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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 1

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 1

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AVALREVISTA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICASANO 6 − vol.1 − nº 11/12 − JAN-DEZ − 2013

Publicação com o apoio do Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas − MAPP/UFC, do Núcleo Multidisciplinar de Avaliação de Políticas Públicas − Numapp/UFC

Editores (permanentes):Lea Carvalho RodriguesLuiz Antônio Maciel de PaulaMaria de Nazaré de Olveira Fraga

Assessores científicosAlcides Fernando GussiCatia Regina Muniz

Conselho Editorial:Alberto Oliveira-UFRJAlcides Fernando Gussi-UFCAlicia Ferreira Gonçalves-UFPBAna Cláudia Farranha-UnBAna Maria Ferreira Menezes-UFCAry Minella-UFSCArthur Silvers-Universidade do ArizonaCátia Muniz-UNICAMPChristian Dennys Monteiro de Oliveira-UFCElione Maria Nogueira Diógenes-UFALElza Maria Franco Braga-UFCHoracio Frota-UECE

Inácia Satiro Xavier de França-UEPBJoana Domingues Vargas-UFMGJose Borzacchiello Silva-UFCJose Jackson Coelho Sampaio-UECEJose Sydrião de Alencar-ETENE/BNBJuan Carlos Radovich-Universidade de Buenos Aires-UBALea Carvalho Rodrigues-UFCLia Carneiro Silveira-UECELucia Maria Alves Müller-PUC-RSLiliana Raggio Universidade de Buenos Aires-UBAMaria de Nazaré de Oliveira Fraga-UFCMaria do Livramento Clementino-UFRNMaria Josefina da Silva-UFCMaria Ozanira da S. e Silva-UFMAMarta Arretche-USPMichel Misse-UFRJNeusa Gusmão-UNICAMPNilson Holanda-UnBPaulo Marques-ENAPRaquel Maria Rogotto-UFCSonia Maria Missagia Matos-UFESSusana Soares-UFRGSViolante Augusta Batista Braga-UFCVitória de Cássia Felix de Almeida-URCA

Produção editorial e gráficaSetor de Publicações Mapp/UFC

Projeto GráficoCarlos Roberto Lamari

Preparação/RevisãoLea Carvalho Rodrigues/Fabio Damasceno

Diagramação e CapaEdmilson Forte Miranda Júnior

PeriodicidadeSemestral

TiragemExemplares disponíveis on line

EndereçoUniversidade Federal do CearáMestrado em Avaliação de Políticas PúblicasRua Marechal Deodoro, 750, Bloco II Q FACED Prédio NuperCEP − Fortaleza CE − Brasile-mail: [email protected]

AVAL − Revista Avaliação de Políticas Públicas. − v. 1 n. 11/12 jan / dez. (2013). − MAPP/UFC. Fortaleza, CE.

Semestral

ISSN 1984-3100

1. Políticas públicas − Periódicos. I. MAPP/UFC.

CDD 361.43

Catalogação na publicação: Sonia Gomes Pereira − CRB8 7025

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SUMÁRIO

EDITORIAL

ARTIGOS INÉDITOSInstitucionalização da avaliação em CT&I: o lançamento do Plano Anual de Monitoramento e Avaliação 2013, do Ministério da Ciência, Tecnologia e InovaçãoAndré Tortato RauenTatiana de P.A. Maranhão

Múltiplas dimensões da análise de uma política pública: o caso PrimeDarcon SousaRoberto Véras de Oliveira

Avaliação de programas de inclusão digital: os cursos de formação dos monitores do Acessa SP e o Centro Rural de Inclusão DigitalCátia Regina Muniz

Tecnologias de informação e comunicação na educação e inclusão socio-digital: uma avaliação do Programa de Informática na Educação em FortalezaHérica Queiroz OliveiraAlcides Fernando Gussi

Dinheiro direto na escola: um olhar avaliativo sobre o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do ensino de FortalezaJoão Inácio Campelo

Políticas públicas, redes sociais e trajetórias pessoais: uma etnografia do ProJovem AdolescenteHildon Oliveira Santiago Carade

Uma avaliação experiencial do projeto de modernização da Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins, BrasilHeloisa dos Santos Brasi lLea Carvalho Rodrigues

A política nacional dos recursos hídricos na gestão da Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba-CAGEPA: entre a privatização e a governançaThayene Gomes CavalcanteMaristela Oliveira de Andrade

Os esportistas de natureza e as bicicletas pedem voz e vez na paisagem de João PessoaSônia Maria Neves Bittencourt de Sá

INFORMES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICASAvaliação do PPA 2012-2015 do Governo do Estado da Bahia: Uma investigação de 20 Programas prioritários Thaiz Si lveira BragaRodrigo Barbosa Cerqueira

RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES A mediação do Sinaes no processo de avaliação das bibliotecas universitárias em Fortaleza. Maria Áurea Montenegro Albuquerque Guerra

CONTENTS

ARTICLESInstitutionalization of Evaluation in CT & I: the launch of the Annual Plan of Monitoring and Evaluation 2013 by the Ministry of Science, Technology and InnovationAndré Tortato RauenTatiana de P.A. Maranhão

Multiple dimensions of analysis of a public policy: the case of PrimeDarcon SousaRoberto Véras de Oliveira

Evaluation of digital inclusion programs: training courses for monitors at Acessa Sao Paulo and Rural Center for Digital InclusionCátia Regina Muniz

Information and communication technologies in education and socio-digital inclusion: an evaluation of computers in education program in FortalezaHérica Queiroz OliveiraAlcides Fernando Gussi

Funds directly at school: an evaluative look at the Program for the Maintenance and Development of Education in FortalezaJoão Inácio Campelo

Public policies, social networking and personal development: an ethnography study of ProJovem AdolescenteHildon Oliveira Santiago Carade

An experiential evaluation of the modernization project of the Library of the Federal University of Tocantins, BrazilHeloisa dos Santos Brasi lLea Carvalho Rodrigues

The national policy on water resources under the Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: between privatization and governanceThayene Gomes CavalcanteMaristela Oliveira de Andrade

Athletes of nature sports and bikes require more room in the landscape of João PessoaSônia Maria Neves Bittencourt de Sá

PUBLIC POLICIES REPORTSPPA 2012-2015 evaluation by the State Government of Bahia: an investigation of 20 priority programmesThaiz Si lveira BragaRodrigo Barbosa Cerqueira

SUMMARIES OF DISSERTATION AND THESESMediation of Sinaes in the process of evaluation of university libraries in Fortaleza Maria Áurea Montenegro Albuquerque Guerra

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INDICE

EDITORIAL

ARTÍCULOS Institucionalización de la evaluación en CT&I: el lanzamiento del Plan Anual de Monitoreo y evaluación 2013 del Ministerio de Ciencia, Tecnología e InnovaciónAndré Tortato RauenTatiana de P.A. Maranhão

Múltiple dimensiones de análisis de una política pública: el caso del PrimeDarcon SousaRoberto Véras de Oliveira

Evaluación de programas de inclusión digital: los cursos de formación de monitores del Acessa São Paulo y Centro Rural de Inclusión DigitalCátia Regina Muniz

La información y la comunicación en la educación y la inclusión social y digital: una evaluación de las computadoras en programa de educación en FortalezaHérica Queiroz OliveiraAlcides Fernando Gussi

Dinero en la escuela: una mirada evaluativa sobre el Programa de Mantenimiento y Desarrollo de la Educación en FortalezaJoão Inácio Campelo

Políticas públicas, redes sociales y trayectorias personales: una etnografía del ProJovem AdolescenteHildon Oliveira Santiago Carade

Una evaluación experiencial del proyecto de modernización de la Universidad Federal de Tocantins, BrasilHeloisa dos Santos BrasilLea Carvalho Rodrigues

La política nacional de recursos hídricos en la gestión de la Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: entre la privatización y la gobernanzaThayene Gomes CavalcanteMaristela Oliveira de Andrade

Los deportistas de la naturaleza e las bicicletas requieren espacio en el paisaje de João PessoaSônia Maria Neves Bittencourt de Sá

INFORMACIONES EN POLÍTICAS PÚBLICASEvaluación del PPA 2012-2015 por el gobierno del estado de Bahía: una investigación de 20 programas prioritariosThaiz Silveira BragaRodrigo Barbosa Cerqueira

RESUMENES DE DISERTATIÓN Y TESESLa mediación del Sinaes en el proceso de evaluación de las bibliotecas universitarias en FortalezaMaria Áurea Montenegro Albuquerque Guerra

TABLE

EDITORIAL

ARTICLES INÉDITSInstitutionnalisation de l’évaluation en CT & I: le lancement du Plan Annuel de Surveillance et Évaluation 2013, du ministère de la Science, Technologie et InnovationAndré Tortato RauenTatiana de P.A. Maranhão

Les multiples dimensions de l’analyse de une politique publique: le cas du PrimeDarcon SousaRoberto Véras de Oliveira

L’évaluation des programmes d’inclusion numérique: les cours de formation des moniteurs d’Acessa São Paulo et du Centre Rural pour l’Inclusion NumériqueCátia Regina Muniz

Technologies de l’information et de la communication dans l’enseignement et socio-digital inclusion: une évaluation des ordinateurs en programme d’éducation à FortalezaHérica Queiroz OliveiraAlcides Fernando Gussi

De l’argent placé directement à l’école : un regard évaluatif sur le Programme pour l’Entretien et le Développement de l’Éducation à FortalezaJoão Inácio Campelo

Les politiques publiques, les réseaux sociaux et le développement personnel: une ethnographie du programme ProJovem AdolescenteHildon Oliveira Santiago CaradeUne évaluation expérientielle du projet de modernisation de la Bibliothèque de l’Université Fédérale de TocantinsHeloisa dos Santos BrasilLea Carvalho Rodrigues

La politique nationale des ressources en eau par la gestión de la Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: entre la privatisation et la gouvernanceThayene Gomes CavalcanteMaristela Oliveira de Andrade

Les athlètes de sport en plein air et les vélos revendiquent plus d’espace dans le paysage de João PessoaSônia Maria Neves Bittencourt de Sá

INFORMES SUR DES POLITIQUES PUBLIQUESÉvaluation de la PPA de 2012-2015 par le gouvernement de l’état de Bahia: une enquête de 20 programmes prioritairesThaiz Silveira BragaRodrigo Barbosa Cerqueira

RESUMÉS DES DISSERTATION ET THÈSESLa médiation de Sinaes dans le cadre de l’évaluation des bibliothèques universitaires dans FortalezaMaria Áurea Montenegro Albuquerque Guerra

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2013 JAN/DEZ 5EDITORIAL

Neste primeiro semestre de 2013 a revista AVAL

se vê frente a novos desafios, dado o início de um novo ciclo de publicações. No último ano este periódico completou cinco anos de existência e alcançou a sua décima edição, o que mostra a relevância que o tema da aval-iação das políticas públicas adquire no meio acadêmico e nas instituições de governo, bem como nas instâncias não governamen-tais. Ao mesmo tempo que a AVAL e a Revista Monitoramento e Avaliação se firmam como veículos que espelham a produção científica sobre o tema, os profissionais e acadêmicos que atuam na área cada vez mais partilham suas experiências quando da participação em seminários regionais e nacionais, sobr-etudo os produzidos pela Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação (RBMA), camin-hando cada vez mais para um diálogo de abrangência internacional.

Como parte deste contexto de profícuos debates e trocas profissionais e acadêmicas, ocorreu em Fortaleza o I Seminário Nordeste “Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação: Múltiplas Perspectivas de Avaliação em Debate”, entre os 22 a 24 de abril de 2013, organizado pelo MAPP em parceria com o Banco do Nordeste (BNB). Em sua primeira edição, o Seminário foi constituído com a perspectiva de regionalizar os debates no campo de conhecimento, formação e atuação do profissional de M&A, tendo como temática central as “Múltiplas Perspectivas de Avaliação” a fim de propiciar o debate tanto no campo das diferentes concepções teóricas e metodológicas em avaliação, como na diversidade de experiências em M&A desenvolvidas no setor público, privado e terceiro setor.

O objetivo geral do Seminário foi consolidar o monitoramento e a avaliação no Nordeste do país por meio de debates acerca

de experiências e pesquisas realizadas em distintos espaços, tais como os acadêmicos e profissionais, governamentais e da sociedade civil, visando promover a inserção regional da Rede Brasileira de M&A. Tanto é que a mesa de abertura do evento já expressou esta multiplicidade de agentes em diálogo, contando com a presença de representantes da Universidade Federal do Ceará (UFC), do Banco do Nordeste (BNB), do Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP) e da RBMA, instituições envolvidas na realização do evento. Nesse momento, o coordenador do MAPP, professor Alcides Fernando Gussi relatou sobre a evolução no campo da avaliação de políticas públicas, fortalecida tanto na formação acadêmica dos profissionais que atuam na área, como na institucionalização de uma cultura avaliativa e ressaltou a importância de aumentar a inserção do Nordeste no debate. Do campo acadêmico, houve ainda a participação da professora Maria Ozanira de Silva e Silva, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), como palestrante, que abordou as concepções de avaliação, ressaltando a importância do equilíbrio entre as dimensões técnica e política da avaliação.

Dentre as Mesas Redondas que compuseram o evento, a intitulada “Diferentes apropriações da avaliação. Avaliar para quê? Para quem?”, foi composta por representantes do segundo e terceiro setores: Thaiz Silveira Braga (SEPLAN/BA), Alexandro R. Pinto (SAGI/MDS), Verônica Machado (RIZOMA), Marcos Medeiros Vasconcelos (SEPLAG/CE) e foi mediada pela Profa. Lilia Belluzzo (FUNDAÇÃO SEADE/SP).

Outra mesa, intitulada “Avaliação para o Desenvolvimento” versou sobre as pesquisas em avaliação do/no Banco do Nordeste e foi composta pela Profa. Alicia Ferreira Gonçalves (UFPB), Gildomar Nepomuceno

Editorial

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ARTIGOS INÉDITOS6 JAN/DEZ 2013

Marinho (MAPP/BNB), Ricardo Brito Soares (UFC) e mediada por Renato Alves dos Santos (MAPP/BNB).

Já a mesa intitulada “Diferentes perspec-tivas e metodologias de avaliação. Como avaliar?” contou com a presença de Ana Ma-ria Alves Carneiro Silva (NEPP/UNICAMP), Juarez Pereira Furtado (UNIFESP), Lea Car-valho Rodrigues (MAPP/UFC), sendo media-da por Luiz Antônio Maciel de Paula (UFC).

O setor acadêmico ganhou maior destaque na mesa redonda intitulada “A Formação de Avaliadores. Como? Por quê? Para quê?”, composta por professores de diferentes programas de pós-graduação de diversas instituições de ensino superior, a saber: Alcides Fernando Gussi (MAPP/UFC), Alexandrina Sobreira (UFPE), Lígia Gomes Elliot (CESGRANRIO), Marcos Valença (UFRN), Sonia Chaves (UFBA), com a mediação de Elione Diógenes (MAPP/UFAL).

Em seu conjunto, as palestras, as mesas e os GTs promoveram o debate acerca do

campo de M&A no país, especialmente no Nordeste, com desenvolvimento de temáticas relevantes para o campo da avaliação, realizadas por acadêmicos e profissionais reconhecidos em sua área de conhecimento, contribuindo para o fortalecimento de M&A no Nordeste, bem como a inserção regional da RBMA.

Este periódico reconhece a importância dos eventos que ocorrem no âmbito da RBMA e registra a ocorrência do I Seminário Nordeste da RBMA por entender que se constituiu momento privilegiado no processo de constituição de um pensamento próprio no desenvolvimento da área de avaliação no país.

Lea Carvalho RodriguesAlcides Fernando Gussi

Pelos editores

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 7

Resumo: Examinam-se os sentidos definidos na Resumo: O presente trabalho visa informar e descrever a institucionalização da avaliação no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). No Executivo federal, poucos são os esforços de consolidação e articulação das estratégias de monitoramento e avaliação (M&A) nessa temática específica. Com o objetivo de preencher tal lacuna, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) lançou a Política de Monitoramento e Avaliação. A metodologia utilizada consistiu na análise de decretos, portarias, documentos oficiais e artigos científicos para caracterizar a nova agenda de monitoramento e avaliação do MCTI (ex post). Os resultados têm sido discutidos internamente no Ministério, na Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação, e disponibilizados no endereço eletrônico do MCTI. Finalmente, identificaram-se alguns desafios, com destaque para a elaboração de objetivos de avaliação focados em mensurar eficiência, eficácia e efetividade dos programas e ações em CT&I e para a definição das metodologias adequadas aos objetivos das avaliações propostas, mediante a construção de Termos de Referência com o detalhamento dos produtos esperados.

Palavras-Chave: Avaliação, metodologias, monitoramento.

Abstract: This paper aims to inform and describe the institutionalization of evaluation in the Ministry of Science, Technology and Innovation (MCTI). It was found that there were limited efforts of consolidation and articulation of strategies for monitoring and Evaluation (M & A) about this theme. To fill this gap, the Ministry of Science, Technology and Innovation (MCTI), launched the Policy for Monitoring and Evaluation. The methodology used in the analysis consisted of decrees, ordinances, official documents and science articles to characterize the new agenda of monitoring and Evaluation of MCTI (ex post). The results have been discussed internally in the Ministry, more specifically in the Brazilian Network for Monitoring and Evaluation. They are now available at the electronic address of the MCTI. Among the challenges, there is the development of Evaluation objectives focused on measuring efficiency, efficacy and effectiveness of programs and actions in CT & I and the definition of appropriate methodologies to the objectives of the proposed evaluations, through the construction of Terms of Reference with the detailed information of the expected products.

Keywords: Evaluation, monitoring, metho-dologies.

Institucionalização da avaliação em CT&I: o lançamento do Plano Anual de Monitoramento e Avaliação 2013, do Ministério da

Ciência, Tecnologia e Inovação

Institutionalization of Evaluation in CT & I: the launch of the Annual Plan of Monitoring and Evaluation 2013 by the Ministry of

Science, Technology and Innovation

Institucionalización de la evaluación en CT&I: el lanzamiento del Plan Anual de Monitoreo y evaluación 2013 del Ministerio de

Ciencia, Tecnología e Innovación

Institutionnalisation de l’évaluation en CT & I: le lancement du Plan Annuel de Surveillance et Évaluation 2013, du ministère de

la Science, Technologie et Innovation

André Tortato Rauen*Tatiana de P. A. Maranhão**

* Graduado em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre e doutor em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com Pós-doutorado em Economia da Tecnologia na Columbia University (EUA). Atualmente é tecnologista no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. E-mail: [email protected]

** Cientista política e Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (2010), desenvolve pesquisas sobre Ciência, Tecnologia e Educação. Desde novembro de 2010, é analista em Ciência e Tecnologia. Atualmente, trabalha na Assessoria de Acompanhamento e Avaliação das Atividades Finalísticas – ASCAV, da Secretaria Executiva do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI. E-mail: [email protected]

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ARTIGOS INÉDITOS8 JAN/DEZ 2013

A crescente neces-sidade de prestar

contas ao cidadão e planejar estrategica-mente, com foco na eficiência, eficácia e efetividade, tem exigido do Estado mo-derno esforços no sentido de monitorar e avaliar, de forma sistemática, suas políti-cas públicas. Num cenário de crescentes investimentos públicos em ciência, tecno-logia e inovação (CT&I), tais necessidades mostram-se ainda mais relevantes, uma vez que estas atividades são tidas como essenciais ao processo de desenvolvimen-to socioeconômico de cidades, estados e países (Freeman e Soete, 2008).

Em que pese o consenso sobre a relevância do monitoramento e da avaliação de políticas de CT&I (Zackiewicz, 2005; Furtado et al, 2008), as iniciativas atualmente existentes ainda são esparsas; dizem respeito apenas a um pequeno número percentual das políticas de CT&I atualmente existentes e carecem de articulação entre si1. De fato, no Executivo federal, poucos são os esforços de consolidação e articulação das estratégias de monitoramento e avaliação (M&A) nessa temática específica2.

No âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), criou-se, por meio do Decreto n.º 5.886, de 06 de setembro de 2006, e da Portaria n.º 758, de 03 de outubro de 2006 (artigos 60 a 63), a Assessoria de Acompanhamento e Avaliação das Atividades Finalísticas (ASCAV), cujas funções regimentais incluem:

• “Supervisionar e coordenar o acompanhamento e a avaliação dos resultados do Plano Plurianual do MCT;

• Atuar como agente facilitador do cumprimento da portaria que regulamenta a gestão do PPA do MCT;

• Supervisionar e coordenar a elaboração dos indicadores de avaliação dos programas do Ministério inseridos no PPA” (MCTI, 2009 p.3).

A criação da ASCAV possibilitou a organização e a análise das informações das Secretarias finalísticas do MCTI, principalmente em relação aos programas definidos nos Planos Plurianuais (PPA) e à construção de indicadores relacionados ao Sistema Nacional de CT&I. Entretanto, existem diferentes tipos de avaliação necessários ao aprimoramento de programas e ações que não se restringem à periodicidade e à execução físico-financeira do PPA.

Ainda que esforços de M&A tenham sido empreendidos no âmbito do MCTI e em suas agências (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP), não havia uma sistematização das iniciativas em M&A que garantissem um alto nível de qualidade dos estudos contratados, que disseminassem o conhecimento produzido em forma de recomendações claras aos gestores e que influenciassem, a partir dessas recomendações, a reorientação dos programas e ações do Ministério de forma integrada.

Com o objetivo de preencher tal lacuna, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), mediante Portaria n.° 397/2012, lançou a Política de Monitoramento e Avaliação, cujo objetivo principal consiste em “analisar, monitorar e avaliar as políticas, programas e ações executadas ou financiadas pelo Ministério, buscando o seu constante aperfeiçoamento e o alcance de seus objetivos (Art.1.º)” (MCTI, 2012a).

O lançamento de tal plano tem por objetivo, de forma integrada e articulada

Introdução

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 9

o PAMA 2013 definiu sete avaliações, doze atividades de monitoramento e onze atividades de suporte a serem iniciadas no ano de 2013. Nesse sentido, as diferentes Secretarias finalísticas, agências e organizações que compõem o MCTI forneceram suas demandas à CPMA, que escolheu as prioritárias e as inseriu no PAMA 2013.

O conceito de avaliação empregado tanto pela CPMA quanto pelo Ministério é assim definido:

Qualquer estudo, pesquisa ou relatório referente às políticas, programas e ações que contribuam para subsidiar o processo decisório e/ou que gerem recomendações e sugestões de aperfeiçoamento das políticas, dos programas, e das ações (MCTI, 2012a).

Para o MCTI a avaliação é, portanto, considerada elemento estratégico na definição das ações inerentes à formulação política. Destaca-se a relevância das recomendações e sugestões na formulação dos instrumentos de fomento.

A Tabela 1 apresenta as avaliações propostas para o ano de 2013. Nela é possível observar o esforço do Ministério para ter uma carteira abrangente de avaliação. Ou seja, optou-se por não focar em áreas específicas, e sim dar um caráter mais amostral à política de avaliação, resultado de um processo coletivo de construção dessa agenda no âmbito da Comissão.

em nível ministerial, realizar a accountability das ações do Ministério e reorientar a gestão dos instrumentos e políticas de CT&I executadas pelo órgão com base nos estudos realizados (Serpa, 2011, p. 72). Nesse sentido, a finalidade última de tal esforço está associada à necessidade de melhor compreender o andamento, os resultados e os impactos das políticas públicas.

Essa Portaria também instituiu a Comissão Permanente de M&A (CPMA)3, composta por representantes da Secretaria Executiva, das Secretarias finalísticas, do Gabinete do Ministro, da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e da Agência Espacial Brasileira (AEB) (MCTI, 2012a), e definiu a ASCAV como Secretaria Executiva. A CPMA é responsável pelo desenho das propostas e discussão das agendas anuais de atividades, intitulada Plano Anual de Monitoramento e Avaliação (PAMA).

Segundo a Política de Monitoramento e Avaliação, o PAMA deverá indicar as políticas a serem avaliadas, definindo produtos, responsáveis, prazos e recursos. A Política também deverá identificar avaliações realizadas anteriormente, externas ou internas, e propor metodologias de monitoramento e avaliação continuada, disseminando seus resultados.

Avaliação, monitoramento, atividades de suporte e

capacitação

Formulado pela Comissão Permanente de Monitoramento e Avaliação (CPMA),

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ARTIGOS INÉDITOS10 JAN/DEZ 2013

Tabela 1 – Avaliações descritas no PAMA 2013

N° Ação Objetivo da avaliação

Contexto

1 Fomento às in-fraestruturas de pesquisa cientí-fica e tecnológica integrantes do Sistema MCTI.

Mapear a situ-ação da in-fraestrutura de pesquisa, o nível de utilização e o perfil da demanda por essas infraestru-turas.

Em que pese a priorização da consoli-dação, ampliação e readequação da in-fraestrutura de C&T pelo governo federal, o MCTI não dispõe de um banco de dados atualizado que permita monitorar e avaliar sua política de fomento à infraestrutura.

2 Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-nológico – FNDCT.

Levantamento de projetos apoiados pelos Fundos Setori-ais, bem como posicionamento dos projetos frente a indica-dores de input e output selecio-nados.

Os fundos setoriais constituem-se em inovações na gestão pública do fomento à ciência e à tecnologia. Seu expressivo volume de recursos permite apoiar uma variada gama de projetos. Tal volume de recursos e projetos apoiados exige, então, um conjunto de dados fidedignos que possa sistematicamente fornecer infor-mações aos gestores da política.

3 Programa Antár-tico Brasileiro – PROANTAR

Avaliar a es-trutura, or-ganização e produtividade da pesquisa acadêmica associada ao PROANTAR.

Executado desde 1982, o PROANTAR é um importante veículo de interação inter-nacional da ciência brasileira. Ao longo de sua existência, inúmeros projetos de pesquisa foram desenvolvidos, inclusive com apoio internacional. Depois de três décadas de apoio à pesquisa científica na Antártica, cabe, neste momento, avaliar a qualidade da produção científica desen-volvida pelo Programa.

4 Cooperação cientí-fica e tecnológica internacional do Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico – CNPq

Desenvolvimen-to de modelo de monitoramento e avaliação capaz de ser sistematizado.

Historicamente, o CNPq tem se articu-lado internacionalmente. Tal articulação envolve inúmeros parceiros e por vezes complexa rede de interação, constituídos a partir de acordos de cooperação bi-lateral e multilateral. Tanto em razão do volume de interações quanto da complexi-dade destas, faz-se necessário organizar a gestão de forma a monitorar o andamento dos projetos para posteriores avalições.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 11

N° Ação Objetivo da avaliação

Contexto

5 Programa Nacional Aeroespacial Bra-sileiro – PNAE

Avaliar os impactos do Programa no desenvolvimento tecnológico da indústria na-cional.

As atividades espaciais no Brasil iniciaram-se ainda na década de 1960, sendo que, em 1993 o país lança seu primeiro sa-télite. Atualmente, existem inúmeras ativi-dades sendo executadas no sentido de internalizar tecnologias críticas e transferir conhecimento à indústria nacional. De fato, o programa possui fins pacíficos com alto potencial de aplicação em atividades civis. Nesse contexto, cabe avaliar em que medida as ações públicas impactaram tanto a sociedade, considerada de manei-ra geral, quanto a indústria nacional.

6 Lei do Bem (in-centivos fiscais à inovação)

Compreender até que ponto os incentivos fis-cais contribuem para ampliar o investimento privado em P&D.

Em vigor desde 2006, a lei já concedeu incentivos da ordem de R$ 7,2 bilhões, beneficiando cerca de 15 mil empresas. Após 7 anos de execução, há que se aval-iar a lei no sentido de compreender seus impactos diretos.

7 Fortalecimento da infraestrutura de pesquisa em petróleo, gás e biocombustíveis

Mapear a in-fraestrutura de pesquisa científi-ca e tecnológica do setor, de forma a identi-ficar o nível de utilização das estruturas e o perfil da de-manda por elas.

As últimas décadas do século XX e a primeira do século XXI têm sido marcadas pelo crescente investimento em P&D no setor de petróleo e gás. Notadamente, tais investimentos foram inicialmente capi-taneados pela Petrobras. Contudo, existe uma ampla e variada indústria parapetr-oleira que gera emprego e renda em difer-entes regiões do país. As potencialidades socioeconômicas surgidas com as novas descobertas de campos de exploração re-forçam a relevância do setor, não só para a economia do país, como para seu de-senvolvimento tecnológico. O significativo crescimento do setor e seu alto potencial exigem, pois, um mapeamento completo tanto da oferta quanto do serviço em pes-quisa, no setor, existente no país.

Fonte: MCTI, 2012b.

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ARTIGOS INÉDITOS12 JAN/DEZ 2013

Fundos Setoriais, terá início em 2013, mas provavelmente se estenderá por dois anos.

Para subsidiar as ações de avaliação, o PAMA 2013 também prevê atividades de monitoramento. Em relação às atividades de monitoramento, estas foram definidas como:

São consideradas atividades de monitoramento aquelas que se destinam ao acompanhamento da implementação e execução de políticas, programas e ações, visando à obtenção de dados e informações para subsidiar o gerenciamento e a tomada de decisões, bem como a identificação de eventuais problemas (MCTI, 2012a).

Nesse conceito de monitoramento, destaca-se a relevância da obtenção sistemática de dados para que as ações possam ser reorientadas, enquanto ainda em execução. Ou seja, o conceito considera a necessidade de constante sintonia fina na ação pública.

As atividades de monitoramento executadas no âmbito do Ministério dizem respeito a: (i) indicadores de políticas, programas e ações de CT&I; (ii) execução física e financeira de programas ou políticas de CT&I e; (iii) coleta ou recebimento sistemático de demais dados referentes às políticas, programas e ações (MCTI, 2012b).

A Tabela 2 apresenta as ações de monitoramento previstas pelo PAMA 2013. Estas ações são um tanto heterogêneas, tanto do ponto de vista dos objetivos como do escopo, refletindo assim a escolha por um grupo abrangente e não restrito de ações.

***

Atualmente, todas as avaliações propostas foram pauta de, no mínimo, duas reuniões entre a equipe da ASCAV e as equipes técnicas responsáveis pela gestão dos programas ou pela solicitação de avaliação.

De acordo com a identificação das necessidades dessas avaliações, há diferentes abordagens e ações a serem desenvolvidas: no caso da Lei do Bem, por exemplo, foram identificadas e comparadas várias avaliações realizadas anteriormente, que trazem elementos importantes a serem considerados na realização de nova avaliação. Outro exemplo de trabalho em curso diz respeito à avaliação do Programa Antártico Brasileiro – PROANTAR, que tem por objetivo compreender os impactos do programa na produção científica brasileira. Trata-se, diferentemente dos outros estudos, de uma análise cientométrica. Estes dois exemplos, em espectros metodológicos opostos, demonstram a grande variabilidade das avaliações programadas pelo PAMA 2013.

Cabe destacar que cada avaliação possui um grau de complexidade e de adesão das equipes diferenciado (Barbier, 1999). É fundamental compreender que as dificuldades inerentes ao processo avaliativo acontecem em todos os países, em maior ou menor grau, de acordo com o acúmulo de avaliações institucionalizadas ao longo do tempo e o decorrente aprendizado de avaliadores e avaliados (European Commission, 2010).

Conforme exista o uso das recomendações feitas pelas avaliações existentes, bem como a internalização da necessidade de aprimoramento das políticas públicas, tem-se um avanço real na gestão pública e nas práticas avaliativas (desenvolvimento de novas metodologias). Por isso, a realização de avaliações de impacto ou de resultado das ações de grande porte, a exemplo dos

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 13

Tabela 2 – Ações de monitoramento descritas no PAMA 2013

N. Ação e periodicidade Descrição

1 Monitoramento anual da Estratégia Na-cional de Ciência, Tecnologia e Inovação – ENCTI (Anual).

A execução da ENCTI precisa ser monitorada considerando os seguintes itens:

2 Elaboração de Relatório Anual Estatís-tico de Resultado da Lei de Informação (Anual).

(i) redução da defasagem científica e tec-nológica que separa o Brasil das nações mais desenvolvidas; (ii) expansão e consolidação da liderança brasileira na economia do con-hecimento da Natureza; (iii) ampliação das bases para a sustentabilidade ambiental e desenvolvimento de uma economia de baixo carbono; (iv) consolidação do novo padrão de inserção internacional do Brasil e; (v) super-ação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais.

A Lei de Informática é um instrumento es-tratégico na política de incentivo à inovação no Brasil. Empresas que investem em P&D em TICs podem solicitar isenção ou redução do IPI para bens selecionados. As empresas beneficiárias devem apresentar relatório de-monstrativo do cumprimento das obrigações. O relatório anual dos resultados deve compilar estes relatórios individuais de forma a apre-sentar os resultados globais da lei durante o ano analisado.

3 Elaboração de Relatório Anual da Lei do Bem (Anual).

Tal como na Lei de Informática, as empresas beneficiárias da Lei do Bem precisam apresen-tar informações sobre a utilização dos ben-efícios. De posse destas informações, o MCTI deve, por lei, confeccionar relatório global e anual com detalhamento dos resultados.

4 Elaboração de Relatórios sobre programas prioritários do Governo Federal (Mensal).

Cabe ao MCTI subsidiar e sistematizar o acompanhamento das ações e programas prioritários dos quais participa, tais como; Ciência Sem Fronteiras, Programa TI Maior, Inova Empresa, EMBRAPII, etc.

5 Relatório Anual de Avaliação do PPA 2012-2015 (Anual).

Por meio do levantamento sistemático de indicadores e informações selecionadas, cabe ao MCTI “apresentar os resultados anuais do Plano Plurianual 2012-2015 de acordo com as orientações do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão” (MCTI, 2012a).

6 Relatório de Acompanhamento da ex-ecução física do Plano Plurianual – PPA (Anual).

O MCTI deve apresentar a execução físico-financeira de suas ações de acordo com os objetivos e programas temáticos do PPA do Governo Federal.

7 Monitoramento do Plano de Trabalho Institucional da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN (Anual).

Comparar as metas definidas no Plano de Tra-balho Institucional da CNEN com os resultados observados no período.

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ARTIGOS INÉDITOS14 JAN/DEZ 2013

8 Monitoramento Anual das Unidades de Pesquisa do MCTI – Termos de Com-promisso de Gestão (semestral e anual-mente).

As diversas Unidades de Pesquisa – UP do MCTI possuem acordos pactuados mutua-mente com o Ministério. Tais acordos possuem metas, e tais metas são periodicamente avali-adas pelo MCTI.

9 Acompanhamento dos Planos Diretores das Unidades de Pesquisa (semestral e anualmente).

Cada UP do MCTI possui um plano diretor que é estabelecido para um período de 5 anos. Cabe ao ministério acompanhar o cumprimen-to destes planos.

10 Monitoramento Anual das Organizações Sociais supervisionadas pelo MCTI – Contratos de Gestão (semestral e anual-mente).

O MCTI possui contrato de gestão com algu-mas Organizações Sociais. Tais contratos de gestão estabelecem metas, traduzidas em indicadores. Nesse sentido, cabe ao Ministério monitorar o cumprimento dessas metas.

11 Relatório dos Investimentos Governa-mentais em CT&I nas microempresas e empresas de pequeno porte (anual)

Dentre as ações executadas pelo MCTI, encontra-se a promoção das micro e peque-nas empresas. Nesse sentido, por força de lei, cabe ao Ministério produzir periodicamente informações sobre os investimentos em CT&I destinados a estas empresas.

12 Relatório Anual sobre a Política de Propriedade Intelectual das Instituições Científicas e Tecnológicas (anual)

De acordo com a Lei de Inovação, as ICTs devem informar ao Ministério sua política de propriedade intelectual, bem como a produção de tecnologia e sua transferência.

Fonte: MCTI, 2012b.

Verifica-se que a maioria das atividades identificadas como monitoramento possui periodicidade anual. Há que se destacar também que, dentre as doze propostas, somente aquela relacionada ao Plano Plurianual possui sistemas de informação institucionalizados com exigência de preenchimento trimestral, coordenadas pela ASCAV. Ou seja, na prática, os relatórios anuais e semestrais, enquanto resultado de monitoramento, precisam estar integrados entre si, possivelmente em sistemas de informação do Ministério, e às ações de avaliação, para que subsidiem as análises.

Para sustentar a política de monitoramento e avaliação do Ministério, o PAMA 2013 definiu dez atividades de suporte. Estas atividades visam sistematizar a coleta de dados, consolidar indicadores e informações, bem como tornar públicos os resultados de monitoramento e avaliação. Ou seja, trata-se de atividades fundamentais à consolidação da política no âmbito da instituição; servem para dar robustez, coerência e sobrevivência de longo prazo a esta iniciativa. Destaca-se, nesse sentido, que a maioria destas atividades possui periodicidade contínua.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 15

Tabela 3 – Atividades de suporte à política de monitoramento e avaliação descritas

no PAMA 2013

N. Ação Descrição

1 Revisão metodológica dos Indicadores Nacionais de CT&I.

Realizar o contínuo aperfeiçoamento dos In-dicadores de CT&I disponibilizados no sítio do Ministério, bem como criar a Conta Satélite de Pesquisa e Desenvolvimento a ser inserida no Sistema de Contas Nacionais do IBGE.

2 Consolidação da Rede de Indicadores Estaduais de C&T.

Auxiliar os estados da federação na produção de indicadores estaduais de C&T, de forma a permitir a harmonização e compatibilização dos dados entre estados.

3 Elaboração de estatísticas orçamen-tárias.

Empregando o SIAFI, elaborar séries históricas com as estatísticas de execução orçamentário-financeira do Ministério.

4 Consolidação da base de dados de pro-jetos apoiados pelo FNDCT.

Com base nas informações prestadas pelo CNPq e pela Finep, garantir atualização contínua da base de dados sobre os projetos financiados com recursos dos fundos setoriais sob responsabilidade do Ministério.

5 Produção de Indicadores de Monitora-mento sobre as políticas, programas e ações do MCTI.

Com foco nos beneficiários das políticas, pro-duzir e publicar indicadores de monitoramento das ações do Ministério.

6 Criação do Portal dos Centros Vocacio-nais.

Criação do Portal dos CVTs, com informações de áreas de atuação, cursos oferecidos etc.

7 Mapeamento de políticas de Inclusão Digital do Governo Federal.

Consolidação e comparação das diferentes es-tratégias de inclusão digital executadas pelos diversos ministérios.

8 Suporte ao monitoramento e avaliação das atividades de fomento ao CNPq.

Atualização e aperfeiçoamento das ferramen-tas de suporte ao monitoramento, especial-mente aquelas associadas à Plataforma Lattes e Carlos Chagas.

9 Implantação do projeto de moderni-zação de processos e sistemas de infor-mação da Finep – Modernize.

Com horizonte temporal de longo prazo, o projeto objetiva integrar e consolidar as estru-turas de informação gerenciais existentes na instituição, de forma a alcançar um nível maior de maturidade organizacional.

10 Revisão da metodologia de avaliação do Programa de Subvenção Econômica.

Visando modernizar e adequar as novas demandas gerenciais, a ação tem por obje-tivo rever a metodologia de monitoramento e avaliação do Programa.

11 Plataforma Aquarius. Criação de uma ferramenta de governança pública, que, mediante integração de dados e sistemas, disponibilizará e consolidará um painel integrado para uso gerencial e para divulgação e transparência.

Fonte: MCTI, 2012b.

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ARTIGOS INÉDITOS16 JAN/DEZ 2013

Destaca-se que algumas das atividades de suporte estão diretamente relacionadas às avaliações propostas. É o caso da “Consolidação da base de dados de projetos apoiados pelo FNDCT” e do “Suporte ao monitoramento e avaliação das atividades de fomento ao CNPq”, ligados às propostas 2 e 3 da Tabela 1.

Outras atividades de suporte encontram-se sistematizadas no âmbito da ASCAV: a Coordenação Geral de Indicadores realiza as ações 1 e 2 (TAB. 3), e a Coordenação Geral de Programas trabalha na integração com a Plataforma Aquarius e com os indicadores do Plano Plurianual (ações 11 e 5, respectivamente).

Há ações de suporte que ainda serão construídas, ou seja, se encontram em fase de elaboração nas Secretarias finalísticas do MCTI.

Para a realização das atividades de M&A e suporte descritas no PAMA 2013, também estão previstas atividades de capacitação. Uma vez que a execução dessa agenda será realizada não só com o auxílio de consultores externos, mas também com técnicos do próprio Ministério.

Nesse sentido, três grandes blocos de capacitação estão previstos: (i) curso básico de avaliação, (ii) curso de avaliação em CT&I, e (iii) curso básico de contas nacionais (Kangaré). Até abril de 2013, foram executadas ações no âmbito dos dois últimos blocos: um curso de avaliação em CT&I, ministrado em 20 de abril, em Fortaleza, por ocasião do encontro regional da Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação, e um curso Kangaré, realizado no MCTI para os servidores.

As capacitações são voltadas tanto ao corpo técnico do Ministério quanto aos membros da Comissão Permanente de M&A. Na medida em que se avance nos trabalhos e sejam identificadas novas necessidades de formação, não estão descartados outros cursos de capacitação.

Considerações finais

Neste momento, a execução do PAMA 2013 encontra-se em curso. Devido ao seu ineditismo na temática de CT&I, alguns desafios têm sido enfrentados pelas equipes envolvidas, dentre os quais se destacam:

• a definição das metodologias adequadas aos objetivos das avaliações propostas, mediante a construção de Termos de Referência com o detalhamento dos produtos esperados ao final dessas avaliações;• a elaboração de objetivos de avaliação focados em mensurar eficiência, eficácia e efetividade dos programas e ações em CT&I; • a identificação de consultores habilitados a atender o rigoroso padrão de qualidade exigido; e• a determinação das formas de contratação viáveis, diante do escopo de cada avaliação e do perfil de consultores adequados aos serviços técnicos demandados.

Tais desafios têm sido pouco a pouco superados. O processo coletivo de construção e de detalhamento das avaliações do PAMA 2013 tem apresentado momentos de aprofundamento teórico (revisão bibliográfica) e, sobretudo, de grande aprendizado institucional.

Por sua vez, tal aprendizado tem se revertido na internalização de conhecimentos em M&A no Ministério. Espera-se que esse esforço piloto sirva não somente para iniciar a política integrada de M&A no MCTI, mas também para conscientizar os gestores e a sociedade sobre a relevância de tais atividades.

Finalmente, a expectativa institucional consiste em absorver as lições de erros passados e de boas práticas identificadas pelos diferentes estudos, reorientar o planejamento e as ações futuras, bem como garantir a legitimidade da avaliação e das políticas públicas avaliadas.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 17

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ARTIGOS INÉDITOS18 JAN/DEZ 2013

Resumen: El presente trabajo objetiva informar y describir la institucionalización de la evaluación del Ministerio de Ciencia, Tecnología e Innovación (MCTI). El ejecutivo federal hace pocos esfuerzos de consolidación y monitoreo conjunto y estrategias de evaluación (M & A) sobre ese tema específico. Para llenar este vacío, el Ministerio de Ciencia, Tecnología e Innovación (MCTI) puso en marcha la política de monitoreo y evaluación. La metodología consistió en el análisis de los decretos, reglamentos, documentos oficiales y artículos científicos para caracterizar la nueva agenda de monitoreo y evaluación del MCTI (ex post). Los resultados han sido discutidos internamente en el Ministerio, la Red Brasileña de Monitoreo y Evaluación y a su disposición en la dirección electrónica del MCTI. Por último, se identificaron algunos desafíos, con énfasis en la elaboración de los objetivos de la evaluación que se centró en la medición de la eficiencia, eficacia y efectividad de los programas y acciones en CT & I y para la definición de metodologías apropiadas a los objetivos de las evaluaciones propuestas, mediante la construcción de los Términos de Referencia con el detalle de los productos esperados.

Palavras-Chave: evaluación, metodologias, monitoreo.

Résumé: Cet article vise à informer et décrire l’institutionnalisation de l’évaluation au Ministère de la Science, Technologie et Innovation – MCTI. Compte tenu des efforts limités de consolidation et d’articulation des stratégies de surveillance et d’évaluation ( M & A) dans ce domaine, le ministère de la Science, Technologie et Innovation (MCTI), pour combler cette lacune, a lancé la Politique de Surveillance et Évaluation. La méthodologie utilisée a consisté dans l’analyse de décrets, ordonnances, documents officiels et articles scientifiques pour caractériser le nouveau programme de surveillance et évaluation du MCTI (ex post). Les résultats sont discutés internement au sein du ministère dans le Réseau Brésilien de Surveillance et Évaluation et sont mis à disposition du public à l’adresse électronique du MCTI . Parmi les défis identifiés, on remarque la conception des objectifs de l’évaluation axés sur la mesure de l’efficience, de l’efficacité et de l’effectivité des programmes et des actions en CT & I et la définition des méthodologies appropriées aux objectifs des évaluations proposées, à partir de l’élaboration de Termes de Référence comportant les détails des produits attendus.

Mots-clés: évaluation, surveillance, méthodologies.

Notas

1 - O número absoluto de estudos contendo avaliações de políticas/programas ou projetos de CT&I gira em torno de quatro dezenas. Uma mesma política pode ser avaliada em diversos estudos, como é o caso, por exemplo, da lei do bem, da lei de informática e dos fundos setoriais. Dentre as avaliações mais recentes, destacam-se SALLES Filho et al. (2012), ARAUJO et al. (2012) e KANNEBLEY e PORTO (2012).

2 - A definição de uma Secretaria específica com foco em monitoramento e avaliação, intitulada Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI), foi inaugurada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (VAITSMAN et al.,2006, p.15). Ademais, ver FURTADO et al. (2008).

3 - O regimento interno da CPMA foi aprovado pela Portaria n° 137, de 19 de fevereiro de 2013.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 19

Múltiplas dimensões da análise de uma política pública: o caso Prime1

Multiple dimensions of analysis of a public policy: the case of Prime

Múltiple dimensiones de análisis de una política pública: el caso del Prime

Les multiples dimensions de l’analyse de une politique publique: le cas du Prime

Darcon Sousa*Roberto Véras de Oliveira**

Resumo: O objeto empírico deste trabalho foi o Programa Primeira Empresa Inovadora (PRIME), política pública de apoio ao empreendedorismo lançada pelo governo Lula em 2009. Procuramos analisar os discursos, os processos e as práticas desenvolvidas durante a implementação do Prime e suas repercussões nas trajetórias e negócios dos empreendedores beneficiados. Além da subvenção econômica, o Prime mobilizou instituições e consultorias empresariais que se envolveram diretamente no esforço de viabilizar os empreendimentos selecionados. Os procedimentos metodológicos adotados foram: a observação, a consulta documental e a entrevista com os atores participantes do Programa, no âmbito de sua implementação sob a coordenação do Parque Tecnológico da Paraíba. Os resultados da pesquisa demonstraram que a implementação do Prime foi marcada por tensões, conflitos, incongruências e rigidez, o que desnudou os erros de concepção do Programa e explica a ineficácia desse arranjo institucional desenhado para apoiar os negócios nascentes.

Palavras-chave: Estado, políticas públicas, empreendedorismo.

Abstract: The empirical object of this work was the First Innovative Company Program (PRIME), a public policy to support entrepreneurship launched by Lula government in 2009. Our aim was to analyze the discourses, processes and practices developed during the implementation of Prime and its impact on trajectories and business of beneficiary entrepreneurs. Besides the economic subsidy, prime mobilized institutions and business consultants directly involved in the effort to enable the selected projects. The methodological procedures adopted were: observation, document research and interviews with the actors involved in the program, taking into account its implementation under the coordination of Paraíba Technology Park. The research results show that the implementation of Prime was marked by tensions, conflicts, inconsistencies and rigidity, which laid bare the mistakes of conception of the program and explains the ineffectiveness of this institutional arrangement designed to support nascent businesses.

Keywords: State, Public Policy, Entrepreneurship.

* Professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: [email protected]

** Professor Associado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: [email protected]

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ARTIGOS INÉDITOS20 JAN/DEZ 2013

O PRIME, Programa Primeira Empresa Ino-

vadora, foi lançado pelo governo Lula no ano de 2009 por meio da Financiadora de Estu-dos e Projetos – FINEP. O Programa previa disponibilizar 1,4 bilhão de reais para apoiar cerca de 6 mil empresas nascentes (com 2 anos de existência, no máximo) até o ano de 2011. O Parque Tecnológico da Paraíba (Pa-qtcPB), instituição localizada no município de Campina Grande, de natureza privada e sem fins lucrativos, foi escolhida juntamente com outras 17 instituições para implemen-tar o Programa em todo o país. Cada uma deveria selecionar 120 empreendimentos para ingressar no PRIME, passando assim por rigoroso processo seletivo, constituído de várias etapas e envolvendo avaliadores de instituições do conhecimento. Ao final do processo seletivo, o PaqTcPB contratou 98 empreendimentos, dos quais 18 localizados em quatro estados do Nordeste compuseram a amostra da nossa pesquisa. A expectativa do Programa era gerar emprego e renda por intermédio do estímulo a “empreendimentos inovadores” que demonstrassem possuir via-bilidade econômica e potencial para se in-serir e se afirmar no mercado. Para tanto, o governo estabeleceu um orçamento ousado, provendo uma subvenção de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) para cada um dos empreendimentos selecionados, recursos a título de subvenção, os quais deveriam ser utilizados para assegurar a dedicação do em-preendedor ao negócio, para a contratação de gestores, além de empresas de consulto-ria que prestariam serviços mercadológicos, jurídicos e/ou de suporte administrativo.

O PRIME se distinguiu como política pública de apoio ao empreendedorismo não apenas pelo alcance geográfico, pelo montante de recursos empregados ou pela ambição dos objetivos. O Programa colocou à prova um tipo de ação pública descentralizada,

envolvendo agentes públicos e privados, enaltecida em determinadas concepções de reforma do Estado difundidas desde as últimas décadas do século passado. Além disso, o Programa exprimiu uma visão de desenvolvimento afinada com valores liberais, posta em prática mediante instrumentos sofisticados, utilizados para confirmar a eficácia de um modelo ideal para a criação de novos negócios, algo que parece, à primeira vista, paradoxal, em face dos valores contidos no ideário empreendedor que exaltam a emancipação econômica dos indivíduos. Por outro lado, a criação do PRIME evidencia a crescente inclusão do incentivo ao empreendedorismo de caráter inovador na agenda das políticas públicas no Brasil, o que exige a busca de uma compreensão mais aprofundada sobre aspectos centrais, intervenientes e circundantes, característicos de seu manejo como ação de governo e, como tal, dos seus efeitos nas realidades que pretende alterar.

Nesta direção, tomando a política pública de apoio ao empreendedorismo inovador – expressa por meio do PRIME e, em particular, a partir de sua implementação sob a coordenação do Parque Tecnológico da Paraíba – como material empírico da pesquisa aqui apresentada, destacamos o caráter multidimensional da análise que empreendemos, buscando examinar contexto, discursos, relações e consequências da implementação dessa política pública.

O percurso metodológico adotado na pesquisa – cujos instrumentos manejados foram as entrevistas, a observação direta e a análise documental – combinou o esforço de compreender uma política pública levando em conta o testemunho dos indivíduos e, ao mesmo tempo, os constrangimentos institucionais e as condições de existência que explicaram a história das ações e das idéias no âmbito do PRIME. Adotamos a premissa

Introdução

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 21

segundo a qual a consideração ao sentido das ações dos sujeitos se complementa com a análise das relações e das condições objetivas sob as quais esses sujeitos agem de modo criativo.

Desse modo, ao ouvirmos os sujeitos da pesquisa, procuramos dirigir um olhar sobre suas “trajetórias” e suas posições no “espaço social”. Esforçamo-nos para apreender a interferência dos fatores objetivos em seus comportamentos. Quando captamos as falas, agregamos a perspectiva bourdieusiana da análise do “discurso”. Nesta, tomamos os discursos como “armas simbólicas” utilizadas na “luta” em cada “campo” de força. Procuramos perceber a associação dos locutores com as posições sociais que eles ocupam e o valor atribuído aos seus conteúdos discursivos nos referidos “mercados linguísticos”. Lançamo-nos a compreender o “discurso grupal”, suas lógicas e interesses. Foi assim que, sociologicamente orientados, procuramos observar por diversos ângulos nosso objeto de estudo.

Implicações teóricas da pesquisa

Ao investigarmos uma política pública voltada para a promoção do empreendedorismo no contexto de um Programa de pós-graduação concentrado na Sociologia, ressaltamos que a análise do fenômeno empreendedor não constrange esse campo do conhecimento, desde quando a teoria weberiana iluminou os fatos econômicos, vinculando-os intrinsecamente às dimensões sociais que lhes dão sentido. Sendo assim, revisitamos o pensamento de Weber (1982; 1994; 2001) sobre a ação econômica, por considerarmos isso um exercício indispensável à compreensão do nosso objeto de estudo.

O ponto de partida de Weber (1994) para explicar a vida social é o comportamento do indivíduo. Dotada de sentido subjetivo, a ação do indivíduo pode ser compreensível, cabendo à Sociologia o dever de explicar as causas e os efeitos dessa ação, desenvolvida por um ator que se orienta pelo comportamento de outrem, o que informa o seu caráter social. Como consequência disso, a Sociologia é uma ciência hermenêutica que procura descrever, explicar, perguntar pelo sentido e compreender as ações portadoras de significação, fornecendo uma perspectiva da realidade com a imprescindível incorporação do sujeito na análise.

No que tange à atividade econômica, a análise weberiana, tendo o sistema capitalista como objeto de estudo, já demonstrava como os fatos econômicos estão intimamente relacionados aos fatos sociais. As investigações históricas que desembocaram na descoberta de certo “espírito do capitalismo” são elucidativas dos efeitos econômicos que o comportamento social pode provocar de acordo com o que apreendemos. Se, por um lado, Weber (1982) aponta que os fenômenos coletivos, as relações sociais, as instituições e mesmo as ações individuais sofrem as influências indiretas dos condicionamentos econômicos, por outro, como destacou:

[...] o conjunto de todos os fenômenos e condições de existência de uma cultura historicamente dada influi na configuração das necessidades materiais, no modo de satisfazê-la, na formação dos grupos de interesses materiais, na natureza dos seus meios de poder e, por essa via, na natureza do curso do desenvolvimento econômico, tornando-se assim, economicamente relevantes (Weber, 1982, p. 119).

O desenvolvimento econômico, segundo Schumpeter (1982), herdeiro do pensamento weberiano, pode ser compreendido por meio da análise do papel exercido pelo empresário

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ARTIGOS INÉDITOS22 JAN/DEZ 2013

e de sua interligação com outros agentes da vida social. Essa perspectiva é relativamente pouco explorada por campos teóricos mais influenciados pela teoria das classes sociais, cuja pré-conceituação sobre a condição do empresariado na sociedade capitalista inibe a prospecção acerca do lugar que ele ocupa e das funções que desempenha em contextos específicos. Por vezes, o empresário é rebaixado a uma condição social repugnante a ponto de deixar sob suspeição pesquisadores interessados em lançar luzes sobre esse sujeito social sem o uso da ótica classista. Na dicotomia das classes, em qualquer situação, o empresário fica relegado ao posto de vilão e a ele não é atribuído qualquer papel importante nas mudanças socialmente desejadas. Já o programa schumpeteriano, conquanto enalteça o empresário como ator social e a ele dedique considerável energia intelectual, não despreza as circunstâncias do entorno de seu percurso.

Mais do que focar o indivíduo, Schumpeter (1982) observa o processo de inovação como um todo. Ao analisar os fatores causadores das mudanças descontínuas que ocorrem na vida econômica, Schumpeter (1982) elege a inovação como principal motor das mudanças, cuja ocorrência denotaria o “verdadeiro desenvolvimento”. Tais mudanças, causadas por inovações surgidas no interior do sistema econômico, apresentam-se sob a forma de novas combinações produtivas por meio da introdução de um novo produto, de novos métodos de produção, da abertura de novos mercados, da conquista de novas fontes de matérias-primas e da criação de novas configurações organizacionais.

Entretanto, ainda em relação à mudança econômica, Schumpeter (1968) reconhece que nenhum fator atua de forma inequivocamente determinada, sendo necessário investigar os mecanismos

pelos quais os fatores causais atuam. Em concordância, Weber (1994) assinala que a criação de empreendimentos econômicos e de inovações técnicas pode encontrar fatores impeditivos (a exemplo das obstruções de natureza ideológica) ou facilitadores, mas não existe relação causal claramente definida.

Neste sentido, o reconhecimento da complexidade que envolve o mundo econômico e empresarial tem implicações importantes para os formuladores de políticas públicas que jogam todas as fichas em programas de estímulo à criação de negócios. Há que se perguntar se os agentes públicos, ainda que de elevada qualificação e com boas intenções, estão devidamente habilitados para tomar decisões relativas a empreendimentos que irão operar em ambientes competitivos, cuja lógica difere intensamente daquela vivida no quotidiano da burocracia pública.

Mas essa complexidade típica dos mercados capitalistas atuais é mediada pelas próprias relações sociais que, segundo Granovetter (2005), outro caminhante da esteira do programa weberiano, impactam fortemente a produção, a distribuição e o consumo nos mercados modernos. Para esse autor, as relações sociais são as principais responsáveis por manter a confiança nos negócios e nas atividades econômicas em geral.

Granovetter (2005) demonstrou como a estrutura social tem impacto nos resultados econômicos por meio das redes sociais, principalmente de três formas; 1) as redes sociais afetam o fluxo e a qualidade da informação, visto que os atores sociais preferem informações de pessoas que eles conhecem às oriundas de fontes impessoais; 2) as redes sociais estabelecem punições e recompensas, cujos impactos são ampliados porque ocorrem entre

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pessoas que se conhecem; 3) nas redes sociais é mais facilmente gerada a confiança indispensável para os negócios. Segundo Granovetter (2005), nas redes sociais, o compartilhamento torna as maneiras como os atores devem comportar-se mais claramente compreendidas e sustentadas, reforçando a confiança. Os laços entre os atores transmitem informações importantes em relação aos negócios, configurando a evidente interpenetração entre ação econômica e ação não econômica.

Por isto, tanto a tradicional, quanto a Nova Sociologia Econômica fortalecem a ideia dos mercados como “construtos sociais”. Para Steiner (2006), os empreendedores e os agentes econômicos em geral tomam decisões impregnadas de conteúdos sociais mais amplos. Sendo assim, os mercados devem ser compreendidos tendo-se em conta as instituições e as formas de comportamento social que criam os laços entre os atores. Para tanto, a Sociologia Econômica, ainda segundo Steiner (2006), sem recusar a teoria econômica ou elevá-la à condição de ciência definitiva, fornece princípios explicativos que conjugam análises sociológicas e econômicas. Desse modo, as contribuições da Sociologia Econômica, que, como compreendemos, aplicam-se aos mercados dos negócios caracterizados como empreendedores, são apresentadas sob duas perspectivas:

Em primeiro lugar, com ela (a Sociologia Econômica) trata-se de descrever de maneira empiricamente sólida os dispositivos e os comportamentos sociais que atuam nessas formas de articulação que cercam a transação mercantil, quer dizer, na caracterização fina das interações entre as diversas partes do mercado relativas ao fato em observação. Em segundo lugar, com a Sociologia Econômica procura-se elaborar proposições teóricas a respeito destas formas de articulação que permitem as transações no mercado. (Steiner, 2006, p. 37).

Dentre essas formas de articulação, salta aos olhos a crescente mobilização de agentes públicos para formatar políticas de estímulo ao empreendedorismo no Brasil. Transformado em política pública, o apoio ao empreendedorismo sugere a necessidade de dialogarmos com a Ciência Política, a fim de entendermos como, num contexto de crise do sistema capitalista e de discussão sobre as novas formas de atuação do Estado, se tenta edificar o mercado empreendedor no atual estágio do desenvolvimento brasileiro.

O atual estágio do desenvolvimento nacional é classificado por alguns como um “Novo Desenvolvimentismo”, iniciado no governo Lula, que retoma o papel indutor do Estado na economia e interrompe um ciclo de políticas neoliberais (Pochmann, 2010; Morais e Saad-Filho, 2011). Em relação a esse “Novo Desenvolvimentismo” brasileiro, nossas preocupações se dirigem para as políticas públicas de estímulo aos setores empresariais, especificamente no que tange à difusão da inovação e do empreendedorismo. Como nas formulações teóricas sobre o Novo Desenvolvimentismo, o governo Lula destinou considerável atenção para agregar maior conteúdo tecnológico às atividades empresariais do país, esforço que se conjugou a outros no sentido de fortalecer atividades produtivas ligadas aos segmentos menos favorecidos da sociedade, denotando o caráter híbrido de sua política econômica. Ainda que privilegiando o grande capital, esse governo lançou mão de múltiplos instrumentos para estimular a geração de emprego e de renda. Isto está relacionado, como pensamos, com a heterogeneidade e a complexidade das sociedades modernas, nas quais as disputas pela apropriação de recursos públicos se intensificam mediante formas simbólicos e materiais, ante o que os governos, resgatando suas funções na coordenação central, devem tomar decisões

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que resguardem os interesses da sociedade em geral.

As políticas públicas de apoio ao empreendedorismo inovador podem ir de encontro aos interesses da sociedade. Como advertiu Lerner (2009), os esforços dos governos para criar novos negócios são sempre uma aposta arriscada. Consultando experiências em vários lugares do mundo capitalista, constatamos as incertezas, contradições e conflitos que norteiam essas políticas. No Brasil, sempre que analisamos as ações dos governos, podemos nos defrontar com os problemas herdados da nossa formação histórica que, conforme Lustosa da Costa (2006), criaram os elementos da disfunção do Estado brasileiro (patrimonialismo, personalismo, mandonismo, formalismo, clientelismo, cartorialismo, centralismo e autoritarismos) e suas variantes modernas de natureza cultural (corporativismo, compadrio, vassalagem, barganha, fisiologia, bacharelice, centralização e precariedade da democracia). Por conta disso, segundo esse autor, o Estado brasileiro não teria encontrado ainda capacidade de resolver as assimetrias regionais e de classe.

Mas a difusão dos modelos de análise e de avaliação das políticas públicas tem contribuído para um melhor monitoramento das ações de governos, estimulando o diálogo entre pesquisadores e agentes públicos, o que pode resultar em benefícios para os cidadãos das sociedades democráticas. Ao comentar esses modelos, Winkler (2010) os percebe como representações simplificadas da realidade, norteadas por pressuposições que, no entanto, ajudam na compreensão de fenômenos complexos. Para esse autor, um dos problemas da maior parte dos modelos estaria em não facilitar o entendimento do fosso existente entre intenção e resultado de uma política pública. Regulamentação da implementação, financiamento inadequado

e gestão ineficiente, em geral, frustram intenções planejadas. Por outro lado, os modelos precisariam ser claros quanto às suas verdadeiras contribuições e deficiências, além de necessitarem de um aperfeiçoamento que seja feito por meio de testes rigorosos. Além disso, os modelos explicariam a formulação e a escolha, mas desprezariam a execução de políticas. A implementação, segundo Diniz (1996), é dificultada quando as fases antecedentes do planejamento e da elaboração são realizadas de forma autoritária, exigindo da sociedade renúncia e confiança nas decisões coercitivas e intransigentes de agentes públicos. Lançadas dessa forma, as políticas públicas terão sua implementação dificultada pela ausência de corresponsabilidade dos cidadãos.

A implementação do PRIME foi o nosso objeto de estudo. Mas a análise dessa fase do Programa nos empurrou para dentro de todas as suas etapas e para algumas de suas nuances importantes. Lá, fomos ajudados pelas lupas teóricas aqui comentadas.

As instituições do empreendedorismo inovador no

Brasil e seus discursos

A matriz institucional da inovação no Brasil é coordenada pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação. Em torno dos recursos mobilizados por esse órgão, empresas públicas e privadas, universidades, associações empresariais e instituições ligadas ao conhecimento e à inovação se articulam para fortalecer um modelo de desenvolvimento econômico baseado no enriquecimento dos conteúdos das atividades produtivas. Segundo esse modelo, as inovações, estimuladas por

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investimentos governamentais e pela criação de sistemas nacionais e locais, seriam as responsáveis pelas mudanças técnicas que desencadeariam outras mudanças de cunho social e político. Portanto, analisar as formas institucionais assumidas no Brasil para impulsionar o modelo neoschumpeteriano se tornou indispensável à compreensão do PRIME, já que as instituições influenciam os comportamentos dos atores sociais e, particularmente, dos agentes econômicos, implicando consequências relacionadas a esses comportamentos, favorecendo um regime de acumulação capitalista baseado na primazia da mudança técnica.

Em relação ao PRIME, esses arranjos institucionais se valeram de uma intensa mobilização discursiva para legitimar o Programa. O contexto no qual o PRIME foi lançado e implementado demonstrou como o capital linguístico foi utilizado para gerar adesão e convencimento. A partir do registro das falas do Presidente da FINEP, Glauco Arbix, observamos o manejo hábil, contraditório e ideológico da palavra, sempre vinculado às posições, experiências e interesses dos falantes. Recortamos aqui nossa análise, citando trechos da defesa da inovação proferidos por esse ator: “[...] inovação significa olhar para frente”; “[...] a inovação é o único caminho”; “[...] não há outro caminho”; “[...] só com inovação o Brasil terá futuro”; “[...] inovar não é escolha, é necessidade”; “[...] queremos oferecer um cardápio para resolver o problema delas” (das empresas).

A subjetividade contida nos pronuncia-mentos do presidente da FINEP, além de ajudar a explicar as lutas por mudanças so-ciais e de estar relacionada a contatos por ele desenvolvidos com aspectos objetivos da estrutura social (a exemplo de sua imersão em instituições de pesquisa e de capacitação em inovação, e da posição por ele ocupada),

tem, sobretudo, a finalidade de, recorrendo a Bourdieu (2004), difundir uma visão de mundo, entre tantas emuladas pelas incer-tezas da vida social, que tenta mudar per-cepções e avaliações da realidade concreta. Nessa luta por imposição de uma visão de mundo, o capital cultural (sob a forma do conhecimento científico evocado por Glauco Arbix) transforma-se em capital simbólico, que, mesmo somado à sua autoridade bu-rocrática, não garante a obtenção do mono-pólio absoluto, tendo em vista que, para ser eficaz, o poder simbólico precisa estar alicer-çado na realidade.

Para legitimar o PRIME na realidade concreta que estudamos, diversos atores envolvidos diretamente com o Programa discursaram para exaltar suas virtudes, seu ineditismo e suas ambições. A combinação de discursos advindos de representantes de instituições públicas, como a FINEP e o IPEA, com outros produzidos no interior de organizações privadas, a exemplo da ANPROTEC, SEBRAE e Parques Tecnológicos, faz-nos lembrar da observação de Bourdieu (2010), para quem as estratégias simbólicas podem ser operadas por um mandatário do Estado, portador do monopólio da violência simbólica, o qual tem a seu favor a possibilidade de manejar a perspectiva autorizada e universal. Todavia, as lutas por classificações no espaço social também podem ser compreendidas tendo-se em conta os discursos de agentes particulares e de profissionais autorizados a falar. Esses agentes possuem o capital linguístico que os credencia, o que implica no poder de auferir benefícios com o uso da palavra. Significa, para o locutor, ter ao seu lado uma autoridade determinante da eficácia de sua fala. É a capacidade de se fazer ouvir referida em certos mercados. Nesses mercados, o valor social de um discurso se verifica em sua relação objetiva de concorrência com outros

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discursos. Sua eficácia depende da unidade do mercado linguístico para o qual se destina e das chances de produção e de expressão em situações oportunas. Um grupo social legitima o discurso que lhe é conveniente, reforçando e incitando os conteúdos de seu interesse, e censurando as falas discrepantes. Ao esforçar-se para afirmar seu discurso, o grupo busca conquistar posições melhores no espaço social. Para nós, ficou claro que o grupo social, formado por atores de instituições historicamente vinculadas à causa do empreendedorismo, se encontra em frequente luta por imposição de sua visão de desenvolvimento econômico. As relações que estabelecem entre si contribuem para a retroalimentação de uma produção discursiva afinada com o ideário empreendedor, não desprovida de interesses materiais por apropriação de recursos públicos, a qual se dá por meio das políticas públicas.

Mas, para além do ideário desses atores, investigamos a inserção do Parque Tecnológico da Paraíba numa região pobre do Nordeste brasileiro. Essa instituição se destacou como uma das “âncoras” (termo utilizado pela FINEP) que mais selecionaram projetos para o PRIME. Ao trazermos à tona elementos dos cenários social, econômico e produtivo do Parque Tecnológico da Paraíba, além de resgatarmos aspectos de sua construção histórica, movemo-nos pelas preocupações de Ianni (1963), que, ao analisar as representações do “tipo social” “empreendedor” durante a expansão do capitalismo industrial brasileiro, observou (p. 80): “[...] a orientação dessas representações [do empreendedor] tende a escapar da focalização das raízes da realidade social em que elas se inserem”. No caso do Parque Tecnológico da Paraíba, demonstramos que o retrato socioeconômico e mesmo o empresarial não refletem o desenvolvimento pretendido na região geográfica de sua

atuação. Por outro lado, não diminuímos o papel dessa instituição, já que não podemos avaliar quais seriam os custos de sua ausência no contexto paraibano. Entretanto, não devemos superestimar sua influência, nem no desenvolvimento, nem na melhoria da atividade empresarial local, aspectos defrontados constantemente com os limites que o modelo de desenvolvimento capitalista brasileiro impõe, refletido também no funcionamento dos seus mercados, cuja estrutura é concentradora e desigual. Estas reflexões acompanharam nossas análises sobre as instituições do PRIME, nas quais observamos as relações entre elas, estudamos os seus papéis e interpretamos os seus discursos antes de adentramos na implementação do Programa.

A implementação do PRIME na percepção dos participantes e as consequências do Programa em

seus projetos de negócio.

Ao analisarmos o processo de implementação do PRIME, procuramos responder às questões suscitadas por Secchi (2010), relacionadas aos padrões de interação entre os atores e à correlação de forças existentes, decorrentes das características e papéis das instituições participantes, assim como das regras e atribuições estabelecidas. A presença de instituições portadoras de regras formais e informais, conforme comentou Souza (2006), influencia o curso das políticas públicas e afetam atores expostos aos conflitos oriundos das disputas por poder e por recursos. Na fase de implementação do Programa investigado, os dilemas e tensões que acompanharam essas disputas vieram à tona. Analisamos a implementação do PRIME a partir das

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percepções dos beneficiários do Programa, que se expressaram em relação aos processos do PRIME, aos desdobramentos da contratação de gestores e de consultorias para seus empreendimentos. De igual forma, coletamos seus depoimentos acerca do papel exercido pelo Parque Tecnológico da Paraíba como instituição gerenciadora do Programa.

Em face do conjunto de depoimentos que coletamos, verificamos um encadeamento de problemas que conspiraram contra os objetivos dessa política pública, revelando as dificuldades de um tipo de Programa que poderia ser considerado moderno pelos que assim definem as políticas nas quais o Estado não é o protagonista central, mas partilha sua autoridade com atores não estatais. Não obstante, o poder hierárquico esteve presente durante toda a implantação do Programa, como ficou evidente nas exigências, controles e punições previstas e utilizadas pelo PaqtcPB.

A FINEP criou um Programa de subvenção econômica, visando assegurar uma renda considerada suficiente para os empreendedores dedicarem-se aos negócios por eles concebidos, ao mesmo tempo em que destinava recursos para gestores e consultores prestarem serviços a esses negócios, supondo que o aporte de conhecimentos desses profissionais seria fundamental para viabilizar os projetos de empresas. No entanto, como sustentamos, a rigidez do sistema de rubrica fechada, determinando em que deveriam ser gastos os recursos, mostrou-se uma camisa de força diante das necessidades específicas dos empreendedores, tornando-os reféns de terceiros, que, em sua maioria, ineficientes ou descomprometidos com os negócios, se limitaram a fazer um trabalho de recomendações cosméticas e genéricas, abocanhando a maior parte dos recursos do Programa.

A comemoração inicial do PaqTcPB com o grande número de empreendedores aprovados, num processo seletivo que envolveu atores e instituições credenciados para dele participarem, logo se transformaria em relações tensas com os empreendedores, ante a evidente fragilidade dos projetos e as dificuldades de combinar apoio aos empreendedores com o rigor no acompanhamento dos recursos liberados. Sendo uma das instituições que mais aprovaram projetos para o PRIME, o PaqTcPB empenhou-se em fazer valer a remuneração que receberia para gerenciar o Programa (baseada num percentual sobre o total de recursos liberados para os empreendedores), intensificando as cobranças e as exigências. O nível de controle cresceu à medida que rumores e fatos concretos apontaram para um mau uso dos recursos por parte de diferentes atores. Desvio na utilização da subvenção, serviços não prestados e pagos, além de comportamentos oportunistas de quem só estava interessado em entrar no Programa para receber dinheiro público não reembolsável, recrudesceram as relações e sufocaram os empreendedores que tentavam levar adiante seus projetos.

Ao escolher “salvar a própria pele”, como avaliamos, o PaqTcPB priorizou o processo em vez dos resultados. A preocupação central passou a ser preservar a imagem da instituição e garantir o cumprimento “formal” das exigências do Programa, em detrimento de relações parceiras e complementares. A quantidade de documentos e relatórios exigidos durante a implementação do Programa, comprovada durante a pesquisa, demonstra que a burocracia tornou-se um fim. Mesmo os empreendedores bem intencionados não conseguiram compatibilizar a dinâmica de tentar inserir um produto no mercado com as demandas do PaqTcPB por controle. Assim como no

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por interesses e expectativas variadas, responderam a uma chamada pública de um Programa com apelo tentador para atrair projetos de negócios, cujos conteúdos deviam basear-se na inovação. A exigência do componente inovador nos projetos e de capacidade técnica para formalizá-los, fatores submetidos a avaliadores qualificados, implicou na seleção de candidatos, em geral, vinculados às instituições de ensino e de pesquisa, membros de uma elite intelectual à procura de ascensão social e de emancipação econômica. No entanto, nem a construção discursiva que norteou o PRIME, nem seu sofisticado aparato de recursos objetivos foram suficientes para contradizer as realidades que se sobrepuseram em cada caso.

Para averiguar essas realidades, visitamos os membros desse grupo social, indivíduos privilegiados da educação e que, tendo conservado algum laço com instituições universitárias ou incubadoras de empresas, deveriam transformar-se, segundo as expectativas do PRIME, em empreendedores inovadores, inseridos em mercados rentáveis e elásticos. No entanto, os depoimentos desses potenciais empreendedores, coerentes com as observações coletadas e com os fatos que acompanharam a implementação do Programa, revelaram uma realidade de planos interrompidos, negócios fechados, ideias que não prosperaram ou, no máximo, empresas que permaneceram em atividade sem que a sofisticada “engenharia” do PRIME tivesse feito qualquer diferença. Não hesitamos em afirmar que uma “avenida de sonhos quebrados” foi o que restou da implementação do Programa PRIME, sob a coordenação do Parque Tecnológico da Paraíba. O que deveria ser um caminho para a geração de riquezas que trouxesse retornos sociais, resultou em desperdícios de recursos públicos, escoados para candidatos

caso da política tecnológica mexicana, citado por Villavicêncio (2001), os empecilhos burocráticos prejudicaram a implementação do PRIME. Entretanto, do ponto de vista do papel fiscalizador e controlador da instituição, os resultados parecem ter sidos satisfatórios. O pequeno número de empresas eliminadas por não atendimento às exigências do programa (onze) sugere que, sob o ângulo dos propósitos formalmente contratados, o esforço burocrático surtiu efeito. Nos arquivos do PRIME, devem estar guardados grandes volumes de documentos comprobatórios e legitimadores dos pagamentos efetuados, fato não necessariamente determinante do êxito do Programa ou mesmo de sua total lisura.

Como inferimos, as condições criadas para favorecer os negócios dos empreendedores, propaladas na fase de divulgação do PRIME, tornaram-se um fardo difícil de carregar para esses empreendedores. Os comportamentos e falas dos empreendedores sobre as fases iniciais do Programa nos indicavam que os problemas seriam inevitáveis, dada a gritante inaptidão da maioria para lidar com empresas. Faltava-lhes experiência, conhecimento empresarial, tino, intuição e, em alguns casos, sensatez e boa-fé. Os relatos sobre como boa parte deles elaborou o projeto de negócio já evidenciavam isso. Além do mais, gestores absorvidos por rotinas administrativas e consultorias ineficientes e/ou interessadas apenas em embolsar recursos públicos consumiram a maior parte da subvenção e pouco acrescentaram aos negócios embrionários. Some-se a isso a superdosagem de controle e de pressão exercida pela instituição gerenciadora sobre os empreendedores.

Em síntese, os empreendedores do PRIME, portadores de elevada instrução formal, principalmente nas áreas de Tecnologia da Informação e de Engenharia, movidos

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a empreendedores, empresas privadas e agentes institucionais intermediários, os quais não estão obrigados a ressarcimentos ou retratações.

Considerações finais

Nas sociedades democráticas, é legítimo que setores empresariais privados disputem espaços nas decisões de políticas públicas com o objetivo de reclamar a atenção dos governos para os seus interesses. O que não se pode permitir é que o capital econômico coopte agentes públicos, imprima sua lógica ao funcionamento do Estado e sequestre nossa inteligência universitária. Os governos dispõem de instrumentos variados para fortalecer segmentos que contribuam para a geração de emprego e de renda, sem prejuízos aos cofres públicos, ao meio ambiente ou à cidadania. O crédito sob garantias, os benefícios fiscais temporários em tempos de crise e a equalização das condições de competição internacional para os setores a ela expostos constituem-se em mecanismos de preservação da estrutura produtiva nacional, cuja defesa deve ser feita numa atmosfera de consenso social e como parte de uma estratégia maior de desenvolvimento, conduzida sob a vigilância da sociedade.

No caso do empreendedorismo inovador, os próprios valores que compõem os conteúdos discursivos dos atores que o exaltam, contraditoriamente, sugerem que esse tipo de atividade econômica prescinde de apoio governamental. No entanto, o caso PRIME, em discussão, evidencia as apostas feitas com recursos públicos em projetos individuais, elaborados por pessoas sem familiaridade com a atividade empresarial, que pretenderam – movidas pelos estímulos

que receberam e por interesses utilitaristas ou subjetivos – concretizar o arquétipo do empreendimento capitalista bem sucedido. Tal pretensão não deveria ser custeada pelo Estado. Defendemos que o apoio público ao empreendedorismo inovador não pode ser feito via subvenção econômica, o que transforma a sociedade em doadora de capital para empreendimentos privados. A esses empreendimentos, incertos como os demais, devem estar disponíveis os mecanismos de apoio oferecidos aos outros empresários, os quais não implicam na aceitação prévia da possibilidade de prejuízo aos cofres públicos como ocorre na subvenção.

Por outro lado, a experiência do PRIME evidencia que, no atual ambiente econômico em que os governos retomam um papel importante na promoção do desenvolvimento, multiplicam-se as oportunidades para que a pesquisa acadêmica se some aos esforços que monitoram a concepção, a implementação e os desdobramentos de políticas públicas que estimulam atividades econômicas. Formado por diversas disciplinas que dialogam entre si, o estudo das políticas públicas oferece abundantes estímulos para a criação de ferramentas, modelos e estratégias de abordagens que podem contribuir para o exercício da democracia, lançado luzes sobre as iniciativas dos agentes que se articulam para solucionar problemas públicos relacionados aos processos econômicos. No contexto brasileiro, propício à repetição da histórica e à danosa mistura entre interesses públicos e privados, o estudo das políticas públicas torna-se imperioso aos pesquisadores sociais. Ademais, a ação econômica será sempre a janela através da qual se pode compreender também a política, a cultura, as relações, o indivíduo, a estrutura social, enfim, as múltiplas dimensões do desenvolvimento e das políticas públicas escolhidas para alcançá-lo.

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Resumen: El objeto empírico de este trabajo fue el Programa Primer Empresa Innovadora (PRIME), una política pública de apoyo al emprendeduría, iniciada por el gobierno Lula en 2009. Tratamos de analizar los discursos, los procesos y las prácticas desarrolladas durante la implementación del Prime y sus repercusiones sobre el que hacer de los empresarios y de las empresas beneficiarias. Además de la ayuda económica, el Prime movilizó las instituciones y consultoras que participaron directamente en los esfuerzos para ayudar los proyectos seleccionados. Los procedimientos metodológicos adoptados fueron: la observación, la investigación de documentos y las entrevistas con los actores que participaron en el Programa, como parte de su implementación bajo la coordinación del Parque Tecnológico de Paraíba. Los resultados del estudio mostraron que la aplicación del Prime estuvo marcada por tensiones, conflictos, contradicciones y rigidez, lo que evidenció los errores del Programa y explicó la ineficacia de este arreglo institucional en el apoyo a las empresas emergentes.

Palabras clave: Estado, políticas públicas, emprendeduría.

Résumé: L’objet empirique de ce travail était d’abord le Programme Première Entreprise Innovante (PRIME), une politique publique de soutien à l’entrepreneuriat, lancée par le gouvernement Lula en 2009. Nous avons essayé d’analyser les discours, les processus et les pratiques développées au cours de l’Implémentation du Prime et ses répercussions sur les chemins des entrepreneurs et des prestations de l’entreprise. Outre la subvention économique, Le Prime a mobilisé institutionsI et des consultants qui ont été directement impliqués dans l’effort pour permettre aux projets sélectionnés. Les procédures méthodologiques ont été adoptées: l’observation, la recherche de documents et des entrevues avec les acteurs participant au Programme, la part de ses implémentation sous la coordination du Parc Technologique de Paraíba. Les résultats de l’enquête ont montré que le implémentation du Prime a été marquée par des tensions, des conflits, des incohérences et rigidité, ce qui à nu les idées fausses sur le Programme et explique l’inefficacité de ce dispositif institutionnel visant à soutenir les entreprises émergentes.

Mots-clés: Etat, politiques publiques, entrepreneuriat.

Notas

1 Este artigo é parte da tese de doutorado intitulada “Políticas Públicas de Apoio ao Empreendedorismo no Brasil: uma análise da implementação do Prime pelo Parque Tecnológico da Paraíba”, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 33

Avaliação de programas de inclusão digital: os cursos de formação de monitores do Acessa São Paulo e o Centro Rural de Inclusão Digital

Evaluation of digital inclusion programs: training courses for monitors at Acessa Sao Paulo and Rural Center for Digital Inclusion

Evaluación de programas de inclusión digital: los cursos de formación de monitores del Acessa São Paulo y Centro Rural de Inclusión Digital

L’évaluation des programmes d’inclusion numérique: les cours de formation des moniteurs d’Acessa São Paulo et du Centre Rural pour

l’Inclusion Numérique

Cátia Regina Muniz*

Resumo: O propósito é discutir, sob uma perspectiva etnográfica de avaliação, a for-mação de monitores de dois programas de inclusão digital, em dois estados brasileiros: São Paulo e Ceará. Serão apresentados, des-critos e analisados cursos de capacitação dos monitores do Programa Acessa SP e do Centro Rural de Inclusão Digital (CRID). As informações sobre o CRID foram coletadas em estudo realizado pelo Laboratório de Pes-quisa Multimeios da Faculdade de Educação – FACED, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi possível perceber, com a análise dos dados, que a metodologia elaborada pelos idealizadores do CRID privilegiou a in-serção da comunidade no laboratório, articu-lando tecnologia e necessidades locais. Isto evidenciou que as ferramentas tecnológicas podem ser excelentes aliadas ao fomento do desenvolvimento coletivo; diferentemente dos postos do Acessa SP que não priorizam o investimento no treinamento dos monitores, dada a diversidade dos locais onde foram im-plantados, tornando difícil a elaboração de projetos que atendam às demandas das co-munidades.

Palavras-chave: formação, inclusão digi-tal, etnografia, avaliação, políticas públicas.

Abstract: The purpose is to discuss, in an ethnographic evaluation perspective, the training of two monitors taking part in digital inclusion programs in two Brazilian states: Sao Paulo and Ceará. The training courses for monitors at Acessa SP Program and at Rural Center for Digital Inclusion (CRID) will be presented , described and analyzed. Pie-ces of information about CRID were collec-ted in a study conducted by the Research Laboratory of Multimedia from Education Fa-culty (FACED) at Federal University of Ceará (UFC). The results using data analysis have proved that the methodology developed by the creators of CRID focused on the inclu-sion of the community in the laboratory, thus associating technology and local needs. This showed that technological tools can be im-portant elements to the promotion of collec-tive development; this was not the case at Accessa SP, where investment in the training of monitors was not a priority, which is ex-plained by the diversity of sites where they were implanted. As a result, it was difficult to prepare projects to meet the demands of communities.

Keywords: education, digital inclusion, eth-nography, evaluation, public policy.

* Mestre em Antropologia Social e Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. E-mail: [email protected]

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ARTIGOS INÉDITOS34 JAN/DEZ 2013

Os monitores dos pro-gramas de inclusão

digital são aqueles considerados pelos estu-diosos destas iniciativas como os atores pri-mordiais para o exercício de tais propostas. Por isso, esses agentes devem estar prepa-rados para desempenhar as funções a eles delegadas pelos programas, por meio de cursos de formação.

Neste sentido, Mori (2011) defende que os telecentros devem promover atividades de formação para que os usuários possam desenvolver habilidades de uso das tecnologias disponíveis nestes locais. Segundo esta autora: “A estratégia pode envolver mecanismos de educação à distância, porém, dificilmente prescinde de um agente de inclusão digital presencial, disposto e qualificado a atuar com os frequentadores para que efetivamente se apropriem das TICs”. (Mori, 2011, p. 135).

Do mesmo modo, um estudo realizado nos telecentros comunitários nos Estados Unidos, denominados Centros Comunitários de Tecnologia, mostrou a importância do treinamento das pessoas para que estas adquirissem habilidades, atitudes e capacidade de trabalhar com públicos diferentes para o sucesso de tais telecentros (Cisler et al., 1999). No manual desenvolvido pela Rede dos Centros Comunitários de Tecnologia (CTCNet), com o apoio da National Science Foundation e do Departamento Americano de Housing & Urban Development, consta que:

Nenhum outro fator sozinho é tão importante para o sucesso de um centro comunitário de tecnologia quanto a qualidade do seu pessoal e dos voluntários. Pessoal qualificado, amigável, solícito e confiável é essencial para fazer dos Centros Comunitários de Tecnologias um lugar para onde as pessoas querem ir, ficar e retornar. (Community Tecnology Center’ Network, 2003).

Por este motivo, a intenção deste artigo é apresentar a descrição e análise realizada acerca dos cursos de capacitação dos monitores do Programa Acessa SP e do Centro Rural de Inclusão Digital (CRID), a partir dos dados da pesquisa de pós-doutorado1 e também por meio de informações coletadas durante um estudo realizado junto ao Laboratório de Pesquisa Multimeios da Faculdade de Educação – FACED, da Universidade Federal do Ceará – UFC, financiada pela CAPES, “Educação do campo, desenvolvimento e inclusão digital. Mediações culturais no universo semiárido cearense”. Esta pesquisa teve por objetivo formular indicadores socioculturais que permitissem observar e avaliar em que medida o uso das tecnologias digitais na educação estavam contribuindo para a inclusão sociodigital, bem como para a promoção do desenvolvimento local. E ainda refletir sobre quais os impactos que os CRIDs, ambientes virtuais de aprendizagem instalados em lugares de acesso público, mantidos sob a responsabilidade de assentamentos rurais e mediados pela escola, promoviam nas várias dimensões da vida social das comunidades no interior do Ceará, em particular, no assentamento Santana, localizado no município de Monsenhor Tabosa.

Baseada na experiência como pesquisadora, procurou-se, no pós-doutorado, analisar, sob a perspectiva da avaliação de políticas públicas, a proposta de inclusão digital do Programa Acessa SP do Governo do Estado de São Paulo, coordenado pela Secretaria de Gestão Pública, com gestão da Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo - Diretoria de Serviços ao Cidadão (Prodesp), especificamente nos assentamentos rurais Haroldina, em Mirante do Paranapanema e Gleba XV, em Rosana, ambos no Estado de São Paulo, cujo intuito era desenvolver um estudo comparativo

Introdução

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entre ambas as iniciativas de inclusão digital. A comparação tornou-se possível, visto que, além dos programas terem seus postos em assentamentos rurais, os dois projetos têm por finalidade proporcionar às pessoas, que não têm computador e internet em suas residências, acesso gratuito às tecnologias de informação e comunicação. No caso dos assentamentos rurais, esse acesso se torna fundamental, devido às longas distâncias entre estes locais e as cidades mais próximas.

A escolha em trabalhar com os pressupostos da avaliação foi motivada por Carvalho (1998, p. 92), ao considerar que a avaliação de programas sociais permite aferir resultados e impactos na alteração ou não das condições de vida dos beneficiários, ou mesmo ao repensar as opções políticas e programáticas, devido ao incentivo dado pelo argumento de Silva e Silva (2001, p. 72), informando que “a avaliação de políticas públicas e programas sociais se utiliza dos métodos e técnicas próprios da pesquisa social”. Sendo assim, preferiu-se o método etnográfico, baseada na experiência obtida como docente no Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP), da Universidade Federal do Ceará, no qual os coordenadores têm defendido esta metodologia como ideal para a coleta e análise dos dados, articulando os procedimentos de pesquisas quantitativas, (estatística) e qualitativas (etnografia) (Gussi, Rodrigues, e Gonçalves, 2006; Gonçalves, 2008b).

Neste sentido, segundo Gussi e Rodrigues (2010, p. 27), a perspectiva etnográfica possibilita o conhecimento das representações, da visão de mundo, do ponto de vista dos beneficiários e ainda dos agentes envolvidos em programas sociais, “do contexto institucional de formulação de tais programas e de sua execução”. Aliado a estes argumentos, Warschauer (2006, p. 287) endossa a utilização desta metodologia

para entender também a tecnologia, “já que podem revelar as maneiras pelas quais a estrutura social, a inovação tecnologia e o desenvolvimento humano estão entrelaçados”.

Fundamentada nestes autores, propus a realização, nos termos de Geertz (1989), de uma descrição densa2 em que se consideram os diferentes significados que os atores acionam publicamente por meio de uma interpretação da estrutura desses significados, que torna compreensível a ação social nos seus diversos contextos . Desse modo, aliaram-se as perspectivas da avaliação e da etnografia para tentar decifrar os significados atribuídos por distintos atores ao programa de inclusão digital, denominado Acessa SP, nos assentamentos pesquisados e perceber se a implantação dos postos provocou algum tipo de mudança naqueles locais e/ou na vida dos usuários do Programa.

Neste artigo, especificamente, tratar-se-á da formação dos monitores/gestores3 das referidas iniciativas de inclusão digital, algo considerado fundamental, já que são eles os responsáveis pelo funcionamento destas.

No processo de desenvolvimento da pesquisa de pós-doutorado, fui convidada pelos gestores do Programa Acessa SP a participar de dois cursos de formação de monitores: Módulo I, dedicado aos novos monitores que iriam começar a trabalhar em postos recém-inaugurados; Módulo II, curso Rede de Projetos, direcionado àqueles que já tinham feito o primeiro módulo. Ambos os módulos tiveram duração de dois dias. Embora o Módulo I devesse ser oferecido aos monitores recém-contratados, existiam alguns que já estavam trabalhando havia seis meses no Programa e ainda não tinham realizado a formação básica para o cumprimento de suas funções. O grupo inscrito neste módulo era, em sua grande maioria, composto de jovens entre 20 e 30

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tal, tal... Enfim, um trabalho diferenciado. Isso quando começou o Módulo I e o Módulo II, eles tinham esse caráter, esse papel... Pra ter essa consciência, que trabalham em rede... Tinham dinâmicas que fortaleciam isso... A capacitação era muito trabalho em grupo... Mesmo sendo só em São Paulo, na época, o interior tinham três, quatro postos, são poucos os postos com mais de dez anos, a maioria é de 2008 pra cá.

Este entrevistado comenta ainda que, quando havia um número menor de postos do Acessa SP, o trabalho na capacitação era mais fácil, pois, ao mesmo tempo em que existia uma grande quantidade de conteúdo a ser ensinado, havia um tempo maior, já que se realizavam seis módulos com diversos temas.

Para ele, os gestores, ao se afastarem da NAP Escola do Futuro/USP, perderam a noção da complexidade que é a capacitação, tornando-se difícil convencê-los a mudar o modelo atual, com apenas dois módulos: um básico, acerca das funções dos monitores; e outro, sobre a elaboração de projetos. Desse modo, o conteúdo é único para todos os monitores, independentemente de seus postos estarem localizados na capital, no interior, em regiões centrais ou periféricas, ou seja, não há conexão entre o conteúdo ministrado nos cursos de capacitação com a realidade social ou cultural da comunidade no qual o posto foi instalado. Na concepção de Warschauer (2006, p. 270), a relação entre conteúdo dos cursos e o contexto local é decisiva “nas iniciativas de fornecer acesso significativo à tecnologia de informação e comunicação (TIC), seja em países desenvolvidos ou em desenvolvimento”.

A seguir, far-se-á a descrição dos cursos de que participei e, logo após, apresentarei a formação dos gestores do CRID.

anos, aproximadamente, em um total de 27 monitores, sendo 60% mulheres e 40% homens; 90% provenientes do interior do Estado e 10% da capital. Tais cursos foram ministrados no final do mês de junho de 2011.

A instituição responsável pela elaboração e aplicação dos cursos é o Núcleo de Pesquisa das Novas Tecnologias de Comunicação Aplicadas à Educação (NAP) Escola do Futuro4, da USP. O então coordenador dos cursos de capacitação de monitores do Programa, Pedro5 – que assumiu o cargo em março de 2012 e logo depois foi transferido para a coordenação de contratos entre esta instituição e o Programa Acessa SP –, descreveu, em entrevista, que a capacitação existe desde 2002 e a ideia de cursos modulares surgiu a partir de um consenso entre os gestores, por causa do grande conteúdo a ser ministrado.

Pedro relata também que, no início do Programa, os gestores trabalhavam nas dependências da Escola do Futuro/USP, e, apenas em 2005, ao mudar a administração, decidiu-se que estes ficariam alocados, à época, na Imprensa Oficial do Estado, e hoje na Prodesp. Desse modo, perdeu-se o trabalho conjunto e com ele o entendimento das atividades dos pesquisadores do NAP Escola do Futuro. Por isso, concordaram em dividir a capacitação em módulos, como destacado em seu relato:

O Módulo I, que antes a gente chamava de Introdução à Inclusão Digital, ele tinha um caráter, quando ele começou... Era uma coisa menos de gestão, ele era mais voltado para o monitor entender o papel dele como monitor, como agente de inclusão digital, então você não era um funcionário, seu trabalho é um trabalho diferente, não é um trabalho comum, tal,

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A descrição do curso básico Módulo I

Atualmente, como citado, há dois módulos de formação de monitores do Programa com dezesseis horas/aula cada um, ministrados em um dos prédios do Parque da Juventude, antigo complexo penitenciário Carandiru, na capital.

O conteúdo deste módulo teve como foco principal apresentar o Programa: os valores, a missão e a visão do Acessa SP; os números do Programa; quem são seus gestores; qual era o papel destes. As respostas foram encontradas no próprio site do Acessa SP, socializadas com todos os demais e comentadas pelos “capacitadores6”, por meio de pesquisas realizadas pelos monitores nos computadores e na internet. Os cursos foram ministrados a partir de aulas expositivas, com a utilização de vídeos, programa PowerPoint e os computadores conectados à internet. Buscava-se assim disponibilizar aos monitores os dados do programa e de seus postos de trabalho. Os “capacitadores” não forneceram nenhum material didático impresso e observei que nenhum monitor realizou qualquer tipo de anotação acerca do conteúdo.

Ao questionar este fato a um dos “capacitadores”, este reconheceu que a falta de anotações por parte dos monitores acaba por gerar uma prática diferente da teoria, porque muitos esquecem o que foi apresentado durante os cursos.

