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Aristóteles - Um ponto em metafísica: Livro VII-1, 1028b, 3-4

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Uma conclusão acerca do ser e da substância é discutida no contexto da metafísica aristotélica, mostrando que o acompanhamento dos argumentos originais aponta para a conclusão mencionada.

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Aristóteles: Livro VII-1, 1028b, Harry Edmar Schulz

1 São Carlos, 2013. Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

UM PONTO EM METAFÍSICA Livro VII-1, 1028b, 3-4

Um exercício sobre Aristórteles

Harry Edmar Schulz

Texto iniciado em Fevereiro de 2013 Texto concluído em Março de 2013

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Prefácio

Este texto, após as averiguações acerca de seu potencial para o objetivo didático no contexto do projeto “Humanização como Ferramenta de Aumento de Interesse nas Exatas”, mostrou-se interessante como um exercício no qual, em se seguindo os passos do autor original, no seu universo de hipóteses e de informações, as conclusões podem ser as mesmas que o próprio autor atingiu.

Note-se que nem sempre isso é verdade. Por vezes as considerações feitas por um autor são apenas um caminho entre os muitos que podem ser seguidos e esses outros caminhos não foram convenientemente “descartados”. Assim, as conclusões eventualmente apresentadas passam a ser apenas possíveis, frente às demais não devidamente analisadas, mas não definitivas.

No presente estudo o autor original, indicado como Aristóteles na literatura do pensamento, considerando as análises efetuadas acerca dos textos acessíveis em nossa época, discute acerca do “ser”. O “ser” é a matéria prima de grande parte das discussões que permearam o pensamento humano ao longo de sua história. Os livros da Metafísica, ditos de Aristóteles, trazem passagens que discutem o ser enquanto uma “entidade essencial ao conhecimento” (estou usando os termos de forma algo livre), mas, em alguns momentos, parecem apenas apontar para uma questão gramatical ou semântica, com os sentidos sendo expostos como em uma sala de aula, para alunos que precisam conhecer sua língua.

“Ser”, em grego, enquanto verbo, assume o sentido de “ser” ou “estar”, nos verbos da língua portuguesa. Também assume o sentido substantivado “ser”, como em “ser humano”, no Português. Assim, considerando que a época de Aristóteles colocava os “letrados” convivendo com o poder (Aristóteles esteve a serviço de Alexandre, o grande,

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que amealhou grandes territórios enquanto ativo), sem dúvida interessava haver um domínio mais adequado de sua língua e da retórica àqueles que almejavam a política e os postos governamentais de seu tempo, com o intuito de convencer seus iguais. Decorre que a impressão eventual de “aula de grego” que por vezes desponta dos textos pode ser correta.

A atmosfera de convencer os iguais de seus argumentos é, sem dúvida, campo da retórica, mas também pode ser um auxílio à didática, se aplicada em sentido restrito, visando fazer o aluno entender o universo de aplicação de determinado conceito quantitativo.

É com esse intuito que o presente estudo é inserido no projeto “Humanização como Ferramenta de Aumento de Interesse na Exatas”. Sua origem decorre de uma proposta de trabalho entregue aos alunos da disciplina de Filosofia Antiga II, no primeiro semestre de 2013, no curso de Filosofia da Universidade Federal de São Carlos.

Como sempre, o estudo foi direcionado ao contexto didático e conclusões atingidas nesse esforço didático podem não ser adequadas para o estudo do autor específico.

Caso hajam questões sobre a maneira como est estudo foi conduzido, por favor entrar em contato com o presente autor, através de [email protected], ou [email protected].

Harry Edmar Schulz São Carlos, 1º de Março de 2013 Projeto: Humanização como ferramenta de de aumento de interesse nas exatas

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Sumário

1 – Introdução: ............................................................(5)

2 – (A) Informações Temporais que levam à Atemporalidade:...............................................................(8)

3 – (B) Dúvida:...........................................................(10)

4 – (C) Primeira Questão:.........................................(13)

5 – (D) Segunda Questão:..........................................(16)

6 – (E) Identidade:.....................................................(17)

7 – Considerações Finais:..........................................(18)

8 – Referência Bibliográfica:....................................(19)

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Objeto de estudo: METAFÍSICA Livro VII-1, 1028b, 3-4 Autor: Aristóteles.

