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Revista HISTEDBR On-line Artigo A EXPRESSÃO PLÁSTICA INFANTIL COM ÊNFASE NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Maria Dolores Ribeiro de Souza 1 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB e-mail: [email protected] RESUMO: O presente texto busca resgatar alguns aspectos fundamentais da expressão plástica infantil, procurando entendê-la enquanto instrumento pedagógico na educação de crianças de dois a seis anos, dentro do contexto da educação no Brasil. Analisaremos a importância do desenho e da pintura para os vários aspectos do desenvolvimento infantil, com os pressupostos teóricos da perspectiva sócio-histórica de Lev Vygotsky e da abordagem psicológica da arte de Rudolf Arnheim e Viktor Lowenfeld. Palavras-chave: desenho; pintura; educação infantil; arte-educação THE CHILD PLASTIC EXPRESSION AND HISTORY OF EDUCATION ABSTRACT: The present text intends to search for some fundamental aspects of the child plastic expression, showing how much important it is and comprehending this kind of expression like a pedagogical instrument in children education from two to six years old, in the context of the education of Brazil. We will analyx the importance of drawing and painting to the various aspects of children development. Based on the theoretical principles of the social and historic perspective of Lev Vygotsky and from the Psychology of Art of Rudolf Arnheim and Viktor Lowenfeld. Key-words: drawing; painting; child education; art education. A EXPRESSÃO PLÁSTICA INFANTIL COM ÊNFASE NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Maria Dolores Ribeiro de Souza Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB Neste artigo, pretendemos fazer algumas considerações sobre o universo da arte e da cultura tal como ele se apresenta do ponto de vista da elaboração de uma arte-educação voltada para o desenvolvimento integral e harmônico da criança. Sabendo que, geralmente, a escola de educação infantil considera os primeiros desenhos das crianças como algo sem sentido – apenas rabiscos – e, por isso, não fornece nem tempo nem materiais necessários para o desenvolvimento dessa linguagem, mas, segundo teorias recentes, a expressão plástica infantil (desenho, pintura, modelagem, dobradura, entre outros) não é visto como um produto Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.18, p. 80 - 92, jun. 2005 - ISSN: 1676-2584 80 1 Pedagoga, Aluna do Curso de Especialização: Educação, Cultura e Memória. Integrante do Grupo de Pesquisa: Fundamentos da Educação do Museu Pedagógico da UESB. .

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arte na educação infantil

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  • Revista HISTEDBR On-line Artigo

    A EXPRESSO PLSTICA INFANTIL COM NFASE NA HISTRIA DA EDUCAO

    Maria Dolores Ribeiro de Souza1 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB

    e-mail: [email protected]

    RESUMO: O presente texto busca resgatar alguns aspectos fundamentais da expresso plstica infantil, procurando entend-la enquanto instrumento pedaggico na educao de crianas de dois a seis anos, dentro do contexto da educao no Brasil. Analisaremos a importncia do desenho e da pintura para os vrios aspectos do desenvolvimento infantil, com os pressupostos tericos da perspectiva scio-histrica de Lev Vygotsky e da abordagem psicolgica da arte de Rudolf Arnheim e Viktor Lowenfeld. Palavras-chave: desenho; pintura; educao infantil; arte-educao

    THE CHILD PLASTIC EXPRESSION AND HISTORY OF EDUCATION ABSTRACT: The present text intends to search for some fundamental aspects of the child plastic expression, showing how much important it is and comprehending this kind of expression like a pedagogical instrument in children education from two to six years old, in the context of the education of Brazil. We will analyx the importance of drawing and painting to the various aspects of children development. Based on the theoretical principles of the social and historic perspective of Lev Vygotsky and from the Psychology of Art of Rudolf Arnheim and Viktor Lowenfeld. Key-words: drawing; painting; child education; art education.

    A EXPRESSO PLSTICA INFANTIL COM NFASE NA HISTRIA DA EDUCAO

    Maria Dolores Ribeiro de Souza Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB

    Neste artigo, pretendemos fazer algumas consideraes sobre o universo da arte e da cultura tal como ele se apresenta do ponto de vista da elaborao de uma arte-educao voltada para o desenvolvimento integral e harmnico da criana. Sabendo que, geralmente, a escola de educao infantil considera os primeiros desenhos das crianas como algo sem sentido apenas rabiscos e, por isso, no fornece nem tempo nem materiais necessrios para o desenvolvimento dessa linguagem, mas, segundo teorias recentes, a expresso plstica infantil (desenho, pintura, modelagem, dobradura, entre outros) no visto como um produto

    Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.18, p. 80 - 92, jun. 2005 - ISSN: 1676-2584 80

    1 Pedagoga, Aluna do Curso de Especializao: Educao, Cultura e Memria. Integrante do Grupo de Pesquisa: Fundamentos da Educao do Museu Pedaggico da UESB. .

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    final da criana a ser analisado, interpretado. Ele considerado como processo, como uma travessia acompanhada por adultos atentos.

    A expresso plstica na educao traz tona um dos temas que se tem procurado discutir, hoje, sobre a forma de difundir e produzir conhecimento no mbito da educao infantil, de maneira que no se perca a viso de totalidade no que se refere a outros temas de grande valia para o desenvolvimento integral e harmnico das crianas, aspecto este imprescindvel no processo de ensino-aprendizagem. E os estgios sucessivos de desenvolvimento mental da criana so evidenciados na sua forma mais pura e mais completa na arte infantil. Pinturas e esculturas de qualquer estilo possuem propriedades que no podem ser explicadas como simples modificaes da matria-prima perceptiva recebida por meio dos sentidos. Por no ter a criana desenvolvido, ainda, a habilidade motora e visual adequadas, no conseguir traar linhas com um lpis ou um e pincel. As crianas no se limitam a representar o que supem que vejam, a atividade mental diferente da percepo deve intervir.

