arq_00081

Embed Size (px)

DESCRIPTION

arq

Citation preview

  • Resistncia e Psicanlise Yara Amorim Souza Leo

    Desde o seu surgimento a Psicanlise encontra resistncia, tanto no lao social como, mais particularmente, no prprio processo da anlise. Neste texto, ao falarmos destas questes, sublinharemos tambm a noo da Psicanlise como resistncia, pois nesses tempos de declnio das grandes utopias, onde os objetos de consumo so oferecidos como capazes de obturar a falta que funda o humano, a Psicanlise um instrumento que aponta para esse grande engodo fazendo com que o sujeito ao deparar-se com a radicalidade da falta possa forjar um viver mais satisfatrio. Assim, a Psicanlise resiste ao discurso sedutor da possibilidade de uma recuperao do objeto perdido.

    A existncia sem sofrimento uma utopia perseguida pelo homem desde sempre.

    Freud, ao descobrir o inconsciente, ao mesmo tempo em que anunciou a impossibilidade do fim do sofrimento humano, criou a Psicanlise e, com ela, a possibilidade concreta de atravs da fala, encontrar um sentido para a angstia produzindo um caminho de muitas e surpreendentes realizaes. No parece pouco e parece simples, entretanto, o anncio da idia de que, a partir da fala, era possvel redimensionar o sofrimento, o que provocou, de um lado, a curiosidade e de outro, muita resistncia.

    No fosse o empenho de Freud em levar s ltimas conseqncias as suas prprias questes sobre a vida, teria desistido!

    A resistncia que a Psicanlise, enquanto teoria e prtica, se deparou e se depara no lao social, s pode ser acompanhada a partir dos instrumentos forjados pela prpria psicanlise.

    A obra de Freud perpassada pela temtica da transferncia e da resistncia e a elas ficam tributrias a descoberta do inconsciente e a inveno da psicanlise. Apesar de sabermos serem esses dois elementos os mbeis que engendram uma anlise, nos permitimos, entretanto, neste texto, sublinhar a resistncia.

    Quando Freud, ao utilizar a prtica da hipnose e da sugesto, se deparou com dificuldades para levar a cabo a anlise, nomeou-as de resistncia e, a princpio, as entedia como uma forma dos pacientes escaparem de um certo assujeitamento imposto por tais tcnicas.

    Na tentativa de ultrapassar os obstculos que dificultavam a anlise, Freud costumava explicar aos pacientes de forma detalhada todo o processo analtico; nem sempre obtinha xito. Ento, percebeu que a resistncia no era algo consciente, no se atinha apenas ao eu; mas era parte constitutiva do sintoma, daquilo que estava recalcado e passvel tanto de interpretao, quanto de superao.

  • Desse modo, Freud identificou cinco formas de resistncia: trs ligadas ao eu e manifestadas sob a forma de recalque; sob a forma da resistncia de transferncia e sob a forma de um lucro, de um gozo do sintoma, cuja cura poderia representar um perigo para o eu. Ele afirma: Na vida civil a doena pode ser utilizada como uma tela para encobrir a incompetncia na profisso de algum ou na concorrncia com outras pessoas, enquanto na famlia pode servir de meio para sacrificar os outros membros e extorquir provas de amor destes, ou para impor a vontade sobre eles (Freud, vol XX 1969,p.253.). Afirma tambm que o eu desconhece esses mecanismos que ele mesmo cria, ou seja, a operao da resistncia inconsciente. Das outras duas formas de resistncia, uma est ligada ao isso e leva repetio e compulso e a outra est ligada ao supereu e se expressa atravs da culpa e da necessidade de punio. Portanto, para Freud, a resistncia no se reduz s defesas do eu (Roudinesco; Plon,1997). Lacan (1986) ao se reportar aos textos freudianos, indica que a anlise no se estabelece numa relao entre dois e aponta a palavra como o terceiro elemento da relao analtica, circunscrevendo a resistncia aos nveis do discurso e da transferncia. Do discurso porque a palavra que revela o no dito do sujeito da enunciao, da transferncia porque ao enderear a palavra recalcada ao analista o paciente est atualizando o inconsciente.

    No h anlise sem resistncia, a resistncia est presente antes e durante o percurso de uma anlise. Na verdade, a anlise vai manejar a resistncia. mais do que comum ouvir pessoas que se queixam de sofrimentos impingidos por doenas imaginrias ou reais, por dedicarem a vida a cuidar de pessoas doentes ou necessitadas, de ficarem submetidas tirania de outros, de no se acharem reconhecidas pelo que fazem,etc. O que est posto em jogo o gozo da autopiedade. Outros vo repetir compulsivamente determinados rituais como expressividade do tormento imposto pela culpa; outros, ainda, vo eleger objetos como representao dos seus conflitos psquicos, desenvolvendo as mais variadas fobias. Se por um lado os sintomas desses conflitos se traduzem numa angstia real, num sofrimento atroz, no verdade que encontrando os meios, os sujeitos busquem um tratamento e, ainda, quando buscam e se deparam com a farsa forjada pelo inconsciente, o abandonam sob alegao dos mais variados motivos que, inconscientemente, escondem a resistncia a abandonar o gozo do sintoma.