TEXTO ESPECÍFICO PARA O ESTUDO

E, em verdade, a questão que outrora se levantou, que ainda hoje é levantada e sempre o será, que sempre é matéria de

dúvida – a saber: o que é o ser – identifica-se com a questão: que é a substância?

1 – Introdução:

Quando li este excerto isoladamente, como uma informação primeira sobre a qual se deveria efetuar um estudo, a sua aparente abrangência inicialmente me impressionou. Em ato contínuo, um esforço introdutório foi feito para que toda a frase fosse assimilada, de modo que então algum sentido pudesse ser inferido. Assim, no primeiro momento o todo “ribombou” na minha “mente” (digamos que saibamos o que o termo signifique) de forma talvez até apoteótica, conforme segue (os negritos correspondem aos termos que mais chamaram a atenção nesta primeira leitura):

E, em verdade, a questão que outrora se levantou,

que ainda hoje é levantada e sempre o será, que sempre é matéria de dúvida – a saber: o que é o ser – identifica-se com a questão: que é a substância?

Essa talvez apoteose decorra da maneira como o

excerto é apresentado ao leitor: é EM VERDADE que este

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“algo” é apresentado. O termo EM VERDADE sugere uma revelação, que, enquanto vista de forma independente, faz do excerto uma máxima. Assim, uma primeira leitura coloca o “transeunte” na busca da essência desta verdade. As releituras imediatas me levaram a considerar, em uma primeira instância, a essência desta frase como sendo: O que é o ser identifica-se com o que é a substância.

Uma possibilidade que decorre da leitura apenas do

excerto seria estender essa identidade localizada inicialmente para algo que dela deriva, do tipo: O ser identifica-se com a substância. Em suma, assumindo esta interpretação do excerto, ser e substância seriam a mesma coisa. Entretanto, como foi mencionado, isto é uma consequência da leitura efetuada enquanto revelação de uma máxima (lembrando talvez as palavras “em verdade, em verdade vos digo... etc.”, que precedem máximas em outros contextos). Assim, em um segundo momento o contexto no qual este excerto se insere foi considerado também para se aventar o sentido do próprio excerto.

Caminhando no sentido próprio que se pretendeu dar originalmente ao excerto, atenho-me aos demais termos que fazem dele algo apoteótico. Utilizaram-se as palavras: questão levantada outrora, ainda hoje, e sempre. Dessas referências temporais que levam à atemporalidade, à eternidade implícita na questão, o leitor se vê colocado diante de uma verdade perene (lembrando a primeira observação aqui feita: o algo é apresentado “em verdade”). Verdades perenes seriam, por si só, pequenos “tesouros” intelectuais que impactam o pensador. Assim, uma verdade perene estaria sendo apresentada, a qual eventualmente induziria à expectativa de uma “solução” de um problema ou de uma questão.

Entretanto, apesar das fanfarras e desfiles marciais que as palavras implicitamente sugerem ao induzir uma

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antevisão de uma máxima, a verdade perene se apresenta como uma “dúvida perene” (sempre é matéria de dúvida). Em outras palavras, estamos imersos na dúvida: outrora, hoje e sempre. Nesse caso, calam-se as fanfarras e adia-se o desfile. A máxima que anteveria uma solução, “em verdade” informa uma impossibilidade. Estaremos sempre em dúvida. Em verdade, não saberemos.

Agora, tendo transitado da apoteose para a derrocada

das expectativas, como que tendo saído a um passeio em um dia de Sol e terminado a caminhada na chuva fria, volta-se à consideração daquilo sobre o que se está falando. A eterna dúvida seria sobre o que mesmo? Na metáfora da caminhada na chuva, porque é que estou pegando este resfriado?

Como dito, a primeira visita ao excerto havia

colocado a questão “o que é o ser” em uma identificação com a questão “o que é a substância”. Mas, depois de ter sido talvez preparado para entender de imediato esta identidade, de fato percebe-se que o que se afirma é haver uma dúvida perene para a primeira questão: “o que é o ser?”. Ainda que haja a identidade entre a pergunta “o que é o ser?” e a pergunta “o que é a substância?”, a frase, no anticlímax já mencionado, informa esta dúvida, que, forçosamente, não responde, portanto, a segunda pergunta. Antes, sugere que a segunda pergunta possui essa característica perene também.