    O estudo das relaes entre Histria, Cultura e Educao facilita a compreenso de como se constituiu a histria da educao brasileira e, por meio da analise de alguns dos tpicos de polticas educacionais mais relevantes, pretendemos construir um quadro terico das diversas linguagens artsticas e da influencia destas linguagens sobre a educao institucionalizada, especialmente no que se refere arte-educao. Para pesquisar o assunto temos como referncias principais - Rudolf Arnheim, Viktor Lowenfeld e Vygostsk - O primeiro, por aplicar os princpios e as novas interpretaes da Psicologia moderna ao estudo da Arte; descreve o processo visual que se desenvolve quando as pessoas criam - ou observam - obras nos diferentes campos das Artes e explica como a viso organiza o universo visual de conformidade com definidas leis psicolgicas. O segundo, por abordar em sua obra - A criana e sua arte - que a atividade artstica privilgio de todas as crianas, independente de serem bem dotadas, tornando-se um maravilhoso meio de expresso, que propicia o desenvolvimento de forma bem ajustada e mais feliz Em outra obra do mesmo autor - O Desenvolvimento da Capacidade Criadora - Viktor Lowenfeld, em co-autoria com Lambert Brittain, introduz o estmulo espontaneidade da criao artstica e o ltimo, por tratar da cultura e da arte procurando compreender a criana enquanto o sujeito histrico social que, interagindo com outros sujeitos e com a cultura subjacente, desenvolve sua aprendizagem e se expressa culturalmente por meio da arte.

    Arnheim Alguns tericos se detiveram na conceituao e na correlao entre arte e educao,

    como Arnheim2, para quem as mudanas ocorridas no mundo da produo fizeram sentir seus efeitos em todos os domnios da cultura. A noo de arte vem se transformando ao longo da histria, modificando as tcnicas das artes e agindo sobre a prpria inveno. Segundo este terico, A teoria intelectualista afirma que os desenhos de crianas, bem como outra arte em estgios iniciais, derivam-se de uma fonte no visual, isto , de conceitos abstratos. O termo abstrato tem como objetivo definir o conhecimento no perceptivo. O autor fala que h uma interao efetiva do tato e da viso em todos os estgios do desenvolvimento humano:

    A vida mental das crianas intimamente ligada sua experincia sensria. Para a mente jovem as coisas so como parecem, como soam, como se movimentam, como cheiram. Se a mente das crianas contm quaisquer conceitos no perceptivos, devem ser muito poucos, e sua influncia na representao pictrica pode quando muito ser desprezvel (ARNHEIM (2002, p. 156)).

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    2 ARNHEIM, Rudolf. Arte & percepo visual: Uma Psicologia da Viso Criadora. So Paulo, Pioneira Thomson Learning, 2002.

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    As crianas desenham o que vem, mas vem mais do que desenham. Todavia, elas podem se representar por meio de crculos, ovais e linhas retas. Podem faz-lo no por ser isto tudo o que v, e no por ser incapaz de produzir um desenho mais fiel, mas porque o simples desenho preenche todas as condies que espera encontrar em um retrato.

    No comeo, ela faz rabiscos e est interessada nas sensaes que o ato de desenhar lhe proporciona. Gosta de ver os seus rabiscos aparecendo no papel, mas, depois disso surgem os primeiros smbolos. No incio, ela desenha smbolos simples como sol, bola, peixes e, em seqncia, ela comea a articular esses smbolos entre si em um espao bidimensional, em um papel, na parede, na areia ou em outras superfcies. Ento, surgem no desenho pessoas dentro de casa, ou um menino chutando bola, uma menina descendo em um escorregador. Nesse momento, a criana passa a imaginar que pode desenhar tudo que passa pela sua cabea. Coisas que existem e coisas que no existem.

    No momento seguinte, a criana descobre que precisa desenhar todos os objetos para represent-los. Ela quer desenhar as coisas do jeito que ela v, comea a demonstrar algumas regras de representao de espaos; sabe que h muitas formas eficazes de desenhar. Nos desenhos infantis o crculo a primeira forma organizada que emerge dos rabiscos, mais ou menos sem controle.3 Segundo a lei de diferenciao o desenvolvimento orgnico sempre procede do simples para o complexo. Nas suas palavras Arnheim nos fala:

    Devemos, tambm, mencionar que no h nenhuma relao fixa entre a idade de uma criana e o estgio de seus desenhos. Da mesma forma que as crianas da mesma idade cronolgica variam na assim chamada idade mental, tambm seus desenhos refletem variaes individuais em proporo ao crescimento artstico (idem, p. 180).

    Diferentemente de Viktor Lowenfeld que estabelece relao entre o desenho e a idade cronolgica da criana, Arnheim percebe que existem estgios diferentes para a produo plstica, conforme o desenvolvimento artstico. Logo, crianas na mesma idade podero apresentar trabalhos em propores diferentes.

    Vicktor Lowenfeld Viktor Lowenfeld preconiza que a criana contemple uma situao, que se figure participando ativamente desta, e a represente atravs do desenho, da pintura e da modelagem, sem a preocupao de fazer algo tcnico, ou correto. Quanto mais a criana adquirir vivncia de si mesma e da sua circunstncia, tanto mais desenvolver, por meio da experincia artstica, o senso de independncia, liberdade e democracia, o impulso criador, a maturidade emocional e intelectual, a personalidade nos mltiplos aspectos. A criao artstica torna-se uma abertura capaz de conduzir at compreenso da mente infantil, tanto quanto as diversas formas de explorao do mundo interior. Para este autor, a criana possui seu mundo prprio e, quanto mais depressa a ajudarmos a compreend-lo, sem lhe impormos nossos padres de adulto, mais rapidamente ela se desenvolver. Ela expressa em sua arte seu nvel de desenvolvimento, que no pode ser alterado ou corrigido por meio de uma anlise superficial. Ao ouvir uma criana dizer que no sabe desenhar, podemos estar certos de que houve algum tipo de interferncia em sua vida. Est perda de esperana nos seus prprios meios de expresso pode ser um indcio de que a criana se fechou em seu prprio eu.