Além disso, os monitores não fizeram muitos questionamentos, somente forneciam alguns exemplos quando percebiam que já haviam presenciado alguma das situações citadas pelos expositores. Por exemplo, no momento da explicação sobre os valores do Programa, um dos monitores ressaltou que

eles devem trabalhar com comprometimento, ou seja, “devem vestir a camisa” do Programa, acrescentando que não devem se acomodar diante dos problemas que aparecerem. As dificuldades técnicas devem ser sanadas com o auxílio da equipe da Prodesp, sem que haja o fechamento do Posto, como acontecem em alguns casos mencionados por eles no curso. No entanto, em nenhum momento se comentou sobre o significado de inclusão digital elaborada pelo Programa, conceito fundamental para o entendimento deste.

Os “capacitadores” sublinharam o papel dos monitores, que é mostrar às pessoas que há serviços a serem acessados na internet, os quais podem facilitar a vida deles, tais como segunda via de contas de luz, telefone, inscrição para a confecção do Cadastro de Pessoa Física (CPF), cadastro da Nota Fiscal Paulista, entre outros. Dessa forma, não precisam ir até o órgão responsável para conseguir esses documentos. Estes “capacitadores” afirmaram também que é trabalho dos monitores fazer com que os postos do Acessa SP deixem de serem vistos como uma lan house gratuita, apenas para comunicação e diversão, compreensão esta compartilhada por alguns usuários entrevistados na pesquisa de pós-doutorado.

Assim que os grupos de monitores apresentaram os dados sobre o Programa, um dos coordenadores do Acessa SP mostrou que, em onze anos de existência, foram realizados 55 milhões de atendimentos, em um total de 2.205.992 de pessoas cadastradas, em 627 postos do Acessa SP em funcionamento (há outros 53 postos em implantação). Estes números são muito relativos, já que contabilizam aqueles que se dirigem até o posto para imprimir um documento exigido, por exemplo, no atendimento do Poupatempo, e nunca mais retornam. A intenção de revelar estes

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dados, no meu entendimento, foi enfatizar a importância do programa para o Estado de São Paulo e a responsabilidade dos monitores em manterem, ou mesmo ampliarem, esses números. Desse modo, o foco se restringiu aos números, e não à qualidade, nem ao tipo de atendimento realizado nos postos.

Os dados fornecidos mostraram também que, desde o ano 2000, o Programa foi implementado em 535 municípios, tendo um total de 1.161 monitores.

Um dos gestores do Programa, que ministrava aquele curso, ressaltou que os postos do Acessa SP são locais de convívio, cidadania, informação, aprendizado e conhecimento. Esse ambiente deve ser construído pelos monitores, ou seja, um ambiente que as pessoas tenham vontade de frequentar, descobrindo coisas interessantes que possam ser utilizadas, ou seja, objetivos muito semelhantes aos mencionados pela Community Tecnology Center Network (2003), citado acima.

O gestor sublinhou ainda o papel dos gestores como a principal fonte de comunicação entre a coordenação do Programa, os monitores e os parceiros, que, neste caso, são as prefeituras municipais e os órgãos estaduais. A partir do momento em que há a manifestação do interesse dos parceiros em ter um Posto do Acessa SP, os gestores devem ir até o local reservado para a instalação dos móveis e das máquinas, com o intuito de realizar a vistoria e dar, ou não, continuidade ao processo de implantação do posto. A função dos gestores é também cobrar resultados de todos os Postos e auxiliar os monitores na resolução de problemas técnicos.

Neste curso, houve uma ênfase dos “capacitadores” na opção feita pela Prodesp em utilizar a plataforma LINUX, software livre7, e não o Windows nos computadores dos Postos, visto que isso gera grande economia devido ao não pagamento de licenças para empresas privadas.

A Prodesp modificou a versão original do LINUX para torná-lo mais simples de usar e mais parecido com o Windows, isto é, mudaram a interface do sistema para que seus usuários conseguissem manuseá-lo sem dificuldades, visto que é um sistema operacional de código aberto e no qual se podem realizar as modificações necessárias. Com o Windows, isto não seria possível, porque seu sistema é fechado, não permitindo alterações.

Para demonstrar como é fácil e simples trabalhar na plataforma LINUX, o “capacitador” solicitou aos monitores que pesquisassem o que era rede, utilizando internet e o editor de texto do LINUX, como se pode observar na figura abaixo:

Figura 1. Plataforma Linux

Fonte: Autora

O conteúdo ministrado enfatizou que o Programa Acessa SP não faz restrições em relação à idade do usuário para o acesso, apenas algumas exigências: de zero – embora saibam que crianças sem alfabetização não irão frequentar os postos; porém, querem demonstrar que não há preconceito quanto à idade dos usuários – até onze anos, precisam do acompanhamento dos pais ou responsáveis legais; de onze até dezoito anos, o cadastro deve ser realizado na

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os monitores prossigam com a formação fornecida pela NAP Escola do Futuro, pois não sabem quanto tempo permanecerão em suas respectivas funções. Além disso, há aqueles que não têm tempo para a realização dos cursos, devido ao grande número de atendimento aos usuários diariamente. Existe também a questão de disponibilizarem somente quatro cursos à distância, os quais podem não atender às necessidades do cotidiano de trabalho de todos os monitores do Programa.

Há ainda monitores que preferem cursos presenciais, como uma das monitoras do assentamento Haroldina, porque podem esclarecer as dúvidas pessoalmente. Neste sentido, Warschauer (2006, p. 202) acrescenta que, em várias circunstâncias, a comunicação face a face é superior à comunicação online:

O rico ambiente humano e físico permite que os estudantes acompanhem de melhor modo o que o professor está dizendo, e permite que o professor avalie rapidamente a maneira pela qual os alunos estão seguindo a apresentação e, assim, faça ajustes imediatos para esclarecer uma questão.

Este autor destaca que a economia dos cursos online tem sido usada como argumento por diversos administradores universitários para expandir a educação à distância, visto que podem aumentar a quantidade de alunos por professor e reutilizar o material disponível pela internet várias vezes. No caso do Acessa SP, os custos também foram a justificativa dada pelos “capacitadores” e o gerente do Programa para optarem pelos cursos em EaD, já que reflete diretamente em diminuição dos gastos públicos. Segundo este gerente, o Acessa SP continuará investindo nos cursos à distância, que, além

presença dos pais ou responsáveis legais, ou pode-se levar o cadastro para que os responsáveis assinem.

Os responsáveis pelo curso afirmaram que a gestão do Posto do Acessa SP deve ser feita pelos monitores e que para isso há cursos à distância para continuar capacitando-os. Objetiva-se assim que haja uma formação continuada. A justificativa dada por eles, para ministrarem tais cursos por meio da internet, foi a inviabilidade do deslocamento de muitos monitores a São Paulo, devido à distância e em decorrência da falta de financiamento. Os cursos de Educação à Distância para monitores são: acessibilidade; governo eletrônico; pesquisa na internet e navegação segura.

Murray et al. (2001) descreveram que tais cursos à distância podem apresentar dificuldades para aquelas pessoas acostumadas apenas com o aprendizado tradicional de sala de aula. Este fato foi comprovado na demonstração dos números dos monitores que estavam realizando o curso, pois estes já tinham feito um dos módulos à distância do Portal do Programa, que, à época, era de apenas 10% do total. Por este motivo, os “capacitadores” pediram que todos se inscrevessem em um dos cursos e prometessem concluí-lo o mais rápido possível. Inclusive, foi solicitado à coordenadora dos cursos que enviasse uma mensagem eletrônica lembrando isso aos monitores que se inscreveram.

Um dos motivos do desinteresse dos monitores por tais cursos, informados nas entrevistas e mensagens eletrônicas trocadas entre eles, é a falta de comprometimento de alguns deles com o Programa, por causa do contrato realizado com os parceiros, que, na maioria dos casos, é temporário. Nestes casos, não há estímulos para que

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de redução dos custos, proporciona aos monitores a inserção no processo educativo por meio do computador e internet.

Com a finalidade de compreender melhor que tipo de informações há nestes cursos, realizei o módulo denominado “Pesquisa na Internet” e pude perceber que existe um conteúdo útil para os monitores; entretanto, estes devem programar seu tempo para desempenhar as tarefas solicitadas e, principalmente, assistir aos vídeos, tendo em vista a baixa velocidade da conexão, que atualmente é 512kbps, o que interfere na execução desta atividade. Em um posto muito movimentado, dificilmente eles encontrarão tempo, como salientaram vários monitores naquela capacitação. As dúvidas, se houver, serão sanadas apenas por meio de salas de bate-papo, por meio do MSN, o que talvez desestimule o monitor, pois precisará interromper suas atividades, entrar no MSN, sanar suas dúvidas e voltar.

Babin e Koulouumdjian (1989), assim como Lima Jr, Hetkowski, Borges e Cordeiro (2008), mostram que as questões de aprendizado são também culturais, por isso uma formação, como as propostas pelos cursos de EaD, que privilegiam o ensino a partir da vivência do novo, acaba por criar tensões entre o modo “tradicional” de viver e pensar, e as “novas” formas de praticar a educação na sociedade atual, revelando a importância de se refletir sobre o contexto social em que vivem as pessoas que realizarão este tipo de curso. Assim, embora a EaD se justifique por causa da redução dos custos deste tipo de atividade, os cursos devem ser repensados, levando-se em conta a especificidade dos locais, nos quais os Postos são instalados. Desse modo, os conteúdos devem também estar atrelados ao atendimento das necessidades

particulares dos monitores, em seu cotidiano de trabalho.

Os outros dois dias foram reservados ao curso denominado “Rede de Projetos”.

O Curso “Rede de Projetos”

Este curso destina-se aos monitores que já realizaram o Módulo I, como citado anteriormente. No curso de que participei, havia cinco monitores, sendo um de um posto da capital paulista e os demais de cidades do interior: dois do município de Guará e dois de Estiva Gerbi.

De acordo com o “capacitadores”, o propósito da Rede de Projetos é fazer com que os monitores sejam preparados para produzir um projeto, a ser aplicado em seus respectivos postos, pois consideram que o Acessa SP não tem como finalidade apenas o acesso à internet, mas também a construção, por meio de projetos, de um ambiente de aprendizado e de transformação dos cidadãos. Isto significa dizer que o Programa tem encarado esta atividade como uma forma de se diferenciar de outras iniciativas que fornecem aos usuários somente o acesso às TICs. Por isso, os responsáveis pelo Acessa SP passaram a insistir com os monitores na execução de projetos que possam, de alguma maneira, contribuir “para a produção de conhecimento ou transformações nas condições de vida dessas pessoas”.

Para isto, os responsáveis pela capacitação argumentaram que o projeto deveria ser pensado, baseado na realidade dos postos em que trabalhavam. Por este motivo, a primeira atividade consistiu

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em destacar a realidade local, citando as principais atividades desenvolvidas em seus respectivos municípios. No entanto, como se mostrará abaixo, pouco se falou do planejamento do tempo para sua produção e execução.

Os “capacitadores” acrescentaram que a Rede de Projetos serve para dar suporte ao desenvolvimento comunitário dando:

a) acesso à informação;b) participação nas redes sociais;c) colaboração em rede;d) apropriação da tecnologia.Dessa forma, de acordo com estes

expositores, a Rede de Projetos funciona por cooperação e colaboração, sendo que o alicerce é a “vontade dos monitores em elaborar projetos”. Neste caso, os monitores podem reservar até 30% do horário de trabalho, em torno de doze horas semanais, para o desenvolvimento dos projetos.

A ideia do curso era estimular ainda a parceria entre os monitores e a comunidade local, em particular, o poder público, os comerciantes e os empresários, para que estes financiassem os projetos, diminuindo assim os gastos do Programa. Esta proposta é bem interessante e mostra um avanço em relação à pesquisa de Abrucio (2005), em que um dos desafios encontrados para melhorar a gestão pública era exatamente a necessidade de juntar municípios e secretarias estaduais cooperativamente aos consórcios, parcerias ou similares, na tentativa da manutenção de iniciativas de políticas públicas.

Com a finalidade de incentivar a elaboração de projetos pelos monitores, foram exibidos vídeos, com o recurso de projetor multimídia datashow, de projetos

considerados modelo e que receberam prêmios, concedidos anualmente pela Secretaria de Gestão Pública e da Prodesp, podendo se inscrever todos os monitores que desenvolvem projetos em seus postos.

Conforme os “capacitadores”, os monitores podem utilizar os projetos já implementados como referência ou usá-los na íntegra, desde que atenda às necessidades das pessoas que frequentam os postos em que trabalham. Os referidos projetos se encontram no Portal do Acessa SP para que todos possam conhecê-los, monitores ou não.

Para Murray et al. (2001), a observação de trabalhos e projetos realizados pelos colegas pode, por uma lado, possibilitar o aprendizado de habilidades que não estão disponíveis em cursos de capacitação, mas, por outro lado, pode proporcionar que, no caso de os colegas cometerem erros, estes sejam replicados. Além disso, na maioria dos casos, os autores dos projetos não estão presentes para explicarem suas atividades de forma a esclarecer as dúvidas que surgem.

Como mostraram os “capacitadores”, tais projetos foram elaborados a partir das percepções dos monitores sobre as necessidades dos usuários, tornado-se complicado replicá-los, pois se concorda com Lima Jr, Miranda e Hetkowski (2008) que cada espaço de inclusão digital possui sua especificidade, visto que contém elementos sociais, culturais, econômicos e políticos que lhe são próprios, por isso os projetos precisam atentar para essas particularidades no momento de sua elaboração e execução.

Mesmo afirmando que os monitores podem implantar projetos elaborados por seus colegas, os “capacitadores” partem

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ARTIGOS INÉDITOS42 JAN/DEZ 2013

da ideia da singularidade, ao sugerirem que estes devem partir das seguintes questões:

1) o que é o seu projeto? (curso, palestra, oficina);

2) por que fazer este projeto?;3) como fazer o projeto?;4) com quem realizar o projeto?

(parcerias);5) para quem o projeto será realizado?;6) quando ocorrerá o projeto? (dias e

horários da semana).

Estas perguntas demonstram que o monitor não pode simplesmente entrar na página do Acessa SP, escolher um projeto e aplicá-lo, porque cada posto terá uma necessidade que pode ser bem diferente da dos outros.

Com a intenção de auxiliar os monitores a pensarem em um projeto, os “capacitadores” informaram que, no portal do Programa, existe a pesquisa Ponline (avaliação do programa a partir de questionários online aplicados aos usuários dos Postos). Esta informa o perfil dos usuários de todos os postos, a idade e o sexo destes, entre outros itens. Sublinhe-se que esta pesquisa poderia auxiliar os monitores a verificar o de que os usuários necessitam em seus postos. Assim, ao término desse dia de atividades, os monitores puderam elaborar seus projetos e os incluíram junto aos outros que se encontram na página da Rede de Projetos do Portal do Acessa SP.

No segundo dia do curso “Rede de Projetos”, os “capacitadores” se restringiram em explorar mais os projetos elaborados e desenvolvidos por monitores, como um exemplo a ser seguido pelos demais.

No final de ambos os cursos, houve uma avaliação na qual os monitores conceituaram tanto o conteúdo, quanto a forma pela qual eles foram transmitidos. A avaliação foi positiva, não se registrando nenhuma crítica. As monitoras entrevistadas nos assentamentos em São Paulo também elogiaram os cursos, não emitindo opiniões negativas.

Balboni (2007), no entanto, ao entrevistar uma monitora do Acessa SP da cidade de Piracicaba, conseguiu uma visão bem diferente da exposta pelos monitores nos cursos de que participei. Na interpretação desta monitora, a nova gestão do programa tem a finalidade de transformá-los em “agentes políticos”, pois esta entendeu que a sugestão da interação entre os postos e a comunidade local, por intermédio dos monitores, seria uma maneira de dar maior visibilidade ao Programa junto à comunidade. Isso, de certa forma, constituiria uma propaganda do governo do Estado. A referida monitora considera que esta deva ser uma tarefa para os políticos, e não para os monitores.

Este relato revela que o conteúdo dos cursos de capacitação pode ter inúmeras interpretações, por isso se considera de fundamental importância o acompanhamento da prática dos monitores em seus locais de trabalho, para auxiliá-los em suas dúvidas e demandas.

Abaixo teremos a descrição de como se deu a formação dos gestores do CRID.

A formação dos gestores do CRID

Diferentemente da proposta do Acessa SP, que foi idealizada pelo governo do Estado

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de São Paulo, o CRID foi formulado por professores e pesquisadores do Laboratório de Pesquisa Multimeios da FACED/UFC. Esta iniciativa se baseou em ideias de inclusão digital com a participação da comunidade, partindo do reconhecimento das necessidades dos moradores dos assentamentos rurais, garantindo-lhes assim apropriação e autogestão do laboratório de informática. De acordo com os idealizadores do referido projeto, este tem por finalidade o incentivo ao desenvolvimento e autonomia das comunidades em que os CRIDs estão inseridos.

A equipe do Laboratório de Pesquisa Multimeios realizou formações de jovens locais para a manutenção do CRID, o que é essencial para os telecentros comunitários, cuja intenção é a autossustentabilidade e a autonomia administrativa (Laipelt, 2003). Ao recrutarem pessoas da própria comunidade para o trabalho nestes locais, estas se tornam multiplicadores da experiência e aprendizagem adquirida nos cursos de formação.

No caso do Acessa SP, os monitores são nomeados pela prefeitura da cidade na qual está instalado o posto, sendo geralmente funcionários da gestão municipal. Este fato tem trazido problemas para o programa, pois muitos deles têm contrato temporário, e não demonstram comprometimento com o Programa, como citado acima.

A formação dos gestores do CRID pretendeu preparar equipes de pessoas para que assumissem as funções administrativas do laboratório de informática junto à sua comunidade rural para auxiliar e favorecer o processo de inclusão digital neste âmbito, bem como estabelecer uma manutenção preventiva e corretiva de equipamentos computacionais (hardware e software).

A equipe do Multimeios da UFC partiu do pressuposto de que a inclusão digital no meio rural seria mais bem compreendida se fosse aliada a um processo de formação em gestão na área de informática educativa. Por este motivo, pesquisadores e participantes interagiram em todas as ações desenvolvidas no CRID. Desse modo, foram realizados estudos preliminares e análises necessárias à criação do laboratório e formação dos bolsistas formadores que iriam atuar na comunidade rural selecionada. Nesta etapa, foram definidos os papéis de cada membro do grupo, decididas as estratégias de formação e ação, elaboração e participação de seminários, minicursos e estudos referentes aos assuntos abordados em todo o projeto.

De acordo com relatos dos pesquisadores deste Laboratório, envolvidos no projeto, a implantação do CRID durou mais ou menos três meses, e, ao seu término, “a equipe viabilizou o acesso de crianças, jovens e adultos à ‘cultura digital’ assim como à rede de informações, capacitação e serviços”.

Ao entrevistar os gestores do CRID em 2009, no assentamento Santana, no município de Monsenhor Tabosa (CE), estes relataram que a maioria deles faz parte de pastorais, grupo de jovens, atividades organizativas, coordenação de corte e costura e dança. Um deles conseguiu emprego na Câmara Municipal devido à formação do CRID, ou seja, é “fruto dele”.

Estes entrevistados descreveram a formação que tiveram como um trabalho voluntário, porém com um rico ganho em aprendizagem. A seleção dos gestores seguia os seguintes critérios: filho de assentado, bom desempenho escolar, disponibilidade de horário, interesse e idade superior a doze anos.

Citaram também que, ao término da formação, realizaram uma festa, que

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denominaram de “batizado”, com entrega de uniforme e confraternização com a equipe do Laboratório Multimeios. Os gestores participaram de todo o processo de montagem, organização, gestão e manutenção do laboratório, cujo intuito foi capacitar tais jovens para resolver qualquer problema sem a necessidade de intervenção da equipe da UFC, ou seja, proporcionar-lhes autonomia, por isso o CRID foi construído coletivamente.

Os gestores enfatizaram ainda que o interesse de alguns jovens era manifestado no tempo dedicado ao aprendizado, que chegava a ser de dezesseis horas por dia, com a intenção de aprimorarem os conhecimentos sobre a “novas” tecnologias, isto é, aprenderem a “caminhar com as próprias pernas”.

Nas entrevistas, destacaram que já foram formadas quatro novas turmas de gestores que tiveram como formadores os gestores da primeira turma. O processo seletivo se baseou na inserção daqueles que, à época, não puderam participar devido à faixa etária e que tinham interesse em trabalhar voluntariamente no laboratório. Dessa forma, iniciaram o processo de multiplicação do conhecimento localmente, como enfatizou Laipelt (2003) acima. Com isso, acham que irão “cada vez mais longe”.

Segundo a diretora da escola do assentamento (2009), as mudanças de gestores ocorreram devido a alguns deles terem se casado, particularmente as mulheres. Com a chegada de filhos, não puderam mais exercer suas funções, como mostra o seguinte relato:

A gente começou com uma quantidade de gestores e foram diminuindo, devido alguns casaram, a partir do momento que formam família, têm criança pequena e não

dá para trabalhar, por isso já foram feitas quatro formações: colocam os gestores em três meses de experiência, aí veem aqueles que mais se interessaram daqueles que foram inscritos, ficam em experiência e se derem “conta do recado” tornam-se gestores. Procuramos sempre manter um número de gestores considerado suficiente para o atendimento dos usuários.

Esta diretora descreveu ainda a participação dela e dos professores nas oficinas oferecidas pelos pesquisadores do Laboratório Multimeios, assim como as dificuldades encontradas no início do projeto, por causa do desconhecimento no uso do computador:

No início não achamos que seria possível, pois a gente não estava acostumada a lidar com os equipamentos, com as máquinas. Mas depois que tivemos as oficinas, ficou mais fácil. O pessoal da UFC, do Multimeios, veio aqui, realizou as oficinas com a gente, com os educadores e também com os educandos... Então, quando tinha qualquer dificuldade, era só acessar a internet que a gente conseguia... Nós educadores tivemos várias oficinas (com o pessoal do Multimeios): as oficinas consistiam em ensinar como conseguir o material que a gente precisava para utilizar em sala de aula, e também jogos educativos e nas pesquisas. A gente levava os alunos ao laboratório com determinado tema a ser pesquisado e depois socializava com toda a sala de aula.

Após a formação, os gestores estabeleceram uma rotina para o laboratório, descrita por um deles (2009):

No início a ideia era não dar o peixe pescado, mas ensinar a pescar, ao longo do tempo, demos uma aprimorada. A gente achava que não devia nem dar o peixe pescado, nem ensinar a pescar, e sim revolucionar a comunidade pesqueira, ou seja, a gente não queria que os usuários fossem ao laboratório apenas buscar informações, mas conversar com os gestores para que a tecnologia se adequasse à realidade e necessidade local. A proposta é, por meio de questionamentos, procurar que

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busquem, aprendam, sejam motivados, tenham curiosidade.

Neste sentido, aperfeiçoaram a metodologia a partir do cotidiano do laboratório, das experiências com os usuários e da realidade local, diferente da proposta do Acessa SP, cujo conteúdo ministrado nos cursos de capacitação é único, sem as devidas distinções para as diferentes realidades nas quais estão instalados os postos do Programa.

A metodologia de atendimento ao usuário, ensinada pela equipe do Laboratório Multimeios, refere-se à “ideia da mão no bolso”, ou seja, se baseava na interpretação de que, em vez de mostrar ao usuário que tipo de informação buscar na internet, se deveria estimulá-lo a ter autonomia para utilizar a máquina. Neste caso, a função dos gestores era apenas de orientação, solução de dúvidas e ajuda básica na utilização da máquina e da internet. Contudo, uma das propostas do laboratório era o estímulo à busca do conhecimento. Por este motivo, o usuário deveria reservar, pelo menos dez minutos, para a consulta de endereços eletrônicos de jornais e revistas com conteúdo informativo.

Conforme os relatos dos gestores, os usuários, ao irem ao laboratório, precisavam ser objetivos, tinham que saber o que iam fazer. O papel do gestor era dar-lhes orientação de como procurar novas informações, privilegiando a visão educativa e social, fundamental na concepção dos idealizadores do CRID, para associar o conhecimento obtido na internet com a realidade local, possibilitando o desenvolvimento de um senso crítico. Para um dos gestores entrevistados (2009):

Na metodologia utilizada o usuário não é simplesmente “um robô”, isto é, senta na

máquina, obtém informações e as guarda apenas para si dependendo sempre só da máquina, não aprendendo a compartilhar o que aprendeu. Inicialmente a pessoa tem que fazer uma pesquisa, olhar o jornal de sua preferência e depois socializar as informações coletadas. A socialização é a maneira que os usuários não se tornam “robôs”, um incentivo ao convívio social.

Este relato evidencia que a intenção do laboratório de informática era também construir conhecimento coletivamente.

Os idealizadores do CRID elaboraram dez regras de comportamento aos usuários do laboratório e que estão afixadas de forma bem visível logo na entrada: 1) respeitar, sobretudo, as normas e os gestores do CRID; 2) não comer nem beber dentro do laboratório; 3) não fumar nas proximidades do laboratório; 4) manter silêncio; 5) proibido site de jogos que influenciem violência; 6) ler jornal; 7) zelar pelos equipamentos; 8) respeitar o horário; 9) vir com as mãos limpas e roupas adequadas; 10) não permitido acesso às denominadas redes sociais para menores de 16 anos. Caso os usuários desrespeitem algumas dessas regras, serão penalizados com a suspensão do uso das máquinas por uma semana; se reincidirem, o prazo da suspensão será de um mês. Os usuários podem utilizar os computadores e a internet por um período de uma hora, podendo esse horário ser renovado caso não haja alguém a esperar.

Neste sentido, os gestores do CRID e os professores do assentamento Santana citaram em suas entrevistas que têm conseguido articular o uso da internet com as necessidades locais, utilizando a rede mundial de computadores como uma ferramenta educativa para estimular os alunos a participarem do laboratório. Dessa maneira, criou-se um vínculo entre escola e

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CRID, mencionado por uma das professoras deste assentamento:

A gente sente a interação entre a escola e o assentamento, a partir do laboratório. Existe um elo entre a educação, a educação digital e o assentamento, porque tem a rádio-escola que trabalha em comum com a escola. Por exemplo: surge a necessidade de falar sobre meio ambiente, é trabalhado esse tema em sala de aula, trabalhado no laboratório através de pesquisa, e essas informações são transmitidas para todo o assentamento pela rádio, desenvolvendo o aspecto comunicativo do educando, pois ele tá falando para seu pai o conteúdo que ele trabalhou em sala de aula. Para aqueles pais que não podem acompanhar o processo formativo do seu filho, através da rádio-escola e da informação obtida no laboratório, pode estar compartilhando e mostrando que adquiriu conhecimento através da internet.

A relação entre CRID e escola tem também como finalidade, de acordo com as informações coletadas, buscar informações para aprimorar seus conhecimentos a partir de pesquisas sobre os mais variados temas estudados em sala de aula, tais como: o projeto denominado “saboreando as delícias do campo”, no qual os alunos do 4.º e 5.º ano do ensino fundamental pesquisam várias receitas; a busca na internet da origem do bumba meu boi; a origem do dia das mães e dos pais, isto é, várias datas comemorativas para serem apresentadas não só aos alunos como a toda comunidade.

Nos postos do Acessa SP pesquisados, ainda não foram elaborados projetos comunitários, embora sejam enfatizados no curso “Rede de Projetos” e seja uma recomendação dos administradores do Programa.

Para complementar as informações acerca da qualificação dos monitores em telecentros, destacam-se abaixo outras experiências de formação.

Outras experiências de formação de monitores de telecentros

Laipelt et al. (2003) cita um projeto elaborado pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED) de Porto Alegre (RS), denominado Projeto Telecentros Comunitários de Porto Alegre, que foi implantado em 2001. Estes autores afirmam que:

[...] a visão de telecentros proposta pela SMED ao Grupo de Trabalho (GT) tem sido mais ampla do que simplesmente dispo-nibilizar computadores com acesso à In-ternet. Tem se buscado utilizar métodos construtivistas na capacitação dos monito-res e demais usuários, considerado ponto fundamental para que a capacitação seja eficaz, e que eles possam usufruir plena-mente das TICs disponíveis. (Laipelt et al., 2003, p. 11).

Assim como no Programa Acessa SP, que tem a NAP Escola do Futuro da USP como parceiro nos cursos de qualificação dos monitores, no caso do Programa acima citado, os responsáveis pelo planejamento e execução de grande parte do projeto de qualificação é o Departamento de Ciências da Informação, representado pelo Grupo de Educação à Distância, ECHOS, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Conforme Laipelt et al. (2003), este grupo foi convidado a participar do programa de qualificação, por causa da sua experiência na formação e aplicação das TICs no ensino, pesquisa e extensão, não só em cursos presenciais como à distância.

O curso elaborado pelo grupo ECHOS teve como intuito:

a) possibilitar a aplicação de ferramentas de TICs; b) propiciar uma melhor gestão dos telecentros; c) promover as relações entre comunidades e telecentros; e d) possibilitar o armazenamento, recuperação e geração de informações de interesse comunitário. (Laipelt et al., 2003, p. 12).

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Os autores sublinham que a metodologia aplicada no curso se baseou nas ideias propostas por Reinhard e Macadar (2002, p. 10), cujo objetivo era:

[...] usar uma metodologia construtivista e interativa, para preparar cidadãos e cidadãs para uma sociedade democrática. Ou seja, a ideia é de que através da disponibilização das TICs elas mesmas possam elaborar e distribuir conteúdos com significância para sua própria comunidade. E esse resultado final, apesar de mais moroso e de difícil quantificação, parece ser improvável que possa ser alcançado através de cursos de informática normalmente ofertados pelo mercado.

Diferente do curso proporcionado pelo Programa Acessa SP aos seus monitores, que se divide em dois módulos com 16 horas/aula cada um, o curso elaborado pelo grupo ECHOS foi dividido em três módulos com 40 horas/aula. O conteúdo e os módulos são descritos pelos autores:

a) No primeiro módulo, Gestão de Serviços para a Qualidade, foram abordados os tópicos: a) cidadania e informação: aspectos legais, éticos e sociais; b) habilidades para o atendimento ao usuário; c) organização das atividades do telecentro baseada na realidade local e em outras experiências; d) elaboração de regulamentos, controles e arquivamento de informações. No módulo 2, que tratou da Informação em Rede, os conteúdos abordados foram: a) identificação das necessidades de informação da comunidade; b) fontes disponíveis em rede e nas bibliotecas locais para o atendimento às necessidades de informação; c) recuperação e uso de informações de interesse comunitário ou do cidadão; d) critérios de avaliação da qualidade da informação recuperada em rede. Já no módulo 3, que tratou da Produção de Conteúdos Informacionais, os temas versaram sobre: a) geração de documentos eletrônicos para a organização de conteúdos de interesse local; b) disponibilização em rede dos conteúdos de informação de interesse local; c) geração e organização de conteúdos de interesse local; d) integração com a comunidade através da ação cultural. (Laipelt et al., 2003, p. 12-13).

Com a finalidade de auxiliar os monitores a identificar as necessidades de informação da comunidade em torno do telecentro, estes foram orientados por professores envolvidos no curso a realizarem uma entrevista com os moradores, usuários ou não dos telecentros, utilizando um roteiro produzido durante o curso. Após as entrevistas, os monitores, juntamente com os professores, analisaram as respostas obtidas e, baseados nos dados coletados, puderam elaborar um projeto8 que suprisse as necessidades da comunidade referentes à utilização das TICs nos telecentros. Desta forma, todo o processo de pesquisa dos dados e produção dos projetos, que seria desenvolvido nos telecentros pelos monitores, foi orientado e acompanhado de perto pelos professores participantes do curso de “qualificação” (Laipelt et al., 2003, p. 14).

A referência a estas atividades desenvolvidas pelos monitores de Porto Alegre evidencia a diferença do curso denominado “Rede de Projetos”, no qual os próprios monitores têm que realizar a mesma atividade, porém sem a orientação de professores ou dos próprios “capacitadores”.

A justificativa dada pelos “capacitadores”, gestores e coordenadores do Programa Acessa SP é que preferem que os monitores, e não acadêmicos, produzam os projetos, pois estes conhecem a realidade em que trabalham, sabem do que precisam as pessoas que vão até. Contudo, não citaram a redução de custos com esta estratégia e, principalmente, as dificuldades que os monitores encontrariam ao tentar praticar o que lhes foi ensinado no curso.

Outro programa de formação de monitores citado por Leal e Brant (2012) refere-se ao curso de Formação Gesac, integrado à Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PNCT&I), que visa à formação de monitores de telecentros para o uso de tecnologias digitais. Segundo estas autoras, este Programa teve duração de um ano,

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com uma carga horária total de 432 horas/aula, cuja finalidade era oferecer educação técnica e aprimorar o desenvolvimento de habilidades voltadas para a inclusão digital das comunidades. O treinamento foi composto por sete módulos de conteúdos específicos na modalidade semipresencial, que se destinou à capacitação de 739 monitores de pontos Gesac, visando ao preparo destes para repassarem a formação no uso das TICs a, no mínimo, três representantes de instituições da sociedade civil organizada, tais como: paróquias, sindicatos, associações de moradores e outros. O critério de seleção desses monitores ou multiplicadores foi não ter recebido formação em TIC oferecido pelas instituições responsáveis. Desse modo, foram montados núcleos de formação, unidades constituídas por um professor-orientador e alunos-tutores vinculados a Institutos Federais, nas cinco regiões do país, onde a parte presencial do treinamento acontecia (Leal e Brant, 2012, p. 98). As autoras acrescentam ainda que:

O professor-orientador foi responsável pela formação presencial de monitores dos pontos e teve o papel de orientação dos tutores em termos técnicos e didáticos, cujo papel é estimular os monitores a complementarem a formação à distância e/ou presencialmente. Cada aluno-tutor foi responsável por apoiar um número fixo de pontos GESAC. Foram realizados dois encontros presenciais nos polos de formação e a etapa à distância foi realizada no ambiente da plataforma Moodle. Uma rede educacional foi formada por professores dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), alunos-tutores, monitores.

O material didático, diferentemente da capacitação dos monitores do Acessa SP, continha módulos impressos, conteúdos didáticos digitais e ferramentas interativas em ambiente virtual de aprendizagem. Falta ainda aos cursos de formação de monitores elaborados pela NAP Escola do Futuro da USP, no caso específico do Acessa SP,

material impresso, que apenas recentemente foi disponibilizado online. No entanto, este não foi feito para os módulos à distância – esse material seria um meio de consulta ou orientação, em caso de dúvidas.

O conteúdo impresso distribuído aos monitores do Programa Formação Gesac, de acordo com Leal e Brant (2012, p. 99):

[...] consistiu em uma coleção de seis módulos de conteúdo que foram desenvolvidos para sua capacitação de forma a possibilitar, também, o apoio dos usuários dos telecentros no uso das TICs. Os conteúdos foram organizados em seis módulos, sendo o módulo I sobre introdução à educação à distância, o módulo II sobre educação e cidadania, o módulo III sobre educomunicação, o módulo IV sobre metodologias, o módulo V – hardware, o módulo VI – software e o módulo VII – redes.

Estas experiências enfatizam a preocupação dos programas de inclusão digital com a formação de seus monitores, principalmente em beneficiar a comunidade local com o uso das TICs; porém, a maneira que trabalham esta questão nos cursos de qualificação é bem diferente. Enquanto no Projeto Telecentros Comunitários de Porto Alegre há um acompanhamento e orientação prática de todo o processo de elaboração do projeto a ser aplicado nos telecentros, no Programa Acessa SP, existe apenas a parte teórica, já a prática deve ser realizada pelos monitores, inclusive a pesquisa sobre as necessidades locais. No caso do Gesac, os monitores relataram que também preferiram a parte destinada aos encontros presenciais e reivindicaram a ampliação dos encontros que reúnem agentes de inclusão digital, tutores e professores, visto que estes encontros presenciais, na interpretação dos monitores, são uma oportunidade de estabelecer e fortalecer laços sociais com os demais monitores e atores do treinamento (Leal e Brant, 2012, p. 102).

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Já no projeto CRID, vimos que o período de formação dos gestores durou três meses, com a diferença da participação destes em todo o processo de instalação do laboratório de informática, da montagem e manutenção dos equipamentos até a produção de material socioeducativo, visto que este projeto foi concebido a partir de uma proposta pedagógica fundamentada em ações e atividades educativas, pensadas, sobretudo, para a resolução de problemas criados a partir do dia a dia da comunidade, ou mesmo apontados durante uma atividade pedagógica trabalhada.

Do mesmo modo, os Centros Digitais de Cidadania9, que são centros públicos de acesso à internet, implantados pelo Programa Cidadania Digital, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, têm também a intenção de elaboração de projetos socioeducativos para as comunidades envolvidas por meio da criação dos Núcleos de Gestão Colaborativa (Nugecs), com a participação das universidades estaduais da Bahia. Estas universidades elaboraram um projeto-piloto de formação e implantação destes núcleos, bem como “a capacitação dos gestores e monitores para que pudessem compreender como desenvolver e mobilizar a comunidade nesta nova configuração dos CDC” (Miranda, Oliveira e Souza, 2008, p. 167). A capacitação foi realizada à distância, com dois encontros presenciais, por causa da dificuldade de deslocamento dos alunos, semelhante ao Acessa SP. O curso foi divido nos seguintes módulos: Software Livre; Cultura Digital; Projeto Socioeducativo; Gestão Participativa.

Entretanto, de acordo com Miranda, Oliveira e Souza (2008), dos 361 centros que participaram da formação, apenas 72 implantaram o seu Nugec. Do total de 257 alunos, apenas 38 completaram todos os módulos, ou seja, 15%, algo próximo ao relatado sobre os cursos à distância disponibilizados aos monitores do Acessa SP.

Na concepção Lima Junior, Hetkowski, Borges e Cordeiro (2008, p. 215), a justificativa para a pouca participação na conclusão dos módulos de formação foi: “[...] a queda do ‘fôlego’ inicial no processo; o conteúdo dos módulos III e IV, que foram mais reflexivos e menos práticos, exigindo dos alunos mais discussão, reflexão e exposição de ideias”. Estes autores salientaram que cursos à distância são algo novo. Neles se confrontam com hábitos e costumes já cristalizados, ou seja, como citado anteriormente, trata-se de percepções culturais.

Na entrevista com Pedro, o então coordenador dos cursos de capacitação dos monitores do Programa Acessa SP, indicaram-se algumas falhas dos cursos, sendo uma delas a falta de um planejamento pedagógico. Segundo seu relato:

Hoje a gente não tem referência (pedagógica), porque a gente tá no meio da “fazeção”: olha têm quinhentas capacitações pra fazer então faz. Não tem retaguarda, não tem: volta, vamos estudar. Isso começou muito em 2007, 2008, foi a fase da expansão, tinha capacitação toda semana... Toda semana. A gente tinha uma coordenadora da capacitação que saiu, aí: ah, vamo fazer outra gestão...

Para este coordenador, a situação se complicou com a fase de expansão do Programa a partir de 2008, porque havia muitos monitores para serem capacitados e um número reduzido de professores. Para Warschauer (2006), as propostas de inclusão digital acabam por privilegiar a “gerência por números”. Neste caso, privilegia-se a quantidade de pessoas a ser capacitada em curto prazo, e não o conteúdo a ser transmitido, de forma a transformar os alunos no que Dias (2011) chamou de agentes de inclusão.

Este coordenador dos cursos de capacitação concordou que é necessário efetuar uma capacitação diferenciada para cada tipo de monitor, visto que há aqueles

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que já estão trabalhando há alguns meses, como também os que acabaram de ser contratados e estão todos participando do mesmo módulo para iniciantes.

Ao questionar um dos gestores do Programa sobre a questão da diversidade dos monitores e o conteúdo único, este respondeu que reconhece este problema, porém afirma não haver recursos disponíveis para a realização de capacitações diferenciadas para cada região ou mesmo para cada tipo de parceria.

No momento em que assumiu sua função como coordenador dos cursos de capacitação, em 2011, Pedro afirmou que não tinha informações sobre quais Postos do Acessa SP tinham projetos em andamento, porque não considerava um dado básico. Por este motivo, solicitou aos responsáveis pelo setor de tecnologia que criassem uma página, no Portal, na qual os monitores entrassem e cadastrassem seus projetos.

De acordo com seu relato, estas informações são fundamentais, pois estão previstas, em contrato com o Acessa SP, visitas aos Postos que ainda não têm projetos para estimulá-los a realizar essas atividades. Contudo, devido ao grande número de postos e a quantidade reduzida de funcionários, esta tarefa tem se tornado bem difícil de ser concretizada.

Em sua entrevista, Pedro mostrou que conhece bem os problemas enfrentados pelos monitores, porém não mostra ter poder argumentativo junto à gestão do Programa para modificar a situação. Do mesmo modo, o gerente do Programa reforçou a reduzida força política que o Acessa SP tem junto à Secretaria de Gestão Pública, o que acarretou o repasse de recursos escassos para este Programa, inviabilizando a melhoria do desempenho em alguns setores.

Na opinião de Pedro, os monitores deveriam ser mais críticos e questionadores, principalmente em relação ao conteúdo ministrado na capacitação, que é um modelo

a ser praticado por todos os monitores, independentemente da localidade. No entanto, ele está ciente de que as regras estipuladas pelo Programa não funcionam em todos os Postos da mesma maneira. Citou o caso dos assentamentos pesquisados, nos quais as monitoras não pedem carteira de identidade aos usuários, mas anotam os nomes e o número do documento em um caderno, e os usuários assinam. Conforme seu relato:

Quando eu cheguei, eu vi (o caderno). De cara, a primeira coisa que elas falaram foi: “Olha, o caderno tá aqui...” Falei: “Meninas, porque vocês usam caderno”? Explicam pra mim primeiro: “Não é pra justificar, mas aqui a gente usa porque o pessoal pra usar o RG, Pedro, é ruim porque eles vão sair lá, é longe”... Isso no Mirante. “É longe se perder no meio do caminho, aqui é muito difícil, porque ele tem que ir até Prudente pra tirar o RG, porque aqui em Mirante demora quarenta dias, e eles não podem andar sem documento. Então a gente criou o caderno, a gente conhece todo mundo”... Eu falei: “Meninas, maravilha”. “É que na capacitação você disse que não pode”. “Eu sei e continuo falando que não pode, tá bom”? E pisquei pra elas. E falei: “Gente, vocês é que conhecem a realidade”.

Ao visitar os assentamentos, também observei o uso do caderno com as assinaturas dos usuários e percebi que as monitoras, realmente, conheciam todos e, inclusive, conheciam o número da carteira de identidade de alguns.

Embora Pedro reconheça que as realidades dos municípios, e consequentemente dos Postos, sejam diversas, o Programa aplica a mesma política em todas; porém, até aquele momento, não havia conseguido demonstrar aos gestores a importância da mudança dos módulos dos cursos de capacitação dos monitores.

Neste sentido, Dias (2011, p. 66) afirma que o maior desafio dos cursos de capacitação de monitores não é tecnológico:

[...] e sim o de dar instrumentos para que seus monitores sejam

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efetivamente agentes de inclusão. Para isto, não basta entender de computadores. É preciso criar processos que estimulem não apenas desenvoltura para lidar com a tecnologia, mas para ativar redes que usem os telecentros das maneiras mais variadas.

Esta é exatamente a proposta da Rede de Projetos. No entanto, o processo mencionado por Dias (2011) não se constrói em dois dias de curso, realizado por poucos monitores, com complementação de conteúdos à distância. É preciso um tempo muito maior, com a intenção de proporcionar uma formação permanente e contínua.

Na mesma perspectiva, Lima Junior, Hetkowski, Borges e Cordeiro (2008, p. 223) defendem um processo de formação sistemático e contínuo, já que os processos de inclusão digital se dão a médio e longo prazo, que “não podem ser reduzidos à formação instrumental de uma capacitação”. Estes autores sugerem também que se faça um acompanhamento in loco daqueles monitores que encontram mais dificuldades em conseguir completar a formação, para que haja, dessa forma, “uma unidade entre o horizonte político e a dimensão prática, na qual o saber-fazer traduza em termos práticos os aspectos formais e a intencionalidade de inclusão sociodigital” (Lima, Hetkowski, Borges e Cordeiro, 2008, p. 246-247).

Leal e Brant (2012) adicionam a esta discussão que a formação de monitores é essencial para projetos de inclusão digital; entretanto, para que ela seja efetiva, depende-se da articulação entre diferentes atores externos (Governo, Instituições Federais, sociedade civil) e internos (monitor, promotores de inclusão digital, professor-orientador) ao treinamento para que se possa conseguir um resultado satisfatório.

Por outro lado, Starobinas (2005, p. 3) alerta que propostas como as da Rede de Projetos devem estimular a frequência dos usuários dos telecentros, mas não coagi-los,

porque muitos jovens e adultos ainda não se sentem interessados “pelo tipo de relação com o conhecimento e comunicação moldado pelas TICs”. Neste caso, a imposição poderia gerar temor e resistência.

Na conversa com a coordenadora do LIDEC do NAP, esta antecipou as mudanças feitas nos cursos de capacitação dos monitores, que passaram a ter monitores-formadores. Segundo seu relato:

De alguns anos pra cá, a gente tem pensado... Bom, a gente tem 1.200 monitores... A gente tem que descentralizar o que a gente faz. É o formador do formador, ou seja, a gente forma ele pra formar os outros. Quanto mais a gente conseguir que os monitores pensem a capacitação, pensem as pesquisas, os indicadores, pensem a Rede de Projetos, melhor. É uma tendência geral aumentar a apropriação na ponta. Nos Encontros Regionais também o monitor é que tá articulando e organizando. O nosso papel é muito mais de apoiar do que sair fazendo. No começo teve que sair fazendo mesmo, porque não tinha, mas depois... Faz parte da estratégia ir descentralizando isso. O próprio sistema vai se apropriando desse know how, conhecimento. Os escolhidos foram aqueles que tinham o espírito de cuidar do programa, que se envolvem. É identificar quem tá emergindo, tem uma valorização de quem faz pelo programa. Eles também vão se articular na questão da Ponline, das questões... Quero que saia daqui um grupo que vai organizar a Ponline, futuramente.

Pedro confirma que a intenção era aproveitar as experiências dos monitores que desenvolveram projetos considerados de sucesso para transmiti-los a outros monitores, legitimando a própria Rede de Projetos e indicando a real possibilidade da elaboração e execução destes. Por isso, decidiram que, a partir dos próximos cursos de capacitação, serão os próprios monitores que ministrarão as aulas.

Esta equipe de monitores, que agora serão “capacitadores”, foi selecionada, baseando-se nos seguintes critérios: ser

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projetista da Rede de Projetos; contar com boa taxa de ocupação dos equipamentos em seu posto; ter mostrado comprometimento com o Programa; ter feito todos os cursos à distância; conhecer bem o Programa. As despesas de locomoção e hospedagem são financiadas pela NAP Escola do Futuro USP; porém, os monitores não são remunerados.

Embora estes entrevistados considerem uma excelente proposta, que eles mesmos defenderam, estão encontrando dificuldades em manter a equipe formada, visto que alguns que já receberam a formação da NAP Escola do Futuro não conseguem se deslocar até São Paulo. Desse modo, ainda não conseguiram ter uma equipe fixa.

Há ainda outros problemas citados, como o relacionado aos cursos de capacitação, sobre os quais existem relatos de monitores que utilizam a oportunidade de estarem na capital de São Paulo para fazerem compras e acabam não comparecendo aos locais dos cursos. Neste caso, eles retomaram a questão da falta de comprometimento com o Programa de alguns monitores.

Os entrevistados comentaram também que sabem que quatro dias de curso não são suficientes para que consigam mudar essa realidade e, especialmente, transformar os alunos em elaboradores de projetos. Por este motivo, encontram-se em um dilema sobre o conteúdo a ser ministrado: deve conter o mínimo para manter o Programa funcionando, ou investem na ideia de fazer com que sejam “realmente” agentes de inclusão digital? A segunda opção é a mais atraente; no entanto, não sabem ainda como fazê-lo.

Algumas considerações

Pôde-se perceber, com a análise dos dados, que a metodologia elaborada pelos idealizadores do CRID tanto para a implantação do laboratório de informática,

como para a formação de seus gestores, privilegiou a inserção da comunidade neste processo, articulando tecnologia e necessidades locais. Este fato evidenciou que as ferramentas tecnológicas podem ser excelentes aliadas das comunidades para seu desenvolvimento coletivo. Isso ocorre quando estas se sentem parte dos projetos de inclusão digital.