Finda a descrição da impressão causada pelas

palavras, desponta a certeza de que, não respondendo nem uma questão, nem outra, o excerto é um segmento que informa uma possibilidade em um contexto mais amplo. Em verdade, uma questão (digamos a questão 1) identifica-se com outra questão (digamos a questão 2). De resto, a atemporalidade e a característica de dúvida relativas à

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questão 1 surgem como informações paralelas. Se são necessariamente vinculadas à identidade proposta só o contexto pode informar.

Guardados os instrumentos da banda, varrido o clima

de festa do palco, o que resta do excerto é um conjunto um tanto insípido de elementos, que, para que uma compreensão mais aproximada da proposta do autor seja possível, devem ser analisados mais detidamente. Os elementos são, esquematicamente:

- A) Informações temporais que levam à atemporali-

dade. - B) Dúvida. - C) Primeira questão. - D) Segunda questão. - E) Identidade.

2 – (A) Informações Temporais que levam à Atemporalidade:

Estamos agora nos movimentando em um tempo inicialmente ambíguo. O outrora mencionado seguramente é o passado. Mas é o passado relativo ao hoje também mencionado. Sem mais delongas, esse hoje refere-se a uma antiguidade da qual não temos nem documentos originais. Considerando os documentos disponíveis, o outrora e o hoje mencionados estão distantes entre si de algumas décadas ou, no máximo, alguns séculos. Assim, o texto sob nossos olhos considera uma discussão bastante atual para aquela antiguidade. O termo “sempre” contido nesse texto é que nos insere eventualmente nessa discussão, caso entendamos que a pergunta sobre o ser, que é o motivo

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dessa conjunção de referências temporais, continue sendo algo relevante; ou seja, que o “sempre” nos alcança.

Não se trata aqui de estabelecer relevâncias, mas de

verificar eventuais referências temporais que possam ser localizadas nos documentos disponíveis e os eventuais movimentos conceituais havidos em torno do ser.

O autor, ao mencionar o passado, provavelmente se

refira em parte àquilo exposto no primeiro livro da Metafísica. Neste livro é apresentada uma divisão dos saberes, bem como a doxografia das teses que precederam o autor. Este arrola “pensadores de outrora” desde Tales até Platão, expondo, talvez à sua maneira, o que esses pensadores de outrora entenderam como natureza, ou como a causa da natureza. Embora o autor contradiga seus precedentes, herda deles aquilo que considera correto. Seu método de análise consiste em aproveitar o que é considerado verdadeiro e descartar o que é considerado falso, portanto partindo de algo já anteriormente pensado. Em outros termos, o autor parte de um conhecimento recebido “não integralmente falso”. O falso ou verdadeiro passam a ter como critério a resistência à própria argumentação do autor. Embora não diretamente vinculado ao tema da temporalidade, é interessante mostrar aqui que o autor “transitava” por conceitos herdados, o que faz com que aquela discussão, mesmo considerando o que denominou de “outrora”, era atual para ele, ou seja, integravam o seu “hoje”.

Note-se que os autores sobre os quais o estudo se

desenvolve envolvem Parmênides, Heráclito, Crátilo, Sócrates, além de outros mencionados, ora indicados como tendo influenciado Platão, ora reconhecendo-se que influenciaram Aristóteles (o autor em tela, considerando nossos documentos). Por se tratar do ser, a frase “o ser é e o

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não-ser não é”, de Parmênides, permeia o entendimento que se pode extrair do texto enquanto se procura assimilar a proposta do autor. Nesse caso, entretanto, não permeia como uma “verdade” a que eventualmente deva chegar a proposta, mas como uma marca da época em que esta discussão está sendo efetuada.

Entende-se que as “referências bibliográficas”

mencionadas e utilizadas pelo autor ao longo de sua obra remetem-nos ao “outrora” por ele utilizado. Da mesma forma, fazem-nos entender o “hoje” no qual se encontrava na antiguidade clássica. Mas, sem dúvida, não permitem antever o “sempre” proposto. Este “sempre” seguramente tem outra causa. A menção da atemporalidade, portanto, não ficou clara neste primeiro aspecto considerado.