    A expresso artstica da criana apenas uma documentao de sua personalidade. [...] Tudo quanto pudermos fazer para estimular a criana no uso sensvel dos seus olhos, ouvidos, dedos e do corpo inteiro servir para enriquecer sua reserva de experincias e a ajudar em sua expresso artstica (LOWENFELD, 1976, p. 108).

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    3 ARNHEIM , op. cit. , p. 165.

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    A arte est repleta de tesouros de contextura, de excitaes geradas por formas e contornos, de abundncia de cores, podendo a criana encontrar jbilo, nessas experincias. A expresso plstica infantil no visa a produzir artistas. Sua finalidade consiste antes em servir criana como importante ajuda ao seu desenvolvimento, sem se preocupar com o fato de ser agradvel ao gosto do adulto. A educao artstica a nica disciplina que verdadeiramente se concentra no desenvolvimento de experincias sensoriais. O importante, portanto, na educao artstica o produto final subordinado ao esprito criador; o processo da criana seu pensamento, os seus sentimentos, as suas percepes, em suma, as suas reaes ao ambiente. Lowenfeld acredita que num sistema bem equilibrado, em que o desenvolvimento do ser integral realado, o pensamento, o sentimento e a percepo do indivduo devem ser igualmente desenvolvidos, a fim de que possa desabrochar toda a sua capacidade criadora em potencial.

    Conforme Lowenfeld (1977, p.15), o sistema educacional atual valoriza a aprendizagem da informao dos fatos. Aprovao ou reprovao, num exame ou curso, a passagem de ano ou mesmo a permanncia na escola depende, em grande parte, da memorizao de certos fragmentos de informao os quais j so conhecidos do professor. Assim, a funo do sistema educacional parece consistir em criar pessoas que possam armazenar fragmentos de informao e depois possam repeti-los a um sinal dado. As aptides de interrogar, de procurar respostas, de descobrir forma e ordem, de repensar, de reestruturar e encontrar novas relaes, so qualidades que no esto, de um modo geral, sendo ensinadas; de fato, parecem ser menosprezadas em nosso atual sistema educacional. Do pensamento de Lowenfeld conclui-se que talvez uma das aptides bsicas que deveriam ser ensinadas em nossas escolas seja a capacidade de procurar e descobrir respostas, em vez de aguardar, passivamente, as respostas e instrues do professor.

    Arte e Criatividade A arte e a capacidade criadora sempre estiveram intimamente ligadas. A definio de

    criatividade depende do ponto de vista de quem a expe. Com freqncia, os pesquisadores limitam esse termo flexibilidade de raciocnio ou fluncia de idias ou, tambm, pode ser a capacidade de transmitir novas idias ou de ver as coisas em novas relaes; em alguns casos, a criatividade definida como a capacidade de pensar de forma diferente das outras pessoas. Em geral, considera-se a criatividade como um comportamento produtivo, construtivo, que se manifesta em aes ou realizaes.

    s vezes, estabelece-se confuso entre inteligncia e criatividade ou capacidade criadora. O problema est no fato de a criatividade ser geralmente considerada um atributo dotado de valor positivo; como a inteligncia altamente valorizada, os dois atributos so constantemente reunidos. De um modo geral, a criatividade tem muito pouco que ver com o intelecto. Sabemos, de acordo com as teorias e a observao emprica, que as crianas desenvolvem idias imaginativas numa atmosfera que estimula a criatividade. A situao em sala de aula deve ser suficientemente flexvel para permitir que elas tenham liberdade de expressar suas prprias idias. Sabemos, tambm, que este desenvolvimento est subordinado, melhor dizendo, correlacionado, com as fases de desenvolvimento da vida fsica, emocional e psicolgica sobre as quais alguns autores tambm aprofundaram conceitos, como Piaget e Vigotsky (in: KOHL, 1997), como apresentamos abaixo:

    A criana na fase pr-esquemtica A fase pr-esquemtica que vai de 4 a 7 anos o momento quando a criana faz suas

    primeiras tentativas de representao, e traa formas definidas, conquanto no paream representaes naturais, segundo o conceito do adulto. Comumente, as caractersticas dos

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    desenhos pr-esquemticos so resultados da evoluo de um conjunto indefinido de linhas at uma definida configurao representativa. Por meio das formas criadas com movimentos circulares e longitudinais as crianas representam algo reconhecvel, em geral, o primeiro smbolo criado um homem. As primeiras tentativas decorrem das garatujas infantis.

    Admite-se que a representao cabea-ps feita pela criana nesta fase o que a criana, de fato, sabe sobre si mesma, e no uma representao visual do todo. A cabea o lugar onde se come e se fala. Piaget (1960) descobriu que crianas de seis anos acreditavam que o processo de pensar ocorria na boca. As crianas por meio do seu desenho expressam que os olhos, os ouvidos e o nariz fazem parte da cabea o centro da atividade sensorial. Ao adicionar pernas e braos a criana estar dando movimento ao centro o que , antes de tudo, uma tentativa para indicar um ser funcional.

    As primeiras experincias representativas de um homem, no devem ser consideradas uma representao imatura, pois, na realidade, um desenho , principalmente, uma abstrao ou um esquema de uma vasta gama de estmulos complexos e o indcio de um processo mental ordenado.