Tal fato não ocorre nos postos do Acessa SP, que não procuram investir no treinamento dos monitores, tendo em vista a diversidade dos locais onde foram implantados, tornando difícil a elaboração de projetos que atendam às demandas das comunidades.

Apesar de o projeto do CRID ter conseguido atingir alguns de seus objetivos, um deles, que se referia à autossustentabilidade, não foi concretizado, pois não conseguiu recursos próprios para se manter em funcionamento. Por isso, migrou para o programa do governo federal denominado “Casas Digitais”10. No entanto, embora tenha mudado o nome e o parceiro institucional, acredita-se que a ideia do Laboratório Multimeios irá ser perpetuada pelos moradores locais, em especial pelos jovens que veem no laboratório de informática a possibilidade de enriquecimento do saber e um local no qual podem obter informações úteis para ascender profissionalmente.

O caso do Acessa SP, por outro lado, revelou que as iniciativas de inclusão digital podem não atender às necessidades locais, se não houver o devido investimento em recursos financeiros e, sobretudo, em material humano, nos cursos de capacitação dos monitores, de maneira processual e continuada, dando suporte e acompanhando-os no desenvolvimento dos projetos comunitários.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 53

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ARTIGOS INÉDITOS54 JAN/DEZ 2013

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WARSCHAUER, M. Technology and Social Inclusion: rethinking the digital divide. MIT Press, 2003.

Resumen: El propósito es discutir, bajo una perspectiva etnográfica de evaluación, la formación de los monitores de dos programas de inclusión digital en dos provincias brasileñas: São Paulo y Ceará. Los cursos de capacitación de los monitores del Programa Acessa São Paulo y del Centro Rural de Inclusión Digital (CRID) serán objeto de presentación, descripción y análisis. Se colectaran las informaciones sobre el CRID en un estudio realizado por el Laboratorio de Investigación Multimedios de la Facultad de Educación – FACED, de la Universidad Federal de Ceará (UFC). El análisis de los datos mostró que la metodología elaborada por los idealizadores del CRID ha privilegiado la inserción de la comunidad en el laboratorio, insertando tecnología y necesidades locales. Esto demostró que herramientas tecnológicas pueden ser excelentes combinada con la promoción del desarrollo colectivo; A diferencia de las oficinas del Acessa SP las cuales no priorizan la inversión en formación de monitores, dada la diversidad de los lugares donde fueron desplegados, lo que dificulta la elaboración de proyectos que satisfagan las demandas de las comunidades. Esto demostró que herramientas tecnológicas pueden ser excelentes si combinadas con la promoción del desarrollo colectivo a diferencia de las oficinas del Acessa SP las cuales no priorizan la inversión en formación de monitores, dada la diversidad de los lugares donde fueron desplegados, lo que dificulta la elaboración de proyectos que satisfagan las demandas de las comunidades.

Palabras-clave: formación, inclusión digital, etnografía, evaluación, políticas públicas.

Résumé: Le but est de discuter, dans une perspective d’évaluation ethnographique, la formation des moniteurs de deux programmes d’inclusion numérique dans deux régions brésiliennes : São Paulo et Ceará. On présentera, décrira et analysera les cours de formation des moniteurs du Programme Acessa SP et du Centre rural pour l’Inclusion Numérique ( CRID* ). Les Informations concernant le CRID ont été recueillies lors d’une étude menée par le Laboratoire Multimédia de la Faculté d’Éducation – FACED de l’Université Fédérale du Ceará ( UFC ). Suite à l’analyse de données, il a été remarqué que la méthodologie développée par les créateurs du CRID a privilégié l’inclusion de la communauté au laboratoire tout en associant la technologie aux besoins locaux. Cela montre que les outils technologiques peuvent être d’excellents alliés dans la promotion du développement collectif; une réalité contraire s’impose aux unités d’Acessa SP, qui ne priorisent pas les investissements dans la formation des moniteurs , compte tenu de la diversité des sites où elles ont été implantées, ce qui rend difficile à préparer des projets qui répondent aux besoins des communautés.

Mots-clés: formation, inclusion numérique, ethnographie, évaluation, politiques publiques.

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Notas

1 A pesquisa foi realizada junto ao Departamento de Sociologia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, IFCH, Unicamp, tendo como título “A avaliação do Programa Acessa São Paulo em assentamentos rurais”. Esse estudo está sendo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e teve sua primeira parte encerrada em setembro de 2012. Haverá uma nova etapa a partir de fevereiro de 2013. Os dados aqui apresentados fazem parte do relatório parcial entregue à FAPESP em 2012.

2 Ressalta-se que a descrição densa se articula ao conceito hermenêutico de cultura de Geertz (1989), que orientou este trabalho.

3 O Acessa SP denomina de monitores aqueles que são responsáveis pela abertura e fechamento dos postos, assim como pelo atendimento ao público. Já os idealizadores do CRID preferem chamá-los de gestores, já que o laboratório de informática é gerido pela própria comunidade. Os gestores do Acessa são aqueles que administram os postos.

4 A NAP Escola do Futuro da USP participa do programa Acessa SP desde 2001 e tem como principais responsabi¬lidades, conforme Relatório de Gestão (2006): 1) no Programa de Capacitação Continu¬ada: desenvolver condições (contextos e conteúdos) para que monitores, lide¬ranças e gestores possam exercer seus papéis e funções com segurança, comprometimento, qualidade e criatividade, promovendo o uso efetivo das tecnolo¬gias e colaborando para a construção de uma “cultura digital”; 2) produzir publicações, o Portal Acessa SP e conteúdos educacionais; 3) elaborar projetos especiais e pesquisas.

5 Utilizarei nomes fictícios para manter a identidade dos meus informantes em sigilo.

6 O termo está entre aspas porque este é a autodenominação dada por eles para descrever suas atividades, capacitar os monitores com conteúdos sobre o Programa Acessa SP. Estes integram a equipe do NAP Escola do Futuro e são os responsáveis pela capacitação dos monitores da capital e do interior do Estado. Seu trabalho no Programa de Capacitação é realizado presencialmente por meio de listas de discussão.

7 Na concepção de Cassino (2003, p. 50), software livre “é um programa de computador com código-fonte aberto, possibilitando que qualquer técnico possa estudá-lo, adequá-lo às suas próprias necessidades e redistribuí-los, sem restrições”; são geralmente gratuitos.

8 Não cheguei a analisar se tais projetos foram concretizados, por não fazer parte da proposta desta pesquisa. Entretanto, na segunda fase do pós-doutorado, a intenção é me concentrar na investigação sobre a “Rede de Projetos” do Programa.

9 De acordo com Miranda, Oliveira e Souza (2008, p. 156), os CDCs têm por finalidade “levar às populações mais pobres, inseridas em alto índice de exclusão social, o acesso às TICs, possibilitando a geração de serviços considerados relevantes para a comunidade local como: educação ambiental, informações sobre geração de trabalho e renda, capacitação profissional, governo eletrônico, emissão de segunda via de documentos, inscrições em concursos e vestibulares, entretenimentos”, entre outros.

10 As Casas Digitais estão inseridas no projeto “Territórios Digitais”, criado em 2008, que faz parte do Programa Territórios da Cidadania, consistindo na implantação de espaços públicos e gratuitos com acesso a computadores e internet em assentamentos, escolas agrícolas, comunidades tradicionais, sindicatos e Casas Familiares Rurais.

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Tecnologias de informação e comunicação na educação e inclusão sociodigital: uma avaliação do programa de informática na educação

em Fortaleza1

Information and communication technologies in education and socio-digital inclusion: an evaluation of computers in education program in

Fortaleza

La información y la comunicación en la educación y la inclusión social y digital: una evaluación de las computadoras en programa de educación en

Fortaleza

Technologies de l’information et de la communication dans l’enseignement et socio-digital inclusion: une évaluation des ordinateurs en programme

d’éducation à Fortaleza

Hérica Q. Oliveira*Alcides Fernando Gussi**

Resumo: Este trabalho surge para avaliar os impactos do Programa Nacional de Informática na Educação nas condições de vida dos alunos das escolas públicas de ensino fundamental, verificando sua relação com o processo de inclusão sociodigital. Para essa pesquisa avaliativa foram utilizados questionários, entrevistas com uma comunidade escolar (professor, aluno, diretor, família), além de observação participante, com visitas a escolas e a realização de um grupo focal formado por alunos. Os principais resultados apontaram que a aprendizagem digital dos alunos ocorre mais fora da escola, em espaços das localidades em que vivem, como lan houses, e que essa aprendizagem não necessariamente implica, de uma maneira geral, em melhorias nas condições de vida dos alunos; portanto, não permite, de fato, uma inclusão sociodigital, pois, em se tratando de suas condições de vida num contexto estruturalmente excludente, percebem-se os limites do alcance do PROINFO.

Palavras-chave: Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), avaliação, inclusão sociodigital, PROINFO, sociedade da informação.

Abstract: This work appears to evaluate the impacts of the National Programme for Information Technology in Education in the living conditions of the students of public elementary schools, checking its relation to the process of socio-digital inclusion. For this evaluative research was used questionnaires, interviews with a school community (student-teacher-director - family), and participant observation, with visits to schools and conducting a focus group made up of students. The main results indicate that learning occurs most digital students out of school spaces in the localities in which they live, such as Internet cafes and that learning does not necessarily imply, in general, improvements in the living conditions of the students, so, does not, in fact, a social and digital inclusion because, when it comes to their living conditions in a context structurally exclusionary realizes the limits of the reach of PROINFO.

Key words: Information and Communication Technologies (ICTs); evaluation; socio-digital inclusion; Proinfo; I Society of information.

* Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pelo Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP) da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: [email protected]

** Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é atualmente professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: [email protected]

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Este artigo situa-se no campo da avaliação

de políticas públicas de educação contempo-râneas, voltadas para a disseminação do uso pedagógico da informática nas escolas pú-blicas de ensino fundamental no país. O ob-jetivo deste artigo é avaliar o Programa Na-cional de Informática na Educação – PROIN-FO2 na cidade de Fortaleza, verificando os impactos desse programa junto ao público beneficiado. Buscou-se, por meio desta ava-liação, aferir em que medida o PROINFO leva à inclusão sociodigital.

Com o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), estudos apontam, no contexto das recentes transformações culturais, econômicas e sociais, a emergência da “sociedade da informação”, na qual a informação assume um papel central. Como fenômeno multifacetado e dinâmico, a “sociedade da informação” destaca uma questão ética no que diz respeito ao aprofundamento de desigualdades sociais; desta vez sobre o eixo do acesso à informação. Segundo alguns de seus críticos, essas mudanças estão perpetuando a desigualdade entre economias e populações no acesso aos benefícios provenientes dos recursos tecnológicos disponibilizados, principalmente aqueles relacionados às tecnologias que permitem informar e comunicar. Por este motivo, a falta de acesso às TICs pode aumentar ainda mais as barreiras entre ricos e pobres (Miranda, 2005).

Diversos autores, como Castells (1999), Lévy (1999) e Gonçalves e Oliveira (2009), apontam que a tecnologia que amplia as possibilidades do homem é a mesma que o aprisiona e o exclui. As TICs vêm, então, desafiando instituições, governo e sociedade, no sentido de desenvolverem ações e

políticas públicas eficazes que alterem essa realidade, sobretudo na área educacional.

Nesse contexto, as políticas públicas no Brasil vêm gradativamente incorporando as TICs com o intuito levar à inclusão digital, tomando a educação como instrumento para isso. Prova disso é o empenho de governos em implantar projetos desta natureza, como é o caso do Programa Nacional de Informática na Educação – PROINFO, objeto de estudo desta pesquisa.

Para a realização deste trabalho, a inclusão sociodigital foi considerada não apenas como o acesso a uma máquina, mas também como a “falta de capacidade técnica, social, cultural, intelectual e econômica de acesso às novas tecnologias e aos desafios da sociedade da informação” (Costa e Lemos, 2005, p. 8).

Nesse sentido, a exclusão social hoje perpassa a questão da exclusão digital. Ou seja, o acesso às TICs se configura como uma forma de inclusão digital e esta pode ser uma facilitadora de outras inclusões, como a socioeconômica. Para o Estado cabe, então, a educação, a responsabilidade de promover as oportunidades e a inclusão dos jovens no mundo altamente especializado do conhecimento, da comunicação, da informação e da inovação, apesar de suas contradições.

Para atingir os objetivos deste trabalho, foi necessário, especificamente, analisar o processo de implementação e gestão do PROINFO/Fortaleza; observar a infraestrutura (instalações elétricas, mobiliários) dos Laboratórios de Informática Educativa – LIE; verificar os usos que professores e alunos fazem das TICs que possuem nas escolas; analisar em que medida o acesso às TICs significa, do ponto de vista da comunidade educacional, a saber, professores, alunos,

Introdução

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diretores e família, a afirmação de sua inclusão digital.

Para tanto, neste artigo, realizarei considerações metodológicas sobre o processo da pesquisa, abordando o percurso metodológico utilizado. Em seguida, apresentarei os resultados da pesquisa avaliativa desenvolvida. E, por fim, nas considerações finais, apresentarei pontos acerca da avaliação realizada sobre o PROINFO em Fortaleza, expondo seus limites e possibilidades no tocante à inclusão sociodigital.

Percurso metodológico da pesquisa avaliativa

Os objetivos deste estudo foram alcançados por meio de uma metodologia realizada em três fases: 1.ª) construção da trajetória de implementação do PROINFO, sobretudo, em Fortaleza, utilizando-se a pesquisa bibliográfica e documental e, ainda, mediante relatos dos gestores do programa; 2.ª) identificação do perfil socioeconômico dos alunos e a forma como o computador é utilizado dentro e fora do entorno da escola, por intermédio de uma pesquisa quantitativa, com a utilização de questionários aplicados em seis escolas municipais de ensino fundamental; 3.ª) construção de um conhecimento do PROINFO para medir seus limites e possibilidades no tocante à inclusão sociodigital, a partir de um estudo de caso em uma comunidade escolar, utilizando-se algumas técnicas de pesquisa qualitativas como: entrevistas, observação participante e grupo focal.

A pesquisa foi realizada como estudo de caso3, tomando como caso específico

o PROINFO no município de Fortaleza. O campo de estudo, onde se desenvolveu a pesquisa, foi, primeiramente, focado em 06 (seis) escolas municipais de ensino fundamental, localizadas em vários bairros periféricos, distribuídos nas seis Secretarias Executivas Regionais de Fortaleza4 (SERs).

A escolha das escolas de ensino fundamental, de cada Secretaria Regional, se deu por serem as maiores escolas em quantidade de alunos matriculados. Foram selecionadas escolas de cada uma das SERs, visando abranger a cidade de Fortaleza como um todo. Nas seis escolas selecionadas, foram aplicados questionários aos alunos e, posteriormente, foi escolhida, dentre elas, uma escola para aplicação de outras técnicas de pesquisa com os sujeitos da comunidade escolar.

Para a seleção da escola na qual seria realizada a pesquisa qualitativa, foi feita a tabulação dos dados coletados com os questionários e uma análise comparativa dos resultados de cada uma das seis escolas pesquisadas. A partir daí, foi possível identificar aquela que apresentou um melhor desempenho do seu laboratório dentre as demais.

Segue abaixo uma descrição pormenorizada de cada uma das etapas da pesquisa e em que medida elas contribuíram para responder aos objetivos deste artigo.

a. Levantamento bibliográfico e do-cumental

Inicialmente, foi realizado um levantamento bibliográfico para a devida compreensão e análise aprofundada do tema em estudo, permitindo, com isso, iniciar uma descrição do contexto do programa no âmbito municipal, bem como buscar aspectos teóricos das categorias analisadas.

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Os dados e informações específicas foram subsidiados com um levantamento documental por meio de referências da legislação e documentos normativos relativos à estruturação do PROINFO Nacional e Municipal. A este se somaram questões e informações de planejamento do Programa, assim como todo o acervo documental do PROINFO em Fortaleza.

b. Aplicação de questionários

Para a obtenção dos dados dos alunos investigados na pesquisa, foi elaborado um questionário contendo perguntas fechadas. Assim, foram listadas as perguntas que tinham como intuito: compreender o perfil socioeconômico dos alunos; conhecer a realidade da utilização das TICs no contexto pessoal e educacional; verificar os recursos informáticos existentes nas escolas, bem como o modo como é utilizado o computador na escola e fora dela; aferir o tempo que os alunos despendem na realização das tarefas no computador; conhecer, de forma geral, o que pensam os alunos sobre o uso das TICs.

Apliquei questionários com os alunos do 9º ano do ensino fundamental de 06 (seis) escolas que possuem laboratórios de informática, distribuídos em diversos bairros, atingindo as 06 (seis) Secretarias Executivas Regionais de Fortaleza.

c. Realização de entrevistas5

A partir da aplicação dos questionários, foi feita uma compilação dos dados obtidos para comparar os resultados de cada escola. Em seguida, selecionei aquela com o melhor resultado diante do funcionamento do seu laboratório de informática em relação às demais, para realização das entrevistas

com a comunidade escolar. O critério de escolha dos sujeitos para essa fase foi o de conveniência e de intencionalidade6.

Assim, foram selecionadas duas professoras do LIE, a diretora e um representante do conselho escolar do segmento pais de alunos da escola selecionada para a pesquisa mais qualitativa. O diálogo entre esses usuários contribui para melhorar a compreensão das suas necessidades e prioridades, e perceber como o programa tem impactado a vida dos alunos no contexto pessoal e educacional.

Nessa etapa, também selecionamos gestores e ex-gestores que participaram da implementação do programa em nível estadual e municipal. O corpo técnico ajudou a responder as questões referentes à política adotada para implementação do PROINFO/Fortaleza, bem como entender como vem acontecendo a gestão do mencionado programa.

As quatro entrevistas realizadas com os membros da comunidade escolar foram feitas na própria escola, agendadas previamente. Nesta etapa, foi utilizado um roteiro, e busquei assumir uma postura mais de ouvinte. Foram priorizados relatos sobre a infraestrutura e manutenção do LIE, o nível de participação dos professores e alunos no LIE, a contribuição do LIE para a aprendizagem digital, as contribuições trazidas pela aprendizagem digital na vida dos alunos e como o LIE colabora efetivamente para a inclusão digital e social dos alunos.

As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos atores envolvidos e, posteriormente, transcritas cuidadosamente.

d. Observação participante

Realizei observação participante por meio de visitas no laboratório de informática da

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escola selecionada com o intuito de verificar aspectos da infraestrutura instalada, da manutenção técnico-pedagógica dos laboratórios e do uso de softwares educativos, com registros de dados em diário de campo.

e. Realização de grupo focal

Na busca pelo aprofundamento da compreensão dos dados coletados pelas entrevistas e questionários, foi utilizada a técnica do grupo focal com alunos da turma do 9º ano da escola onde foi aplicada a pesquisa de campo. Confesso que tentei aplicar o grupo focal da forma mais tradicional possível, mas, por conta das limitações de tempo e da pouca disponibilidade dos alunos, sempre muito impacientes, não apliquei esse processo de uma forma tão criteriosa, mas, mesmo assim, tentei captar e pontuar algumas situações que julguei importantes e complementares aos pressupostos e objetivos do estudo.

As falas dos alunos, bem como os relatos dos outros sujeitos da comunidade escolar, foram fundamentais para conhecer e avaliar a realidade dos laboratórios.

f. Análise dos dados

Por fim, após a pesquisa de campo, realizei uma análise e interpretação dos resultados a partir do cruzamento dos dados quantitativos e qualitativos, de acordo com as categorias de análise que norteei nesta pesquisa e os seus objetivos, de forma a compreender os impactos educacionais e socioeconômicos da introdução das TICs no processo educacional.

Apresento, a seguir, os resultados obtidos nesta pesquisa avaliativa sobre o PROINFO em Fortaleza.

Trajetória do programa de informática na educação nas

escolas municipais de Fortaleza

A primeira fase da pesquisa procurou constituir a trajetória institucional do Proinfo, apresentando uma breve contextualização da história da política de informática em educação no Brasil, descrevendo, especificamente, o PROINFO/Federal, com uma breve discussão da literatura a ele referente.

Foram percebidas, na análise da trajetória de implementação do programa em Fortaleza, algumas deficiências que ocorreram, sobretudo, em virtude da vontade política. Muitas atividades do Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE)7 foram prejudicadas pela falta de prioridade em ações que envolviam informática na Educação. Constatamos, então, que identificar a problemática de cada laboratório e realizar a formação de professores não é uma tarefa fácil para o NTE, especialmente quando os órgãos mantenedores são muitas vezes alheios à concepção de trabalho do núcleo. Esse fato impacta diretamente as questões de infraestrutura e formação do professor, aspectos que, como veremos, limitam o alcance do PROINFO de promover a inclusão social.

A segunda fase da pesquisa avaliativa consistiu em fazer uma apreciação do PROINFO nas escolas municipais de ensino, a partir do perfil socioeconômico dos alunos e a forma como o computador é utilizado pelos estudantes dentro e fora do entorno da escola. Buscou-se constatar, com a realização dessa fase da pesquisa, algumas evidências sobre os usos que os alunos fazem das TICs

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que possuem na escola, necessárias para subsidiar a realização da próxima fase da avaliação, que é o estudo de caso em uma comunidade escolar, o qual será apresentado no próximo tópico.

Após a aplicação dos questionários, realizamos tabulação e verificação dos dados. A partir daí, foi possível identificar duas hipóteses sobre os LIEs, quais sejam: a aprendizagem digital dos alunos ocorre mais fora da escola, em espaços das localidades em que vivem, como lan houses, inexistindo uma vinculação do aprendizado via computador mediado pela educação e uma mudança nas condições de vida dos alunos.

Os alunos, apesar de a maioria não possuir computador em casa, acessam mais a internet em lan-houses e na casa de amigos e parentes. Observou-se, a partir dos dados, que a frequência de uso na escola é baixa, em virtude da quantidade de computadores existentes no laboratório ser pequena em relação à quantidade de alunos. Muitas vezes, as aulas acontecem com dois alunos dividindo o mesmo computador. Por conta desse pouco tempo, os professores do LIE acabam priorizando as atividades de pesquisa para a realização de trabalhos escolares. Isso faz os alunos gostarem de utilizar o computador mais fora da escola por terem mais liberdade de acesso a determinadas páginas da internet.

Outra constatação, ao tentar verificar os usos que os alunos fazem das TICs existentes nas escolas, foi a de que a aprendizagem digital não necessariamente leva a um reposicionamento no mercado de trabalho. Nos dias atuais, é muito forte a alegação de que, quanto mais habilidades com o computador, mais chances há de disputar uma colocação no mercado de trabalho. Essa exigência por mais qualificação, provocada

pelas mudanças na estrutura do trabalho nas últimas décadas, tem levado as políticas públicas, em especial, as educacionais, a se voltarem para a questão da empregabilidade8.

Finalmente, na terceira etapa da pesquisa avaliativa proposta, desenvolvemos uma análise das falas dos sujeitos, obtidas mediante estudo de caso em uma escola de ensino fundamental de Fortaleza, a partir das seguintes categorias empíricas: infraestrutura dos laboratórios; participação dos alunos e docentes no PROINFO; aprendizagem digital e inclusão sociodigital.

Dentre os sujeitos pesquisados, temos quatro categorias distintas em uma comunidade escolar: o diretor, que é o gestor da escola; os professores do LIE, que conduzem as atividades nos laboratórios com os alunos e os professores de sala de aula; a mãe de um aluno da escola; e os gestores que acompanham o programa nas escolas estaduais e, também, nas municipais. As falas dos informantes foram analisadas à luz dos objetivos propostos pelo estudo. A seguir, apresentamos os resultados desta fase da pesquisa a partir dos seguintes aspectos que nortearam a avaliação: infraestrutura; participação no LIE dos docentes e alunos; aprendizagem digital: dentro ou fora da escola?; aprendizagem digital: impacto na vida dos alunos.

a. Infraestrutura

Nas visitas que realizei na escola investigada, observei que o laboratório, quanto aos aspectos físico-estruturais, conta com computadores modernos e os mobiliários conservados. No entanto, a maior dificuldade tem sido a relação aluno/computador. O laboratório conta com uma quantidade pequena de equipamentos para

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o número total de alunos matriculados na escola.

Agora o que dificulta a efetivação dessa dinâmica é a falta de computadores, pois eu tenho que trazer a turma fracionada. Eu trago metade da turma e a professora fica com a outra metade da turma. (...) Eu atendo antes do recreio uma turma. Eles terminam e o restante desce. Depois do recreio eu atendo a outra turma. No mesmo dia eles são atendidos. (professora 02).

Mesmo com todas as recomendações do PROINFO para montagem de um laboratório adequado e confortável para os alunos, problemas como queda na energia elétrica são frequentes na escola. A energia oscila muito, inviabilizando a ligação de todos os computadores:

Somando isso ao fato de haver poucos computadores por aluno, o prejuízo é ainda maior, sobretudo, para o aluno, que é o mais prejudicado. Não podemos deixar de citar a frase de um aluno que fiz questão de colocar no diário de campo numa das minhas visitas nos laboratórios para realização dos questionários: “Tia, a gente quase não vem pra cá. Pede pra gente vir mais aqui”. Realmente, a frequência de uso do computador pelo aluno na escola acaba sendo baixa.

De fato, todas as quatro categorias de sujeitos entrevistados afirmaram ter deficiência na infraestrutura do laboratório, inclusive no suporte técnico dos equipamentos.

b. Participação no LIE dos docentes e alunos

Para a construção dessa pesquisa avaliativa, foi pertinente identificar a relação entre o professor de sala de aula e

o professor de LIE nas aulas no laboratório. Sobre esse assunto, apesar de os docentes terem interesse de participar, a maioria não tem o tempo necessário para se dedicar e colaborar no planejamento da aula realizada no laboratório. Em virtude disso, alguns delegam a direção da aula ao professor responsável pelo LIE.

A apropriação desta ferramenta por parte dos docentes os levou a escolher pela absorção ou rejeição em seu trabalho. Por isso, a maioria dos professores ainda não se apropriou dessa nova ferramenta para subsidiá-los no processo de ensino e aprendizagem. Como consequência, a participação no laboratório por muitos docentes ainda não é completa. A preocupação que surge com os relatos anteriores é que essa experiência de outro professor conduzindo os trabalhos com alunos nos laboratórios seja desconectada das atividades que ocorrem dentro da sala de aula, e as aulas se resumam apenas a pesquisas.

Outra questão que se impõe para a construção desta pesquisa refere-se à participação dos alunos no LIE. Todos os relatos dos sujeitos entrevistados indicaram que os alunos adoram estudar com essa ferramenta na escola, pois o fato de não estarem em uma sala de aula sentados já os deixa ativos, e não passivos – os estudantes se interessam muito por aulas diferentes das tradicionais.

De acordo com os professores, apesar de haver proibições de acesso a sites de relacionamento por parte da escola, eles próprios respeitam o momento de aula e não costumam sair do site proposto para sites de relacionamento.

As falas deixam claro que os gestores acreditam que essa proibição dos sítios de relacionamento não deveria acontecer, pois

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isso só aumenta a vontade dos alunos por esse recurso. Quando os estudantes estiveram fora da escola, irão certamente acessá-los sem o devido acompanhamento. No entanto, é um desafio para o professor saber auxiliar os alunos no processo de organizar e digerir as mais diversas informações disponibilizadas na rede internet, em especial nos sites de que os alunos mais gostam. Mais uma vez, chega-se à questão da formação do professor com abordagens inovadoras como de fundamental importância no processo de introdução da Informática na Educação.

c. Aprendizagem digital: dentro ou fora da escola?

A pesquisa qualitativa desenvolvida mostrou a evidência de que a aprendizagem digital do aluno acontece mais fora da escola, em espaços das localidades em que vivem, como as lan houses. Portanto, a escola tem contribuído pouco para a aprendizagem digital. Essa evidência foi confirmada a partir dos relatos dos sujeitos participantes da pesquisa. Embora a percepção dos sujeitos seja ambígua e, em alguns relatos, seja afirmado que aprendizagem esteja associada à escola, o que repercute predominantemente nos sujeitos é a compreensão da aprendizagem acontecendo mais fora da escola. Isso tem acontecido devido às condições infraestruturais do LIE e, especialmente, em virtude da formação do professor ainda ser insuficiente para dotar o docente de conhecimentos para trabalhar e compreender a utilização da ferramenta computacional como instrumento pedagógico.

[...] E outra coisa, o aluno, fora da escola pode ficar interagindo com o mundo, ele

tá aqui ao mesmo tempo escutando uma música, ao mesmo tempo falando com uma pessoa, assistindo vídeo. E na escola ele fica restrito. É como se o aluno tivesse só uma visão. Agora aqui é o momento de leitura, então vamos só ler. Agora é o momento do vídeo, então vamos só assistir vídeo. E o menino está preparado, esses jovens de hoje, para fazer 10 ou 20 coisas ao mesmo tempo. E a escola não está preparada para esse tipo de coisa. (gestora municipal).Só que na lan house eles fazem mais jogos. E aqui são jogos criados por educadores, totalmente educativos. Jogos que trabalham português, ciências. São jogos destinados ao aprendizado. E na lan house são jogos propriamente ditos. (...) A escola ajuda o aluno a se inserir nessa realidade que não tem como mais de não existir. (professora 2).

Portanto, de um modo geral, de acordo com os relatos, constatou-se que o uso do LIE ainda é muito limitado e, por isso, não tem sido utilizado de maneira a criar algo novo a partir das diversas áreas do conhecimento. Para o aluno restam apenas trabalhos nos formatos tradicionais, que normalmente não agregam muito conhecimento, além dos já obtidos em sala de aula.

d. Aprendizagem digital: impacto na vida dos alunos

Um tema indagado aos sujeitos era em que medida a aprendizagem digital contribui para a melhoria da qualidade do ensino e a formação profissional do aluno. Questionou-se isso para investigar, como hipótese, se o LIE colabora com a inclusão sociodigital dos alunos.

A percepção dos sujeitos envolvidos com o programa, de um modo geral, traz a noção da importância da aprendizagem digital para melhorar o ensino, a formação profissional e, com isso, facilitar a melhoria das condições de vida dos alunos. Os sujeitos percebem

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as novas tecnologias como facilitadoras da inclusão sociodigital do aluno.

Eles vão pouco ao laboratório. Mas, mesmo assim, a gente acredita que esse laboratório, ele faz um diferencial imenso, ele é uma oportunidade, muitas vezes ele é a única. Único contato que os alunos têm com o computador, com a internet, né?! E eles são receptivos. (gestora municipal)

Entretanto, incluir sociodigitalmente implica não somente saber manusear o computador. O processo de inclusão deve ser visto, também, sob os aspectos socioeconômicos e cognitivos. A partir dessa abordagem e dos vários relatos orais, verificou-se que o LIE, da forma que está sendo utilizado pela escola, não é suficiente para realizar isso tudo. Embora se ressalte a importância do programa para permitir que os alunos de escolas públicas tenham acesso ao computador e, com isso, não se sintam tão excluídos, conclui-se que ele não traz mudanças substantivas nas condições de vida do aluno.

Considerações finais

Diante dos resultados desta pesquisa e de todos os argumentos dos sujeitos deste estudo, é possível considerar que o PROINFO, nos moldes atuais, não tem permitido uma melhoria nas condições de vida dos alunos e, com isso, sua inclusão social. Isso se deve, principalmente, em virtude do contexto sociopolítico estruturalmente excludente no qual o programa foi concebido.

Importante mencionar, ainda, que, no percurso deste trabalho, que se constitui em uma avaliação preliminar do PROINFO na cidade de Fortaleza por meio de um estudo de caso, foram surgindo alguns temas e

questões que sugerem o aprofundamento em pesquisas futuras. A pesquisa foi desenvolvida com algumas limitações relacionadas ao tamanho da população e ao método de investigação que forneceram ao trabalho uma característica específica, não permitindo a generalização dos resultados para toda a Rede Municipal de Educação.

Para uma avaliação mais profunda de toda a Rede de Ensino, seria apropriada a realização de estudos de casos múltiplos, o que não coube no escopo deste trabalho. Apesar disso, acredita-se que a pesquisa realizada constitui uma metodologia de avaliação que pode analisar o PROINFO. Esta mesma metodologia poderá ser reproduzida numa avaliação de maior amplitude nas escolas de Fortaleza.

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YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.

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Resumen: Este trabajo busca evaluar los impactos del Programa Nacional de Tecnologías de la Información en la Educación en las condiciones de vida de los estudiantes de las escuelas primarias públicas, comprobando su relación con el proceso de desarrollo de la inclusión socio-digital. Para esta investigación evaluativa se utilizaron encuestas, entrevistas con la comunidad escolar (estudiantes, maestros y director - familia), y la observación participante, con visitas a las escuelas y la realización de un grupo de discusión formado por estudiantes. Los principales resultados indican que el aprendizaje ocurre para la mayoría de los estudiantes digitales fuera de los espacios escolares en las localidades en las que viven, como los cibercafés y que el aprendizaje no implica necesariamente, en general, la mejora de las condiciones de vida de los estudiantes, por lo tanto, de hecho no permite la inclusión social y digital, ya que, cuando se trata de sus condiciones de vida en un contexto estructuralmente excluyente se perciben los límites del PROINFO.

Palabras clave: Tecnologías de la Información y la Comunicación (TIC), evaluación, socio-inclusión digital, PROINFO, sociedad de la información.

Résumé: Ce travail apparaît pour évaluer les impacts du Programme national des technologies de l’information en éducation dans les conditions de vie des élèves des écoles publiques élémentaires, en vérifiant sa relation avec le processus de développement socio-inclusion numérique. Pour cette recherche évaluative a été utilisé des questionnaires, des entretiens avec la communauté scolaire (élèves-enseignant-directeur - famille), et l’observation participante, avec des visites dans les écoles et la réalisation d’un groupe de réflexion composé d’élèves. Les principaux résultats indiquent que l’apprentissage se fait la plupart des étudiants hors des espaces numériques scolaires dans les localités dans lesquelles ils vivent, comme dans les cybercafés et que l’apprentissage n’implique pas nécessairement, en général, l’amélioration des conditions de vie des étudiants, afin , n’a pas, en fait, une inclusion sociale et numérique, parce que, quand il s’agit de leurs conditions de vie dans un contexte structurellement exclusion se rend compte des limites de la portée des Proinfo.

Mots-clés: Technologies de l’Information et de la Communication (TIC), l’évaluation, socio-inclusion numérique, PROINFO, société de l’information.

Notas

1 Este artigo é resultado da dissertação do Curso de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará - UFC.

2 O PROINFO foi criado pelo Ministério da Educação (MEC) em 1997, por meio da Portaria n.º 522, de 9 de abril de 1997. De acordo com relatórios oficiais, o programa tem a finalidade de promover a melhoria do processo de ensino-aprendizagem mediante introdução da informática na Rede Pública de Ensino Fundamental e Médio.

3 “O estudo de caso conta com muitas das técnicas utilizadas pelas pesquisas históricas, mas acrescenta duas fontes de evidencias que usualmente não são incluídas no repertório de um historiador: observação direta dos acontecimentos que estão sendo estudados e entrevistas das pessoas neles envolvidas.” (YIN, 2005, p.26).

4 Existem no município de Fortaleza 6 (seis) Secretarias Executivas Regional – SERs para prestar serviços municipais, identificando as necessidades e demandas da população. Elas são distribuídas da seguinte forma:

SER I, que abrange 15 bairros e 68 unidades escolares; SER II, com 21 bairros e 42 unidades escolares; SER III, que abrange 16 bairros e 59 unidades escolares; SER IV, com 19 bairros e 38 unidades escolares; SER V, com 16 bairros e 114 unidades escolares; SER VI, que abrange 27 bairros e 109 unidades escolares.

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5 Segundo Rigotto (1999), as técnicas de relatos orais, como um todo, colocam o sujeito num lugar de destaque, valorizando as suas experiências e o que tem a dizer sobre elas. O tipo de técnica utilizado para o propósito deste trabalho foi a entrevista aberta. O uso de entrevistas abertas permite uma relação de troca e aprendizagem, ou seja, tanto o pesquisador quanto o entrevistado descobrem, aprendem e refletem sobre o objeto da investigação. (CALDEIRA, 1981).

6 “Conveniência é quando não há aleatoriedade de escolha e os elementos são selecionados pela facilidade de acesso a eles. O critério de intencionalidade se caracteriza pela seleção de uma população em que haja conhecimento aprofundado sobre ela e quer atender a alguns critérios.” (COOPER e SCHINDLER, 2003 apud OLIVEIRA, 2009, p.86).

7 Os NTEs são estruturas descentralizadas de apoio ao processo de informatização das escolas, auxiliando tanto o planejamento e incorporação das novas tecnologias quanto o suporte técnico às equipes administrativas das escolas.

8 Gentilli (2002) considera a noção de empregabilidade um conceito liberal, que emergiu no contexto da reestruturação produtiva, inspirado na teoria do capital humano. Essa percepção está vinculada a uma questão meramente tecnológica de dominar e ter habilidades para manusear uma máquina, sendo que essa dimensão, não necessariamente, poderá levar o aluno a ingressar no mercado de trabalho.

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* Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pela UFC; Técnico em Educação pela Prefeitura Municipal de Fortaleza; e Docente universitário da Faculdade da Aldeia de Carapicuíba e da Faculdade Tecnológica Darcy Ribeiro. E-mail: [email protected]

Dinheiro direto na escola: um olhar avaliativo sobre o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino de Fortaleza

Funds directly at school: an evaluative look at the Program for the Maintenance and Development of Education in Fortaleza

Dinero en la escuela: una mirada evaluativa sobre el Programa de Mantenimiento y Desarrollo de la Educación en Fortaleza

De l’argent placé directement à l’école: un regard évaluatif sur le Programme pour l’Entretien et le Développement de l’Éducation à

Fortaleza

João Inácio Campelo*

Resumo: O objetivo do artigo é tecer considerações avaliativas sobre o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (PMDE), no contexto da reforma educacional brasileira, e suas implicações para a gestão da escola pública do município de Fortaleza. A intenção foi elencar possíveis elementos indicativos das categorias que embasaram a criação do programa – descentralização, transparência, participação, autonomia e gestão democrática – presentes na implementação e execução do Programa e no cotidiano das escolas públicas municipais. A metodologia da pesquisa levou em consideração as peculiaridades das escolas da amostra, as relações de força manifestas e as especificidades presentes na materialização desta política governamental. A pesquisa realizou-se em duas unidades escolares: uma pertencente à Secretaria Executiva Regional (SER) I e outra à SER VI. Ao final apresentamos uma síntese a partir do marco referencial de análise e dos pontos destacados no decorrer da pesquisa, como: a relação público/privado, a gestão democrática e a descentralização/centralização.

Palavras-chave: Avaliação, educação, autono-mia, gestão democrática.

Abstract: The aim of this article is to provide evaluative considerations about the Program for the Maintenance and Development of Education (PMDE), in the context of the Brazilian educational reform, and its implications for the management of public schools in Fortaleza. Our objective was to identify possible indicative elements of categories that supported the creation of the program – decentralization, transparency, participation, autonomy and democratic management – which are present in the implementation and execution of the Program on a daily basis in public schools. The research methodology took into account the peculiarities of the schools in the sample, the manifest relations of strength and the specificities present in the execution of this government policy. The research was carried out in two school units belonging to different municipal subdivisions: SER* I and SER VI. At the end, we present a synthesis considering the landmark analysis and the points highlighted along the research such as: the public / private relation, democratic management and decentralization / centralization.

Keywords: Assessment, education, autonomy, democratic management.

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No Brasil, embora a gestão democráti-

ca da educação figure como norma jurídica desde a Constituição Federal de 1988, sua regulamentação tem sugerido uma diversi-dade de interpretações que variam segundo o lugar e os agentes envolvidos. A década de 1990 apresentou-se como um momento ím-par nas formulações de propostas no campo educacional, mais especificamente da gestão da educação. Peroni (2006) destaca que tais mudanças ocorrem na esfera do Estado, da produção, do mercado e também no âmbito ideológico-político-cultural, em consequên-cia dos processos de Reestruturação Produ-tiva, da Globalização, do Neoliberalismo e da Terceira Via. De acordo com a autora, estas são estratégias do capitalismo para a supe-ração de sua crise.

Fundamentado nesse arcabouço teórico, este artigo tem como objetivo central tecer considerações avaliativas do Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (PMDE) no contexto da reforma educacional brasileira, assim como suas implicações para a gestão da escola pública do município de Fortaleza. Considerando que a defesa da política pública para a criação do Programa repousa em categorias como: descentralização, transparência, participação, autonomia e gestão democrática, nossa intenção inicial foi trazer à tona possíveis elementos indicativos dessas categorias, presentes na implementação e execução do Programa, bem como no cotidiano das escolas públicas municipais.

Para Ala-Harja e Helgason (2000), a avaliação pode ser definida como uma análise sistemática de aspectos importantes de um programa e seu valor, o objetivo principal é fornecer resultados confiáveis e utilizáveis. Assim, considerando que o Programa objeto da nossa avaliação foi implementado em 2001 e continua em execução desde então,

nosso critério de avaliação para essa política pública foi realizar uma avaliação somativa. Como considera Ala-Harja e Helgason (2000), esse modelo de avaliação é conduzido frequentemente quando o programa já está implementado há algum tempo (avaliação ex post) para o estudo de sua eficácia e o julgamento de seu valor geral.

Com base nesse modelo de avaliação, a investigação visa identificar até que ponto os objetivos do Programa estão sendo alcançados. Afinal, no contexto político brasileiro, os políticos enfatizam suas boas intenções quando estão decidindo uma determinada intervenção pública, mas nem sempre estarão interessados em estudar seus efeitos. Por trás da relutância em solicitar avaliações e em discutir seus resultados, pode haver o receio de que algumas deficiências venham a ser expostas.

O Programa foi avaliado tendo em vista que as estratégias do capitalismo, na tentativa de superação de sua crise estrutural (globalização, reestruturação produtiva e neoliberalismo), têm redefinido as formulações das políticas públicas sociais, principalmente em relação às políticas educacionais. No caso brasileiro, essas redefinições foram contempladas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, no qual as políticas sociais deixam de ser consideradas atividades exclusivas do Estado e passam para a esfera “pública não estatal” (Bresser Pereira, 1997, p. 7), instituída por meio da criação das Organizações Sociais (OS) em suas diversas formas de instituição legal.

A concepção metodológica que norteou o desenvolvimento da pesquisa levou em consideração a importância das peculiaridades das escolas da amostra, as relações de força manifestas e as especificidades presentes na materialização de uma política governamental. Atendendo

Introdução

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a essa exigência metodológica, a pesquisa realizou-se em duas unidades escolares, sendo uma pertencente à Secretaria Executiva Regional (SER) I e outra à SER VI. Observe-se que a ética na coleta das informações foi contemplada, entre outros procedimentos, pela realização de entrevistas somente mediante o consentimento prévio dos entrevistados e pelo respeito às opções de anonimato, quando foi o caso. A utilização de áudio somente ocorreu com a autorização específica dos participantes. A adesão à pesquisa foi voluntária.

Para as considerações finais, apresentamos uma síntese a partir do marco referencial de análise e dos pontos que se destacaram no decorrer da pesquisa, como: a relação público/privado, a gestão democrática e a descentralização/centralização.

Orientações das políticas públicas em educação: participação,

autonomia e descentralização

Inserido no contexto dos construtos legais e teóricos acerca da gestão democrática participativa e os princípios da autonomia escolar, discutiremos o contexto teórico e político da descentralização. Analisaremos ainda a forma como esta é abordada no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, proposto a partir de 1995 no governo de FHC pelo ex-ministro Bresser Pereira.

De acordo com Farah (2000), as políticas públicas promovidas pelo Estado até o início dos anos 1980 se caracterizavam, em primeiro lugar, pela centralização decisória e financeira na esfera federal, cabendo aos Estados e municípios, quando estes eram envolvidos em política específica, o papel de executores das políticas formuladas centralmente. Como características desse

desenho institucional, podemos citar a predominância da troca de favores de cunho clientelista, a falta de integração entre as políticas públicas sociais e a exclusão da sociedade civil do processo de formulação, implementação e controle das políticas públicas e da ação governamental.

No Brasil, a partir da década de 1970, e ganhando impulso na década de 1980, cresce o debate sobre a reforma da ação do Estado na área social. Para Farah (2000), esse processo veio se consolidar na Constituição de 1988, que teve como eixos a democratização dos processos decisórios e a busca da igualdade dos resultados das políticas públicas, sendo a democratização vista como condição da equidade desses resultados.

As propostas enfatizadas neste momento foram a descentralização e a participação dos cidadãos na formulação e implementação das políticas públicas. Os estudos de Farah (2000) apontam que a descentralização e a participação eram vistas como ingredientes fundamentais desta reorientação substantiva das políticas sociais, voltada para a garantia da equidade e para a inclusão de novos segmentos da população na esfera do atendimento estatal. Assim, pelo menos no discurso teórico e legal, há uma migração de uma política de exclusão para uma política de inclusão. No entanto, no contexto prático do cenário social, é fundamental analisar se, na formulação, na implementação e nos resultados dessas políticas, predominam mecanismos que realmente promovam a descentralização administrativa e financeira e a participação da sociedade civil.

No final da década de 1980 e início dos anos 1990, apesar do contexto democrático que balizava a ação do Estado, a crise fiscal e a escassez de recursos predominavam no discurso público. Por outro lado, a crescente desigualdade social provocava o

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agravamento da crise social. Nesse contexto, a ação do Estado era incapaz de fazer frente às demandas crescentes na área social. Assim, temos que:

[...] ao lado da preocupação com a democratização dos processos e com a equidade dos resultados, foram introduzidas na agenda preocupações com a eficiência, a eficácia e a efetividade da ação estatal, assim como com a qualidade dos serviços públicos. Neste processo de redefinição da agenda de Reforma, disputou espaço internamente o ideário neoliberal que ganhara força nos países centrais e nas agências1 multilaterais de financiamento. Para a ideologia neoliberal, o Estado é essencialmente ineficiente, ineficaz e provedor de serviços de baixa qualidade. A crise econômica e a crise do Estado resultam do próprio Estado e de sua intervenção excessiva. (Farah, 2000, p. 16).

Com relação especificamente à área social, a agenda neoliberal propunha a privatização por meio da transferência da produção de serviços públicos para o setor privado lucrativo; a descentralização das políticas sociais para as esferas locais de governo, como forma de aumentar a eficiência e a eficácia do gasto público; a ação estatal voltada apenas para serviços essenciais não passíveis de oferta pelo mercado e para segmentos específicos da população mais vulneráveis e expostos a situações de pobreza extrema; e mudanças na gestão dos programas estatais, de forma a dotá-los da eficiência e eficácia atribuída à gestão privada (Farah, 2000). Os princípios e diretrizes dessa agenda foram formatados no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, implantado a partir de 1995 no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Em um contexto de alterações na economia capitalista mundial, em que se

destacam a reestruturação produtiva e a globalização, impondo enormes desafios para a inserção do Brasil no cenário internacional, Farah (2000) propõe uma ação estatal que, diferentemente da abordagem neoliberal, não promova o desmantelamento do Estado, mas sim uma reforma que corresponda aos novos desafios que se apresentam a uma nação em desenvolvimento. A intenção é integrar à agenda “democrática” dos anos 1980 novos ingredientes voltados à busca da eficiência, da eficácia e da efetividade na ação estatal.

A autora afirma que não se trata, neste caso, de privatização como alternativa prioritária ou exclusiva (potencialmente segmentadora e excludente), mas de novas formas de articulação com a sociedade civil e com o setor privado, visando à garantia da provisão de serviços públicos. Nesse cenário, ocorre a substituição do modelo de provisão estatal por um modelo em que o Estado deixa de ser o provedor direto exclusivo e passa a ser o coordenador e fiscalizador de serviços que podem ser prestados pela sociedade civil ou pelo mercado ou em parceria com estes setores.

Nesse novo paradigma de políticas públicas, Farah (2000) acredita que a descentralização não significa apenas transferir recursos financeiros e atribuições, de forma a garantir eficiência, mas é vista, sobretudo, como redistribuição de poder, favorecendo a democratização das relações entre Estado e Sociedade e a democratização do acesso aos serviços públicos. Essa deve ser a perspectiva, a descentralização só faz sentido se favorecer o processo de democratização da gestão e das relações de poder. De todo modo, pode-se dizer que a reformulação da gestão estatal tampouco é monopólio do neoliberalismo, sendo incorporada à agenda de reforma por atores que não comungam com o neoliberalismo,

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mas defendem a democratização das políticas públicas e a equidade das políticas sociais.