3 – (B) Dúvida:

Quando se considera a primeira questão em tela, talvez uma parte da dúvida decorresse de que se admitia outrora que esta não dizia respeito a coisas sensíveis, mas de outra espécie. Essa era a proposta de Platão, por exemplo com a sua teoria das idéias. O problema, considerando que Platão talvez não tivesse adotado o melhor ponto de vista, estaria então mal posto (segundo, agora, Aristóteles, bem entendido). Em outro aspecto, seria, na verdade, “o universal” que deveria ser considerado, como queria Sócrates. E eventualmente também o problema se localizasse nos termos “continuo” e “perpétuo” como usados por Heráclito e Crátilo, na sua visão de um perpétuo “estado de fluxo”. O termo contínuo podia gerar dúvidas, por poder ser também associado ao inverso de uma descontinuidade, que não é o caso. O perpétuo claramente não tem fim, e isto talvez fosse uma palavra melhor para a

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discussão elaborada em torno do ser, que, entretanto, nessas fases iniciais não considerava a estrutura de abordagem montada por Aristóteles (evidentemente posterior).

Como mencionado, Sócrates buscava o universal,

porém mais no âmbito das questões sobre a ética, fixando-se nas definições. Esse “universal” de Sócrates, salvo melhor juízo, envolvia a totalidade, sem exceções. Em outros termos, a definição buscada por Sócrates não se preocupava com os acidentes, ela buscava o universal, para, se fosse necessário, determinar daí o particular.

Platão aceitou essa forma socrática de ver o problema

(ou criou um personagem, Sócrates, que consubstanciasse suas próprias idéias), dizendo ademais, como já mencionado, que as realidades não eram as realidades sensíveis. O sensível não podia expressar o universal. Há, reconhecia, aquilo que nos cerca, mas há, adicionalmente, uma outra realidade. Esta outra realidade seria imutável. Assim, Platão não aceitava a universalidade na mudança, ou seja, não aceitava a proposta de Heráclito. Como consequência (aqui o termo consequência apenas visa abreviar a exposição, porque as razões não estão apenas na contraposição a uma idéia, mas na busca de uma explicação mais plausível segundo o seu conjunto de condições de contorno), criou a sua teoria das idéias. As idéias são “a outra realidade”, estando à parte da percepção sensível, isto é fora deste mundo sensível. Mas elas seriam a origem. As coisas sensíveis seriam o que são porque “participariam” das idéias imutáveis.

Uma outra forma de ver o ser, ou justificar porque os

seres subsistem, foi apresentada pelos pitagóricos, que propunham que os seres subsistiam por uma “imitação” do número. Assim, observa-se que os seres tinham diferentes maneiras de “serem”, de acordo com a linha de pensamento

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do proponente da explicação. Imitação e participação eram duas dessas possibilidades. Segundo Aristóteles, entretanto, ninguém disse o que seria a imitação nem a participação. O que se seguiu é que tais palavras foram adjetivadas de “poesia”, ou metáforas poéticas, que punham termos na discussão que nada explicavam ou significavam.

Na sequência de “propostas de outrora” apresentada

nos parágrafos anteriores deste item observa-se que a divisão usualmente imputada a Parmênides entre mundo sensível e mundo inteligível se impôs ao pensamento humano dali derivado, pelo menos no período em que o texto sob análise foi gerado. Dar a supremacia ao inteligível foi a proposta seguida por muitos, entre os quais Platão com sua teoria das idéias, à qual se contrapôs Aristóteles. Essa característica de divisão entre sensível e inteligível e de priorização, entretanto, também mostra que se trata de uma escolha. E a escolha de cada pensador dependerá do conjunto de “convicções”, ou de “verdades”, ou de argumentos “irrefutáveis” com os quais estará buscando a sua própria resposta. Assim, esta questão, se for considerada como relevante, sempre envolverá a dúvida de se ter considerado o conjunto de argumentos definitivo, ou final, em uma estrutura que não admitirá questionamentos. Em outros termos, a dúvida sempre existirá.

Nesse contexto, talvez se possa aceitar o “sempre”

utilizado na frase. Ele não está vinculado ao pensamento em si, mas a uma assumida impossibilidade de fundamentar definitivamente uma argumentação inquestionável para a questão do ser. Se essa assunção, entretanto, está correta, não é uma questão a ser respondida aqui. Adicionalmente, inferir que o questionamento do ser terá relevância perene parece-me igualmente ousado. Não obstante, encontrou-se uma justificativa para a atemporalidade existente na frase em estudo.