    O Desenvolvimento da criana na Idade pr-escolar

    A maioria das crianas de cinco anos est ansiosa por tentar novas tarefas, manipular matrias e expressar-se. A arte de uma criana o seu prprio reflexo. Ela aprende, na medida em que organiza sua experincia. O desenho uma oportunidade de converter o pensamento em forma concreta. importante ativar o conhecimento que a criana tem de si mesma, em seu ambiente imediato, e desenvolver seu conceito de ambiente, por meio de seu prprio eu corporal. Para tal motivao, dever incluir tantos sentidos e tantas experincias sensoriais quanto sejam possveis e, tambm, abranger seus sentimentos e suas percepes.

    A arte das crianas, na fase da primeira representao, situa-se bem. No s os desenhos e as pinturas da criana registram seus conceitos, seus sentimentos e suas percepes do meio, como, tambm, proporcionam ao adulto consciente e sensvel o modo de compreend-la melhor. Desta forma, o autor considera a arte como um dos componentes essenciais do desenvolvimento integral da criana.

    A mudana na arte infantil deve resultar de transformaes no pensamento, nos sentimentos e nas percepes da criana. por meio desse processo que se desenvolvem as alteraes no comportamento ou as mudanas nos padres de desenvolvimento. Por meio desse processo, tambm, que mudanas significativas ocorrem no prprio produto.

    A maioria das crianas que comea a freqentar a escola se encontra na fase das primeiras tentativas de representao. Portanto, imprescindvel que esse incio nas experincias artsticas seja significativo. Muitas relaes estabelecidas dentro da escola so ditadas pelos adultos, contudo, a criana no uma miniatura de adulto nem pensa em termos adultos. A arte pode proporcionar no s a oportunidade de desenvolvimento em muitas reas, mas, tambm o ensejo de a criana inventar, experimentar, investigar, cometer erros, sentir medo e averso, amor e jbilo. Por fim, a criana deve essencialmente, por si mesma, ter todas essas experincias da vida.

    Vygostsky nos ajuda a compreender a importncia dos aspectos culturais de cada sociedade ou, a relevncia da funo da interao scio-cultural como elemento constituinte do desenvolvimento cognitivo infantil e, tambm, do dilogo e do trabalho coletivo, levando as crianas para humanizao.

    Ao longo deste sculo, assistimos a um crescente movimento pelo conhecimento da criana em vrios campos; desde a consolidao da psicologia e sua opo pelo estudo da criana at as influncias de diversas correntes da psicologia e da psicanlise. A histria nos mostra que a insero concreta das crianas e os papis que desempenham variam com as

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    formas de organizao social e que o significado social e ideolgico da criana e o valor social atribudo infncia tm sido objetos de estudo da sociologia, ajudando a entender que a dependncia da criana em relao ao adulto fato social e no natural. Por outro lado, este sculo assistiu busca de uma psicologia baseada na histria e na sociologia: as idias de Vygotsky (KOHL, 1997) mostram esse avano e revolucionam os estudos da infncia. Mas as crianas e a infncia deveriam ocupar muito mais o tempo e o espao de nossas preocupaes, afinal, se existe uma histria humana porque o homem tem uma infncia.

    O compromisso com a diversidade cultural tem sido bastante enfatizado pela Arte-Educao ps-moderna [...]. Para definir diversidade cultural, alguns falam sobre multiculturalismo, outros sobre pluriculturalismo (PCNs), e temos ainda o termo mais apropriado _ Interculturalidade. Enquanto os termos Multicultural e Pluricultural pressupem a coexistncia e mtuo entendimento de diferentes culturas na mesma sociedade, o termo Intercultural significa a interao entre as diferentes culturas. Esse deveria ser o objetivo da Arte-Educao interessada no desenvolvimento cultural. Para alcanar tal objetivo, necessrio que a escola fornea um conhecimento sobre a cultura local, a cultura de vrios grupos que caracterizam a nao e a cultura de outras naes (BARBOSA: 2002, p. 19).

    Segundo o psiclogo Vygotsky (1987), a partir de premissas da concepo histrica cultural, o foco de suas preocupaes foi o desenvolvimento do indivduo e da espcie humana, como resultado de um processo scio-histrico. O referencial histrico cultural apresenta, portanto, uma nova maneira de entender a relao entre sujeito e objeto, no processo de construo do conhecimento.

    Enquanto no referencial construtivista o conhecimento se d a partir da ao do sujeito sobre a realidade (sendo o sujeito considerado ativo), para Vygotsky, esse mesmo sujeito no apenas ativo, mas interativo, porque constitui conhecimentos e se constitui a partir de relaes interpessoais. na troca com outros sujeitos que vo se internalizando os conhecimentos, papis e funes sociais, permitindo a constituio de conhecimentos e da prpria conscincia do sujeito. Desta forma, o sujeito do conhecimento, para Vygotsky (KOHL, 1997), no apenas passivo, regulado por foras externas que o vo moldando; no somente ativo regulado por foras internas; ele interativo.

    Ao nascer, a criana se integra em uma histria e uma cultura. A histria e a cultura de seus antepassados, prximos e distantes e tambm, indivduos com quem a criana se relaciona em outras instituies, como a escola se caracteriza como pea importante na construo de seu desenvolvimento. Ao longo desta, faz-se presentes: os hbitos, as atitudes, os valores e a prpria linguagem daqueles que interagem com a criana, em seu grupo familiar. Na perspectiva scio-histrica e antropolgica, a arte uma atividade social, humana, que supe contextos sociais e culturais, a partir dos quais a criana recria a realidade atravs da utilizao de sistemas simblicos prprios. Assim, pode-se dizer que, pelas caractersticas apresentadas, a base gentica da brincadeira comum com a da arte. Denominamos atividade criativa a toda realizao humana criada de algo novo. Os elos reprodutores vinculados com a nossa memria; sua essncia reside em os homens reproduzirem ou repetirem normas de conduta j criadas e elaboradas. A psicologia denomina imaginao ou fantasia a esta atividade criadora do crebro humano baseado na combinao, dando a estas palavras, imaginao e fantasia um sentido distinto a que cientificamente lhes corresponde. Imaginao ou fantasia igual a irreal. Mas, a imaginao como base de toda atividade criativa, se manifesta por igual em todos os aspectos da vida cultural possibilitando a criao artstica, cientfica e tcnica.