Na mesma linha teórica de Farah, Diniz (2007) nos alerta que a participação espontânea da sociedade não garante por si só o sucesso da gestão movida pelos pilares da democracia participativa e descentralizada. No que diz respeito à sociedade, é preciso considerar seu grau de organização e a disposição dos cidadãos para participar da vida social; a densidade e qualidade da representação. No que se refere ao governo, devemos considerar que o grau de descentralização administrativa, a autonomia das diversas esferas de poder, a articulação entre elas, a capacidade de comando e de coordenação do Estado são alguns dos fatores que favorecem a eficácia desse padrão de gestão pública.

É nessa efervescência teórica e política de novos paradigmas, como administração gerencial, descentralização, controle social, gestão democrática e participação, que o Plano de Reforma do Aparelho de Estado (Pdrae) de FHC e Bresser Pereira emerge, fortalecendo e ampliando, no seio da sociedade civil, o chamado terceiro setor.

O Plano, num esforço de diagnóstico da administração pública brasileira, aponta uma distinção de três dimensões da reforma: a) a dimensão institucional legal, relacionada aos obstáculos de ordem legal para o alcance de uma maior eficiência do aparelho do Estado; b) a dimensão cultural, definida pela coexistência de valores patrimonialistas, e principalmente burocráticos, com os novos valores gerenciais e modernos na administração pública brasileira; e c) a dimensão gerencial, associada às práticas administrativas. (BRASIL, 2005).

Observa-se que o Plano deixa claro que, para promover a mudança da cultura administrativa e reformar a dimensão-gestão

do Estado, era necessário providenciar a mudança do sistema legal, isso implica mudanças nas normas constitucionais sempre que for necessário. A título de exemplo, entre muitos outros, o Plano estabelece que

A rigidez da estabilidade assegurada aos servidores públicos civis impede a adequação dos quadros de funcionários às reais necessidades do serviço, e dificulta a cobrança de trabalho. Da mesma forma, a transformação do concurso público – cuja exigência generalizada na administração pública representou o grande avanço da Constituição de 1988 – em uma espécie de tabu dificulta as transferências de funcionários entre cargos de natureza semelhante. Por outro lado, as exigências excessivas de controles de compras e o detalhismo dos orçamentos são exemplos dessa perspectiva burocrática implantada na lei brasileira, que dificultam de forma extraordinária o bom funcionamento da administração pública. (Brasil, 2005, p. 41)

Com essas afirmações, o Plano destaca a “necessidade” e a intenção de modificar a legislação da estabilidade dos servidores públicos, a forma de ingresso no serviço público e ainda a lei de licitações. Não é intenção desse trabalho de pesquisa aprofundar a dimensão institucional-legal proposta no Plano. A intenção inicial é trazer à tona o objetivo claro de Bresser Pereira e do governo do FHC de ameaçar direitos históricos conquistados em duras e longas lutas travadas pela classe trabalhadora. O alerta segue ainda no sentido de que políticas de descentralização e o público não estatal, com ou sem alterações no sistema jurídico brasileiro, são fortalecidos a partir de 1995 com a implementação do Pdrae, e, após dez anos do atual governo do Partido dos Trabalhadores – PT, essas políticas seguem

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fortalecidas2. Isso pode significar que o governo brasileiro do PT não relegou todas as propostas políticas e administrativas do Pdrae.

O Pdrae divide o Aparelho do Estado em quatro Setores: 1) Núcleo Estratégico. Corresponde ao governo em sentido lato. É o setor que define as leis e as políticas públicas, e cobra o seu cumprimento. É o setor onde as decisões estratégicas são tomadas; 2) Atividades Exclusivas. É o setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar. Refere-se a serviços em que o poder extroverso do Estado exerce a ação de regulamentar, fiscalizar e fomentar; 3) Serviços Não Exclusivos. Corresponde ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado. Este, entretanto, está presente porque os serviços envolvem direitos humanos fundamentais, como os da educação e da saúde; 4) Produção de Bens e Serviços para o Mercado. Corresponde à área de atuação das empresas. É caracterizada pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado. Estão no Estado seja porque faltou capital ao setor privado para realizar o investimento, seja porque

são atividades naturalmente monopolistas, nas quais o controle via mercado não é possível, tornando-se necessário, no caso de privatização, a regulamentação rígida. (BRASIL, 2005).

Após estabelecer os setores do Estado, o Plano prossegue com a proposta de reforma do Estado e trabalha as Formas de Propriedade. O Pdrae assegura que “ainda que vulgarmente se considerem apenas duas formas, a propriedade estatal e a propriedade privada, existe no capitalismo contemporâneo uma terceira forma, intermediária, extremamente relevante: a PROPRIEDADE PÚBLICA NÃO ESTATAL”. (Brasil, 1995, p. 43). Na concepção do Plano, esse tipo de propriedade é constituído pelas organizações sem fins lucrativos, que não são propriedade de nenhum indivíduo ou grupo e estão orientadas diretamente para o atendimento do interesse público.

O Plano faz a relação entre Setores de Estado e Forma de Propriedade, afirmando que o tipo de propriedade mais indicada variará de acordo com o setor do aparelho do Estado. O quadro abaixo demonstra claramente a relação entre setores de Estado, formas de propriedade e forma de administração que o Plano pretende adotar.

Quadro 1 – Setores de Estado e as formas de propriedade

Setores de EstadoFormas de propriedade Formas de administração

Estatal Pública não estatal Privada Burocrática Gerencial

Núcleo EstratégicoLegislativo, Judiciário, Presidência, Ministérios, Ministério Público • •Atividades exclusivas Regulamentação, Fiscalização, Fomento, Segurança Pública, Seguridade Social

• •

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Ora, ao analisarmos apenas as relações entre os tipos de administração (burocrática e gerencial), os setores do Estado e as formas de propriedade defendidas no Plano, fica evidente que a reforma do aparelho de Estado proposta por FHC e Bresser Pereira comunga plenamente com a ideologia política da terceira via defendida por Giddens3. Essa relação evidencia-se no fato de o Plano inserir, no cenário político e econômico brasileiro, uma terceira forma de propriedade: a pública não estatal, denominada pela teoria crítica de Peroni, Adrião e Montaño como terceiro setor. Nesse contexto, a definição que constitui o foco maior deste trabalho de pesquisa é aquela que o Plano define como propriedade pública não estatal, na qual se inserem os serviços não exclusivos e que abarca políticas sociais como a educação. O objetivo do Plano é transferir para o setor público não estatal (terceiro setor) estes serviços mediante programas de publicização. Para tanto, modifica-se ou cria-se legislação específica necessária para o surgimento e fortalecimento das organizações sociais, ou seja, entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização do Poder Legislativo para celebrar contrato de gestão com o Poder Executivo e assim ter direito à dotação orçamentária.É importante destacar que autores como Peroni e Adrião (2007) trazem argumentos teóricos que sustentam que o Conselho Escolar (CE), empresa jurídica de direito

privado sem fins lucrativos, e, com autorização legislativa para executar os recursos oriundos de programas de dinheiro direto na escola, como o PMDE, faz parte das organizações sociais inseridas no chamado terceiro setor. Portanto, o Conselho Escolar é elemento integrante da política de fortalecimento do chamado terceiro setor. O receio é que a obrigatoriedade da criação de uma Unidade Executora-UEx (Conselho Escolar) para recebimento de recursos pela escola possa se constituir em espaço público não estatal na educação, conforme explicitado no Plano da Reforma do Estado (1995), uma vez que, além de receber e administrar esses recursos, o Conselho Escolar também pode firmar convênios e parcerias com a área privada e pública para captar recursos.Neste sentido, Costa (2005) reafirma a necessidade de estarmos alerta contra a impressão de novidade das propostas de gestão descentralizada, baseadas na existência de uma suposta esfera pública não estatal. O autor teme que, em um cenário político onde não haja rompimento com as estruturas do capital e nem com a ideologia neoliberal, isto possa significar apenas a reedição de antigos esquemas clientelistas e fisiológicos.As críticas acima são pertinentes e merecem aplausos. A sociedade civil precisa estar atenta aos resultados reais das políticas educacionais, para garantir que ocorram no cotidiano escolar as afirmações de

Serviços não exclusivosUniversidades, Hospitais, Centros de Pesquisa, Museus • •Produção para o MercadoEmpresas Estatais • •

Fonte: Brasil, 2005.

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Romão (2004), quando atesta que a gestão democrática faz parte de uma escola cidadã, que é estatal quanto ao financiamento, pois o Estado deve repassar os recursos diretamente à escola para que o dirigente escolar possa executar o que o coletivo escolar deliberou e aprovou em seu projeto político-pedagógico. O autor arremata que essa escola é ainda pública, pois seus objetivos, finalidades e resultados destinam-se igualmente a toda a sociedade, sem exceções e distinções. De qualquer modo, considerando o que foi dito sobre gestão democrática do ensino e considerações de autores como Schlesener (2006), que apregoa que a gestão democrática é um processo contínuo, gerador de uma nova experiência de gestão política, que nasce da consciência crítica elaborada na ação e no debate, não mais enraizada no individualismo nem nos objetivos do mercado e do consumo, torna-se visível a necessidade de analisarmos se a política de descentralização do financiamento da educação, desdobrada em programas de dinheiro direto na escola, tendo o Conselho Escolar como Unidade Executora, está comprometida realmente com a democratização e autonomia da escola ou se configura mais uma política de fortalecimento do terceiro setor com intenções de perpetuar a ideologia neoliberal e o fundamentalismo de mercado.

Trajetória e marcos legais do programa de manutenção e desenvolvimento do ensino

(PMDE)

O objetivo deste item é discorrer sobre o processo de criação, implantação e implementação do Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (PMDE)

no município de Fortaleza, apontando as alterações expressas na legislação referente ao Programa ao longo do período de 2001 a 2010. Assinalaremos, ao longo desse tópico, as principais modificações ocorridas tanto no âmbito legal quanto no aspecto administrativo, financeiro e pedagógico.

A Secretaria Municipal de Educação – SME do governo de Fortaleza não elaborou uma legislação específica para normatizar os princípios e diretrizes do PMDE. O documento que normatiza o repasse do Programa refere-se a um convênio assinado a cada ano pelo representante da pasta da Secretaria de Educação e pelos gestores das unidades escolares que compõem o Sistema Municipal de Educação. É importante esclarecer que todos os Convênios referentes aos repasses anuais do Programa foram publicados no Diário Oficial do Município – DOM, conforme estabelece o princípio da publicidade dos atos públicos.

Extrapola os limites deste artigo a análise aprofundada dos parâmetros legais que balizam o convênio do PMDE. No entanto, sempre que necessário, nos reportaremos a esta.

Inicialmente, queremos destacar a Portaria n.º 448, da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda – STN/MF, de 13 de setembro de 2002, que divulga o detalhamento da natureza de despesa para material corrente (custeio) e para material permanente (capital), respectivamente, para fins de utilização pela União, Estados, DF e Municípios, com o objetivo de auxiliar, em termos de execução, o processo de apropriação contábil da despesa que menciona. Assim, a despesa pública que constitui o repasse do PMDE é dividida em despesas de custeio e capital.

O primeiro repasse do PMDE ocorreu no ano de 2002, sob o governo municipal de Juraci Vieira de Magalhães. Desde então,

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o convênio tem passado por inúmeras modificações que serão destacadas ao longo deste tópico. Os recursos do Programa são oriundos da receita do Tesouro Municipal e obedecem à classificação orçamentária pública especificada no Convênio.

O Convênio é organizado no âmbito de cada Secretaria Executiva Regional – SER. Embora seja elaborado um convênio para cada SER, todos são de igual teor e contêm sempre a assinatura do chefe do Poder Executivo, que representa o município de Fortaleza; do secretário da pasta do sistema municipal de educação e dos diretores e presidentes dos Conselhos Escolares das unidades de ensino da circunscrição de cada SER.

O Convênio elaborado para o repasse de 2010 tem por objeto a execução de ações do PMDE, pautadas pelo princípio constitucional que garante a todos o direito à educação. De acordo com o documento municipal, o objetivo é:

[...] fornecer o necessário suporte a todas as Unidades de Educação Básica do município de Fortaleza, com a promoção de ações pertinentes à manutenção e desenvolvimento do ensino, a serem realizadas mediante uma prática de gestão democrática e com a participação de toda a comunidade escolar, em consonância com as diretrizes do Orçamento Participativo, no processo de identificação de necessidades, priorização de gastos/investimentos e na execução transparente dos recursos financeiros transferidos às escolas através de seus Conselhos Escolares. (Fortaleza, 2010, p. 1).

O repasse referente ao ano de 2010 contempla toda a educação básica, mas nem sempre foi assim. Inicialmente, o Programa contemplava apenas os alunos do Ensino Fundamental. A partir do ano de 2007, o PMDE passou a inserir, nos parâmetros de cálculos, os alunos da Educação Infantil (creches municipalizadas e pré-escola) e os

alunos do Ensino Médio, embora o sistema municipal de ensino conte apenas com uma unidade escolar que ofereça esse nível de ensino. Fato que não causa espanto, visto que, de acordo com o artigo 210 da Constituição brasileira, a prioridade do município com a oferta da educação pública é o Ensino Fundamental.

O discurso do governo inclui o caráter democrático no relato do objetivo do Programa, pois vem explícita a execução do programa pautada em uma prática de gestão democrática. Isso quer dizer que a unidade escolar, ao planejar os gastos e eleger as prioridades da execução do programa, deverá fazê-lo de forma democrática, ou seja, deverá promover a democratização dos processos de tomada de decisão, baseada no diálogo e no consenso, com ações gestoras que possibilitem a participação efetiva de toda a comunidade escolar, desde a identificação das necessidades, priorização de gastos e execução até a prestação de contas e sua aprovação. Este caráter democrático e participativo presente no discurso do Programa, a constituição do Conselho Escolar como pessoa jurídica sem fins lucrativos e a autonomia da escola constituem os aspectos principais que alicerçam nossa pesquisa avaliativa.

De acordo com a Cláusula sétima do Convênio que regulamenta o repasse de 2010, os recursos serão destinados à cobertura de despesas corrente (material de consumo e/ou serviços) e capital (materiais permanentes), que concorram para a manutenção e desenvolvimento do ensino. O Convênio veda a utilização do recurso em gastos com pessoal e em obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a unidade escolar. São permitidas apenas contratação de serviços para pequenos reparos de construção civil e manutenção e conservação de equipamentos.

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O Sistema de Contabilidade do Orçamento Público do Município de Fortaleza demonstra várias fontes de recursos para as despesas com educação4. No entanto, o repasse do recurso do PMDE tem sua origem na Fonte 101, que resguarda os recursos para as despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino. Assim, a Cláusula sétima procura obedecer ao disposto no artigo 70 da LDB, que deixa claro que ações constituem despesas e serão consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino, compreendendo as que se destinam a:

I. remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;II. aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários;III. uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;IV. levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;V. realização de atividade-meio necessária ao funcionamento dos sistemas de ensino;VI. concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas;VII. amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;VIII. aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar. (Brasil, 1996, p. 164).

Em complemento e justaposição ao artigo anterior, o artigo 71 vem estabelecer as despesas que não constituem ações de manutenção e desenvolvimento do ensino, isto é, aquelas realizadas com:

I. pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão;II. subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural;III. formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos;

IV. programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológico, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;V. obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;VI. pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia a manutenção e desenvolvimento do ensino. (Brasil, 1996, p. 166).

Estes artigos fazem emergir uma das questões mais intrincadas da educação básica brasileira: definir o que é e o que não é manutenção e desenvolvimento do ensino. Para Carneiro (1998), a ausência de um conceito e de uma definição clara e objetiva definida em lei contribuiu para o desperdício e a irresponsabilidade de recursos importantes ao longo da história educacional do nosso País. Embora o autor não tenha apresentado dados, ele afirma que os gestores públicos, principalmente o Poder Executivo Municipal, usaram os recursos da educação para as ações mais estapafúrdias possíveis, as quais, com a ausência de precisões legais, contaram com a cumplicidade dos Tribunais de Contas, que faziam vista grossa para as referidas despesas.

Em termos gerais, o Convênio delibera que as despesas permitidas com o repasse do recurso são as seguintes: aquisição de materiais de capital5 necessários à manutenção e desenvolvimento do ensino, observadas as limitações expressas no próprio documento legal; aquisição de material de custeio6 (material pedagógico, de limpeza, de escritório, elétrico, hidráulico, etc.); e contratação de serviços de capacitação, pequenos reparos na manutenção da rede física, dos móveis e equipamentos.

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Implicações do PMDE para a gestão escolar

Embora as unidades escolares alicerçadas pelos princípios da descentralização, gestão democrática, participação e autonomia recebam e executem o PMDE desde o ano de 2001, somente em 2008 o município de Fortaleza, por meio da Lei n.º 9.441, elabora e aprova seu Plano Municipal de Educação. Esse importante instrumento legal traça as diretrizes, objetivos, metas e ações da política municipal de educação. Enquanto diretriz de gestão educacional, estabelece transparência na gestão, execução e prestação de contas dos recursos públicos pelo sistema de ensino e unidades escolares. Promete ainda aprimorar os mecanismos de descentralização, transparência e participação democrática no planejamento, execução e acompanhamento do financiamento da educação municipal.

O Plano Municipal de Educação de Fortaleza, seguindo as diretrizes e objetivos estabelecidos no PNE para a gestão do ensino público, também visa assegurar progressiva autonomia pedagógica, administrativa e financeira das escolas. Para tanto, estabelece como ação de financiamento da educação:

Fortalecer a autonomia financeira das escolas mediante a garantia de repasses de recursos diretamente aos estabelecimentos públicos da rede municipal, conforme os dispositivos legais (art. 15, LDB); garantir o repasse de recursos para as escolas municipais por meio do PMDE; e garantir o repasse de recursos de forma sistemática no início de cada semestre letivo para as escolas municipais por meio do PMDE, de forma a atender às reais necessidades das escolas diagnosticadas pelo PPP (Projeto

Político-Pedagógico). (Fortaleza, 2008, p. 123).

Os programas de dinheiro direto na escola como forma de descentralização de recursos, atendendo aos princípios da gestão democrática e da autonomia da unidade escolar, vêm fortalecendo e ampliando as funções de um importante órgão colegiado no âmbito do cotidiano escolar: o Conselho Escolar. De acordo com o Plano Nacional de Educação (2001), com a função de Unidade Executora atribuída a esse órgão colegiado na aplicação dos recursos financeiros administrados pelas escolas, estes aumentaram de R$ 11.643,00 em 1995, para R$ 54.591,00 em 1998. Salientamos que a instituição legal do Conselho Escolar em cada unidade de ensino é uma das condições básicas para o recebimento dos programas de dinheiro direto na escola, inclusive o PMDE.

Conforme Oliveira (2001), ao pressupor a democracia como princípio e como método, os Conselhos Escolares devem estar atentos aos fins almejados para a educação, bem como aos consequentes processos que lhes são correlatos. Nesses termos, esses colegiados apresentam-se como espaços públicos privilegiados, nos quais tensões e conflitos podem ser superados, o que deve desestabilizar práticas monolíticas ou “harmoniosas” de gestão escolar. Dessa forma, devem configurar-se como espaços institucionais de articulação, de soluções locais para os problemas do cotidiano escolar.

Reinaldo (2008) confirma seu apoio ao colegiado escolar e afirma que sua atribuição consiste em deliberar, nos limites de sua competência, e aconselhar os dirigentes, no que julgar prudente, sobre as ações a empreender e os meios a utilizar para o alcance dos fins da escola. Na versão do autor, o Conselho Escolar

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existe para dizer aos dirigentes o que a comunidade quer da escola e, no âmbito de sua competência, o que deve ser feito.

Conforme a Lei n.º 7.990, de 23 de dezembro de 1996, o município de Fortaleza dispõe sobre a criação do Conselho Escolar nas escolas públicas municipais. Estabelece que o Conselho Escolar seja um órgão colegiado de natureza jurídica, organização democrática, constituição paritária e participativa dos diversos segmentos escolares. Estabelece ainda a sua constituição, estrutura e funcionamento, atribuindo-lhe funções de natureza consultiva, deliberativa, normativa e avaliativa.

Prosseguindo com a política de fortalecimento dos Conselhos Escolares e com a política de descentralização de recursos financeiros na educação pública, tendo como uma de suas ações os programas de dinheiro direto na escola, o município de Fortaleza, mediante Decreto n.º 10.851, de 18 de agosto de 2000, considera que é imprescindível adotar medidas racionalizadas visando à ampliação do repasse de recursos financeiros diretamente aos Conselhos Escolares. Considera ainda que os diversos segmentos que compõem a comunidade escolar são os que têm melhores condições para definir e priorizar as necessidades da escola.

A partir dessas considerações, o Decreto delega mais uma competência ao Conselho Escolar: observado o limite de sua competência administrativa, fica o Conselho Escolar imbuído de receber e administrar os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino municipal em comum acordo com a gestão da unidade escolar. Receberá e gerenciará outros recursos financeiros transferidos pelo Poder Municipal destinados a dar

suporte às atividades características da escola, prestando contas da aplicação destes recursos aos setores administrativo-financeiros da municipalidade, nos prazos estabelecidos por estes em conformidade com a legislação vigente. O Decreto deixa claro ainda que os recursos devam ser aplicados exclusivamente nas atividades de manutenção e desenvolvimento do ensino. Isso implica observância restrita aos ditames dos artigos 70 e 71 da LDB.

É mister observar que, ao atribuir a função de unidade executora ao Conselho Escolar, o município de Fortaleza obriga este ao disposto no Decreto Federal n.º 2.896, de 23 de dezembro de 1998, que dispõe sobre as obrigações acessórias das Unidades Executoras do programa dinheiro direto na escola e dá outras providências. O aludido Decreto Federal indica, entre outros aspectos, que:

Art 1º As Unidades Executoras, a que se refere o inciso I do parágrafo único do art. 8º, da Medida Provisória nº 1.784, de 14 de dezembro de 1998, das escolas instituídas e mantidas pelo poder público, participantes do Programa Dinheiro Direto na Escola, são sociedades civis com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que têm por finalidade receber e gerenciar os recursos destinados às escolas, inclusive aqueles recebidos do Fundo Nacional de Educação – FNDE. (Brasil, 1998, grifos nossos).

Institucionalizando essa constatação, a Procuradoria Geral do Município de Fortaleza (PGM) oficializa a equiparação dos Conselhos Escolares vinculados às escolas municipais ao Decreto Federal em epígrafe, por meio do Parecer n.º 49/2002. O Decreto municipal assegura ter realizado uma consulta à Lei Orçamentária Municipal, tendo constatado que os Conselhos Escolares não são unidades orçamentárias do Poder Público municipal, o que faz presumir, em

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virtude disso, que os referidos Conselhos não pertencem à estrutura administrativa do Município, direta ou indireta. Assim, o Decreto afirma que os Conselhos Escolares foram criados no âmbito do Município de Fortaleza, seguindo os mesmos critérios e características dispostos no exemplo da União.

Dessa forma, o Decreto Municipal reafirma a condição dos Conselhos Escolares como sociedades civis com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e vai além: afirma que, por serem pessoas jurídicas de direito privado, e por não serem unidades orçamentárias à luz da legislação licitatória (Lei n.º 8.666/93), os Conselhos Escolares não são obrigados a licitar a aplicação dos recursos que lhes são repassados pela Receita Pública por intermédio dos programas de dinheiro direto na escola.

Nesse cenário, outro aspecto a destacar é a obrigação do Conselho Escolar em realizar o disposto na legislação tributária. Assim, entre outras obrigações, o Conselho, ao efetuar contratações para execução de serviços, obriga-se a reter e recolher a contribuição para o Instituto Nacional da Seguridade Social – INSS e o Imposto sobre Serviços – ISS municipal. É obrigado ainda a declarar, no âmbito municipal, mensalmente, a Declaração Digital de Serviços – DDS e, no âmbito federal, anualmente, a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e a Declaração do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica – DIPJ.

Para além da função executora de recursos financeiros, os representantes do Conselho Escolar devem ficar atentos ao fato de que este colegiado deve ser um instrumento de tradução dos anseios da comunidade e nunca de legitimação da voz de dirigentes ou do sistema. Portanto,

é essencial que o Conselho congregue em si a síntese do significado social da escola, para que possa constituir-se na voz da pluralidade dos atores sociais a quem a escola pertence.

Peroni e Adrião (2005) alertam que o Conselho Escolar não deve perder-se apenas em funções executoras, sob o risco de promover um esvaziamento político da escola, uma nova forma de participação sob tutela, sob controle. Nesse caminho, poderá haver um retrocesso político em relação às lutas pela democratização da gestão escolar empreendidas a partir dos anos 1980.

Nessa linha de raciocínio, Libâneo (2001) afirma que o Conselho Escolar é um mecanismo útil para a implantação de decisões colegiadas na unidade escolar, desde que existam sujeitos coletivos interessados pela vida da escola e nela envolvidos. Isto significa que o Conselho Escolar não deve ser manipulado, no sentido de atender a interesses pessoais que o desviem de sua verdadeira e necessária função educacional. Assim, uma comunidade escolar que constitua uma unidade capaz de propor seu próprio projeto financeiro pedagógico poderá tornar-se interlocutora das autoridades do sistema e, dessa maneira, vir a ser um agente de mudanças na própria política educacional.

Considerações avaliativas sobre o PMDE

Tendo como referência as pesquisas efetivadas durante o estudo de caso, analisaremos neste item a política de repasse dos recursos financeiros da educação sob a forma de programas de dinheiro direto na

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escola – a exemplo do PMDE, que, inserido na estratégia proposta pelo Plano de Reforma do Estado no Brasil (Brasil, Mare, 1995), pode representar um modelo da passagem das políticas sociais para o setor público não estatal, fato agravado pela obrigatoriedade da constituição de unidades executoras (pessoa jurídica de direito privado) nas escolas públicas como condição obrigatória para recebimento do Programa.

As observações e análises dos dados da pesquisa oferecem condições para fazermos algumas considerações importantes sobre o processo de implantação e execução do PMDE, tanto por parte do Sistema quanto pelas escolas da amostra selecionada no município de Fortaleza.

O Convênio que normatiza o PMDE, celebrado anualmente entre a SME e as unidades escolares representadas pelas suas respectivas UEx, assevera que a escola, ao executar o Programa, deve exercer plenamente autonomia de gestão, assegurando à comunidade escolar participação sistemática e efetiva nas decisões colegiadas, desde a seleção das necessidades educacionais prioritárias a serem satisfeitas até o acompanhamento do resultado do emprego dos recursos do Programa.

Nesse sentido, as entrevistas e observações revelam que a escola tenta orientar suas ações com base nessas diretrizes. Logo que o recurso do Programa é creditado na conta bancária aberta para esse fim, a escola promove uma reunião inicial com os membros do Conselho Escolar e/ou representantes da comunidade escolar para dar ciência do crédito do Programa7 e selecionar a aquisição dos materiais e bens a serem adquiridos e/ou serviços a serem contratados de acordo com as finalidades do Programa, para suprir as necessidades prioritárias da escola que representam. O

Convênio exige que sejam lavradas as atas tanto da reunião inicial quanto das demais, principalmente a reunião para dar ciência à comunidade escolar das despesas efetuadas na execução do Programa , bem como anexadas estas ao processo de prestação de contas.

A gestão escolar orienta que cada representante do CE verifique as prioridades com os segmentos que representam para que, em um período posterior, com a chegada da verba, essas necessidades já tenham sido pelo menos pensadas e discutidas com os segmentos, uma vez que o Convênio estabelece um período determinado para executar e prestar contas do Programa. Os Diretores afirmaram, em suas falas, que esse período de tempo estabelecido representa uma dificuldade na execução do programa. Pois, em geral, o núcleo gestor e os representantes do CE não possuem tempo disponível para se dedicarem à execução das ações do Programa, devido ao excesso de atividades desenvolvidas e ao tempo exíguo de operacionalização do Programa e sua prestação de contas. O problema do tempo insuficiente persiste até mesmo quando o cargo de presidente do CE é exercido por um professor, pois, nesse caso, como relatado anteriormente, a legislação municipal disponibiliza cinquenta por cento da sua carga horária para o exercício de suas responsabilidades como presidente do CE.

É válido ressaltar que os recursos do PMDE direcionados para cada escola ficam sob a responsabilidade dos CEs, mas são o presidente e o diretor que mais trabalham, porque são eles que devem movimentar a conta bancária da unidade executora e realizar ou garantir a realização das pesquisas de preços. Isso implica que o diretor e o presidente assinam os cheques destinados ao pagamento das despesas efetuadas. Essa responsabilidade torna-

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os sujeitos às penalidades administrativas, cíveis e criminais que venham a ocorrer por conta de danos administrativos ou prejuízos ao erário causados por erros ou dolos na execução do Programa8.

Após a reunião que dá ciência do crédito do recurso à comunidade escolar, os representantes do CE são convocados novamente para uma reunião em que apresentam suas prioridades. Entre estas, são escolhidas as mais viáveis de acordo com o valor estabelecido para custeio e capital. É a partir da definição coletiva e democrática das despesas que serão efetuadas que o diretor e o presidente do CE ficam responsáveis pela realização da pesquisa de preços junto ao mercado acerca do que se vai comprar com a verba, necessitando avaliar, no mínimo, três orçamentos distintos para então decidir onde vão adquirir os bens. Na fala dos entrevistados, a escola vem cumprindo essa dinâmica rigorosamente.

Na concepção da comunidade escolar, especialmente nas falas dos diretores, presidente do CE e segmento professor, há autonomia, mas, ao mesmo tempo, percebe-se que essa autonomia restringe-se apenas ao aspecto financeiro e no âmbito da execução do que é permitido pelas normas do Convênio. Nesse sentido, podemos considerar a ideia de Silva (1995, p. 58), que, ao examinar a questão da autonomia da escola pública, destacou três pontos fundamentais: “a noção de liberdade que é sempre relativa (capacidade de escolha); critérios de poder (capacidade de influenciar coisas e pessoas); e a responsabilidade para exercer essa autonomia”.

Ainda ancorados nessa concepção de autonomia, sabemos ser ela sempre relativa, pois as políticas educacionais que garantem os salários, livros didáticos, merenda escolar e formação continuada são executadas pelo sistema educacional, e não pela escola.

Todavia, o trabalho investigativo demonstra que a escola tem a gestão da autonomia financeira e administrativa para decidir entre o que é permitido pelo PMDE e definir suas prioridades para execução na escola.

Nesse cenário, destacamos ainda que, na execução dos programas de dinheiro direto na escola, por se tratar de dinheiro público, existem normas de Direito Financeiro Público e Direito Tributário para serem seguidas pelo CE ao exercer funções de UEx. Além de obedecer aos limites para os valores de custeio e capital, o CE, como pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, deve cumprir obrigações acessórias tributárias no âmbito federal, tais como: apresentação anual da Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF); Declaração de Isenção do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (DIPJ); e Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). No âmbito municipal, ao contratar serviços, o CE também se obriga a reter e recolher o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e, no âmbito federal, reter e recolher também a contribuição previdenciária para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF).

Não constitui objeto deste artigo averiguar se o CE realiza essas obrigações tributárias. Porém, em relação a essa realidade, gostaríamos de acrescentar que os diretores relataram uma enorme dificuldade para cumprir essas obrigações tributárias. No relato destes, como a formação pedagógica não abrange disciplinas financeiras e tributárias, a SME deveria promover capacitações nessas áreas, além de disponibilizar setores contábeis que proporcionassem o suporte necessário para a realização dessas obrigações tributárias. O alerta segue no sentido de que, caso esse aspecto tributário não esteja sendo cumprido, ou o esteja de forma errada, os órgãos fiscalizadores do

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governo, um dia, podem apresentar a conta. Nesse caso, o CE, como executor primário, será o primeiro a recebê-la.

Essa nova realidade constata a afirmação de Peroni (2007) de que a burocracia estatal foi ressignificada, redistribuindo as funções e atribuindo atividades que antes a escola não possuía, o que faz com que, ao ampliar suas funções, integrando a gestão financeira, passe a vivenciar os problemas e obrigações característicos do exercício dessas funções.

Para além das dificuldades em cumprir as retenções, recolhimentos e obrigações tributárias, as observações e relatos demonstram que o PMDE é muito bem avaliado, ainda que sejam ressaltadas as excessivas exigências burocráticas da execução e da prestação de contas dos recursos. Para os entrevistados, os resultados do Programa têm sido altamente positivos. De um modo geral, os inquiridos o consideram como uma conquista importante a ser fortalecida tanto pela escola como pela SME. Um dado a ser enfatizado é que, em ambas as escolas da amostra, a despeito da ausência de uma participação efetiva, o CE representa uma instância importante de participação da comunidade escolar na tomada de decisões sobre as ações internas. Os entraves à participação efetiva surgem como desafios que devem ser superados e nunca como empecilhos ao funcionamento do CE.

Retomando as categorias de gestão democrática, participação e autonomia evidenciadas no trabalho investigativo, os depoimentos revelam muitas e variadas questões relativas à participação, entre elas, destacaremos: 1) pouco entendimento sobre o papel do CE e, sobretudo, dos conselheiros, como no caso dos representantes dos pais e dos alunos, o que transparece uma participação passiva, só presencial, quando muito; 2) devido ao pouco entendimento

sobre as normas e diretrizes do PMDE, a tendência natural é desmotivar-se, é achar “enjoado”, como alega uma mãe; 3) a ação do CE tende a ficar restrita às questões financeiras do PMDE, relegando suas funções deliberativas e consultivas acerca dos aspectos políticos, pedagógicos e curriculares da escola; 4) o reconhecimento, por parte da direção, da falta de regularidade nas reuniões do CE, bem como a tentativa dos gestores em justificar esse fato.

Diante de tais questões, consideramos que, embora haja indícios de democratização da gestão escolar, ainda é muito incipiente a participação da comunidade escolar nas instâncias coletivas, como o Conselho Escolar. A escola precisa criar estratégias adequadas de incentivo e motivação para trazer pais e alunos para as reuniões do CE. A ideia é tentar fazer um trabalho para que se compreenda o sentido de espaço colegiado de decisão para a construção de relações mais democráticas e participativas.

As constatações evidenciadas durante o trabalho empírico delatam um órgão colegiado como o CE funcionando muito mais para gerir o PMDE. Quem mais participa no CE é o diretor, o presidente e o segmento docente. Alunos e pais têm participação incipiente e tímida, demonstrando desconhecimento da importância de participar no processo de tomada de decisão. A despeito desses problemas, a avaliação do PMDE nas escolas da amostra foi positiva e, além de abrir espaços para participação e autonomia, representa também a possibilidade de obter melhores equipamentos, melhorias nas instalações físicas e maior variedade de recursos pedagógicos.

Por fim, vale destacar a responsabilidade que assumem os membros do CE, principalmente a pessoa eleita como presidente, que tem seus dados cadastrados junto à Receita Federal do Brasil (RFB) para representar uma empresa privada, inclusive

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assinando cheques e assumindo riscos de ressarcir valores financeiros ao Poder Público, caso haja problemas na prestação de contas. Esse panorama tem causado grandes dificuldades para as escolas conseguirem eleger e compor a diretoria do CE. Assim, é preciso considerar que essa dificuldade pode trazer sérios transtornos ao funcionamento das escolas, visto que, se estas não constituírem o CE com o devido registro no cartório, cadastro do CNPJ na Receita Federal do Brasil e habilitação bancária para movimento da conta corrente, não receberão o repasse do PMDE e de nenhum outro programa de dinheiro direto na escola.

Principais problemas, vantagens e sugestões

A finalidade deste item consiste na explicitação dos pontos de vista apresentados pelos sujeitos da pesquisa, sejam vinculados ao sistema, sejam ligados às escolas. Refere-se, pois, às concepções, às opiniões, às impressões e aos envolvimentos desses sujeitos no processo de implementação do PMDE, bem como, na maioria dos casos, à execução do período em que aconteceram as entrevistas nas escolas e no sistema. Trata-se, portanto, da avaliação que membros das UEx e representantes do sistema educacional que trabalham diretamente com o PMDE fazem acerca do processo de implantação e da execução do Programa e de seus impactos sobre a gestão escolar. O aspecto avaliativo discorre ainda acerca da conexão escola-sistema, observando a relação escola-comunidade, a organização da própria escola e a qualidade do ensino.

Nesse sentido, a avaliação da eficácia do PMDE deve ser pensada em termos de como

os atores educacionais envolvidos diretos e indiretamente vivenciam sua execução, dimensionada pelo grau de ingerência ou não dos órgãos do sistema que orientam a gestão escolar e as UEx na condução do Programa.

Sob essa ótica, entre as vantagens apresentadas, boa parte dos entrevistados afirma que o PMDE possibilitou maior participação e democratização da gestão da escola. Fala-se de transparência, de autonomia, de compromisso, de maior poder de decisão. Outro aspecto destacado diz respeito ao gerenciamento dos recursos, isto é, ao fato de que o repasse do dinheiro é feito diretamente para a escola, e à liberdade que esta tem para elencar suas prioridades, implicando também a solução de problemas imediatos.

Em menor grau, aparece a ideia de que o PMDE permite maior aproximação da comunidade escolar na discussão sobre a aplicação dos recursos, fazendo com que seja chamada a opinar nas tomadas de decisões. No depoimento de um pai, “a comunidade sabe que a escola recebe dinheiro e quer saber também o que foi comprado com esse dinheiro”.

Outro aspecto compreendido como vantagem proporcionada pelo PMDE é a melhoria das condições de manutenção dos equipamentos e de funcionamento das escolas. Desse modo, afirma-se que o ambiente de trabalho reúne melhores condições, pois a estrutura física melhorou bastante e a aquisição de material é muito mais funcional em relação às demandas da escola. Na fala dos diretores escolares, com o PMDE é possível decidir o tipo de material (limpeza ou pedagógico), a quantidade e a marca que vai ser adquirida. Em relação aos bens de capital, o diretor afirma que é permitido à escola decidir se compra um televisor ou uma filmadora. A vantagem

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é que quem vai dar a palavra final é o levantamento das prioridades realizado no âmbito da escola, e não o sistema de ensino, como era feito, antes da implementação do PMDE.

No que concerne aos problemas, de modo geral, os sujeitos asseveram que, embora necessários, os recursos repassados pelo PMDE são insuficientes para os fins a que se propõem. Igualmente, a fixação dos percentuais das rubricas para custeio e capital é visto pelos entrevistados como limitadores na efetivação de algumas ações das Unidades Executores. Na opinião dos gestores escolares e presidentes do CE, seria bom que fosse permitido à escola definir os percentuais de custeio e capital9 de acordo com suas necessidades e prioridades.

Outro problema destacado fortemente e de forma unânime pelos sujeitos da pesquisa diz respeito à prestação de contas. Nesse caso, fala-se da pouca familiaridade dos membros do CE e da própria gestão da escola com cálculos e exigências contábeis, além da falta de tempo.

A pesquisa de preços, no entanto, constitui o principal problema, de acordo com os sujeitos da pesquisa. Essa dificuldade surge devido ao fato de o PMDE não prever gastos de deslocamento para a realização da pesquisa de preços. O preenchimento do formulário da planilha de pesquisa, a entrega do orçamento em papel timbrado devidamente carimbado e assinado pelo estabelecimento comercial e a exigência das certidões negativas da Previdência Social (INSS) e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) aparecem como um grande limitador da pesquisa de preços, pois nem todos os estabelecimentos comerciais estão legalizados para atender essas exigências. Além disso, segundo o presidente do CE da escola (A), a incerteza quanto à efetivação das compras faz com que alguns comerciantes

se neguem a preencher a planilha de preços e de entregar as certidões acima referidas.

Outro destaque considerado problemático refere-se ao atraso no cronograma de desembolso dos recursos do PMDE. Nesse aspecto, os entrevistados destacaram duas dificuldades: a primeira se refere ao tempo decorrido entre a aprovação do PAF e o repasse do Programa, pois os preços aprovados no PAF podem sofrer alterações devido ao lapso temporal decorrido para a efetivação das compras; a segunda se refere ao fato de o recurso ser liberado somente a partir do início do segundo semestre letivo (julho ou agosto) – de acordo com os entrevistados, nesse período, o estoque de materiais feito por ocasião do repasse anterior já tem acabado, o que prejudica o funcionamento da escola.

Os sujeitos da pesquisa fizeram uma série de sugestões para que o Programa fosse mais adequado às aspirações e necessidades das escolas, sendo a mais frequente a de que os recursos do PMDE devam ser ampliados, isto é, deve-se aumentar o valor per capita por aluno10.

Outra sugestão unânime, que soou mais como uma exigência, foi a de que haja um setor de assessoria contábil e jurídica que possa auxiliar e instruir a gestão da escola e a Unidade Executora tanto na execução do recurso como na organização dos documentos que compõem a prestação de contas. De acordo com o presidente do CE, essa assessoria seria de ajuda fundamental, principalmente na realização das retenções e recolhimentos dos impostos, bem como na realização das obrigações acessórias exigidas na legislação tributária.

Sugere-se a redução das exigências burocráticas do PMDE. Faz-se referência, principalmente, ao processo de aquisição dos materiais de custeio e bens de capital e à prestação de contas. Da mesma forma,

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reivindicam-se programas de capacitação permanente do núcleo gestor da escola e dos membros dos Conselhos Escolares.

Considerações finais

Este artigo se propôs a investigar o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (PMDE) como expressão das mudanças ocorridas na formulação e implementação das políticas públicas educacionais relativas às conexões entre gestão democrática do ensino, autonomia da escola e Conselho Escolar com função de Unidade Executora (UEx). Acreditamos que o PMDE materializa essas mudanças quando se relacionam estas transformações ao campo educacional e, mais especificamente, quando identificamos o Programa nas redefinições ocorridas nas propostas de financiamento e gestão escolar.

No bojo dessas redefinições, a responsabilidade pela execução das políticas sociais deveria ser repassada para a sociedade por meio da privatização (mercado) ou da constituição de uma esfera híbrida denominada de público não estatal ou terceiro setor, como preferem chamá-lo Peroni e Montaño. Essas propostas presentes no projeto de reforma do Estado brasileiro foram justificadas no discurso do governo simplesmente porque as políticas sociais são consideradas serviços não exclusivos do Estado e, assim sendo, de propriedade pública não estatal ou privada.

Assim, ainda considerando o contexto das redefinições da política educacional, o PMDE apresenta-se como um forte instrumento para o avanço no processo de implantação das organizações sociais (OS) no âmbito da educação básica do município de Fortaleza, exemplificando a opção governamental de, em nome da gestão democrática, descentralização e da flexibilização, transferir parte das políticas públicas de financiamento da educação para a esfera pública não estatal. Esse aspecto é facilmente constatado, se

considerarmos a instituição dos Conselhos Escolares como empresa jurídica de direito privado sem fins lucrativos. Ora, a obrigatoriedade da instituição dos Conselhos Escolares em empresa privada segue os ditames da terceira via proposta por Giddens (2005) e da publicização defendida no Plano Diretor de Bresser Pereira e FHC. Portanto, aplicam-se nesse contexto as críticas contundentes de Montaño (2010), Peroni e Adrião (2007) e Dourado (2005) de que a política da terceira via segue a tese de que a crise está no Estado.

Nessa perspectiva, o discurso de gestão democrática, participação e autonomia da unidade escolar, defendido na implantação do Programa, como uma das formas de ampliação da participação, historicamente assumida como possibilidade de a sociedade civil exercer o controle democrático sobre o Estado, é ameaçado pela limitação do emprego das energias de usuários e profissionais na assunção de tarefas técnicas, burocráticas e gerenciais. Comprova essa tendência a ausência de políticas indutoras ao fortalecimento dos Conselhos Escolares, como órgãos de gestão colegiada das unidades escolares, ou mesmo a inexistência de ações que estimulem a solidariedade e ação coletiva no âmbito das escolas ou nos sistemas de ensino.

Por outro lado, em um contexto educacional onde, ou não havia quaisquer mecanismos democráticos de gestão, ou, se havia, estes eram incipientes, o PMDE parece ter contribuído para sua institucionalização, inclusive induzindo a incorporação da presença de todos os segmentos escolares em seu funcionamento. Tal constatação não deixa de indicar um relativo avanço, principalmente, quando a escola estabelece um cronograma sistemático de reuniões. Se não tivesse a “motivação” do repasse

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do Programa, possivelmente as escolas continuariam sem qualquer tipo de mecanismo coletivo de participação.

Diante dessas considerações, é justo ressaltar que o PMDE evidenciou aspectos positivos. Dentre estes, podemos citar a possibilidade real de participação coletiva dos diversos segmentos que compõem o Conselho Escolar, assim como a autonomia financeira da escola, que é uma bandeira de luta histórica dos educadores. Precisamos reconhecer que o PMDE, se tiver sua execução balizada nos princípios democráticos, pode permitir às unidades escolares espaços de liberdade, na medida em que lhes proporciona os recursos necessários para escolher o que adquirir para o cumprimento do seu projeto político-pedagógico.

Finalmente, nesse novo cenário de redefinições das políticas educacionais, a reflexão deve prosseguir no sentido de que a descentralização do financiamento da educação pública municipal, desdobrada em programas de dinheiro direto na escola, como o PMDE, não pode se constituir em porta aberta à privatização do ensino. É como afirma Romão (2004), a luta da sociedade civil deve prosseguir no sentido de garantir à escola pública o caráter estatal quanto ao seu financiamento; o caráter democrático quanto à sua gestão; e o caráter público quanto à sua destinação e avaliação.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 91

Resumen: El objetivo de este artículo es hacer consideraciones evaluativas acerca del Programa de Mantenimiento y Desarrollo de la Educación (PMDE), en el contexto de la reforma educacional brasileña y sus implicaciones para la gestión de la escuela pública en la ciudad de Fortaleza. La intención era percibir los elementos indicativos de las categorías en que se basaran para la creación del programa – descentralización, transparencia, participación, autonomía y gestión democrática – presentes en la implementación y ejecución del programa y en la vida cotidiana de las escuelas públicas municipales. La metodología de la investigación tomó en cuenta las peculiaridades de las escuelas elegidas, las relaciones de poder y las características especiales que están presentes en la materialización de esta política del gobierno. La investigación se llevó a cabo en dos unidades: una escuela perteneciente a la Secretaría Ejecutiva Regional (SER I) y otro a la SER VI. Al final presentamos una síntesis del marco referencial de análisis y los puntos destacados en el curso de la investigación, tales como: la relación público/privado, la gestión democrática y descentralización/centralización.

Palabras-clave: Avaliação, educação, autonomia, gestão democrática.

Résumé: L’objectif de cet article est de tisser des considérations évaluatives sur le Programme pour l’Entretien et le Développement de l’Éducation ( PMDE*), dans le cadre de la réforme de l’éducation du Brésil, et sur ses implications pour la gestion des écoles publiques de Fortaleza. On a cherché à énumérer les possibles éléments indicatifs des catégories qui ont soutenu la création du programme - la décentralisation , la transparence , la participation , l’autonomie et la gestion démocratique - présents lors de la mise en œuvre et l’exécution du Programme et aussi dans le quotidien des écoles publiques. La méthodologie de recherche a pris en compte les particularités des écoles de l’échantillon, les rapports manifests de force et les spécificités présentes dans la matérialisation de cette politique gouvernementale. La recherche a été menée dans deux unités scolaires appartenant à deux sections de sous-division administrative municipale: SER I et SER VI. À la fin, nous présentons une synthèse du point de repère d’analyse et des points mis en évidence au cours de la recherche, tels que la relation public / privé, la gestion démocratique et la décntralisation / centralisation .

Mots-clés: évaluation , éducation, autonomie et gestion démocratique.

Notas

1 Dentre estas, podemos citar o Bird, BID e o FMI.

2 Como exemplo é pertinente citar a política de descentralização financeira da educação, que segue fortalecida, com a abrangência do PDDE para toda a educação básica, bem como a criação de novos programas de dinheiro direto na escola (Mais Educação e Escola Aberta).

3 Além da aprovação, entre outras, da Lei n.º 12.101, de 27 de novembro de 2009. Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social. Para aprofundar os embates teóricos da terceira via, consultar o trabalho de Giddens, intitulado “A Terceira Via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da socialdemocracia”.