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4 – (C) Primeira Questão:

O que é o ser? A questão do ser se encontra no centro de atenções da

ciência primeira, que busca as causas primeiras do ser, mas não de “um” ser, e sim “do” ser entendido de forma universal. Segundo o autor, o ser, para ser entendido, necessita de suas causas. Mas podem haver diferentes causas para o ser, tendo isso sido motivo de discussão entre os pensadores de outrora, embora não se tendo atingido naquelas discussões uma interpretação convincente das diferentes causas (segundo Aristóteles). O autor, ao informar que há diferentes causas, mostra igualmente que é preciso saber de qual causa estamos falando, para que possamos ter a causa do ser.

Na sua forma mais divulgada pela escolástica, o ser

tem quatro causas (segundo o autor), que são: 1) Causa material, 2) Causa formal, 3) Causa eficiente e 4) Causa final. As coisas que são, são por influência ou em razão dessas quatro causas. Note-se que podem existir (e existem) seres que não têm as quatro causas, podendo-se ter, por exemplo, apenas uma causa. Dizer que o ser “é” por influência ou em razão das causas mostra que a busca das causas se identifica imediatamente com a pergunta “o que é o ser?”.

Assim, em princípio, o ser estaria entendido pelas

causas. Mas, adiante em sua obra, o autor informa que há

diferentes maneiras de “ser”. E nessas diferentes maneiras de ser despontam aquilo que o autor denominou de “categorias”. Não basta, portanto, ser, mas ser em uma

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categoria. Melhor dizendo, “o ser o é” em uma categoria. Na sua versão mais ampla, dez categorias são citadas: 1) Substância, 2) Qualidade, 3) Quantidade, 4) Relação, 5) Tempo, 6) Ação, 7) Paixão (ou Afecção), 8) Lugar, 9) Situação, 10) Posse.

Nessa possibilidade do “ser categorizado”, nota-se

que a substância desponta como uma das categorias. Em uma primeira observação, portanto, da identidade proposta na frase em estudo, há uma possibilidade do “ser” ser enquanto substância.

Isto conclui as possibilidades de discussão do ser, que

poderia levar à busca da identidade evocada na frase? Talvez ainda não.

Note-se que quando nos deslocamos ao longo da

Metafísica (única obra consultada para este trabalho) percebemos que acabamos por ter que buscar uma compreensão daquilo que Aristóteles, o autor, entende que seja “ciência”. Nesse caso, como já mencionado, tem-se então a busca de como o conhecimento de algo determinado goza do estatuto de causa primeira. A ciência primeira estuda o ser como ser, sendo aquilo que existe por si mesmo. Essa abordagem foi feita quando foram consideradas as quatro causas, sendo que a ciência que se está tentando entender, por efetuar uma busca tendo como objetivo o próprio conhecimento, é designada de teorética. Isto mostra que se trata de uma ciência com características particulares. Na sequência, lançar a possibilidade de predicar o ser “enquanto alguma coisa” (utilizando uma linguagem algo livre) criou as categorias, que podem ser consideradas isoladamente na discussão do ser, mas seguindo padrões semelhantes nessa discussão. Em termos de exemplificação, o que se argumenta usando a quantidade pode ser argumentado usando a qualidade. Mas isso não

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esgota as possibilidades de entender o ser. O autor, adiante em sua obra, mostra que o ser pode ter muitos “significados” (mais uma vez, usando de forma algo livre os termos). Pode-se ter o ser “por acidente” ou “por si mesmo”, que são significados opostos ainda não aventados nas discussões anteriores. Pode-se ter o ser “como verdadeiro” ou “como falso”, que, igualmente, não foram comentados. Pode-se ter o ser “como potência” ou “como ato”, que não foram considerados no que se comentou até agora. Numa extensão, pode-se ter o “ser como forma” e o “ser como matéria”, cuja discussão nos remete ao ato e á potência.