    Portanto, no so claras nem previsveis as defesas que o paciente vai forjando para manter o sintoma que provoca, ao invs do prazer, um gozo mortfero. O sofrimento neurtico prope encontrar um cmplice para o gozo patente (Mafra 2004, p.77). O analista, ento, vai manejar a resistncia a partir da barra, do interdito a esse gozo, pois se o sintoma encontra um acolhimento, uma iluso cumpliciada pelo analista de que esse est no lugar do objeto da falta, o que vai produzir o gozo de ser refm do gozo do Outro. Entretanto, quando o analista, atento impossibilidade da coincidncia entre a falta e o objeto e, na sua funo, se presta a ser o objeto a (causa de desejo) para outro, instaura-se a possibilidade de que esse outro encontre na palavra as representaes

  • para o objeto perdido. Pois ao falar do passado o sujeito reinventa a sua histria e redimensiona a vida.

    Ainda que a anlise no seja promessa de felicidade, produz no seu percurso o deslocamento do sintoma, alterando todos os campos da existncia, relativizando o sofrimento e obtendo prazer ao invs da imobilizao gozosa.

    A anlise um trabalho exigente, deparar-se com a falta e com a impossibilidade de encontrar na vida um objeto que lhe recubra no fcil, preciso um investimento que posto prova a todo instante, seja pela dimenso inconsciente da resistncia, ou mesmo da resistncia posta no lao social.

    Na atualidade, a cada dia surge uma nova forma para acabar com o sofrimento. Como afirma Roudinesco: A sociedade democrtica moderna quer banir do seu horizonte a realidade do infortnio, da morte e da violncia, ao mesmo tempo procurando integrar num sistema nico as diferenas e as resistncias ...todo individuo tem direito e, portanto, dever de no mais manifestar seu sofrimento (1999, p.16). Nesse sentido, a busca do fim do sofrimento encontrou na cincia a sua nova configurao, os frmacos so a utopia da Ps- modernidade, ou seja, para cada expresso dolorosa da subjetividade surge um novo medicamento: h os que prometem a felicidade, outros que combatem a angstia, a tristeza, o medo, a ansiedade, a impotncia, os vcios, a compulso, a obsesso, e mais recentemente, algo que possa nos fazer esquecer os momentos ruins da vida, ativando apenas as boas lembranas.

    Para evitar, tambm, a vergonha de no se adequar aos padres estabelecidos de beleza e juventude, portanto, de sucesso, so oferecidos tratamentos que vo dos mais variados cosmticos, passando pelos mirabolantes exerccios fsicos at as sofisticadas cirurgias.

    Recentemente, tanto a compulso pelos exerccios quanto obsesso pela juventude e beleza foram consideradas doenas e logo aparecer um medicamento para combat-las, aliado a uma psicoterapia breve, j que no se pode perder nada, muito menos tempo.

    Se por um lado dispomos de tantos recursos que prometem exorcizar a infelicidade, por outro, nos deparamos com um crescente sofrimento psquico que recebe muitas denominaes, os vrios tipos de sndromes: da fadiga crnica, das pernas inquietas, do clon irritvel, do pnico; etc., transtornos do comportamento, e, por fim, a banalizada depresso.

    Percebemos assim, a impossibilidade da farmacologia e das terapias comportamentais de domarem o inconsciente, que ressurge resistente a qualquer tentativa de repeli-lo. Como afirma Roudinesco: Da o relativo fracasso das terapias que proliferam, por mais que estas se debrucem com compaixo sobre a cabeceira do sujeito depressivo, no conseguem cur-lo nem apreender as verdadeiras causas do seu tormento (1999, p.18).

  • O que atormenta o ser humano, sob inmeras facetas, o mesmo que o constitui: a falta e a impossibilidade do encontro de um objeto que a obture. A partir desta frustrao, o homem vai forjando objetos que vo sempre recolocar a falta produzindo a vida. Entretanto, vivemos um momento histrico que resiste verdade fundante do sujeito e elege o imperativo do gozo. Todavia, o recalcado, que sempre retorna, revela uma subjetividade deprimida pelo excesso desses mesmos objetos, que ao prometerem o gozo e o fim do sofrimento, suprimem o desejo, a ideologia e a esperana. A psicanlise, nesse sentido, pode ser considerada como uma resistncia ao imperativo do gozo oferecido pelos objetos, pois se inscreve no desvelamento da falta que funda o desejo, o qual o sujeito porta sem saber. Deste modo, o desejo se pe do lado do sujeito e no dos objetos,pois o objeto causa de desejo que constitui o sujeito no se encontra no mercado nem em lugar nenhum, preciso forja-lo sempre. Assim, a prtica psicanaltica se prope a desvelar o desejo que sujeito da enunciao porta atravs do discurso do sujeito do enunciado. A psicanlise uma tambm uma resistncia quando no se presta a ser um remdio, quando a sua prtica no sucumbe seduo fcil de uma reposta para tudo, quando o resistir possibilita que o sujeito encontre, atravs da palavra, um trilho pelo qual conduzir o seu prprio desejo alterando radicalmente a vida.

    Referncias Bibliogrficas

    FREUD, Sigmund.A questo da anlise leiga. Rio de Janeiro: Imago.1976. Edio standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Vol. XX.

    LACAN, Jacques. O Seminrio -Livro 1: Os escritos tcnicos de Freud. Rio de Janeiro: Zahar,1986...

    MAFRA, Taciana de Melo. A transferncia. Rio de Janeiro: Cia de Freud, 2004

    ROUDIDESCO,Elisabeth. Porque a psicanlise? Rio de Janeiro: Zahar,2000

    ROUDIDESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionrio de Psicanlise. Rio de Janeiro:Zahar,1998.