    Os processos criadores se advm com todo o seu vigor desde a mais tenra infncia. Entre as questes mais importantes da psicologia infantil e da pedagogia figura a capacidade criadora nas crianas e, fomenta desta capacidade e sua importncia para o desenvolvimento e

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    maturao das crianas. Desde os primeiros anos da infncia encontramos processos criadores que se refletem, sobretudo em seus jogos.

    A imaginao no vista como um divertimento do crebro, mas algo que vital para compreender a realidade. Experincias humanas permitem a fantasia, quanto maior conhecimento melhor ser a imaginao, tanto da criana quanto do adulto. A atividade criadora da imaginao se encontra relacionada com a experincia vivida pelo homem. Existe uma vinculao recproca entre imaginao e emoo.

    conveniente ressaltar a especial importncia de si fomentar a criao artstica na escola, uma vez que Vygotsky nos alerta para a importncia da imaginao, fantasia e criatividade estando elas relacionadas entre si e podendo ser estimuladas por meio das diversas linguagens artsticas. Concluindo, o homem h de conquistar seu futuro com a ajuda de sua imaginao criadora, por outro lado, o princpio educativo da pedagogia consistir em dirigir a conduta do educando preparando para o desenvolvimento e exerccio de sua imaginao que uma das principais proezas do processo educativo, portanto, vincular educao a atividade artstica consistir um elo importante.

    Relao entre desenvolvimento e aprendizagem

    Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do nvel de desenvolvimento atingido pelo sujeito, para Vygotsky, a aprendizagem que favorece o desenvolvimento das funes mental: O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e pe em movimento vrios processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossveis de acontecer (KOHL, 1997).

    Para entender a relao entre desenvolvimento e aprendizagem, segundo Vygotsky, torna-se necessria compreenso do conceito de zona de desenvolvimento proximal. Segundo este autor, a Psicologia sempre esteve preocupada em detectar o nvel de desenvolvimento real do indivduo, ou seja, aquele que revela a possibilidade de uma atuao independente do sujeito. Do mesmo modo, a escola tende a valorizar, ainda hoje, apenas o nvel de desenvolvimento real dos alunos, seja durante as aulas, seja nos momentos de avaliao. Mas, Vygotsky chama ateno para a existncia de um outro nvel de desenvolvimento o proximal ou potencial que, tanto quanto o nvel real deve ser considerado na prtica pedaggica.

    As mais recentes teorias de arte educao vo nesta mesma direo, compreendendo que o papel do professor muda radicalmente, a partir dessa concepo. Ele no mais aquele professor que se coloca como centro do processo, que ensina para que os alunos passivamente aprendam; to pouco um organizador de propostas de aprendizagem, que os alunos devero desenvolver sem que ele tenha que intervir. Ele o agente mediador desse processo. Da ser importante o papel do educador na arte-educao:

    [...] No encontro com a Arte enquanto objeto de conhecimento haver sempre a necessidade de um educador sensvel, capaz de criar situaes em que, possa ampliar a leitura e a compreenso de homens e mulheres sobre seu mundo, sua cultura. Capaz, ainda de abrir dilogos internos, enriquecidos pela socializao dos saberes e das perspectivas pessoais de cada produtor/fruidor/aprendiz. So vrios os mediadores possveis, mas na escola, certamente, o educador o principal deles, cabendo-lhes mediaes pedaggicas profissionais competentes frente cultura. Uma mediao sempre ser a articulao e no rebaixamento entre as histrias pessoais e coletivas dos aprendizes de Arte, entrelaada na teia scio-histrico cultural da humanidade nessa rea de conhecimento. (BARBOSA, 2002, p. 56).

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    Barbosa (2002) afirma que a Arte na Educao como expresso pessoal e como cultura um importante instrumento para a identificao cultural e o desenvolvimento individual. Por meio da Arte possvel desenvolver a percepo, a imaginao, a criatividade, a capacidade crtica, permitindo ao indivduo apreender, analisar e mudar a realidade.

    necessrio um investimento urgentssimo na significao da Arte, do artesanato e do design nas escolas; na continuidade das pesquisas que mostraram caminhos percorridos e a serem construdos; no artista e no educador juntos e na rejeio da segregao. Ao pensar numa arte que esteja voltada para a formao integral do ser humano, esta arte no poder deixar que a mazela da alienao aprisione o sujeito do conhecimento. Enquanto o homem e a natureza no existirem numa sociedade livre, as suas potencialidades reprimidas e distorcidas s podem ser representadas numa forma alienante (MARCUSE, 1986, p. 22).

    O sentido da arte vai ser dado pelo contexto e pelas informaes que o leitor possui. Ao ver, estamos entrelaando informaes do contexto scio-cultural, onde a situao ocorreu, e informaes do leitor, seus conhecimentos, suas inferncias, sua imaginao. Assim, o que descrito no a situao, o fato, mas a interpretao que o leitor lhe conferiu, num determinado momento e lugar. O olhar de cada sujeito est impregnado com experincias anteriores, associaes, lembranas, fantasias e interpretaes.