A resposta à pergunta “o que é o ser?”, portanto,

coloca diante do leitor dos textos de Aristóteles a uma quantidade razoável de possibilidades (4 causas, 10 categorias e pelo menos 6 “significados”). Aristóteles mostra, no caso da ciência das causas primeiras, que há significados que não interessam (o ser acidental não leva a uma ciência, por exemplo), bem como conduz o leitor argumentativamente a considerar a sua própria escolha em termos de categorias discutidas.

Mas, na busca da identidade entre a questão 1 e a

questão 2 aqui discriminadas, talvez seja um projeto algo exagerado lançarmo-nos em uma discussão de toda a argumentação efetuada por Aristóteles em torno do ser. Isso porque a frase em questão menciona apenas aquilo que seria uma categoria, a primeira categoria (com o que não se pretende dizer que o tema seja restrito).

Assim, entende-se que a localização dessas diferentes

maneiras de indicar o ser, que conferem à teoria de Aristóteles uma estrutura própria, particular, que visa o entendimento possível em seu hoje, é suficiente para

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evidenciar o universo de conceitos que envolvem a primeira questão, que é o aspecto considerado no presente item.

5 – (D) Segunda Questão:

O que é a substância? Do conjunto de informações extraídas dos textos do

autor até agora, o que se tem é que a substância é a primeira das categorias do ser enunciadas por Aristóteles. Assim, o ser pode ser enquanto substância, o que já confere uma identidade entre ser e substância.

Mas, há mais. O autor informa que o que garante a

unidade e a universalidade científica é poder dizer que as coisas que são, são em virtude de um princípio, que foi traduzido como substância. Note-se que a unidade e a universalidade são características consideradas necessárias à ciência primeira. Assim, a substância adquire um status de essência para a existência, ou, com os termos usuais, adquire um status de essência para que haja o ser.

A obra de Aristóteles nos sugere que substância é

algo de que tudo se predica, mas ela própria não é predicado de nada. Nesse caso, como se mencionou que as categorias predicam o ser, observa-se que todas as categorias podem predicar a substância, mas ela não predica as demais categorias. Caminhando nessa forma de interpretação do texto, tem-se que a substância passa a ser o substrato da predicação. Indo mais adiante, surge naturalmente a sensação de que predicações sucessivas, se atingirem a substância, terão atingido aquilo que não pode mais predicar coisa alguma. Nesse caso, há uma identidade imediata com as coisas primeiras, ou, talvez, as

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“substâncias primeiras” (estamos sendo livres nos termos), que podem ser predicadas, mas que não predicam.

Ao nos aproximarmos das coisas primeiras, que são

por si, estamos nos aproximando do ser que é por si. Nesse caso, observamos que o conhecimento do ser está identificado com o conhecimento da substância. Talvez não como identidade direta entre ser e substância, como uma extensão da primeira leitura aqui feita sugeriu, embora pareça também agora que assim deva ser. Mas, com certeza, há uma identidade entre as perguntas efetuadas e a sua dúvida.

6 – (E) Identidade:

Com base nos itens 4 e 5 (elementos C e D) atingiu-se, portanto, a situação de localizar a identidade entre as questões do ser e da substância.

“O que é o ser?” é uma pergunta que carrega em si a

dúvida de se estar considerando um referencial adequado (o conjunto de argumentos de uma teoria sólida, como nos pretende apresentar Aristóteles, por exemplo). No conjunto de argumentos que estabelece a estrutura da teoria construída por Aristóteles, convenientemente resumida nos itens precedentes, surge uma identidade muito forte entre a substância enquanto substrato de todas as categorias e do ser enquanto ser por si. Ambos os conceitos nos levam à noção de “primeiro”, cujo conhecimento nos permitirá, eventualmente, erigir a ciência primeira. Entretanto, na argumentação que visa esclarecer as diferentes formas de ver esses “primeiros”, as respostas às duas perguntas: o que é o ser? e o que é a substância? não são dadas. Esta ausência de qualquer resposta impede a definitiva

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identidade entre ambos. Assim, segue-se que, em verdade, a questão que outrora se levantou, que ainda hoje é levantada e sempre o será, que sempre é matéria de dúvida – a saber: o que é o ser – identifica-se com a questão: que é a substância?

