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____________________________________________________________________ _________ HÉLIO J. LUCIANO LETÍCIA PAOLA GUEDES MICHELLE FERNANDA A. DOS SANTOS TALITA DE CAMPOS OLIVEIRA EDUCAÇÃO INFANTIL: LETRAMENTO OU ALFABETIZAÇÃO? EIS A QUESTÃO!

Artigo - Alfabetização e Letramento

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Page 1: Artigo - Alfabetização e Letramento

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HÉLIO J. LUCIANO

LETÍCIA PAOLA GUEDES

MICHELLE FERNANDA A. DOS SANTOS

TALITA DE CAMPOS OLIVEIRA

EDUCAÇÃO INFANTIL: LETRAMENTO OU ALFABETIZAÇÃO? EIS A QUESTÃO!

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LONDRINANOVEMBRO/2012

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EDUCAÇÃO INFANTIL: LETRAMENTO OU ALFABETIZAÇÃO? EIS A QUESTÃO!

Hélio J. Luciano

Letícia Paola Guedes

Michelle Fernanda A. dos Santos

Talita de Campos Oliveira

1- Introdução

O presente texto intitulado “Educação Infantil: Letramento ou Alfabetização?

Eis a Questão!” faz parte de um estudo proposto na disciplina de Organização do

Trabalho Pedagógico na Educação Infantil do curso de Pedagogia da Universidade

Estadual de Londrina, e tem como objetivo identificar e analisar qual o pensamento

do professor da Educação Infantil em relação à alfabetização e o letramento nesta

etapa de ensino.

Ao falar sobre a Educação Infantil torna-se pertinente discutir sobre a

importância da alfabetização e do letramento, pois é comum relacionarmos essa

fase da educação apenas ao brincar e ao cuidar, sem a preocupação com a

aquisição do conhecimento das letras e dos vários gêneros textuais presentes no

mundo letrado, desconsiderando que a criança em idade pré-escolar já é uma

“leitora do mundo”, uma vez que é perpassada pelas mais variadas linguagens

presentes na contemporaneidade, principalmente a linguagem escrita.

Desta forma, tendo como base estas ponderações, e considerando o espaço

da criança da Educação Infantil também como um espaço de aprendizagens por

meio das letras, indagamos o que é melhor na Educação Infantil, a alfabetização ou

o letramento? É possível alfabetizar Letrando?

Isso posto, pretende-se neste estudo compreender também qual o real

significado de alfabetização e letramento, já que temos discursos e posicionamentos

variados, que partem dos autores que versam sobre o tema, da legislação vigente e

dos professores que atuam na Educação Infantil. Assim, essas falas e esses

posicionamentos diversos, podem fazer com que o assunto seja estudado

profundamente com múltiplos olhares, mas também pode acontecer de

representarmos tanto alfabetização quanto letramento de modo fragmentado, tirando

e confundindo as especificidades de cada um.

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O que justifica assim este estudo, porque leva a entender que precisamos ter

uma reflexão crítica sobre este assunto na formação do professor, para que este

tenha um domínio sobre o tema não cometa equívoco em sua prática profissional.

2 - Alfabetização e Letramento: em busca de um conceito

Com base nas indagações sobre alfabetização e letramento na Educação

Infantil, e, apoiados teoricamente nos autores Ferreiro (1989), Gadotti (2005),

Goulart (2006), Soares (1991; 2004; 2010) dentre outros, procuramos ter uma

melhor compreensão sobre o real significado de alfabetização e letramento.

Destarte, ao atentarmos para o termo alfabetização em sua etimologia,

vemos que este “[...] significa a aquisição do alfabeto, ou seja, adquirir as

habilidades de escrever e ler. Consiste na aprendizagem do sistema de escrita ou da

tecnologia da escrita” (TEDESCHI, 2007, p.22). Diante deste fato, percebemos que

na maioria das vezes a alfabetização é entendida apenas como uma técnica de

codificação e decodificação do alfabeto, cuja finalidade é apenas a aquisição de um

código, em que se aprende a ler e escrever, porém de modo superficial, já que não

se pensa essa leitura e escrita na prática social do sujeito, quando há uma reflexão

daquilo que se está aprendendo, assim torna-se apenas um “processo de aquisição

do sistema convencional de uma escrita alfabética e ortográfica” (SOARES, 2004, p.

