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Deformações estruturais em concreto e soluções Edição 81 - Dezembro/2003 Tweet Este artigo pretende delinear, para engenheiros de projeto, de materiais e responsáveis de obras, quais são as variáveis que interferem na deformação de vigas e lajes de concreto. É inspirado no capítulo nove do livro organizado por Edward G. Nawy, "Concrete Construction Engineering Handbook". O capítulo "Deformações em peças de concreto", escrito por Russell S. Fling, delineia 20 opções para minimizar as deformações das estruturas. Antes de tudo, é necessário caracterizar qualitativamente o fenômeno. A resposta típica de deslocamentos de viga biapoiada em um ensaio físico com cargas crescentes é apresentada na figura 1. Esses dados são provenientes de uma adaptação dos valores encontrados no artigo de Alfredo Conceição Neto e outros, na revista Téchne de fevereiro de 2003. A viga foi ensaiada sob ação de duas cargas concentradas no terço central do vão. O gráfico da figura 1 mostra a flecha no vão em função do momento fletor máximo. Entendemos por flecha o maior deslocamento vertical da viga. Nota- se que no início, o trecho AO, o comportamento é linear, estando a viga não-fissurada, o que chamamos região de Estádio I. Aqui valem

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Deformações estruturais em concreto e soluções

Edição 81 - Dezembro/2003

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Este artigo pretende delinear, para engenheiros de projeto, de materiais e responsáveis de obras,

quais são as variáveis que interferem na deformação de vigas e lajes de concreto. É inspirado no

capítulo nove do livro organizado por Edward G. Nawy, "Concrete Construction Engineering

Handbook".

O capítulo "Deformações em peças de concreto", escrito por Russell S. Fling, delineia 20 opções

para minimizar as deformações das estruturas. Antes de tudo, é necessário caracterizar

qualitativamente o fenômeno. A resposta típica de deslocamentos de viga biapoiada em um ensaio

físico com cargas crescentes é apresentada na figura 1. Esses dados são provenientes de uma

adaptação dos valores encontrados no artigo de Alfredo Conceição Neto e outros, na revista Téchne

de fevereiro de 2003. A viga foi ensaiada sob ação de duas cargas concentradas no terço central do

vão. O gráfico da figura 1 mostra a flecha no vão em função do momento fletor máximo.

Entendemos por flecha o maior deslocamento vertical da viga. Nota-se que no início, o trecho AO,

o comportamento é linear, estando a viga não-fissurada, o que chamamos região de Estádio I. Aqui

valem as expressões da resistência dos materiais para o cálculo da flecha e sua rigidez é

caracterizada pelo produto Ecs.Ic, onde Ecs é o módulo de elasticidade secante do concreto e Ic a

inércia da seção de concreto. As armaduras têm pouca influência nessa fase.

O ponto A da curva (momento-flecha) caracteriza o início da fissuração, em que há uma mudança

clara do comportamento da viga. Se não fissurasse, seu comportamento seguiria pela reta AD. Com

a fissuração, as flechas aumentam com a carga seguindo a curva AB onde a viga esta fissurada,

região chamada de Estádio II. O fim dessa fase é dado pelo ponto B, onde o aço começa a escoar

(Momento de Plastificação) iniciando a última região de comportamento, o Estádio III.

A viga só rompe quando as deformações da fibra mais comprimida do concreto ou a mais

tracionada da armadura atingem valores altos. Isto é caracterizado pelo ponto C, o ELU (Estado

Limite Último). A segurança de uma viga à flexão é garantida quando o Momento Fletor

Solicitante, decorrente das cargas majoradas por gf, é menor ou igual o Momento Fletor Resistente,

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que é dado pelos materiais existentes na viga. Sendo o momento resistente o valor do momento

fletor no ponto C (ELU).

Os deslocamentos da estrutura serão verificados para as cargas de serviço (utilização) e têm uma

faixa de valores que fica em torno do ponto A. Ou seja, para verificar o Estado Limite de Serviço a

estrutura se encontra nos Estádios I ou II. A região do Estádio III não deve ser atingida sob ação

dessas cargas de serviço.