4 Fonte 100 – Recursos Ordinários; Fonte 101 – Recursos destinados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino; Fonte 104 – Transferências do FUNDEF; Fonte 105 – Contribuição do Salário Educação; Fonte 109 – Transferências do FNDE; Fonte 146 – Operações de Crédito Internas; Fonte 181 – Recursos de Convênios; e Fonte 187 – Recursos de Convênios da Educação.

5 A Portaria n.º 448, da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda – STN/MF, de 13 de setembro de 2002, define no artigo 2.º que Material Permanente é aquele que, em razão de seu uso corrente, não perde a sua identidade física, e/ou tem uma durabilidade superior a dois anos.

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6 A Portaria n.º 448, da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda – STN/MF, de 13 de setembro de 2002, define no artigo 2.º que Material de Consumo é aquele que, em razão de seu uso corrente e da definição da Lei n.º 4.320/64, perde normalmente sua identidade física e/ou tem sua utilização limitada a dois anos.

7 Quando nos referimos a materiais, falamos de despesas de Custeio; ao nos referirmos a bens, o destaque segue para despesas de Capital.

8 A SME e as escolas convencionaram chamar essa assembleia de reunião para a lavratura da Ata de Prestação de Contas.

9 Como visto em itens anteriores, o Convênio do PMDE já repassa os recursos com as rubricas de custeio e capital estabelecidas em 70% e 30%, respectivamente.

10 No Convênio referente ao ano de 2010, consta o valor de R$ 48,00 por aluno matriculado na Educação Básica e R$ 130,00 por aluno matriculado na Educação Infantil.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 93

Políticas públicas, redes sociais e trajetórias pessoais: uma etnografia do ProJovem Adolescente

Public policies, social networking and personal development: an ethnography study of ProJovem Adolescente

Políticas públicas, redes sociales y trayectorias personales: una etnografía del ProJovem Adolescente

Les politiques publiques, les réseaux sociaux et le développement personnel: une ethnographie du programme ProJovem Adolescente

Hildon Oliveira Santiago Carade*

Resumo: Este artigo é fruto de uma etno-grafia realizada em turmas de beneficiários do ProJovem Adolescente, localizadas no Alto das Pombas, bairro popular da cidade de Sal-vador. Meu objetivo é investigar as relações entre a implementação de políticas públicas e a trajetória pessoal de determinados atores. Para tanto, grande destaque será dado ao circuito de relações estabelecidas pelo pro-grama, quais sejam, a sua inserção no bairro, as relações com a família, com as instituições públicas e o poder local. Este estudo almeja estabelecer uma abordagem alternativa às análises baseadas na eficácia e/ou eficiência de uma política pública, interessando-se em saber como os indivíduos produzem, repro-duzem e ressignificam a produção estatal. Como conclusão, aponto para a importância da análise da trajetória dos indivíduos e das redes sociais se se quiser entender as tramas que emergem durante o processo de imple-mentação de uma determinada política.

Palavras-chave: políticas públicas, juventu-de, ProJovem, redes sociais, trajetória pessoal.

Abstract: This article is the result of an ethnography conducted in classes of beneficiaries ProJovem Adolescente, located in the Alto das Pombas, popular neighborhood of Salvador. My goal is to investigate the relationship between the implementation of public policies and personal history of certain actors. Therefore, great emphasis will be given to circuit relations established by the program, namely, its insertion in the neighborhood, relations with family, with public institutions and local authorities. This study aims to establish an alternative approach to the analysis based on the effectiveness and/or efficiency of public policies, interested in knowing how individuals produce, reproduce and reframe state production. In conclusion, I point to the importance of analyzing the trajectory of individuals and social networks if you want to understand the plots that emerge during the process of implementation of a given policy.

Keywords: public policies, youth, ProJovem, networks, personal history.

* Mestre em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutorando em Antropologia pela mesma universidade. E-mail: [email protected]

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Este artigo1 propõe uma reflexão sobre a

relação entre políticas públicas, redes sociais e trajetórias pessoais. Tive como campo em-pírico o contexto de implementação do Pro-Jovem Adolescente, um dos quatro eixos do Programa Nacional de Inclusão de Jovens, no bairro do Alto das Pombas, uma das muitas áreas desprivilegiadas da cidade de Salvador. Porém, no início desta pesquisa, o ProJovem Adolescente ainda não operava com esta no-menclatura. Explico. Este projeto nada mais é do que a reformulação do Programa Agen-te Jovem. Logo, para compreender o proces-so de implantação do ProJovem Adolescente no citado bairro, proponho um mergulho no processo de transição no modelo de provisão à juventude, ocorrido no país entre os anos de 2007 e 2008. Neste trajeto, ficará mais claro ao leitor o que são estes programas e de que forma eles foram mobilizados pelos atores que deles participaram. Eis aí a inter-secção entre políticas sociais e a biografia de determinados sujeitos.

Articulando-me em torno da ideia de mediação, atino para a possibilidade de articular os extremos tidos como irreconciliáveis pela cultura brasileira, a saber, o Estado e a sociedade, os poderosos e os despossuídos, enfocando, desta forma, os sujeitos que transitam em diversas esferas sociais, pilhando ideias, estilos de comportamento, retóricas políticas e práticas sociais. Nos termos de Velho e Kuschnir (2001), estaríamos lidando com brokers:

Os indivíduos, especialmente em meio me-tropolitano, estão potencialmente expos-tos a experiências muito diferenciadas, na medida em que se deslocam e têm contato com universos sociológicos, estilos de vida e modos de percepção da realidade distin-

tos e mesmo contrastantes. Ora, certos in-divíduos mais do que outros não só fazem esse trânsito mas desempenham o papel de mediadores entre diferentes mundos, estilos de vida e experiências (Velho e Kus-chnir, 2001, p. 20).

Veremos, no decorrer desta análise, que Benedito, orientador social do ProJovem Adolescente no bairro do Alto das Pombas, desempenhou um papel deveras importante no tocante à implementação do projeto, o que por vezes acarretava um amalgamento entre a sua trajetória pessoal e os destinos do programa. Neste sentido, evita-se pensar a implantação de uma política pública como algo restrito às altas esferas estatais, como se fosse uma ação insulada, incapaz de apreender as configurações sociais dos locais onde ela é estabelecida.

Assim, embora as políticas para a juventude sejam o palco das ações, eu não almejo uma análise de cunho avaliativa, cujo interesse seria tentar estipular os pontos positivos e negativos das iniciativas. Pretendo, pois, analisar como os atores interpretam, alteram e ressignificam aquilo que foi estabelecido em um desenho institucional de política social, atentando para a interação entre as disposições normativas e as ações dos sujeitos que vivenciam um determinado processo. Os dados etnográficos foram coletados no quadriênio 2008-2011. Vejamos, pois, toda a teia de relações suscitada pela implementação de políticas públicas no bairro do Alto das Pombas. Comecemos com os primórdios da realização desta iniciativa no bairro, quando o ProJovem Adolescente ainda não operava com esta nomenclatura.

Introdução

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Quando o ProJovem Adolescente ainda se chamava Programa

Agente Jovem

Grosso modo, o Programa Agente Jovem, doravante PAJ, constituía-se em uma das provisões estabelecidas pelo Estado – a partir da fusão das três esferas governamentais em torno das responsabilidades pela execução do projeto (o governo federal era responsável pela dotação orçamentária, ao passo que as instâncias estadual e municipal se ocupariam da execução do projeto) – endereçadas aos adolescentes na faixa de 15 a 17 anos de idade, que estariam enquadrados na frouxa categoria “jovens em situação de risco e vulnerabilidade social”. O objetivo do programa era formar jovens conscientes do seu papel enquanto cidadãos ativos, transformando-os, pois, em “protagonistas sociais” capazes de modificar e melhorar, a partir do efeito multiplicador, as condições de vida local (Brasil, 2000). O projeto baseava-se na metodologia da capacitação teórico-prática com duração de doze meses, cujo conteúdo teórico compreendia carga horária mínima de 300 horas/aula, e o prático envolvia a atuação do jovem na comunidade. A ementa do projeto previa dois tipos de núcleos: o básico, em que seriam abordados temas que despertassem a autoestima do jovem e o específico, que contemplava a ação comunitária nas áreas de saúde, cidadania e meio ambiente (Brasil, 2000).

O grupo etnografado era formado por vinte adolescentes (oito moças e doze rapazes), que eram assistidos por Benedito (nome fictício), orientador social do programa e

líder comunitário do bairro Alto das Pombas. Com seu pulso firme e carisma, trafegando na linha tênue entre a “autoridade” e o “afeto”, conforme discutido por Myriam Lins e Barros (1987), Benedito era o responsável por este núcleo do projeto [em Salvador havia cerca de 50 núcleos do programa], por sua inserção no bairro e fora dele.

A partir da leitura do desenho institucional do programa, pude observar algumas diferenças entre aquilo que o projeto preconizava e aquilo que de fato ocorria no âmbito do PAJ/Alto das Pombas. Primeiramente, a figura do orientador social deveria ser alguém que tivesse uma formação em nível superior. Todavia, Benedito mal havia completado o Ensino Médio. “A Prefeitura escolhe alguém do bairro mesmo para evitar os gastos com o transporte” – disse ele. Em verdade, o orientador social desempenhava um papel central em toda a trama. E aqui se desenrola a trajetória de mediação estabelecida por Benedito. Era ele quem ministrava todos os conteúdos pedagógicos do PAJ, embora o projeto estipulasse a existência de pedagogos que cumpririam as cargas horárias destinadas a assuntos referentes ao meio ambiente, à saúde e à participação social; era ele quem detinha o poder classificatório, nos termos de Bourdieu (1989), no tocante à seleção dos jovens a serem beneficiados pelo projeto, redefinindo a letra oficial do programa, retirando do rol de critérios de admissão a categoria “renda familiar” (os adolescentes deveriam ser provenientes de famílias com renda per capita de até meio salário mínimo) para adotar o princípio, por assim dizer, mais subjetivo do “engajamento” dos adolescentes (“entram aqui os jovens mais interessados” – dizia ele); era Benedito,

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na qualidade de presidente da associação de moradores local (cargo que era por ele exercido à época), quem reorientava as ações dos adolescentes em prol da realização de atividades comuntárias; era ele, enfim, quem traçava os destinos do projeto.

Desta forma, paulatinamente, a implementação desta política pública foi diferindo sobremaneira daquilo que estava estabelecido em seu projeto. Como interpretar esta discrepância? Uma rápida espiadela por entre os estudos dedicados às políticas públicas nos informa que a distinção entre o “projeto” e a “vida real” afigura-se como uma regularidade sociológica. Hegemonicamente, a grande premissa metodológica destas pesquisas é analisar as políticas públicas a partir de seus pressupostos, com o intuito de diagnosticar a sua eficácia e/ou eficiência. Trata-se, desta forma, de análises institucionais e/ou programáticas de uma dada política, sublinhando sobremaneira o momento da implementação como chave explicativa para a avaliação destes programas, estabelecendo um modelo dicotômico de análise: o que era para ser feito e o que foi realmente feito. Assim, o momento de implementação de uma política (policy-executing process) equivaleria à sua formulação (policy-making) (Wedel et al., 2005).

No tocante às políticas públicas para a juventude, associa-se à premissa metodológica acima apresentada uma construção teórica a respeito da categoria juventude, forjada no campo da Sociologia. Trata-se da assertiva de ser a juventude uma “construção social”. Apesar de a entrada da juventude se fazer pela fase nomeada de adolescência e comportar algumas transformações biológicas, psicológicas e de

inserção social, a “construção social” desta categoria se revela na maneira variada com que as sociedades e os períodos históricos lidam e representam este momento. Esta pluralidade se concretiza nas condições sociais (classes sociais), culturais (identidades étnicas, filiações religiosas, visões de mundo), de gênero, nas regiões geográficas, dentre outros. Nessa perspectiva, não se pode tipificar rigidamente a juventude como um período que tem um começo, um meio e um fim. Tampouco, podemos afirmar a existência de apenas uma maneira de ser jovem. Logo, não existe uma “juventude”, mas juventudes, no plural (Pais, 1993; Margulis e Urresti, 1996; Abramo, 1997; Carrano, 2002; Sposito e Carrano, 2003; Dayrell e Gomes, 2005).

Neste diapasão, algumas iniciativas, por parte do poder público, de inclusão social de jovens em situação de risco foram criticadas devido, principalmente, a dois motivos: ao desvirtuamento dos objetivos dos programas no momento de sua implementação e às bases frágeis – no caso, os pressupostos [quando, sub-repticiamente, pretendem ocultar as desigualdades de classe vigentes na sociedade] – que os assentavam. A primeira crítica diz respeito ao modo como o projeto estaria sendo executado; a segunda, ao modo como ele teria sido pensado. Alguma coisa escapava destas análises gerencialistas, preocupadas demasiadamente com as questões institucionais de uma dada política pública.

Retomo Durkheim (1978), em sua afirmação de que nenhuma instituição humana poderia estar assentada em um engano. Algo que se afigura como uma regularidade sociológica não pode se configurar como um erro. Assim, eu

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teria, pois, de compreender os padrões de implementação do Programa Agente Jovem, não valorando a diferença entre o que foi estipulado em seu desenho institucional e o que de fato ocorria. Ao analisarem uma política a partir de seus fins, os autores acima citados negligenciaram a vivência dos indivíduos que estiveram inseridos em um determinado projeto. Ao se moverem em um terreno normativo, eles não lograram uma compreensão da ação humana. Quando esta foi mobilizada, foi apenas para demonstrar como a prática forja orientações que, por vezes, negam ou reafirmam as intenções contidas nas orientações iniciais.

Assim, resolvi colocar entre parênteses os objetivos propostos pelo programa. Tendo por inspiração os trabalhos de Damo (2006) e Cravino et al. (2002), optei por não discutir as premissas do PAJ em si mesmas, quais sejam, o conjunto de valores que visam formar o “cidadão-participante”, mas demonstrar como o projeto se realizava, efetivamente, em meio a configurações sociais concretas, preocupando-me não com o “ator político”, mas com o “ser-no-mundo”. Desta maneira, analisei a forma como o programa foi experienciado pelos diversos atores que giravam em sua órbita, numa resposta às análises de cunho gerencialista, mais preocupadas com os critérios administrativos de eficácia e/ou eficiência de uma política pública. Desta opção teórico-metodológica, o programa foi interpretado como uma outra atividade mundana qualquer, povoada por romances, intrigas, desavenças e tensões.

De fato, os autores que se dedicaram aos estudos sobre as políticas públicas para a juventude já haviam atinado para o quão multifacetada é esta categoria social. Assim, eles creditaram a ineficiência das

políticas públicas a esta falta de percepção das diversas identidades grupais às quais se inscrevem os jovens, advindas, notadamente, das suas disposições de gênero e raça, das suas vivências de classe e das suas filiações culturais (UNESCO, 2004; Castro, 2004). Todavia, essa linha de raciocínio termina por reificar a alteridade, como se o fato de os jovens pertencerem a grupos distintos impedisse o comum acordo entre eles. Ademais, a identidade não é criada apenas por processos de engajamento político e cultural. Ela também surge a partir de um conjunto de afetos.

Desta forma, pude entrever o sentido da participação política para esses jovens. Percebi que a dinâmica das relações do grupo concorria para o engajamento ou não dos atores nas atividades do programa. A emoção, a afetividade, as desavenças – esses elementos tão comuns da vida humana, geralmente não mencionados nos projetos de políticas públicas (que apresentam a vida humana apenas em termos de racionalidades e necessidades formais) – são tão ou mais potentes do que a razão e as questões pragmáticas, identitárias e institucionais. Não era um cogito revolucionário que os movia; era uma pragmática das emoções e dos sentimentos humanos. Neste sentido, as emoções aparecem como um duradouro elemento político. Neste momento, eu gostaria de sublinhar o fato de a implementação de uma política pública não se realizar em um terreno “neutro”, desprovido de relações sociais. A história da gênese do PAJ, em sua unidade no Alto das Pombas, se confunde com a história pessoal de seu orientador social. Este fato trouxe grandes consequências para a dinâmica do programa em sua inserção no bairro.

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enquanto produto de uma observação e como tal só pode adquirir sentido na sociedade se esta for comunicada” (Ramos, 2006, p. 132). Se não temos a noção de que a ação tem se realizado no mundo, esta não possui significação para o mundo social. Só quando é comunicada, a ação passa a ser uma realidade para a sociedade. Logo, uma política pública é também um fenômeno da comunicação. É enquanto fenômeno da comunicação que o PAJ aparece no bairro Alto das Pombas como o “curso de Benedito”. Como já mencionei anteriormente, um dos poderes pelos quais Benedito era investido como principal mediador do programa era, nos termos de Bourdieu (2009), o poder classificatório. Além da categoria “jovens não engajados”, um outro critério de exclusão era o fato de o adolescente pertencer ao grupo de jovens da Igreja, dada a sua rivalidade para com esta agremiação. Essa rivalidade guarda suas origens no passado religioso de Benedito. Foi na paróquia católica do bairro onde ele deu seus primeiros passos no âmbito do ativismo político, filiando-se ao grupo que ele um dia iria se opor. Trata-se do grupo de jovens ligado ao movimento carismático da Igreja. Benedito nunca me explicou ao certo porque ele resolveu abandonar a entidade. Sempre gostava de afirmar que as pessoas eram pouco engajadas, o que contribuiu para o seu afastamento.Uma vez liderando seu próprio grupo de jovens (pelo menos era assim que o programa era visto no bairro), Benedito foi estipulando as suas medidas, de modo a se impor perante o outro grupo. “No primeiro ano do programa eu deixei algumas vagas para essas pessoas, mas todas as nossas atividades eles queriam sabotar” – disse ele. Embora afirmasse que a participação de um jovem no movimento religioso se caracterizasse como um critério de exclusão para o PAJ, alguns dos adolescentes do programa nutriam esta dupla filiação, talvez como uma forma de

Da amálgama entre políticas públicas e trajetórias pessoais

Apesar de o PAJ ter sido criado em plena segunda gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (mais precisamente no ano de 2000), ele só veio a ser implantado no Alto das Pombas em 2005. Benedito foi a figura central para a existência desta unidade do projeto. Estávamos no início do mandato do então prefeito João Henrique Carneiro; e o Partido dos Trabalhadores (PT) era uma das legendas políticas que fazia parte da base de sustentação do seu governo. Benedito era ligado a partidários e políticos profissionais desta agremiação. Um deles é o deputado Yulo Oiticica, cuja bandeira de luta gira em torno de temas ligados à juventude. Yulo Oiticica havia prometido a Benedito, inicialmente, a inclusão de alguns adolescentes na turma do PAJ, no bairro do Engenho Velho da Federação (turma para qual Benedito prestava serviços técnicos em informática). Tal não foi a surpresa de Benedito quando soube que havia sido criado uma turma específica para o bairro do Alto das Pombas. Neste dia, ao se encontrar com o deputado e ouvir as boa novas, ele teria chorado de alegria. “Eis aqui uma turma só para você”, teria dito o deputado. Enfim, o PAJ/Alto das Pombas surgiu como uma espécie de “dádiva” de Yulo Oiticica.Uma vez no Alto das Pombas, o programa foi inserido na lógica de apoios e oposições à Benedito. Ora, de acordo com o antropólogo Hugo Cadenas Ramos, segundo a teoria social clássica, a sociedade se compõe, se não de pessoas, ao menos de ações encarnadas. Assim, é compreensível que os paradigmas sobre as políticas públicas utilizem o conceito de ação como uma forma de entender as relações entre Estado e sociedade. No entanto, “a ação social só pode aparecer

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melhor espionar o que acontecia no gramado vizinho. Contudo, ele não poupava críticas para esse grupo de jovens, mesmo ante à presença dos adolescentes que ostentavam o duplo vínculo. Em relação a Marcelo, o líder do grupo, Benedito tinha uma enorme ojeriza à sua figura, talvez pelo fato de ele namorar Agripina, sua ex-namorada. Assim sendo, temos de ficar atentos à trajetória dos atores, se quisermos compreender a dinâmica de implementação de uma política pública. No caso do PAJ/Alto das Pombas, posso afirmar que o programa estava entregue à própria sorte, a partir das iniciativas do próprio Benedito. Quando o programa ficou sem espaço físico onde pudessem ser realizadas as atividades pedagógicas, tendo-se em vista mais uma das desavenças de Benedito [desta vez foi com o padre que terminou por expulsar o PAJ das cercanias da Igreja], ele encontrou na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA [localizada em uma área fronteiriça ao bairro do Alto das Pombas] um bom lugar onde ele pudesse dar continuidade às atividades do projeto. A centralização do programa em torno da figura de Benedito explica o que com ele aconteceu após as reformulações estabelecidas pelo Governo Federal, quando o PAJ passou a operar com a nova nomenclatura, qual seja, Projovem Adolescente.

A conversão para o ProJovem Adolescente

Com as mudanças no desenho institucional do programa, pude compreender, de uma maneira mais acurada, as interações entre os atores e as instituições estatais (em especial, a produção normativa do Estado). Eis o que se sucedeu com o PAJ.

Em meados de julho de 2008, algumas mudanças de cunho institucional alteraram

os destinos do PAJ. Com a reestruturação do conjunto de programas que compõem a política de proteção social para a juventude, o PAJ foi incorporado ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária (ProJovem). Originalmente, o ProJovem foi implantado em 2005, tendo por objetivo a inclusão social de jovens de 18 a 24 anos, visando à integração entre o aumento da escolaridade, a qualificação profissional e a participação sociopolítica.

Porém, em 2007, após amplo processo de avaliação, o ProJovem se reorganizou e ampliou o seu raio de atuação. Em linhas gerais, o projeto foi integrado ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Este, por sua vez, é uma prerrogativa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), cujo objetivo é a integração de todas as ações socioassistenciais patrocinadas pelo Estado, numa espécie de gestão acompanhada e avaliada tanto pelo poder público quanto pela sociedade civil, igualmente representados nos conselhos nacionais do Distrito Federal, estaduais e municipais de assistência social (Brasil, 2008). De acordo com o MDS, o ProJovem transformou-se em uma ação unificada para a juventude, com a participação de várias instâncias ministeriais, destinado aos jovens egressos de outros programas sociais, como, por exemplo, o Bolsa Família e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, ou em estado de “vulnerabilidade social”, independentemente da renda, tendo sido encaminhado pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) – unidades de gestão descentralizadas, que prestam serviços de proteção social – pelo Conselho Tutelar ou pelo Ministério Público. O ProJovem original transformou-se em ProJovem Urbano. Outras três modalidades do programa foram criadas: o ProJovem Campo (reorganização do programa Saberes da Terra, tendo por

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objetivo o acesso e a permanência dos jovens agricultores no sistema educacional) e o ProJovem Trabalhador (unificação dos programas Consórcio Social da Juventude, Juventude Cidadã e Escola de Fábrica, visando à preparação dos jovens ao mercado de trabalho) – todos endereçados a jovens acima de dezoito anos de idade – e o ProJovem Adolescente, reformulação do Programa Agente Jovem, destinado aos jovens de 15 a 17 anos de idade (Brasil, 2008).

Desta feita, em julho de 2008 (após quase um ano de implantação oficial das mudanças), o PAJ do Alto das Pombas, como dos demais núcleos do programa presentes em todo o país, passa a operar com a nova nomenclatura. A conversão para ProJovem Adolescente trouxe consigo certa mudança no perfil dos beneficiários. Eram cerca de 60 jovens, distribuídos em uma turma matutina e outra vespertina, que, comparados à turma anterior (que ainda se chamava de PAJ), apresentavam um perfil socioeconômico menos saudável, para me utilizar do jargão dos economistas.

Aos olhos dos veteranos, os novos beneficiários nada mais eram do que “o pessoal da baixada do Alto das Pombas e adjacências”. A frequência de contatos diários entre Benedito e os adolescentes foi reduzida drasticamente. O programa, que antes consumia as tardes inteiras dos dias úteis da semana, passou a ocupar duas horas diárias de três dias semanais (de segunda a quarta-feira). Benedito também perdeu o controle em torno da remuneração dos jovens. Como o ProJovem é atrelado ao Bolsa Família, outro programa de transferência de renda estipulado pelo governo federal, as mães dos adolescentes passaram a gerenciar o recebimento do benefício. Anteriormente, era Benedito quem detinha a prerrogativa de repassar o benefício aos adolescentes, o que

não deixava de ser uma forma de relação de poder entre os jovens e ele, pois muitas vezes ele se utilizava do expediente de não pagar a bolsa como uma forma de conseguir a obediência dos seus pupilos. Esta mudança no desenho institucional do projeto fez com que, paulatinamente, Benedito fosse perdendo o interesse para com os destinos do programa. Em seu entender, o projeto ficou engessado por rotinas burocráticas, diminuindo o raio de ação dos próprios indivíduos.

De fato, não se tratava de uma situação confortável para Benedito, levando-se em consideração o quanto ele era uma pessoa acostumada a centralizar em torno de si todas as tarefas e atividades das quais participava. Tal centralização, inclusive, teve bastante repercussão para o destino dos projetos sociais por ele coordenados. No transcorrer do meu trabalho de campo, aos poucos, fui notando o quanto a estrutura do ProJovem Adolescente e a estrutura da associação de moradores do bairro, da qual Benedito era presidente, estavam como que imbricadas. O locus para tal amalgamento era o Colégio Municipal Tertuliano Góes, onde, em uma sala emprestada pela diretora da instituição, Benedito atendia em nome da associação comunitária local. No âmbito das atividades da associação dos moradores, alguns adolescentes mais próximos a ele eram recrutados para o auxiliar nas tarefas do bairro. Entretanto, ao se envolverem nestas demandas, eles por vezes se envolviam nos destinos do ProJovem.

Em algumas ocasiões, Benedito transferiu para um dos adolescentes a tarefa de conduzir as atividades pedagógicas do ProJovem. Com o tempo, estas substituições passaram a ser cada vez mais corriqueiras, talvez pelo fato de ter havido algumas mudanças no horizonte político de Benedito. Este saiu fortalecido das eleições municipais.

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A candidata ao Poder Legislativo municipal por ele apoiada, Marta Rodrigues (PT-BA), conseguiu se eleger. Já no alvorecer do ano de 2009, Benedito foi indicado a um cargo no gabinete da sua vereadora. No mês de maio do mesmo ano, o deputado Nelson Pelegrino (PT-BA) assumiu a Secretaria de Justiça do Estado da Bahia. Tal ascensão também o beneficiou, pois a vereadora Marta Rodrigues ganhou status político justamente por meio do mecenato do citado deputado. Resultado: mais um cargo político acumulado por Benedito. Enquanto isso, as duas turmas do ProJovem estavam minguando. Em outubro de 2009, apenas dois adolescentes frequentavam o turno vespertino do programa, o que obrigou o cancelamento prematuro do ano letivo do projeto. No final de 2010, o projeto foi oficialmente extinto, pelo menos no que diz respeito ao núcleo do Alto das Pombas.

Aqui reside, talvez, a chave explicativa do problema. Muitas políticas públicas estão alicerçadas nas bases frágeis do carisma pessoal. Toda a sociologia weberiana sobejamente tem afirmado o quanto o carisma é algo etéreo, que se dissolve no ar, encontrando sérios entraves para a sua transmissão. Ainda que Benedito deixasse a condução das atividades do ProJovem a um dos mais dedicados adolescentes, toda a sua dedicação não conseguiu fazer frente à figura do próprio Benedito. Durante um grande intervalo de tempo, o PAJ, o ProJovem, qualquer que seja a denominação do programa, pôde seguir adiante porque houve um amalgamento entre o projeto social, estipulado pela produção normativa do Estado, e as características pessoais de Benedito. Quando surgiram outras oportunidades, o grupo declinou, tendo-se em vista que o Estado continuava tão ausente quanto antes.

Considerações finais

A execução de uma política pública se insere em um determinado lugar, com uma rede de relações que caracteriza cada espaço social específico, cujas práticas individuais são influenciadas – mas não totalmente determinadas – pelo contexto institucional/estrutural em que se inscrevem as suas ações (Cravino et al., 2001). Desta forma, a implantação de uma política não implica tão somente a incorporação de recursos materiais, mas também a assunção das relações sociais que, por assim dizer, a atravessam.Assim, a ação política proposta pelo ProJovem Adolescente se encontrou associada a outras esferas sociais, tais como a religião, a política eleitoral, o parentesco, a comunidade. Desta forma, para se compreender como os indivíduos experienciam a sua inserção em um projeto de política pública, temos de recorrer à lição deixada por Malinowski e Mauss de que os ditos sistemas sociais se encontram interligados (Peirano, 1998).O padrão das redes sociais se confirmou na dinâmica externa do programa. Estas redes podem ser concomitantemente um fator de apoio ou um fator de desagravo para os indivíduos. No caso em tela, a história da gênese do projeto, em sua unidade no Alto das Pombas, se confundiu com a história pessoal de seu orientador social. Tendo uma carreira pregressa de rupturas políticas, ele trouxe para dentro do programa os ecos conflituosos do passado, suscitados por seu engajamento em projetos de “inclusão” e “profissionalização” de jovens e a sua militância em movimentos sociais. Se o programa era visto pela comunidade como

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“o curso de Benedito”, e não como uma ação do Estado, isto trouxe sérias consequências para a sua dinâmica. Tendo-se em vista ainda que Benedito também era o presidente da Associação dos Moradores, o seu “grupo” emergiu como contraposto a outros grupos, notadamente o grupo de jovens da Igreja Católica.

Por fim, os dados apontam para a grande liçãodeixada por Gilberto Velho (2004), qual seja: a não existência de projetos individuais

“puros”, sem referências a outrem ou ao social. “Os projetos são elaborados e construídos em função de experiências socioculturais, de um código, de vivências e interações interpretadas” (Velho, 2004, p. 26). Desta forma, como sugestão para uma agenda de pesquisa, as trajetórias dos atores se constituem em dados a serem considerados por ocasião da avaliação de uma política pública.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 103

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ARTIGOS INÉDITOS104 JAN/DEZ 2013

Resumen: Este artículo resulta de una etnografía realizada con beneficiarios del ProJovem adolescente, que se encuentran en el Alto de las Pombas, barrio popular de Salvador. El objetivo es investigar la relación entre la aplicación de las políticas públicas y la historia personal de algunos actores. Por lo tanto, es de gran importancia conocer los circuitos de relaciones establecidos por el programa, a saber: su inserción en el barrio, las relaciones con la familia, con las instituciones públicas y las autoridades locales. Este estudio busca establecer un enfoque alternativo para los análisis basados en la eficacia y/o eficiencia de las políticas públicas, interesados en conocer cómo los individuos producen, reproducen y replantean lo propuesto por el Estado. En conclusión, señalo la importancia de analizar la trayectoria de los individuos y de las redes sociales si se quiere entender las parcelas que surgen durante el proceso de aplicación de una determinada política.

Palabras clave: política pública, juventud, ProJovem, redes sociales, trayectoria personal.

Résumé: Cet article est le résultat d’ une ethnographie menée dans des classes de bénéficiaires ProJovem Adolescente, situédans le Alto das Pombas, quartier populaire de Salvador. Mon but est d’ étudier la relation entre la mise en œuvre des politiques publiques et de l’histoire personnelle de certains acteurs. Par conséquent, une grande importance sera accordée aux relations de circuits établis par le programme, àsavoir, son insertion dans le quartier, les relations avec la famille, avec les institutions publiques et les collectivités locales. Cette étude vise àétablir une approche alternative àl’analyse fondée sur l’efficacitéet/ou l’efficacitédes politiques publiques, qui souhaitent savoir comment les individus produisent, reproduisent la production de l’état. En conclusion, je souligne l’importance de l’analyse de la trajectoire des individus et des réseaux sociaux si vous voulez comprendre les parcelles qui apparaissent au cours du processus de mise en œuvre d’une politique donnée .

Mots-clés: l’ordre public, la jeunesse, ProJovem, réseaux sociaux, trajectoire personnelle.

Notas

1 Este artigo foi financiado pela Fapesb. Deste trabalho, surgiram minha monografia de conclusão de curso e minha dissertação em antropologia, ambos pela UFBA

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 105

Uma avaliação experiencial do projeto de modernização da Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins, Brasil1

An experiential evaluation of the modernization project of the Library of the Federal University of Tocantins, Brazil

Una evaluación experiencial del proyecto de modernización de la Universidad Federal de Tocantins, Brasil

Une évaluation expérientielle du projet de modernisation de la Bibliothèque de l’Université Fédérale de Tocantins

Heloisa dos Santos Brasil*Lea Carvalho Rodrigues**

Resumo: O artigo apresenta os resultados da avaliação da modernização da biblioteca da Universidade Federal do Tocantins, Cam-pus de Palmas. O objetivo foi avaliar o pro-cesso verificando se os resultados atendem às necessidades de informação da comuni-dade acadêmica. A pesquisa é interpretativa, e a modalidade de investigação é o estudo de caso, com pesquisa bibliográfica, docu-mental, observação participante, aplicação de questionários e a realização de entrevistas qualitativas com usuários, técnicos e mem-bros da gestão da universidade envolvidos no processo. Constatou-se que o processo de modernização da biblioteca do Campus de Palmas é considerado por seus usuários como significativo. Contudo, os investimentos e ações são realizados de modo fragmentado. Foram priorizadas as tarefas administrativas da biblioteca, razão por que a infraestrutura para a informatização, os recursos humanos e o acervo não condizem com as necessida-des dos usuários da referida biblioteca.

Palavras-chave: bibliotecas universitárias, avaliação institucional, Universidade Federal do Tocantins, metodologias de avaliação.

Abstract: The paper presents the results of the evaluation of modernization of the library of Palmas Campus at Federal University of Tocantins. The objective was to evaluate the process by checking if the results meet the information needs of the academic commu-nity. The research is interpretative and the mode of investigation is case study, including document and bibliographic research, parti-cipant observation, applying questionnaires and conducting qualitative interviews with users, technicians and members of the uni-versity management involved in the process. It was found that the process of moderni-zation of Palmas Campus library is regarded by its users as significant. However, invest-ments and actions are carried out piecemeal. Priority was focused on administrative tasks of the library. That is why the infrastructure for computerization, material and human re-sources do not match the needs of the users of that library.

Keywords: university libraries, institutional evaluation, Universidade Federal do Tocan-tins, evaluation methods.

* Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Federal do Tocantins – UFT. Bibliotecária da UFT. E-mail: [email protected]

** Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp, com pós-doutorado em Antropologia Social pelo Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS), é atualmente professora associada na Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: [email protected]

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ARTIGOS INÉDITOS106 JAN/DEZ 2013

As bibliotecas variam de acordo com as ca-

racterísticas da sociedade ou da instituição a que estão vinculadas. Por isto, os seus acervos e serviços são desenvolvidos com base nos interesses do seu público. Dessa forma, existem várias tipologias para deno-miná-las, entre elas: bibliotecas escolares, especializadas, comunitárias, hospitalares, universitárias, etc.

A biblioteca do tipo universitária é assim caracterizada por ser vinculada a uma Instituição de Educação Superior (IES). Segundo Cunha (2010, p. 6), a função desse tipo de biblioteca é “proporcionar acesso ao conhecimento”. Desse modo, a biblioteca universitária dará suporte à universidade por meio da disseminação da informação que pode servir de apoio à docência, às pesquisas, aos projetos de extensão e também contribuirá com os interesses/ações da administração da IES.

A biblioteca universitária também tem a possibilidade de ser depositária e dinamizadora de toda construção técnica, científica e cultural da comunidade acadêmica, por meio do tratamento e da disponibilização das monografias, dissertações, teses, relatórios de pesquisas, anais de eventos e produções literárias dos diversos membros dessa comunidade.

De acordo com a análise da literatura, desde a segunda metade do século XX, as bibliotecas universitárias federais brasileiras se encontram em processo intenso de informatização e automação. Foi nesse contexto que se avaliou o processo de modernização da Biblioteca Professor José Torquato Carolino, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), vinculada ao Campus Universitário de Palmas dessa Instituição Federal de Ensino Superior (IFES).

Conforme informação presente no Catálogo de Cursos da UFT (UFT, 2010), a referida instituição desenvolve, desde o ano de 2006, esforços para modernizar seu Sistema de Bibliotecas Universitárias (SISBIB). Este sistema é composto por oito bibliotecas, sendo duas no Campus de Araguaína e uma em cada um dos demais Campi da UFT. O objetivo desta pesquisa, assim, foi avaliar os resultados preliminares do processo de modernização da Biblioteca do Campus de Palmas.

Segundo os autores Meneghel e Lamar (2001), a partir da década de 1990, o Estado brasileiro promoveu a modernização da administração pública, na tentativa de aumentar a eficácia e a eficiência dos serviços públicos. Segundo os autores, a partir desses pressupostos, o objetivo da modernização da educação superior seria a eficiência, e não a qualidade dos serviços. Assim, ela estaria pautada na economia de recursos materiais e humanos, e não no atendimento às necessidades dos agentes sociais.

Como a biblioteca da UFT do Campus de Palmas é um setor da administração pública federal, avaliou-se o seu processo de modernização partindo da seguinte questão central: em que medida esse processo está articulado e responde às necessidades da comunidade acadêmica da UFT no Campus de Palmas?

Uma vez que a referida biblioteca é parte de uma instituição pública, seus projetos e serviços são considerados como de cunho público e social. Por isso, esta pesquisa se caracteriza como uma avaliação de políticas públicas que, segundo Silva (2008, p. 172), é um “mecanismo de construção de conhecimento crítico sobre políticas e programas sociais, podendo realimentar

Introdução

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 107

decisores públicos e lutas sociais por cidadania, rumo à construção de uma sociedade justa e mais igualitária”.

A abordagem dessa avaliação está pautada nas concepções de análise de políticas desenvolvidas por Lejano (2006), o qual propõe um modelo experiencial de avaliação. Nesse modelo, a compreensão deve ter como principal instrumento a experiência local dos atores da política, experiência da qual o pesquisador pode se aproximar por meio de entrevistas e técnicas de observação.

O tipo de pesquisa adotado nesta avaliação foi o estudo de caso, uma vez que a UFT desenvolveu o processo de modernização nas suas oito bibliotecas universitárias, mas, nesta avaliação, se considerou apenas a biblioteca do Campus de Palmas. Para a pesquisa de campo utilizou-se a triangulação de métodos, procedimento metodológico recomendado para a avaliação de políticas públicas por Minayo (2005), porque possibilita a utilização de diferentes instrumentos de coletas de dados em uma mesma avaliação. Destacamos, no entanto, que a análise ultrapassa a triangulação de dados no sentido de buscar apenas modelos de convergência, por comparação e contraste de resultados, ou modelos de validação de dados quantitativos com os resultados dos dados qualitativos; aproximando-se mais dos modelos de transformação, em que se interpretam os dados quantitativos de forma correlacionada aos dados qualitativos (Creswell; Clark, 2007, p.63). Consideramos, ainda, que a proposta de Lejano ultrapassa qualquer desses modelos porque se pauta na experiência dos sujeitos e da vivência do pesquisador com a situação em estudo, de onde advêm

dados de observação que não cabem nos modelos acima elencados.

Assim, a coleta de dados foi feita a partir das seguintes ferramentas: pesquisa documental, bibliográfica, observação in loco, aplicação de questionários a usuários da biblioteca do Campus de Palmas e entrevistas com usuários da biblioteca e servidores da UFT, entre eles: membros da gestão e técnicos envolvidos na implementação do processo de modernização.

Foram aplicados 127 questionários. Desse total, 17 respondentes eram professores, um de cada curso de graduação do Campus de Palmas; 102 eram discentes, sendo seis alunos matriculados em cada um dos 17 cursos de graduação desse Campus; quatro eram usuários da biblioteca provenientes da comunidade externa e quatro eram membros da categoria de técnico-administrativos em educação daquela universidade.

Após a aplicação desse questionário, dez dos respondentes foram convidados para uma entrevista, sendo eles: um representante da categoria de técnico-administrativos em educação do Campus de Palmas, um representante dos usuários da comunidade externa, quatro professores e quatro alunos, sendo um aluno e um professor representativos de cada área do conhecimento. Também foram entrevistados nove servidores da UFT. Para garantir o sigilo quanto à identidade dos entrevistados e questionados, os seus nomes foram trocados na apresentação dos resultados.

Por meio da interpretação das entrevistas e da observação participante, foi possível perceber que os envolvidos na gestão do processo de modernização da

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ARTIGOS INÉDITOS108 JAN/DEZ 2013

biblioteca o veem como uma solução para os problemas que esse setor apresentava quando foi transferida da Universidade do Estado do Tocantins (Unitins) para a UFT. Esta cessão fez parte do processo de constituição da UFT.

Segundo os entrevistados, nesse momento, as bibliotecas universitárias funcionavam de forma inadequada, uma vez que os acervos estavam desatualizados, as estruturas físicas eram improvisadas, os recursos humanos não pertenciam ao quadro de pessoal da UFT, mas eram provenientes da Unitins, e, além disso, nenhuma biblioteca era informatizada. Diante desse cenário, a UFT incluiu o processo de modernização das bibliotecas como uma das metas do seu Planejamento Estratégico para os anos de 2006 a 2010.

Segundo o Catálogo de Cursos da UFT (UFT, 2010), o processo de modernização das bibliotecas dessa IFES é caracterizado por investimentos em melhoria da

infraestrutura dos espaços físicos, aquisição de acervo da bibliografia básica e complementar dos cursos de graduação, aquisição de equipamentos de informática, de mobiliários e informatização desses setores.

Considerações dos usuários sobre os investimentos no processo de

modernização

Inicialmente, procurou-se saber com que freqüência os participantes dessa pesquisa utilizam a biblioteca. Conforme a tabela abaixo, constatou-se que a categoria que mais utiliza esse setor é a discente, uma vez que 80% deles a frequentam mais de uma vez por semana. Os demais alunos (20%) informaram que a utilizam mensalmente, raramente ou nunca a utilizam.

Tabela 1 – Distribuição de usuários por frequência de uso da Biblioteca do Campus de Palmas da UFT

Categorias Discentes DocentesTécnico-adminis-trativos em edu-cação

Usuário Externo

Frequência de utiliza-ção da Bi-blioteca do Campus de Palmas

Total de Respon-dentes

%Total de Respon-dentes

%Total de Respon-dentes

% Total de Res-pondentes %

Diariamente 25 25% 00 0% 00 0% 01 25%

Uma vez por semana 15 15% 04 27% 00 0% 00 0%

Mais de uma vez por se-mana

41 40% 03 20% 00 0% 02 50%

Mensalmente 07 7% 03 20% 01 25% 01 25%

Raramente 11 11% 03 20% 03 75% 00 0%

Nunca utiliza 02 2% 02 13% 00 0% 00 0%

Total 101 100% 15 100% 04 100% 04 100%

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 109

Os técnico-administrativos em educação que participaram desta pesquisa não utilizam a biblioteca com frequência. Conforme os dados, apenas um afirmou a utilização mensal, enquanto os demais (três) a usam raramente. O representante dessa categoria que foi entrevistado afirmou que tem o hábito de adquirir os livros de que necessita, além de considerar as regras de funcionamento da biblioteca como rígidas, principalmente a cobrança de multas no caso de atraso na devolução de livros emprestados.

Dos usuários externos que responderam ao questionário, três utilizam a biblioteca semanalmente, e um, mensalmente. O usuário dessa categoria que foi entrevistado afirmou que utiliza somente as salas de estudo da biblioteca para estudar para concurso. Segundo ele, “não faço o uso da biblioteca em si, só utilizo o espaço da biblioteca. Eu, enquanto usuário, vamos chamar assim,

sou um usuário passivo, porque eu não sou uma pessoa que posso utilizar dos serviços diretamente, né?” (Carlos, usuário da comunidade externa da UFT).

Entre as categorias de usuários da biblioteca da UFT/Campus de Palmas, há várias diferenças quanto ao seu uso. Professores, por exemplo, podem emprestar mais livros da biblioteca e têm um prazo maior que os demais usuários para a devolução; porém, Carlos, usuário externo, foi o único a se declarar como alguém com direitos e benefícios limitados. Quando esse usuário afirma que não faz “uso da biblioteca em si”, pode-se entender que ele não tem acesso à essência da biblioteca. Além disso, o termo “passivo”, utilizado por Carlos, pode ter uma conotação forte, porque pode mostrar como ele se sente com relação à atenção que recebe da biblioteca, ou seja, sem participação.

Tabela 2 – Distribuição de usuários por frequência de uso de outras bibliotecas em Palma

Categorias Discentes DocentesTécnico- Admi-nistrativos em Educação

Usuário Externo

Frequência a outras bibliotecas

Total de Respos-tas

% Total de Respostas %

Total de Res-postas

% Total de Respostas %

Sim 58 57% 04 25% 00 0% 02 50%

Não 44 43% 12 75% 04 100% 02 50%

Total 102 100% 16 100% 04 100% 04 100%

Do total de usuários que respondeu ao questionamento sobre a necessidade de utilizar outras bibliotecas, além desta da UFT, 51% afirmaram que fazem uso de outras bibliotecas na capital do Tocantins.

Solicitou-se aos participantes desta pesquisa que informassem, de forma aberta, o motivo pelo qual procuram outra biblioteca. Dos 64 que afirmaram esse hábito, 48 responderam a essa solicitação.

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.

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ARTIGOS INÉDITOS110 JAN/DEZ 2013

As justificativas mais recorrentes, indicadas nos questionários e nas entrevistas, permitem o entendimento de que as motivações dos usuários pela procura de outras bibliotecas estão relacionadas a três características da biblioteca da UFT do Campus de Palmas: 1) a localização da biblioteca; 2) as condições do espaço físico; e 3) a qualidade do seu acervo. Estes aspectos serão analisados a seguir.

Localização da biblioteca da UFT do Campus de Palmas

A localização da referida biblioteca aparece como um dos fatores que influenciam os seus usuários a procurar outras bibliotecas na cidade de Palmas. Sobre isto, observa-se que esse Campus se localiza na parte norte da cidade, mas, conforme afirmam Kran e Ferreira (2006), a maioria da população de Palmas reside na área sul dessa capital. Além disso, o Campus esta localizado numa distância aproximada de quatro quilômetros do centro da cidade, o que significa que está relativamente distante para a maioria da população que reside na Capital, o que leva alguns dos envolvidos nesta pesquisa a procurar outras bibliotecas mais próximas de suas residências.

As condições do espaço físico da biblioteca

Com relação a essa motivação dos usuários para buscar outra biblioteca em Palmas, os entrevistados informaram que havia muito barulho no ambiente da biblioteca. Disseram também que, no período de chuvas no estado do Tocantins,

ocorria a formação de poças de água da chuva nos espaços de estudo e no acervo. Observamos, ainda, que existiam muitas lâmpadas queimadas no espaço da biblioteca. Dadas essas condições, esses entrevistados indicaram que procuravam bibliotecas com espaços mais silenciosos, organizados e confortáveis.

À época da pesquisa de campo, durante o primeiro semestre do ano de 2010, os investimentos referentes à infraestrutura da biblioteca ainda não tinham sido experimentados pela comunidade acadêmica, haja vista que o novo prédio ainda estava em fase de construção. Mas, por meio da análise das entrevistas e dos questionários, foi possível perceber que os usuários tinham fortes expectativas com relação à estrutura que estava em construção. Quando essa temática foi colocada nas entrevistas, de modo descritivo, os usuários revelaram suas expectativas, quase sempre com comparações, e, por várias vezes, os déficits do atual espaço físico foram os parâmetros para expor o que eles esperavam do novo prédio.

Por meio do questionário e perguntas abertas aos usuários, sobre as suas expectativas quanto ao novo prédio que estava sendo construído, temos que, das cento e vinte pessoas que responderam a essa questão, parte citou mais de uma expectativa. São elas: espaço adequado e confortável para estudos e pesquisas (77); aumento do acervo de livros e assinatura de periódicos (47); acervo organizado (24); aprimoramento dos serviços informatizados (11); equipe maior para o atendimento aos usuários (10) e profissionais capacitados para o atendimento (06).

Essas últimas respostas mostraram que eles esperavam mais do que mudanças na estrutura física da biblioteca, porque

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 111

a organização do acervo não depende somente do espaço disponível, mas também da equipe de profissionais que o organiza. O aprimoramento dos serviços informatizados também é um exemplo de que a expectativa deles não estava ligada apenas a questões de infraestrutura, pois eles diziam querer um atendimento melhor, haja vista as referências à equipe de pessoal da biblioteca.