11). Neste sentido, a alfabetização é um procedimento simples, mecânico, de modo

linear, reduzindo o ler e escrever pura e simplesmente no grafar e decodificar.

Por outro lado, devido às transformações sociais, culturais e tecnológicas da

contemporaneidade, há uma exigência de que a prática de alfabetização não fique

somente como algo que remete a codificação/decodificação, já que neste contexto

somos perpassados pelas mais variadas linguagens, principalmente a linguagem

escrita, que amplia seu alcance e se “torna acessível” até mesmo para o sujeito que

não é alfabetizado, visto que o mesmo é perpassado pelo mundo letrado, e mesmo

que não saiba ler, está familiarizado com as letras, pois é capaz de reconhecer

marcas, placas, rótulos, embalagens, revistas etc. Neste panorama surge o

letramento, que conforme Soares,

[...] é entendido como o desenvolvimento de comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais; distinguem-se (alfabetização e letramento) tanto em relação aos objetos de conhecimento quanto em relação aos processos cognitivos e lingüísticos de aprendizagem e, portanto, também de ensino desses diferentes objetos. (2004, p. 20)

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Em conformidade com Magda Soares, Goulart mostra que “o letramento

estaria relacionado ao conjunto de práticas sociais orais e escritas de uma

sociedade” (2006, p. 452). Fatos que fazem com que o termo letramento seja

relacionado à assimilação de conhecimentos que estão estabelecidos dentro da

“cultura letrada”, onde “não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também

saber fazer uso do ler e do escrever, de leitura e de escrita que a sociedade faz

continuamente” (SOARES, 2010, p. 20).

Convém explanar que para alguns autores, ao relacionar a alfabetização

apenas ao ler e escrever, dando ênfase apenas ao processo codificação e

decodificação, esquecemos de que a alfabetização da criança tem que ser vista de

modo contínuo e evolutivo, isto é, a aprendizagem e o uso social do ler e escrever

vão se desenvolvendo com o tempo, por isso torna-se desnecessário o uso do termo

letramento. De acordo com Emília Ferreiro (1989) não temos necessidade de usar

outro termo para se referir a algo que já deveria estar inserido no processo de

alfabetização. Pensamento semelhante tem Moacir Gadotti, sendo até mais “radical”

ao defender o termo alfabetização em oposição ao letramento, para ele “tentam

esvaziar o caráter político da educação e da alfabetização” (2005, p.48). Dentro de

seu raciocínio

[...] a palavra alfabetização tem um peso, uma tradição no contexto do paradigma da educação popular, e que esta é a maior contribuição da América Latina à história universal das idéias pedagógicas (2005, p.49).

O autor explana ainda que ao abdicar do termo alfabetização em favor do

letramento, “daqui a pouco, deveremos nos referir às alfabetizadoras como

letramentadoras? Além do equívoco conceitual, sonoramente seria uma lástima!

Emília Ferreiro tem razão: é um retrocesso”. (GADOTTI, 2005, P.49).

2.1 - Alfabetização e Letramento na Educação Infantil

Quando conduzimos essa discussão pensando na Educação Infantil,

primeiramente vemos que a legislação vigente por meio das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil (2010) não tem um posicionamento explícito,

visto que em nenhum momento toca-se no assunto alfabetização ou letramento em

seu texto, apenas há uma inferência, como podemos ver no trecho abaixo, retirado

dos “Objetivos da proposta pedagógica” das diretrizes:

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A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens [...] (BRASIL, 2010, p. 18)

Ao falar sobre diferentes linguagens, o texto das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil (2010) deixa a entender que o ensino

aprendizagem não deve focar-se apenas no ler e escrever, uma vez que por

linguagens, temos “um leque” de possibilidades, desde a linguagem oral e escrita às

linguagens não verbal, musical, visual etc. Portanto, apesar de todas essas

linguagens também estarem conectadas ao processo de alfabetização e letramento,

as diretrizes não se posicionam claramente sobre o assunto. Porém, ao tratar sobre

os “Eixos do currículo”, parece haver uma tendência clara com as práticas de

letramento na Educação Infantil. Segundo o texto das diretrizes, nesta etapa de

ensino temos que direcionar ações que “possibilitem às crianças experiências de

narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com

diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos” (BRASIL, 2010, p.25).

