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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS ARTES Artes visuais e construção de sentido: uma experiência com alunos do 3º ciclo do ensino básico Anabela Lopes Pereira MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA 2013

Artes visuais e construção de sentido · 2018-03-09 · ii UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS ARTES Artes visuais e construção de sentido: uma experiência com alunos do

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS ARTES

Artes visuais e construção de sentido:

uma experiência com alunos do 3º ciclo do ensino básico

Anabela Lopes Pereira

MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

2013

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS ARTES

Artes visuais e construção de sentido:

uma experiência com alunos do 3º ciclo do ensino básico

Anabela Lopes Pereira

MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

Dissertação orientada pelo Professor Doutor João Pedro Fróis

2013

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À minha filha Leonor.

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Aceitando uma distinção básica aristotélica, a acção não é só opção

e decisão mas também pode ser criação: é não só a prática que

dirige a nossa vida mas também a «poética» que produz coisas e

transforma a realidade. Se olharmos à nossa volta, vemos por todo o

lado os resultados eficazes do exercício da liberdade, sobrepostos e

impostos ao devir dos acontecimentos naturais. A paisagem da

nossa liberdade actual e futura é configurada a partir das obras da

liberdade j| exercida…

FERNANDO SAVATER, A coragem de escolher

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de expressar o meu agradecimento ao Professor Doutor

João Pedro Fróis pela sua capacidade de motivar através do

desafio constante, pela sua generosidade e rigor.

Testemunho o apreço aos meus alunos que permitiram levar a

cabo este estudo e cuja participação ativa e curiosa me

entusiasmou sempre a continuar.

À minha família próxima e aos meus amigos, agradeço a sabedoria

de escolherem entre os momentos de silêncio e os momentos de

incentivo.

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Artes visuais e construção de sentido:

uma experiência com alunos do 3º ciclo do ensino básico

RESUMO

O interesse por este tema de investigação advém da prática profissional da investigadora.

Como docente de Educação Visual, reconheceu que a experimentação plástica não é

acompanhada pela prática de atividades que visem o desenvolvimento de competências de

apreciação artística. Ciente de que a escola e a educação artística na escola têm um papel

importante na literacia, entendida como a capacidade de codificar e descodificar várias

formas de representação, pretendeu dar o seu contributo para o desenvolvimento da

autonomia dos alunos no discernimento da linguagem visual.

Após a revisão da literatura sobre as teorias do desenvolvimento estético e os modelos de

interpretação da obra de arte, foi delineada uma estratégia de ação que passou pela opção

metodológica do estudo de caso com alunos do 9º ano de escolaridade do ensino básico.

A principal finalidade desta investigação foi conceber e analisar os resultados da aplicação

de um programa de mediação artística assente num conjunto de procedimentos que visam

estimular o diálogo sobre a obra de arte. Para isso, foram utilizadas obras de artistas

como: Edward Hopper, René Magritte, Edvard Munch, Henri Matisse, Lucian Freud e

Martha Telles, organizadas segundo eixos temáticos.

O estudo concluiu que a dinamização do discurso sobre a obra de arte veio revelar que os

alunos têm saberes válidos para trazer para o grupo e que a interação entre eles foi um

fator decisivo para a construção de uma linguagem mais precisa. Crê-se que conseguiram

desenvolver uma estrutura que lhes permita a abertura de novas portas em experiências

futuras com outras obras.

Esta investigação recomenda a continuação de outras pesquisas sobre a aplicação deste

programa de mediação artística noutros níveis de ensino e/ou noutros contextos.

Palavras-chave: obra de arte, interpretação, apreciação artística, construção de sentidos,

artes visuais.

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Visuals arts and Meaning-making:

an experience with 9th grade students

ABSTRACT

The interest in this research topic comes from the professional practice of the researcher.

As a Visual Arts teacher she acknowledged that plastic experimentation is not followed by

activities designed to develop skills of artistic appreciation. Being aware that school and

art education in school have an important role in literacy, understood as the ability to

encode and decode various forms of representation, intended to contribute to the

development of students' autonomy in discerning visual language.

After a review of the literature on developmental stages and models of aesthetic

interpretation of the works of art, was outlined an action plan that went through the

methodological choice of a case study with students from the 9th grade.

The main purpose of this research was to design and analyze the results of the

implementation of a program of artistic mediation based on a set of procedures that aim to

stimulate dialogue about the work of art. For this, we used the works of artists such as

Edward Hopper, René Magritte, Edvard Munch, Henri Matisse, Lucian Freud and Martha

Telles, organized according to themes.

The study concluded that the dynamics of the discussion about the work of art has

revealed that the students have a valid knowledge to bring to the group and the

interaction between them was a key factor for the construction of a more accurate

language. The students were able to develop a structure that give them a wider range of

possibilities in future experiments with other works of art.

This research recommends the continuation of other studies on the implementation of this

program of artistic mediation in other levels of education and / or in other contexts.

Keywords: work of art, interpretation, art appreciation, meaning-making, visual arts

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ÍNDICE GERAL

Índice de Figuras ............................................................................................................................................. vi

Índice de Quadros ......................................................................................................................................... viii

Índice de Esquemas...................................................................................................................................... viii

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................................... 1

Justificação e relevância do tema .............................................................................................................. 1

Objeto de estudo ............................................................................................................................................... 2

Estrutura da dissertação ............................................................................................................................... 3

PRIMEIRA PARTE – Revisão da literatura .................................................................................................. 5

Capítulo 1 – Estádios do desenvolvimento estético .......................................................................... 6

Capítulo 2 – Modelos de interpretação da obra de arte ................................................................. 11

Capítulo 3 – Fenomenologia da experiência estética ...................................................................... 17

SEGUNDA PARTE – Um estudo de caso ..................................................................................................... 24

Capítulo 4 – Metodologia da investigação ........................................................................................... 25

Paradigmas de Investigação ................................................................................................................. 26

Metodologias de Investigação .............................................................................................................. 27

Do Paradigma aos Métodos e Técnicas ............................................................................................ 29

Contexto da pesquisa ............................................................................................................................... 32

Capítulo 5 – Conceção e caracterização da atividade pedagógica ............................................. 33

Dos pressupostos para a conceção de um recurso pedagógico ............................................. 33

Caracterização da atividade .................................................................................................................. 35

Sessão nº1 – Edward Hopper ............................................................................................................... 40

Sessão nº2 – René Magritte ................................................................................................................... 41

Sessão nº3 – Edvard Munch .................................................................................................................. 42

Sessão nº4 – Henri Matisse ................................................................................................................... 43

Sessão nº5 – Lucian Freud ..................................................................................................................... 44

Sessão nº6 – Martha Telles.................................................................................................................... 45

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Capítulo 6 – Desenvolvimento da atividade........................................................................................ 46

Capítulo 7 – Apresentação e discussão dos resultados .................................................................. 85

Capítulo 8 – Notas finais ........................................................................................................................... 107

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................................. 110

APÊNDICES ......................................................................................................................................................... 118

Apêndice A – Obras de arte – Pré-teste.............................................................................................. 119

Apêndice B – Obras de arte - Sessões ................................................................................................. 120

Apêndice C – Apresentação de diapositivos [CD-ROM] .............................................................. 122

Apêndice D – Guião de atividade .......................................................................................................... 128

Apêndice E – Sessões [CD-ROM]

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Índice de Figuras

Figura 1 – Pieter Bruegel. The Harvesters,1565 .................................................................................... 37

Figura 2 – China, desconhecido. Sorting of the Cocoons, início do século XIX ......................... 37

Figura 3 – Frederic Remington. Turn Him Loose Bill, 1893 .............................................................. 37

Figura 4 – Franz Marc, The large Blue Horse, 1911 ................................................................................ 37

Figura 5 – Lin Li. Polo Game, 1633 .............................................................................................................. 37

Figura 6 – Frida Kahlo. Self Portrait with Monkey, 1938 ................................................................... 37

Figura 7 – Camille Pissaro. In the Garden, 1881 ................................................................................... 37

Figura 8 – Henri Rousseau. The Carriage of Pere Junier, 1908 ....................................................... 37

Figura 9 – Conjunto de imagens a utilizar durante as seis sessões ................................................ 39

Figura 10 – Morning Sun,1952 ...................................................................................................................... 40

Figura 11 – Office in a Small City, 1953 ..................................................................................................... 40

Figura 12 – Hotel by a railroad, 1952 ......................................................................................................... 40

Figura 13 – La clairvoyance (autoportrait), 1936 ................................................................................. 41

Figura 14 – Les amants, 1928 ........................................................................................................................ 41

Figura 15 – La reproduction interdite (Portrait d´Edward James), 1937 .................................. 41

Figura 16 – Melancolia, 1895 ......................................................................................................................... 42

Figura 17 – Cinzas, 1894 .................................................................................................................................. 42

Figura 18 – Separação, 1896 .......................................................................................................................... 42

Figura 19 – La chambre rouge, 1908 .......................................................................................................... 43

Figura 20 – Conversation, 1908-1912 ....................................................................................................... 43

Figura 21 – Nature morte à la dormeuse, 1940 ..................................................................................... 43

Figura 22 – Man’s head (self portrait), 1963 ........................................................................................... 44

Figura 23 – Girl in a dark dress, 1951 ........................................................................................................ 44

Figura 24 – Hotel bedroom, 1954 ................................................................................................................ 44

Figura 25 – Le cadeau, 1980 ........................................................................................................................... 45

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Figura 26 – Memoires d´Enfance, Birthday Party, 1976 .................................................................... 45

Figura 27 – Vacances à la Montagne, 1980 .............................................................................................. 45

Figura 28 – Sessão nº 6 - grupo A................................................................................................................. 47

Figura 29 – Sessão nº 6 - grupo B ................................................................................................................. 47

Figura 30 – Sessão nº 6 - grupo C ................................................................................................................. 47

Figura 31 – Morning Sun,1952 ...................................................................................................................... 50

Figura 32 – Office in a small city, 1953 ...................................................................................................... 50

Figura 33 – Hotel by a railroad, 1952 ........................................................................................................ 50

Figura 34 – La clairvoyance (autoportrait), 1936 ................................................................................. 53

Figura 35 – Les amants, 1928 ........................................................................................................................ 53

Figura 36 – La reproduction interdite, 1937 ........................................................................................... 53

Figura 37 – Melancolia, 1895 ......................................................................................................................... 59

Figura 38 – Cinzas, 1894 .................................................................................................................................. 59

Figura 39 – Separação, 1896 .......................................................................................................................... 59

Figura 40 – La chambre rouge, 1908 .......................................................................................................... 65

Figura 41 – Conversation, 1908-1912 ....................................................................................................... 65

Figura 42 – Nature morte à la dormeuse, 1940 .................................................................................... 65

Figura 43 – Man’s head (self-portrait), 1963 .......................................................................................... 70

Figura 44 – Girl in a dark dress, 1951 ........................................................................................................ 70

Figura 45 – Hotel bedroom, 1954 ................................................................................................................ 70

Figura 46 – Le cadeau, 1980 ........................................................................................................................... 77

Figura 47 – Memoires d´Enfance, 1976 ..................................................................................................... 77

Figura 48 – Vacances à la Montagne, 1980 .............................................................................................. 77

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Índice de Quadros

Quadro 1 – Bases teóricas da teoria do desenvolvimento estético de Parsons .......................... 6

Quadro 2 – Relação entre estádios de desenvolvimento estético e tópicos dominantes ........ 7

Quadro 3 – Estádios do desenvolvimento estético segundo Michael Parsons ............................ 8

Quadro 4 – Estádios do desenvolvimento estético segundo Abigail Housen ............................ 10

Quadro 5 – Modelo de juízo estético segundo Edmund Feldman ................................................... 12

Quadro 6 – Princípios para interpretar a arte segundo Terry Barrett ......................................... 15

Quadro 7 – Características da investigação qualitativa segundo Bogdan e Biklen ................. 28

Quadro 8 – Das categorias aos indicadores ............................................................................................. 87

Índice de Esquemas

Esquema 1 – Exemplo de estetigrama ....................................................................................................... 19

Esquema 2 – The Artistic Interface: interação entre observador e objeto ................................. 20

Esquema 3 – Modelo do equilíbrio fenomenológico ............................................................................ 21

Esquema 4 – Do paradigma aos métodos e técnicas ............................................................................ 32

Esquema 5 – Plano de aplicação da atividade ......................................................................................... 48

Esquema 6 – Análise de conteúdo do tipo exploratório ..................................................................... 86

Esquema 7 – Processo de compreensão de obra de arte ................................................................... 89

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INTRODUÇÃO

Justificação e relevância do tema

A motivação para o estudo de questões relacionadas com a interpretação da obra de arte e

do modo como se processa a construção de sentido, foi o desenvolver as competências

profissionais da investigadora para diversificar as suas práticas pedagógicas. No exercício

da docência de disciplinas da área de formação artística, reconheceu a existência de um

vazio ao nível do trabalho das competências de apreciação artística. Ciente da

responsabilidade que o professor e a escola têm na formação plena dos seus alunos,

colocou-se o desafio de como incrementar o desenvolvimento dessas competências e de

refletir sobre a sua importância para uma educação mais abrangente.

Se atentarmos nos valores e princípios indicados pela Lei de Bases do Sistema Educativo

(Lei nº 49/2005 de 30 de Agosto), e tidos como estruturantes para o indivíduo,

encontramos:

A construção e a tomada de consciência da identidade pessoal e social.

A participação na vida cívica de forma livre, responsável, solidária e crítica.

O respeito e a valorização da diversidade dos indivíduos e dos grupos quanto às

suas pertenças e opções.

A valorização de diferentes formas de conhecimento, comunicação e expressão.

O desenvolvimento do sentido de apreciação estética do mundo.

O desenvolvimento da curiosidade intelectual, do gosto pelo saber, pelo trabalho e

pelo estudo.

A construção de uma consciência ecológica conducente à valorização e

preservação do património natural e cultural.

A valorização das dimensões relacionais da aprendizagem e dos princípios éticos

que regulam o relacionamento com o saber e com os outros.

Estes princípios apontam para uma diversidade de domínios que devem ser mobilizados

com vista à finalidade de uma educação para a liberdade, para a autonomia, para a

democracia, para o desenvolvimento, para a solidariedade e para a mudança. Tendo em

conta a individualidade de cada aluno, a escola deve procurar a formação do carácter, o

fomento da cidadania e a preparação para uma reflexão consciente sobre os valores

espirituais, morais, cívicos e estéticos, contribuindo assim para a plena realização da sua

personalidade. Neste contexto, a disciplina de Educação Visual tem um papel de direito,

que vale a pena salientar. Como disciplina obrigatória até ao 9º ano de escolaridade, no

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plano curricular do ensino básico, é muitas vezes o único contexto no qual os alunos

podem ter a experiência do contacto mediado com a obra de arte. Nesse encontro, além

das competências específicas do domínio da educação artística, são solicitados os valores

pessoais, culturais e sociais e a arte pode, assim, desempenhar um papel importante numa

educação para os valores humanos.

Objeto de estudo

No contexto restrito da disciplina de Educação Visual são, frequentemente, desenvolvidas

as capacidades de expressão plástica em detrimento das competências de apreciação

estética, de reflexão e de construção/expressão de pensamento crítico. Aspirando

contribuir para uma mudança nessa tendência, foi nossa intenção conceber um processo

para explorar as capacidades de apreciação artística. A ideia presente era levar os alunos a

passar por uma situação que estimulasse a sua curiosidade natural, neste caso sobre a

obra de arte e começar por ouvir o que eles tinham a dizer.

A questão de partida foi:

De que ordem são os critérios que os alunos mobilizam quando dialogam sobre a

obra de arte?

À medida que esboçávamos uma atividade para indagar sobre a nossa questão principal,

outras questões que se colocaram:

Quais os fatores que intervêm na construção de sentido?

Qual o papel das experiências pessoais e do contexto?

Como é que se manifestam as diferenças individuais?

Quais as estratégias para mobilizar o envolvimento do aluno no discurso sobre a

arte?

Os objetivos do estudo foram:

contribuir para a literacia visual entendida como a capacidade de codificar e

descodificar em várias formas de representação;

promover a confiança nas competências individuais para a construção de sentidos

a partir da arte;

desenvolver estratégias que estimulem a participação ativa do aluno num processo

de gerar os seus próprios conhecimentos;

reforçar hábitos de comportamento crítico e de análise.

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A nossa investigação situa-se no paradigma interpretativo e a metodologia utilizada é do

tipo qualitativo. Foi realizado um estudo de caso cujo universo é delimitado a 33

indivíduos participantes. Trata-se de três grupos de alunos do 9º ano de escolaridade que

variam entre os 10 e os 12 elementos.

Foi concebido e aplicado um recurso pedagógico que promove a participação oral dos

alunos sobre seis grupos de obras de arte dos pintores: Edward Hopper, René Magritte,

Edvard Munch, Henri Matisse, Lucian Freud e Martha Telles. Os dados observados foram

registados e tratados segundo a técnica de análise de conteúdo.

Estrutura da dissertação

Esta dissertação desenvolve-se em duas partes. Na primeira parte, procede-se à revisão da

literatura que considerámos relevante para o enquadramento teórico das questões

levantadas. Na segunda parte, apresenta-se o estudo de caso, o que inclui a justificação da

metodologia da investigação, a apresentação da conceção e planificação do nosso recurso

pedagógico, a descrição do desenvolvimento da atividade, a apresentação e discussão dos

resultados e uma reflexão sobre a mesma.

A primeira parte é constituída por três capítulos. No capítulo 1 – Estádios de

desenvolvimento estético, percorremos as teorias sobre os estádios de desenvolvimento

estético de acordo com Abigail Housen e Michael Parsons, e registamos que ambos

definem cinco estádios sequenciais que representam uma evolução de um ponto de vista

mais simples para um mais complexo à medida que o observador desenvolve a

familiaridade com a arte. No capítulo 2 – Modelos de interpretação da obra de arte,

apresentamos a metodologia para a apreciação crítica segundo Edmund Feldman e damos

conta da sua influência nos princípios para interpretar arte de Terry Barrett. No capítulo 3

– Fenomenologia da experiência estética, apresentamos os fundamentos da experiência

fenomenológica de acordo com R. L. Jones, estudamos as suas implicações no pensamento

de Boyd White e explicamos como os articulou com a criação de instrumentos de registo

do encontro individual com a obra de arte.

A segunda parte compreende cinco capítulos. No capítulo 4 - Metodologia da investigação,

situa-se o nosso estudo face aos paradigmas da investigação, justifica-se a escolha da

metodologia qualitativa com referência às suas vantagens e desvantagens, apresentam-se

os métodos e técnicas utilizados e, ainda, se descreve o contexto onde teve lugar o estudo.

No capítulo 5 – Conceção e planificação são explicitadas as orientações teóricas que

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suportaram a criação do nosso recurso pedagógico e apresentadas detalhadamente as

obras de arte utilizadas. No capítulo 6 – Desenvolvimento da atividade são descritas as 18

sessões de diálogo em torno das obras de seis pintores. Nesse capítulo adia-se a tentação

da nossa interpretação sobre a atividade e apenas se pretende transmitir o modo como

esta decorreu. No capítulo 7 – Apresentação e discussão dos resultados, são relatados os

métodos de recolha de dados, expostos os dados para análise, explicados os processos de

pré-análise e de exploração do material e, ainda, são apresentados os resultados. No

capítulo 8 – Notas finais pretende-se avaliar as atividades desenvolvidas face às questões

levantadas e apresentar uma reflexão pessoal sobre a relevância das mesmas e suas

implicações futuras.

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PRIMEIRA PARTE – REVISÃO DA LITERATURA

What does count is the energy and persistence with which painting

can embrace not ‘empty value’ but lived experience of the world;

give that experience stable form, measure and structure; and so

release it, transformed, into one mind at a time, viewer by viewer, so

that it can work as (among other things) a critique of the more

‘ideological’ and generalized claims of mass media. (…) Painting is,

one might say, exactly what mass media are not: a way of

specific engagement, not of general seduction. (…) We are never

loose from our bodies and the re-embodiment of our experience of

the world – its delivery from the merely conceptual, the unfelt, the

second hand or the rhetorically transcendent – is what painting

offers.

ROBERT HUGHES, Lucian Freud Paintings

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Capítulo 1 – Estádios do desenvolvimento estético

A arte lida com significações sui generis, irredutíveis a outros tipos de significações. As

obras de arte são antes de mais objectos estéticos, e perdem a sua relevância própria

quando as consideramos como se fossem apenas objectos vulgares. (Parsons, 1992: 13)

Vários foram os investigadores que realizaram estudos sobre o desenvolvimento estético

de modo a identificar as suas diversas etapas e a encontrar um padrão de

desenvolvimento. Michael Parsons baseou-se nas teorias do desenvolvimento cognitivo de

James Mark Baldwin, sócio-construtivista de Lev Vygotsky, da aprendizagem cognitiva de

Jerome Bruner e desenvolvimento moral de Lawrence Kohlberg.

Quadro 1 – Bases teóricas da teoria do desenvolvimento estético de Parsons

BASES TEÓRICAS DO DESENVOLVIMENTO ESTÉTICO

Teoria do

Desenvolvimento

Cognitivo

(Baldwin)

Teoria

Sócio-construtivista

(Vygostsky)

Teoria da

Aprendizagem

Cognitiva (Bruner)

Teoria do

Desenvolvimento Moral

(Kohlberg)

(Adaptado de Parsons, 1992)

Na presente investigação serão referenciados Michael Parsons (1986) e Abigail Housen

(1983) que elaboraram as suas teorias do desenvolvimento estético tendo em conta o

desenvolvimento cognitivo.

Michael J. Parsons, Research Professor da Universidade de Illinois e Emeritus Professor da

Universidade do Estado de Ohio, desenvolveu uma longa investigação durante as décadas

de 1970 e 1980 partindo da ideia de que as pessoas reagem de modos diferentes à mesma

obra de arte. Ele interessou-se por estudar a resposta estética de diversos observadores

para tentar dar conta de um padrão de desenvolvimento e identificar as suas etapas.

Baseou a sua teoria sobre os escritos de filósofos como Habermas que reiterou a tradição

filosófica que remonta a Kant e segundo a qual há três tipos de conhecimento: de natureza

empírica, moral e estética. Temos, assim, três mundos com a sua própria história de

desenvolvimento que nos fornecem diferentes dados e apresentam diversos significados.

Tendo por base a ideia de que “pessoas reagem de forma diferente aos quadros porque os

entendem de forma diferente”, Parsons entrevistou um conjunto de pessoas de todas as

idades de modo a estudar a compreensão das obras de arte enquanto objetos estéticos. As

suas respostas foram analisadas de acordo com unidades de sentido e classificadas

segundo níveis de desenvolvimento.

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Parsons definiu a compreensão da arte através de estádios, entendidos como

“aglomerados de ideias” que o indivíduo dever| atingir. Estes est|dios n~o s~o estanques e

podem ser sobrepostos, no caso de o indivíduo mudar de opinião ou contradizer a sua

ideia inicial. Os estádios do desenvolvimento estético são níveis de capacidade crescente,

onde se dá ênfase ao contacto com a arte e ao esforço para a compreender, ou seja, para

chegar ao último estádio é necessário ter experiência no domínio da arte e na

compreensão de diversas obras de arte. Neste sentido, a evolução dos estádios não está

relacionada com a idade, mas sim com a experiência.

Para ajudar a perceber o modo como um indivíduo compreende uma determinada obra de

arte, Parsons desenvolveu o seu estudo com base em quatro tópicos ou grupos de ideias

dominantes: o tema; a expressão das emoções; o meio, a forma e o estilo; e a natureza dos

juízos. “Cada tópico é entendido de forma diferente consoante o est|dio em causa”

(Parsons, 1992: 30).

Quadro 2 – Relação entre estádios de desenvolvimento estético e tópicos dominantes

TEMA EXPRESSÃO

MEIO, ESTILO

E FORMA JUÍZO

Segundo estádio XX XX XX XX

Terceiro estádio XX XX XX XX

Quarto estádio - XX XX XX

Quinto estádio - - - XX

(Adaptado de Parsons, 1992)

No que diz respeito à metodologia, Parsons realizou cerca de trezentas entrevistas a

diversos indivíduos, desde crianças a professores universitários, onde eram apresentadas

e discutidas um conjunto de cinco ou seis obras de arte. As entrevistas foram gravadas e

posteriormente transcritas.

Parsons elaborou uma lista de perguntas, que foram sendo colocadas aos entrevistados, de

modo a explorar os quatro tópicos acima apresentados (Parsons, 1992: 35):

1. Descreva-me este quadro.

2. De que se trata? Acha que é um bom assunto para um quadro?

3. Que sentimentos encontra neste quadro?

4. E as cores? São bem escolhidas?

5. E a forma (coisas que se repetem)? E a textura?

6. Foi difícil fazer este quadro? Quais terão sido as dificuldades?

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7. É um bom quadro? Porquê?

Através das respostas dos entrevistados a estas perguntas, Parsons definiu a relação dos

estádios com a dimensão psicológica e estética. Os cinco estádios desencadeiam-se de

forma evolutiva: “Cada est|dio interpreta a pintura de forma mais perfeita que a anterior.

Cada um deles atinge uma nova percepção e utiliza-a para interpretar os quadros de modo

mais completo do que o est|dio anterior”. (Parsons, 1992: 37)

Quadro 3 – Estádios do desenvolvimento estético segundo Michael Parsons

ESTÁDIOS DO DESENVOLVIMENTO ESTÉTICO

Primeiro estádio – PREFERÊNCIA

Características: um gosto intuitivo pela maioria dos quadros, aceitação sem distinção entre o que

é ou não relevante. Atração pela cor e reação ao tema do quadro através de associações livres.

Aspeto estético: a obra constitui um estímulo para uma experiência agradável.

Aspeto psicológico: não há consciência do ponto de vista dos outros. Fase de egocentrismo.

Segundo estádio – BELEZA E REALISMO

Características: procura do grau de semelhança entre representação e realidade, o objetivo

fundamental da pintura é representar alguma coisa; a beleza e o realismo são fundamentos

objetivos do juízo estético.

Aspeto estético: capacidade de distinguir aspetos da experiência considerados esteticamente

relevantes. Relevância dos graus de iconicidade e habilidade do artista.

Aspeto psicológico: A valorização vincula-se ao reconhecimento e identificação, reconhece

implicitamente o ponto de vista dos outros.

Terceiro estádio – EXPRESSIVIDADE

Características: a intensidade e o interesse garantem que a experiência é autêntica, ou seja,

verdadeiramente sentida. A criatividade, a originalidade e os sentimentos são particularmente

valorizados.

Aspeto estético: reconhece a irrelevância da beleza do tema, do realismo estilístico e da

habilidade do artista. Valoriza as capacidades expressivas.

Aspeto psicológico: consciência da interioridade da experiência dos outros e capacidade para

apreender as suas ideias e sentimentos.

Quarto estádio – ESTILO E FORMA

Características: tudo o que a arte exprime é reinterpretado em termos de forma e estilo e passa a

integrar mais uma tradição. A significação do quadro é mais social do que individual.

Aspeto estético: considera relevantes o meio de expressão, a forma e o estilo. Estabelece uma

distinção entre a atração literária pelo tema e sentimento e aquilo que a obra consegue realizar.

Aspeto psicológico: capacidade de adotar a perspetiva da tradição considerada no seu conjunto.

Permite-nos diversas interpretações de uma obra e ver até que ponto fazem sentido para nós.

Quinto estádio – AUTONOMIA

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Características: o indivíduo deve julgar os conceitos e valores através dos quais a tradição

constrói a significação das obras de arte.

Aspeto estético: permite-nos reações mais subtis e perceber que as expectativas tradicionais

podem ser enganadoras. Entendimento da prática da arte como um constante reajustamento aos

valores individuais e sociais.

Aspeto psicológico: exige que transcendemos o ponto de vista da cultura. Exige a capacidade de

questionar as opiniões geralmente aceites e de nos considerarmos aptos a dar as respostas às

questões levantadas.

(Adaptado de Parsons, 1992)

Podemos, então, concluir que o desenvolvimento estético, segundo Parsons, é um processo

evolutivo em que o observador parte de um ponto de vista individual e egocêntrico,

segundo o qual faz uma análise e interpretação baseada no seu universo pessoal, para

mais tarde atingir uma visão mais abrangente, que tem em conta a opinião dos outros e

estabelece relações com o mundo { sua volta de modo a desenvolver o sentido crítico. “O

desenvolvimento orienta-se, basicamente, sempre no mesmo sentido: da dependência à

autonomia”. (Parsons, 1992: 38)

Ao mesmo tempo que Parsons concebia o seu modelo do desenvolvimento estético, em

meados da década de 1970, Abigail Housen, psicóloga cognitiva norte-americana, iniciava

uma investigação com o intuito de perceber o modo como os indivíduos percecionam e

compreendem as obras de arte. Baseando-se na teoria cognitiva de Piaget e na relação

entre pensamento e linguagem de Vygotsky, Housen concebeu um método de investigação

empírica que lhe permitisse compreender a experiência estética e “captar a resposta

estética tanto quanto possível no seu estado natural, à medida que ocorre sem ser

orientada nem perturbada” (Housen, 2000: 150).

A recolha de dados para a sua investigação foi realizada através de um modelo de

entrevista não orientada do Fluxo de Consciência designado por Entrevista de

Desenvolvimento Estético, que possibilita o entendimento do processo de pensamento sem

interferências por parte do entrevistador. Nesta entrevista, com duração de cerca de dez a

vinte minutos, é pedido ao entrevistado que observe a reprodução de uma obra de arte,

fale e associe ideias relacionadas com a obra em causa. O entrevistador faz apenas a

pergunta inicial “O que vê aqui?” de modo a despoletar o processo de pensamento sobre a

obra. Após a realização das entrevistas foi criado um Manual de Codificação do

Desenvolvimento Estético que permitia a análise e comparação das frases do entrevistado

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tendo por base “domínios do pensamento” e “categorias” de modo a perceber o est|dio em

se enquadrava.

Após longos anos de investigação, o estudo de Housen resultou na identificação de cinco

est|dios estéticos “que representam diferentes maneiras de interpretar uma obra de arte”.

(Housen, 2000: 153) Em cada um, o observador reage a uma obra de arte de modo

diferente.

Quadro 4 – Estádios do desenvolvimento estético segundo Abigail Housen

ESTÁDIOS DO DESENVOLVIMENTO ESTÉTICO

Estádio I – Observadores narrativos fazem associações usando a sua própria vivência e

experiências pessoais. Nomeiam os elementos representados e facilmente constroem uma

narrativa. Os juízos de valor são baseados nos seus gostos e nos seus conhecimentos.

Estádio II – Observadores construtivos tendem a construir uma estrutura para analisar a obra.

Para tal usam o seu conhecimento sobre o mundo que os rodeia e as convenções e valores do seu

mundo social. O observador começa a distanciar-se da obra de arte e a mostrar interesse pelas

intenções do artista.

Estádio III – Observadores classificadores apresentam uma atitude analítica e crítica e

demonstram uma preocupação em identificar o estilo, a época e a origem da obra de arte.

Observam a obra à procura de sinais que ajudem a explicar o seu significado.

Estádio IV – Observadores interpretativos utilizam as suas capacidades críticas para tentar

fazer de cada encontro com a obra de arte um momento significativo. Têm consciência de que uma

obra de arte está sujeita a reinterpretações e que um novo olhar poderá trazer novas descobertas.

Estádio IV – Observadores recreativos desenvolveram a sua própria história com a obra de arte

ao longo do tempo. Detêm bons conhecimentos sobre a sua época, estilo e autor incluindo até

algumas particularidades ou curiosidades históricas. São capazes de ver a mesma obra de modos

diferentes e de refletir sobre essas diferenças.