A resposta momento-flecha caracterizada na figura 1 é para cargas imediatas, ou seja, para um

carregamento de curta duração. Quando o carregamento é mantido, as deformações aumentam com

a fluência e a retração e consequentemente as flechas também. As principais variáveis envolvidas

no fenômeno são:

Para a região do Estádio I (viga não-fissurada)

- Módulo de elasticidade secante do concreto, Ecs

- Fluência e retração do concreto

- Dimensões da peça

- Vão e carregamento atuante

Para a região do Estádio II (viga fissurada)

Além das variáveis anteriores, a resposta é fortemente condicionada pela quantidade de armadura de

tração As, e de compressão A's. Quanto maior for a quantidade de armadura, menores serão as

flechas. A seguir será apresentado um pequeno exemplo didático de uma viga biapoiada com carga

concentrada no meio do vão, figura 2, com duas variantes onde só é modificada a resistência à

tração do concreto.

No primeiro caso, figuras 3a e 3b, a viga permanece não-fissurada pois sua resistência à tração na

flexão é alta, 5 MPa, e, no segundo caso, figuras 3c e 3d, a resistência à tração na flexão é baixa, 2

MPa, ficando a viga fissurada para o carregamento estabelecido. A primeira viga, com resistência à

tração alta (5 MPa) não fissura sob a ação do momento aplicado e se comporta elasticamente. Para

achar os deslocamentos é necessário saber para cada trecho, com momento Mi, qual é o raio de

curvatura do segmento de arco que ele se transforma, que no caso é dado por ri = (EI)I/Mi .

Ao juntarmos esses segmentos de arco temos a viga deformada, mostrada na figura 3a. Essa mesma

viga sob a ação de uma fluência com j = 2,2 tem os raios dos segmentos de arco divididos por (1 +

j), o que faz com que a flecha final (a¥) seja a inicial multiplicada por (1 + j), e tenha o valor 1,15

cm.

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A segunda viga, com resistência à tração mais baixa (2 MPa), fissura sob a ação do carregamento

aplicado e se comporta parte no Estádio I e parte no Estádio II. Os elementos 5 e 6 ficam fissurados

e se deformam muito mais, os raios são menores, e com isso a flecha inicial é maior. O efeito da

fluência nesse caso é menor, sendo a flecha final de 1,45 cm para As = 5.0 cm2 e de 2,52 cm para

As = 2.05 cm2, ou seja, a flecha no Estádio II é fortemente afetada pela quantidade de armadura de

tração As.

A seguir serão descritas as opções possíveis de ações a serem tomadas para diminuir as

deformações nas várias etapas do processo de produção da estrutura.

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Opções de projeto estrutural

Aumentar a altura das vigas e lajes

Aumentar a altura das peças leva à diminuição das deformações, e embora a altura das vigas não

possa ser normalmente aumentada por razões arquitetônicas ou por interferências nas instalações,

existem várias situações onde isso é possível. Nas lajes, normalmente é possível aumentar sua

altura, sendo a implicação principal o aumento de custo da estrutura.

A redução das deformações é aproximadamente igual a (h antigo/h novo)3 nas vigas não-fissuradas

(Estádio I) e para vigas fissuradas essa redução é de aproximadamente (d antigo/d novo)n, com n

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variando entre 1 e 2. Nas vigas não-fissuradas com seção T a redução de flechas com o aumento de

altura é menor porque a largura da mesma permanece fixa.

Aumentar a largura das vigas

Algumas vigas não podem ter sua altura aumentada mas podem ser feitas mais largas; esse

alargamento diminui as flechas na razão b antigo/b novo nas vigas não-fissuradas (Estádio I), mas

tem pouca ou nenhuma ajuda em vigas T. Já no caso de peças fissuradas (Estádio II) a diminuição

de deformações é pequena. Podem existir situações onde o aumento da largura conduz a peça do

estado fissurado para o não-fissurado, sendo aí sua influência bastante significativa na redução da

flecha.

Aumentar a armadura de tração As

O aumento da armadura de tração As, mesmo que não necessário para a segurança no Estado Limite

Ultimo, pode diminuir significativamente as deformações de vigas fissuradas. Na figura 4 pode-se

ver na mesma viga do exemplo da figura 2 o efeito da diminuição da flecha com o aumento de As.

Em vigas e lajes com pouca armadura e, portanto, pequena rigidez no Estádio II, essa opção de

aumento de As é bastante útil. Já para peças não-fissuradas o aumento de armadura não traz

resultados significativos.