    Sendo assim, um dos maiores atributos de qualquer atividade criadora o de nos tornar mais sensveis s coisas com que lidamos. Dentro da pr-escola, as linguagens artsticas podem ser utilizadas como um importante pr-requisito para que os alunos venham a ser cidados co-operantes e prestimosos, alm de constituir o equilbrio necessrio entre o intelecto e as emoes. Admite-se, que a maior contribuio do professor a favor da arte infantil consiste em no interferir no desenvolvimento natural das crianas; o que, em grande parte, feita inadvertidamente.

    A influncia da Poltica Educacional brasileira na arte-educao Tudo o que dissemos anteriormente s pode se consolidar se a prtica referendar os

    conceitos tericos e, para isso, so necessrias polticas educacionais que atentem para estes problemas. Sabemos que no Brasil, a discusso sobre a importncia da arte educao e a preocupao com a expresso plstica e/ou o desenvolvimento da criatividade e da expresso plstica da criana, na escola, assunto novo, Ou melhor: assunto que ainda no foi resolvido. Historicamente, o sistema organizado de educao pblica no pas, a partir da dcada de 1920, v surgir um amplo movimento nacional em defesa da escola pblica. O movimento da Escola Nova apresentava como grande tema escola pblica, universal e gratuita. Ou seja, uma educao para todos, tendo como grande funo um ensino leigo, capaz de formar o cidado consciente. Este movimento teria como representante Ansio Teixeira influenciado pelos ensinamentos de John Dewey, Fernando de Azevedo, Manuel Loureno Filho e Francisco Campos. Neste tempo, a nfase dada ao ensino da arte era mnima.

    A partir da dcada de 1930, os componentes ideolgicos passam a ter uma presena cada vez mais forte na vida poltica, e a educao seria a arena principal em que o combate ideolgico se daria. A Ideologia dos pioneiros escolanovistas4 vai demonstrar que a sociedade est em crise e que, para resolv-la, ser necessrio uma nova civilizao baseada na experimentao cientfica (material, social e moral), uma vez que as escolas confessionais formavam os quadros dirigentes do pas, mas no formavam o cientista. Com a Idade

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    4 Escolanovismo Tendncia educacional dos anos 70 que se contrape escola tradicional, colocando o aluno no centro do processo educativo. Em relao arte, valoriza a livre expresso.

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    Moderna, especialmente, acentuou-se os princpios do empirismo, racionalismo e positivismo; negando a ordem revelada pela Sagrada Escritura, por meio da Igreja oficial.

    Em contraposio tendncia pedaggica tradicional, os assim designados escolanovistas, vo propor uma escola nova, onde o professor (orientador) passaria a ser o facilitar do processo de ensino-aprendizagem centrado no aluno. O aluno no mais passivo, mas, sim, ativo no processo. o centro do processo ensino aprendizagem. Os objetivos educacionais obedecem ao desenvolvimento psicolgico dos alunos. Ou seja, visam auto-realizao.

    A partir de ento, os contedos programticos so selecionados a partir dos interesses dos alunos. Proporcionando o desenvolvimento de aptides. A metodologia se caracteriza por atividades centradas no aluno e, para que melhor acontea, so realizados trabalhos em grupos, pesquisas, jogos, exerccios de criatividade, experincias. Na avaliao havia uma valorizao dos aspectos afetivos (atitudes) com nfase em auto-avaliao. Talvez tenha sido neste momento que tenha surgido a concepo de arte na escola com a funo mais complexa alm da simples prtica exercitatria da habilidade artstica, iniciando o seu conceito de coadjuvante do processo integral da aprendizagem.

    Pois, observa-se, a partir de ento, a idia de que o aluno educado deixa de ser aquele que domina o contedo, passando a ser o aluno criativo, que aprendeu a aprender. A escola passa a ser para todos, ou seja, democrtica. Entretanto, a organizao da escola vai continuar apresentando funes confusas, autoridade disfarada e a interao entre professor/ aluno na maioria das vezes uma interao democrtica (entre aspas), mas apresenta resqucios de autoritarismo revestidos da filosofia da camaradagem. O ensino da arte, neste perodo, no foge regra geral.

    Com a nova tendncia, a educao passa a ser um lugar estratgico para atender s necessidades da industrializao. A Escola Nova vai enfatizar um ensino mais preocupado com a competncia e menos com a capacidade. Segundo Veloso (apud SCHWARTZMAN 1984, p. 57), a nfase no ensino tcnico seria denunciada como um dos fatores da laicizao do ensino. O ministro da Educao e Sade Gustavo Capanema iria ampliar suas aes por muitas outras esferas, alm da escolar. Havia, por parte dele, a pretenso tambm de5 desenvolver a alta cultura do pas, sua arte, sua msica, suas letras. No campo a arte, o Movimento Modernista, do qual Mrio de Andrade foi um dos principais representantes, buscava uma retomada do nacionalismo brasileiro com nfase na cultura e na arte.

    Ademais, Em 1934, o ministro Gustavo Capanema havia solicitado de Mrio de Andrade que elaborasse um projeto de lei de proteo s artes no Brasil, que seria o embrio do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SCHWARTZMAN, 1984, p. 81). Alm disso, havia exaltao da Ptria por meio de seus smbolos, lderes, hinos, sendo, desta forma, momentos efervescentes, tambm, para a poltica e crescimento do catolicismo tradicional o qual obteve grande apoio no ento ministro da Educao e Sade, portanto o modernismo passa a ser um movimento com projeto esttico e ideolgico. Lembramos ou j observamos em trabalhos escolares da poca a nfase dos professores e alunos na representao dos smbolos ptrios, principalmente a bandeira nacional, que alm de desenhada, ilustrava os cadernos escolares e as capas das provas finais.