(Adaptado de Housen, 2000)

Verificou-se, então, que em cada estádio o observador tenta construir significados, o que

vai de encontro a uma abordagem construtivista sobre a aprendizagem; os alunos entram

em contacto com os seus conhecimentos pessoais para construir significados e conferir

sentido à obra de arte.

Partindo da análise dos resultados da sua investigação, Housen defende que os alunos

devem ter um papel ativo no processo de aprendizagem e na aquisição do conhecimento.

“Os alunos têm de transcender o papel de recetores de informação passivos e entrar em

contacto com conhecimentos pessoais. Os significados são descobertos e construídos pela

própria pessoa”. (Housen, 200: 159) Nesse sentido, o professor deve colocar questões de

modo a incentivar os alunos “a pensar em voz alta, encorajar todas as crianças a falar e a

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deixar que se repitam oportunidades para partilharem o que vêm”. (Housen, 2000: 160) O

professor apenas deve fazer as perguntas, orientar a discussão, fazer associações entre

ideias, tudo isto sem fornecer qualquer tipo de informação sobre a obra de arte.

A investigação de Abigail Housen sobre o desenvolvimento estético está na base do Visual

Thinking Strategies (VTS), um programa didático que promove a verbalização sobre a obra

de arte como estratégia para a aprendizagem visual. Foi desenvolvido em colaboração com

Philip Yenawine e aplicado primeiro em diversos museus americanos e difundido, depois,

aos museus europeus. O VTS parte do estímulo do olhar sobre as artes visuais para o

desenvolvimento de estratégias de comunicação, de pensamento e de literacia visual.

As teorias de Parsons e Housen fornecem alguns factos importantes no que diz respeito ao

desenvolvimento do pensamento estético. Ambos definem cinco estádios sequenciais de

que representam “padrões de pensamento” associados { compreens~o da arte. Estes

estádios não estão diretamente associados à idade, pois o desenvolvimento estético

depende do nível de conhecimento da arte. Um jovem que seja estimulado para a arte

poderá atingir um estádio superior ao de um adulto que pouco ou nada tenha contactado

com a arte.

Apesar da definição dos cinco estádios ser diferente para ambos os autores, têm em

comum o primeiro e último estádio. Ambos defendem que a primeira fase do

desenvolvimento estético caracteriza-se por uma reação bastante descritiva em relação à

obra de arte que reflete uma visão pessoal baseada no reconhecimento de elementos

familiares. Com o contínuo desenvolvimento, a última fase caracteriza-se por uma

compreensão mais integrada que revela a capacidade de relacionar diversos assuntos e

conhecimentos, o que resulta em múltiplas interpretações.

Capítulo 2 – Modelos de interpretação da obra de arte

… art criticism is like teaching, it is the communication of ideas about art – and often about

life, the soil in which art nourished. (Feldman, 1987: 454)

To interpret is to respond in thoughts and feelings and actions to what we see and

experience, and to make further sense of our responses by putting them into words.

(Barrett, 2000: 7)

Edmund Feldman é um autor incontornável por trazer a prática da atividade crítica para a

esfera de educação em arte e pela influência que seu modelo de Juízo Estético (Aesthetic

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Criticism) teve para professores, investigadores e teóricos da educação estética. Feldman

(1973) define a crítica de arte em geral como falar sobre a arte, conversa que é informada

e organizada para a partilha de descobertas sobre a arte. Os objetivos dessa atividade são

desenvolver a capacidade de ler o ambiente visual e a aquisição de competências

necessárias para escolher entre valores concorrentes para que os alunos venham a

entender "a dimensão visual da vida social". Feldman (1987) defende que a arte é um fator

essencial para o ser humano, pois para além de comunicar permite expressar a dimensão

psicológica. O seu modelo de Juízo Estético tem como principais objetivos a compreensão

das obras de arte e o prazer que daí advém. Feldman desenvolveu um modelo baseado em

quatro fases sequenciais, do mais fácil para o mais difícil, do específico para o geral:

descrição, análise formal, interpretação e juízo.

Quadro 5 – Modelo de juízo estético segundo Edmund Feldman

JUÍZO ESTÉTICO

DESCRIÇÃO

Reconhecer o que é visível na obra.

Descrever objectos, formas, figuras, cores, texturas, técnica.

ANÁLISE

Tentativa de ir mais além no inventário descritivo.

Descobrir as relações entre os elementos.

Acumular provas para poder interpretar e julgar.

Identificar o tema.

INTERPRETAÇÃO

Processo de descoberta do significado da obra que foi descrita e analisada.

A mesma obra pode ter diferentes interpretações (devido a diferenças pessoais, sociais e

culturais).

JUÍZO

Atribuição de uma “classificaç~o” { obra em comparaç~o com outras.

Comparação (estilo, género, técnica).

Requer conhecimentos (em história de arte).

(Adaptado de Feldman, 1987)

Começamos com o intento de descrever a relação entre as coisas que vemos na obra em

estudo. Por exemplo, como as formas se afetam ou influenciam umas às outras. Estuda-se a

relação de escala, a localização das formas no espaço, a relação de valores tonais, a relação

luz-sombra, a qualidade da forma e da textura, atenta-se na superfície, no espaço e no

volume e descobrem-se as formas negativas. Identificam-se, também, as qualidades

emocionais e ideias transmitidas pela obra de arte.

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Estas duas operações, descrição e análise, ajudam a:

a) promover um completo exame da obra;

b) prolongar o tempo de observação e refrear a pressa do observador para chegar a

conclusões prematuras;

c) desenvolver a capacidade de observação, essencial para a compreensão das artes

visuais;

d) acumular os factos visuais que formarão a base para a interpretação crítica.

Os primeiros estádios são baseados nos elementos descritos e analisados da obra. Usam-se

as palavras para descrever ideias que explicam as sensações e sentimentos que temos

diante do objeto de arte. Aqui, afirma-se apenas o que a evidência visual parece significar.

A interpretação é o processo de procura do sentido global de uma obra, descrita e

analisada. A melhor interpretação é aquela que se baseia num grande corpo de evidências

visuais provenientes da própria obra, como também a que faz a mais significativa conexão

entre a obra e as pessoas que a observam. Como construir uma interpretação? Com o

corpo de elementos observados, formaliza-se uma hipótese, baseada também nos

sentimentos. Não se rejeitam as primeiras impressões. É importante que o observador

pergunte a si mesmo o que há de comum entre essas impressões e as relações descritas na

análise formal. É um exercício para aprender a confiar em si mesmo e acreditar nas suas

observações.

Na fase do Juízo decide-se sobre o valor estético de uma obra de arte. É o momento de

comparar a obra em análise com outras, com o maior número possível e de estabelecer

conexões. Deve-se explicitar as razões pelas quais se considera a obra de arte, em estudo,

boa ou má.

A sequência de ações sugeridas tem como finalidade a prevenção de um juízo prematuro

chamando a atenção do observador para os elementos visuais da obra e prolongando o

olhar e a discussão sobre a mesma.

O modelo do Juízo Estético pode ser considerado comparativo, uma vez que Feldman

propõe a leitura de duas ou mais obras em simultâneo, de modo a que o observador possa

comparar características de cada obra e tirar as suas próprias conclusões “na leitura

comparada de problemas visuais propostos de maneira similar ou diferentemente nas

v|rias obras”. (Barbosa, 2005: 44) Outros autores, como Nelson Goodman, reafirmam a

import}ncia duma metodologia comparativa “Much of the looking we learn by is

comparative looking. What can be found in a work is intimately involved with other works

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seen, and with other experience. As no man is an island, neither is any work”. (Goodman,

1985: 59)

Terry Barrett, professor do departamento de Educação Artística na Ohio State University, é

um dos investigadores atuais cuja influência do pensamento de Feldman é notória e

reconhecida pelo mesmo. Barret considera que o seu maior contributo tem sido promover

o envolvimento das pessoas na tarefa da crítica da arte e particularmente na interpretação

da arte. Como professor, enfatiza a interpretação como a atividade mais importante a

desenvolver junto dos seus alunos. Estimula as várias vertentes de exercício da crítica de

arte, quer entre os alunos levando-os a desenvolver uma atitude reflexiva em relação às

suas produções de natureza plástica, quer junto dos docentes chamando a atenção para a

forma como exercem a atividade crítica em relação aos trabalhos dos seus alunos.

My thoughts on interpretation are very much influenced by the writings of aestheticians,

art critics, literary theorists, art and photography historians, and art educators concerned

with meaning in art. (…)I am able to build and test interpretive theory in practice by

serving, for many years now, as an Art Critic-in-Education in which capacity I engage

children and adults in schools and community centers in talk about art. (Barrett, 2000: 5)

O interesse de Terry Barrett pela investigação em arte começou com a fotografia e

estendeu-se depois à arte contemporânea. Podemos dizer que foi o seu interesse pela

fotografia (1986) como meio de envolvimento na argumentação crítica que despertou a

necessidade de construir um corpo de princípios que fundamentava a sua interpretação e

permitia o seu uso na educação artística junto de públicos em ambiente de ensino formal

ou não formal. Para isso revisitou os escritos de Chapman (1987), Feldman (1981) e

Broudy (1983) sobre crítica de arte e aí não encontrou especiais considerações que se

referissem à fotografia.

Barrett (1986) criou um novo sistema de categorias baseado na analogia entre imagem

visual e declarações verbais. Defende que é benéfico do ponto de vista interpretativo ver

as fotografias como se fossem análogas a afirmações verbais e estas podem ser de

natureza: descritiva, interpretativa, explicativa, ética, estética ou demonstração teórica.

“To engage in thought and discourse of this nature about photographs through the use of

these categories is deemed more worthwhile than comfortably labeling a photograph

‘documentary’, a ‘portrait’ or ‘art’.” (Barrett, 1986: 59)

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Apesar de apresentar estas seis categorias de forma distinta, é evidente que elas se

sobrepõem numa imagem fotográfica. Segundo o autor, esta classificação pressupõe que as

fotografias são mais do que coisas, como tal “The category system assumes that

photographs are mental as well as physical and fotographs without interpretations are

null, moot, or void.” (Barrett, 1986:55) O sistema de categorias criado pretende incentivar

a discussão sobre o sentido das imagens e mais tarde será desenvolvido um conjunto de

categorias mais numeroso com o fim de alargar a interpretação das imagens fotográficas a

outro tipo de imagens visuais, nomeadamente, à arte contemporânea. Pretende fornecer

pistas para a abordagem da discussão em direção à construção de um sentido que ancora

as várias interpretações individuais.

Em 1994, procede à relevante tarefa de elencar um conjunto de princípios para orientar os

professores que pretendem envolver os seus alunos no diálogo sobre a arte e fornecer-

lhes critérios para avaliarem os seus esforços interpretativos em Principles for Interpreting

Art. Posteriormente, em 2000, no artigo About Art Interpretation for Art Education

acrescenta três novos princípios que integram, já, o resumo que elaboramos para os

apresentar e caracterizar, de forma o mais clara possível, mas com a preocupação de

fidelidade em relação ao pensamento de Barrett.

Em vez de criar um método para envolver as pessoas na interpretação da arte, Barrett

preferiu sistematizar um conjunto de princípios porque “They help us keep teaching and,

learning fresh.” (Barrett, 2000: 7) Como o próprio explica, mais detalhadamente, dão-nos a

liberdade para os interpretar e agir em conformidade reinventando-os com o nosso cunho

pessoal. Os princípios desafiam-nos a lidar à nossa maneira com material complexo e

polissémico como é próprio da arte e permitem-nos autonomia para criar uma variedade

de métodos que se adequam às capacidades dos intervenientes no processo de

interpretação da arte. Assim, o professor tem a oportunidade de escapar à monotonia a

que a sujeição a um método pode conduzir.

Quadro 6 – Princípios para interpretar a arte segundo Terry Barrett

PRINCÍPIOS PARA INTERPRETAR ARTE

1- Obras de arte são “acerca de” e buscam interpretação. Este é o princípio fundamental identificado por

estetas e aceite por críticos.

2- Interpretações responsáveis apresentam a obra de arte no seu melhor.

3- As interpretações são argumentos. Argumentos críticos inteligentes implicam premissas que levam a

conclusões baseadas na razão e na evidência.

4- As interpretações são convincentes. A crítica é retórica e persuasiva.

5- Algumas interpretações são melhores que outras.

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6- Nenhuma interpretação é exaustiva do significado de uma obra de arte e pode haver interpretações

diferentes ou mesmo interpretações contraditórias. Este princípio valoriza a obra de arte como um repositório

rico de expressão que permite uma variedade de resposta.

7- As interpretações implicam uma visão do mundo. Todos nós nos movemos no mundo com um conjunto

mais ou menos articulado de hipóteses sobre a existência, e é através dele que interpretamos tudo, incluindo

obras de arte.

8- Boas interpretações de arte dizem mais sobre a obra do que sobre o autor da interpretação.

9- As interpretações não são absolutamente certas, mas mais ou menos sensatas, convincentes, esclarecedoras

e informativas.

10- Boas interpretações têm coerência, correspondência, e inclusão. A boa interpretação deve ser uma

declaração coerente em si mesmo e deve também corresponder ao trabalho artístico. A coerência é um critério

autónomo e interno. A correspondência é um critério externo que pergunta se a interpretação serve a obra de

arte. A demanda por inclusão garante que uma interpretação dá conta de tudo o que está presente numa obra

de arte.

11- Os sentimentos são guias para as interpretações. Este princípio rejeita a distinção dicotómica entre

pensamento e sentimento, pelo contrário, afirma que o pensamento e o sentimento estão irrevogavelmente

entrelaçados.

12- Uma interpretação de uma obra de arte não precisa de coincidir com a intenção do artista para a obra de

arte. O seu significado pode ser muito mais amplo do que até mesmo o artista sabe.

13- Os objectos de interpretações são obras de arte, e não artistas. Este princípio não exclui informações

biográficas, no entanto, devem ser usadas para fornecer informações sobre o trabalho. As informações

biográficas lembram-nos que a arte não emerge para além de um ambiente social.

14- Toda a arte é em parte sobre o mundo em que surgiu. Este princípio é claro especialmente ao interpretar a

arte de artistas de uma cultura diferente da do observador.

15- Toda a arte é em parte sobre outra arte. A arte não surge dentro de um vácuo estético. Os artistas

geralmente estão cientes do trabalho de outros artistas.

16- A interpretação é, em última análise um esforço comum (Parsons, 1987) e, eventualmente, a comunidade é

autocorretiva. Esta é uma visão optimista do mundo da arte e erudição que afirma que críticos, historiadores e

outros intérpretes sérios podem corrigir interpretações menos adequadas e, eventualmente, propor

interpretações melhores.

17- Boas interpretações convidam-nos a ver por nós mesmos e a continuar por conta própria. Este princípio

opõe-se à interpretação "certa" que acaba discussões interpretativas, e fornece ao espectador a liberdade

individual para serpentear intelectualmente através de campos de pensamento.

(Adaptado de Barrett, 2000 – tradução por A. Pereira)

Barrett baseia a sua abordagem para a crítica de arte sobre as quatro actividades de

descrever, analisar, interpretar e julgar mas sugere que a interpretação é a atividade mais

importante. “Works of art present us with views of the world and experience that can

provide us with insights, information, and knowledge but we can only access these

through interpretation.” (Goodman citado em Barrett, 2000: 7)

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Capítulo 3 – Fenomenologia da experiência estética

“There may be any numbers of reasons why one should study art. My reason for teaching

aesthetics and art criticism is that they address directly questions of human values. That is,

criticism may be said to be a critique not only for art but, more broadly, of human

condition, then aesthetic encounters bring to initial awareness the values – personal,

cultural and societal – prompted by the encounter. For me, then, art education, particularly

aesthetic education, is about education in values.” (White, 2007:5)

…every individual brings with him (…) a way of seeing and feeling that in it interaction with

old material creates something new, something previously not existing in

experience.(Dewey citado por Jones, 1979: 104)

Neste capítulo, elegemos dois autores que estudaram a experiência estética numa

perspetiva fenomenológica. A noção subjacente é que nós compreendemos as coisas desde

o ponto de vista da nossa vivência. É essa interação dos fenómenos físicos com as nossas

construções internas que importa salientar.

Boyd White concebeu uma estratégia para ajudar os alunos a desenvolver encontros

significativos com as obras de arte. O que se pretende é dar conta da sequência de

momentos que constituem os processos pelos quais nós compreendemos as coisas e do

modo como ocorrem as alterações nesse entendimento. Elaborar tais estratégias requer

um paradigma, pelo que White estudou e aprofundou a conceção do modelo

multidimensional da experiência estética segundo R. L. Jones.

In our increasingly complex world, issues of empathy and a consideration of values are of

primary educational importance. We need to address what it means to be a human being in

all our variability, frailties and potential. I argue that aesthetic encounters provide an ideal

source of experiences to significant learning and assess it with reasonable consistency

without succumbing to a ‘standards’ mentality. Aesthetigrams may well offer a viable

strategy to address these issues. (White, 2007: 22)

Boyd White é professor associado do Departamento de Estudos Integrados em Educação

na Universidade de McGill (Quebec, Canada) onde leciona Aesthetics and Art Criticism for

de Classrom e desenvolve investigação na área da crítica de arte e da estética. O seu objeto

de estudo é a natureza dos nossos encontros com a arte. Segundo White, existem várias

razões pelas quais devemos estudar arte mas o principal motivo é porque se relaciona

diretamente com os valores humanos. O primeiro fator que nos impele nessa demanda em

direção aos nossos próprios valores, aos do artista e aos expressos na obra de arte é a

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empatia. “…epistemology of aesthetic education is empathy” (White, 2007:5). A maioria

dos seus alunos frequenta o curso de ensino para professores generalistas. A disciplina,

lecionada por White, pretende dar-lhes confiança nas suas capacidades para interagir com

obras de arte. Poucos alunos tiveram experiências de análise ou crítica de obras de arte e

por isso não se sentem muito confiantes. White assegura-lhes que as suas experiências de

vida são um ponto de partida suficiente.

Num artigo publicado em 2007, descreve uma pesquisa qualitativa que estuda a eficácia

das estratégias de ensino/aprendizagem usadas com os seus alunos para promover uma

participação ativa em encontros estéticos e uma reflexão sobre os mesmos. A estratégia

usada envolve o uso de estetigramas que, como o seu nome indica, advém da justaposição

das palavras estética e diagrama. São um modo de mapear a experiência do encontro

individual com a obra de arte e dão conta das transformações momento a momento, como

o sujeito as entende, numa perspetiva fenomenológica.

Os estetigramas surgiram da necessidade de um instrumento de registo para acompanhar

as experiências dos seus alunos com as obras de arte sendo que a finalidade em mente era

promover o diálogo e a reflexão sobre os processos de encontro com a arte. Os

estetigramas proporcionam uma apresentação visual da experiência do observador

incluindo a sequência dos acontecimentos. Ou seja, fornecem um registo das “conversas

silenciosas” que ocorrem nos nossos encontros com a obra de arte.

Todos os momentos são importantes e os participantes não devem ignorar ou eliminar

momentos; um momento intermédio pode ajudar a explicar e compreender um momento

final. Aqui, o papel do professor é chamar a atenção para o registo dos momentos de

transição que ajudam a clarificar o porquê das mudanças. Por exemplo, se o observador

começa por registar que não gosta de uma obra e acaba com a opinião contrária é

necessário perceber quando e por que se deu essa mudança. Quando o fazem, os

participantes tomam consciência dos seus valores e criam os seus próprios sentidos.

O registo da experiência pessoal com a obra de arte constitui um importante banco de

dados que os próprios alunos poderão utilizar para reflexões futuras, nas quais poderão

avaliar os fatores que intervieram na experiência estética e partilhar informação,

devidamente fundamentada, com os seus pares. Do ponto de vista do

professor/investigador, esses registos fornecem importantes dados de apreciação do

estudo que permitem acompanhar os vários processos em direç~o { “construç~o de

sentido”.

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Apresentamos, de seguida, um estetigrama realizado por uma aluna de Boyd White a

partir do primeiro contacto com a obra do pintor Gerard Richter intitulada Mediation de

1986 (320 x 400 cm, óleo sobre tela) para dar conhecimento do aspeto gráfico que pode

assumir. Normalmente o tamanho das formas é proporcional ao grau de impacto que teve

a categoria de experiência representada.

Esquema 1 – Exemplo de estetigrama

(Adaptado de White, 2007 – tradução por A. Pereira)

Através dos estetigramas podemos constatar que os encontros com a obra de arte são

muito variados, quer de indivíduo para indivíduo, quer para o próprio quando observa

uma obra em momentos diferentes. Em cada encontro há um aumento do pormenor,

complexidade e riqueza. Uma hipótese defendida pelo autor é a de que as interações dos

participantes com as obras de arte estão indissociavelmente ligadas às suas capacidades

de articular verbalmente essas experiências. A busca das palavras certas orienta o sentido

do encontro tanto como o fazem as perceções orientadas para a arte. Ou seja, se as

experiências estéticas transcendem a linguagem, a articulação sobre essa experiência não

deixa de ser uma parte essencial. Concluindo, a educação artística envolve uma articulação

entre linguagem visual e linguagem verbal.

Perceção (descrição)

vermelho, azul, verde,

branco.Linhas largas e finas.

Atitude Negativa porque eu não percebo o que

ele está a tentar dizer

Contexto Parece-me que o

artista foi influenciado pelo

seu estado de espírito na altura

Emoção Estou confusa, o que me

faz sentir irritada porque não entendo o significado da pintura

Assunto em ênfase Não há um ênfase

em particular porque não há

ponto focal

Perceção (observação)

Quantidade enorme de cor

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Para facilitar o desenvolvimento dos estetigramas, White definiu 50 “momentos

experienciais possíveis” de modo a ajudar os participantes a identificar e articular os

momentos de que tomam consciência. O objetivo é despoletar uma consciência inicial de

categorias de experiência.

Boyd White pediu aos seus alunos para aplicarem os seus momentos ao modelo

desenvolvido por Jones (1979) de modo a estimular os participantes a explorem os seus

padrões de experiências. O modelo de Jones é fundamentado nos estudos do filósofo

existencialista austríaco Martin Buber (1878-1965) que fornece um alicerce filosófico para

explicar a natureza fenomenológica da experiência estética. O ponto fulcral do

pensamento de Buber é a sua conceção das duas relações primárias expressas nas relações

de dois termos: Eu-Tu e Eu-Isso. No seu livro Ich und du publicado em 1923, estão as bases

do pensamento da relação.

Segundo Buber, pode-se distinguir três esferas da vida da relação com base nos pares

verbais: Eu-Tu, Eu-Isso e A vida com a Natureza, sendo que Eu-Tu é o par onde surge a

reciprocidade, a relação com o outro e também lugar de origem da liberdade do indivíduo

e liberdade perante o outro, onde existe a tomada de decisão.

As interações são designadas pela relação Eu-Tu. A relação Eu-Tu caracteriza-se pela

abertura, a reciprocidade, e um profundo envolvimento pessoal. Nesse sentido, o Eu

relaciona-se com o Tu não como algo a ser estudado ou manipulado, mas como presença

única que responde ao Eu na sua individualidade. É o tipo de relação a desenvolver na

experiência estética. No que se refere à relação I-It, caracteriza-se pela tendência para

tratar alguma coisa como um objeto governado pelas forças causais, sociais ou

económicas. (Jones, 1979)

Esquema 2 – The Artistic Interface: interação entre observador e objeto

(Adaptado de Jones, 1979 – tradução por A. Pereira)

Eu Observador

Tu

Objeto

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O esquema The Aesthetic Interface fornece uma representação gráfica dessa interação.

Demonstra a necessidade de interação do observador com o objecto de atenção. “… the

aesthetic dimension of a work of art does not reside exclusively within the object, but

rather is the consequence of an open interaction between the viewer and the object f the

viewer’s perceptual attention” (Jones, 1979: 95)

É, então, claro que a resposta à arte é diretamente afetada por predisposições do indivíduo

no momento da sua exposição à arte. A experiência estética depende da existência de um

observador ativo. “…without the percipient, and what he brings to the encounter, an

object’s aesthetic potential is, at best, dormant.” (Jones, 1979: 95)

A experiência estética é uma resposta singularmente humana durante a qual reagimos de

forma multidimensional a um reportório formal e expressivo que é a obra de arte. O

modelo de Jones assume a ideia de Dewey, de que a experiência estética faz parte de uma

estrutura experiencial natural e que é uma capacidade de todas as pessoas. O homem

distingue-se das outras criaturas “by being both a thinking and feeling animal”.

Esquema 3 – Modelo do equilíbrio fenomenológico

(Adaptado de Jones, 1979 – tradução por A. Pereira)

Jones descreve a experiência estética como um equilíbrio entre polos opostos:

objetividade/ subjetividade (em relação ao observador) e intrínseco/ extrínseco (em

relação ao objeto). O modelo representa o equilíbrio entre as componentes de âmbito

intelectual, emocional, interna e externa que têm lugar na experiência estética.

estéril primevo

icónico sentimental

Cognitivo

(Intelectual)

Afetivo

(Emocional)

Intrínseco

(Formal)

Extrínseco

(Instrumental)

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Os extremos, na vertical, horizontal ou diagonal, representam os polos da resposta não

estética. Por exemplo, quando a resposta a uma obra é uma reação emocional extrema às

qualidades referenciais, a experiência torna-se tão subjetiva e sentimental que impede a

necessária integração dos outros dois elementos da resposta estética, o cognitivo e o

intrínseco. (Jones, 1979: 100) Ao contrário, se uma resposta é puramente cognitiva e

atenta apenas nos componentes intrínsecos de uma obra, a experiência será considerada

estéril, uma vez que falta a dimensão do afetivo e a atenção aos aspetos extrínsecos à obra.

Quando uma resposta se move da periferia para o centro, a experiência será caracterizada

como mais estética na sua natureza porque representa um maior equilíbrio dos quatro

quadrantes. À medida que nos movemos do exterior para o centro, movemo-nos de uma

posição mais unilateral, menos estética, para uma resposta mais estética e equilibrada.

This is a logical condition for an aesthetic encounter, for it incorporates the major

distinguishing traits of humanness (intellect and emotion) and the major distinguishing

traits of aesthetic objects (internal and external relevance). It is especially important for us

to realize that the aesthetic response is not simply an intellectual, emotional, formalistic, or

instrumental response, but it is a delicately balanced interactive response to all of these.

(Jones, 1979:98)

Jones salienta que a experiência fenomenológica que ocorre no encontro estético pode ser

consequência de três abordagens: “the percipient imposing himself upon the work, the

percipient responding to the work or the percipient interacting with the work”. (Jones,

1979: 102) Mas apenas no terceiro caso estamos perante uma experiência estética. Um

verdadeiro I-Thou encounter, uma experiência holística e equilibrada em relação aos

quatro quadrantes. Quando o observador interage com a obra ele faz agir o seu repertório

de experiências cognitivas e afetivas envolvendo-se com os aspetos referenciais da obra.

Três grandes implicações para os professores e investigadores emergem deste conceito de

equilíbrio fenomenológico:

1) o nível de aprofundamento dos encontros com a obra de arte estão dependentes de

fatores de contexto: sociais e temporais, únicos em cada situação;

2) o “confronto” entre observador e obra de arte implica esforço para trazer para o

encontro as experiências individuais e fazê-las interagir com a obra nos diferentes

momentos da experiência;

3) os professores devem fazer todos os esforços para fornecer informação descritiva e

analítica de modo a assegurar a atenção percetiva nos diversos componentes da

experiência estética.

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No equilíbrio fenomenológico, o encontro estético é uma consequência da relação entre o

observador e o objeto de perceção. Então os alunos devem ir a esse encontro “open-

minded”.

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SEGUNDA PARTE – UM ESTUDO DE CASO

Compreender não é procurar no que nos é estranho a nossa

projecção ou a projecção dos nossos desejos. É explicar o que se nos

opõe, valorizar o que até aí não tinha valor dentro de nós. O diverso,

o inesperado, o antagónico é que são a pedra de toque dum acto de

entendimento.

MIGUEL TORGA, Ensaios e Discursos

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Capítulo 4 – Metodologia da investigação

O presente trabalho não pode ser indissociável do facto de a investigadora ser, também,

professora. Daí, naturalmente, advêm especificidades que, se por um lado, podem ser

entendidas como condicionantes para a falta de afastamento da situação estudada, por

outro lado permitem um conhecimento do contexto de estudo na primeira pessoa. A

situação de professor investigador apela a uma interpretação crítica da sua ação e envolve

as capacidades de decisão e gestão que são, hoje, tão importantes uma vez que a conceção

atual do currículo conta com o papel construtor do professor para colocar em prática as

orientações gerais.

Exige-se hoje ao professor que seja ele a instituir o currículo, vivificando-o e co-

construindo-o com os seus colegas e os seus alunos, no respeito, é certo, pelos princípios e

objectivos nacionais e transnacionais. Exige-se, mas ao mesmo tempo, confia-se-lhe essa

tarefa, acreditando que tem capacidade de a executar. (Alarcão, 2001: 21-30)

Parece-nos pertinente esta observação que tão bem retrata o que a escola exige, hoje, ao

professor com ênfase no papel interveniente e gerador de situações de aprendizagem

diversificadas e adequadas ao contexto em que se movimenta. A nossa experiência de

docência vem confirmar a necessidade permanente de experimentar, refletir e alterar

procedimentos de natureza didática e pedagógica, na sala de aula, de modo a melhor

cumprir a ação educativa.

O problema que suscitou esta investigação emergiu da constatação que, a par do fazer

artístico, não são desenvolvidas competências de apreciação artística. Foi, então,

concebido e aplicado um instrumento de mediação artística assente num conjunto de

procedimentos que visam estimular o diálogo sobre a obra de arte com o intuito de

averiguar de que natureza são os critérios que os alunos do 3º ciclo do ensino básico

mobilizam no discurso sobre a obra de arte e de promover o desenvolvimento das suas

capacidades intrínsecas.

Este capítulo justifica a escolha da metodologia de investigação e define as suas etapas.

Afigura-se importante clarificar o que se deve estudar, as perguntas a que é necessário

responder, como devem ser formuladas e que regras seguir para interpretar as respostas.

Mas antes disso é importante refletir sobres os paradigmas que guiam a investigação nas

ciências sociais e, em particular, na educação. Pois, o enquadramento metodológico está

dependente do posicionamento epistemológico. Como afirma Moreira “só podemos

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pretender conhecer a realidade a partir de uma representaç~o teórica prévia”. (Moreira,

2007: 21)

Paradigmas de Investigação

Os dois grandes paradigmas podem resumir-se ao conceito de realidade independente do

investigador e objetivamente apreensível, segundo uma perspetiva positivista e de

realidade socialmente construída pelas interações dos indivíduos, segundo um ponto de

vista interpretativo. “De uma forma sintética pode afirmar-se que este paradigma

[interpretativo] pretende substituir as noções de explicação, previsão e controlo do

paradigma positivista pelas de compreensão, significado e acção.” (Coutinho, 2011: 16)

No primeiro caso, o investigador considera-se independente do objeto investigado e a

premissa presente é a de que se pode investigar o objeto sem influenciá-lo e sem ser

influenciado pelo mesmo. No segundo caso, o pressuposto é que a investigação depende da

perspetiva do investigador, livre, no entanto, de juízos de valor.

Segundo Max Weber, as ciências sociais não devem admitir pressupostos de valor mas é

válido que estes tenham um papel na seleção dos problemas de estudo, ou seja, exercendo

uma “funç~o seletiva”. Para Weber, existe uma diferença entre “juízo de valor” e “relaç~o

de valor”.

Esta última não é um princípio de valoração, mas um princípio de selecção: serve para

estabelecer um campo de investigação em que a indagação procede de objectiva para

chegar à explicação dos fenómenos. A relação dos valores designa a direcção específica do

interesse cognitivo que move a investigação, quer dizer, o ponto de vista específico em que

esta se situa, delimitando o seu próprio campo. (Weber citado em Moreira, 2007: 31)

Segundo o mesmo autor, as ciências sociais distinguem-se das naturais pela sua

“orientaç~o para o indivíduo”, o que interessa é “compreender” através da “interpretaç~o”.