Aumentar a armadura de compressão A's

O aumento da armadura de compressão A's não diminui as deformações imediatas (t = to), mas

pode reduzir em até 50% (Branson, 1971) o incremento das deformações com o tempo, decorrentes

da retração e da fluência. Seja por exemplo um caso onde a flecha inicial ao = 1,2 cm e o

incremento de flecha igual a 2,6 cm no tempo, com a flecha total de a¥ = 3,8 cm. A colocação de

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uma armadura de compressão de 2% (A's/b.d) diminui o incremento de flecha de 50%, ou seja, para

1,3 cm, e a flecha total fica a¥ = 2,5 (redução de 39%).

O incremento de flecha ao longo do tempo se deve a dois fatores, a fluência (deformação lenta) e a

retração diferencial. A armadura de compressão reduz as deformações pois a fluência da região

comprimida transfere parte da força do concreto para a armadura de compressão. Quanto mais perto

da face comprimida estiver a armadura A's mais efetiva será sua colaboração. Assim, sua influência

será mais efetiva em vigas altas do que em vigas chatas e lajes. Em algumas peças de pouca altura,

a armadura de compressão está a distância tão pequena da linha neutra que seu efeito é pouco

significativo.

Colocar ou aumentar a armadura de protensão

Nas peças protendidas, a protensão é projetada para balancear parte da carga, isto é, provocar uma

carga equivalente para cima, que equilibra parte da carga permanente e da sobrecarga. O incremento

de deslocamentos no tempo será pequeno porque a fluência amplificará somente uma pequena

flecha inicial ao.

Modificar a geometria da estrutura

Soluções comuns para o enrijecimento da estrutura constituem-se em aumentar o número de pilares

para reduzir o comprimento dos vãos, colocar vigas transversais adicionais para criar o

funcionamento em duas direções: são as grelhas, nas quais no entanto são mais difíceis de montar as

armaduras em obra. Pode-se também aumentar a seção dos pilares para criar mais momentos

negativos, especialmente efetivo nos apoios extremos.

Opções de seleção de materiais

Seleção de materiais que aumentem o módulo de elasticidade e resistência à tração do concreto.

A correta escolha dos agregados, tipo de cimentos, aditivos tem uma influência muito forte nas

características mecânicas do concreto (Ec, fct, fluência, retração); assim por exemplo existem

regiões do Brasil que só se obtém concreto com razoável módulo de elasticidade se forem

"importados'' agregados de outras regiões.

Um melhor módulo de elasticidade leva, em peças não-fissuradas, a uma redução da flecha dada

pela relação (Ec antigo/Ec novo); já para peças fissuradas a melhora é menos significativa. Deve-se

atentar, porém, que normalmente um concreto com melhor módulo de elasticidade tem também

melhor resistência à tração e menor fluência e retração, o que melhora o comportamento de peças

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fissuradas e o comportamento ao longo do tempo, esteja a peça fissurada ou não.

Outro ponto a observar é que uma estrutura onde o concreto tenha resistências efetivas bem maiores

que fck (o que deveria ser a regra), tem também melhor módulo de elasticidade efetivo, e melhor

resistência à tração.

Seleção de traços que aumentam o módulo de elasticidade e resistência à tração do concreto

Para um bom concreto devemos ter, além de uma resistência à compressão efetivamente garantida

na peça, boa resistência à tração e módulo de elasticidade, e baixa retração e fluência. Pode-se

especificar em projetos valores para esses parâmetros, porém os ensaios de recebimento que

caracterizam o concreto à retração e à fluência são caros e inexequíveis, ficando-se infelizmente na

suposição que esse comportamento seja adequado para o material fornecido.

Resultados de um concreto com melhor resistência à tração

As peças não-fissuradas não terão em princípio melhora de comportamento a deformações para

valores mais elevados da resistência à tração. Já as peças fissuradas terão menos fissuras, ou

eventualmente não fissurarão, o que melhora substancialmente seu comportamento. Vale lembrar

que a resistência efetiva à tração pode ser reduzida em decorrência de tensões de tração impostas

pelas restrições à retração, ou resultantes de carregamento prematuro como veremos a seguir.