Neste trecho das diretrizes percebe-se claramente uma tendência a favor do

letramento, visto que cita a importância da criança entrar em contato com narrativas

e gêneros textuais, aproximando a criança da linguagem escrita e oral, por outro

lado entendemos que não leva em consideração a alfabetização, já que faz uma

alusão a que a criança apenas aprecie e interaja com essa linguagem, o que não

significa dizer aprender e fazer uma apropriação do ler e escrever.

Quanto a esse assunto, Magda Soares vê a alfabetização e o letramento na

Educação Infantil como sendo importantes e inerentes, pois as crianças devem ser

alfabetizadas em consonância com as interações que as mesmas têm com o mundo

letrado. Dessa forma, Soares diz que a melhor prática a ser empregada na

aprendizagem e no uso consciente da escrita e da leitura, é quando direcionamos

nossa ação para o alfabetizar letrando, para ela o ideal é

[...] alfabetizar e letrar ao mesmo tempo, pois os dois processos são, no estado atual do conhecimento sobre a aprendizagem inicial da leitura e escrita, indissociáveis, simultâneos e interdependentes: a criança alfabetiza-se, constrói seu conhecimento do sistema alfabético e ortográfico da língua escrita, em situações de letramento, isto é, no contexto de e por meio de interação com material escrito real, e não artificialmente construído (2004, p. 22).

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Assim, ao levarmos em consideração o processo de alfabetização

e letramento na Educação Infantil nos moldes do pensamento de Magda Soares, ao

mesmo tempo proporcionaremos para que essa criança não seja apenas uma mera

espectadora daquilo que a sociedade moderna lhe empurra por meio da mídia, das

propagandas, das novas tecnologias etc. Será uma forma de proporcionar à criança

não só a apropriação do ler e escrever, mais também um pensar sobre este mundo

letrado que está em contato permanente com as crianças.

3 - Metodologia

Desta forma, tentando responder as nossas indagações mencionadas

anteriormente, realizamos algumas etapas para concretizar o nosso trabalho. A

começar pela pesquisa bibliográfica sobre o tema proposto, que conforme Oliveira,

"[...] pesquisa bibliográfica tem por finalidade conhecer as diferentes formas de

contribuição científica que se realizaram sobre determinado assunto ou fenômeno”

(1999, p.119). O que faz com que este procedimento metodológico seja um

elemento primordial para qualquer investigação, pois permite muitos subsídios com

diferentes olhares sobre o assunto a ser pesquisado, de modo a colaborar com o

desenvolvimento de qualquer trabalho científico.

Outra etapa em nosso estudo foi a realização de uma pesquisa de campo

com 08 (oito) professoras de uma escola particular da Educação Infantil.

Ressaltamos que na pesquisa de campo foi elaborado um questionário com uma

única pergunta: Para você o que é mais importante na Educação Infantil, a

Alfabetização ou o Letramento? Por quê?

Sobre a pesquisa de campo é necessário relatar que:

[...] é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles (LAKATOS e MARCONI, 2001, p. 186).

Por fim, explicitamos que a metodologia de pesquisa utilizada para

compreender a fala das professoras teve como parâmetro a Análise do Discurso.

Pensando conforme Foucault (1997), o discurso pode ser visto e pensado como uma

prática discursiva, uma vez que ao ser usado, faz com que a língua se “interaja”

socialmente com outras práticas, ou seja, o discurso é perpassado e construído por

práticas sociais que influenciam o pensar e o agir do sujeito. Assim, analisar o

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discurso seria então muito mais que olhar um enunciado apenas em sua superfície,

visto que, o discurso é constituído e cercado por aspectos históricos, sociais,

culturais, ideológicos, ou seja, são práticas discursivas e sociais concretas, tornando

o discurso intenso e em constante movimento.