Ou, como refere Moreira” Entender o objectivo da acção, captar as dimensões do propósito

e intenção da acção humana” (Moreira, 2007: 31-32)

Nesta altura, será pertinente interrogarmo-nos se não poderá esta opção metodológica ser

acusada de falta de rigor e de objetividade. “Se o ponto de partida está representado pelo

indivíduo e pelo sentido subjectivo da sua acção, como é possível chegar a um

conhecimento objectivo com carácter de generalidade?” (Moreira, 2007: 32)

Weber apresenta resposta através da sua conceção do tipo-ideal definido como:

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… formas de actuação social que se podem encontrar recorrentemente no modo como os

indivíduos se comportam. Estas formas reconstroem-se através de um processo de

abstracção que coordena e dá coerência a certos elementos especialmente centrados na

multiplicidade de dados empíricos. O tipo ideal é, portanto, uma abstracção que nasce do

reconhecimento empírico de uniformidade. (Weber citado em Moreira, 2007: 32)

O tipo-ideal é uma abstracção, uma construção mental que desempenha uma função

heurística no sentido em que dirige o conhecimento. Fornece ao investigador modelos

teóricos coerentes que o auxiliam a interpretar a realidade que é sempre mais complexa e

desordenada. Como explica Moreira “Mediante os tipos ideais pode-se compreender a

motivação dos actores sociais. E também podem estabelecer-se conexões entre a

motivação e os resultados da acção.” (Moreira, 2007: 32-33)

Segundo Moreira, o pensamento weberiano tem especial interesse porque nele

encontramos as bases da sociologia fenomenológica (Edmund Husserl e Alfred Schutz), do

interacionismo simbólico (Herbert Mead) e da etnometodologia (Harold Garfinkel) no

centro dos quais está a “acção individual dotada de sentido”.

Aquilo que segundo uma perspetiva positivista inviabilizava a investigação, como as

características individuais e os valores, converte-se no foco de interesse na abordagem

subjetivista. Aliás, a riqueza deste tipo de investigação está na diversidade individual e

compreender é a palavra de ordem que vai substituir-se ao comprovar.

Metodologias de Investigação

As metodologias de investigação são, de um modo geral, agrupadas sob duas

denominações: quantitativa e qualitativa. Muitas vezes a distinção não é linear e podem

ser usados procedimentos retirados de ambas as abordagens. Os métodos quantitativos

servem a demonstração, procuram comprovar teorias ou recolher dados para confirmar

ou infirmar hipóteses e efetuar generalizações. Na pesquisa qualitativa o pressuposto é

que a construção do conhecimento e o refinamento das linhas orientadoras da

investigação se faz no terreno à medida que os dados empíricos emergem.

Bogdan e Biklen (1994) consideram que a abordagem qualitativa norteia-se por uma

perspetiva hermenêutica e interpretativa dos fenómenos. O principal interesse, destes

estudos, é compreender os sujeitos e os fenómenos na sua singularidade e complexidade.

Assim, os dados recolhidos s~o essencialmente de natureza descritiva, pois “A descriç~o

funciona bem como método de recolha de dados, quando se pretende que nenhum detalhe

escape ao escrutínio.” (Bogdan e Biklen, 1994: 49)

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Esta abordagem pode ser suscetível de levantar algumas questões. Como a recolha de

dados e a sua interpretação dependem sempre do papel ativo do investigador não será

este tipo de investigação demasiado subjetiva? Os investigadores devem estar atentos

para evitar que os seus preconceitos influenciem as conclusões e para isso dispõem da

aplicação de instrumentos que medeiam o contacto com os sujeitos estudados e

prolongam o horizonte temporal entre a recolha de dados no mundo empírico e a sua

análise. Daí, é possível falar de rigor na investigação qualitativa, quando esta observa a

abrangência de meios de recolha e análise de dados, quando procede a uma leitura

articulada com uma contextualização teórica e admite uma atitude de omissão de opiniões

pessoais (Bogdan e Biklen, 1994) embora se tenha presente que é indiscutível que “os

dados carregam o peso de qualquer interpretaç~o”. (Bogdan e Biklen, 1994: 67)

Quadro 7 – Características da investigação qualitativa segundo Bogdan e Biklen

CARACTERÍSTICAS DA INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA

A fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento

principal. Os dados são recolhidos em situação e complementados pela informação que se

obtém através do contacto direto. Os materiais de registo são revistos pelo investigador e

é o entendimento que ele tem deles a matéria-prima de análise.

A investigação qualitativa é descritiva. Os dados recolhidos são em forma de palavras ou

de imagens e não de números. Os resultados escritos da investigação contêm citações

para ilustrar a apresentação e podem incluir transcrições de entrevistas, notas de campo

ou fotografias. A descrição é a forma que melhor capta a diversidade.

Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que pelos resultados ou

produtos. Interessa perceber como os indivíduos constroem os significados e os

momentos em que ocorrem mudanças de atitude.

Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva. Não

recolhem provas para confirmar ou infirmar hipóteses colocadas a priori, antes

constroem as abstrações à medida que os dados particulares recolhidos se vão

agrupando.

O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. Os investigadores estão

interessados em perceber como diferentes pessoas dão sentido à vida. É importante

apreender os diversos pontos de vista dos participantes.

(Adaptado de Bardin, 2008)

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O investigador que adota uma metodologia qualitativa acredita que a realidade é complexa

e procura construir conhecimento através da compreensão dos sujeitos da investigação.

Ao invés da investigação quantitativa “A preocupação central não é a de se os resultados

são suscetíveis de generalização, mas sim a de que outros contextos e sujeitos a eles

podem ser generalizados” (Bogdan e Biklen, 1994:66). Esta visão faz parte integrante das

abordagens qualitativas.

Do Paradigma aos Métodos e Técnicas

Pelo que foi dito até aqui, podemos situar a nossa investigação no paradigma

interpretativo e classificar a nossa metodologia de qualitativa. O desafio maior consistiu

em como operacionalizar a pesquisa.

O processo de pesquisa, segundo Moreira (2007) organiza-se em cinco grandes fases

sucessivas de trabalho: 1) formulação do problema; 2) plano de estudo; 3) trabalho de

campo; 4) análise dos dados; e 5) apresentação de resultados.

No caso presente, a fonte de inspiração para a definição da questão de pesquisa consistiu

na experiência pessoal e profissional da investigadora. O plano de estudo implicou a

criação de um recurso pedagógico que articulou os conceitos revelados na revisão da

literatura com os objetivos específicos de pesquisa. De acordo com Moreira (2007), o

plano de pesquisa “situa o investigador no mundo empírico”. Podemos dizer que é o

instrumento concebido pelo investigador para articular: um nível teórico, abstrato,

povoado de conceitos, com um nível de observáveis, de operações e de indicadores.

Como já foi dito, um dos objetivos da investigação foi escutar o que os alunos participantes

tinham para dizer. Para isso, era necessário observá-los no seu contexto e acompanhá-los

durante um curto período de tempo. De acordo com Moreira (2007), a observação na

investigação social, num sentido estrito assenta, por um lado, na busca de realismo e, por

outro, “na reconstrução de significado, em que à sua versão o investigador junta o ponto

de vista dos sujeitos estudados.”

Na verdade, se uma distância excessiva impede desvendar a opacidade inicial e a

compreensão, também a identificação total pode ser um obstáculo, uma vez que a

originalidade do investigador social se baseia na sua capacidade de introdução na situação

estudada de interrogações que nascem da sua cultura e da sua experiência. (Moreira, 2007:

180)

A opção tomada como estratégia de descoberta, para colocar os participantes em acção, foi

a entrevista qualitativa do tipo semiestruturada constituída por um conjunto de questões

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básicas a explorar mas na qual nem a redação exata das perguntas nem a sua ordem de

sucessão estão predeterminadas. Conforme Moreira (2007), podemos definir a entrevista

qualitativa como uma conversa: a) provocada explicitamente pelo entrevistador; b)

dirigida a pessoas selecionadas com base num plano de investigação, isto é, com base em

determinadas características; c) com uma finalidade de tipo cognoscitivo; d) guiada pelo

entrevistador; e) e assente num esquema flexível de interrogação.

Uma variante conhecida da modalidade da entrevista baseada num guião, embora mais

dirigida, é a chamada entrevista focalizada, cuja autoria, segundo Moreira (2007) é

atribuída a Robert K. Me e Patricia Kendall (1946). “Para estes investigadores, a entrevista

focalizada difere de outros tipos de entrevista de investigação porque os entrevistados

estão postos a uma situação concreta (viram um filme; leram um artigo ou um livro;

participaram numa situação social controlada, mas observada; etc.)…” (Moreira, 2007:

206) Apesar de sua especificidade, a entrevista focalizada é usualmente incluída na

categoria de entrevistas qualitativas. Isso deve-se, como se viu, ao enfoque semidirigido da

entrevista.

Segundo ainda Merton e Kendall, e de acordo com Moreira, “… a entrevista focalizada para

que seja produzida deve basear-se em quatro critérios: não diretividade (ou seja, fazer

com que a maioria das respostas sejam livres ou espontâneas, em vez de forçadas ou

induzidas); especificidade (fazer com que o entrevistado dê respostas concretas);

amplitude (alargar a gama de experiências do entrevistado); profundidade e contexto

pessoal (fazer ressaltar as implicações afetivas, as crenças, os valores individuais dos

entrevistados)”. (Moreira, 2007: 206)

A análise dos dados da investigação é acompanhada de diferentes métodos consoante o

estudo em causa faça uso de estratégias do tipo quantitativo ou qualitativo. No presente

caso, em que a nossa orientação metodológica é do tipo qualitativo iremos debruçar-nos

sobre a técnica de análise de conteúdo.

Vamos, então, deter-nos um pouco sobre o que é a análise de conteúdo. De acordo com

Bardin (2008), trata-se de um conjunto de instrumentos metodológicos em que o fator

comum é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência. É um

procedimento que pretende revelar o latente num enunciado escrito ou falado ou segundo

o autor proceder a uma paciente tarefa de ‘desocultaç~o’. A sua operacionalizaç~o requer

do investigador um esforço de interpretação que oscila entre dois polos “do rigor da

objectividade e da fecundidade da subjectividade”.

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O maior interesse deste instrumento polimorfo e polifuncional que é a análise de conteúdo

reside – para além das suas funções heurísticas e verificativas – no constrangimento por ela

imposta de alongar o tempo de latência entre as intuições ou hipóteses de partida e as

interpretações definitivas. Ao desempenharem o papel de ‘técnicas de ruptura’ face {

intuição aleatória e fácil, os processos de análise de conteúdo obrigam à observação de um

intervalo de tempo entre o estímulo-mensagem e a reacção interpretativa. (Bardin,

2008:11)

São habitualmente considerados dois tipos de análise de conteúdo: aqueles que utilizam

categorias predefinidas anteriormente à análise e aqueles que têm um intuito puramente

exploratório, donde as categorias só emergem durante o processo de análise. Segundo

Bardin (2008), a análise de conteúdo de tipo exploratório realiza-se em três momentos

sucessivos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados (a

inferência e a interpretação).

Na pré-análise escolhem-se os documentos a serem submetidos à análise, formulam-se as

hipóteses ou princípios orientadores e elaboram-se indicadores que fundamentem a

interpretação final. Estas fases n~o se desenrolam obrigatoriamente por esta ordem e “a

escolha de documentos depende dos objetivos, ou, inversamente, o objetivo só é possível

em função dos documentos disponíveis; os indicadores serão construídos em função das

hipóteses, ou pelo contrário, as hipóteses serão criadas na presença de certos índices”.

(Bardin, 2008: 121)

A pré-análise começa com uma leitura dos documentos em que devemos deixar-nos guiar

pelo texto e ao mesmo tempo começar a deixar emergir impressões ou padrões do

discurso. Esta primeira atividade recebe o nome de “leitura flutuante”, segundo Bardin

(2008). A exploração do material é a etapa mais longa, é o momento da codificação, em

que organizamos os dados em bruto segundo conceitos ou categorias definidas como

“rubricas ou classes que reúnem um grupo de elementos (unidades de registo) em razão

de características comuns”(Bardin , 2008: 195). O tratamento dos resultados é a fase em

que estabelecemos a relação entre a interpretação dos dados e os marcos teóricos

pertinentes para a investigação.

Tendo em conta o que foi exposto sobre metodologia da investigação podemos apresentar

o desenho da nossa investigação no esquema que se segue onde está representada a

sequência de tomada de decisões no plano metodológico.

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Esquema 4 – Do paradigma aos métodos e técnicas

(A. Pereira, 2013)

Contexto da pesquisa

Esta investigação teve lugar na Escola do ensino básico 2, 3 General Humberto Delgado,

em Santo António dos Cavaleiros, freguesia do concelho de Loures criada em 1989.

A urbanização desta área teve início nos anos 60 e, ao longo de toda a década seguinte, viu

um grande aumento da construção que coincidiu com um aumento substancial da

população, cerca de 100% entre 1960 e 1970. Na década de 80, continua a registar-se um

acréscimo de habitantes e, já no virar do século, é de acordo com o CENSOS 2001, a

freguesia mais densamente povoada do Concelho.

Há a salientar que, de acordo com os CENSOS 2001, 10,30% da população residente, é

analfabeta e 21,3% concluiu apenas o primeiro ciclo de escolaridade. Esta realidade

condiciona um acompanhamento eficaz das crianças e adolescentes.

Na sua estrutura etária, apenas 3,4% da população total corresponde a pessoas com mais

de 65 anos de idade e, relativamente à população ativa, cerca de 50% dedica-se ao sector

terciário. Etnicamente, Santo António dos Cavaleiros é uma zona diversificada, onde, a par

de haverem sido realojadas populações provenientes de bairros clandestinos de Sacavém

e das Olaias, se verifica a existência de muitos cidadãos oriundos dos PALOP, de outras

comunidades tais como a indo-paquistanesa e a cigana, muitos tendo adotado a

nacionalidade portuguesa e, mais recentemente, de países do leste europeu.

No ano letivo de 2008/2009, matricularam-se na Escola cerca de 600 alunos. Os

estudantes, na sua quase totalidade, residem na zona circundante à escola e são

predominantemente oriundos de famílias afetas ao pequeno comércio, à função pública,

aos serviços e, em menor número, a profissões do sector secundário, militares e forças de

segurança.

Paradigma - interpretativo

Metodologia - qualitativa

Método - entrevista focalizada

Técnica - análise de conteúdo

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A investigadora, no momento do presente estudo tem uma vasta experiência de trabalho

com os alunos desta escola, onde leciona desde o ano letivo de 1998/99. Os participantes

frequentam três turmas do 9º ano de escolaridade e foram seus alunos, uns desde o 7º ano

e outros desde o 8º, o que lhe permite um conhecimento com base na convivência. De um

modo geral, os alunos chegam ao 9º ano de escolaridade com algumas retenções no seu

percurso. São alunos pouco sensibilizados para o papel da escola no seu futuro e que

devido a constrangimentos socioeconómicos têm uma vivência muito centralizada no

bairro onde vivem, apesar de estarem muito perto da cidade de Lisboa não têm hábitos de

usufruir da oferta cultural de que dispõe.

Capítulo 5 – Conceção e caracterização da atividade pedagógica

Dos pressupostos para a conceção de um recurso pedagógico

Ao trabalhar com adolescentes é preciso ter em conta as suas indagações. Ao fomentarmos

a sua participação e estarmos atentos ao que nos dizem, criamos um ambiente propício à

sua expressão. De acordo com a nossa experiência de docência, com jovens adolescentes,

sabemos que eles anseiam por oportunidades de serem ouvidos e para fomentar um

envolvimento significante é essencial que sejam interpelados. Escolhemos fazê-lo através

da exposição à arte e para isso elegemos um conjunto de obras que considerámos

suficientemente apelativas para despertar nos alunos a vontade de fazer ouvir a sua voz.

Além da voz, que me diz o tempo todo como eu devo ser, como devo vestir-me, comportar-

me, o que devo dizer, o que devo escolher, é preciso que me seja permitido escutar uma

outra voz que pergunta dentro de mim o que eu PODERIA ou GOSTARIA de ser. É preciso

enfim que eu possa IMAGINAR. Quero dizer, imaginar não no sentido pejorativo que esta

palavra tem cada vez mais na nossa sociedade, ou seja o de produzir ilusões, fantasias,

‘gostaria de ser uma princesa’ etc. Mas falo da funç~o primordial da imaginaç~o, que é a de

possibilitar ao indivíduo perguntar-se sobre o que pode ser, livre das amarras do certo e do

errado, para que aquilo que é real seja significativo para quem pergunta. O real deixa de ser

rígido, preestabelecido para sempre e passa a ser algo que eu possa olhar de vários ângulos

para encontrar a melhor forma de compreendê-lo.” (Machado citado em Barbosa, 2005: 29)

Regina Machado defende que a imaginação organiza a consciência interrogativa do

adolescente, o qual é suposto, para se transformar num cidadão bem sucedido que receba

regras da sociedade e não que construa significações. De acordo com Ana Mae Barbosa

(2005) não temos oportunidade de ritualizar as nossas crises de confronto com a vida

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durante as várias etapas do nosso crescimento e segundo Feldman, só existe crise da

adolescência porque tal crise não é ritualizada por nenhum rito de passagem.

O contacto com a arte pode, por um lado, fazer uso dessa vontade de expressão do jovem e

por outro, pode desempenhar um papel no desenvolvimento de situações que o fazem

deparar com os seus valores pessoais e as suas crises. Salientamos que a adolescência a

par com a infância são os períodos, por excelência, favoráveis ao desenvolvimento das

atitudes estéticas e que a familiaridade com as obras de arte é resultado da educação que

recebemos nesses períodos (Fróis, 2008). A ação educativa da escola pode desempenhar aí

um papel importante especialmente relevante no contexto deste estudo de caso em que os

alunos estão muito dependentes das aprendizagens e experiências em meio escolar uma

vez que as suas famílias têm poucos hábitos de acesso a bens e serviços culturais.

Quando nos referimos às artes visuais, a prática de ensino deve contemplar três vertentes,

o fazer artístico, a apreciação da arte e a história da arte. (Barbosa, 2005) Foi sob o ângulo

da apreciação da arte e da produção de significações a partir da mesma que procurámos

desenvolver o nosso trabalho prático.

Uma das particularidades da aprendizagem, inerente ao projecto educativo é a de que ela

implica dimensões relacionadas com a produção de sentido dos alunos, tal como o já

adquirido conhecimento, a experiência pessoal, interesses, motivações, a interacção social

com outros membros do grupo. Estes dois aspectos relacionam-se com o trabalho do

professor que organiza o projecto na base do trabalho desenvolvido na escola e as

necessidades dos seus alunos. (Fróis, 2008: 77)

No momento de conceber uma atividade para explorar a dimensão da produção de sentido

na interação com a arte tivemos presentes a sua relação com os marcos teóricos

estudados.

Optámos por realizar o estudo em grupo em vez de individualmente porque se integra

mais facilmente no contexto das atividades curriculares de Educação Visual e porque

cremos que a oportunidade de os alunos ouvirem os seus pares tem influência no seu

desenvolvimento estético. A partilha e confronto de pontos de vista vai de encontro à ideia

expressa por Parsons de que “O aperfeiçoamento da nossa natureza social est| subjacente

ao desenvolvimento do juízo estético, tal como subjaz às restantes formas de

desenvolvimento cognitivo. (Parsons, 1992: 37)

O estudo desenvolveu-se em pequenos grupos, de modo a fomentar o diálogo entre os

indivíduos. Através do diálogo há um confronto de ideias, uma busca incessante de chegar

mais longe, uma espécie de busca não pela verdade mas pela compreensão.

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Não conseguimos questionar a nossa experiência sem recorrer ao diálogo, sem levar em

conta a reacção dos outros às mesmas obras. O diálogo representa a única ferramenta de

que dispomos para questionarmos as tendências da nossa própria experiência e para

avaliarmos a sua relevância. Em resumo, ao mesmo tempo que o juízo é considerado como

uma responsabilidade individual, há também uma percepção clara da necessidade de

discussão e de compreensão intersubjectiva, bem como um sentido de responsabilidade

para com a comunidade na procura da verdade.” (Parsons, 1992: 42)

Caracterização da atividade

A atividade consistiu na exposição dos alunos a uma apresentação de seis conjuntos de

diapositivos organizados por pintor e constituído por três imagens. (Apêndice D –

Apresentação de diapositivos) e no incentivo ao diálogo sobre as obras. Na nossa

investigação pretendemos revelar o discurso interno do observador, para isso criámos um

guião de perguntas sonda (Apêndice C – Guião) que forneciam o estímulo à interação com

as obras apresentadas. O papel do professor é incentivar os alunos a exprimir o seu

pensamento e a manterem a atenção focada na obra. Para isso intentámos:

criar um ambiente propício à descoberta;

mediar a experiência com a arte;

apresentar um estímulo (reprodução de obra de arte);

dispor de uma estratégia para manter a atenção e produzir discursos (guião de

perguntas e diálogo);

fazer ouvir o discurso interno dos alunos;

promover a partilha de pontos de vista entre pares.

Para selecionarmos o conjunto de imagens apresentadas aos alunos passámos por um

processo de pesquisa individual e por uma atividade e pela implementação de um pré-

teste que pretendia revelar a adequação dos meios aos objetivos.

Pré-teste

O objectivo era encontrar um conjunto de imagens com coerência e com a

intencionalidade de promover o discurso orientado. Com o fim de chegar a essa selecção

de imagens, procuramos exemplos que tinham sido já experimentados. O Visual Thinking

Strategies (VTS), currículo educacional concebido por Philip Yenawine e Abigail Housen

(1999) contem uma série de imagens em grande formato destinadas a vários níveis de

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ensino. São conjuntos de pranchas de tamanho A2, sempre de representações figurativas

de pintura de várias culturas ou de fotografia e que visam promover a verbalização como

instrumento de aprendizagem sobre arte. A organização das imagens é feita por idades e

pretende estabelecer uma ligação com a vida quotidiana de cada grupo participante.

Assim, por exemplo, para a idade do 1º ciclo, as imagens sugeridas têm como referente

comum a representação da família.

Tendo em mente que o nosso estudo iria incidir sobre o diálogo provocado pela

visualização de um conjunto de imagens coerente, era necessário definir como seria

constituído. No intuito de nos ajudar a escolher as imagens e a forma de as abordar foram

planeadas e levadas a cabo duas aulas de pré-teste.

Foram escolhidos dois conjuntos alargados de imagens selecionadas de entre as pranchas

do VTS (material manipulável em formato A2) e dadas a ver a um grupo/ turma de alunos

que não iriam participar no estudo. Pretendia-se averiguar:

a) Se a temática das imagens suscitava o interesse dos alunos.

b) Se o número de imagens era adequado à duração da aula.

c) Se a intenção de interpretação das obras de arte era clara.

d) Quais as perguntas que faziam sentido e provocam a participação esperada

A aplicação do primeiro conjunto determinou que o número de imagens do segundo fosse

substancialmente reduzido na aula seguinte. Depois das duas aulas de pré-teste tornou-se

claro para a investigadora que não deveria utilizar imagens de programas pedagógicos já

existentes e que seria a própria a elaborar uma seleção original. Para nortear essa tarefa

foram elencadas as seguintes prioridades:

a) Preparar as intervenções do ponto de vista teórico (perguntas colocadas).

b) Organizar um guião de perguntas constante.

c) Restringir as obras apresentadas ao número de três.

A finalidade seria criar um recurso pedagógico, concebido depois de reflexão sobre as

orientações teóricas dos autores estudados e composto por guião de perguntas e conjunto

de reproduções de pinturas em modo de apresentação PowerPoint para permitir uma

visualização em conjunto nos grupos de alunos. Foram pensadas as formas de registo

áudio para transcrição e posterior análise de conteúdo.

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Aula 1

Figura 1 – Pieter Bruegel. The

Harvesters,1565

Figura 2 – China, desconhecido.

Sorting of the Cocoons, início do

século XIX

Figura 3 – Frederic Remington. Turn

Him Loose Bill, 1893

Figura 4 – Franz Marc, The large Blue

Horse, 1911

Figura 5 – Lin Li. Polo Game, 1633

Aula 2

Figura 6 – Frida Kahlo. Self Portrait

with Monkey, 1938

Figura 7 – Camille Pissaro. In the

Garden, 1881

Figura 8 – Henri Rousseau. The

Carriage of Pere Junier, 1908

Para a primeira aula foram escolhidas cinco imagens bastante diferentes entre si no que se

refere à origem geográfica do seu autor e à data da sua realização. No que diz respeito à

temática podiam encontrar-se vários pontos de contacto, o que nos pareceu favorecer a

comparação entre as imagens e facilitar a observação das diferenças na representação

pictórica de épocas e culturas distintas. Na segunda aula foi reduzido o número de

pranchas utilizadas para três. A temática comum foi a figura humana dada a ver segundo

modos de representação diferentes.

Nas duas aulas procedeu-se do mesmo modo: o diálogo foi pouco conduzido e os alunos

começaram normalmente por emitir a sua opinião de gosto, depois focaram-se no tema e

na apreciação da técnica e da cor utilizada. Após as aulas de pré-teste afigurou-se a

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necessidade de procedermos a uma seleção mais individualizada das imagens. As ideias a

ter em conta foram:

a) um conceito a presidir à escolha;

b) um critério para o grupo total de imagens;

c) a relação a estabelecer com os alunos, de afinidade, curiosidade, estranheza;

d) a adequação a um guião de exploração das obras;

e) a mostra de diversos modos de representação;

f) pintura figurativa não muito distante no espaço/ tempo.

Escolha dos pintores

Afigura-se difícil explicar o porquê desta seleção de imagens. Porquê estas e não outras?

Para esta seleção de imagens, além dos critérios que conseguimos identificar após as

sessões de pré-teste, contribuiu em grande medida a experiência da docente que

antecipou o que seria a recetividade do grupo de alunos às obras apresentadas.

A primeira diretriz foi a figura humana como referente, as outras foram: apresentar

diversidade nos modos de representação e circunscrever-nos à pintura ocidental e a um

intervalo de tempo relativamente curto (entre finais do século XIX e finais do século XX).

Fundamentamos estas opções, respetivamente, na relação de identificação que mais

facilmente podemos estabelecer com a representação da figura humana e no domínio de

referências culturais que auxiliem o discurso sobre as imagens dadas a ver.

Para cada sessão foram escolhidas três obras de um mesmo pintor, sendo que a primeira

será aquela em que centramos o discurso. As outras duas são complementares e foram

pensadas para permitir aos alunos estabelecerem comparações mas, também, para lhes

facilitar uma síntese das obras e construir uma ideia mais sólida de quem é o pintor em

questão em cada sessão. De modo, a que pudessem, por exemplo, chegar a casa e contar

aos pais o que tinham visto.

À medida que procedemos com a seleção das obras começou a desenhar-se um padrão, ou

seja, havia uma constância na presença de certos elementos para além da figura humana

que presidiu a escolha. Eram frequentes a janela, a paisagem, o dualismo espaço

interior/espaço exterior e a presença de duas figuras humanas. Esta última anotação

transformou-se em critério para constituição de cada grupo de três imagens. Assim, além

da figura humana em cada uma das imagens principais das seis sessões, houve sempre a

preocupação de inclusão de uma obra em que fosse observável a interação humana.

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Sessão nº 1 – Edward Hopper

Morning Sun,1952

Office in a small city, 1953

Hotel by a railroad, 1952

Sessão nº 2 – René Magritte

La clairvoyance (autoportrait), 1936

Les amants, 1928

La reproduction interdite, 1937

Sessão nº 3 – Edvard Munch

Melancolia, 1895

Cinzas, 1894

Separação, 1896

Sessão nº 4 – Henri Matisse

La chambre rouge, 1908

Conversation, 1908-1912

Nature morte à la dormeuse, 1940

Sessão nº 5 – Lucian Freud

Man’s head (self portrait), 1963

Girl in a dark dress, 1951

Hotel bedroom, 1954

Sessão nº 6 – Martha Telles

Le cadeau, 1980

Memoires d´Enfance, 1976

Vacancea à la Montagne, 1980

Figura 9 – Conjunto de imagens a utilizar durante as seis sessões

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Sessão nº1 – Edward Hopper

Figura 10 – Morning Sun,1952

Figura 11 – Office in a Small City,

1953

Figura 12 – Hotel by a railroad, 1952

A opção pelo pintor Edward Hopper foi a primeira a ser tomada. De acordo com a nossa

experiência de docência parece que o vazio das suas imagens desperta nos adolescentes

vontade de as preencher com palavras. Para esta decisão contribuiu, em parte, um

episódio que teve lugar na biblioteca noutro ano letivo. Os alunos observavam um livro

com reproduções de Edward Hopper e indagavam sobre a história das personagens,

depois passaram para um livro sobre Renoir, ao que um deles comenta de imediato “É

demasiado feliz para mim!”, como se n~o tivesse muito interesse em continuar e o facto é

que toda a conversa posterior foi mais breve.

Foram escolhidas obras com um claro caráter urbano onde a presença da figura humana

realça a sua solidão e vulnerabilidade. Grande parte do seu impacto psicológico é

conseguido através do uso da luz. A presença da janela provoca um movimento do olhar

do interior para o exterior e interrogamo-nos sobre a relação entre os dois mundos. Nas

palavras de Hopper:

Para mim, a forma, a cor e a figura são principalmente meios para atingir um determinado

fim, as ferramentas que emprego no meu trabalho, e não me interessam em si próprias. A

mim, interessa-me, em primeiro lugar o vasto campo de experiências e dos sentimentos

que não são objecto nem da literatura, nem duma arte orientada meramente pelo artificial.

[…] Quando estou a pintar, procuro sempre utilizar a natureza como meio, tentando fixar

na tela as minhas reacções mais íntimas ao objecto como aparece no momento em que mais

gosto dele, quando os factos correspondem aos meus interesses e ideias anteriores. Não

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posso dizer porque motivo gosto mais de escolher uns motivos do que outros, não sei

mesmo especificar por quê, só posso dizer que são o melhor meio para um resumo da

minha experiência interior. (2003: 9-10)

Sessão nº2 – René Magritte

Figura 13 – La clairvoyance (autoportrait), 1936

Figura 14 – Les amants, 1928

Figura 15 – La reproduction interdite

(Portrait d´Edward James), 1937

Nestas obras, como na sua grande maioria, o pintor transforma a realidade e coloca-nos

diante de associações contraditórias que nos levam a refletir sobre esse enigma. A

sensação de estranheza é acentuada pela representação rigorosa e por um apurado

sentido técnico. A natureza da sua pintura interpela o observador e solicita-lhe a uma

atitude interpretativa. Nas suas pinturas o mais importante é a expressão de um

pensamento menos convencional por isso muitos referem-se a Magritte como pintor de

ideias. Como nos explica o próprio:

Em 1915 tentei recuperar essa posição que me permitia ver o mundo de forma diferente

daquela que as pessoas tentavam impor-me. Possuía alguma habilidade técnica da arte de

pintar e, no meu isolamento, levei a cabo experiências que eram conscientemente

diferentes de tudo quanto conhecia na pintura. Experimentei o prazer da liberdade ao

pintar os quadros menos convencionais. Por uma estranha coincidência, talvez por pena ou

como brincadeira, deram-me um catálogo com ilustrações de uma exposição de pintura

futurista. Tinha agora na minha frente um poderoso desafio dirigido a esse mesmo bom

senso que me aborrecia. (2004: 11-14)

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Sessão nº3 – Edvard Munch

Figura 16 – Melancolia, 1895

Figura 17 – Cinzas, 1894

Figura 18 – Separação, 1896

Na primeira obra deste grupo salienta-se a projeção do estado de espírito da figura

humana na paisagem envolvente, formam um todo que participa do mesmo sentimento;

essa interação é distintiva em Munch. O aspeto inacabado, a indefinição do contorno, a

aplicação pouco académica da tinta de óleo, a singularidade da cor e a definição da luz e

sombra são aspetos constantes nas imagens apresentadas. As suas figuras humanas são

inquietantes pela incerteza, pela interrogação e pelo desassossego que nos transmitem.