Note-se que o trânsito pelo texto da Metafísica (única

obra aqui lida para este estudo) conduziu, ao trabalhar com os elementos A, B, C, D, E da segmentação efetuada para o entendimento do excerto em consideração, àquilo que se supõe seja o real entendimento do mesmo. Isso decorre da própria conclusão aqui apresentada, que se torna explicitada pela frase inicial. Entretanto, agora esta frase ocorre como uma conclusão decorrente dos argumentos de Aristóteles, e não como pergunta.

7 – Considerações Finais: O texto lido (Metafísica, em alguns de seus livros e

partes) é sumamente interessante. Verifica-se um esforço racional de tornar acessível um objeto de estudo “etéreo”, dispondo de conceitos díspares em um ambiente que, infere-se, envolvia discussões ou embates de diferentes teses. A estrutura formada para “entender o ser” mostra-se, ao leitor, como uma racionalização surpreendente que, ademais, transmite uma sensação de “seriedade” nas tentativas efetuadas pelo autor. Isto é mais simpático ao leitor (pelo menos ao presente leitor) do que os textos atribuídos a Platão, onde (para o presente leitor) a argumentação desponta por vezes como “forçada”, deixando de lado opções que poderiam ser igualmente viáveis. Os textos atribuídos a Aristóteles, parece, “não fogem” da multiplicidade. Pelo contrário, eles a incorporam na sua discussão e justificam seus pontos de vista (as quatro

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causas, 10 categorias, etc., como exemplo). Adicionalmen-te, não são criadas árvores binárias que induzem a desconsiderar outras hipóteses de trabalho (pelo menos na parte lida para o presente estudo). Este texto talvez tenha sido aquele que mais transmitiu prazer ao presente leitor, no tocante aos desenvolvimentos da Filosofia Antiga.

No tocante ao aspecto estrutural, como superficialmente aventado no Prefácio, por vezes o texto parece ser voltado para o aprendizado da língua grega, ao detalhar as possibilidades de interpretação de um termo (ser). O contexto, entretanto, faz ligações com o aspecto substantivado (ou subjetivo) do termo, no qual o “ser” passa a ser algo que “existe”. Por vezes há a impressão de que são dois momentos diferentes de escrita (ou de discurso), em que se fala de coisas diferentes, que foram colocados lado-a-lado, ou seja, interconectados sem realmente o serem.

Já no tocante à sequência dos argumentos oferecidos no texto, para que a frase estudada possa ser considerada uma conclusão, o acompanhamento dos argumentos admite essa conclusão, o que é interessante do ponto de vista didático. Evidentemente o tema é etéreo e tanto “ser” como “substância” são elementos ou conceitos para os quais não há definição definitiva. Assim, essa ausência associada à compreensão intuitiva que direciona o uso de ambos os termos leva, “naturalmente”, por assim dizer, à identidade entre ambos. Em termos didáticos, fica o aspecto positivo de ter sido possível atingir a mesma conclusão com o sequenciamento dos passos propostos. Desse modo, o presente estudo aparece como componente do projeto Humanização como Ferramenta de Aumento de Interesse nas Exatas.

Page 21: Aristóteles - Um ponto em metafísica: Livro VII-1, 1028b, 3-4

Aristóteles: Livro VII-1, 1028b, Harry Edmar Schulz

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8 – Referência Bibliográfica:

Aristóteles, Metafísica, Tradução de Leonel Vallandro (1969), Editora Globo, Porto alegre

(Algumas incursões foram também feitas às páginas 53 a 85 do texto de Enrico Berti, que discutem os livros IV, V e VI da Metafísica – entretanto o tempo quase integral de leitura da Metafísica refere-se ao texto de Aristóteles, na tradução de Vallandro).

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Aristóteles: Livro VII-1, 1028b, Harry Edmar Schulz

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Imagem da capa: Foi elaborado um A com floreios na ferramenta “paint”, o qual foi sobreposto a uma sombra com o mesmo desenho. Pretende-se mostrar que a presente leitura, efetuada acompanhando os argumentos do autor em sua época conduziram também à conclusão do autor. Embora possa parecer uma decorrência óbvia, isso nem sempre ocorre nas leituras efetuadas, porque “caminhos alternativos” eventualmente existentes não foram devidamente “selados” ou explorados pelos autores originais. No presente caso, a capa visa evidenciar a conclusão similar obtida em seguindo um caminho similar. A letra “A” evidentemente remete a Aristóteles.