4 - Alfabetização e Letramento: o discurso do professor da Educação Infantil

Ao analisar as falas das professoras sobre a importância da alfabetização e

do letramento na Educação Infantil, constatamos que houve uma divisão em suas

respostas. No gráfico abaixo vemos que às 08 (oito) professoras pesquisadas

ficaram assim divididas quando deram suas opiniões:

Gráfico 01 – Professoras da Educação Infantil

Ficou claro no gráfico que as professoras ao pensarem sobre a importância

da alfabetização e do letramento na Educação Infantil não chegaram a um consenso

sobre o assunto, já que as mesmas ficaram divididas em grupos. Entretanto,

mesmos que divididas, observamos que as professoras pesquisadas valorizam os

processos de alfabetização e/ou letramento na Educação Infantil, desconstruindo

discursos que pregam que este espaço é só para brincar e cuidar (como se esses

fossem dissociados do ensino aprendizagem), sem necessariamente ser um lugar

da aprendizagem e da construção do conhecimento, por meio das letras.

4.1 – Alfabetização

Primeiramente, ao analisar as falas das duas professoras que disseram que

na Educação Infantil o melhor procedimento é a alfabetização ou os pré-requisitos

desta, vemos que houve uma discordância entre ambas quanto a um melhor

entendimento tanto de alfabetização quanto de letramento nesta etapa de ensino. A

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“professora 01”, quando perguntada sobre o que é mais importante na Educação

Infantil, diz que:

A alfabetização, pois o letramento está presente nos dias de hoje, até mesmo na educação infantil. As crianças vivem num mundo cheio de estímulos visuais [...] nada mais natural interessarem-se em descobrir as letras dos livros, das músicas, entre outros. (professora 01)

Nesta fala, vemos que a professora tem uma noção superficial de

letramento, pois ao dizer que o “letramento está presente nos dias de hoje, até

mesmo na educação infantil”, e mesmo assim fala que o melhor procedimento é a

alfabetização, “não vê” que estas crianças apenas são perpassadas pelo mundo

letrado, assim de nada adianta apenas “descobrir as letras dos livros, das músicas,

entre outros” pela alfabetização, se não acontecer o “uso competente da leitura e da

escrita em práticas sociais” (SOARES, 2004, p. 20). Portanto, estas crianças que

“vivem num mundo cheio de estímulos”, nos leva a entender que de certa forma o

letramento antecede a alfabetização, como disse a professora pesquisada, mas ao

mesmo tempo, quando pensamos na Educação Infantil ambos caminham juntos,

pois este conhecimento das letras é apenas o primeiro processo de letramento,

sendo necessária uma alfabetização que promova verdadeiramente essa prática,

quando acontece o uso consciente da leitura e da escrita, para que essas não

fiquem apenas na superficialidade, quando a intenção é apenas “descobrir as letras”

mecanicamente.

Para a outra professora pesquisada,

Durante a educação infantil a criança necessita apenas de pré-requisitos da alfabetização. [...] Quando a criança entra no momento de ser alfabetizada precisa estar preparada que após a leitura e a escrita possa ocorrer o letramento. (professora 02)

Neste depoimento, vemos que a professora até dá uma importância para o

processo ensino aprendizagem na Educação Infantil, mesmo que de modo aparente,

porém, ao mesmo tempo, ao dar relevância “apenas para pré-requisitos da

alfabetização”, valoriza somente o reconhecimento isolado das letras, pois admite

que até mesmo a alfabetização não é muito importante nesta fase de ensino. Pelo

seu depoimento é preciso que a criança apenas entre em contato com o alfabeto,

sem necessariamente aprender a ler e escrever, ou mesmo participar ativamente do

mundo letrado que a cerca. Na declaração da professora, mesmo que subtendido,

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parece haver um respeito a favor da especificidade do ser criança, quando as fases

da infância são respeitadas de acordo com o desenvolvimento da mesma. No

entanto, ao dizer que, “quando a criança entra no momento de ser alfabetizada

precisa estar preparada que após a leitura e a escrita possa ocorrer o letramento”, a

professora cai em contradição, pois ao deixar entender que a alfabetização e o

letramento devem acontecer apenas nos anos iniciais do ensino fundamental, não

se atenta para o fato de que essa preparação já pode acontecer na Educação

Infantil, sendo que essas práticas se iniciam,

Desde o momento em que a escrita se torna objeto de atenção da criança numa dada sociedade letrada, quando ela começa a interagir com a língua, ou muito antes disso, quando ela tenta compreender o mundo e vai se valendo do jogo simbólico, para interpretar, operando com significantes e significados. (Ávila, 1995, p. 40)