Apesar de o pintor partir das suas memórias de factos vividos (muitos dos quais episódios

de perda de familiares próximos: mãe e irmãs) aspira a uma universalidade dos temas

tratados: a vida e a morte, a fronteira entre o sonho e a realidade. Sobre a sua pintura

Munch disse:

Não pinto o que vejo, pinto o que vi. (2001:18)

Na realidade, a minha arte é uma confissão feita da minha própria e livre vontade, uma

tentativa de tornar clara a minha própria noç~o de Vida… no fundo é uma espécie de

egoísmo, mas não desistirei de ter esperança de que com a sua intervenção, eu possa ser

capaz de ajudar outros a atingir a sua própria clareza. (2004: 42)

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Sessão nº4 – Henri Matisse

Figura 19 – La chambre rouge, 1908

Figura 20 – Conversation, 1908-1912

Figura 21 – Nature morte à la

dormeuse, 1940

Com a escolha de Matisse pretendemos mostrar um modo de representar inteiramente

diferente. Os planos de cores lisas, as figuras “recortadas”, a cor que invade o espaço, as

linhas com vida própria são as primeiras diferenças visíveis. Há da parte do pintor uma

atenção aos elementos próprios da linguagem pictórica: a cor, a linha, a composição; e uma

busca de equilíbrio entre eles para que nenhum seja atenuado pela presença dos outros. A

expressão está intimamente ligada a esse jogo de forças internas entre o equilíbrio e a

vitalidade. Sobre isso conhecemos as palavras de Matisse:

A expressão não está para mim na maior ou menor expressão que se desprende de um

rosto ou se manifesta num movimento impetuoso. Está antes em todo o arranjo do meu

quadro. (2001:75)

… é preciso voltar novamente {s bases, aos princípios que de novo emergem, que assumem

vida e no-la oferecem. Então os nossos quadros tornam-se purificações, fases de cautelosa

exploração, simples fusões com o que de primitivo em nós existe, que agradam

imediatamente pela beleza do azul, do vermelho, do amarelo, das matérias elementares,

que as almas humanas vão buscar ao mais fundo de si mesmas. (2001:74)

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Sessão nº5 – Lucian Freud

Figura 22 – Man’s head (self portrait), 1963

Figura 23 – Girl in a dark dress, 1951

Figura 24 – Hotel bedroom, 1954

A escolha de Lucian Freud para a sessão seguinte, pretende, mais uma vez, no decurso

deste conjunto de aulas, desafiar os alunos a não pararem de se interrogar e de se

surpreender com a diversidade da pintura. Pretende não os deixar aquietar sobre as

aprendizagens individuais.

Na primeira obra, temos uma paleta de cores reduzida e pouco saturadas. A gestualidade e

a energia colocadas no “fazer” s~o parte importante da express~o. O seu tema central foi

sempre a figura humana e particularmente o nu tanto feminino como masculino. A sua

pintura é baseada num intenso sentido de observação a que o próprio se refere como “

intensificaç~o da realidade”. Os modelos usados s~o, em geral, da sua esfera próxima de

amigos e familiares. Apresenta-nos os corpos de uma forma crua que acentua a sua

materialidade e, muitas vezes, serve-se da exposição dos defeitos e imperfeições físicas

bem como da exposição da vulnerabilidade emocional. Persegue a materialidade da pele e

da carne. Como Lucian Freud diz:

I want paint to work as flesh… I would wish my portraits to be of the people, not like them.

Not having a look of the sitter, being them… As far as I am concerned the paint is the

person. I want it to work for me as flesh does. (2010: 147)

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I don’t want any colour to be noticeable. I want the colour to be the colour of life, so that

you would notice it as being irregular if it changed. I don’t want it to operate in the

modernist sense as colour, something independent; I don’t want people to say, ‘Oh, what

was that red or that blue picture of yours, I’ve forgotten what it was.’ Full saturated colours

have an emotional significance that I want to avoid. (2002:16)

Sessão nº6 – Martha Telles

Figura 25 – Le cadeau, 1980

Figura 26 – Memoires d´Enfance,

Birthday Party, 1976

Figura 27 – Vacances à la Montagne, 1980

Das obras de Martha Telles desprende-se um enleio de incertezas e de interrogações.

Parece que estão à nossa espera para as completemos com a nossa interpretação. Isso

advém do dualismo presença / ausência que as duas primeiras imagens parecem evocar. A

sensação de incompletude é, ainda, acentuada pelo rigor de ordenação dos espaços. É

desta capacidade, simultânea, de contar e ocultar, ou seja, de não contar tudo, que advém a

poética da sua pintura. A primeira imagem deste grupo representa uma menina numa

cadeira enfeitada com flores sobre o que Martha Telles disse em entrevista a Agustina

Bessa-Luís: “Aquele foi um dia de festa em que ninguém apareceu” (1986:10). E sabemos

da mesma fonte que se refere a um episódio verídico que marcou a infância da pintora na

ilha da Madeira. Como acontecia, não raras vezes, subitamente abateu-se um temporal

sobre a ilha e os convidados para o aniversário ficaram impedidos de se deslocar à festa.

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Capítulo 6 – Desenvolvimento da atividade

A atividade foi concebida para ser desenvolvida nas aulas semanais de 90 minutos e

decorreu durante seis semanas consecutivas. Antes da primeira sessão, os alunos foram

informados que iriam participar numa atividade nova que envolvia a visualização de

imagens de obras de arte e que pretendia a sua participação oral a partir de questões

colocadas pela professora. Foi chamada a atenção para o facto de as suas intervenções

serem registadas através de um gravador de som, o que exigia a observância de algumas

orientações, tais como: falar de modo claro e audível e esperar que um colega termine

antes de outro intervir.

Foi esclarecido que não se tratava de colocar perguntas a cada aluno individualmente mas

que a intervenção de cada um obedecia apenas à sua vontade em participar. Salientou-se,

ainda, a importância de estarem atentos não só à professora mas a todos os colegas, pois

cada um é portador de um modo de ver diferente e a tomada de conhecimento dessa

diversidade contribui para o enriquecimento de todos. Nesta sequência, foi transmitido

aos alunos que não há respostas certas ou erradas e que é a liberdade que se permitem

para se aventurarem em várias indagações e interpretações que admite, muitas vezes,

descobertas inesperadas.

Neste momento, parece-nos relevante explicar a dimensão dos grupos que variam entre os

10 e os 12 elementos. Essa situação justifica-se porque no 9º ano os alunos podiam optar

pela disciplina de Educação Visual ou de Educação Tecnológica e as turmas eram assim

divididas a meio no horário de frequência da disciplina da área de formação artística e

tecnológica escolhida pelos alunos aquando da sua transição para o 9º ano de

escolaridade. Assim, os grupos A, B e C participantes na presente investigação referem-se

aos alunos que escolheram Educação Visual.

Uma vez que a docente acompanha as turmas A e C desde o 7º ano e a B desde o 8º ano

esse facto ajudou a criar um clima de confiança favorável à participação oral dos alunos. É

certo que na primeira sessão eles estavam muito conscientes de estarem a gravar as suas

intervenções mas no final da mesma já agiam com toda a naturalidade.

Registamos que os alunos manifestaram grande interesse desde a primeira sessão e

disponibilizaram-se a participar na atividade em dias em que não tinham a disciplina de

Educação Visual para compensar as aulas que não aconteceram devido à ocorrência de

feriados no dia da aula semanal de 90 minutos. Esta situação ocorreu duas vezes e não

faltou nenhum aluno. Salientamos, ainda, que um aluno que não pôde comparecer à sessão

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com a sua turma de pertença teve o interesse suficiente para integrar outro grupo de

modo a participar na totalidade da atividade.

De seguida, apresentamos uma breve apresentação dos grupos/turma que contempla uma

caracterização de número, género, estrutura etária e aproveitamento escolar.

Figura 28 – Sessão nº 6 - grupo A

Figura 29 – Sessão nº 6 - grupo B

Figura 30 – Sessão nº 6 - grupo C

O grupo A é constituído por 12 alunos, quatro rapazes e oito raparigas. A média de idades

é 15 anos, a maior parte dos alunos tem 14 ou 15 anos e existe um caso de 17 anos. Trata-

se de um aluno de origem arménia que viera para Portugal a meio do seu percurso escolar

e cujas inerentes dificuldades de adaptação à língua portuguesa levaram à integração

inicial num ano de escolaridade não correspondente à sua idade, o que justifica o

desfasamento etário verificado. Em termos de aproveitamento, é uma turma com muitos

alunos com, pelo menos, uma retenção ao longo do seu percurso escolar. Muitos alunos

mostram-se pouco interessados na escola e aparentam uma atitude de indiferença face ao

seu fraco desempenho.

O grupo B é constituído por 10 alunos, três dos quais são rapazes e sete são raparigas. Esta

assimetria de género deve-se ao facto de a maior parte dos rapazes da turma ter escolhido

a disciplina de Educação Tecnológica e a maior parte das raparigas ter optado por

Educação Visual. A média de idades é de 14 anos e varia entre os 13 e os 15. É uma turma

com bom aproveitamento onde há poucos casos de retenções. Em termos globais é a

turma do 9º ano com melhores resultados escolares e com mais aspirações em continuar a

sua formação até ao ensino superior.

O grupo C é constituído por 11 alunos, seis rapazes e cinco raparigas. A média de idades é

15 anos e varia entre os 13 e os 16. A nível de aproveitamento, é a turma mais

heterogénea, tem alunos com bom aproveitamento e com intenções manifestas de

prosseguir os estudos até ao ensino superior, assim como alunos com muitas dificuldades

de aprendizagem.

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Para a actividade, a desenvolver nos grupos apresentados, foram concebidas seis sessões,

subordinadas à escolha de três pintores e cada uma delas foi desenvolvida por três vezes,

com as turmas A, B e C do 9º ano de escolaridade. Assim, temos o seguinte plano de

aplicação:

Esquema 5 – Plano de aplicação da atividade

(A. Pereira, 2013)

Para mostrar as obras aos grupos de alunos fizemos uso dos meios audiovisuais

disponíveis na escola e elaborámos seis apresentações em PowerPoint que contêm um

conjunto de três obras de um pintor e uma pequena parte de texto. As obras são

apresentadas sem conterem nenhuma informação escrita, usualmente o nome do autor, o

título, o formato, a técnica e a data de execução. Estas informações poderiam surgir no

diálogo e eram introduzidas a pedido dos alunos e numa altura tida por conveniente pela

professora e moderadora da conversa. O objetivo era evitar trazer para o discurso

informações de outra natureza que não a natureza visual e metafórica da obra de arte

fazendo com que os alunos partissem para a conversa fundamentada apenas na

observação atenta e pormenorizada da pintura.

É evidente que esse caminho não se trilha sozinho e para tal a estratégia delineada

consistia em:

Sessões

S1_Hopper

S2_Magritte

S3_Munch

S4_Matisse

S5_Freud

S6_Telles

Grupo A

S1_A

S2_A

S3_A

S4_A

S5_A

S6_A

Grupo B

S1_B

S2_B

S3_B

S4_B

S5_B

S6_B

Grupo C

S1_C

S2_C

S3_C

S4_C

S5_C

S6_C

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a) promover a oralidade e a partilha em grupo;

b) dispor de um guião subjacente ao estímulo da discussão;

c) estar atento às intervenções individuais e parafraseá-las de quando em quando para

estimular a confiança nas aptidões dos participantes;

d) fornecer apenas as informações requeridas pelos alunos e introduzi-las como reforço

das suas ideias e não antes disso.

A aposta no desenvolvimento da oralidade tem duas justificações: a convicção, de que a

linguagem ajuda a estruturar o pensamento e a perceção de que a construção das ideias se

faz, também, através da integração do ponto de vista dos outros, e nada melhor para o

facilitar do que escutar os seus pares, acomodar as suas ideias ou pelo contrário rebatê-

las. É, neste sentido, fundamental criar um ambiente de segurança propício à descoberta,

onde todos os pontos de vistas são respeitados e onde é dada confiança nas aptidões

individuais de cada um. É pois, com a intenção de validar as opiniões dos participantes,

que as apresentações powerpoint contam com um pequeno texto, constituído por citações

do próprio artista sobre a sua obra ou considerações de estudiosos da sua pintura.

Segundo a nossa opinião, ver as suas ideias confirmadas através das palavras de

especialistas na matéria tem para os alunos um papel estruturante na validação das suas

capacidades e na construção de um caminho face à autonomia.

Na descrição das atividades, pretendemos dar conta do modo como decorreram as várias

sessões, organizadas por pintor e por grupo de alunos participante. Evitaremos nesta

etapa fazer muitas inferências sobre as participações dos alunos e não antecipar a análise

de conteúdo que terá lugar mais adiante depois de devidamente explicados os nossos

procedimentos. Privilegiamos as intervenções iniciais porque, de acordo com Bardin

(2008), as primeiras frases de uma entrevista não directiva têm geralmente uma

importância fundamental e pensamos que podem ter implicações no modo como decorre a

conversa subsequente.

Consideramos importante, na fase da descrição, sentir o tom do discurso dos alunos em

cada grupo e para isso apresentamos uma súmula de cada sessão de onde extraímos as

intervenções que marcam o destino da conversa sobre a obra de arte em discussão.

Reforçamos a intenção de que esta investigação possa ser útil para outros professores e

estamos convictos de que fazer ouvir a fala dos alunos torna mais fácil implementar uma

estratégia semelhante.

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50

Verificámos que o grau de à vontade dos participantes para se exporem perante os outros

era muito diferente especialmente na primeira sessão e era comum que em cada turma o

diálogo tivesse sido mais participado por um pequeno grupo de alunos que manifestam

sempre grande vontade de intervir. No entanto, há sessões ou até momentos dentro de

uma mesma sessão em que o protagonismo de um ou dois alunos é substituído pelo de

outros. E nas últimas aulas, uma aluna que sempre se alheou das discussões teve um papel

muito interventivo. Respeitou-se, sempre a liberdade de cada um querer ou não fazer-se

ouvir, o que não quer dizer que não tentámos criar oportunidade para todos participarem.

Sessão 1 – Edward Hopper

Figura 31 – Morning Sun,1952

Figura 32 – Office in a small city, 1953

Figura 33 – Hotel by a railroad, 1952

Edward Hopper - Grupo A

Uma das alunas, a Maria, pede a palavra e faz a seguinte intervenção:

É um quadro simples, não é assim com muitos pormenores, é mais à base de luzes e sombras,

na parte da parede, a sombra da mulher, por exemplo. No braço é assim pinceladas rápidas

ao contrário, por exemplo, na paisagem da janela já tentou ser mais pormenorizado, acho eu.

De seguida os alunos continuam a abordagem que dá conta dos aspetos formais e atentam

também nos sentimentos e ideias expressas, como diz Bartev:

Eu acho, como a Maria disse, que há grande domínio da luz e da sombra porque a luz reflete-

se na pessoa, mesmo no quarto dá a sensação que está um dia de sol. Não concordo com o que

ela disse da maneira de pintar, uma pintura com pinceladas rápidas apesar de sentir

diferenças entre a parte do quarto e da janela… eu acho que é só isso. Em termos de

sentimento eu acho que a única coisa que posso dizer é desespero e dúvida!

Se formos imaginar parece que ela est| dentro de um… est| dentro de um quarto mas

também podemos imaginar que est| dentro de uma cela. Daquelas prisões antigas…

Quando veem as imagens seguintes procuram os pontos em comum. Diante da segunda

imagem a Maria diz:

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Em termos das cores e de contrastes de luz este quadro é mais iluminado do que o outro. Tem

pouca sombra, é só mais dentro do compartimento que tem sombra e o que tem em comum

com o outro é as linhas, as retas. É mais as linhas.

Quando vê a terceira imagem, Bartev diz:

Acho que aquilo que o pintor tenta representar é as pessoas fechadas dentro de algo. O

primeiro que nós vimos, a mulher estava dentro do quarto, o segundo estava, se calhar, no seu

posto de trabalho mas mesmo assim estava fechado. Agora nós vemos duas pessoas dentro

duma casa e mesmo assim lá fora está fechado não tem quase nada, dá a impressão que ele

quer transmitir em todos os quadros até agora, que as pessoas estejam fechadas dentro de

algo.

Nesta sessão, o diálogo foi muito polarizado entre estes dois alunos. Os outros fazem

pequenas intervenções mas manifestam mais dificuldade em desenvolver as suas opiniões

e demonstram, ainda, falta de confiança em si.

Edward Hopper - Grupo B

É solicitado aos alunos que comecem por descrever a imagem e a primeira intervenção é

da Raquel:

Eu acho que é uma rapariga a olhar pela janela, para mim acho que significa que ela está

triste, a pensar em alguma coisa que lhe pode ter acontecido de mal.

A partir daí, a discussão gira muito em torno dos sentimentos que a obra denota. A

professora chama a atenção para fundamentarem as suas opiniões nos aspetos pictóricos

da obra e o caminho segue momentaneamente pela descrição. A Maria Carolina diz:

Eu acho que ela est| triste por causa … a sensaç~o de que d| ela estar triste é o facto de ela

estar a olhar pela janela e depois como não está a olhar para nós, está a olhar diretamente

para a rua, dá ideia de pensar, acho que é por causa disso que parece que ela está triste.

Os alunos atentam nos elementos representados e detêm-se na comparação entre o espaço

interior e o exterior, relacionando-os com as suas interpretações. A mesma aluna diz:

Eu acho que da parte de dentro tem mais a ver com o sentimento que a senhora está a

transmitir e da parte de fora dá ideia de ser a alegria da vida.

Nessa comparação surgem outros fatores para discussão. O conceito de realidade, segundo

a Raquel:

Acho que é mais real lá fora e irreal cá dentro.

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E a análise formal, segundo a Margarida:

Eu acho que está tudo com as linhas muito retas, só as formas da mulher é que se distinguem.

Eu acho que a intenção é mesmo essa, é para captar mais a atenção para a mulher. Eu acho

que é por causa disso.

Quando perguntam pelo título e tomam conhecimento do mesmo auxiliam-se nele para

prosseguir as interpretações. A Raquel fundamenta da seguinte forma:

O título é “O sol da manh~”, pode ser ela começa mais um dia triste porque lhe aconteceu

alguma coisa ou porque n~o gosta da vida que leva ou pode ser “O sol da manh~” porque é

mais um dia em que ela tem esperança que aconteça alguma coisa de bom.

Aquando da visualização das imagens seguintes, os alunos estabelecem relação entre elas

e referem os elementos comuns, a nível da descrição e da expressão. A seguir, um excerto

das intervenções do Pedro e da Margarida:

Eu acho que ele utiliza quase sempre as mesmas coisas, a janela, a arquitetura, as linhas e a

expressão.

Eu acho que tem muita coisa ligada, é sempre a janela e a luz do dia ali a aparecer também.

A expressão, parece que nunca estão assim muito contentes. O que é diferente é a mulher que

está de frente as outras estavam de lado.

Edward Hopper - Grupo C

Começámos com a indicação para descrever a obra. As primeiras participações foram as

da Beatriz e do Hugo:

Eu vejo uma mulher num estado pensativo.

Esta imagem parece que retrata o sentimento de esperança, isto porque ela tem o olhar

vidrado e os olhos não estão focados em nenhum ponto específico, é um olhar muito abstrato.

Os alunos alternam entre a exploração dos aspetos mais formais e a construção de

narrativas sobre a obra. Esse caminho é exemplificado pelas seguintes intervenções do

Hugo e da Joana:

O outro tipo de luz é, por exemplo, do lado de fora da janela, aquela luz, o contraste entre a

luz e o azul dá a ideia de esperança, de mudança.

A mim não me dá ideia de esperança, dá-me ideia de ações que ela tenha feito e que está a

pensar sobre a vida dela, não me dá ideia de esperança. Parece que está a pensar nas ações da

vida dela.

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Prosseguem com a criação de pontes com outros domínios do seu conhecimento e

estabelecem relações muito claras, como faz o Hugo:

Não sei, também, até que ponto aquela diferença de sombreado entre o negro e a luz

influencia a obra. Faz-me lembrar um símbolo que é yin e yang, o símbolo do equilíbrio.

Na observação das imagens seguintes, procuram pontos comuns e fazem essa ligação mais

do ponto de vista dos elementos representados e das suas características formais. Assim,

temos o Hugo que aquando da segunda imagem diz:

Existe uma semelhança que é a representação de uma só figura humana e também está

dentro de uma divisão.

Na terceira imagem, os alunos conseguem já estabelecer vários níveis de semelhança. A

Raquel e depois o Hugo continuam a análise descritiva:

Também estão dentro de uma divisão.

Semelhanças, outra vez o contraste entre uma cor fria e uma cor quente.

E a Beatriz procura uma relação de sentido:

Semelhanças é que as figuras continuam distantes como na primeira imagem.

Sessão 2 – René Magritte

Figura 34 – La clairvoyance

(autoportrait), 1936

Figura 35 – Les amants, 1928

Figura 36 – La reproduction interdite,

1937

René Magritte - Grupo A

Na primeira intervenção notamos que a aluna faz uma descrição bastante completa que

inclui logo algumas inferências sobre o que é representado e, também, sobre o assunto da

pintura. Esta é a intervenção da Maria:

Acho que a pintura é um autorretrato do pintor. Também tem a ver com a imaginação, de

poder ver para além do objeto que se está a pintar, o pintor supostamente devia pintar um

ovo mas está a pintar um pássaro. Depois, é um quadro muito simples, é um quadro muito

neutro, a única coisa que se destaca ali mais é a cara do pintor por causa da cor e o ovo por

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ser tão branco. Não é um quadro de muitas sombras, é um quadro muito simples. É uma tela,

um cavalete, o pintor e um ovo.

Nesta aula, a Maria tem um papel muito ativo e é ela que marca a passagem para

diferentes ordens de questões. Por exemplo, a questão do realismo e da intenção do

pintor:

Por exemplo, o pássaro a comparar com a pessoa. Acho que o pintor quando fez isso queria

ver as diferenças duma pintura e da realidade. Os detalhes do homem e os detalhes do pássaro

são muito diferentes, vê-se que o pássaro é uma pintura e o homem é mais um retrato, parece

ser mais realista, para se ver a diferença da pintura e do homem. O homem tem mais detalhes.

A aula continua com a atenção dada aos aspetos formais e há um aumento da precisão na

linguagem. Nesse sentido, temos a Maria:

É simples, não tem muitos detalhes, por exemplo outros quadros anteriores que nós vimos,

tinham muitos detalhes as ervas e isso tudo, isso não é um quadro simples porque tem muitas

coisinhas. Agora, por exemplo, a mesa, é uma coisa simples, a parte de cima é uma cor mais

clara, a lateral direita é mais escura e a parte frontal é mais escura que a de cima e mais

clara que a outra. É um quadro à volta de sombras, mas simples. Não tem muitos detalhes.

Os alunos defendem diferentes interpretações e fundamentam a sua opinião. O Bartev

discorda da colega:

Para mim não é um autorretrato. Se fosse um autorretrato não ia estar tão elegante, de fato e

com o cabelo assim tão detalhado. Olho para aquela pessoa e posso dizer que está vestido

para ir a uma festa ou um momento marcante. Pela maneira como ele agarra os objetos de

pintura eu dizia, de um lado tem um toque de pintor e de outro tem um toque de um homem

arrogante e convencido, falso. A cara como está representada, para mim não é um

autorretrato.

Eu acho que, no geral, esta obra quer representar duas pessoas numa. Uma pessoa com

habilidade de pintar muito, com imaginação e a outra que é desligada de pintura.

Quando têm conhecimento do título A perspicácia, baseiam-se nele para prosseguir a sua

interpretação. A Maria estabelece, também, relação com as suas experiências de aluna que

gosta de desenhar:

Eu acho que esse título tem a ver com o facto de normalmente quando nós estamos a retratar

uma coisa nós não estamos a desenhar ao mesmo tempo que estamos a olhar para a coisa,

convém olhar e depois desenhar. Ele, ali, está a olhar e a pintar ao mesmo tempo. Depois, a

maneira como segura na tela e a maneira como est| sentado… est| muito direitinho! Eu, por

exemplo, não pinto assim, não me dá jeito nenhum! E, o fato! Pintar todo engravatado não dá

jeito! Incomoda a maneira como está vestido!

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A segunda imagem suscita a participação de alunos que até então estavam mais calados.

Como é o caso do Ruben:

O que mais me chamou a atenção neste retrato é que uma das personagens do quadro está

outra vez todo engravatado, não sei se era uma coisa da altura. A pintura é muito escura, só o

céu é mais clarinho. Também acho que é um homem e uma mulher pela forma de vestir.

Esta imagem, talvez pela sua natureza misteriosa leva os alunos a participarem de forma

entusiasta. A Maria relaciona-a com uma expressão popular e o Bartev tem outra opinião:

Eu acho que este quadro em termos de tema tem a ver com o amor. Porque são duas pessoas e

acho que a razão de eles terem as caras tapadas tem a ver com aquela expressão para dizer

que o amor não escolhe, é cego!

Eu concordo em relação ao sentimento de paixão que transmite. Acrescento outra coisa, dá a

sensação de que vão ser estrangulados, parece que estão postos sacos em cima e atados no

pescoço, dá a sensação que não tem ar lá dentro.

Na terceira imagem o debate continua a alargar-se e há novas participações. Como a

Flávia:

A mim o quadro transmite-me uma forma de lidar com a morte. Quando uma pessoa morre

ou quando desaparece do universo a primeira reação que nós temos é virar a cara.

Virar as costas ao mundo. Temos a tentação de ir ao nosso interior, de mostrar o que nós

sentimos só a nós próprios.

René Magritte - Grupo B

O grupo começa a sessão com a participação voluntária de uma aluna que logo pediu a

palavra. Aqui está o que diz a Margarida:

Eu acho que para onde olho primeiro é para o homem que está a pintar. As formas estão bem

definidas, as linhas, tem pormenores e acho que as cores estão é um bocadinho mortas. Não

há cores muito vivas.

Há uma participação bastante divida pelos alunos da turma. Muitos mostram vontade de

falar e expressam diferentes pontos de vista. Assim temos o Pedro e a Dayita:

Para onde eu olhei primeiro foi para o ovo na mesa. Pois eu penso que a cor da toalha está a

contrabalançar todas as outras cores do quadro.

Também reparei num pormenor, é que na paleta ele só tem cores claras e no quadro só tem

cores mais escuras.

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Eu não concordo com o Pedro, eu acho que quando eu olhei, primeiro, logo vi o homem e o

pássaro. Porque o pássaro é escuro enquanto a tela é branca e reparei mais no homem porque

tem a pele assim um bocado amarelada e está vestido de preto, uma cor escura que dá

contraste.

A discussão orienta-se para a análise formal que é desenvolvida durante muito tempo e os

alunos confrontam as várias opiniões baseando-as imediatamente nos factos visíveis no

quadro. O facto de os alunos ouvirem as opiniões uns dos outros leva a que as mudanças

de ponto de vista se sucedam mais facilmente. Isso pode ser exemplificado na intervenção

da Maria Carolina:

Eu acho que vou contrariar o que disse há bocado mas eu acho as duas coisas, eu acho que o

homem está a olhar para o ovo e a imaginar como é que o pássaro vai ser mas também

parece que ele está completamente distante do que está a fazer. Se ele estivesse a olhar para o

ovo os olhos tinham que estar numa direção mais para baixo e ele está a olhar muito na

horizontal, ele pode ter um campo de visão um bocado grande ou não ter campo de visão

quase nenhum e estar concentrado nalguma coisa lá fora. Parece-me que a luz vem do lado do

ovo, do lado esquerdo, se calhar ele está a olhar lá para fora mas não sei porque é que ele está

a desenhar um pássaro, pode estar a ver um pássaro ou assim.

A segunda imagem, também neste grupo, leva a uma participação mais entusiasmada. Há

várias abordagens quanto à interpretação e tentam fazer uma comparação com a imagem

anterior sabendo que são obras do mesmo pintor. A Carolina faz a sua interpretação do

quadro e da intenção do pintor:

A primeira coisa que este quadro me transmitiu foi mesmo tristeza. Acho que um pintor que

pinta pessoas não vai tapar o rosto se elas estiverem realmente contentes. Só vai tapar o rosto

se elas estiverem com pensamentos maus. A roupa da mulher chama mais atenção, as cores

são parecidas com as do outro quadro. Na cor vê-se bem que é do mesmo pintor. Se formos

observar os contornos já não estão tão definidos.

As interpretações passam pela procura do sentimento expresso e pela relação com

contextos culturais. Nesse sentido, temos as ideias da Maria Carolina e da Raquel:

A primeira coisa que eu senti quando olhei para o quadro foi isolamento. Eles estavam

isolados do resto do mundo, ou pode ter acontecido algum sequestro. Eu concordo com a

Soraia quando ela diz que este quadro é triste e que eles queriam estar longe do resto da

comunidade. (…) Por causa dos rostos tapados. Os rostos tapados dão muita expressividade

ao quadro.

Quando olhei, fez-me pensar duas coisas, ou tristeza ou igualdade. Porque há países em que as

mulheres andam tapadas, não é? Este quadro pode querer dizer que o pintor pensa que se elas

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andam tapadas, porque não os homens? Porque é que as mulheres são menos do que os

homens? Pode ser isso ou pode ser tristeza.

Tivemos pouco tempo para a última imagem porque a conversa se alongou até lá

chegarmos. A estranheza dessa pintura foi explicada da seguinte forma pela Maria

Carolina e pela Raquel:

Eu acho que o homem tem vergonha de ser quem é. Para se mostrar ao mundo ele quis fazê-lo

com um reflexo um bocado estranho e com este quadro consegue perfeitamente mostrar ao

mundo que não gosta dele próprio.

Eu acho que ou o senhor tem vergonha da cara dele ou o pintor fez isto porque resolveu não

identificar o rosto dele mas com o livro ali mostra que ele é escritor. Mas resolveu não

mostrar a cara.

René Magritte - Grupo C

Neste grupo, um dos alunos, o Nelson, quis começar a falar.

Para mim, esta imagem representa vida. Em termos de linhas, acho que tem mais linhas

horizontais do que verticais.

Por causa do ovo. E o pintor em vez do pintar o ovo em si, usou a sua imaginação e pintou o

ser que pode estar lá dentro e desenhou um pássaro.

Nesta turma, em comparação com as outras, não foi fácil o fluir da conversa e a mediação

da professora para estimular a discussão foi maior. As intervenções dos alunos eram, regra

geral, mais curtas e menos elaboradas. Não houve um rumo claro na sequência de

testemunhos. Assim, os alunos oscilaram entre a análise formal e a discussão sobre o tema

da pintura. A esse respeito, o Tiago e a Raquel dizem:

Eu acho que é a esperança, como ele quer que seja, porque parece que o pássaro é muito

perfeito se calhar nem vai ser um pássaro, vai ser uma galinha. É a esperança do que ele quer

que seja, por exemplo como as grávidas e os filhos. Há grávidas que chegam a desenhar os

filhos, como querem que sejam, eu já vi!

É a liberdade, o pássaro significa liberdade para ele. (…) Do pássaro e da expressão do

homem, parece que acabou de sair de um mundo um bocado fechado e que agora está a

tentar recuperar e o pássaro é o elemento desse pensamento dele, foi o que lhe surgiu.