Sendo assim, percebemos que era grande a expectativa dos usuários por essa “nova biblioteca”. Isso indicava que eles esperavam que essa mudança de espaço físico fosse dar condições para o nascimento de outra biblioteca. De certo modo, essa esperança se mostrava alimentada pelos discursos da gestão da

UFT, pois havia uma divulgação muito forte desse novo prédio. Percebemos, também, que os servidores que trabalhavam nessa biblioteca também tinham uma “esperança de dias melhores” com relação a essas mudanças.

Avaliação do acervo

A terceira característica da biblioteca da UFT do Campus de Palmas, que influenciava os membros da comunidade a procurar outra biblioteca, é a formação e a quantidade de exemplares do acervo dessa biblioteca. Aspectos que serão analisados a seguir.

Tabela 3 – Distribuição dos usuários quanto à avaliação da disponibilidade de títulos do acervo da biblioteca do Campus Universitário de Palmas da UFT

CategoriasDisponibilidade de títulos frente às necessidades dos usuários

Sim % Às Vezes % Não % Respondentes %

Discentes 40 40% 54 55% 05 05% 99 100%

Docentes 06 43% 07 50% 01 07% 14 100%

Técnico-administrativos em educação 02 50% 02 50% 00 00% 04 100%

Comunidade Externa 02 50% 02 50% 00 00% 04 100%

Total 50 41% 65 54% 06 05% 121 100%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados coletados em campo.

A análise dos dados da tabela acima permite a identificação de que a maioria (54%) dos usuários consultados considerava que a biblioteca nem sempre possuía os títulos de livros de que eles precisavam. Contudo, é possível perceber, por meio das observações e da interpretação dos dados provenientes das entrevistas, que alguns usuários consideram que a aquisição de

livros provocou melhorias significativas neste acervo. Eles informam que o acervo foi expandido, fazem comparações com o acervo que foi herdado da Unitins; porém, ressaltam que este acervo de livros ainda precisa melhorar, sobretudo, em dois aspectos: 1) aumento na variedade de títulos de livros; e 2) na quantidade de exemplares dos livros do acervo da biblioteca.

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ARTIGOS INÉDITOS112 JAN/DEZ 2013

Tabela 4 – Distribuição dos usuários segundo a avaliação da quantidade de exemplares dos livros da bibliografia básica dos cursos de graduação do Campus de Palmas da UFT

CategoriasQuantidade de exemplares dos livros da bibliografia básica

Suficiente % Pouco sufi-ciente % Insuficiente % Respondentes %

Discentes 14 14% 59 60% 25 26% 98 100%

Docentes 02 15% 09 70% 02 15% 13 100%

Total 16 14% 68 61% 27 25% 111 100%

Para a análise dos dados da tabela acima foram consideradas as respostas dos discentes e docentes, porque eles são os usuários potenciais desta bibliografia básica. Sobre a quantidade de exemplares dos livros da bibliografia básica, notamos que, nas duas categorias, apenas 14% dos entrevistados consideraram a quantidade de exemplares suficiente, enquanto 86% a consideram como insuficiente ou pouco suficiente. O diálogo com alguns dos membros dessas categorias permitiu a percepção de que a insuficiência da quantidade de exemplares de livros é o fator que mais incomoda esses usuários, ainda que alguns professores tenham evidenciado que as reclamações dos alunos sobre essa questão diminuíram após o início dos investimentos em acervo.

Os alunos informaram que o período mais difícil é o de provas, uma vez que se esgotam os exemplares. Para eles, os livros são disputados entre os cursos, já que alguns títulos de livros são utilizados por vários cursos.

Observamos que os professores percebiam a pouca quantidade de exemplares pelas reclamações dos seus alunos e pareciam entender as suas exigências sobre essa questão, mas mostraram-se conformados com a situação, pois por vezes justificaram que a biblioteca nunca teria um livro por aluno. Essa postura é compreensível, haja vista que os docentes possuem acervos particulares e não necessitam entrar na disputa por livros da biblioteca, o que foi evidenciado pelos alunos.

Tabela 5 – Distribuição dos usuários segundo avaliação sobre a atualização das fontes de informação do acervo da biblioteca

CategoriasAtualização do Acervo

Sim % Não % Respondentes %

Discentes 51 52% 47 48% 98 100%

Docentes 10 67% 05 33% 15 100%

Técnico-administrativos em educação 02 50% 02 50% 04 100%

Comunidade Externa 01 25% 03 75% 04 100%

Total 64 53% 57 47% 121 100%

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 113

sível assim pra gente ter uma leitura as-sim..., inclusive livros contemporâneos... os livros assim estão sempre assim saindo na mídia, os livros atuais de leitura, ficção científica, autoajuda, não só livros didáti-cos sabe, mas para, para uma leitura co-tidiana mesmo, sinto falta disso. (Patrícia, aluna de Curso da Área de Saúde).

Encontramos outros usuários que concordaram com a avaliação de Patrícia. Além disso, alguns professores também expressaram anseios por encontrar na biblioteca coleções específicas; por exemplo, sobre o “Tocantins, tem que ter uma área específica com as obras do Tocantins, com as obras raras, nós já tivemos aí mapas...” (Lídia, professora da Área de Humanas). Ou outra entrevistada que afirmou: “Se a gente pudesse ter jornais microfilmados..., pra gente fazer pesquisa seria muito bom” (Júlia, professora da Área de Ciências Sociais Aplicadas).

A partir das afirmações acima, é possível entender que, para esses usuários, acervo atualizado significa mais que aquisição constante de bibliografia básica.

Com relação à atualização do acervo, os usuários que participaram desta pesquisa estavam bastante divididos, haja vista que a maioria (53%) considerava que o acervo era atualizado, mas a quantidade daqueles (47%) que consideravam o contrário também era bastante grande.

Além disto, três dos entrevistados, membros da comunidade externa, classificam o acervo da biblioteca como desatualizado, fato compreensível, uma vez que a aquisição de livros é exclusiva para o atendimento das bibliografias dos Cursos de Graduação da UFT. Sendo assim, as expectativas dos membros das categorias de técnico-administrativos em educação e da comunidade externa não estão incluídas ou previstas na formação desse acervo.

Por meio das entrevistas, foi possível identificar que existem usuários que sentem falta de outros tipos de investimentos para o acervo. Segundo Patrícia:

Outra coisa que sinto também é..., livros para ler mesmo de leitura, clássicos bra-sileiros, romantismo, simbolismo, mais vi-

Tabela 6 – Distribuição dos usuários segundo avaliação sobre a variedade dos tipos de fontes de informação do acervo da biblioteca

CategoriasDisponibilidade de CDs, periódicos e outras fontes desejadas

Sim % Às vezes % Não % Respondentes %

Discentes 29 31% 28 30% 36 39% 93 100%

Docentes 04 27% 05 33% 06 40% 15 100%

Técnico-administrativos em educação 01 33% 01 33% 01 33% 03 100%

Comunidade Externa 01 25% 01 25% 02 50% 04 100%

Total 35 30% 35 30% 45 40% 115 100%

Com relação aos dados da tabela acima, verificamos que, em todas as categorias, os usuários questionados indicaram que a biblioteca não tinha o de que eles precisavam nos seus acervos de periódicos

e de multimeios. Apenas 30% sentiam-se atendidos quanto a este item, contra 70% que declararam não haver disponibilidade ou haver disponibilidade parcial desses tipos de material. Solicitamos que os

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.

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ARTIGOS INÉDITOS114 JAN/DEZ 2013

respondentes indicassem no questionário, de forma aberta, quais os tipos de fontes de informação de que eles precisavam, e não encontraram na biblioteca; 42 participantes responderam a esta solicitação, e alguns indicaram mais de uma fonte. De modo que os suportes menos encontrados foram: periódicos científicos (28), CDs (22), DVDs (18), internet (03) e jornais (02).

Apesar de a UFT não adquirir suportes de informação digitais, a biblioteca tem um pequeno acervo, que é formado por doações ou por CDs que acompanham livros (suplementos). Percebemos que parte dos usuários, ao identificar no livro que há este tipo de suplemento, procura os servidores da biblioteca e solicita esse material. Esse acesso depende da autorização do bibliotecário, já que o material não recebe tratamento técnico e não está indexado no SIE , o que o torna um serviço restrito e sem garantias de ser realizado para o usuário.

A partir das entrevistas, verificamos que ocorreram menções quanto à necessidade de melhoria do acesso às mídias digitais que a biblioteca possuía no período da pesquisa. Patrícia, aluna de um dos cursos da Área da Saúde, diz: “Sei que tem CDs, mas não os vejo, é difícil encontrar, é bagunçado, nunca consegui ter acesso”.

Quanto à assinatura de periódicos, no Relatório de Avaliação Institucional Interna da UFT do período 2007-2008, há uma justificativa de que a falta de assinatura de periódicos é suprida pela disponibilidade de os usuários acessarem o Portal de Periódicos da CAPES (UFT, 2009c).

A partir dos dados da tabela 7, abaixo, é possível entender a reclamação dos usuários quanto à assinatura de periódicos impressos, apesar de terem a possibilidade de acessar gratuitamente os periódicos disponíveis no Portal da Capes.

Tabela 7 – Distribuição de usuários quanto à existência de orientação para a utilização do Portal de Periódicos da Capes

CategoriasOrientação sobre a utilização do Portal de Periódicos da Capes

Sim % Algumas vezes % Não % Respondentes %

Discentes 04 05% 23 26% 60 69% 87 100%

Docentes 03 21% 05 36% 06 43% 14 100%

Técnico-administrati-vos em educação 02 67% 01 33% 00 00% 03 100%

Comunidade Externa 00 00% 01 33% 02 67% 03 100%

Total 09 08% 30 28% 68 64% 107 100%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de pesquisa.

Os dados indicam a falta de orientação sistemática e adequada aos usuários para a utilização do Portal de Periódicos da Capes, o que leva ao desconhecimento dessa ferramenta de pesquisa por parte dos alunos (note, na tabela acima, que 69% dos discentes declararam não ter orientação quanto ao uso desta ferramenta), que assim

sentem a necessidade da assinatura de periódicos impressos. Além disto, existem periódicos importantes para uma biblioteca universitária que não estão disponíveis nesse Portal; por exemplo, o Le Monde Diplomatique Brasil.

Por meio das entrevistas e da observação, verificamos que os professores

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 115

que reivindicaram essa assinatura, tanto conhecem como utilizam esse Portal, porém tomam essa atitude baseados nas condições dos seus alunos da graduação, uma vez que esse público tem menos experiência com esse recurso, situação que é agravada pela falta de orientação.

Também foi evidente nos depoimentos dos professores que eles tinham conhecimento de que o Governo Federal não disponibilizava recursos específicos para a aquisição de periódicos científicos na versão impressa, uma vez que ele disponibilizava o acesso gratuito ao Portal de Periódicos da CAPES; entretanto, alguns

reivindicaram que o Campus adquira esse tipo de assinatura com os seus recursos próprios (sem rubrica).

Avaliação do atendimento prestado pelos

servidores da biblioteca

Apresentamos, a seguir, dados sobre a avaliação dos sujeitos da pesquisa sobre o atendimento prestado pelos servidores da biblioteca.

Tabela 8 – Distribuição dos usuários quanto ao atendimento prestado pelos servidores da biblioteca do Campus Universitário de Palmas da UFT

CategoriasAtendimento dos servidores da biblioteca

Ótimo % Bom % Regular % Ruim % Respon-dentes %

Discentes 16 16% 45 46% 32 33% 04 05% 97 100%

Docentes 03 20% 06 40% 06 40% 00 00% 15 100%

Técnico-admi-nistrativos em educação

03 75% 00 00% 01 25% 00 00% 04 100%

Comunidade

Externa00 00% 03 100% 00 00% 00 00% 03 100%

Total 22 18% 54 45% 39 33% 04 04% 119 100%

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa.

Conforme os dados da tabela acima, 63% dos envolvidos nesta pesquisa consideram o atendimento prestado pelos servidores da biblioteca como bom ou ótimo. Estes dados podem significar que essa maioria se sente bem atendida por esses profissionais da biblioteca da UFT de Palmas, porém uma parcela considerável (33%) dos questionados indicou que esse atendimento é regular, sendo que

a afirmação foi mais presente entre os membros das categorias de discentes e docentes.

Os usuários que indicaram o atendimento como regular ou ruim foram convidados a comentar, de forma aberta, as suas respostas, sendo que 46 deles atenderam a essa solicitação. Eles elencaram os seguintes fatores como condicionantes das suas respostas: 1) a

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ARTIGOS INÉDITOS116 JAN/DEZ 2013

quantidade de servidores insuficiente (22); 2) a necessidade de melhoria na qualidade do atendimento (16); 3) a necessidade de capacitação dos atendentes (07); 4) a demora no atendimento (05).

Podemos considerar que as observações dos usuários se relacionavam ao fato de que a quantidade de servidores tem relação com a demora no atendimento e a necessidade de melhorar a qualidade do atendimento pode ser resolvida com a capacitação dos servidores da biblioteca. A opinião de um dos entrevistados sobre a capacitação dos servidores da biblioteca foi singular. Téo acredita que, no geral, o servidor dessa biblioteca:

Não é um leitor, não é um ativista cultural, ele é no máximo é um burocrata do livro. Se você vai à biblioteca de Palmas o aten-dimento é péssimo, não tô dizendo que as pessoas gritam com você, que tratam mal, mas são pessoas que não tem..., que não tem a menor intimidade com a vida cul-tural, com o livro, com a literatura, com a poesia, com a ciência que tá lá colocada, não tem nenhuma relação, entra e sai e aquilo lá é um castigo. (Téo, servidor téc-nico-administrativo em educação da UFT).

A observação sobre capacitação feita pela quase totalidade dos usuários entrevistados relacionava-se a questões de técnicas de atendimento ao público. Já Téo se referiu à necessidade de formação dos servidores da biblioteca de forma que estes fossem qualificados para a “ação cultural ” e científica, de modo que bibliotecários e assistentes fizessem mais do que a administração da informação e a localização de livros no acervo. Segundo ele, estes deveriam atuar como mediadores de informação, ser criativos para contribuírem tanto com a formação do acervo quanto com a formação dos usuários da biblioteca.

Nesta mesma linha de raciocínio, é que Milanesi (2002, p. 98) afirma que os profissionais da informação devem ir além da “organização passiva de um acervo à espera de leitores, em contrapartida, é possível criar atividades e serviços que são, claramente, estímulos à ampliação do conhecimento pelos conflitos que suscitam, pelo prazer que oferecem – ou pelos dois”.

Tabela 9 – Distribuição dos usuários quanto à quantidade de pessoas envolvidas no atendimento da biblioteca do Campus de Palmas da UFT

CategoriasSuficiência do número de servidores da biblioteca

Sim % Não % Respondentes %

Discentes 25 26% 73 74% 98 100%

Docentes 03 21% 11 79% 14 100%

Técnico-administrativos em educação 01 25% 03 75% 04 100%

Comunidade Externa 00 00% 04 100% 04 100%

Total 29 24% 91 76% 120 100%

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 117

As considerações dos usuários sobre a quantidade de servidores da biblioteca ficam mais evidentes depois da análise dos dados da tabela acima, pois se verifica que 76% dos usuários consultados entenderam que a quantidade de servidores da biblioteca não era suficiente.

Os entrevistados fizeram, também, referências a menor quantidade de pessoas para o atendimento informatizado (empréstimo, devolução, renovação de empréstimo e reserva de livros) do que para o auxílio à consulta do acervo e para a oferta de serviços especializados de disseminação de informação. Segundo os usuários, havia horários em que eram formadas grandes filas para o atendimento no balcão de empréstimo. Conforme o professor Cláudio:

Pra mim o atendimento é bom, a única... outra crítica que eu teria à biblioteca é a falta de funcionários, às vezes faz uma fila bem grande, então é falta de funcio-nários, tem que ter mais funcionários. En-tão as únicas críticas que eu teria seriam a falta de funcionários, porque o acervo tá crescendo cada vez mais, mas não se contratam mais funcionários, então vai ficar cada vez pior na minha visão esse atendimento, mas não é culpa da biblio-teca, é porque não tem funcionário (Cláu-dio, professor da Área da Saúde).

A relação construída pelo professor Cláudio entre a quantidade de servidores da biblioteca e o crescimento do acervo pode ser bem compreendida com os seguintes dados: no ano de 2004, a biblioteca possuía 40.812 exemplares de livros e 22 funcionários (UFT, 2004), enquanto no ano de 2010 o seu acervo era composto por 79.264 exemplares de livros e o seu quadro de pessoal era formado por 21 pessoas, entre servidores e bolsistas (UFT, 2010d). A partir dessa

relação, é possível inferir que o acervo foi praticamente duplicado, enquanto os recursos humanos foram reduzidos.

Nota-se que a UFT tentava resolver os problemas da quantidade insuficiente de pessoal com a participação de bolsistas na equipe da biblioteca. Alguns dos entrevistados criticaram essa atitude da Instituição. Para a aluna Graça:

Na verdade eu sempre sou atendida por estagiários, eu creio que o aluno ele não tem conhecimento de tudo, do funcio-namento da biblioteca..., é como o..., o próprio aluno, ele tem período muito pe-queno é, de seis meses, um ano de bi-blioteca, quando o aluno já começa ter o conhecimento se muda de estagiário, né? (Graça, aluna da área de Ciências Sociais Aplicadas).

A partir da observação, foi verificada uma intensa rotatividade de sujeitos na composição desse quadro de pessoal da biblioteca, principalmente entre os bolsistas, cuja maior parte estuda em cursos integrais e por isto encontra dificuldades em cumprir um horário fixo nas atividades administrativas da biblioteca. Na avaliação da aluna acima citada, essa rotatividade não contribuía com a qualidade do atendimento dos usuários da biblioteca.

Avaliação da informatização dos serviços da biblioteca

Para iniciarmos a discussão sobre a avaliação dos serviços ofertados pela biblioteca, vamos, em primeiro lugar, apresentar os dados de pesquisa sobre a eficiência do serviço informatizado de empréstimo.

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ARTIGOS INÉDITOS118 JAN/DEZ 2013

Tabela 10 – Distribuição dos usuários quanto aos serviços informatizados de emprésti-mo de livros da Biblioteca do Campus de Palmas da UFT

CategoriasEficiência do serviço informatizado de empréstimo

Eficiente % Pouco Eficiente % Ineficiente % Responden-

tes %

Discentes 76 78% 19 19% 03 03% 98 100%Docentes 11 73% 03 20% 01 07% 15 100%Técnico-admi-nistrativos em educação

03 100% 00 00% 00 00% 03 100%

Total 90 78% 22 19% 04 03% 116 100%Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de pesquisa.

Os dados mostram que os membros da categoria usuários externos não tinham acesso aos serviços informatizados de empréstimo, devolução e reserva de livros da biblioteca, por isto, conforme tabela acima, serão analisadas apenas as respostas dos membros das categorias de discentes, docentes e técnico-administrativos em educação.

Os dados mostram que 78% dos usuários consultados aprovavam o serviço informatizado de empréstimo e devolução de livros. No entanto, 19% do total de usuários questionados consideraram o serviço pouco eficiente, e 3% do total de usuários considerou o serviço informatizado de empréstimo e devolução como ineficiente. Por meio dos comentários dos usuários nos questionários e dos depoimentos obtidos nas entrevistas, percebemos que as críticas a esse serviço estavam relacionadas à ocorrência de algumas falhas nos serviços de empréstimo e devolução, entre elas o fato de que algumas vezes o sistema ficava inoperante. Os entrevistados também citaram casos em que a devolução do livro não era computada. Além disso, foram registradas reclamações quanto ao sistema não permitir a renovação do

empréstimo de livros de modo on-line e sobre o fato de acesso ao serviço ser limitado a determinados públicos.

A questão do acesso limitado ao serviço de empréstimo de livros para determinados públicos foi evidenciada por alguns professores e por um técnico-administrativo em educação. Eles questionaram o fato de os alunos da especialização lato sensu não poderem realizar esse tipo de empréstimo. Além disso, o técnico-administrativo em educação também questionou a restrição desse serviço aos demais profissionais que trabalham na UFT, de forma terceirizada, que são os motoristas, os vigilantes, os que trabalham na limpeza e manutenção, etc.

Entretanto, observamos que, quando a biblioteca não era informatizada, os funcionários terceirizados e os alunos das especializações da UFT eram cadastrados como usuários e podiam utilizar o serviço de empréstimo de livros das bibliotecas como os demais servidores e alunos dessa IFES, situação que foi modificada após a informatização das bibliotecas. A esse respeito vale reter as observações de Biagin e Carcino (2009, p. 38), pois, de acordo com esses autores, nesse

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 119

processo de construção de bibliotecas informatizadas, virtuais e até digitais, existem “interesses por vezes divergentes que estão relacionados a uma lógica de fundo”. Para eles, essa lógica está pautada em princípios econômicos e comerciais que valorizam a perpetuação da hegemonia capitalista e, sendo assim,

não interessa partilhar o acesso às fontes de informação com os membros das classes “subalternas”.

Abaixo, colocamos uma tabela sobre a frequência com que os usuários se utilizam da plataforma on-line, de forma a perceber os problemas porventura existentes na utilização desse recurso.

Tabela 11 – Distribuição dos usuários quanto às frequências com que pesquisam no catálogo on-line do SIE

CategoriasFrequência de consulta ao catálogo on-line

Sempre % Às vezes % Nunca % Respondentes %

Discentes 02 02% 19 20% 76 78% 97 100%

Docentes 02 13% 04 27% 09 60% 15 100%

Técnico-admi-nistrativos em educação

00 00% 01 25% 03 75% 04 100%

Comunidade Externa 00 00% 00 00% 04 100% 04 100%

Total 04 03% 24 20% 92 77% 120 100%

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de pesquisa.

Na época da pesquisa de campo, a biblioteca do Campus de Palmas não dispunha de computadores disponíveis para os usuários consultarem diretamente o catálogo on-line do SIE. Dessa forma, quando os usuários precisavam saber se havia na biblioteca determinada fonte de informação, era necessário que eles solicitassem essa consulta aos atendentes nos terminais de empréstimo e devolução de livros da biblioteca, o que levava alguns usuários à fila de espera somente para identificar se a biblioteca possuía ou não determinado livro.

Com este cenário, não foi difícil entender por que os dados da tabela acima indicam que somente 2% dos discentes e 13% dos

docentes têm o hábito de consultar esse catálogo da biblioteca.

Para o acesso adequado dos usuários ao acervo, é necessário que haja na biblioteca terminais de computadores para a consulta ao catálogo e servidores disponíveis para auxiliar os usuários em suas pesquisas. Segundo Mangue (2006, p. 160), “no sistema brasileiro a universidade concentra sua atenção sobre o software negligenciando, paradoxalmente, a aquisição dos equipamentos para uso do sistema, isto é, dificultando o acesso ao software e, por conseguinte, o atendimento ao usuário final, com consequentes efeitos negativos para o atendimento ao usuário”.

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ARTIGOS INÉDITOS120 JAN/DEZ 2013

Há que se considerar que qualquer investimento na biblioteca deve ser motivado pelas necessidades dos usuários, pois se eles não usufruírem dos recursos

implantados não há razão para fazê-lo. O auxílio aos usuários da biblioteca do Campus de Palmas será discutido a partir dos dados da próxima tabela.

Tabela 12 – Distribuição dos usuários quanto à orientação para utilizar o catálogo on-line do SIE

Categorias

Apoio à utilização do catálogo on-line

Servidor da Biblio-teca

% Colega % Docente % Nunca recebeu apoio

% Respon-dentes %

Discentes 06 06% 03 03% 07 07% 82 84% 98 100%

Docentes 02 13% 00 00% 00 00% 13 87% 15 100%

Técnico- admi-nistrativos em educação

00 00% 00 00% 00 00% 04 100% 04 100%

Comunidade Externa 00 00% 00 00% 00 00% 04 100% 04 100%

Total 08 07% 03 02% 07 06% 103 85% 121 100%

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de pesquisa.

De acordo com a tabela acima, 85% dos membros da comunidade acadêmica consultados nesta pesquisa disseram nunca terem sido ensinados a utilizar o catálogo on-line do SIE. Os dados apresentados na tabela acima indicam que, na biblioteca do Campus de Palmas, a orientação dos seus usuários quanto ao uso do catálogo on-line do SIE não é uma prática constante. Essa falta de orientação explica o fato de a maioria dos usuários não utilizarem essa ferramenta do SIE (conforme os dados da tabela 11).

Segundo Carvalho (2004), os serviços mais atingidos pela informatização são: a consulta ao catálogo e a bases de dados das bibliotecas, tanto no suporte on-line como em CD-ROM, a pesquisa bibliográfica, o tratamento da informação, a aquisição de acervo, a comutação e o acesso à internet. A partir desse pressuposto, a maioria dos serviços atingidos pela informatização são aqueles relacionados com a consulta/pesquisa/localização e o acesso dos

usuários às fontes de informação. Porém, no caso da UFT, os serviços mais atingidos pela informatização estão relacionados com as atividades administrativas da sua biblioteca.

Avaliação da informatização dos serviços da biblioteca

A partir dos dados coletados no campo, verificamos que a biblioteca do Campus de Palmas, desde o ano de 2006, passou por um processo de transformações que visava proporcionar atendimento básico para uma biblioteca universitária, qual seja: um acervo com a bibliografia básica, infraestrutura adequada, mobiliários e sistema de armazenamento e recuperação das informações do acervo.

Quando se constata que, nos últimos anos, a biblioteca da UFT do Campus de Palmas passou do sistema de

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 121

fichas catalográficas para um sistema informatizado, que houve diminuição na quantidade de recursos humanos e que para ela se prepara um novo prédio estruturado segundo os conceitos e recursos contemporâneos, entende-se que ela vem passando por um constante processo de modernização, embora esse processo se encontrasse desarticulado dos reais interesses dos seus usuários. Isto porque, como bem mostrado no corpo do artigo, os efeitos do processo de modernização/informatização da biblioteca da UFT do Campus de Palmas mostravam-se mais direcionados para administração da biblioteca do que para o atendimento às necessidades dos seus usuários. Uma confirmação disto é o fato de que os serviços executados pelos servidores e bolsistas eram informatizados, porém os serviços mais relacionados com o acesso dos usuários à informação e aqueles que dependem da relação mais direta entre os servidores e os usuários da biblioteca não eram viabilizados de forma adequada.

Apesar disto, para a maioria dos usuários consultados nesta pesquisa a informatização da biblioteca pareceu ser o ponto alto dessa modernização, mas somente no aspecto empréstimo, devolução, renovação e reserva de livros, já que faltavam orientação e computadores para os usuários utilizarem os serviços do catálogo on-line do SIE.

Como mostraram os dados, no processo de modernização dessa biblioteca, foi necessário adquirir equipamentos de informática, aumentar a quantidade de servidores e investir na capacitação destes trabalhadores, para assim ofertar de forma efetiva os serviços ainda em fase de implementação.

Verificamos, também, que os usuários queriam para o acervo mais do que os livros que compõem a bibliografia básica dos cursos. Eles também queriam obras literárias, assinatura de periódicos, coleções especiais e outros tipos de fontes de informação. Assim, é necessário que se considerem os interesses dos docentes e discentes para além do ensino; os dos servidores técnico-administrativos em educação e dos usuários externos tanto na formação do acervo, quanto na oferta de serviços.

De modo geral, o grande desafio dessa biblioteca é ampliar e estreitar a relação com o seu público, para isso é necessário uma aproximação com os usuários para assim identificar os seus interesses e, a partir disso, desenvolver ações de extensão, eventos culturais, cursos, informativos, etc., isto é, serviços especializados de disseminação de informações, orientações para a pesquisa e para a formação do pensamento crítico.

A partir desses dados, concluímos que esse processo mostrou-se em acordo com os pressupostos do projeto de modernização da educação superior brasileira, o qual está baseado em ideais liberais e enfatiza os aspectos técnicos, o aumento da eficácia da administração pública e a produtividade, em detrimento das necessidades dos agentes envolvidos nesse processo.

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ARTIGOS INÉDITOS122 JAN/DEZ 2013

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 123

UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Relatório de Avaliação Institucional – UFT 2009-2010. Palmas: UFT, 2010h.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Relatório de Avaliação Institucional Interna da UFT 2007-2008. Palmas: UFT, 2009c.

Resumen: El artículo presenta los resulta-dos de la evaluación de la modernización de la biblioteca de la Universidad Federal de To-cantins, Campus Palmas. El objetivo fue eva-luar el proceso y verificar si los resultados cumplen las necesidades de información de la comunidad académica. La investigación es interpretativa y si constituye como un estu-dio de caso; hubo investigación bibliográfi-ca y documental, observación participante, cuestionarios, entrevistas cualitativas con los usuarios, técnicos y miembros de la dirección de la Universidad que participan en el proce-so. Se observó que el proceso de moderniza-ción de la biblioteca del Campus de Palmas es considerado por sus usuarios como signi-ficativo. Sin embargo, las inversiones y las acciones se realizan de forma fragmentaria. Se priorizan las tareas administrativas de la biblioteca y, a causa de eso la infraestructura de informatización, recursos humanos y ma-teriales no coinciden con las necesidades de los usuarios de esta biblioteca.

Palabras-clave: bibliotecas universitarias, evaluación, Universidade Federal do Tocan-tins, metodología.

Résumé: Cet article présente les résultats de l’évaluation de la modernisation de la biblio-thèque du Campus Palmas de l’Université fé-dérale de Tocantins. L’objectif était d’évaluer le processus tout en vérifiant si les résultats répondent aux besoins d’information de la communauté universitaire. La recherche est interprétative et le mode d’investigation est l’étude de cas, appuyée sur la recherche bi-bliographique et documentaire, l’observation participante, l’application de questionnaires et la réalisation d’entretiens qualitatifs avec les utilisateurs, techniciens et membres de la direction de l’Université impliqués dans le processus. Il a été constaté que le proces-sus de modernisation de la bibliothèque du Campus Palmas est considéré par ses utili-sateurs comme significatif. Toutefois, les in-vestissements et les actions sont menés de façon fragmentée et se sont concentrés sur les tâches administratives de la bibliothèque, ce qui explique pourquoi l’infrastructure pour l’informatisation et les ressources humaines et matérielles ne correspondent pas aux be-soins des utilisateurs de cette bibliothèque.

Mots-clés: bibliothèques universitaires, évaluation, Universidade Federal do Tocan-tins, méthodologie.

Notas

1 Os dados e as reflexões presentes neste artigo são fruto da dissertação de mestrado de Heloisa dos Santos Brasil (BRASIL, 2011), sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Lea Carvalho Rodrigues, defendida junto ao Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas da UFC (MAPP).

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A política nacional dos recursos hídricos na gestão da Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: entre a privatização e a governança1

The national policy on water resources under the Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: between privatization and governance

La política nacional de recursos hídricos en la gestión de la Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: entre la privatización y la

gobernanza

La politique nationale des ressources en eau par la gestión de la Companhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA: entre la privatisation

et la gouvernance

Thayene Gomes Cavalcante*Maristela Oliveira de Andrade**

Resumo: O trabalho propõe uma avaliação da Política Nacional dos Recursos Hídricos/PNRH com base na premissa do caráter pú-blico da água e do seu valor econômico, vi-sando problematizar a apropriação dos espa-ços públicos e a abertura da gestão pública à participação da sociedade civil. Trata-se de uma breve análise dos instrumentos de ges-tão do sistema de abastecimento de água da Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (CAGEPA) e de suas ações em João Pessoa, por meio de pesquisa documental e biblio-gráfica, assim como mediante entrevistas com um gestor da diretoria da empresa. A avaliação da PNRH na CAGEPA será feita a partir da análise da eficácia de seus ins-trumentos no que tange às ferramentas de controle e mediação de conflitos ambientais, econômicos e sociais, que envolvem o Esta-do, a sociedade civil e a iniciativa privada.

Palavras-chave: gestão pública, recursos hídricos, Estado.

Abstract: The paper proposes an assess-ment of National Policy of Water Resources/PNRH based on the premise of the public character of water and his economic va-lue to discuss the ownership of the public spaces and the opening of public manage-ment to social participation. This is a brief analysis of management tools Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (System Water Company’s Water and Sewerage Paraíba) (CAGEPA) and its actions in João Pessoa, in documentary and bibliographic research, as well as based on interviews with a manager of the company’s Board. PNRH in CAGE-PA assessment will be considered from the effectiveness of its instruments in relation to the tools of control and conflict mediation environmental, economic and social, invol-ving the State, civil society and the private sector.

Keywords: public management, water re-sources, State.

* Graduada em Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura) pela Universidade Federal da Paraíba; Professora de Sociologia pela Secretaria de Educação do Estado da Paraíba. E-mail: [email protected]

** Professora Associada do Departamento de Ciências Sociais e dos Programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente/PRODEMA e em Antropologia/PPGA da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected]

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Quando se levantam temas relacionados à

utilização dos recursos hídricos2, pensa-se imediatamente em estratégias de contro-le, regulação e planejamento, devido aos fatores que tornam esses recursos pro-gressivamente escassos para o provimen-to das necessidades humanas, ambientais e econômicas3.

O Estado é o responsável, é o gestor nesse processo de controle, regulação e planejamento. A discussão que se pretende travar aqui, embora de forma preliminar, faz menção a essa problemática, isto é, às soluções encontradas pela legislação e investidas pelas políticas públicas ambientais para resolver os conflitos que envolvem a questão da insuficiência da água para a multiplicidade de usos a que ela se faz necessária. É do Estado a incumbência de mediar e administrar os problemas que envolvem os recursos hídricos, a fim de alcançar resultados positivos quanto aos objetivos sociais que deve suprir com relação ao acesso à água. Seu papel inclui a adoção de alguns instrumentos na gestão dos recursos hídricos que tenham o potencial de suprir as exigências sociais e as demandas provenientes dos contextos socioculturais específicos, pois está assegurado na legislação o caráter público da água. Desse modo, a reflexão acerca de alguns desses instrumentos que visam controlar, regular e planejar os recursos hídricos merece atenção no que tange à sua efetividade e às suas reais implicações nesse contexto de carência e desperdício desordenado.

A intenção de abordagem que se pretende aqui parte do entendimento da problemática da água com relação aos diversos contextos que a levam a ser um bem escasso e, a partir

dessa percepção, reflete sobre o surgimento de um debate direcionado à criação de leis e políticas específicas para moderar e racionalizar os usos, com foco na Política Nacional de Recursos Hídricos e em sua pretensão descentralizante/participativa.

O debate acerca da sustentabilidade hídrica é sintomático, pois acompanha uma alteração paradigmática no que tange às crises que abalavam a economia com o uso intensivo dos recursos naturais. A notória realidade de que o setor econômico não era uma instância autossuficiente caracterizara-se como mito. Partia-se assim para a atenção na preservação dos recursos naturais com vistas ao desenvolvimento sustentável – conceito que dava subsídios para se pensar em longo prazo, com possibilidades de ininterrupção e de garantias de suprimento às futuras gerações.

Com sua idealização do progresso, o capitalismo apresentava contradições e irracionalidades que indicavam a necessidade de mudança na forma de concebê-lo. Os desenvolvimentistas tiveram que se submeter a essa nova ordem, findando a era do puro economicismo e dando início à percepção desenvolvimentista aliada à estabilidade ambiental (Buarque, 1990).

O desenvolvimento deveria ser enxergado em associação à natureza, de forma equilibrada, visando atender às diversas camadas da sociedade e à sobrevivência das gerações futuras, necessárias tanto à produção de meios quanto à subsistência da humanidade. Até o momento em que todos esses limites não são explicitados, o meio ambiente não era uma questão preocupante; porém, quando se toma consciência da fragilidade e quando toda a sociedade reconhece como um problema

Introdução

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que precisa ser pensado, o discurso se altera para a necessidade de se encontrar respostas, soluções à questão. A emergência de um discurso ambiental foi resultado da conjugação de múltiplos fatores paralelos – de âmbito social, econômico, cultural, tecnológico, político, ecológico, etc. (Cavalcante, 2009). Destacam-se, nesse processo, alguns acontecimentos grandiosos que estimularam mais diretamente o surgimento dessa questão, que provocaram a destruição ambiental e humana, e tiveram de ocorrer para alertar a sociedade mundial, contribuindo assim para a formação de uma nova consciência sobre o meio ambiente. Dentre os casos que ampliaram a preocupação com o meio ambiente/humanidade e despertaram o debate da sustentabilidade, salientam-se os seguintes: (a) o desastre nuclear da Usina Chernobyl na Ucrânia, em 1986, responsável pela emissão de enormes quantidades de radiação para a atmosfera a partir da explosão de um reator; (b) o exemplo do acidente em uma fábrica de pesticidas em Bophal, na Índia, no ano de 1984, que lançou 45 toneladas de metil isocianato na atmosfera, acarretando a morte imediata de milhares de pessoas e consequências à saúde de outros milhares.

A preocupação relativa aos recursos hí-dricos é uma das apreensões mais repre-sentativas do conceito de desenvolvimento sustentável, devido às características de es-cassez, à extrema essencialidade quanto ao processo produtivo, à subsistência humana, etc. Amparados num conceito de sustentabi-lidade hídrica, os debates davam conta des-sas preocupações e se encaminhavam para uma sistematização de ideias em direção ao planejamento sustentável, que, portanto, deve levar em consideração um programa

para além das dimensões sociais, ecológicas e econômicas, da sustentabilidade espacial e cultural, visando à efetivação do desenvolvi-mento sustentável.

O último Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos (WWDR4 – World Water Development Report), com dados da discussão mais recente no Fórum Mundial da Água em 2012, é um documento que pretende analisar os recursos de água doce no planeta a partir de uma visão geral e da perspectiva de análise de riscos e incertezas mediante as ofertas e demandas dos recursos hídricos. Sua intenção é o provimento de ideias e sugestões de ferramentas para as lideranças agirem frente aos riscos; e a proposta é criar estímulo a partir da identificação de instrumentos que possibilitem a obtenção do máximo de benefícios aos diferentes setores interessados. Um trecho do relatório resume bem sua perspectiva e intenções perante nossa precária situação atual e futura:

Todos os aspectos do desenvolvimento têm um componente baseado na água: ela é o único meio que liga setores distintos, e pelo qual as principais crises mundiais podem ser tratadas de forma conjunta. A água é um elemento-chave para o crescimento verde e um fator determinante para o desenvolvimento de economias mais verdes. É muito pouco provável que se possa satisfazer a uma demanda por água em contínuo aumento somente com soluções relacionadas ao seu suprimento. Ao contrário, as soluções adequadas à crise mundial da água encontram-se em nossa capacidade de gerenciar melhor a demanda, enquanto se busca uma forma de equilibrar e obter o máximo de benefícios oferecidos pela água. O “nexo água-alimentos-energia” ilustra as dificuldades das opções, bem como os riscos e as incertezas a que devem fazer frente, na atualidade, os dirigentes políticos. São muitos os exemplos das

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consequências desejadas ou indesejadas de se optar por uma causa e não por outra (como a segurança alimentar no lugar da segurança dos recursos hídricos). Um desafio crucial consistirá em integrar as complexas interligações em estratégias de resposta que considerem os diversos compromissos e interesses das diferentes partes envolvidas. (UNESCO, 2012, p.4)

Diversas são as vias que agravam a questão da disponibilidade hídrica no planeta e é com muita cautela que essa questão deve ser tratada, pensada e repensada. Trata-se, de fato, de um desafio complexo que demanda comprometimento e gerenciamento sistemático.

Em resposta à necessidade de se buscar resultados apropriados para equacionar a problemática ambiental que envolve os recursos hídricos, foi sendo criado um arcabouço institucional e legal que tivesse a capacidade de amenizar as consequências dos riscos que a escassez destes recursos proporciona. Debates, conferências, encontros, fóruns iam alimentando a preocupação, discernindo as questões e despertando interesses em direção ao alcance de metas e à busca de melhores resultados e resoluções para os conflitos. A legislação que ia se compondo em âmbito internacional, nacional, regional, estadual e municipal é reflexo de um momento histórico específico e das perspectivas do contexto ambiental em que estavam inseridas. Elas vêm se apresentando em complementaridade, mesmo que, muitas vezes, a percepção da problemática se diferencie e, muito embora os interesses venham se fundamentando em discretas diferenças, o fato é que a proposta resultante de toda essa arregimentação é a otimização dos recursos hídricos como um bem indispensável ao desenvolvimento de

determinada região. Ou seja, o potencial de desenvolvimento socioeconômico depende muito de sua sustentabilidade hídrica, e esse é, inegavelmente, o fator determinante de toda essa mobilização mundial (Silans, 2008).

Primeiramente, o Código de Águas de 1934 e, depois, a Constituição Federal de 1988 demonstraram-se legislações emblemáticas para o ponto de partida desta discussão em nível nacional, despertando uma atenção especial às variadas preocupações e demandas que envolviam a área dos recursos hídricos; contudo, não apontavam para a abrangência dos interesses que emanavam das variadas demandas.

A Política Nacional dos Recursos Hídricos, por sua vez, revela sua adequação à multiplicidade de interesses das mais variadas ordens que a sociedade apresentava a partir do princípio de que ela é formada por indivíduos, grupos e classes sociais que têm interesses diferentes, muitas vezes conflitantes, nos quais as políticas públicas, instituições e leis devem intervir. Porém, não se pode dizer que a lei n.º 9433/97 não atenda aos apelos do capital; ao contrário, vamos perceber que ela respeita algumas circunscrições internacionalmente hegemônicas e demonstra também tendência à ampliação do espaço mercantil (Silvestre, 2002). Porém, a grande “sacada” desta lei, que a diferencia positivamente das anteriores, consiste no caráter democrático e descentralizador, bem como na possibilidade de abertura de canais de participação popular que influenciem qualitativamente a transformação do estado da gestão de recursos hídricos no Brasil.

As características desse modelo de gestão na lei n.º 9.433/97 se baseiam na concepção de

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um Estado regulador e mediador de conflitos que utiliza “a descentralização, a participação pública e uma visão integrada como método, e o desenvolvimento sustentável (com o seu tripé: equidade social, eficiência econômica e sustentabilidade ambiental) como objetivo finalístico” (Brasília, 2006). Este trabalho vai justamente tentar refletir a respeito da compreensão desta política gestatória dos recursos hídricos.

Nesse sentido, pretende-se aqui compreender o acesso à água potável como direito público, um direito do cidadão assegurado por essa legislação brasileira. A análise envolve, previamente, a discussão em torno do fortalecimento do espaço público e a abertura da gestão pública à participação da sociedade civil na elaboração de suas políticas e na institucionalização de práticas participativas inovadoras que pretendem apontar uma nova qualidade de cidadania e marcar rupturas com a dinâmica predominante na gestão pública ambiental.

Entretanto, esse novo padrão (legal-institucional) permanece mantendo fortes brechas para tornar-se instrumento de expansão do capital e da mercantilização. Instrumentos como concessão, licenciamento, outorga, cobrança pelo uso da água são meios utilizados pela legislação para garantir a utilização racional do recurso, mas que, ao mesmo tempo, podem ampliar o espaço mercantil. Ensaiaremos aqui uma reflexão acerca da eficácia da ferramenta da cobrança pelo uso da água – direcionada à população e gestada pelo governo –, no que diz respeito ao alcance de seus objetivos.

Nesse sentido, será propícia a análise dos sistemas de abastecimento de água, responsáveis pelo provimento de recursos hídricos de qualidade à população de um

Estado; investigando os significados e possíveis contradições e/ou eficácia do atributo da água como um bem público, mas que, ao mesmo tempo, possui valor econômico e pode ter seu gerenciamento conferido por meio de concessões públicas.

Há, de fato, uma nova concepção de gestão ambiental dos recursos hídricos, propiciada pelo novo debate ambiental legal. Essa gestão, por muitas vezes, embora sugira a participação de outros atores na governabilidade e na política ambiental (Alier, 2009), por intermédio da participação e descentralização, parece privilegiar empresas capitalistas, deixando de cumprir, muitas vezes, seu papel nessa mediação de conflitos.

Com relação à governança relacionada ao objeto de estudo – abastecimento público de água potável à população –, percebe-se manifestação mais direta no que diz respeito a uma educação ambiental. Os espaços de governança que sugerem as legislações focam-se mais no âmbito das decisões que envolvem os conflitos nas bacias hidrográficas, momento anterior a esse processo de distribuição de água que, por sua vez, teoricamente, não possibilitaria muita atuação participativa. No entanto, isso não quer dizer que não haja espaço para a participação no contexto do abastecimento de água. Ao contrário, nessa perspectiva, o Estado tem um papel importantíssimo, que é a criação de mecanismos de regulação política com potencial de promover ou estimular a percepção de atitudes e comportamentos que acompanhem as demandas ambientais e induzam a um estilo de vida alternativo.

O uso racional e sustentável da água ainda está distante de ser concretizado em plenitude; porém, tornou-se uma das

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maiores preocupações dos ambientalistas, do mercado, da população, dos dirigentes, das grandes potências mundiais, pois se trata de um recurso que é extremamente indispensável à subsistência da humanidade e da economia. No ano de 1992, a ONU publicou um documento intitulado “Declaração Universal dos Direitos da Água”, com um conjunto de posturas e atitudes que visam promover o uso sustentável da água. São dez artigos que servem para despertar a consciência ecológica da população e dos governantes para a questão da água. Três ganham destaque por se apresentarem pertinentes ao objeto deste estudo. São eles: (a) o artigo sexto é bastante pertinente ao estudo presente, pois imputa um valor econômico à água por ser rara e dispendiosa; (b) o sétimo fala da consciência com relação às possibilidades de esgotamento dos recursos hídricos e que, por isso, não devem ser desperdiçados, nem poluídos; (c) o oitavo, por fim, fala do cumprimento às leis que regram sua utilização – obrigações jurídicas para o homem e para o Estado.

Esta declaração dos direitos universais da água é oportuna neste momento, pois compila, em apenas dez artigos, um resumo das intenções principais de uma diversidade de legislações criadas a respeito dos caminhos que se deve traçar em termos de gestão dos recursos hídricos, ou seja, os objetivos que as leis devem priorizar a fim de que se convertam em políticas públicas.

Em virtude das crescentes problemáticas de cunho ambiental e suas repercussões na vida humana, particularmente aquelas relacionadas à escassez e degradação da água, a gestão das águas se torna objeto de política em evidência no mundo. A realidade hídrica varia de uma região para outra, o

que requer uma avaliação sobre a realidade local, a fim de que se possam buscar novas alternativas e adotar políticas de uso da água que se adequem à determinada realidade. No caso do Brasil, as políticas públicas ambientais possuem uma variedade de realces quanto aos recursos hídricos e, portanto, devem tentar o equilíbrio nas mais variadas demandas por setores.

No que diz respeito aos recursos hídricos, a legislação ambiental brasileira apresentou-se com mais especificidade por meio do Código de Águas em 1934. Este tinha como pretensão romper um estado de coisas obsoleto em que se encontrava a legislação nacional quanto ao uso de águas no Brasil. Na sua descrição, as leis, sem especificidade para a questão das águas, estavam em desacordo com as necessidades e interesses da coletividade nacional, daí a necessidade de se criar uma legislação que permitisse ao poder público controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas e tomar, particularmente, medidas para o aproveitamento racional da energia hidráulica. Tratava-se de um modelo burocrático com prioridade para os setores da economia, devido ao contexto nacional desenvolvimentista em que se encontrava o país. A ênfase na energia hidráulica provinha da demanda das companhias elétricas, que se sentiam limitadas devido ao fato de os detentores do potencial de concessão de aproveitamento dos recursos hídricos serem exclusivamente os Estados e municípios. Com vistas ao desenvolvimento, essa legislação imputou maior importância à geração de energia por meio dos recursos hídricos (hidrelétricas).

Contudo, com a Constituição Nacional de 1988 (CF/88), que ficou conhecida como “verde”, por dar um verdadeiro destaque à

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proteção ambiental, e especialmente à Polí-tica Nacional de Recursos Hídricos, instituí-da pela lei n.º 9.433, de 1997, um novo pa-drão institucional de atenção aos recursos hídricos se apresentou, sendo então consi-derado um modelo sistêmico e de gestão participativa (Silans, 2008).