    As aes modernistas ampliam sua atuao tambm, por meio das propagandas, o cinema como um meio de comunicao que atingisse as massas e, logo se pensaria no cinema pedaggico, a ser implantado nas escolas, como auxiliar para as disciplinas do programa curricular. Em 1938, Capanema prope a criao de uma estao radiodifusora educativa, mantendo, assim, um controle sobre todas as escolas por meio da programao exibida, pensando que a msica tambm teria, ao lado do rdio e do cinema, um papel central neste

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    5 SCHWARTZMAN, Simon. 1984, p. 57 Tempos de Capanema. So Paulo: Paz e Terra, 1984.

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    esforo educativo e de mobilizao, onde a linha divisria entre cultura e a propaganda tornava-se to difcil de estabelecer. Novamente recorremos memria para os hinos ptrios que eram cantados nos recreios e nas paradas cvicas.

    A concepo de arte e de ensino de arte, no pas, fruto de um processo histrico, cuja origem data de nossa colonizao. Perpassando todo o processo histrico at os dias atuais. No entanto, a grande renovao metodolgica no campo da arte se deve ao movimento de arte moderna de 1922, pois, se por um lado, o patriotismo e a educao dos sentimentos cvicos era algo apregoado por Mrio de Andrade (para ele, deveria se estudar o folclore musical brasileiro, propagar a msica como elemento de cultura cvica e desenvolver a msica erudita nacional), por outro lado, com o Modernismo apareciam, tambm, novas tcnicas artsticas que permitiam de modo mais livre o desenvolvimento da criatividade, e alm das faixas decorativas, do desenho copiado e ampliado, de natureza realista, comeam a surgir colagens, abstraes, estilizaes e composies mais criativas, bem ao gosto do Modernismo.

    Destarte, observamos que, dentro do sistema capitalista, as polticas educacionais tornam-se instrumento poltico-econmico que visa disciplinar, instrumentalizar e profissionalizar a futura fora de trabalho, ainda no absorvida pelo mercado de trabalho. Estas funes se desdobram nas escolas e nas prticas escolares e a arte passa a ser um dos agentes influenciadores. Desta forma, tambm percebemos que o currculo introduzido nas escolas ao longo da histria da educao, relacionado com as linguagens artsticas quando no existia, era fragmentado, sem reflexo, interpretao e criatividade; favorecendo o fortalecimento da poltica para o mercado, quando enfatiza as competncias e as habilidades. A produo cultural brasileira hoje deve sua atividade basicamente s leis de incentivo fiscal federal, estadual e municipal. Nos anos 70-80, do sculo XX, a responsabilidade maior pelo suporte a produo cultural era dos poderes pblicos, por meio de polticas culturais mais efetivas. No entanto, o governo de Fernando Collor de Mello veio definitivamente colocar um fim a esse perodo, com a destruio promovida nas instituies federais responsveis pelo patrimnio histrico e artstico nacional e pela ao cultural e artstica. Esse movimento teve repercusso sensvel nas esferas estaduais e municipais. 6

    Em 1971, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, a arte includa no currculo escolar com o ttulo de Educao Artstica, mas considerada atividade educativa e no disciplina (PCNs, 2001, p.28). Entre os anos 70 e 80 houve um deslocamento dos antigos professores de Artes Plsticas, Desenho, Msica, Artes Industriais, Artes Cnicas, os recm-formados em Educao Artstica e estudantes de belas-artes poderiam ministrar disciplina em qualquer rea das linguagens artsticas. A tendncia passou a ser a diminuio da qualidade, com aulas de atividades expressivas e espontneas, muitas vezes ministradas por professores que no possuam a competncia para tal, apenas com o intuito de preenchimento de carga horria.

    Como j foi dito, a valorizao da arte como produto esttico, ou melhor, o reconhecimento dos valores estticos da arte infantil ligado ao seu espontaneismo somente teve lugar com a introduo da cultura brasileira s correntes expressionistas, futurista e dadasta da arte contempornea, por meio da Semana de Arte Moderna de 1922, em So Paulo. Entre os modernistas brasileiros, Anita Malfatti e Mrio de Andrade iriam desempenhar atividades de grande importncia para a valorao esttica da arte infantil e para a introduo de novos mtodos de ensino de arte baseados no deixar fazer que explorava e valorizava o expressionismo e espontaneismo da criana. Sob a direo de Mrio de Andrade repercutem os artigos e as atividades, que conduzem s investigaes sobre a arte da criana

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    6BOTELHO, Isaura. Pesquisadora e Coordenadora de Difuso do Centro de Estudos da Metrpole no Cebrap.

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    no Departamento de Cultura da Prefeitura de So Paulo, e introduzem o curso de Histria da Arte, na Universidade do Rio de Janeiro.

    J a pintora Anita Malfatti, na condio de professora de arte de criana e jovens em seu atelier na Escola Americana em So Paulo, inova mtodos e concepes de arte infantil, por intermdio do professor como expectador da arte da criana, responsvel pela preservao de ingnua e autntica expresso. Na educao, essa efervescncia tambm acontece, surgindo intelectuais e educadores que empreendem debates e planos de reforma para a recuperao do atraso brasileiro. Destacam intelectuais como: Fernando de Azevedo, Osrio Csar, Flvio de Carvalho, interessados na produo artstica das crianas, em seus processos mentais e em seu mundo imaginativo, mas na maioria das vezes estes ideais no se concretizam de forma clara nas leis educacionais nem no desdobramento cotidiano das salas de aulas. E na maioria das vezes os professores no acompanham as polticas da sua classe, executam suas tarefas de maneira mecnica, utilizando a arte apenas com forma de preenchimento do tempo ocioso do aluno e continuam a conduzir as atividades pedaggicas mais aos moldes da escola tradicional do que da escola renovada.