Como acontece com as outras turmas há referências ao que os alunos tomam como

intenção do pintor. Nesse sentido, temos a observação do Hugo:

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É um bocado geométrica porque as formas estão muito definidas. Aquilo que o Tiago disse

que a imagem não tinha fundo é porque o pintor queria chamar a atenção para aquilo que

está no primeiro plano, se desenhasse qualquer coisa atrás desviava a nossa atenção.

A segunda imagem suscitou maior interesse e foi objeto de interpretações muito diversas.

Alguns alunos partilham a ligação a referências de contexto histórico e cultural como o

William e o Tiago:

Esta imagem parece que eles foram condenados à morte injustamente. Estão com a cara

tapada, não podem mais viver, vão morrer já a seguir. Estão prontos para ser mortos.

Eu acho que é devido à sua religião, como disse que é da década de 40 ou 50, foi mais ou

menos a 2ª Guerra Mundial, o que quer dizer que estavam a esconder a sua religião.

– Ent~o, seriam…

….judeus ou assim.

Ainda antes de darmos a indicação do título “Os amantes”, um aluno vai por um caminho

diferente, o Hugo diz:

Agora vou puxar mais para uma |rea… um amor proibido.

Depois de confirmarmos a ideia com a indicação do título, o mesmo aluno continua e

outros desenvolvem essa interpretação, como a Joana:

Um amor proibido, porque eles estão a tapar a sua cara porque acho que a sociedade em

redor não precisa de saber o que é que eles sentem um pelo outro.

Eu acho que eles têm a cara tapada porque não interessa mesmo quem é que eles são. Eu, a

primeira coisa que vi quando olhei para a imagem foi que não interessa quem eles são, eles

têm a cara tapada, pronto! Sabe-se que é um homem e uma mulher mas não interessa saber

mesmo quem é. Não interessa ter uma identidade certa. Interessa é mesmo a vida deles, a

professora falou do título e o Hugo falou de um amor proibido, interessa terem-se um ao

outro, não a cara deles. Foi por aí que eu fui mais.

Na última imagem tecem, rapidamente, várias interpretações e dividem-se por duas ideias,

exemplificadas pelos testemunhos do Hugo e do Tiago:

Um título para esta imagem “Dupla Personalidade”.

Devido ao preto da camisola dele e devido a não mostrar a cara quer dizer que parece que

tem vergonha de alguma coisa que fez.

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Sessão 3 – Edvard Munch

Figura 37 – Melancolia, 1895

Figura 38 – Cinzas, 1894

Figura 39 – Separação, 1896

Edvard Munch - Grupo A

Nesta sessão, a Maria começou por intervir:

A primeira coisa que olhamos é o homem que dá um sentimento de dúvida. Mas depois

quando se olha com mais atenção, lá ao fundo ao pé do barco, tem um casal, em que aparece

uma mulher vestida de branco e um homem, acabaram de se casar ou assim e isso dá um

sentimento de tristeza. Pensa-se que o homem, se calhar, podia estar a pensar que podia estar

no lugar do homem lá ao fundo, dá uns sentimentos tristes. Em termos da pintura o quadro

não é com muitos pormenores, ele só quis dar mais atenção ao homem próximo de nós e entre

o mar e o casal lá ao fundo, porque, por exemplo, entre o homem aqui próximo e o mar é meio

abstrato, não se percebe bem o que está ali, parece rochas como parece areia.

Por isso acho que o pintor só quis dar mais atenção ao homem e ao casal e, em termos de

expressão, vê-se que o homem est| meio triste devido… para onde est| direcionado o olhar.

A aula continuou com várias intervenções da mesma aluna que se focou essencialmente

numa análise formal da obra. Outro aluno junta-se ao diálogo e atenta na expressividade

da pintura. Sobre isso, o Bartev diz:

Não sei, dá-me a sensação que, ao mesmo tempo que transmite a sensação de solidão,

transmite a sensação de fantasia, da maneira como está representado. E ilusão, se formos

pensar como vemos miragens e isso, dá a sensação que está destorcida, a dançar, a bailar.

Eu dizia que a pessoa que está representada está no mundo real e o resto à volta se calhar é

imaginação dele. Se calhar é imaginação, é o que ele está a pensar, por isso é que fizeram isso.

Após saberem que o título é Melancolia discorrem sobre a concordância com a obra.

Temos as opiniões do Ruben e do Bartev:

Eu esperava isso, porque sempre imaginamos a praia como… as pessoas costumam ir à praia

sozinhas quando estão muito tristes. E eu esperava isso porque ele vê-se pela cara que está

muito pensativo, muito triste, acho que é só isso…

Eu acho que o título condiz bem com a obra, porque como a Maria disse, aquilo que nós

pensamos, imaginação e isso é um bocadinho abstrato mas também não devemos exagerar

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demasiado porque aquilo que nós imaginamos existe no mundo, aquilo que nós queremos

imaginar tem que ser aquilo que nós… como hei de explicar? Aquilo que nós sentimos, aquilo

que nós vemos no dia-a-dia.

Quando veem a segunda imagem, mais alunos até então com uma participação reduzida

mostram vontade de intervir. É o caso da Flávia que começa por identificar as emoções

que o quadro lhe transmite e estabelece uma ligação à vida do pintor:

Dá a sensação de desespero, de medo, penso que a pessoa sente-se aprisionada por uma

pessoa que é obcecada…

Parece que o cabelo dá a sensação de raiz, e que dá terra à mulher. Eu acho que o pintor quis

passar para a tela a sua frustração, o medo que ele sentia e que de certo modo a mulher era

uma forma de o ajudar.

Dá a sensação que o pintor, na vida dele deve ter uma frustração que tenta passar, e a mulher

eu acho que é uma forma de o ajudar.

Com a terceira imagem, o discurso dos alunos torna-se mais fluente e não há grande

necessidade de a professora intervir, a não ser para pedir para concretizarem as suas

observações. O Bartev volta a ter uma participação muito ativa:

Se excluirmos o homem que está ali, dá-me a sensação que é uma pintura abstrata, apesar

daquela parte branca representar uma mulher ou uma alma, assim qualquer coisa, mas com

o homem ao lado, dá a sensação que perdeu alguém.

Sim, está apoiado sobre o coração. Dá mesmo a sensação que perdeu alguém e essa pessoa

está a sair, não sei se aquilo é um caminho ou à beira do mar. Dá a sensação que levanta e

começa a ir com o vento, é isso.

– Porque é que dizes que será a mulher ou a mãe?

A primeira coisa que me vem à cabeça e também que mais associava à pessoa, porque é uma

pessoa… Se perdesse a minha m~e é claro que… A minha m~e é… é a minha vida, posso dizer

isso.

Outras colegas continuam a interpretação e a partir da temática da pintura fazem

inferências para a vida do pintor (que curiosamente se verificam, uma vez que Munch

perdeu a sua mãe aos cinco anos e mais tarde vê-se afastado de duas irmãs, uma por morte

e outra por internamento). A primeira observação é da Maria e a segunda da Flávia:

Acho que este quadro representa a solidão porque, parece a realidade e o além. Do género, o

homem parece que perdeu a mulher e os filhos, eu digo os filhos porque em baixo, aquilo

vermelho, à primeira vista é uma planta, mas no entanto a mim parecem três crianças. Parece

que o homem está encostado à árvore com desejo de morrer, com a mão no coração porque

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perdeu alguém, alguém que lhe era importante, a mulher porque aquilo parece a alma da

mulher, não tem cara não tem nada, é um vestido longo, e que parece que está a partir, que

está a ir embora, enquanto os filhos já não, os filhos estão ao pé do pai, parece que o estão a

consolar antes de partirem com a mãe.

Acho que o pintor perdeu alguém.

Edvard Munch - Grupo B

Nesta turma, a Raquel quis começar por descrever a pintura:

Acho que aquela parte é o mar. Só que não consigo perceber o que é isto aqui ao pé do

homem… Aquilo parece-me areia da praia, não é? O monte ali atrás tem uma casa, está ali um

barco no mar, depois, aquilo que está ali, parece uma pessoa, não consigo perceber muito

bem… Depois o homem parece que está com uma cara triste, está ali sozinho.

Depois a conversa passa por aspectos da forma e da cor mas detém-se mais na elaboração

de pequenas narrativas, como no caso da Margarida:

Acho que o homem está um bocadinho aborrecido. Parece que está a pensar nos problemas

por causa de como tem o olhar, parece triste, também parece que pode estar à espera de

alguém e já está ali há muito tempo. As formas não são muito definidas, as cores estão todas

misturadas.

A observação evolui para a análise da relação da figura humana com o ambiente que a

rodeia e extraem daí significados. A Maria Carolina desenvolve essa ideia:

Acho que a relação do homem com a paisagem nos ajuda a realçar mais pelo ambiente do

quadro. O facto de ser de tarde ou de manhã, de ser na praia e a praia estar praticamente

deserta, o facto de o mar estar calmo, ajuda a pensar o que o homem está a pensar, ajuda a

realçar esse sentimento.

O facto de a praia estar assim calma, parece sereno, e quando a gente está a pensar as coisas

são todas serenas! Agora, há pessoas que pensam com a música aos berros, não é? Mas há

outras que não. Mas procuramos sempre isolar-nos para pensar, e isso ajuda a realçar aquele

sentimento.

Depois de saberem que o título do quadro é Melancolia, a Maria Carolina e a Raquel

dizem:

Isso significa que o pintor conseguiu transmitir o que queria transmitir ao pintar o quadro.

Eu acho que é um bom quadro porque o pintor conseguiu transmitir, porque nós, quase todos,

dissemos que transmitia um sentimento de solidão, tristeza e o título tem mais ou menos a ver

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com isso. Acho que é um bom quadro porque o pintor conseguiu transmitir a ideia que queria

e acho que também utilizou bem as cores. Conseguiu também transmitir uma ideia no céu,

ideia de tempo, se é de manhã ou de tarde, acho que sim.

Ainda, relativamente ao juízo sobre o quadro temos a opinião da Margarida:

Eu gosto do quadro porque, como a Raquel disse, o pintor conseguiu transmitir bem a ideia,

porque conjugou bem a figura com a paisagem, as duas coisas conseguem mostrar bem o que

ele quer, o sentimento de melancolia. Eu gosto também da forma como ele pintou, acho que as

cores, apesar de assim misturadas, acho que estão bem definidas, transmitem uma imagem

mais colorida, mais ou menos… não é colorida é diferente e original!

Quando veem a segunda imagem há várias intervenções espontâneas dos alunos. Estas

dividem-se entre a identificação dos meios pictóricos utilizados e a construção de

pequenas narrativas. Alguns alunos tentam relacionar os dois aspetos, assim temos a

Maria Carolina e a Carolina:

Eu acho que o que faz parecer que a senhora está desesperada é a paisagem, ser uma floresta,

podem estar perdidos, podem estar desesperados ou pode ter discutido com o senhor, pode ser

marido dela ou irmão ou qualquer coisa. O ela estar na floresta e o facto de ela estar

agarrada ao cabelo ou à cabeça, de braço no ar e o senhor estar ali parece que está a chorar e

ela em vez de chorar grita.

Concordo com a Carolina, acho que também o que dá uma espécie de ligação entre a mulher e

a floresta é o cabelo.

Depois, temos a comparação com a obra anterior e a tentativa de síntese, pelas palavras da

Carolina:

A principal semelhança entre os quadros e acho que a principal característica do pintor é a

expressão dos sentimentos.

– A expressão dos sentimentos. Através das pessoas?

Das pessoas e da paisagem também.

Diante da terceira imagem, há várias intervenções que concordam na ideia transmitida.

Assim temos a Dayita e a Margarida:

Isto a mim transmite-me também a morte porque a mulher parece um fantasma e o homem

parece já estar morto. E por aquilo que eu acho o homem morreu por causa do coração.

Eu acho que este quadro está ligado com a ideia do anterior, com a morte, mais pelo homem,

que está agarrado ao coração e também por causa das cores, são escuras, faz a ideia da

morte e também parecem os dois fantasmas, ela mais, porque não se notam as formas e ele

por causa das cores.

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Antes de terem conhecimento do título Separação, o Pedro interpreta o assunto como:

Desgosto amoroso, despedida, por exemplo, a mulher está a ir embora e ele com o coração

despedaçado. Aquilo para mim representa um caminho que o casal percorreu e depois acabou

ali.

Edvard Munch - Grupo C

Nesta sessão, a Beatriz começou por intervir:

Vejo uma praia, um homem sentado nas rochas, duas pessoas ao fundo, uma espécie de canoa.

Depois ali atrás tem uma casa, um tipo de campo ali, lá ao fundo do lado direito e depois o

mar e mais nada.

Depois o Hugo quis participar. Durante toda a aula, mas especialmente durante a parte em

que a discussão foi centrada na primeira imagem, o aluno foi muito mais interventivo do

que os restantes colegas demonstrando sempre vontade de participar e de acrescentar

testemunhos ao debate. Assim o nome dele será referido várias vezes. Foi com esta

intervenção que o Hugo começou:

É o seguinte, essa parte do mar e da areia está um bocado desfocado e leva a pensar que é um

género de sonho e pensamento e que não é real, é um bocado a fugir para o abstrato. E, como

a Beatriz disse, o homem está no primeiro plano, tem uma cara muito pensativa, e também

aquelas duas pessoas lá ao fundo pode ser fruto do seu pensamento ou estar a acontecer na

realidade, mas aquele barco ali é representativo do que ele vai perder, neste caso, o seu amor.

-Como é que tu associas o barco a isso?

Porque… parece um género de fugida, qualquer coisa, um barco transmite um bocado de

distância.

O Hugo continua traçando uma narrativa e estabelecendo associações:

É o seguinte, o ar dele transmite pensamento e parece que se está a focar em algo passado,

que já aconteceu, eu acho que esse passado que já aconteceu está relacionado com aquela

figura, e acho que ela lhe deu esperanças de algo, mas depois, não sei o que houve ali pelo

meio, que pôs este homem no sofrimento, e foi com outro.

Está a olhar em frente, como se estivesse a olhar para um futuro, e a deixar para trás a

m|goa.(…) ali o mar faz lembrar coisas futuras e aquela parte de terra escura faz lembrar

coisas passadas, más.

Quando solicitados a comparar a pintura atual com a da aula anterior [Magritte], o Hugo

diz:

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Esta pintura não está bem definida, tirando ali aquela linha do horizonte, as linhas parece

que se misturam e esta parte aqui da rocha, parece ser o género de um esboço. Eu acho que o

pintor não se focou a desenhar o ambiente em redor, tornou-o indefinido e a única coisa que

existe definida para além da linha do horizonte que é para chamar a atenção daquelas duas

pessoas é, a roupa do homem, é a cabeça do homem.

Em termos de expressão, o Hugo e a Beatriz concordam na ideia de calma e silêncio e a

Beatriz explica a sua interpretação:

O mar é o elemento que transmite mais isso.

Quando veem a segunda imagem, mais alunos até então com uma participação reduzida

mostram vontade de intervir. As suas intervenções relacionam-se com a identificação de

emoções que se desprendem da pintura, como a Joana:

Arrepiante! Perturba um bocado.

E estendem-se a outros alunos quando sabem que o título é Cinzas. O Daniel refere:

Uma relação destruída, não?

Diante da terceira imagem, os alunos começam por fazer interpretações. Temos o exemplo

do Hugo:

Uma alma, aquela coisa branca faz-me lembrar uma alma. E parece que o homem está a

sofrer, parece que o coração dele está a arder.

Algo apoderou-se dele, acho que esse algo que se apoderou dele tem a ver com aquela alma

que está ao lado. Acho que, por exemplo, não sei se ele sofreu alguma coisa, mas deve ter

sofrido, e acho que ele tem vários sentimentos e está a tentar evitar que o sentimento da raiva

sobressaia. Ou então, por exemplo, ele também pode estar a lutar entre as ideias do

pensamento e as ideias do coração.

Outro aluno faz a comparação com as obras anteriores. O Bartev diz:

Professora, esta imagem parece ser muito a continuação da primeira e da segunda que vimos.

A Beatriz continua as comparações e observa:

As mulheres estão sempre representadas de branco e os homens de negro.

Depois de terem conhecimento do título Separação, tentam explicá-lo através da

observação da pintura. Assim, temos a intervenção do Hugo:

É o seguinte, a separaç~o também est| ali, o caminho do vestido dela, n~o se toca com…

aquela parte verde. E quanto ao tipo de separação, acho que é do género de uma ilusão e o

sonho acabou, caíram na realidade.

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Sessão 4 – Henri Matisse

Figura 40 – La chambre rouge, 1908

Figura 41 – Conversation, 1908-1912

Figura 42 – Nature morte à la dormeuse,

1940

Henri Matisse - Grupo A

Um dos alunos, o Pedro, quis começar com descrição da pintura:

Vejo ali um fundo vermelho, ali aquela senhora, aquilo parece-me ser frutas, está ali um

quadro… acho que é um quadro ou uma janela. Uma cadeira ali, ali uns vasos.

De seguida, os alunos detêm-se na observação da cor e dos elementos da composição. A

essa análise aliam o que pensam ser a intenção do pintor. Estas são as palavras da Maria:

Acho que o pintor neste quadro não quis dar muita atenção ao pormenor, podemos, por

exemplo, ver isso na decoração da parede e da toalha porque a cor da parede e da toalha é

igual, por isso, não são coisas que ele achasse importante. O que ele achou mais importante foi

a decoração da mesa, em termos das frutas e a mulher. Depois, também digo que não quis dar

atenção a muitos pormenores, por exemplo, ali, no canto superior esquerdo pode ser uma

janela, mas também pode ser um quadro, porque ele não põe vidros, não põe nada, outro

aspeto que ele não achou importante. O que ele achou mais importante foi o facto de a mulher

estar arrumar a mesa, as coisas estão todas espalhadas e ela está a arrumar. Em termos de

cor, o pintor só usou as cores mais vivas para a fruta e para a mulher, logo, o que é mais

importante para ele. Acho que o vermelho não chama muito a atenção, o pintor não se

interessou por isso, ele simplesmente pintou o fundo todo de vermelho, depois fez a mesa, os

pormenores azuis da toalha e isso.

Outros alunos avançam para a identificação do assunto e sublinham o facto de representar

a vida de outros tempos. Nesse registo temos a Flávia:

Eu concordo com a Susana porque a mulher transmite que é uma governanta daquelas mais

antigas, parece que ela se dedicava aos patrões, que era a única empregada lá naquela casa e

que fazia tudo. Era a governanta, a amiga, parece que… transformou-se num móvel da casa.

Que ela é o essencial.

A nível da expressão não houve muitas referências. Na opinião da Maria, aquilo que

transmite é:

Simplicidade só.

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Quando estão diante da segunda imagem, os alunos ajuízam sobre o seu gosto. Estas são as

palavras da Flávia e da Raquel:

Considero um bom quadro, é bonito, eu gosto. Transmite simplicidade e harmonia entre o

homem e a mulher.

Gostei do quadro, até nem é assim t~o mau… tirando a parte da parede ser toda azul, a

cadeira ser azul. Uma pessoa quando est| a olhar para isso … a mulher est| sentada no ar,

não se vê a cadeira.

Outra aluna, a Maria, estabelece relação com a imagem anterior e diz:

Temos aquilo que tínhamos no outro quadro. Só se interessou por fazer o essencial, o que ele

queria, o resto é à parte.

Quando veem a terceira imagem, continuam a fazer ligações com o que viram antes. A

Maria diz:

… eu acho que ele aqui pretende mais com as pessoas do que o resto à volta porque aqui a

mulher está a sonhar.

– Porque é que tu dizes que está a sonhar?

Por causa do que está a volta. Devido à técnica, est|… muito solto, por exemplo, ali est| o vaso

mas as plantas estão para o lado, na parte superior esquerda. Eu acho que com essa técnica

diferente ele conseguiu representar exatamente isso, o sonho, a fantasia, porque as flores

estão coladas à parede ou a voar ou assim.

Henri Matisse - Grupo B

Uma das alunas, a Maria Carolina, quis começar com a descrição:

Acho que este quadro tem uma cor muito berrante mas depois, mesmo por detrás dessa cor

berrante, há outros sentimentos que vêm detrás, aquelas flores murchas. Portanto, logo ao

princípio parece que é um quadro alegre, não é? Feio mas alegre, mas depois se observarmos

melhor, vimos as flores murchas e já parece ser triste.

Outras alunas continuam com referências à identificação dos elementos e à cor. Temos os

exemplos da Carolina e da Raquel:

Acho que este quadro n~o é… os objetos n~o s~o proporcionais uns com os outros. Depois,

apela muito à imaginação, acho que isto é tudo menos real. Aquilo lá fora, acho que vai

contrariar tudo o que está cá dentro, são outros estilos de cores. Cá dentro são cores mais

alegres a de lá fora já está tudo mais triste.

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Eu acho que até é um quadro muito vivo, com muita cor e também concordo com a Carolina

no que ela disse de as cores de dentro são muito diferentes d as de fora, mas não concordo que

as cores de fora sejam muito tristes porque depois temos ali o céu que é muito azul e a casa

também é cor-de-rosa. Cá dentro há muito cor-de-rosa, muito choque, lá fora, há mais o verde

e o azul. Acho que o que também sobressai um bocado cá dentro é a mulher porque está numa

camisola azul num fundo cor-de-rosa e o cabelo dela também, e esta cadeira, deste lado aqui

também sobressai. Depois a mesa não se percebe muito bem onde acaba a toalha da mesa

porque é da cor da parede e também acho um bocado estranho porque ela está a pôr frutas

separadas em cima da mesa é um bocado estranho.

No que se refere à expressão, os alunos divergem e apresentamos primeiro os

testemunhos da Dayita e da Carolina e depois o da Raquel.

E depois, da primeira vez que olho para o quadro parece de muita alegria mas se formos a ver

com mais pormenores eu acho que a cara da mulher tem um bocado de um ar mais triste e, a

comparar com a parte de dentro a parte de fora é mais triste.(…) N~o sei, é também por causa

do céu, é uma cor viva, não digo que não mas dá um ar mais triste, eu acho que é a mistura de

dois sentimentos.

Então, aqui os roxos tristeza e os amarelos e as frutas mais alegria, mais ânimo.

Eu acho que este quadro é alegre porque para mim as flores roxas não transmitem muita

tristeza porque como estão em menor quantidade do que o rosa e as cores mais vivas, acho

que não transmite assim muita tristeza. E acho que é um quadro alegre que transmite alegria

e vivacidade porque as cores est~o muito vivas. E l| fora, também, o azul… o verde até pode

não ser uma cor muito alegre mas depois como tem o azul lá atrás acho que parece que está

um bom dia e isso assim.

Quando passamos para a segunda imagem, os alunos, de imediato, começam a fazer

comparações. Aqui temos as palavras da Raquel e da Margarida:

Eu acho que este quadro vê-se mesmo que é do mesmo pintor por causa de uma coisa, quero

dizer, eu não vi muitos, ainda, mas a cadeira, a cadeira é igual à mesa do outro quadro, não se

percebe bem onde acaba, é como o outro, este é azul o outro é rosa mas é a mesma coisa. Eu

gosto mais deste quadro do que do outro, gosto mais deste. Eu gosto muito é da parte de fora,

acho que a árvore é diferente das outras que ele desenhou, está diferente das outras, está mais

gira. E depois ali atrás também onde está cor-de-rosa e cor de laranja parece um edifício. Cá

dentro é um bocadinho estranho porque só se vê a cadeira o homem e a mulher depois aqui

não se vê onde acaba o chão, nem onde começa a parede, não tem nada na parede.

Ao contrário da outra pintura, eu não acho isto assim tão harmonioso por causa das cores e

por causa… a mulher parece que est| ali há algum tempo a apreciar a paisagem parece que o

homem acabou de acordar e parece-me que est| de pijama, acabou de acordar… parece que

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estão ali a falar mas não parecem muito contentes, a expressão da cara. Mas a pintura não

me parece tão harmoniosa como a outra.

Diante da terceira imagem, os alunos continuam a estabelecer relações tendo em conta os

aspetos formais e emitem juízos de gosto. Temos, como exemplo, as opiniões da Maria

Carolina e da Margarida.

Ainda assim, consegue ser o mais bonito deles todos, mas é feio na mesma. Acho que agora

algumas coisas já têm volume, aquele pote, a mesa, o outro pote, o cabelo dela, acho que essas

coisas já têm volume mas continua a haver muitos recortes, continua a ter uma cadeira e

continua a ter umas cores um bocado fora da realidade, as plantas não, não é? Mas a mesa,

uma mesa roxa não é muito comum ver-se, o fato da mulher não é muito comum, aqui usa

poucas linhas retas, vê-se mesmo que é à mão, que não usou qualquer tipo de aparelho ou

material para desenhar, gosto daquele pote ali, é parecido com o da minha avó… a sério! E

estas plantas parecem-me exageradamente grandes! Este senhor tem capacidade para

exagerar!

Eu não gosto das outras duas imagens mas gosto desta, por causa das cores, acho que já gosto

mais de destas, parece que já não são tão pesadas, a que mais se destaca é a roxa, a mesa que

é roxa. As formas também não são muito definidas, mas acho que percebe-se melhor e a

mulher eu acho que se percebe, acho que parece que ela esteve a trabalhar, que o que ela tem

na mão parece aquelas coisas de limpar o pó, parece que ela esteve a trabalhar e agora está a

descansar, ali na mesa, está sentada e adormeceu.

Henri Matisse - Grupo C

Nesta aula, esteve houve alterações ao grupo porque esteve presente o aluno Bartev do

9ºA que faltou à sua aula mas quis continuar a atividade. Verificámos que a sua presença

alterou a dinâmica do grupo. Talvez porque era um elemento muito ativo, outros alunos do

grupo A original, habitualmente participativos, tiveram uma prestação mais reduzida,

como foi claramente o caso da Beatriz.

A primeira intervenção foi da Paula que começou com a descrição:

Então, é uma mulher a pôr fruta numa mesa, uma sala assim toda pintada, toda decorada ao

lado de uma janela. Aquilo parece ser campo lá fora. Acho que a base é cores quentes, depois

tem ali algumas frias no que toca à janela. (…) Quase n~o se nota profundidade, pelo menos

ali a mesa, quase que nem se nota a mesa.

Em seguida, vários alunos se juntam à atividade de descrição focando-se nos aspetos da

cor e da linha o que leva rapidamente às considerações sobre a técnica. Como exemplos

temos as intervenções do William e do Tiago:

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Parece que foi pintado a guache.

Eu acho que as figuras são mesmo planas, parece que estão lá só estampadas, tipo

autocolante, são mesmo planas, por isso é que não tem profundidade o desenho.

Quanto aos sentimentos que referem, agrupam-se tendencialmente em duas classificações

como exemplificam primeiro o Hugo e depois o Bartev, que integra a sua interpretação

numa narrativa a partir da obra.

A expressão dela. Tem tristeza e está ali uma cadeira vaga.

Eu dizia mais a solidão. O que está representado para mim é mais a solidão. Tem ali uma

cadeira sem ninguém, mas também concordo com uma coisa que o Hugo disse, que está à

espera de alguém e esse alguém, eu acho que simboliza o que pintor quis representar em

termos da árvore que está na parede. Eu acho que ela está à espera de alguém, de uma pessoa

significativa da vida dela. Eu acho que se calhar está á espera do filho ou mesmo do marido,

mas também temos a sensação que perdeu alguém, tem aquele ar deprimente, parece que já

perdeu a sua vida, já não tem significado.

O uso dado à cor leva o Tiago à comparação com a noção de realidade:

Eu não gosto e parece que não é real! Porque é tudo muito da mesma cor. (…) A realidade tem

várias cores.

Por ser tudo da mesma cor é que me faz confusão. Nada na natureza é assim, tem sempre

duas cores pelo menos. (…) Aquilo é tudo vermelho, faz confusão.

Estas intervenções levam a que outro aluno, o Hugo, volte ao conceito de profundidade:

Aquilo que acho que todos estavam a dizer que parecia estampado é porque não há sombras.

Parece plano, estampado.

– Porque é que não haverá sombras? Porque o pintor não sabia fazê-las?

Não. Sabia fazê-las mas não fez propositadamente porque se ele fizesse as sombras ia distrair

dos elementos principais, ia expandir o olhar, o campo visual que nos atrai iria ficar

ampliado. E acho que é por isso que não representou as sombras.

Quando questionados sobre o valor desta pintura, o Hugo responde:

A segunda imagem suscitou participações espontâneas sem necessidade de questões pela

professora e foi objeto de várias interpretações. Seguem-se as do Hugo e do Bartev:

Parece que a mulher está a ser julgada pelo homem. (…) Sim, porque o homem est| em pé, d|

a ideia de superioridade. Porém, existe outra perspetiva, que é a mulher estar a julgar o

homem, isto devido ao homem estar difuso no azul e a mulher sobressair e isso tem poder

sobre o homem.

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Eu discordo completamente daquilo que o Hugo disse. (…) Sobre a mulher ser julgada. Aquilo

que me dá a sensação é que o homem está de pijama e dá a sensação que o mundo à sua volta

sem ser aquele quadrado verde, que tem vida, eu acho que ele está num sonho, por ele estar de

pijama, e aquilo que ele est| a sonhar eu acho que… est| a ser julgado pela morte, o que

quero dizer é que a mulher simboliza quem o vai julgar, se vai viver ou morrer, pela maneira

como ela est| representada a preto… sim! E a vida, como o Tiago disse, para além do

quadrado é a vida e para cá é a morte, e eu acho que o homem está a ser julgado pela mulher,

num sonho.

Diante da terceira imagem, antes de saberem que o título é Natureza Morta com Mulher

Adormecida, o Bartev começa por exclamar – O sonho de uma tarde!

Os alunos tentam estabelecer uma relação com as obras anteriores e o Tiago questiona se

esta obra é da mesma data das anteriores, quando sabe que é cerca de 20 anos posterior

comenta:

Eu acho que o espírito dele nessas duas décadas mudou bastante, porque ele desenhava tudo

muito plano, muito homogéneo, e agora est| muito… também é plano, mas agora está muito

mais colorido, tem muito mais objetos, é muito mais diferente. As cores, até as próprias cores

estão mais juntas, as frias e as quentes.

Sessão 5 – Lucian Freud

Figura 43 – Man’s head (self-portrait),

1963

Figura 44 – Girl in a dark dress, 1951

Figura 45 – Hotel bedroom, 1954

Lucian Freud - Grupo A

Uma das alunas, a Susana, quis começar por intervir:

Este quadro é um autorretrato e parece que o pintor quer mostrar que é muito autoconfiante

e n~o tem medo de se mostrar como é com os seus defeitos. Acho eu… e acho que é só isso.

Nesta fase, os alunos não têm nenhuma informação sobre o título que lhes permita

confirmar que é efetivamente um autorretrato mas os colegas concordam com esta aluna e

fundamentam as suas interpretações nas evidências de natureza formal. Assim temos os

testemunhos da Susana e da Cláudia:

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Pela postura dele, está de cabeça levantada e pelo olhar.

Como ela já tinha dito, é um autorretrato e o pintor para se caracterizar não usa cores muito

claras, é à base de cores escuras, é um homem que tem uma postura de importante pelo

formato do rosto, que não tem grandes preocupações e que gosta de viver no seu próprio

espaço sem ser incomodado. (…) É um homem que não que não dá muita importância ao

resto. É como é! E penso que está um pouco aborrecido, dá essa intenção com a mão na cara.

A Maria partilha da opinião das colegas e passa a referir-se à técnica:

Em termos técnicos, o pintor preocupou-se com as cores, porque ele em vez de pintar tudo de

uma cor, escolheu uma base de cor branco e creme, foi isso que ele escolheu, porque já no

cabelo aquilo não é preto, aquilo também tem um pouco de cinzento, que acho que foi a

mistura das cores da pele com o preto. Depois no fundo, ele não pintou simplesmente nada, fez

uma parte mais escura que a outra, fez só riscos por assim dizer, a parte do fundo não lhe

interessava, porque o que ele queria acentuar era só a cara. Usou bem as sombras, porque um

lado da cara está mais escuro que outro. (…) Foi com… as cores foram muito densas, n~o

foram aguadas nem nada…

Em termos de expressão, os alunos escolhem palavras diferentes mas dentro de uma

mesma tendência. Temos as intervenções da Susana, da Tânia e da Flávia:

Também me parece uma pessoa muito fria e n~o tem… como é que hei de dizer… aquele {

vontade com as pessoas.