Opções de procedimentos de obra

Retardar o primeiro carregamento do concreto

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A resposta de vigas a deformações é principalmente determinada pela sua resistência no primeiro

carregamento e não tanto pela sua resistência final.

Se pelo cronograma de construção for desejável o carregamento prematuro do concreto

(infelizmente os cronogramas reais assim o impõe) devem-se assegurar medidas adequadas para

obter resistências altas (compressão e tração) quando do primeiro carregamento.

Nessa fase, embora a peça tenha resistência necessária para suportar o carregamento, não tem

resistência à tração adequada para não fissurar e, como vimos, um elemento fissurado pode ter uma

flecha várias vezes maior que um não-fissurado. O carregamento antecipado também aumenta a

fluência, que faz com que as deformações ao longo do tempo aumentem substancialmente.

Planejar os procedimentos de escoramento e reescoramentos

Muitos estudos indicam que a carga introduzida nos pavimentos pelo escoramento e reescoramento

pode ser até duas vezes o peso próprio desses (SK Ghosh) e (Calavera e Dutari, 1992). Nota-se

ainda que os pavimentos, mesmo com reescoramento, são submetidos a mais de 30% do seu peso

próprio na idade de quatro a cinco dias, o que constitui um carregamento bastante prematuro.

Devido a esses carregamentos a laje fica sobre-solicitada (para a resistência à tração dessas idades)

e fica microfissurada ou fissurada. Um maior número de pavimentos com reescoras, assim como

uso de escoras permanentes e seqüências adequadas de retirada das escoras, diminuem essas cargas.

Em lajes com grandes vãos muitas vezes a fôrma não está bem nivelada, iniciando deformações

congênitas. O cimbramento se deforma em níveis apreciáveis, introduzindo no concreto novo um

perfil já bastante deformado a priori.

Cura para assegurar a resistência à tração potencial do concreto e para diminuir retração e

fluência

A cura inadequada leva o concreto a maiores deformações de retração. Em decorrência, surgem

tensões de tração maiores que sua resistência à tração, surgindo fissuras. Essas fissuras e

microfissuras (não-visíveis) diminuem a rigidez das peças e aumentam as deformações. Uma boa

cura diminui também o valor da fluência.

Utilizar contraflechas em lajes e vigas

Contraflechas não modificam o valor final real das flechas, mas possibilitam que a flecha visível

(flecha real-contraflecha) seja menor, possibilitando menores acertos com enchimentos e menor

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percepção visual. Com os sistemas modernos de fôrmas a introdução de contraflechas não é

conveniente, porém existem situações onde tal procedimento pode ser útil e aplicável.

Evitar o rebaixamento das armaduras negativas

O rebaixamento dos negativos sempre reduz a resistência da peça (ELU). Seu efeito em peças não-

fissuradas é mínimo; porém em peças fissuradas, principalmente as lajes, diminui a rigidez das

peças aumentando suas deformações. Nos balanços esse fato é de extrema importância.

Retardar a instalação de vedações e elementos sensíveis a deformações

Esse retardamento tem pequeno efeito na flecha total, mas pode reduzir o incremento de flecha após

a instalação desses elementos; é essa a parcela de flecha importante no funcionamento conjunto.

Conclusão

Um bom exemplo para sintetizar as consequências de uma soma de efeitos favoráveis versus os

resultados de uma soma de efeitos desfavoráveis.

Seja uma viga projetada com fck = 25 MPa e módulo de elasticidade Ecs = 24 GPa, para a qual se

obteve duas vigas reais em obras diferentes, com materiais e técnicas construtivas diferentes. Na

obra A (soma favorável) obteve-se fc, real = 29 MPa, Ecs, real = 27,1 GPa, resistência à tração na

flexão de 4,2 MPa e fluência de 1,8.

Na obra B (soma desfavorável) obteve-se fc, real = 25,5 MPa, Ecs, real = 21,5 GPa, resistência à

tração na flexão de 1,8 MPa e fluência de 2,5. A flecha inicial e a final das duas obras têm valor de

ao = 0,59 cm e a¥ = 1,47 cm para obra A e ao = 1,92 cm e a¥ = 2,92 cm para a obra B. Esses

números não são irreais, e refletem a nossa prática; cumpre portanto repensar meticulosamente

nossos procedimentos nessa área.