    Mesmo assim, repercutem no Brasil as idias dos autores americanos John Dewey (a partir de 1990), e Viktor Lowenfeld (1939), e do autor ingls Herbert Read (1943), que influenciam mudanas nos trabalhos de arte dos professores brasileiros. Dewey contribui com a funo educativa da experincia, cujo centro no o contedo de ensino nem o professor, mas sim, o aluno, em constante crescimento. Lowenfeld e Brittain (1977) referem-se arte como meio para compreender o desenvolvimento da criana, em suas diferentes fases, como forma de desenvolvimento de sua conscincia esttica e criadora. J Read (1977), em sua teoria de uma educao pela arte discute a questo do objetivo da educao, cuja base deve residir na liberdade individual e na integrao do indivduo na sociedade.

    O pensamento de Read valoriza a arte infantil e a concepo de arte baseada na expresso e na liberdade criadora. Essa concepo aceita e divulgada, mais tarde, por Augusto Rodrigues (1958), servindo de inspirao para a criao da Escolinha de Arte do Brasil, como experincia pioneira e movimento integrador das atividades artsticas, e possibilitando criana uma expresso global e valorizando a arte como expresso da prpria vida. Consideraes conclusivas

    O ensino da arte chega ao final da dcada de 1970 sem ter os mecanismos precisos e necessrios de implantao e sustentao, repetindo, em parte, a LDB/61: que a nfase estava no aspecto tcnico dos instrumentos artsticos. Sendo assim, a arte era considerada rea de iniciao ao trabalho no primeiro grau e habilitao profissional no segundo grau. Conforme os PCNs, em 1971, pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional), a arte includa no currculo escolar com o ttulo de Educao Artstica, mas considerada atividade educativa e no como disciplina.

    Assistimos a uma ausncia de conhecimento terico e prtico da educao e da Arte e de sua funo pedaggica na escola. No mais se pretende desenvolver apenas uma vaga sensibilidade nos alunos por meio da Arte, mas, tambm, se aspira influir positivamente no desenvolvimento cultural dos estudantes pelo ensino e aprendizagem da Arte. No obstante, a partir do final dos anos 80, o ensino de arte na escola, especialmente na rea de Artes Plsticas, tem procurado contemplar a produo do aluno, a leitura desta produo e de outras imagens e a contextualizao dos trabalhos. Nos Parmetros Curriculares Nacionais de Arte estas trs formas de conhecer Arte so denominadas de: produo, fruio e reflexo. (PILLAR, 2002, p. 72).

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    Ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB 9394/96), no artigo 26, refira-se ao ensino da arte como componente curricular obrigatrio nos diversos nveis da educao bsica, a trajetria do ensino da arte no contexto da educao brasileira mostra-se muito conturbada, pois houve uma supervalorizao das disciplinas consideradas bsicas, a exemplo de letras e cincias exatas. Quando o ensino da arte passou a ter um carter obrigatrio no currculo, foi transmitida de forma tradicional, com nfase em padres de esttica. Nas ltimas dcadas, desde a promulgao da Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, pesquisadores, rgos educacionais, legisladores e profissionais da arte-educao vm produzindo debates e proposies, muitos dos quais se constituram em textos normativos e prescritivos que traduzem as concepes e tenses que perpassam esse campo.

    Apesar de todo descontentamento, a pesquisa de Barbosa (1991) aponta para o desenvolvimento da criatividade como primeiro objetivo do ensino da arte. Segundo a autora, o conceito de criatividade espontaneidade, autoliberao e originalidade. Em outra pesquisa, Susana Vieira da Cunha (1988), constata que o significado de arte para os professores : intuio e emoo e, como resultado, pensam eles que arte-educadores no precisam pensar e que arte s fazer, excluindo toda e qualquer possibilidade de observao, reflexo e compreenso da arte. Contudo, a arte como qualquer rea do conhecimento tem um domnio, uma linguagem e uma histria. por isso mesmo, um campo de estudo especfico e no uma mera atividade auxiliar e / ou recreativa. pela arte que temos a representao simblica dos traos espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam uma sociedade ou um grupo social ou seu modo de vida, seu sistema de valores, suas tradies e suas crenas.

    Conclumos, finalmente, enfatizamos a necessidade de polticas para o ensino de arte nas escolas, de uma melhor capacitao e conscientizao dos professores, considerando que a arte trabalhada nas escolas deve enfatizar a inter-relao entre o fazer, a leitura da obra de Arte e a contextualizao histrica, social, antropolgica e os aspectos estticos da obra. Pois, s um saber consciente e informado torna possvel a utilizao da arte na escola, integrada aos outros saberes, para uma otimizao do processo ensino-aprendizagem. Referncias ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepo visual: uma psicologia da viso criadora: nova verso. Traduo de Ivone Terezinha de Faria. So Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. BARBOSA, Ana Mae. Histria da Arte Educao: A experincia de Braslia. So Paulo, Max Limonad, 1986. ________.(org.) Educao: leitura no subsolo. So Paulo: Cortez, 1999. .(org.) Inquietaes e mudanas no ensino da arte. So Paulo: Cortez, 2002. BIASOLI, Carmem Lucia Abadie. A formao do professor de arte: Do ensaio... encenao. So Paulo: Papirus, 1999. BOTELHO, Isaura. As dimenses da cultura e o lugar das polticas pblicas. BRASIL, Secretaria de Educao Fundamental Parmetros Curriculares Nacionais: arte Secretaria de Educao Fundamental Braslia: MEC / SEF, 1997. DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho Desenvolvimento do Grafismo Infantil. 6 So Paulo: Ed. Scipione. Desenho importante na escola - Parmetros Curriculares Nacionais- Educao Artstica. Tv. Escola, 1998. GADOTTI, Moacir. Concepo dialtica da educao: um estudo introdutrio. 4 ed. So Paulo: Cortez, 1986. GOMBRICH, E. H. A Histria da Arte. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.

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    RESUMO: O presente texto busca resgatar alguns aspectos funArnheim