Eu acho que é uma pessoa orgulhosa.

Eu acho que o pintor com este autorretrato, como todos na turma já disseram, quis

demonstrar que ele se centra muito nele próprio, como a Tatiana disse, é uma pessoa que dá a

entender que é rancorosa, antissocial. Na forma como se pintou, na expressão demonstra que

é uma pessoa que só se preocupa com ele mesmo, que se o mundo desabasse ele continuava lá

em pé, não se importava. Ele aí centrou-se muito nele.

O caminho da conversa vai para a discussão se é ou não um bom quadro. Todos os alunos

que se pronunciam acham que sim. A Maria explica desta forma:

Apesar de não ter linha definida e ter a cara praticamente da mesma cor, está cheio de

manchas, ele deu atenção às sombras, conseguiu fazer as sombras na mesma e conseguiu

transmitir aquilo que ele queria. Por isso é que eu acho que é um bom quadro e só se focou

realmente naquilo que ele queria, porque o que eu acho que o que ele tem de mais realista são

os olhos, por causa disso. E opinião pessoal é porque eu não gosto muito de autorretratos ou

retratos.

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Quando veem a segunda imagem, estabelecem relações com a anterior quer ao nível da

expressão, quer ao nível da técnica. A Flávia, tem um papel muito ativo nesta aula e faz

várias intervenções:

De comum, eu acho que são os olhos, de uma certa forma, no outro quadro os olhos é que

diziam tudo, dizia o que ele pensava e o que ele sentia e neste quadro é o mesmo.

Eu acho que este quadro já não transmite tanta autoconfiança, é mais tristeza, solidão.

A expressão do rosto também, tem o rosto fechado, no meu ponto de vista é um rosto fechado.

Ele no outro podia não se estar a rir mas pelo contorno da boca mostrava que ele era uma

pessoa confiante.

– E o facto de a pintura aqui ser tecnicamente diferente, tem alguma importância?

Sim, de uma certa forma tem muita importância, ele no outro quadro para além da cara e do

homem tudo o resto parece que é rabiscado, ele não dá importância, colocou lá a tinta e

pronto. Aqui não, aqui ele optou por alisar a tinta, dar-lhe um certo toque.

Perante a terceira imagem, os alunos fazem diversas leituras mas é unânime, nas suas

interpretações que existe uma relação afetiva entre as duas figuras representadas. Quando

a professora confirmou que se tratava de uma representação do pintor e da sua primeira

mulher, a Maria disse:

Acho que então isto está a representar a companheira dele. Isto é uma história, sendo por

exemplo, vítima de uma doença e ele não pode fazer nada e aí sim já concordo com a parte da

lamentação ou então pura e simplesmente ele não gostava da companheira.

E tanto a Maria como a Flávia fazem generalizações da forma como viram as mulheres

representadas nestas obras e tentam encontrar um justificação para isso na vida do pintor:

Só sei que ele cada vez que representa uma mulher representa-a de forma triste, sofrida, por

isso só há duas opções, ou ele sofreu grandes perdas e representou-as assim ou então ele

simplesmente desprezava as mulheres.

Concordo com a Maria, porque é assim, ele deve ter perdido as primeiras mulheres da vida

dele, deve ter perdido muito depressa, então aí ele passou a desprezar as seguintes.

Lucian Freud - Grupo B

A sessão começa com a descrição da Maria Carolina :

Este quadro tem essencialmente formas não retas, são curvas algumas, como o cabelo do

homem, acho que se destaca. A cara do homem, aquelas manchas de cor transmitem

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sentimentos, aquela mão é um bocado estranha porque não se percebe se ele está apoiado em

algum objeto, ou se é a mão de uma outra pessoa, pode ser a mão de outra pessoa a dar-lhe

um murro. A cor atrás do homem dá ideia que está dentro de uma sala mas não deu muita

importância às formas, então... pintou só assim. E aquela cor avermelhada pode ser que haja

uma janela por detrás porque na cara do homem há uns tons de luz e na mão também. O

nariz do homem é assim… pequenino, parece bicudo. Há pouca definição de onde começa e

acaba.

A intervenção seguinte de outra aluna classifica a pintura como autorretrato e a discussão

orienta-se com base nessa interpretação. A Carolina diz:

Eu acho que o pintor, como se vê, acho que dá muito mais importância ao homem e o fundo é

só mesmo para dar alguma expressividade. As formas, por exemplo o braço não se percebe

onde é que acaba, eu acho que o braço é do homem, por causa do tom, também tem aquelas

manchas, depois os contornos estão muito mal definidos. Há essencialmente curvas e acho que

o pintor utiliza aquelas… parece sujidade na cara do homem, para exprimir os sentimentos,

acho que se nota mais a forma, a express~o da cara com aquela… por causa da mudança, e

acho também que isto é um autorretrato.

Em termos de expressão, os alunos mencionam um leque de emoções e de ideias a partir

da observação da figura. Estas são as participações da Carolina e da Margarida:

Nos olhos vejo cansaço, depois na cara, assim mais pormenorizado vejo… sei l|… dor,

sofrimento, é só basicamente à volta desses.

Não sei, mas parece que ele também está pensativo, por causa de ter a mão no rosto. E

também d|… parece que d| uma express~o de um homem duro, dureza, porque n~o parece

tanto sofrimento, só se for mesmo pelos olhos.

De seguida relacionam as cores utilizadas com a expressão de sentimentos. Temos o

exemplo da Margarida:

Eu acho que o que mais se nota aqui para além do rosto e da expressão é as cores que o rosto

tem, não são normais.

– E isso terá sido porquê? Porque o pintor não tinha mais tintas no ateliê?

Não! Era para mostrar o que ele queria transmitir, o que ele estava a sentir, pode ser

sofrimento, como elas estavam a dizer, solidão, tristeza.

Outra aluna, a Maria Carolina, salienta o impacto que a imagem produziu nela:

A primeira reacção que eu tive quando olhei para o quadro foi… eu assustei-me! Eu assustei-

me, qual é que é a piada? Eu assustei-me porque eu imaginei logo uma história, tipo, ele podia

ter… por causa das manchas escuras, podia ter estado { luta e… mas depois, quando observei

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melhor j| pensei “n~o, luta n~o pode ter sido, deve ter sido outra história por detrás para me

assustar”.

Quando a conversa se orienta para a discussão se é ou não um bom quadro, a Maria

Carolina e a Margarida explicam desta forma:

Eu gosto do quadro, é um bom trabalho, embora seja um bocado difícil de interpretar os

sentimentos do pintor, mas ele transmite sentimentos, nós sabemos que os sentimentos estão

l|, agora saber…

Eu também gosto deste quadro, gosto da maneira com as formas estão definidas, o rosto e

tudo, e principalmente das cores. Acho que as cores estão muito bem escolhidas porque ele

não usou as cores básicas, parece que ele as misturou para formar novos tons, e acho que é

um bom quadro. (…) Porque acho que est|… nota-se as expressões, não é um quadro muito

fácil e não é muito comum também.

Quando veem a segunda imagem vários alunos exclamam ao mesmo tempo:

Parece que está a morrer!

Nas observações seguintes não se afastam muito dessa primeira impressão. A Maria

Carolina e a Margarida dizem:

Está doente, mete medo, está assombrada, está pálida, espero que seja uma mulher, não é? Os

olhos dela estão esbugalhados, ela pode estar assustada com alguma coisa.

Eu acho que também concordo com ela, a mulher dá-me pena n~o sei… parece que lhe

aconteceu alguma coisa, est| assim desesperada n~o sei… também é das cores, n~o têm nada

aqui a ver as cores e o cabelo, s~o mais definidas, as formas também…

Aquando da observação da terceira imagem, a Maria Carolina exclama:

Eu gosto muito deste quadro, muito!

Porque me transmite muita coisa, muitos sentimentos…

É que por um lado, o homem pode estar a crer que ela morra, por outro lado ele pode estar ao

pé da janela, pode estar com um sentimento de culpa, pode estar a fazer muita força para que

ela sobreviva e isso…

Tanto parece que vai fazer uma boa ação como está a tentar corrigir os seus erros.

Quando tomam conhecimento do título Hotel bedroom e ficam a saber que se trata de uma

representação do pintor e da sua primeira mulher, a Carolina sucedem-se interrogações.

Como as da Carolina e da Raquel:

Ele gostava da mulher, realmente? É que isto não parece.

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Então e ele trata assim a mulher?

A conversa caminhou para a ligação afetiva entre as figuras e para o assunto de crise

conjugal e a Carolina disse:

Se calhar queria avisar a mulher do que vinha para aí.

Lucian Freud - Grupo C

Nesta aula esteve novamente presente o aluno Bartev do 9ºA. A sua presença alterou a

dinâmica do grupo, desta vez ocorreram muitos diálogos com o Hugo, sendo que os dois

estavam quase sempre em desacordo.

A primeira intervenção é do Bartev, que diz:

Esta imagem n~o me desperta nada, é uma seca… é uma seca, sei que h| uma mistura entre

cores frias e quentes, não vejo mais nada.

Os alunos que intervêm de seguida focam-se mais no que representa a figura. O William e

o Tiago têm opiniões diferentes:

Essa figura para mim representa a fadiga e o cansaço, representado na cara do homem.

Para mim representa o medo, até porque parece que está alguém a vigiar.

De seguida, fazem relações com outras áreas do conhecimento. O Hugo baseia-se nos

elementos visuais e o Nelson na interpretação que faz do estado de espírito da figura

representada:

Eu acho que esta imagem tem a ver com medicina, devido à cara estar muito bem definida, e a

pintura faz lembrar os músculos e os nervos na cara.

Eu discordo com o Hugo porque acho que a imagem tem mais a ver com economia em vez de

medicina porque parece que está desesperado porque o negócio dele ou está a correr mal ou

está a ir por água abaixo.

Sobre a expressão da figura há várias intervenções. Estes são os pontos de vista do William

e do Tiago:

Para mim, onde representa mais o cansaço da imagem é na mão e no fundo porque parece

que est| tudo desfocado e ele n~o… só consegue pensar no cansaço e n~o consegue pensar no

resto e só se foca nele, parece que o mundo já não gira à volta dele, está mesmo muito

cansado, só quer mesmo ir dormir.

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Para mim, não é o cansaço por causa do olhos dele, não faz parecer o cansaço, faz mais

parecer o controlo e a severidade e isso. Por isso é que me faz lembrar um professor, parece

que está a controlar-nos.

Outro aluno intervém para relacionar a imagem com a intenção do pintor. O Hugo diz:

Ele talvez tenha pintado a imagem assim tão próximo de nós, para sobrecarregar o que está

presente na imagem e talvez assim pudesse aumentar a definição e transmitir melhor a

mensagem que o pintor quer passar.

– Quais são os sentimentos que este quadro passa?

A omnipresença.

Diante da segunda imagem, logo o Hugo quer falar e o Bartev discorda dele:

Parece um boneco de porcelana e tem um olhar vidrado. (…) está a olhar para um sítio

abstrato ou quer ter uma visão global de alguma coisa.

Eu discordo totalmente do Hugo em termos de porcelana, Da maneira como está

representado isso, para mim, eu acho que é uma obra mais detalhada, com as linhas mesmo

perfeitas, em termos de quase tudo. (…) Aquela parte… o olho esquerdo, parece que ela foi

agredida, dá-me a sensação disso.

Quando veem a terceira imagem, o Hugo quer começar a falar:

A mulher significa ali esperança, devido às cores, é mais clara, mais viva, e o homem parece

ter um sentimento obscuro, morte, tristeza, qualquer coisa assim. (…) Parecem estar no

mesmo plano, muito próximas e isso dá a ideia que existe uma relação, embora o homem

esteja distante por algum motivo e acho que esse motivo é porque vai perder algo de que

gosta muito.

O Tiago e o Bartev discordam e acrescentam a sua interpretação:

Isto para mim é completamente diferente, a mim faz-me lembrar que a mulher está doente,

parece uma cama de hospital e ele, ou parece que quer fazer mal ou parece-me que está a

proteger, não sei bem qual deles é que é.

… parece que o homem não é real mas sim o espetro e está representado no espelho. Fez mal à

mulher mas porém, na cara dela, parece transparecer um sentimento de que embora ele lhe

tenha feito mal ela sente a sua falta.

Depois de saberem que as figuras representadas são o pintor e a sua mulher, o Bartev

emite várias observações:

Eu não diria que isso era um casamento.

D| a sensaç~o… ela tem uma cara como se tivesse 14 anos.

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… o que me chama mais a atenção ao olhar para esta obra é mesmo a mulher, da maneira

como está, parece que seja de ferro, agarrada e posta sobre a cama, porque a cama não tem

aquele ar que está lá uma pessoa, só vemos isso mesmo na almofada.

Sessão 6 – Martha Telles

Figura 46 – Le cadeau, 1980

Figura 47 – Memoires d´Enfance, 1976

Figura 48 – Vacances à la Montagne, 1980

Martha Telles - Grupo A

Nesta sessão, uma aluna que não se tinha mostrado interessada em participar nas sessões

anteriores e que sempre optava por sentar-se na fila de trás, teve uma intervenção quase

constante e a certa altura deslocou-se para a frente para prestar mais atenção. Será

mencionada mais adiante.

A Maria começa a falar sobre a pintura:

O pintor nesta obra, em termos de sentimentos, quis transmitir o sentimento de solidão, e

para caracterizar isso, para mostrar isso, ele utilizou a janela e a sombra, que foi como já

vimos noutras obras. A sombra… como é que hei de explicar…? Ele usou a sombra que era

para a sombra tapar tudo, como se não tivesse nada nem ninguém e utilizou a luz da janela só

para iluminar a rapariga que é o ponto em que ele se quer focar mais, que é a solidão da

rapariga, e por isso também a colocou em cima de uma cadeira grande no centro e pintou-a

de branco que é para chamar a atenção.

Durante algum tempo é ela que continua a fazer observações sobre a obra e a desenvolver

a análise formal aliada à expressão dos sentimentos:

A janela é porque é o… como é que eu hei de dizer…? É o que ilumina. Ele quer representar a

solidão na rapariga e a janela é o que ilumina a rapariga, não sei se é em termos de

sentimento um pouco de esperança ou se é pura e simplesmente para mostrar a rapariga,

porque se estivesse tudo preto, sem janela sem nada, só uma rapariga aí não fazia sentido, a

janela serve só para iluminá-la.

Outros alunos identificam o ponto focal da composição. A Flávia e o Bartev não

concordam:

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Eu acho que é a rapariga em si mesmo, eu acho que ela sofre de discriminação do meu ponto

de vista. Sofre de discriminação. Parece que ela torna-se pequena, inferior em relação à

cadeira e ao resto do espaço.

Mas o que eu acho que chama mais atenção à obra é aquela parte da prenda, porque apesar

de a criança ser representada a branco e o contorno ser preto, está em cima do fundo que é

branco. Só que a prenda é mesmo branca e quase ao seu lado todo o contorno é escuro, eu

acho que é a prenda que se salienta mais na obra.

A discussão mantém-se centrada na expressão dos sentimentos e na interpretação. Nesse

sentido, temos o testemunho da Maria:

Eu disse que o sentimento era a solidão por causa também da prenda porque, supostamente,

quando se entrega prendas é num aniversário ou uma coisa assim e ela está completamente

sozinha e acho que a sombra então também serve para tapar, se tivesse pessoas a seu redor,

para tapar as pessoas. Como ela disse, inferioridade e essas coisas.

A prenda deve ser… aquilo deve ser uma altura festiva e as flores também s~o para isso, para

representar essa ideia.

Quando um colega não concorda, a Maria argumenta:

Mas as flores hás de reparar que estão a fazer um arco em volta da rapariga e a rapariga é o

ponto da obra, é o centro.

Imagina se fosse o aniversário em tempos antigos, era assim que as raparigas se vestiam.

Depois de a professora dar a indicação que se trata de um autorretrato, a Maria intervém:

Então retratou a sua infância, a solidão que teve em pequena.

Num determinado momento, por exemplo no aniversário ou assim. A solidão, por isso é que a

sombra está a representar, está a afastar o resto e está a focar-se nela.

Quando veem a segunda imagem a Susana estabelece uma relação com a anterior:

A mim parece-me a continuaç~o da outra pintura é que… como a menina estava sentada na

cadeira sozinha, e como a professora já contou a história que ninguém apareceu à festa, aqui

parece-me o salão onde iam fazer a festa e não apareceu ninguém. Ficou o bolo à espera de

ser cortado. Depois aquela boneca parece ser da menina que ficou ali abandonada, não é? É

isso.

Porque ela, se calhar, sentia-se como uma boneca, um monte de trapos a quem ninguém dava

atenç~o… acho que é isso.

A Maria prossegue, também, pela comparação:

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O tema é o mesmo só que ela aqui quis representar a solidão numa maneira de pintar

diferente, com mais iluminação. O bolo representa a prenda na outra pintura e cadeira no

espaço vazio representa uma única pessoa que deve ser a rapariga e a boneca também está

ali para representar essa rapariga. Ali na cadeira devia estar a rapariga e muita gente mas

não está e a boneca está no chão e parece que o chão está a cair, e ela quis fazer esse efeito

para demonstrar… como é que se diz… é um espaço vazio para demonstrar a imensid~o do

espaço.

O facto de ser grande e não ter lá ninguém e ter um bolo de aniversário mesmo no meio, está

a representar a época festiva em que ela deve ter ficado traumatizada.

Perante a terceira imagem, e depois de pedir informação sobre a data da obra que é

posterior às anteriores, a Maria diz:

Se calhar queria representar o melhoramento da sua vida, por assim dizer…

Representou bem as sombras, pormenores, até os pormenores do tronco da árvore. Esta

pintura foi mais pormenorizada do que as outras duas. Talvez o melhoramento na sua

pintura ao longo dos tempos, n~o sei…

A aluna continua a observar a imagem e a retirar ilações dos elementos representados:

A import}ncia eu acho que est|… que tem as |rvores, tem a ver com as pessoas.

D| a sensaç~o de cada |rvore para cada pessoa, por assim dizer…

A Cátia reafirma e desenvolve a ideia da colega:

Eu concordo também um bocado com o que a Maria disse de cada pessoa ser uma árvore, mas

acho também que, como a Maria disse, ali estão representadas pessoas que fizeram parte da

sua vida mas acho que as árvores podem representar as pessoas que com quem ela convivia

na sua infância quando ainda estava na Madeira.

Martha Telles - Grupo B

Neste grupo, a Raquel começa por falar:

Eu acho que este quadro parece que dá muito realce à menina na cadeira porque tudo é

escuro à volta. Nas paredes não tem nada, é tudo escuro mas depois tem a janela a iluminar

mesmo aquele sítio. Eu gosto deste quadro, acho que é giro e gosto especialmente das flores

na cadeira, acho que ficam bem. Depois, este quadro tanto utiliza linhas retas como curvas.

Linhas retas mais na janela e na cadeira, mas a cadeira também é mais para o redondo e a

rapariga também. Acho que as cores estão bem utilizadas, porque a cor do cimo da cadeira é

a mesma de lá de fora, parece que está a combinar.

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De seguida, uma colega, a Soraia, continua partilhando a sua inquietação:

Eu também gosto deste quadro, primeiro porque é muito diferente dos anteriores, do anterior

que vimos e só não percebo uma coisa, porque é que há tanta cor e depois é uma sala escura.

Há tanta cor na cadeira e na menina e na janela e depois a sala está escura!

A conversa caminha rapidamente para a expressão dos juízos de gosto e os alunos que

revelam diferentes opiniões são muito perentórios no seu ponto de vista. A Carolina diz:

Não gosto do quadro, gostava mais do último, mas este também é melhor que o penúltimo.

Acho que neste caso a pintora concentrou-se mais numa só linha, a descrever e realçar um

plano, tudo numa sala, que é a prenda, a cadeira, a menina e aquela coisa lá fora que eu não

sei o que é que é. Depois há linhas retas tanto na porta como lá nas grades, na prenda,

nalguma parte da cadeira, linhas curvas nas pessoas, na menina como é normal. O que é que

me transmite? Não me transmite nada. Talvez a única que me transmite é pela cara da

menina, por ela estar assim… talvez vergonha e acho que ela est| ali com uma espécie de

sorriso improvisado. E pronto, talvez as flores transmitam alguma alegria… mais nada.

Desde logo, a Maria Carolina afirma a existência de uma contradição na obra

Entre a menina estar feliz e estar ali a prenda que ela vai abrir quando conseguir saltar da

cadeira. E a menina estar triste porque a prenda não é para ela. E eu não gosto do quadro

também por causa disso, é essencialmente por causa disso.

– Não gostas por causa disso?

Dos sentimentos que ele não transmite.

Mais colegas partilham a opinião e tentam fundamentar, como a Dayita e da Margarida:

E não dá para perceber os sentimentos das pessoas, baralha a forma de pensar de uma

pessoa. (…) Ou seja, se o branco geralmente indica a paz e a alegria, o escuro indica

geralmente a morte e a tristeza, então aqui ficamos na dúvida também.

Como a Carolina disse ela parece que está, por um lado parece tímida, pela sua posição, com

os braços e a maneira como ela está vestida, o cabelinho e tudo parece ser muito tímida e

também como elas disseram parece que ela está a fazer um esforço para estar ali, não parece

contente ao estar ali.

No que se refere ao significado dos elementos representados, os alunos também divergem.

Temos os testemunhos da Carolina e da Maria Carolina:

E outra coisa que eu também queria dizer é que o que eu acho outra coisa estranha neste

quadro é o facto de as flores estarem ali, acho que é um estilo diferente. Temos a menina, é

tudo… a sala muito vazia, umas cores muito mortas, para mim, e depois temos as flores que

supostamente transmitem vivacidade…

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Mas também pode ser para um funeral.

A ideia da contradição atravessa todo o momento da discussão e surge reafirmada pelas

intervenções sucessivas dos colegas que estão muito atentos às participações uns dos

outros. Estas são as palavras da Carolina e da Dayita:

E acho que aqui contrariam muito, acho estranho o estilo de desenho, também acho diferente.

Eu acho que quando olhei para o quadro, a primeira coisa que eu vi foi a parte de fora da

janela por estar a contrariar a parede. (…) Sim. Em termos de cor. Porque a parede é muito

escura e o lado de fora é muito claro e o vestido da menina também. Acho que foi isso, depois

foi o vestido e depois é que foi a prenda por estar em cima de um roxo.

Esta falta de certezas que os colegas apontam como uma contradição suscita o comentário

da Maria Carolina:

O místico deste quadro é precisamente aí.

Os alunos continuam a nomear os objetos representados e a tentar fazer inferências sobre

o seu significado para esclarecer o seu sentimento de dúvida. Assim, temos a Margarida:

A mim também me transmite dúvida por aquilo que elas já disseram e também pela prenda,

eu discordo com o que elas disseram da curiosidade de abrir a prenda ou não. A mim parece-

me que uma das coisas que dificulta saber o que o quadro transmite é a prenda, não me

parece que ela esteja com curiosidade de abrir a prenda.

Porque ela, para já, não está a olhar para lá. Está a olhar para um local completamente

diferente, ela está na cadeira e a prenda está no chão e ela parece que não está minimamente

interessada na prenda, a mim pelo menos não me transmite curiosidade. Parece que puseram

ali a prenda e ela não está a ligar nenhuma àquilo, é uma das coisas que me confunde, é a

prenda ali.

A Maria Carolina tenta arranjar a uma explicação para o que disse a colega:

Deram-lhe a prenda e ela provavelmente não gostava da pessoa e para ser má não foi abrir a

prenda de propósito para a outra pessoa ficar magoada e assim ela sorri sorrateiramente.

Gosta de receber prendas só que ela não quer satisfazer a pessoa que lha deu.

Depois de terem conhecimento do título da pintura A Prenda, rapidamente chegam á ideia

de festa de aniversário e nesse contexto a Raquel diz:

Eu ia dizer que podia ser a própria pintora quando era criança, ela viu uma fotografia dela e

resolveu pintar. E acho que ela que como pintou a rapariga tímida se calhar era mesmo para

mostrar os sentimentos que ela tinha naquela altura, como é que ela era, era tímida, acho que

é isso.

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Diante da segunda imagem, de imediato, temos a intervenção da Maria Carolina e da

Carolina:

Isto era o salão onde estava o bolo, isto está vazio!

Eu acho que é aí que as imagens se ligam.

Outra colega, a Carolina, desenvolve a relação com a imagem anterior:

Acho que o que relaciona este quadro ao outro é o bolo. Este quadro também é muito vazio,

não há convidados, foi toda a gente embora, portanto solidão. A prenda estava fechada e o

bolo por comer. Outra coisa, a cadeira, os pés é o mesmo estilo, depois a mesa n~o sei… E o

ch~o aqui { frente, isto n~o parece ch~o, vem dali detr|s, muda… o tipo de azulejos do ch~o,

não parece tão 3D.

Quando vêem a terceira imagem, a Raquel intervém:

Eu acho que este quadro já não tem muito a ver com os outros, porque já nem se vê a menina,

não está aqui, estão outras pessoas muito diferentes e a mulher que está abraçada ao homem

parece que tem uma raqueta de ténis na mão.

Transmite-me bem estar, felicidade.

E, na posse de alguns elementos biográficos que surgiram na discussão, a Soraia diz:

Eu acho que está a caracterizar a ilha, talvez a ilha da Madeira e que se calhar um dia ela foi

lá passear com a família e quis desenhar a ilha, onde está, onde se calhar se sentia bem

naquele jardim.

Martha Telles - Grupo C

Nesta sessão, o Tiago quis começar logo a falar, aliás, durante toda a discussão ele foi mais

participativo do que nas aulas anteriores. O mesmo aconteceu com outros alunos que

participaram mais como o Bartev. Manteve-se a participação constante do Hugo.

Eu vejo uma menina que está triste, acho que estava contente algum tempo antes mas agora

está triste por algum motivo. Porque uma criança estar a ignorar uma prenda acho que é

muito difícil, portanto ela está mesmo triste ou chateada e foi para aquele quarto, preto,

escuro, para fugir ao problema em vez de ir para fora, para a felicidade.

Porque está sentada como se estivesse triste, não está a fazer nada o que não é normal para

uma criança e est| num quarto completamente escuro e est| ali… completamente normal. Eu

acho que ela está mesmo muito triste.

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O aluno tenta encontrar pistas através da maneira como está vestida a personagem.

Atribui características simbólicas à cor e o Hugo continua fazendo inferências através da

observação da composição. Estas são as palavras dos dois alunos:

Significa paz e serenidade e ela parece que está bem vestida, está bem arranjada, tem flores

na cadeira… ela parecia que estava feliz antes. Até pela porta também, parece que ela veio de

lá, parece que ela estava contente e a prenda também diz que ela estava contente até receber

aquela prenda ou…n~o sei…

Continuando o raciocínio do Tiago, eu acho que isto dá a ideia de tristeza porque esta

imagem não transmite movimento.

É na análise formal que o Hugo vai tentar ancorar a sua interpretação:

Parada, calma mas é calma na imagem em si, mas as cores transmitem… tiram essa calma,

cortam a calma da imagem.

Porque, ora bem, se nós tivéssemos só a cadeira com flores e a miúda nós diríamos que era

calma e que estava tudo em ordem. Agora, este ambiente, o fundo preto em contraste com o

branco d| a ideia de… um choque, um confronto de ideias. (…) Para além da porta e na

roupa… d| ideia de um confronto de ideias, que nesse caso o Tiago associou a sentimentos.

Outro colega manifesta a discordância com as interpretações até agora expressas. Estas

são as palavras do Bartev:

Eu discordo com o Tiago quando ele disse que a menina está triste, pelo contrário, acho que

ela est| a sorrir, é um sorriso maldoso. Mas… est| a sorrir. Parece que é a alma do diabo ou

qualquer coisa assim, está num quarto escuro e está a ignorar uma prenda, não é qualquer

criança que ignora, não é?

A sensação de dúvida e inquietação é transmitida de outra forma pela Beatriz. Aluna

habitualmente muito participativa vê a sua dificuldade em expressar-se perante esta

imagem como um sinal:

Incomoda-me um bocado… É, porque inventei demais, nas outras não precisei de inventar

tanto, foi mais fluído.

– Ent~o esta tem uma leitura mais…

Complicada.

Dá a entender que aconteceu qualquer coisa antes e que ela está ali sentada por algo ou por

algum motivo ou porque está ali sozinha por algum motivo.

Outros alunos continuam a explorar a ideia levantada pela colega. O Hugo e o Bartev

tentam fundamentar as suas opiniões:

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O Tiago j| falou nisso, que era da parte exterior que… na parte de fora estava contente e

quando entrou ficou triste, a sua expressão mudou.

Segundo o raciocínio da Beatriz eu acho que já aconteceu porque ela já está refletida nas

cores escuras.

Depois de saberem que o título é A Prenda, há reações do Hugo e do Bartev:

Mas não se compreende!

Pois é, porque se fosse… se o título estivesse referir-se a isso o ponto fulcral devia ser a prenda.

Também o Tiago se interroga e o Hugo tenta dar-lhe uma resposta:

Porque é que a criança está a ignorar a prenda?

Eu acho que isto é para dar a sensação de velhice. As pessoas quando já têm uma certa idade,

quando a mente já está mais desenvolvida dão atenção ao momento e não ao que os rodeia.

Depois da informação de que a pintora nasceu na Madeira e que o quadro se refere a uma

festa de aniversário quando lá vivia e a um dia em que um temporal não permitiu que os

convidados comparecessem na festa, os alunos refazem os seus pontos de vista. O Tiago

confirma o seu parecer e avança:

Como eu disse, alguma coisa tinha acontecido anteriormente e ela estava vestida como se

estivesse contente e já não está.

Eu diria que ela não teve uma infância feliz, que não lhe davam atenção, se calhar davam-lhe

só prendas e não atenção que é o que ela precisa. Eu achava que ela não tinha uma infância

feliz.

Diante da segunda imagem temos a exclamação do Bartev e a interrogação do Hugo:

Este quadro arrepia-me!

Outra vez? Está outra vez um bolo de anos na mesa e está uma cadeira, só que desta vez a

cadeira não está ocupada e não sei se este quadro representa o depois. Isto dá a ideia que a

boneca era o que estava na prenda.

O Tiago também emite uma exclamação quando vê a imagem e depois tente relacioná-la

com a anterior:

Um esplendor para mim!

Se esta imagem fosse para continuar a história ou o passado, se tivesse a ver com a última, eu

achava que era outra divisão da sua casa. Que ela ficou a saber que ninguém podia vir, ficou

triste, deixou o bolo onde estava, saiu da cadeira, mandou a boneca para o chão e foi para o

quarto triste, é o que eu acho e não acho que a boneca seja a prenda, acho que era uma

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boneca de brincar, aquelas que todas as miúdas têm. Agarrou-a e atirou-a para o chão e foi

para o quarto.

Quando veem a terceira imagem concordam com uma viragem na expressão de sentido.

Estas são as palavras do Bartev e do Tiago:

Esta imagem representa muita harmonia. (…) Não tem nada a ver com as outras duas que

vimos. Há convívio.

Também me transmite isso porque ali, por exemplo, naquele casal lá ao fundo há duas

árvores ali que parece que estão mesmo a comemorar a cerimónia, mesmo a criança está

feliz, logo a infância feliz e depois é a solidão mais à direita, já parecem dois viúvos.

