João Emanuel Cabral Leite, Estrangeiros Nos Açores No Século XIX, Antologia, Signo, 1991; Marquez deJacome Corrêa, Leituras Sobre a História do Valle das Furnas, MCMXXIV; Mário Moura, Memórias da Ponte dos Oito Arcos da Ribeira Grande, Institvto Cvltvral de Ponta Delgada, 1996;Mário Moura, O Arcano da Ribeira Grande, Salamandra, 1999 [ao autor: agradecimentos pelos conselhos científicos]; Verbo, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Volumes 6 e 17.

Arquivo Família Temudo