Neste sentido, sem precisar desconsiderar as especificidades da infância, a

criança “precisa estar preparada” quando sair da Educação Infantil e entrar no

Ensino Fundamental, pois como afirma Soares (2004, p. 14) “a alfabetização se

desenvolve no contexto e por meio das práticas sociais de leitura e escrita, e o

letramento, por sua vez, se desenvolve em dependência da alfabetização”, o que

nos leva a entender de que a criança da Educação Infantil pode e deve se iniciada

com as práticas de alfabetização, e que em consequência disso possa ocorrer o

letramento, já que antes de entrar no ensino fundamental essa criança já está em

contato com o mundo letrado. Se isso for negado em seu processo de ensino, corre-

se um grande risco de essa criança chegar ao ensino fundamental sem reconhecer,

entre outros fatores, os vários gêneros textuais que fazem parte do mundo letrado e

que são primordiais para uma aprendizagem consciente da alfabetização, em que a

criança possa adquirir competências e habilidades imprescindíveis para a ampliação

da visão do mundo que as cercam.

4.2 – Letramento

Ao dizerem que o letramento é mais importante na Educação Infantil, ficou

constatado que de modo geral as professoras pesquisadas têm consciência do

conceito e da finalidade do mesmo. Inicialmente, percebemos que na fala da

professora 03 está caracterizado que o mais importante é

O letramento, porque a alfabetização não é obrigatória na educação infantil. A alfabetização é o fruto colhido futuramente, após você

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plantar, regar, dar amor, [...] amadurecendo aos poucos. Nada deve ser antecipado antes do tempo. (professora 03)

No depoimento acima, vemos que a professora pesquisada ao dar valor ao

letramento na Educação Infantil remete sua fala a Comenius, quando este diz que a

criança é “uma arvorezinha que pode ser plantada, transplantada, podada, [...] uma

árvore crescida nunca” (2002, p. 78). No mesmo sentido, a professora expõe que a

criança precisa ser preparada aos poucos para ser alfabetizada. Em sua fala “está

explícito” que o letramento pode ser comparado a esta arvorezinha de Comenius,

pois quando este é “plantado e regado com muito amor”, por meio do

reconhecimento de gêneros textuais, contação de histórias, enfim, o acesso a

universalização da cultura letrada, a alfabetização que “é fruto do letramento” vai

amadurecendo aos poucos, e ao fazer isso não “antecipamos antes do tempo” a

alfabetização, consequentemente “respeitamos” as especificidades da infância, para

que a criança não se torne uma “árvore crescida” prematuramente.

As professoras 04 e 05 quando falam que o letramento é o mais

importante na Educação Infantil, tornam seus discursos uma ênfase ao

conhecimento das letras, à contação de histórias e a leitura de mundo:

[...] estou sempre estimulando o conhecimento da letra e o reconhecimento do objeto que inicia com a letra explorada. A leitura frequente de história para as crianças é sem dúvida, a principal atividade de letramento na Educação Infantil. (professora 04)

O Letramento é mais importante, pois por meio dele é possível que a criança não aprenda só ler e escrever, mas também interpretar e realizar a leitura de mundo. (professora 05)

Nas falas das professoras vemos que as mesmas entendem o letramento

como uma vivência, um encaminhamento saudável da criança aos mais variados

textos do mundo letrado, e que estes só tem sentido se realmente forem usados na

prática, com as crianças participando ativamente. A partir disso, abre-se um caminho

para as crianças exporem suas palavras de acordo com o cotidiano e a leitura de

mundo de cada uma. Assim,

[...] A relação palavra/mundo revela que a palavra não é apenas um instrumento de comunicação, mas um momento de revelação de conhecimentos/consciência, intuição/imaginação, fantasia/desejo. (PEREZ, 1993, p. 103)

De acordo com Soares (1991, p.155), “o contexto [...] do letramento não é

apenas decodificar símbolos linguísticos, mas sim, interpretar e compreender o

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sentido do texto”. Dessa forma, entendemos que neste panorama de aprendizagem,

mesmo que não aconteça a alfabetização por meio de um domínio dos signos

linguísticos, a prática de letramento faz com que as crianças tenham uma

experiência social ativa, ampliando a visão que as mesmas têm do mundo.