Alguns alunos relacionam a mudança com as diferentes fases da vida da pintura. É o caso

do Hugo:

Não sei, mas acho que esta imagem foi feita numa fase em que a pintora já estava mais velha.

Sim, mas acho que numa certa altura ela devia ser casada e acho que se deve ter divorciado e

depois foi para o convívio com as amigas. (…) Porque está ali um homem e está ali outra

mulher, estão separados.

Capítulo 7 – Apresentação e discussão dos resultados

Neste capítulo, refletimos sobre as estratégias de ação utilizadas e tratamos de estudar os

dados recolhidos. Deste modo, são analisadas as respostas e o comportamento dos alunos

face à atividade concebida e aplicada.

A recolha de dados para investigação foi realizada através do registo de som, de

fotografias das sessões e de notas de campo da investigadora. Estas últimas eram

realizadas aquando do início das sessões e incidiam sobre a primeira reação dos alunos à

imagem projectada antes de qualquer incentivo ao diálogo por parte da professora. Às

vezes, eles emitiam exclamações de agrado ou desagrado ou faziam comentários

espontâneos. No decurso da actividade, não era possível o registo de observações do

comportamento dos alunos uma vez que a professora era a única moderadora da

discussão sobre as obras. Mas, no final da aula ou no final do dia, era feito o registo das

mudanças de atitude mais significativas dos alunos, algumas das quais já relatadas no

capítulo da descrição das atividades, outras terão lugar mais adiante na análise dos

resultados.

Depois de registar e transcrever os dados era preciso analisá-los. Mas como analisar o

material verbal obtido? Depende do foco de interesse da pesquisa. Se o que importa é a

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compreensão através das palavras dos participantes, então queremos interpretar opiniões

e representações e dar conta das evoluções do indivíduo e do grupo. Para isso, o processo

mais indicado é a análise de conteúdo do tipo exploratório.

Esquema 6 – Análise de conteúdo do tipo exploratório

(Adaptado de Bardin, 2008)

Partimos, então, para um primeiro estudo dos depoimentos dos alunos, a chamada “leitura

flutuante” de acordo com Bardin (2008). Para tal, não dispúnhamos de nenhuma estrutura

prévia de categorias, a ideia era precisamente deixar-nos guiar pelo texto e começar a

detetar as tendências do discurso. As primeiras observações foram a constância de

algumas inclinações no modo de aproximação dos alunos à obra de arte, tais como a

elaboração de pequenas narrativas, a atenção aos aspectos formais e à expressão de

sentimentos. A leitura exploratória permitiu-nos perceber que era possível encontrar

diversos núcleos de sentido da mesma natureza e ajudou-nos a decidir pela análise de

natureza temática.

A exploração do material foi uma etapa longa que implicou várias leituras dos

documentos. Essas sucessivas aproximações ao discurso dos alunos permitiram afinar as

categorias, de acordo com Bardin (2008) definidas como rubricas ou classes, que reúnem

um grupo de elementos (unidades de registo) em razão de características comuns.

Começámos pela auscultação dos elementos particulares e reagrupamo-los

progressivamente por aproximação de elementos contíguos em termos semânticos para

no final deste procedimento atribuirmos um título à categoria. A este processo, que resulta

da classificação analógica e progressiva dos elementos, Bardin (2008) chama de método

de construç~o “por acervo”.

Uma vez identificada a categoria tentámos caminhar para unidades mais pequenas e mais

facilmente reconhecíveis. Percebemos que ainda podíamos reconhecer agregados de

pré-análise

• escolha dos documentos para análise

• leitura flutuante

exploração do material

• momento da codificação de acordo com categorias

tratamento dos resultados

• interpretação dos dados à luz dos marcos teóricos

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sentido mais definidos que fizemos corresponder às subcategorias. Para cada uma foram,

então, identificados vários indicadores que mais não são do que expressões utilizadas no

discurso dos participantes e que indiciavam núcleos semânticos.

No quadro seguinte, apresentamos as categorias tidas em conta, a sua subdivisão e os

respetivos indicadores. Relativamente aos últimos chamamos a atenção para o facto de

esta não ser uma listagem exaustiva de todos, mas apenas exemplificativa dos vários tipos

que podem contemplar. No entanto, como o discurso dos participantes é um processo, é

natural que certos termos não sejam exclusivos de um indicador e é preciso tomar em

conta o contexto em que são produzidos. Assim sendo, aí cabe ao investigador usar a sua

sensibilidade para proceder à triagem mais de acordo com o sentido da emissão dos

enunciados verbais.

Quadro 8 – Das categorias aos indicadores

DAS CATEGORIAS AOS INDICADORES

CATEGORIAS ÍNDICES INDICADORES

DESCRIÇÃO

Aspetos formais

(cor, linha, luz)

As linhas são…

Em termos de luz é ….

A base de cores é …

Os contrastes est~o…

Em relaç~o { composiç~o…

Elementos físicos

(objetos, locais, pessoas)

O que se destaca é …

Parece um/a …

A primeira coisa que vejo é …

Estão ali …

É um/ uma …

INTERPRETAÇÃO

Identificação

Se fosse comigo …

Eu faço isso!

Pelo menos comigo é assim!

Conheço pessoas que …

Se fosse a minha m~e …

Sentimentos

O sentimento é …

A mim transmite-me …

Tem a ver com … (sentimento)

Relaciona-se com …

Sentido

(histórias, narrativas)

Representa a ideia de …

Começo a pensar em …

D| a entender que aconteceu …

Parece que o aconteceu foi …

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Simboliza …

Conhecimento

(sociedade, história,

provérbios)

Faz-me pensar naquela

express~o…

Noutros países …

Antigamente era …

Relação com arquétipos.

Eu acho que é um daqueles

países em que …

Como se costuma dizer é …

JUÍZO

Síntese comparativa

De todos os quadros este é o

que …

Acho que a maior diferença

com … é …

O que relaciona este quadro

com o outro é …

Acho que a maior diferença

deste quadro para o outro é …

Nos outros quadros também …

Foi como nós vimos em …

Habilidade técnica

Est| bem representado …

As cores est~o bem utilizadas…

O pintor pinta bem …

Gosto

Eu gosto porque…

Eu não gosto porque…

Juízo de valor

Depois de compreender o

quadro acho que é bom.

Acho que esta pintura é boa

porque …

Acho que é uma má pintura

porque …

CONCETUALIZAÇÃO

Função da arte

Transmitir uma mensagem

Mostrar a diferença com

outros tempos

Transmitir uma moralidade ou

ensinamento

Mudar comportamentos

Comunicar com o observador

Intenção do artista

O pintor quis …

O pintor focou-se em …

O pintor exprimiu …

Ele quer representar …

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Ele só se interessa por …

Criação artística

Quem estabelece o valor da

arte é …

A comunidade de especialistas

A quem se destina a arte

(A. Pereira, 2013)

De acordo com a análise e tratamento dos resultados, chegamos à conceção de um modelo

do processo de compreensão da obra de arte que pode ser representado graficamente do

seguinte modo.

Esquema 7 – Processo de compreensão de obra de arte

(A. Pereira, 2013)

DESCRIÇÃO

Aspetos formais

Elementos físicos

INTERPRETAÇÃO

Sentido

Conhecimento

Sentimentos

Identificação

JUÍZO

Síntese comparativa

Habilidade técnica

Juízo de valor

Gosto

CONCETUALIZAÇÃO

Função da arte

Intenção do artista

Criação artística

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DESCRIÇÃO

Na categoria de descrição, temos o predomínio das referências aos aspetos puramente

visuais da obra de arte. Dividimo-la em aspectos formais que incluem a referência a

elementos como a cor, o tipo de linhas, a observação da luz/ sombra, a textura e a

organização da composição visual e elementos físicos se os alunos nomeiam os objectos e

as figuras humanas e descrevem o seu meio envolvente.

Por vezes, é muito fácil identificar isoladamente uma categoria como é o caso seguinte que

é um exemplo de descrição dos aspectos formais. Sobre Morning Sun de Hopper, diz a

Raquel:

Eu acho que dentro do quarto há mais cores frias e lá fora, por exemplo, a fábrica, dá ideia de

mais quente. É tudo muito reto, não há muitas curvas, predominam as horizontais e verticais,

mais as verticais, talvez, a única coisa que tem curvas é a rapariga porque também as pessoas

não são retas.

Na maior parte das vezes, o discurso oscila entre a identificação do que é representado e a

atenção ao modo como é conseguido como no caso da intervenções da Maria sobre Les

Amants de Magritte e sobre Le Cadeau de Martha Telles:

E acho que em termos de maneira de pintar tem muito a ver com sombras. É uma pintura

outra vez simples mas tem os seus detalhes, por exemplo, nas árvores tem os detalhes das

folhas, no céu tem as nuvens e ao lado das cabeças, onde está a erva, temos ali os montes,

onde está escuro. Depois no canto inferior direito parece que é outro monte, parece que está a

descer. Mas, também, não tem muitos detalhes na roupa do homem, vê-se que é uma roupa

toda preta e uma camisa muito simples branca. O que chama mais a atenção aqui é o plano

da frente, das cabaças tapadas. Dá para ver que são duas pessoas devido ao formato como

estão tapados, por exemplo, os narizes.

Em termos de formas, o pintor só usou as formas onduladas, redondas na rapariga e usou

mais as formas retas nos pormenores da janela. Em termos de cores, o pintor para tudo, usou

cores escuras menos no espaço que ele queria focar, que era a rapariga e a luz que vem da

janela.

Normalmente a linguagem dos alunos vai incorporando a análise dos colegas, o que é

visível na seguinte situação protagonizada pela Patrícia e pela Maria que se referem a La

Chambre Rouge de Matisse:

Parece uma sala. Tem alguns pormenores, o que realça mais é ali o amarelo, o branco da

saia da senhora. Depois aquilo é uma janela, parece-me com um bosque e em termos de

pintura tem muitas formas.

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A única coisa que parece que dá profundidade e mesmo assim é muito pouca, é a janela ou é

o quadro que eu não sei o que é aquilo. Devido às cores, o verde da árvore, aquele verde

azulado. Porque se distingue do resto porque à volta é tudo vermelho, depois na moldura

ou no parapeito da janela é o amarelo e vai distinguir-se um pouco com o azul no fundo.

E sobre a mesma pintura, noutro grupo de alunos, o Hugo continua a observação do Tiago:

Eu não acho a mesma coisa, eu acho que as figuras são mesmo planas, parece que estão lá só

estampadas, tipo autocolante, são mesmo planas, por isso é que não tem profundidade o

desenho.

Aquilo que acho que todos estavam a dizer que parecia estampado é porque não há sombras.

INTERPRETAÇÃO

Nesta categoria, incluímos os esforços realizados no sentido de construir um significado

para a obra de arte. Verificámos que o processo de aproximação à pintura passava por

algumas constantes que agrupámos segundo as designações de identificação, sentimentos,

sentido e conhecimento, que passaremos a explicar e a exemplificar.

Identificação

A identificação refere-se ao estabelecer de uma relação da imagem observada com a

experiência de vida do participante. Pode ser expresso através de comparações com as

vivências do próprio ou de pessoas significativas na sua vida.

O Hugo identifica-se com a atitude da figura humana representada em Morning Sun de

Hopper, a Beatriz intervém de seguida e os dois continuam o diálogo:

Por exemplo, se a minha autoconfiança estivesse em baixo, se eu visse este quadro a minha

autoconfiança descia mais.

Podes identificar-te com o quadro, percebes?

Pois, mas porque é que a minha autoconfiança descia mais? Esta imagem faz-me lembrar um

facto verídico e então se a minha autoestima estivesse em baixo iria descer mais porque o

sentimento que está ali transmitido, também eu já o senti.

Identificamo-nos com o quadro. Identificamo-nos com o pintor, com a maneira… Cada um tem

a sua forma de reagir à pintura. Somos todos diferentes, não é? Temos todos sentimentos,

opiniões e maneiras de ver diferentes e quando vemos assim… a mim, por exemplo, eu gosto

muito de ver quadros e essas coisas e quando vejo este quadro, é como o Ivo diz, também não

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me sinto assim muito bem a ver este quadro, não me sinto bem. Tem a ver com autoestima,

concordo com o Hugo.

– Arrasta-te para um sentimento negativo? Um momento negativo?

É, sim. Sozinha no mundo!

Numa situação diferente, diante de La clairvoyance de Magritte, a Maria faz uma

comparação entre a sua experiência e a ação do pintor que ela pensa estar retratado:

Como eu já disse, há pouco, acho que está bem representada a imaginação só pelo pássaro e

pelo ovo. Se eu soubesse quem era o pintor… Eu continuo a achar que é um autorretrato, se eu

soubesse quem é o pintor e visse que n~o era o homem que est| na figura…

– Este quadro é um autorretrato do pintor e o título é “A perspic|cia”.

Eu acho que esse título tem a ver com o facto de normalmente quando nós estamos a retratar

uma coisa nós não estamos a desenhar ao mesmo tempo que estamos a olhar para a coisa,

convém olhar e depois desenhar. Ele, ali, está a olhar e a pintar ao mesmo tempo. Depois, a

maneira como segura na tela e a maneira como est| sentado… est| muito direitinho! Eu, por

exemplo, não pinto assim, não me dá jeito nenhum! E, o fato! Pintar todo engravatado não dá

jeito! Incomoda a maneira como está vestido!

Assistiu-se, também, à identificação com pessoas da esfera de relacionamento dos alunos,

como, por exemplo com Man’s head de Lucian Freud. Este excerto do diálogo desenrola-se

entre William e Tiago:

Essa figura para mim representa a fadiga e o cansaço, representado na cara do homem.

Para mim representa o medo, até porque parece que está alguém a vigiar. Está sempre

alguém a vigiar-nos ou a controlar.

– Ele é que parece que está a vigiar-nos a nós?

Sim, parece que nos está a controlar.

– Então quem é que tem medo?

Eu. E até porque faz reflexo ali para aquela janela e olhar para a janela ainda faz mais medo,

parece que alguém está a controlar-nos, faz-me lembrar um professor, não sei porquê mas

faz.

O professor de matemática!

Sim, parece mesmo professor, porque é… parece ser severo, parece ter as qualidades para ser

professor.

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Sentimentos

Esta designação refere-se à nomeação de sentimentos transmitidos pela pintura. Desde

logo observámos que embora a conversa orientada nos três grupos de alunos divergisse

muitas vezes no seu rumo, raramente isso acontecia no que diz respeito aos sentimentos

que são evocados pela imagem. Nesse sentido, temos, como exemplo, as intervenções de

Bartev e da Beatriz, em diferentes grupos ambos falam sobre Le Cadeau de Martha Telles:

Sem a janela nós não tínhamos luz e não sabíamos a profundidade porque no escuro não

temos a sensação de profundidade. Em termos de sentimento, transmite-nos a solidão mas eu

também dizia que transmite a educaç~o que os pais d~o, porque tem uma mente do tipo…

nessa idade nós temos muito receio, muito medo do escuro e se calhar o pintor quis transmitir

uma criança dessa idade que consegue ter a postura que deve ter diante do seu medo,

consegue afugentar esse medo.

– Portanto estás a dizer-me que é uma criança que está representada?

É uma criança que esteja com a sua vontade e com a de alguém a querer afugentar algum

medo.

Não concordo com o que os meus colegas disseram porque eu acho que não dá para perceber

nem a emoção que a menina está a sentir nem nada do género, a única coisa que dá para

perceber é o ambiente em que ela está envolvida, que é um ambiente de tristeza e solidão, e só

no meio que é onde ela está, é que existe luz e cor. Isto é o meu ponto de vista, agora eu acho

que não dá para perceber a emoção da menina.

A sessão sobre Munch prestou-se a um grande elaboração sobre o estado de espírito das

figuras. Os alunos tentaram fundamentar a expressão de sentimentos naquilo que

observam do modo como é feita a pintura. Assim, sobre Melancolia de Munch, Bartev e

Clara dizem:

Para mim, a obra em si, representa muito de solidão, da maneira como está representada a

pessoa. Está sozinho, como a Mariana disse, aquela parte entre o mar e a pessoa parece

abstrato e como ela referiu, na obra focamos mais a atenção na cara da pessoa. Eu acho que

nos focamos mais na cara da pessoa e naquela parte abstrata, que são partes redondas, eu

acho que é a única parte da obra mesmo que está estranha. Não sei, dá-me a sensação que, ao

mesmo tempo que transmite a sensação de solidão, transmite a sensação de fantasia, da

maneira como está representado. E ilusão, se formos pensar como vemos miragens e isso, dá a

sensação que está destorcida, a dançar, a bailar.

Acho que o homem está um bocadinho aborrecido. Parece que está a pensar nos problemas

por causa de como tem o olhar, parece triste, também parece que pode estar à espera de

alguém e já está ali há muito tempo. As formas não são muito definidas, as cores estão todas

misturadas.

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Na sessão sobre Martha Telles e sobre a imagem Memoires d´Enfance, a Maria faz uma

abordagem mais simbólica para explicar o sentimento que transmite. Ela diz:

O tema é o mesmo só que ela aqui quis representar a solidão numa maneira de pintar

diferente, com mais iluminação. O bolo representa a prenda na outra pintura e cadeira no

espaço vazio representa uma única pessoa que deve ser a rapariga e a boneca também está

ali para representar essa rapariga. Ali na cadeira devia estar a rapariga e muita gente mas

não está e a boneca está no chão e parece que o chão está a cair, e ela quis fazer esse efeito

para demonstrar… como é que se diz… é um espaço vazio para demonstrar a… A imensidão

do espaço. (…) O facto de ser grande e não ter lá ninguém e ter um bolo de aniversário mesmo

no meio, está a representar a época festiva em que ela deve ter ficado traumatizada.

Sentido

O sentido refere-se à construção de pequenas narrativas que envolvem as figuras humanas

representadas. Os alunos desenvolvem uma história em torno delas ou localizam-nas na

sequência de um acontecimento que as envolve.

Assim, podemos ouvir um enredo como o criado por Bartev para Cinzas de Munch:

Eu diria que dá a sensação que estamos na altura de 1600 e tal, na altura das aldeias, por

causa da maneira como está representada a floresta, e também aquilo que nós sabemos dos

filmes. Naquela altura os padres tinham a tentaç~o de estar… de ter amantes ou mulheres, e

iam para as florestas terem relações sexuais com elas. Neste caso dá a sensação que, dá-nos

duas sensações, ou a mulher quer e o homem ou seja o padre não quer, ou se não, os dois

quiseram, já tiveram a relação e agora estão desesperados que alguém saiba ou qualquer

coisa do género.

Ainda sobre Munch mas para a obra Separação, Maria cria uma história a partir dos

sentimentos que lhe transmite e que curiosamente coincide com factos da biografia do

artista:

Acho que este quadro representa a solidão porque, parece a realidade e o além. Do género, o

homem parece que perdeu a mulher e os filhos, eu digo os filhos porque em baixo, aquilo

vermelho, à primeira vista é uma planta, mas no entanto a mim parecem três crianças. Parece

que o homem está encostado à árvore com desejo de morrer, com a mão no coração porque

perdeu alguém, alguém que lhe era importante. A mulher, porque aquilo parece a alma da

mulher, não tem cara não tem nada, é um vestido longo, e que parece que está a partir, que

está a ir embora, enquanto os filhos já não, os filhos estão ao pé do pai, parece que o estão a

consolar antes de partirem com a mãe.

Sobre Hotel Bedroom de Lucian Freud, também a Flávia vai de encontro a factos verídicos

da vida do pintor, esta é parte da sua sequência de aproximação ao sentido da obra:

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No meu ponto de vista, este quadro parece um pouco abstrato, porque parece que as pessoas

est~o, parece que foram sugadas…

Sim, parece que o sentimento que os unia parece que já não existe, parece que agora só existe

rancor, dor.

Dá a sensação que eles eram casados, que s~o casados… que se amavam. Sim, era. Dá a

sensação que eles são casados e que um dia já se amaram até pela forma como o homem olha

para a mulher, a forma como a mulher est|, a m~o na cara…

Por vezes os alunos partem de algo que os inquieta na pintura e especulam sobre o que

poderá ter sucedido. Assim acontece com Les Amants de Magritte para William e Maria

Carolina:

Esta imagem parece que eles foram condenados à morte injustamente. Parece que eles estão

tristes por dentro. Estão com a cara tapada, não podem mais viver, vão morrer já a seguir.

Estão prontos para ser mortos.

A primeira coisa que eu senti quando olhei para o quadro foi isolamento. Eles estavam

isolados do resto do mundo, ou pode ter acontecido algum sequestro. Eu concordo com a

Soraia quando ela diz que este quadro é triste e que eles queriam estar longe do resto da

comunidade. (…) Por causa dos rostos tapados. Os rostos tapados dão muita expressividade

ao quadro.

Conhecimento

Esta subcategoria manifesta-se quando os alunos relacionam o que veem com contextos

particulares que envolvem os seus conhecimentos sobre a vida em sociedade. Assim,

podem, por exemplo, estabelecer relações com outros tempos históricos, com outras

culturas ou com provérbios ou expressões que associam à imagem. Podem, ainda,

interpretar a imagem segundo relações simbólicas como acontece com os excertos do

diálogo sobre Vacances à la Montagne de Martha Telles. Os alunos atribuem especial

significado a alguns objetos que interpretam como símbolo de crescimento e de vida.

Nesse sentido, temos as intervenções do Bartev, do Tiago e, ainda, da Cátia:

Se calhar no momento em que nós nascemos… a |rvore tem um tronco e nós somos o tronco e

depois tem as suas raízes e as raízes devem ser as memórias de acontecimentos da nossa vida,

e chega a uma parte e a raiz para, se calhar como se diz, nós na nossa vida temos várias

portas e algumas portas abrem-se mais cedo do que as outras e algumas dão para outras.

Para mim esta imagem tem muita harmonia mas eu acho que isto também tem a ver muito

com as fases da vida, tem criança, tem ali depois o casamento, depois tem idosos e depois tem

do lado direito a solidão que é tudo bastante mais escuro e sozinho. E também acho que tem

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ali um ovo ou uma bola ali ao pé do cão, não sei se é um ovo, se for um ovo mais me faz

parecer as fases da vida, que é o nascer, crescer, casar, ficar velho…

Sim, as pessoas que estão ali, é com quem ela convive agora, quando está no Canadá, e as

árvores representam, como o Bartev disse uma árvore a crescer, ela imagina as pessoas com

quem conviveu na sua infância a crescerem também, mas como não tem nenhuma imagem

dessas pessoas representa por árvores, como o Bartev disse a árvore representa a vida.

A sessão sobre Martha Telles foi muito profícua em interpretações que referem o valor

simbólico dos objectos, isso verifica-se logo na primeira imagem, em Le Cadeau. A Maria

Carolina valorizou o aspeto simbólico da cor e o Bartev desenvolveu a sua ideia inicial que

vê validada no conhecimento do título da obra:

O roxo para além da morte é mal, eu acho que é para os maus. Os maus normalmente nos

filmes pintam os olhos de roxo, não é? Então se ela estiver a ser má consegue ter uma relação

entre a sala roxa e as flores completamente contrárias e a prenda; e eu já consegui relacionar

tudo. (…) A pessoa que lhe deu a prenda gosta muito dela mas ela não gosta da pessoa. Ela

decorou a cadeira com as flores que a menina mais gosta e deu-lhe uma prenda, a menina

simplesmente sentou-se na cadeira e “N~o vou abrir a prenda!”. Relaciono o roxo que é o mau,

que é o sentimento que a menina está a ter naquele momento. E já consegui relacionar tudo!

Agora que a professora disse o título, eu associei àquilo que disse em relação à lição de vida,

de ela estar a passar uma fase que pode ser difícil mas que depois no futuro tem o seu fruto.

Porque eu acho que isso se relaciona com a prenda. Pode ser pequeno em relação ao momento

que ela est| a passar, mas no futuro vai ser muito… Simboliza mesmo o que no futuro pode ser

grande.

Outras vezes a pintura é, para os alunos, ilustrativa de conceitos culturais ou históricos.

Para o primeiro caso temos as palavras de Hugo sobre Morning Sun de Hopper e de Flávia

sobre Separação de Munch:

Não sei, também, até que ponto aquela diferença de sombreado entre o negro e a luz

influencia a obra. Faz-me lembrar um símbolo que é yin e yang, o símbolo do equilíbrio.

Dá a sensação que o pintor quis representar o purgatório, que é o sítio onde as almas sofrem.

Duma certa forma parece que ele, de uma forma abstrata, quis representar o purgatório que

é o sítio onde vão as almas que se perderam.

O contexto histórico é referido, por exemplo, a propósito de Les Amants de Magritte.

Raquel, Carolina e Tiago discorrem sob essa perspectiva de interpretação:

Quando olhei, fez-me pensar duas coisas, ou tristeza ou igualdade. Porque há países em que as

mulheres andam tapadas, não é? Este quadro pode querer dizer que o pintor pensa que se elas

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andam tapadas, porque não os homens? Porque é que as mulheres são menos do que os

homens? Pode ser isso ou pode ser tristeza.

Ainda em relação à igualdade, aposto que toda a gente pensou que o rosto que está por detrás

é branco, e não uma pessoa de cor?

Eu acho que é devido à sua religião, como disse que é da década de 40 ou 50, foi mais ou

menos a 2ª Guerra Mundial, o que quer dizer que estavam a esconder a sua religião. Seriam

judeus ou assim.

JUÍZO

Esta categoria contempla uma atitude mais analítica e um esforço em conceber critérios

para ajuizar sobre o valor da obra de arte. Falaremos de síntese comparativa, habilidade

técnica, gosto e juízo de valor.

Síntese comparativa

Esta subcategoria manifesta-se quando o aluno, baseado na sua experiência com a arte,

estabelece comparações entre obras salientando semelhanças ou diferenças entre elas de

modo a chegar a uma síntese. Começaremos pela situação em que os alunos pretendem

elaborar uma caracterização do pintor a partir das três obras dele que conheceram. É o

que se passa nas duas intervenções Carolina sobre Cinzas de Munch e depois sobre Hotel

Bedroom de Lucian Freud:

A principal semelhança entre os quadros e acho que a principal característica do pintor é a

expressão dos sentimentos. Através das pessoas e da paisagem também.

Acho que o que caracteriza este pintor é a figura humana.

Maria e Flávia tentam caracterizar o modo como pintor representa as figuras femininas:

Só sei que ele cada vez que representa uma mulher representa-a de forma triste, sofrida, por

isso só há duas opções, ou ele sofreu grandes perdas e representou-as assim ou então ele

simplesmente desprezava as mulheres.

Concordo com a Mariana, porque é assim, ele deve ter perdido as primeiras mulheres da vida

dele, deve ter perdido muito depressa, então aí ele passou a desprezar as seguintes.

Diante de Conversation de Matisse, Raquel e Carolina procuram elaborar uma síntese do

estilo do pintor:

Eu acho que este quadro vê-se mesmo que é do mesmo pintor por causa de uma coisa, quero

dizer, eu não vi muitos ainda mas a cadeira, a cadeira é igual à mesa do outro quadro, não se

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percebe bem onde acaba, é como o outro, este é azul o outro é rosa mas é a mesma coisa. Eu

gosto mais deste quadro do que do outro, gosto mais deste.

O que eu acho que mais diferencia entre este quadro e o outro é lá fora. Aqui o pintor

preocupa-se mais em caracterizar o exterior, nas plantas no caminho e um edifício lá ao

fundo. Depois, o que caracteriza o pintor, acho que são duas coisas, a falta de transmissão do

início e do fim das coisas, dos contornos, tudo mal definido, aquelas cores todas, mal se

percebe onde é que ela acaba onde é que começa, e outra coisa, também, as formas aqui na

grade aquela coisa preta é tudo muito redondo. E não concordo com a Rita quando ela diz

que a luz era para aquele lado, eu acho que é para o outro porque acho que a cara da mulher

está muito mais clara que a do homem e a do homem vê-se ali uma espécie de sombra, está

aqui tudo… parece que tem aqui uma manchinha mais branca que a da mulher só se vê luz, a

roupa dela é que é mais escura.

Acho que o que caracteriza este pintor é as formas recortadas, parece que foi recorta cola,

recorta, cola.

A comparação entre autores é levada a cabo, por exemplo, com Maria que procura

relacionar Man’s Head de Lucian Freud com situações que viu representadas por outros

pintores. A ela junta-se-lhe a sua colega Margarida:

A técnica é muito diferente do outro pintor [Magritte], focam-se os dois naquilo que querem

mas o outro usa uma técnica para representar as coisas de forma mais real, quase como

fotografia, e este aqui, simplesmente foca-se mais naquilo que ele quer, que é a expressão da

cara, e não liga ao resto. Em termos de técnica, são muito diferentes mas em termos de

expressão são iguais.

No outro, notávamos mais o que ele queria transmitir pelos objetos e pelo que ele estava a

fazer e não pelas expressões do rosto. Aqui é só mesmo a expressão do rosto, só mostra essa

parte. Lá era uma sala, tinha mais objetos, o que ele estava a fazer. Porque ele baseou-se só no

rosto, n~o se baseou em mais… usou formas e objetos para mostrar o que ele queria, os

sentimentos, as expressões.

Habilidade técnica

A habilidade técnica refere-se { emiss~o de juízos sobre o domínio “do fazer” da pintura. É

analisada a técnica nas vertentes do rigor da representação, do uso da cor e do gesto.

Temos por exemplo a observação de Maria sobre Man’s Head de Lucian Freud:

Em termos técnicos o pintor preocupou-se com as cores, porque ele em vez de pintar tudo de

uma cor, escolheu uma base de cor branco e creme, foi isso que ele escolheu, porque já no

cabelo aquilo não é preto, aquilo também tem um pouco de cinzento, que acho que foi a

mistura das cores da pele com o preto. Depois no fundo, ele não pintou simplesmente nada, fez

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uma parte mais escura que a outra, fez só riscos por assim dizer, a parte do fundo não lhe

interessava, porque o que ele queria acentuar era só a cara. Usou bem as sombras, porque um

lado da cara está mais escuro que outro.

Gosto

Nesta subcategoria, incluímos a manifestação da opinião de gosto e sua fundamentação.

Como acontece, por exemplo, com a Margarida que fala sobre Man’s Head de Lucian Freud:

Eu também gosto deste quadro, gosto da maneira com as formas estão definidas, o rosto e

tudo, e principalmente das cores. Acho que as cores estão muito bem escolhidas porque ele

não usou as cores básicas, parece que ele as misturou para formar novos tons, e acho que é

um bom quadro. Porque acho que est|… nota-se as expressões, não é um quadro muito fácil e

não é muito comum também. Porque ele baseou-se só no rosto, n~o se baseou em mais… usou

formas e objetos para mostrar o que ele queria, os sentimentos, as expressões.

A pintura de Munch suscitou grande adesão nos três grupos de alunos e Bartev quando vê

Melancolia diz mesmo:

Acho que deve ter sido o quadro mais bonito até agora vi!

– Mais bonito, porquê?

Não sei, dá-me a sensação que, ao mesmo tempo que transmite a sensação de solidão,

transmite a sensação de fantasia, da maneira como está representado. E ilusão, se formos

pensar como vemos miragens e isso, dá a sensação que está destorcida, a dançar, a bailar.

– De tudo aquilo que nós vimos, é este o que tu gostas mais?

Sim. É o que transmite mais… apesar de sentimentos maus, podemos considerar. Mesmo assim

eu acho que é o quadro que se tivesse de escolher entre os três [pintores] escolhia este.

Por vezes, não é clara a posição do aluno face à obra e esta é uma das primeiras

intervenções da Cátia que esteve quase sempre com uma atitude desinteressada mas

subitamente na última sessão, sobre Martha Telles, começou a participar. Ela refere-se a

Le Cadeau:

Eu não gosto nem deixo de gostar, acho que é uma pintura interessante porque mostra que

antigamente as festas de aniversário era do género a criança mais os pais, cantavam os

parabéns, comiam o bolo, abria uma única prenda que é a prenda dos pais e acabava aí a

festa. Se fosse como agora, não se representava assim, representava-se com muita luz e com

muita gente num só espaço e acho que é interessante porque é para mostrar a diferença dos

tempos antigos e de agora.

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100

Juízo de valor

O juízo de valor manifesta-se na expressão de uma classificação de boa ou má obra de arte.

É acompanhado dos motivos que alicerçam essa classificação. Sobre La Chambre Rouge de

Matisse, Raquel faz o seu juízo e fundamenta-o na análise formal e na intenção do artista:

Eu acho que é um bom quadro, porque apela à nossa imaginação. Porque é que o pintor há de

ter pintado assim? Porque não é uma coisa real, ninguém ia ter uma mesa destas em casa

nem uma parede, acho eu. Mas gosto do quadro, acho que utilizou bem as cores, porque se ele

queria transmitir uma ideia de alegria ou de diversidade acho que, se era isso que ele queria

transmitir, acho que conseguiu porque as cores são bastante fortes.

Sobre Man’s Head de Lucian Freud os juízos são quase todos do mesmo tipo no sentido em

que os alunos que intervêm valorizam sempre a obra, mas uns apreciam mais o seu valor

expressivo e outros a sua técnica, como é, por exemplo o caso da Flávia e da Maria:

Eu acho que é um bom quadro, de uma certa forma toca-me muito pelo que ele tenta

representar. Não só porque ele tenta mostrar-se a ele próprio mas também porque ele tenta

demonstrar os sentimentos dele, de uma certa forma de ser superior, indiferente, irreverente,

firme, ser uma pessoa que pense que faça a diferença.

Como eu disse na aula passada, eu acho que todos os quadros são bons e este quadro é mesmo

muito bom, porque apesar de não ter linhas definidas, de não ser muito realista nem nada,

tem um bom uso de cores, a maneira como ele pinta e isso, por isso acho que o quadro é bom.

Agora, em termos da minha opinião pessoal, eu não gosto do quadro, porque eu não gosto de

retratos, é uma coisa que n~o me chama a atenç~o. (…) Apesar de n~o ter linha definida e ter

a cara praticamente da mesma cor, está cheio de manchas, ele deu atenção às sombras,

conseguiu fazer as sombras na mesma e conseguiu transmitir aquilo que ele queria. Por isso é

que eu acho que é um bom quadro e só se focou realmente naquilo que ele queria, porque o

que eu acho que o que ele tem de mais realista são os olhos, por causa disso. E opinião pessoal

é porque eu não gosto muito de autorretratos ou retratos.

No entanto, o Hugo encontra-se dividido no modo de classificar a pintura e introduz uma

questão importante, a noção de museu como espaço, por excelência, dedicado à fruição da

arte e capaz de influenciar as características atribuídas à obra:

Este quadro diria que n~o é um bom quadro porque… é um bom quadro para pôr num museu

mas para ter em casa não é um bom quadro, porque no museu transmite mais aquele ar sério

assim de… elevado, uma ar mais forte, e se fosse para nossa casa acho que as nossas casas têm

um ar mais leve, mais familiar.

Na mesma aula, e a propósito de Hotel Bedroom, Beatriz defende a comunicação com as

pessoas como o aspeto fundamental da arte:

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Eu acho que é um bom quadro porque o objetivo de cada pintor é passar uma mensagem,

transmitir o sentimento do momento, certo? E é aquilo que ele conseguiu fazer, portanto ele

transmite sempre uma mensagem, e essa mensagem pode ser interpretada de várias

maneiras, mas é a mensagem que ele conseguiu passar, portanto eu acho que é um bom

quadro.

Qual é para ti a mensagem?

É mais de cansaço, fadiga… essas coisas assim.

– É uma peça que comunica?

É. Talvez pelo olhar da figura.

– Portanto tu achas que é importante essa questão?

Comunicar com as pessoas deste lado! Isso é que liga as pessoas à arte.

CONCETUALIZAÇÃO

Esta categoria refere-se a uma fase de reflexão que faz uso de um pensamento mais

abstrato e tende a construir generalizações e a formar conceitos. É fundamentada no

envolvimento pessoal com a obra de arte e corresponde a um esforço de formular

conceções sobre as esferas de produção e fruição da arte.

Função da arte

A função da arte manifesta-se na discussão sobre o papel da obra de arte na relação com o

observador. Agrupámos, ainda, as situações referidas pelos alunos em mudar

comportamentos, comunicar com as pessoas e função documental. Esta pode ser

observável, por exemplo, na intervenção do Bartev na primeira sessão:

Eu dizia que a arte tem várias formas. Podemos utilizar a arte para transmitir sentimentos,

podemos utilizar a arte para monumentos, podemos pintar para transmitir as nossas ideias

ou sentimentos, podemos pintar por momentos. Se formos um pintor muito rápido podemos

ver um acontecimento e começarmos a apanhar todo o acontecimento e pintarmos e depois

transmitirmos esse momento para as outras pessoas que não conseguiram apanhar.

No que se refere à comunicação com as pessoas, salientamos a referência a um sentir

universal e a transmissão de um ensinamento ou moral de acordo com vários alunos. Por

exemplo, o Hugo diz o seguinte, sobre Morning Sun de Hopper:

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Uma moral, algo que faça sobressair… Este quadro transmite algo a todas as pessoas de tal

forma que existe um ponto dentro dessas pessoas que sobressai, um sentimento que sobressai.

(…) Moral, tipo aquelas histórias “A tartaruga e a lebre”.

– Então, qual é que será a moral deste? Por aquilo tudo que tu disseste eu posso chegar a uma.

Não desistir!

A empatia criada com a arte pode, também despertar a vontade de mudar

comportamentos do próprio observador. É a isso que se refere o Nelson, a propósito da

mesma pintura:

Porque o quadro muitas vezes em si pode inspirar uma pessoa, certo? Por exemplo, se for de

solidão a pessoa pode ficar inspirada e tentar sair mais de casa e ser mais sociável com as

outras pessoas.

– Ent~o achas que pode funcionar…

Como uma inspiração para as outras pessoas.

A Maria concorda com o colega mas expressa-se de modo diferente:

Neste quadro acho que o pintor pretende socializar as pessoas. Ele neste momento estaria

triste e pintou o quadro para que as pessoas vissem e pensassem no que ele estava a passar ou

o que é que as próprias pessoas podiam estar a passar. Uma pessoa que está triste ao ver este

quadro ou fica mais triste se pensa na parte da desilusão ou então fica com esperança se

pensar no quadro como um quadro de esperança.

Intenção do artista

A intenção do artista reporta-se à situação em que os alunos tentam colocar-se no papel do

pintor para perceber quais as suas principais motivações e qual a sua intenção expressiva.

Bartev faz uma comparação entre as três obras de Hopper e expressa assim o que julga ser

a intenção do pintor:

Acho que aquilo que o pintor tenta representar é as pessoas fechadas dentro de algo. O

primeiro que nós vimos, a mulher estava dentro do quarto, o segundo estava, se calhar, no seu

posto de trabalho mas mesmo assim estava fechado. Agora nós vemos duas pessoas dentro

duma casa e mesmo assim lá fora está fechado não tem quase nada, dá a impressão que ele

quer transmitir em todos os quadros até agora, que as pessoas estejam fechadas dentro de

algo.

Já na sessão sobre Magritte e sobre La Reproduction Interdite, a Maria e o Bartev partilham

ideias semelhantes:

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Acho que com este quadro o pintor queria retratar aquilo que ele via e não aquilo que o

espelho transmitia. Queria retratar o que ele via, o tal escritor e não aquilo que o espelho lhe

transmitia, a imagem.

Eu concordo com a Maria. O espelho mostra a face que está virada para ele, mas o que o

pintor queria mostrar era a face que o espelho não mostrava. Quando nós pomos um objeto à

frente do espelho vai mostrar só uma face e o pintor queria mostrar a outra face escondida.

Acontece, muitas vezes, os alunos falarem da intenção do artista em representar-se e de

facto algumas das obras são autorretratos e outras incluem referências autobiográficas.

Diante de Man´s Head de Lucian Freud, as colegas Maria e Cláudia dizem:

Acho que aqui o pintor autorretratou-se mas quis mostrar, como elas já disseram, a maneira

como ele é confiante e quis retratar-se de uma maneira arrogante. Ao mesmo tempo isso era

para dizer que apesar dos defeitos dele, ele não se importava, porque, ele por exemplo,

colocou o nariz torto, o queixo torto, a boca, a orelha está muito para baixo, eu acho que aí ele

quis acentuar os seus defeitos.

Como ela já tinha dito, é um autorretrato e o pintor para se caracterizar não usa cores muito

claras, é à base de cores escuras, é um homem que tem uma postura de importante pelo

formato do rosto, que não tem grandes preocupações e que gosta de viver no seu próprio

espaço sem ser incomodado.

O facto de o pintor ser um homem não impede que ele se faça representar numa figura

feminina segundo a interpretação da Maria sobre Cinzas de Munch:

Acho que também na parte do desespero, também se vê bem o vestido da mulher, em termos

de estar todo desabotoado, até vê-se as sombras na parte do peito, ele não quis dar muita

atenção a esse pormenor e acho que a mulher, como a Filipa disse, está mesmo a representar

o pintor, acho que ele representa-se mais na mulher do que no homem, acho que está a dizer

“j| chega” ou qualquer coisa assim.

Já na obra de Martha Telles, em Memoires d´Enfance, a Flávia defende que a pintora se

representa através de uma boneca:

Eu acho que, no meu ponto de vista, a pintora transmite os sentimentos que foi sempre

guardando, como de inferioridade e de medo de ficar sozinha… eu acho que ela quis retratar-

se na boneca. Porque as pessoas podiam não estar presentes mas eu acho que os pais também

não lhe davam a atenção que ela achava que merecia, então eu acho que ela se sentia como

uma boneca dentro de uma caixa, mas neste caso ela preferiu retratar a boneca dentro de

uma sala porque ela sentiu que os pais deviam trabalhar muito e deixavam-na sozinha dentro

de uma sala a brincar com uma boneca, então eu acho que é isso, ela sentia-se muito só. Eu

acho que ela se retratou na boneca porque ela sentia que ninguém brincava com ela...

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– Se é isso que pretende representar porque é que não terá representado uma menina e terá

representado uma boneca?

Porque ela, se calhar, sentia-se como uma boneca, um monte de trapos a quem ninguém dava

atenç~o… acho que é isso.

Criação artística

A criação artística refere-se à especulação sobre o valor da arte, quais as suas características

intrínsecas e quem o estabelece o seu valor. Os alunos, refletem, ainda, sobre a relação entre a

realidade e a imaginação como podemos constatar nas intervenções do Hugo e do Bartev, sobre

Melancolia de Munch:

Imaginar tem a ver com um contraste de ideias, nós não imaginamos uma coisa que não

tenha um bocadinho de realidade.

Também não devemos exagerar demasiado porque aquilo que nós imaginamos existe no

mundo, aquilo que nós queremos imaginar tem que ser aquilo que nós… como hei de explicar?

Aquilo que nós sentimos, aquilo que nós vemos no dia-a-dia. Eu posso imaginar ser alto ou

mesmo ter muita coisa, mas é uma coisa que se pode ter. Enquanto abstrato, muito abstrato,

não se tem nada, o que é que nós podemos ter abstrato? Que eu saiba nada. Por isso não podia

exagerar demasiado na imaginaç~o…

Outra vertente de discussão que integramos na categoria de criação artística é a que se

refere ao valor material da obra de arte. O excerto que se segue é protagonizado por Hugo

e por Bartev que dizem a propósito de La Chambre Rouge de Matisse:

É o seguinte, este quadro não tem… se fosse para fazer dinheiro com este quadro, em termos

de comercialização, não dava lucro, acho que o pintor não se importou em comercializar este

quadro mas sim em tentar transmitir qualquer coisa que cativasse o observador só para

cativar a atenção mas não para vendê-lo. Cativa o observador, mas não é uma atração à

primeira vista. (…) É uma atração que vem de dentro de nós, e essa atração é feita geralmente

pela sociedade em que vivemos.

Em relação ao Ivo, eu discordo logo no início quando ele disse se este quadro fosse para

vender não lucrava, eu acho que um pintor que seja um bom pintor quando pinta não se

interessa pelo seu valor, interessa-se pela arte, porque a pintura abstrata, o que é que é

aquilo? É abstrato pronto, não percebemos, e vale muito. Uma pintura de linhas, de

quadrados vale milhões, às vezes mais do que obras com muitos detalhes.

– Estavas a dizer-me quando um artista faz ou pinta um quadro não está interessado em

vender, posso perguntar-te se achas que a arte tem algum papel?

Eu acho que é representar aquilo que… eu acho que é transmitir sentimentos ou o que a

pessoa passou na sua vida.

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Aqui, os alunos trouxeram à discussão conceitos importantes como a noção de

comunidade de especialistas avançada por Bartev que, para isso, evoca o cenário de uma

turma constituída por pintores:

Eu podia dizer que o valor da obra vem mais dos outros pintores. Vamos supor que nesta

turma somos todos pintores, eu pinto como o Tiago pinta, e nós todos vemos da maneira como

ele pintou, porque somos pintores, sabemos o que é que ele fez, que técnica é que utilizou e

damos valor a essa pintura, a essa obra. Eu acho que é assim que é valorizada a obra.

– Então, estás a dizer-me que a obra é avaliada dentro do meio que a produz? Dentro de um

meio restrito?

Sim. E da parte dos observadores.

– Estás a dizer-me que implica conhecimento?

Sim, eu posso trazer uma obra falsificada, bem feita e vender a um milionário, e o milionário

n~o sabe nada, compra só para enfeitar a casa. Agora a pessoa…

– E isso não é válido?

Isso não é válido. Uma pessoa que dá valor à obra é porque gosta da obra, é porque sabe

técnicas, é porque sabe apreciar a obra.

Outro assunto discutido neste âmbito foi questão de género na produção artística. Será

que há uma pintura masculina e uma pintura feminina? Esta questão surgiu no final da

aula sobre Martha Telles. Tiago e Beatriz têm opiniões diferentes:

Eu acho que há. Os homens são muito mais sentimentalistas nos quadros, trazem muitos mais

sentimentos que as mulheres e transmitem muito menos cores, normalmente têm sempre uma

cor igual e outra… v| duas cores iguais. Eram duas cores diferentes, tinha sempre montes de

sentimentos, alguns, outros não, mas isso depende do homem. As mulheres não tanto,

transmitem outros sentimentos, às vezes desenham sem sentimento nenhum, à toa, só por

desenhar. Só para ver cores e mais nada.

Eu acho que nenhum quadro é importante por ser feito por homem ou por mulher, eu acho

que num quadro aquilo que é importante é o que transmite e a mensagem que o pintor quer

passar.

O comportamento dos participantes

Para o decorrer desta atividade foi muito importante o comportamento dos alunos e o

modo como respeitaram as indicações fornecidas antes da primeira sessão e que se

referiam ao modo de estar. O seu comportamento favoreceu o silêncio necessário, numa

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primeira fase, para permitir um primeiro contacto individual com a imagem; a

participação oral organizada para permitir fazer o registo de som com qualidade e o

respeito pelos pontos de vista divergentes para permitir um à vontade necessário à livre

expressão.

Concluímos que os alunos operaram mudanças significativas ao longo deste processo, ao

nível da sua capacidade de expressão verbal e ao nível da diversificação de categorias de

análise da imagem. Aqui é de salientar a sua capacidade de mudar de opinião. A Maria

Carolina expressa-a muito bem, na sessão sobre Martha Telles a propósito de Le Cadeau:

Eu olhei para o quadro e não senti rigorosamente nada, depois observei melhor e comecei a

sentir contradições, o que me estava a desagradar profundamente. Depois comecei a

relacionar as coisas umas com as outras embora seja uma história rocambolesca mas foi a

única maneira que eu arranjei para relacionar. Quando a professora disse que isto foi uma

festa de anos passada, percebi exatamente a cor roxa, percebi a única prenda que a menina

recebeu, percebi a cara dela, ela está feliz e triste e daí o sorriso amarelo, as flores talvez

façam parte da decoração da festa. A varanda, a luz se calhar foi a única luz que ela sentiu

durante o dia e a minha opinião ficou assim.

– E neste momento quando olhas para o quadro já não dizes que não sentes nada?

Não, agora já sinto qualquer coisa, já sinto a tristeza da menina que viu a sua festa

fracassada.

– E achas que é um bom quadro ou não?

Agora é. Agora é, os sentimentos que isto me transmite, para mim um quadro tem que

transmitir algo forte e agora já me transmite sentimentos fortes, e por isso é que eu gostava

do pintor anterior. [Lucian Freud].

Da nossa parte, houve o cuidado de não introduzir informação sobre as obras, os artistas e

os contextos antes de ser solicitada pelos alunos participantes ou de ser necessária para

motivar o prosseguimento do diálogo. Os próprios alunos perceberam a intenção de deixar

o espaço de debate em aberto durante mais algum tempo antes de fornecer a confirmação

das suas ideias sustentadas na informação dos factos referentes à época, ao tema ou

mesmo o título da pintura. Uma vez que os alunos se encontram, na sua grande maioria,

perante obras que desconhecem de todo seria de esperar que, a partir do momento em

que sabem o título, toda a sua leitura da imagem seja ancorada na interpretação a partir

dessa informação e não a partir da observação aventureira sobre a obra de arte. Os alunos

acolheram bem essa nossa atitude, de tal forma, que por vezes, pediam para não

mencionar, ainda, o título da obra e prolongarem as suas indagações menos

condicionados.

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Capítulo 8 – Notas finais

A presente investigação começou com a ideia de conceber um instrumento de trabalho

para diversificar as experiências de ensino/ aprendizagem no contexto das aulas de

Educação Visual. Após uma experiência de docência de mais de uma década, foi possível

identificar pontos fracos na operacionalização das orientações curriculares para a

disciplina e procurar ir de encontro a aspirações pessoais em desenvolver competências

para renovar o prazer de educar. Porque não conceber um instrumento que permita

colocar em prática e desenvolver as capacidades de apreciação artística?

Desde logo nos encaminhámos para a ideia de elaborar uma atividade que envolvesse um

conjunto de reproduções de obras de arte e estudámos autores que se dedicaram a

investigar esse tema. Revisitámos, então, as teorias sobre os estádios de desenvolvimento

estético de Michael Parsons e de Abigail Housen, averiguámos a implicação da

metodologia da apreciação crítica segundo Edmund Feldman para Terry Barrett e demos

conta dos seus princípios para interpretar. Finalmente, estudámos a experiência estética

sob o ponto de vista da fenomenologia de acordo com R. L. Jones e as suas implicações

para as estratégias que Boyd White concebeu para criar instrumentos de registo do

encontro do sujeito com a obra de arte.

Baseámo-nos nos marcos teóricos referidos para conceber a nossa estratégia sem nunca

esquecer que se destinava a aplicação em contexto de sala de aula com alunos do 3º ciclo

do ensino básico. Assim, tomámos a decisão de escolher um conjunto de obras de pintura e

articular uma atividade que fomentasse o diálogo sobre as mesmas. A nossa convicção era

que uma das dimensões essenciais da educação artística envolve falar sobre arte, o que vai

de encontro à hipótese defendida por R. L. Jones (1979) de que as interacções dos

participantes com as obras de arte “est~o indissocialvelmente ligadas às suas capacidades

de articular verbalmente essas experiências”.

Parte do nosso desafio foi conceber um instrumento e uma estratégia que provocasse

observadores ativos, com vontade de criticar e interpretar as imagens. Uma premissa

importante foi a atividade decorrer em grupo, pois cremos que facilita uma progressão

mais rápida no envolvimento com a obra de arte porque em conjunto os olhares

completam-se e enriquecem-se.

Consideramos que o processo desenvolvido para o encontro com as imagens facilitou a

compreensão da obra de arte, pois provocou o olhar, estimulou o diálogo, acolheu a

participação dos alunos e contextualizou-a. Cremos, ainda, que fomos capazes de guiar os

alunos numa experiência que lhes permitiu:

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desenvolver as capacidades de observação das obras;

desenvolver uma linguagem cada vez mais precisa e que lhes permite ir mais longe

na comunicação de ideias sobre a arte;

desenvolver a confiança nas suas aptidões individuais para encontrar uma

variedade de significados possíveis;

desenvolver a capacidade de aceitação e acomodação da novidade e estranheza;

adquirir os fundamentos de uma estrutura que os guie em futuros contactos com a

arte;

despertar a curiosidade e o prazer para se aventurarem em novos desafios da

mesma natureza.

Relativamente aos resultados alcançados, podemos dizer que ficámos surpreendidos com

a acuidade que os alunos revelaram no diálogo sobre a arte. Tendo em conta que se trata

de alunos do 9º ano sem experiência em interpretar e criticar objectos de produção

artística e com poucos hábitos de visitas a exposições de arte foi com satisfação que

assistimos ao seu envolvimento na atividade proposta.

É certo que, pode ser prematuro perante um estudo de caso desta dimensão falar de

crescimento de competências dos alunos, mas foi notório uma conquista de autonomia ao

longo do processo, se compararmos a primeira sessão com uma das últimas. Os alunos

expressavam-se mais fluentemente, com menos mediação da professora e com uma

linguagem mais precisa. Tornaram-se, ainda, mais confiantes e aventuraram-se em novos

conceitos ao nível dos conteúdos, ou seja, começaram a produzir reflexão sobre conceitos

como a intenção do artista, a criação artística e a função da arte.

O que ouvimos, com muito agrado, foi que os nossos alunos emitiam observações muito

próximas daquilo que públicos mais experimentados afirmam sobre as mesmas obras de

arte e sobre a arte, em geral. Aqui, estamos a basear-nos na comparação com a nossa

experiência passada enquanto estudante de Belas Artes e na investigação efetuada para o

presente trabalho.

A propósito do que foi dito, este estudo veio revelar-nos novas linhas de investigação para

o futuro. Achamos que seria interessante desenvolver uma pesquisa semelhante com

novos perfis de participantes, como, por exemplo, adultos ou estudantes de outros níveis

de ensino e proceder a comparações com o nosso estudo de caso.

Quando agimos no contexto de uma escola, é necessário refletir sobre as implicações que a

nossa ação tem, não apenas, dentro da sala de aula mas para além dela. É suposto e

desejável que as várias disciplinas concorram para a formação integral do aluno e o

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preparem para a vida do ponto de vista profissional e pessoal. As competências

desenvolvidas através de uma educação artística desempenham aí um papel ao ajudar-nos

a olhar a vida e o que nos rodeia de forma diferente, ao questionar e compreender o nosso

lugar no mundo e ao entender toda uma dimensão humana da existência.

“O importante n~o é ensinar estética, história e crítica da arte, mas, desenvolver a

capacidade de formular hipóteses, julgar, justificar e contextualizar julgamentos acerca de

imagens e de arte”. (Barbosa, 2005:64) E nós acrescentamos, o importante é estarmos

mais aptos a olhar o mundo com um olhar criador, mais capazes de conceber

possibilidades, em suma mais perto de exercer a nossa liberdade.

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116

SITIOS DE INTERNET

Albright-Knox Art Gallery

http://www.albrightknox.org/collection

Beaverbrook Art Gallery

http://www.beaverbrookartgallery.org

Bibliotheque Municipale de Poitiers

http://www.bm-poitiers.fr

Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian

http://www.cam.gulbenkian.pt

Columbus Museum

http://www.columbusmuseum.org

Hermitage Museum

http://www.hermitagemuseum.org

Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Smithsonian Institution

http://hirshhorn.si.edu

Munch Museum

http://www.museumsnett.no

Musée de l’Orangerie

http://www.musee-orangerie.fr

Museum Boymans-van Beuningen

http://www.boijmans.nl

Nasjonalgalleriet

http://www.museumsnett.no

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117

National Gallery, Prague

http://www.ngprague.cz

National Gallery of Art, Washington DC

http://www.nga.gov/

National Gallery of Australia

http://nga.gov.au

Philadelphia Museum of Art, Philadelphia

http://www.philamuseum.org

Rasmus Meyers Samlinger

http://www.kunstmuseene.no

The Anschutz Collection

http://www.denverartmuseum.org

The Metropolitan Museum of Art

http://www.metmuseum.org

Victoria and Albert Museum

http://www.vam.ac.uk

Walker Art Center

http://collections.walkerart.org

Whitworth Art Gallery

http://www.whitworth.manchester.ac.uk

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APÊNDICES

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Apêndice A – Obras de arte – Pré-teste

PRÉ-TESTE - SESSÃO Nº 1

Pieter Bruegel. The harvesters. Óleo sobre madeira, 119 x 162 cm The Metropolitan Museum of Art,

New York http://www.metmuseum.org/

China, desconhecido. Sorting of the cocoons.

Livro da indústria de seda. Dinastia Qing, início do século XIX.

Bibliotheque Municipale, Poitiers, France http://www.bm-poitiers.fr/

Frederic Remington. Turn him loose, Bill.

Óleo sobre tela, 119 x 84 cm The Anschutz Collection

http://www.denverartmuseum.org

Franz Marc. Die gossen blauen Pferde (The large Blue Horse). 1911 Óleo sobre tela, 105,7 x 181 cm

Walker Art Center http://collections.walkerart.org/

Lin Li. Polo game. 1635 Aguarela sobre seda,

28 x 92 cm Victoria and Albert Museum, London

http://www.vam.ac.uk/

PRÉ-TESTE - SESSÃO Nº 2

Frida Kahlo. Self portrait with monkey. 1938

Óleo sobre masonite, 40,6 x 30,5 cm Collection Albright-Knox Art Gallery,

Buffalo, New York http://www.albrightknox.org/collection/

Camille Pissaro. Dans le jardin Óleo sobre tela, 44,5 x 55 cm

National Gallery, Prague http://www.ngprague.cz/

Henri Rousseau. La carriole du père Junier 1908.

Óleo sobre tela, 97 x 129cm Musée de l’Orangerie, Paris

http://www.musee-orangerie.fr/

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Apêndice B – Obras de arte - Sessões

SESSÃO Nº 1 – EDWARD HOPPER

Morning sun,1952 Óleo sobre tela

71,4 x 101,9 Columbus Museum of Art, Ohio

http://www.columbusmuseum.org/

Office in a small city, 1953 Óleo sobre tela

71,7 x 101,6 cm Metropolitan Museum of Art,

New York http://www.metmuseum.org/

Hotel by a railroad, 1952 Óleo sobre tela 79,4 x 101,9 cm

Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Smithsonian Institution,

Washington D.C . http://hirshhorn.si.edu/

SESSÃO Nº 2 – RENÉ MAGRITTE

La clairvoyance (autoportrait), 1936 Óleo sobre tela 54,5 x 65,5 cm

Gallerie Isy Brachot, Bruxelas-Paris

Les amants, 1928 Óleo sobre tela

54,2 x 73 cm National Gallery of Austrália, Camberra

http://nga.gov.au/

La reproduction interdite (Portrait d´Edward James), 1937

Óleo sobre tela 79 x 65,5 cm

Museum Boymans-van Beuningen, Rotterdam

http://www.boijmans.nl/

SESSÃO Nº 3 – EDVARD MUNCH

Melancolia, 1895 Óleo sobre tela 81 x 100,5 cm

Rasmus Meyers Samlinger, Bergen http://www.kunstmuseene.no/

Cinzas, 1894 Óleo sobre tela 120,5 x 141 cm

Nasjonalgalleriet, Oslo http://www.museumsnett.no/

Separação, 1896 Óleo sobre tela 96,5 x 127 cm

Munch Museum, Oslo http://www.museumsnett.no/

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SESSÃO Nº 4 – HENRI MATISSE

La chambre rouge, 1908 Óleo sobre tela 180,5 x 221 cm

Ermitage Museum, Saint Petersburg http://www.hermitagemuseum.org/

Conversation, 1908-1912 Óleo sobre tela 177 x 217 cm

Ermitage Museum, Saint Petersburg http://www.hermitagemuseum.org/

Nature morte à la dormeuse, 1940 Óleo sobre tela 82,5 x 100,7 cm

National Gallery of Art, Washington DC http://www.nga.gov/

SESSÃO Nº 5 – LUCIAN FREUD

Man’s head (self portrait), 1963 Óleo sobre tela 53,3 x 50,8 cm

Whitworth Art Gallery, University of Manchester

http://www.whitworth.manchester.ac.uk/

Girl in a dark dress, 1951 Óleo sobre tela 40,6 x 30,5 cm

Private Collection, London Hughes, Robert (2002). Lucian Freud Paintings

Hotel bedroom, 1954 Óleo sobre tela

91,5 x 61 cm The Beaverbrook Foundation,

Beaverbrook Art Gallery, Fredericton, New Brunswick, Canada

http://www.beaverbrookartgallery.org/

SESSÃO Nº 6 – MARTHA TELLES

Le cadeau, 1980 Óleo sobre tela 46,5 x38,2 cm

Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

http://www.cam.gulbenkian.pt/

Memoires d´enfance, 1976 Tinta acrílica sobre tela

92 x 71 cm Centro de Arte Moderna,

Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa http://www.cam.gulbenkian.pt/

Vacances à la montagne, 1980 Óleo sobre tela

89 x 197 cm Centro de Arte Moderna,

Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa http://www.cam.gulbenkian.pt/

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Apêndice C – Apresentação de diapositivos [CD-ROM]

SESSÃO Nº 1 – EDWARD HOPPER

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SESSÃO Nº 2 – RENÉ MAGRITTE

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SESSÃO Nº 3 – EDVARD MUNCH

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SESSÃO Nº 4 – HENRI MATISSE

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SESSÃO Nº 5 – LUCIAN FREUD

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SESSÃO Nº 6 – MARTHA TELLES

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Apêndice D – Guião de atividade

DIÁLOGO

Descrição: O que é que vês? Descreve-me este quadro.

a) Como é a disposição das formas (horizontal, vertical…)?

b)Observa o tamanho relativo dos objetos e o enquadramento da composição.

c) Observa o contorno das formas.

d) Como é representado o espaço e o volume?

Análise / Interpretação: O é que significa?

a) De que é que trata em termos de conteúdo (significado)? Como é que sabes? Porque é

que dizes isso?

b) Que sentimentos encontras neste quadro?

c) A técnica escolhida tem importância?

Juízo: É um bom quadro?

a) É um bom assunto para um quadro? Porquê?

b) Quais terão sido as principais dificuldades?

c) Alguma coisa não terá sido conseguida?

OBSERVAÇÕES “SONDA” NEUTRAS:

Disseste y, o que queres dizer com isso?

Podes dar-me um exemplo?

Podes desenvolver melhor essa ideia?

Em que parte do quadro é que vês isso?

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OUTRAS PERGUNTAS

Qual pensas que deve ser o papel da arte?

Há quadros que ensinam alguma coisa?

É uma ligação mais emocional do que intelectual?

Era assim que esperavas que um artista abordasse o tema de…?

Qual o ponto de vista que ele exprime neste quadro?

Há aqui alguma incongruência?

Portanto, mesmo que o artista tenha uma determinada coisa em mente, não se pode dizer

que a forma como outra pessoa qualquer vê o quadro esteja errada?

O quadro, no seu conjunto tem algum sentido global?

N~o achas que podias ser levado a dizer “sim, é uma obra de arte significativa embora eu

n~o consiga reagir positivamente a ela”?

O que te atrai mais o tema ou o estilo?

O estilo já será um elemento portador de um determinado sentido?

Há critérios para avaliar pintura?

Há algum meio de saber se uma interpretação é melhor do que outra?

Vês isso no quadro, em que aspetos?

Achas que o que estás a fazer é interpretar?

Será possível chegar ao consenso quanto ao facto de o quadro ter determinadas

características que todos conseguimos ver?

Como é que te parece que os críticos de arte avaliam os quadros?