4.3 - Alfabetizar letrando

E por fim, quando as professoras responderam que o mais importante na

Educação Infantil é o alfabetizar letrando, suas falas mostram que a alfabetização e

o letramento são processos distintos, já que cada um tem suas especificidades,

porém, ao mesmo tempo, os discursos das professoras evidenciam que estes são

complementares e inseparáveis. Sendo assim, na Educação Infantil o alfabetizar e o

letrar não podem ficar isolados, de tal modo nesta etapa de ensino não se propõe a

escolha de um ou outro, mas sim de alfabetizar letrando, como ficou claro nas falas

abaixo:

Alfabetização e Letramento precisam caminhar juntos, já que um depende do outro [...]. Sendo assim, alfabetizar e letrar, devem acontecer simultaneamente, proporcionando a criança decodificar os códigos linguísticos e ao mesmo tempo ter consciência crítica sobre a real função e importância dos textos escritos. (professora 06)

[...] alfabetização e letramento devem permanecer em junção [...]. Não acredito que um tenha mais importância que o outro. Tem que ser desenvolvido de acordo com o processo de cada grupo. (professora 07)

Convém explanar que o alfabetizar letrando não deve ser visto como um

novo método de alfabetização, que vai revolucionar na forma de encaminhar às

crianças a aquisição da leitura e da escrita, mas sim na ressignificação do sentido da

alfabetização, fazendo com que esta não seja apenas um processo de codificação e

decodificação mecânica, e sim um meio de levar a criança a conviver e descobrir,

interagir e aprender, apropriar e usar as práticas reais de leitura e escrita, tornando-

as significativas em seu processo de ensino-aprendizagem.

O último relato da nossa pesquisa de campo sintetiza perfeitamente o papel

do professor ao iniciar às práticas de alfabetização e letramento na Educação

Infantil, de acordo com esse discurso,

O professor deve ter em mente a distinção e as relações entre a alfabetização e o letramento, e a partir daí traçar objetivos que levam em consideração tanto o processo de desenvolvimento do aprender

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a ler e a escrever quanto a utilização de escrita e leitura nas práticas sociais. (professora 08)

Dessa forma, é preciso que o professor tenha antes de tudo, propriedade do

conceito de alfabetização e de letramento, que saiba distingui-los e que consiga

garantir as especificidades de cada um dentro do processo de ensino-aprendizagem.

Que sua ação não seja apenas a aderência ou a fuga de uma moda, mas sim uma

ação consciente e reflexiva daquilo que está adotando como prática profissional,

caso contrário, como disse Nóvoa, “[...] os professores serão, paradoxalmente, um

corpo profissional que resiste à moda e que ao mesmo tempo é muito sensível à

moda" (NÓVOA, 2000, p. 17, grifo nosso).

5 - Considerações Finais

Em nosso texto ficou claro que ao nos posicionarmos sobre a importância de

alfabetização e letramento na Educação Infantil, precisamos ter um entendimento do

conceito desses termos, já que em nosso estudo revelou-se que há diferentes

posições teóricas sobre o assunto. Constatamos que a alfabetização e o letramento

apesar de serem distintos quanto as suas especificidades, não podem caminhar

separados, uma vez que são igualmente importantes na aquisição da leitura e da

escrita, corroborando para um uso competente destas na prática social da criança.

Percebemos também por meio da nossa pesquisa de campo, que as

professoras pesquisadas, em sua grande maioria, têm um entendimento dos

conceitos de alfabetização e letramento, e que adotam tais práticas em suas ações

pedagógicas. Porém, cremos que o professor não pode adotar tais práticas apenas

por modismo, o educador precisa estar ciente daquilo que ele quer, e ter um domínio

daquilo que vai aplicar, e o mais importante, em se tratando da Educação Infantil, o

professor deve ir mais além, visto que precisa considerar a criança com o um ser

social e que esta se constitui em suas interações com a sociedade, portanto não

deve ser isolada. Por fim, antes de entender o conceito e de iniciar o processo de

alfabetização e letramento na Educação Infantil, o professor deve ter também um

entendimento do conceito de criança e de infância, pois só assim poderá conduzir

uma ação consciente que valoriza a criança realmente, constituindo a mesma em

uma cidadã do mundo e para o mundo.

Page 13: Artigo - Alfabetização e Letramento

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