A CF/88 propõe uma nova concepção so-bre meio ambiente equilibrado aos cidadãos, impondo ao poder público e à coletividade o dever de preservá-lo para as gerações presente e futura, acompanhando o debate e as ações com vistas ao desenvolvimento sustentável. Para tal, ela faz uso de limita-ções e restrições à sua exploração e dife-re da legislação anterior, principalmente no que diz respeito à viabilização do seu apro-veitamento apenas para fins econômicos e à preferência que era dada às demandas do setor elétrico em detrimento de outros. Um novo modelo de gestão dos recursos hí-dricos já vinha se desenhando e se consti-tuindo em política, que não somente regra o direito com autorizações, obrigações ou restrições, como também vem compor um conjunto de objetivos que dão forma a um programa de ação governamental e condi-cionam a sua execução.

O código de águas, embora já tratasse de usos múltiplos, tornara-se inadequado pelo fato de priorizar o esforço industriali-zante da Era Vargas, o que não mais satis-fazia às demandas do país, especialmente no que tange à sustentabilidade.

A Política Nacional de Recursos Hídricos (lei n.º 9.433/97) vem trazer uma concep-ção de gestão de recursos hídricos trans-formada, acompanhando as alterações no debate que se travava nas décadas de 1980 e 1990 – o Estado enquanto mediador de conflitos com fundamentação na descen-

tralização e participação no seu escopo. O consórcio entre os conceitos de desenvol-vimento sustentável, utilização racional dos recursos hídricos e sustentabilidade am-biental no tratamento das políticas públicas ambientais no Brasil emerge e motiva as ações que se direcionam às iniciativas de um Estado planejador e mediador dos va-riados interesses que envolvem e que são tratados nessa política de recursos hídricos.

A política nacional dos recursos hídricos e a universalidade do

direito à água

No Brasil, embora com dificuldades, resultantes da diversidade de situações e problemas presentes na grande extensão territorial do país, um modelo de gestão encontra-se em implantação, podendo ser identificados, em suas frentes prioritárias, programas que se desdobram em ações concretas nas esferas governamentais (Pompêo, 2006). A Política Nacional dos Recursos Hídricos (lei n.º 9.433/97) vem acompanhar a ordem da Política Nacional do Meio Ambiente (lei n.º 6.938/81) nesse sentido. E são algumas dessas frentes que neste trabalho serão discutidas.

A lei n.º 9.433/97 compreende uma alteração substancial na gestão dos recursos hídricos, que inclui a criação da Política Nacional de Recursos Hídricos e a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, com fundamentação legal e em consonância com as leis que precedem esta iniciativa: Código de Águas (Decreto n.º 24.643/34), Política Nacional do Meio Ambiente (lei n.º 6.938/81), Constituição

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Federal de 1988 e todos os debates e agendas internacionais. Essas leis já anunciam o que vai estar na PNRH, especialmente nos dois aspectos que ganham destaque nessa discussão: caráter público da água e valor econômico da água.

A PNRH, no seu artigo primeiro, estabelece as bases, os fundamentos de sua política. Destaco os parágrafos que aqui nos cabem:

• a água é um bem de domínio público (1.° parágrafo);

• a água é um recurso natural limitado, do-tado de valor econômico (2.º parágrafo);

• a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participa-ção do Poder Público, dos usuários e da comunidade (6.° parágrafo).

A PNRH declara a água como bem de domínio público de interesse comum e, por reconhecê-la como recurso natural limitado, dotado de valor econômico, situa o disciplinamento em situações conflituosas, em contextos de qualidade ou de escassez. Esta política contém um papel central no contexto da problemática ambiental e das políticas públicas. Deste modo, neste capítulo, o foco será os parágrafos primeiro e sexto em seus supracitados fundamentos.

Segundo Machado (1998), o caráter da água enquanto “bem de domínio público” não encontra consistência no fato de pertencer à União ou aos Estados, mas incide sim na gestão e na prestação de contas à população acerca dos recursos hídricos de forma contínua, transparente e motivada. Ou seja, o poder público tem o dever de observar, cuidar e controlar os recursos hídricos, pois esta característica de propriedade pública destes recursos se dá pelo interesse que

eles possuem em si, que é o interesse da coletividade, um caráter público (e não pelo fato de não poder ser o seu uso concedido ao setor privado, dado que a lei assim o permite).

A gestão pública das águas: a governança e a gestão

compartilhada

Dentro dessa ótica, não é só o governo o responsável pela gestão dos recursos hí-dricos, mas esta deve envolver a iniciativa privada, os cidadãos e os órgãos públicos. Trata-se do modelo de gestão compartilha-da/descentralizada que se propôs na PNRH, cujo desafio consiste justamente na articula-ção das ações do Estado, Sociedade e Mer-cado.

Segundo Costa (2003), esse modelo de gestão compartilhada significa conjugar às instituições originais (Estado) atribuições de regulação e/ou planejamento de dispositivos de articulação intergovernamental, interse-torial e de interesses de agentes particula-res – como a sociedade civil e empreende-dores. A sociedade civil é importante para a viabilização de processos participativos que orientem o uso sustentável dos recursos. Já os empreendedores colaboram com investi-mentos para a utilização dos recursos cujo retorno será, teoricamente, revertido para a racionalização dos próprios recursos hídricos. O espaço de atuação do Estado fica, por sua vez, na formulação de políticas de comando e controle, agindo em função do disciplina-mento legal e fiscalização, além da mediação dos conflitos nessa gestão descentralizada.

Silva (2005), na discussão do prefácio da obra “Mediação de conflitos socioambien-

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tais”, refere que interesses socioambientais convergentes e divergentes são costumei-ramente intensos, pois ocorrem em função de diferentes formas e interesses de uso e acesso aos recursos. Os gestores públicos ou privados devem, portanto, estar preparados para administrá-los dentro deste cenário, pois, de acordo com seu debate, a mediação de conflitos e a gestão de interesses estão em evidência, dado que o mérito público deve permear os âmbitos político, econômi-co, ecológico e social.

A gestão ambiental surge como um cam-po conflituoso dentro desse jogo de preten-sões entre os diferentes atores sociais envol-vidos. Segundo Theodoro (2005), a gestão ambiental pode ser entendida justamente como um processo de mediação de inte-resses e conflitos entre os atores – comu-nidade, instituições, poder público e privado – que agem sobre os meios físico-naturais e construídos, definindo e redefinindo con-tinuamente o modo como os diferentes ato-res alteram a qualidade do meio ambiente e, também, como distribuem os custos e bene-fícios de suas ações.

É necessário que alguns pilares estejam bastante consolidados para que se possa assegurar uma gestão ambiental efetiva. O primeiro pressuposto é a existência de uma legislação ambiental sólida. Nesse aspecto, a legislação brasileira, tida como avançada, poderia ser a grande base de sustentação. Porém, segundo alguns autores, os entraves à aplicação das leis, bem como a adoção de providências técnicas mais concretas em re-lação a problemas ambientais, são imensos. O segundo pressuposto requer instituições públicas fortalecidas, que permitam a co-ordenação e a implementação dessa legis-lação. No entanto, segundo Bursztyn (apud

Theodoro et al., 2005), o desmonte das ins-tituições públicas, provocado após a adoção de políticas neoliberais, especialmente na década de 1990, revela profundas fragilida-des no setor administrativo brasileiro. O últi-mo, tão importante quanto os anteriores, é a legitimidade social, que se traduz em apoio à sociedade. Nesse contexto, nos dias atuais, quando não mais se aplica a simples solução de se mudar um pouco para não modificar o todo, uma parte significante da sociedade passou a tomar consciência da necessidade de mudanças, como solução para viabilizar a continuidade (Theodoro et al., 2005)

A implementação desse modelo de gestão repercute numa transformação da lógica de gestão da administração pública, que reflete uma tendência das últimas décadas (espe-cialmente desde os anos 1990), abrindo um espaço de interlocução muito maior e mais complexo, e ampliando o grau de respon-sabilidade de outros segmentos na gestão pública. Trata-se, de fato, de novos espaços institucionais que estão se criando para as relações que se pretendem entre usuários e os setores público e privado. Espaços nos quais se torna possível, caso os instrumentos de participação sejam efetivados, a altera-ção dos padrões de governança por meio do estabelecimento de novas mediações entre Estado e sociedade civil, baseadas no apri-moramento de suas relações democráticas (Milani, 2008).

Essa ideia se ajusta ao conceito de gover-nança. A governança surge como a totalida-de de maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, adminis-tram seus problemas comuns; é um meio e processo capaz de produzir resultados efica-zes no que diz respeito não só a instituições e regimes formais autorizados a impor obe-

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diência (coercitivos), mas também a acordos informais que atendam aos interesses das pessoas e instituições.

No plano global, a governança foi vista primeiramente como um conjunto de relações intergovernamentais, mas agora deve ser entendida de forma mais ampla, envolvendo organizações não governamentais (ONG), movimentos civis, empresas multinacionais e mercados de capitais globais. Com estes interagem os meios de comunicação de massa, que exercem hoje enorme influência. (Comissão sobre Governança Global apud Gonçalves, 2005 p. 4).

Para Gonçalves (2005), a definição de go-vernança perpassa o processo que objetiva e é capaz de produzir resultados eficazes, sem necessariamente a utilização expressa da coerção; porém, sem excluir a dimensão estatal, pois diz respeito à totalidade das di-versas maneiras para administrar problemas, com a participação e ação do Estado, setores privados e da sociedade civil.

O conceito de Participação Social, conju-gado ao de governança, contribui ainda mais para o entendimento do que se propõe na política de recursos hídricos quanto à des-centralização e participação:

Para Sayago (2000), a participação, mais do que uma ação mecânica de escolha de representante, significa “partilhar um lugar no mapa”, criar uma identidade coletiva que envolva a crença que, quando as pessoas se abrem umas às outras, cria-se um tecido que as mantém unida. Sennet (1998) lembra que isso significa que, em geral, podemos dizer que o senso de comunidade, de uma sociedade que tem forte vida pública, nasce dessa união da ação compartilhada e de um senso do eu coletivo compartilhado (Theodoro et al., 2005 p.49).

Partindo da ideia de que a participação se encontra na sociedade, em combinações das mais variadas, Theodoro et al. (2005) salientam que ela se manifesta enquanto

participação individual, participação coleti-va, participação passiva, participação ativa, participação voluntária e participação instru-mental. Estas se revelam conforme as for-mas que assumem na vida social. Segundo sua discussão, quanto mais a comunidade se integra, mais ela se liberta e desenvolve políticas horizontais, fazendo crescer mais a adesão voluntária do que o governo quer e somando esforços na direção do que a co-munidade deseja. Sendo assim, a introdução da participação comunitária na gestão am-biental extrapola a simples informação sobre os planos de desenvolvimento, ela celebra um diálogo interminável na configuração de projetos entre planejadores, agentes de mercado e comunidade, construindo assim novas formas de compreensão do ambiente natural e das políticas públicas.

Apesar das transformações nesses espaços tenderem a ampliar os canais de representatividade dos setores organizados para atuarem junto aos órgãos públicos no gerenciamento dos recursos hídricos, esse princípio ainda possui muitas fragilidades. A participação social dos sujeitos geralmente se dá nos conselhos de meio ambiente, nos comitês de bacias e nas áreas de proteção ambiental, participação esta que se desenvolve nos âmbitos de pouca influência no processo decisório destas instâncias. Ainda assim, pode-se dizer que, mediante esses canais, potencializa-se a participação de uma multiplicidade de atores inseridos em novos espaços públicos de interação e negociação na gestão pública.

Nesse sentido, com relação ao processo de governança descentralizada da água, requer-se o desenvolvimento de processos de articulação de ações e decisões, bem como o aprimoramento de estratégias de

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manejo e gestão das águas, tomando como partida a bacia hidrográfica, que é a unidade territorial para a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Esse tipo de gestão pode se constituir, ao mesmo tempo, em um progresso significativo para o processo participativo, mas pode também abrir brechas para a representação de influências mercadológicas:

Geralmente a utilização do conceito inclui leis, regulação e instituições, mas também se refere a políticas e ações de governo, a iniciativas locais, e a redes de influência, incluindo mercados internacionais, o setor privado, e a sociedade civil, que são influenciados pelos sistemas políticos nos quais se inserem [...]. Como não há um conceito único de governança, ou uma única abordagem, podem se identificar três formas de vê-la: a) os que se preocupam com a deficiência financeira e administrativa (lado econômico); b) os que enfocam nas questões políticas, como democracia, direitos humanos e processos participativos; c) os que procuram ver se há ou não coerência entre o sistema político-administrativo e o sistema ecológico na gestão dos serviços. Três elementos fazem parte do sistema de governança: um elemento político, que consiste em balancear os vários interesses e realidades políticas; o fator credibilidade, instrumentos que apoiem as políticas, que faça com que as pessoas acreditem nelas. (Jacobi, 2008 p. 28).

Segundo a abordagem de Jacobi (2008), a gestão pública ambiental, mais especificamente a gestão compartilhada das águas sugerida na legislação, constitui-se em uma institucionalização, sempre complexa e contraditória, de práticas participativas e inovadoras, apresentando, desse modo e ao mesmo tempo, avanços e conflitos. Avanços, no que diz respeito à ampliação do espaço

democrático; e conflitos, no que diz respeito às brechas para a assimilação mercadológica.

O marco legal e as políticas públicas relativas

aos recursos hídricos

Essa característica legal do disciplinamento dos recursos hídricos na legislação brasileira, conforme exposto, possibilita a participação direta da iniciativa privada na gestão dos recursos hídricos em alguns contextos e casos. De acordo com o que foi mencionado, toda água é insusceptível de apropriação privada e livre para o consumo, seja ele humano, animal, seja para fins agrícolas e industriais (Silva, 1997); mas as concessões, licenciamentos e outorgas são instrumentos legais que proporcionam ao mercado o gerenciamento dos recursos hídricos em determinados contextos.

A criação da Agência Nacional de águas – ANA (lei n.º 9.984/00) contribui com esse processo de reorganização do sistema de gestão de recursos hídricos, que ocasiona um método de negociação entre os diversos agentes públicos, usuários e sociedade civil organizada. A ANA é vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, sendo a entidade federal responsável pela implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e pela coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Dentre as suas atribuições, ela tem o dever de participar da elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos e prestar apoio na elaboração dos planos estaduais de recursos hídricos (que tratam do estabelecimento de ações no sentido de fortalecer o sistema

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de gestão dos recursos hídricos da bacia); implantar o Sistema Nacional de Informações sobre os Recursos Hídricos; autorizar o direito de uso de águas (outorga) e fiscalizá-los; além de arrecadar, distribuir e aplicar as receitas auferidas mediante cobrança.

A outorga é um dos instrumentos básicos da PNRH para o gerenciamento dos recursos hídricos que já havia sido estabelecido desde o código de águas e reforçado na Constituição Federal. É a ferramenta utilizada pelo poder público para o disciplinamento do acesso aos recursos hídricos, já que ela é responsável por conceder o direito ao uso da água, com a intenção de que tal uso seja conferido com controle ou restrições para as diversas atividades econômicas que se pretendem.

Assim a outorga é o ato administrativo mediante o qual o outorgante, o poder público, estabelece termos e condições com vistas à harmonização entre os múltiplos usos da água, garantindo a todos os usuários o acesso aos recursos hídricos, conforme a disponibilidade em cada bacia hidrográfica, agindo no sentido de assegurar que as atividades humanas se processem em um contexto de desenvolvimento socioeconômico sustentável e assegurando a disponibilidade dos recursos hídricos aos seus usuários atuais e às gerações futuras, em padrões adequados de qualidade e quantidade.

Entende-se como uso da água qualquer utilização, empreendimento ou atividade em recurso hídrico que altere seu regime ou suas condições qualitativas ou quantitativas, independentemente de haver ou não retirada de água, barramento ou lançamento de efluentes, como determinado na legislação: derivação ou captação de corpo hídrico ou de aquífero subterrâneo para abastecimento

público, consumo final ou insumo de processo produtivo; o lançamento em corpo hídrico de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; o uso para fins de aproveitamento de potenciais hidrelétricos; outros usos que alterem o regime da água, tais como dessedentação de animais, recreação, navegação, dentre outros (art.12 – lei n.º 9.433/97). O poder público, segundo Silans (2008 p. 255-256), classifica três tipos de outorga:

1. licenciamento ambiental, cuja permissão é concedida às atividades com potencial poluidor, incluindo licença de instalação e operação;

2. outorga de lançamentos, concedida às ati-vidades que utilizam o corpo hídrico para destinação final dos resíduos;

3. outorga de uso da água, destinada es-pecialmente aos usos consuntivos. Sub-divide-se em: concessão de uso, licença de uso e permissão de uso. Estas variam entre si com relação à utilidade pública, precariedade do curso hídrico e tempo de autorização.

A outorga autoriza/confere o direito de uso, após análise da demanda apresentada pelo interessado e da disponibilidade ou oferta de água existente em um corpo de água, observando os demais usos existentes somados à vazão necessária para manutenção da vida aquática e à vazão requerida para diluição dos efluentes. No entanto, um questionamento me parece bastante pertinente ao contexto das concessões públicas para o uso dos recursos hídricos: há de fato um disciplinamento do acesso à utilização da água? Ou a outorga

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apresenta brechas para a apropriação dos recursos hídricos ao atendimento dos interesses privados e de mercado?

Conforme aponta Silvestre (2003), as formas de apropriação e uso da água devem ser tratadas como relações sociais e de poder, e as normas que as regulam, como frutos de pressões que os diversos grupos sociais exercem sobre o Estado, como resultado e condição da reprodução destas relações, pois a regulação do uso da água é assunto eminentemente político.

A lógica é de simples compreensão: “A água é essencial à produção e, numa sociedade mercantil, é impossível se compreender a lógica subjacente às normas que regulam sua apropriação sem ter em conta os interesses econômicos em disputa” (Domingos Neto & Silvestre, 2011, p. 3).

A multiplicidade de interesses dos sujeitos e grupos sociais contribui nessa compreensão, pois o Estado está envolto numa rede de conflitos que as políticas públicas devem mediar, ou seja, há um embate que desemboca nas relações de poder:

Os fundamentos da Lei 9.433 revelam sua adequação às necessidades atuais do capital, as contradições que o permeiam e traços marcantes do Estado e do ambientalismo mundialmente hegemônicos. A reforma brasileira assemelha-se a outras que estão sendo realizadas no mundo e que, invariavelmente, tendem a ampliar o espaço mercantil. A nova política pretende-se democrática e descentralizadora; configura-se, em princípio, como um espaço aberto à participação popular. Trata-se, porém, de uma vigorosa ação do Estado que o desobriga de responsabilidades que até então lhe eram imputadas e aumenta as possibilidades de controle sobre esse recurso. Sob a aparência de atender a todos e proteger os recursos hídricos, a Lei poderá constituir-se em um importante

instrumento para a expansão do capital e a destruição da natureza. Apesar disso, ao colocar a água como bem de domínio público, contém abertura legal para as lutas de resistência contra sua mercantilização. (Silvestre, 2003, p. 7).

No contexto do abastecimento de água, há um embate de décadas acerca da estatização ou privatização das empresas responsáveis pelo saneamento e provimento dos recursos hídricos para consumo. Tal tendência se baseia na lógica do projeto neoliberal que enfatiza o modelo de privatização dos recursos públicos.

Segundo Batista Júnior (1994), a proposta desse projeto tem dois objetivos principais, que são a redução do Estado e a máxima abertura à importação e à entrada de capitais de risco. Esta redução ocorre, por exemplo, com as privatizações, que, sustentadas no argumento de desoneração dos cofres públicos e promoção da eficiência nas infraestruturas, se implantam em importantes setores e vão se apropriando dos espaços públicos.

No caso do saneamento público brasileiro, essa pressão também se manifesta de maneira recorrente, especialmente desde meados da década de 1960, com fortes pressões para a desestatização, privatização ou municipalização dos serviços de saneamento.

Por saneamento, entendem-se os serviços que se destinam ao abastecimento público de água em padrões de potabilidade (captação, tratamento e distribuição) e esgotamento sanitário (recolhimento, tratamento e reposição em padrões de diluição nos corpos hídricos). A Companhia de Água e Esgotos da Paraíba, responsável pela execução destes serviços no Estado da Paraíba – com abrangência de quase 92% das cidades

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–, não deixa de passar por esses conflitos que permeiam a gestão pública, e é nesse sentido que a discussão vai se encaminhar neste momento.

O abastecimento público da água pela CAGEPA: desafios

de uma gestão pública

A Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (CAGEPA) é uma sociedade de economia mista, que tem como competência a administração de todos os serviços de água e esgotos (saneamento), compreendendo planejamento e execução das obras e instalações, operação e manutenção dos sistemas, medição do consumo de água, faturamento e arrecadação de tarifas aos usuários, aplicação de penalidades e quaisquer outras medidas a eles relacionadas na sua jurisdição. Tal competência está amparada na lei estadual n.º 3.459, de 31 de dezembro de 1966 (CAGEPA, 1984). A lei estadual n.º 9.260/10 reforça esse caráter e coloca a CAGEPA com a titularidade dos serviços de saneamento básico na Paraíba:

A Companhia de água e esgotos da Paraíba - CAGEPA, sociedade de economia mista, instituída nos termos da lei estadual 3459/66, é a entidade organizada pelo estado da Paraíba para prestar os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, submetendo-se ao planejamento, coordenação e regulação, inclusive tarifária, da Agência Reguladora da Paraíba – ARPB e, se for o caso, havendo comum acordo, a órgão municipal criado com essa finalidade ou a pessoa jurídica originária de consórcio público celebrado entre estado e município. (art. 10, da lei n.º 9.260/10).

Por empresa de economia mista ou sociedade de economia mista, entende-se a conjugação entre o Estado e particulares na reunião de recursos para a efetivação de determinada finalidade. Como envolve diferentes atores, o seu patrimônio social é dividido entre eles na proporção em que as ações se distribuem. No caso da CAGEPA, o percentual público consiste em 99,9%, ou seja, embora haja brechas para a apropriação direta do capital privado na empresa (a qualquer momento mais ações poderão ser vendidas, aumentando o espaço privado nos lucros da empresa), a participação extraestatal é mínima, e esse fator congrega ainda mais para o controle e responsabilização pública que se deve cobrar quanto ao atendimento das demandas populacionais com relação aos empreendimentos do saneamento. Entretanto, a realidade de transferência de responsabilidades ao capital privado parece ser muito presente na realidade da CAGEPA.

Netovich Maia Duarte, diretor comercial da companhia, em entrevista a esta pesquisa, alerta para as pressões de diversas vias que agem no sentido de desestatização do saneamento. Segundo ele, embora haja uma forte defesa acerca das defasagens e inoperâncias do serviço público, os exemplos de privatizações com relação aos serviços essenciais, como o fornecimento de água, comprovaram inadequação e falência operacional, como ocorreu no caso das privatizações no Reino Unido. A transferência de responsabilidade dos serviços de abastecimento de água às multinacionais pela primeira-ministra na década de 1980 gerou uma crise de suprimento de recursos hídricos à população após 204 anos sem este problema. Na sua interpretação, privatizações indiscriminadas de serviços públicos essenciais – geração,

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transmissão e distribuição de energia elétrica, telefonia fixa, e especialmente o fornecimento de água e coleta de esgotos – não são aceitáveis pelo fato de que toda empresa privada tem como principal foco o lucro, e este, muitas vezes, vai de encontro ao provimento das necessidades de pessoas de baixo poder aquisitivo relacionadas a estes serviços fundamentais.

A desestatização dos serviços de sanea-mento, segundo ele, envolve a diminuição do papel do Estado, as privatizações (que incluem terceirizações e parcerias público--privadas) e a municipalização dos servi-ços. Segundo sua abordagem, a defesa da municipalização dos serviços de forne-cimento de água e esgotamento sanitário na Paraíba não é viável, pois a capital é responsável por 63% da arrecadação da CAGEPA. Logo, se tirasse João Pessoa, iria promover um desequilíbrio financeiro na empresa que prejudicaria todo o Estado. “Pensando nisso, a mudança não é aceitá-vel e o nosso propósito é manter a CAGEPA enquanto empresa pública, e não inviabili-zá-la” (Netovich Maia Duarte, em entrevis-ta em agosto de 2012).

Nesse sentido, a Parceria Público-Privada (PPP) é outra brecha permitida pela lei federal n.º 11.079/2004. Esta Lei se aplica aos órgãos da Administração Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A Parceria Público-Privada aparece como o contrato administrativo de concessão, em que se observam as seguintes diretrizes de contratação: eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego

dos recursos da sociedade; respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução; indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; transparência dos procedimentos e das decisões; repartição objetiva de riscos entre as partes; sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.

Segundo análise de Di Pietro (apud Moura & Aguiar, 2010), as parcerias público-privadas se apresentam como institutos velhos com nova roupagem: “Tal vocábulo é utilizado para designar todos os modelos de sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica, são organizadas entre o setor público e o privado, para a consecução de fins de interesse público” (Moura & Aguiar, 2010, p. 179).

A supracitada lei estadual n.º 9.260/10, em seu artigo 18, caminha nesse sentido ao estabelecer critérios para a gestão associada dos serviços de saneamento na Paraíba. Neste artigo, o Poder Executivo estadual fica autorizado a realizar gestão associada de serviços públicos de saneamento básico, mediante convênios de cooperação celebrados com os municípios, bem como a constituir consórcios públicos em prol do interesse da coletividade.

Respaldado pelo interesse coletivo, o Poder Executivo abre possibilidade para parcerias público-privadas: “[...] a CAGEPA poderá contratar empresas privadas para a execução de atividades específicas necessárias à operação e manutenção dos sistemas” (art. 18, inciso 4, da lei n.º 9.260/10). Foi o caso da iniciativa do governo do Estado em 2010

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para o esgotamento sanitário de Patos. Tal cidade, com apenas 7% de sua área urbana saneada neste ano, teria 100% de sua área saneada por meio da experiência de Parceria Público-Privada na Paraíba, que investiria uma cifra de R$ 148 milhões para o empreendimento, a serem pagos no prazo de vinte anos ao banco fornecedor mediante futuras contas das ligações domiciliares de cada usuário dos serviços na cidade de Patos. A PPP seguiria da seguinte forma: a empresa ganhadora da licitação (empresa paulista Engeforme Comércio e Construção Ltda., com trinta anos no mercado) assina o contrato com o Estado, cria uma Sociedade de Propósitos Específicos (SPE), faz a captação dos recursos junto à Caixa Econômica, executa a obra e a entrega ao Governo do Estado, que vai operacionalizar o sistema por intermédio da CAGEPA, que tem a incumbência de fiscalizar todo o andamento da obra.

Esse caso ilustra um espaço de captação de recursos pela iniciativa privada, cedido pelo Estado, que inclina a correspondência aos interesses do modelo neoliberal de gestão e administração pública, de modo que a distribuição dos recursos (naturais e financeiros) tende a atender, em primeira instância, às pressões dos empreendimentos capitalistas, favorecendo o mercado. Este modelo é conflituoso porque choca com uma variedade de interesses escamoteados que a descentralização deveria abarcar.

Cabe-nos aqui a discussão de Martins (apud Theodoro et al., 2005) sobre as fronteiras móveis de demarcação dos espaços do Estado, da sociedade e do setor produtivo, que tendem a gerar conflitos. Na sua explanação, as dificuldades no estabelecimento de delimitações que precisem esses espaços são muitas e se baseiam no fato de que, na realidade das

interações entre tais categorias na prática social, há interações que geram fronteiras movediças, com sobreposição variável entre elas, não se podendo definir com exatidão onde começa e onde termina a outra, já que as configurações são instáveis.

No entanto, as reivindicações dos novos sujeitos sociais fazem deles grandes protagonistas nesse processo. No caso da instalação da PPP na CAGEPA, esse espaço de participação social e governança se apresentou revertendo a lógica que se pretendia instalar. O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Purificação da Água e em Serviços de Esgoto do Estado da Paraíba (STIPDASE – PB) e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas da Paraíba (STIUP – PB) elaboraram denúncias fundamentadas em documentos e estudos que demonstraram a inviabilidade da iniciativa, bem como revelaram que poderia se tratar de um plano de privatização da CAGEPA. A exposição do contrato à população, os estudos e a denúncia geraram o cancelamento do contrato, reforçando a defesa pela definição do espaço público:

O STIPDASE-PB sempre encabeçou lutas pela defesa dos trabalhadores da CAGEPA, assim também como na manutenção de uma empresa pública, eficiente e eficaz, prestando um bom serviço à população paraibana. O STIPDASE-PB, que sempre defendeu os interesses dos trabalhadores da CAGEPA, travou lutas contra privatização e outras formas de se privatizar, como o uso de PPPs, muito ocorrente no setor de saneamento, sendo um dos únicos sindicatos do Nordeste e do Brasil que conseguiu impedir a concretização de implantação de uma PPP na cidade de PATOS e derrotou o projeto de municipalização de Campina Grande”. (STIPDASE, nota de esclarecimento, 2012).

Segundo Theodoro et al. (2005), a emergência de novos sujeitos sociais, portadores de novas exigências, traz

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reflexos para a relação entre o Estado e o setor produtivo. Diante das novas demandas sociais, exigem-se novos procedimentos de mediação dos conflitos com base em interesses coletivos e individuais, ao mesmo tempo, e não apenas fundamentados em interesses econômicos exclusivamente individuais.

Conforme já fora apontado, no caso do abastecimento de água e no de saneamento básico em geral, os espaços de participação são restritos. A própria lei n.º 9.260/10, ao retratar o controle social, restringe apenas ao

caráter consultivo a atuação da Conferência Estadual de Saneamento Básico5. De qualquer modo, embora haja fragilidades no que tange aos canais de representatividade e participação definidos pelas legislações no âmbito do abastecimento público, as transformações que ocorrem nesses espaços de conflitos vêm se desenvolvendo; convém fortalecê-los, visando suprir as carências e demandas de uma pluralidade de atores inseridos nesses novos espaços de representação na gestão pública.

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Resumen: El trabajo propone una evalua-ción de la política nacional de los recursos de agua/PNRH basada en la premisa del carácter público del agua y su valor eco-nómico, para discutir la apropiación de los espacios públicos y la apertura de la ges-tión pública a la participación de la socie-dad civil. Se trata de un breve análisis de herramientas de administración de la Com-panhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGE-PA (Sistema de Abastecimiento de Agua y Alcantarillado de Paraíba - CAGEPA) y sus acciones en Joao Pessoa, a través de la bús-queda documental y bibliográfica, así como entrevistas con el Gerente de la empresa. Además, presentaremos la evaluación de la PNRH en la CAGEPA respecto a la eficacia de sus instrumentos y a las herramientas de control y mediación de conflictos ambien-tales, económicos y sociales, el Estado, la sociedad civil y el sector privado.

Palabras clave: administración pública, re-cursos hídricos, Estado.

Résumé: Cet article propose une évalua-tion de la Politique Nationale des Ressour-ces Hydriques/PNRH basée sur le principe du caractère public de l’eau et de sa valeur économique, visant à remettre en ques-tion l’appropriation des espaces publics et l’ouverture de la gestion publique à la par-ticipation de la société civile. Il s’agit d’une brève analyse des outils de gestion du Com-panhia de Água e Esgoto da Paraíba-CAGEPA (Réseau d’Approvisionnement en eau de la Société des Eaux et Égouts de Paraíba - CA-GEPA) et ses actions à João Pessoa, à travers la recherche bibliographique et documentai-re, et aussi par le biais d’entretiens avec un gestionnaire du conseil d’administration de la société. L’évaluation de la PNRH au sein de CAGEPA sera élaborée à partir de l’analyse de l’efficacité de ses instruments par rapport aux outils de contrôle et de médiation des conflits environnementaux, économiques et sociaux impliquant l’État, la société civile et le secteur privé.

Mots-clés: gestion publique, ressources hydriques, État.

Notas

1 Este artigo é parte da monografia de conclusão do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba, defendida em 2012.

2 Costuma-se utilizar o termo “recursos hídricos”, em vez de águas, ao se falar em questões ambientais. O termo “águas” é utilizado quando se remete às águas em geral: doce, salgada, potável, mineral, etc.; já o termo “recursos hídricos” se refere àquela compilação de águas (superficiais ou subterrâneas) que seja compatível para uso humano (SEMARH/SRH – SERGIPE).

3 São muitos os vieses que desembocam nessa questão tão emblemática para a humanidade: a distribuição das águas; a heterogeneidade da distribuição geográfica dos recursos hídricos; as nossas contribuições mais diretas, tais como poluição, contaminação, desperdício (que será um dos enfoques desta discussão), desmatamento, mau uso dos recursos, má gestão, etc.; e as indiretas, como as mudanças climáticas, o aumento da temperatura global, que elevam os índices de evaporação, dentre outros. Estes são agravantes que se expandem diariamente devido ao crescente aumento da população e, consequentemente, em virtude do aumento das demandas energética, agrícola, dentre outras.

4 O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos é o documento principal elaborado pelo Programa Mundial de Avaliação de Recursos Hídricos (WWAP), um programa da ONU-Água com sede na UNESCO. A ONU-Água é o mecanismo de coordenação das Nações Unidas para todas as questões relacionadas à água doce, convergindo no trabalho de 28 organismos-membros das Nações Unidas e de 25 organizações associadas. O trabalho ocorre em estreita colaboração com os membros e os associados da ONU-Água na preparação do Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos, um produto coletivo resultante da mais ampla colaboração no Sistema das Nações Unidas.

5 Composta pelos titulares dos serviços, órgãos governamentais relacionados ao setor de saneamento básico, prestadores de serviços públicos de saneamento básico, usuários de serviço de saneamento básico, entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor de saneamento.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 145

Os esportistas de natureza e as bicicletas pedem voz e vez na paisagem de João Pessoa

Athletes of nature sports and bikes require more room in the landscape of João Pessoa

Los deportistas de la naturaleza e las bicicletas requieren espacio en el paisaje de João Pessoa

Les athlètes de sport en plein air et les vélos revendiquent plus d’espace dans le paysage de João Pessoa

Sônia Maria Neves Bittencourt de Sá*

Resumo: Este artigo reflete sobre o uso das bicicletas no esporte e como veículo de transporte, vinculado a uma concepção de cidade e articulada a políticas públicas. Para além de um simples modismo, a inserção das bicicletas e o modo de vida de quem as usam diz respeito às escolhas políticas, às concepções de espaço público, a educação para o convívio social, incluindo o trânsito e a valorização das diferenças nas diversas possibilidades de se viver na cidade. Baseia--se na dissertação de mestrado de Sá (2011) que pesquisou a relação entre cidade sus-tentável, políticas públicas e esporte de na-tureza na cidade de João Pessoa. Dentre os vários esportes de natureza pesquisados, o ciclismo foi o escolhido por possuir poten-cialmente maior abrangência na sua prática e se inserir como meio de transporte para milhares de brasileiros trabalhadores. Assim cada vez mais o ciclismo está associado dire-tamente, por diferentes razões e interesses à ideia da melhoria da qualidade de vida urba-na em várias cidades brasileiras e do mundo e vem se expandindo na área esportiva.

Palavras-chave: esporte, políticas públi-cas, sustentabilidade.

Abstract: This article discusses the use of bicycles in the sport and as a transport vehi-cle, as well as its link to a conception of the city, taking into account public policies. More than just a fad, the insertion of the bikes and the lifestyle of the ones who make use of them regard policy choices, conceptions of public space, and education for social in-teraction, including traffic and appreciation of differences in the various possibilities of living in the city. It is based on a master’s thesis that investigated the relation among sustainable city, public policy and sports of nature in João Pessoa. Cycling was chosen for this article for it potentially has greater scope in practice and by the fact that it is used as a means of transportation by thou-sands of Brazilian workers. Thus, cycling is, for different reasons and interests, incre-asingly directly associated with the idea of improving the quality of urban life and has expanded in sports.

Keywords: sport, public policy, sustaina-bility.

* Mestre em gestão ambiental pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected]

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O pequeno trecho da música acima reflete

em muito o espírito de como os ciclistas, sejam eles atletas ou não, encaram o problema da inserção das bicicletas como forma de transporte. Apesar da visão apoteótica da “graciosa”, como é denominada pelos músicos, neste pequeno trecho, estão presentes dois grandes problemas da sociedade brasileira: o distanciamento entre os interesses do governo e Estado; e as novas dinâmicas de vida que circulam na sociedade em função dos problemas ambientais, do aumento da circulação de formas diferenciadas de se viver via internet e do desejo crescente da sociedade civil de ampliar seus espaços de interlocução com as instituições governamentais, pois esta ainda se vê alijada do processo democrático de participação, quando se pensa nas cidades como direito e cotidiano.

Na cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, esta situação não é diferente. De manhã cedo, é possível ver inúmeros trabalhadores se deslocando para seu trabalho de bicicleta. De todos os tipos e tamanhos, elas ocupam os acostamentos e, muitas vezes, calçadas. Seus usuários não carregam nenhum aparato de sinalização ou proteção, como capacetes, buzinas ou retrovisores. O risco e o perigo pela condução deste veículo são assumidos por cada um em sua individualidade, como se nada dissesse respeito aos administradores públicos ou governantes. Como se as bicicletas, mesmo quando citadas no código de trânsito como veículos, fossem ainda uma escolha lúdica e prazerosa de quem a usa. Esta situação não ocorre apenas entre os

Introdução trabalhadores, mas atingem também as categorias de esportistas, particularmente os de natureza, que se utilizam deste veículo para sua prática desportiva diária. Eles, mesmo que possuam, muitas vezes, condições econômicas que lhes permitam ter equipamentos de segurança, também são reféns das prioridades das políticas públicas, no que diz respeito à infraestrutura urbana de trânsito, pavimentação, educação e saúde.

Este artigo busca refletir como o uso das bicicletas no esporte e como veículo de transporte está vinculado a uma concepção de cidade e articulado a políticas públicas. Para além de um simples modismo, a inserção das bicicletas e o modo de vida de quem as usa dizem respeito às escolhas políticas, às concepções de espaço público, à educação para o convívio social, incluindo o trânsito, e à valorização das diferenças nas diversas possibilidades de se viver na cidade.

Politicamente, isto significa alteração de prioridades e abertura democrática para escutar os novos tipos de reivindicações feitas pela população, principalmente entre os jovens.

Atualmente, um dos aspectos que mais vem chamando a atenção das autoridades envolve o conceito de mobilidade urbana. Vasconcellos (2005) diz que a mobilidade urbana é a liberdade de deslocamentos de pessoas e bens a todas as atividades essenciais das cidades. Segundo este mesmo autor, fatores como idade, renda, escolaridade e gênero geram diferentes formas de deslocamentos (Vasconcellos, 2005, p.12).

No entanto, os aspectos citados por ele não são suficientes para explicar as

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diferentes mobilidades, caso não se leve em conta a forma da distribuição de renda, as oportunidades de participação, a forma de governo e o tipo de sociedade em que se vive. Ou seja, a mobilidade não se define apenas por aspectos individuais de escolhas, mas também por aspectos que estruturam e moldam a sociedade como um todo, sobretudo sobre suas políticas. Assim, numa sociedade construída sobre pilares de segregação social, o fato de se investir pouco em transporte coletivo de qualidade, em passarelas para pedestres e para bicicletas já diminui em muito a mobilidade de determinados segmentos da sociedade. É neste sentido que o ciclismo, mesmo analisado sob o enfoque do esporte de natureza, ganha relevância numa cidade como João Pessoa.

Esta questão que envolve o ciclismo e gera cada vez mais debates e discussão se espalha pelo Brasil afora de várias formas diferentes. Como exemplo mais recente, cito o I fórum de bicicleta de Manaus, realizado em abril de 2012, envolvendo vários atores sociais: esportistas; governo estadual, por meio da secretaria de transporte, turismo e saúde; ONGs; assembleia legislativa; e empresa privada, como a Caloi.

Portanto, sob o imperativo de uma nova ordem do capital que se impõe sobre um mundo assustado, com ameaças de escassez de recursos naturais, excessos de poluição, mudança de valores e das formas de coesão dos diversos grupos sociais, há espaços, mesmo em nível micro, para a viabilização de novas formas de se estruturar a vida cotidiana brasileira. Isto inclui as diferentes – e até então descartáveis – formas de deslocamento e

usufruto da infraestrutura de transporte urbano.

Este artigo se baseia na dissertação de mestrado de Sá (2011), que pesquisou a relação entre cidade sustentável, políticas públicas e esporte de natureza na cidade de João Pessoa. Dentre os vários esportes de natureza pesquisados, o ciclismo foi o escolhido para este artigo por possuir potencialmente maior abrangência na sua prática e se inserir como meio de transporte para milhares de brasileiros trabalhadores. Assim, cada vez mais o ciclismo está associado diretamente, por diferentes razões e interesses, à ideia da melhoria da qualidade de vida urbana em várias cidades brasileiras e do mundo e vem se expandindo na área esportiva.

A Constituição Federal e novos traçados na concepção dos esportes e das cidades

Uma das características marcantes do cenário brasileiro é sua enorme desigualdade social e econômica, inclusive entre as regiões geográficas do país. Isto foi muito bem explicitado nas mais diversas obras do falecido e renomado economista Celso Furtado. Segundo ele, a modernização do Brasil em torno do seu parque industrial foi feita com a maioria do povo na miséria ou sem acesso a oportunidades mínimas. Em discurso no ano 2000, na sede do Banco do Nordeste, quando propôs a recriação da SUDENE1, Celso Furtado diz:

A política econômica praticada tradicio-nalmente em nosso país criou uma so-

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ciedade com graves distorções e sujei-ta a crises intermitentes de balança de pagamentos externos (Furtado, 2000, p. 210).

A Constituição Federal de 1988 reconheceu estas desigualdades e trouxe, em vários de seus ordenamentos, diretrizes importantes para tornar mais equitativos os interesses econômicos do Estado, da iniciativa privada e dos cidadãos. Com isso, buscava-se uma melhor simetria econômica e social entre as regiões brasileiras. Essas intencionalidades poderiam ser sintetizadas no princípio da existência digna ou da dignidade humana. No campo da política urbana, surgem novos enfoques que, mais tarde, vão possibilitar a consolidação do Estatuto das cidades.

A Carta Magna garantiu a destinação de recursos públicos para o desporto e o lazer, ambos reconhecidos pelo seu valor socializador, que se projeta na relação homem, cultura e natureza. Segundo Melo (2009), o desporto deve ser entendido como um fenômeno social amplo e com caráter multidimensional, pois engloba o campo econômico, educacional, social, cultural, ambiental e político.

Dentro dos espaços das cidades, as práticas desportivas e de lazer se articulam de diversas formas como expressão de elementos culturais e sociais. Elas são geradores de demandas econômicas e serviços a exigir políticas que permitam maior inclusão da população dentro do que se denominou de melhor qualidade de vida e de direito à cidade.

O direito à cidade pode ser compreendido como um direito coletivo, de todas as pessoas, ao usufruto equitativo

da cidade dentro dos princípios da justiça social e territorial, da sustentabilidade ambiental e da democracia. Ou seja, o direito à cidade envolve o direito à moradia, ao acesso à terra urbanizada, ao saneamento ambiental, à mobilidade urbana, ao trabalho, à cultura, ao lazer, à educação, à saúde e a todos os bens e serviços necessários à reprodução social com dignidade e qualidade. O direito à cidade também envolve o direito de recriar a cidade, o direito de ter uma cidade radicalmente democrática, onde todos possam participar das decisões relativas à forma como a cidade deve funcionar e ao modo de organizar a vida coletiva (Junior e Barbosa, 2012).

Em 2012, quando se analisou o censo do IBGE2 de 2010, percebeu-se que – apesar dos avanços da Constituição na perspectiva de inclusão social e dignidade da pessoa e do direito à cidade, em que pesem os esforços feitos pelas políticas de Estado – as desigualdades persistiam e podiam ser observadas no interior dos traçados das cidades, nos bairros e nas instalações urbanas de uso público e privado. Estas desigualdades são notórias nas possibilidades e na qualidade dos bens que podem ser consumidos pelos diversos segmentos da sociedade. Dentre esses bens, figuram as bicicletas. Os espaços ocupados na cidade pela população demarcam, visivelmente, em países tão assimétricos como o Brasil, as diferentes possibilidades de participação econômica e social.

Lefebvre, em 1980, já apontava o espa-ço da cidade como produto social e, por-tanto, produtor de contradições. Segun-do ele, o mundo real é caracterizado por

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desigualdades sociais, crises financeiras, fragmentação do conhecimento, necessi-dades distintas e, sobretudo, pelo agra-vamento do conflito entre o capital e o trabalho. Estas questões remetem a uma visão do espaço como um componente dialeticamente definido dentro da econo-mia política. Assim, as cidades podem ser compreendidas como o espaço, o locus de coexistência da pluralidade e das simulta-neidades de padrões, da maneira de viver da vida urbana e dos conflitos sociais.

A cidade de João Pessoa e as bicicletas: um

convívio em construção

A cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, situada no litoral do Estado, é conhecida nacionalmente por possuir belíssimas praias e por estar situada em um dos pontos mais orientais das Américas. Por outro lado, até o início da década de 1980, era uma das capitais mais pobres do Nordeste brasileiro e do Brasil.

De acordo com o censo do IBGE de 2010, a cidade apresenta forte desigualdade social. Dos seus 64 bairros, com uma população estimada em 716.000 habitantes, ela apresenta, em 59 deles, setores caracterizados como aglomerados subnormais, isto é, localidades que apresentam, no mínimo, unidades habitacionais carentes de serviços públicos essenciais e, por isto, não apresentam condições mínimas de moradia, como favelas, cortiços e outros. Nestas localidades, o abastecimento de

água é precário, não há esgotamento sanitário, há carência de coleta de lixo regular, e a maior parte do fornecimento de luz é feito de forma irregular. Nestas localidades, moram 12,7% da população, o equivalente a 91.351 habitantes. Os bairros com maior número de favelas são Mangabeira, Alto do Mateus e Oitizeiro. As favelas mais antigas estão no Grotão, no Padre Zé e no bairro São José. Este último ganha maior visibilidade por se situar vizinho ao bairro de Manaíra, um dos mais luxuosos de João Pessoa. No dizer de Suassuna (2006, p. 55): “O bairro São José tem o mesmo direito de ser atendido com infraestrutura básica e serviços urbanos qualificados como os bairros vizinhos, da cidade formal, possuem”.

O contraste desta realidade está presente na forma como os ciclistas vão se organizar para a prática de seu esporte favorito. Por exemplo, entre os bairros da Ponta do Seixas, Altiplano e Cabo Branco, um maior fluxo de ciclistas pode ser percebido no amanhecer e ao entardecer. É a partir deste ponto, entre o bairro da Penha, Altiplano e Cabo Branco, que se pode evidenciar, durante as primeiras horas do dia e ao entardecer, um maior fluxo de ciclistas, que passam a ocupar as ciclovias existentes e os acostamentos. Ali, uma ciclofaixa permite o uso do ciclismo para fins recreativos, treinamento e deslocamento para o trabalho. Isto não ocorre por acaso. Os bairros citados acima, por estarem próximos à orla, apresentam uma forte expansão imobiliária, que atrai determinados setores e segmentos sociais mais favorecidos economicamente. Seguindo a lógica que sempre norteou o ordenamento das cidades, os locais

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públicos das classes mais privilegiadas tendem a possuir, em médio prazo, uma maior qualidade nas instalações públicas e contínua manutenção de sua infraestrutura. Um simples olhar ao vai e vem das bicicletas próximas a estes locais pode nos ajudar a demarcar as diferentes possibilidades de acesso aos bens de consumo, instalações públicas e recursos financeiros.

Ciclistas, atletas amadores ou simples esportistas, vindos de realidades tão diferenciadas, com seus uniformes e capacetes, formam seus grupos, suas turmas e tribos. Adotam este esporte por razões diferentes: paixão às magrelas, indicação médica, companhia de amigos, prazer pela aventura. Transformam as ruas e estradas de João Pessoa em passarelas para sua prática. Mesmo os trabalhadores sem uma indumentária própria para tal, ao se deslocarem com suas bikes para o serviço, formam seus grupos: o vizinho do bairro, o colega de trabalho, o filho que leva na garupa para a escola. Os ciclistas constroem suas redes de relacionamento e, muitas vezes, inconscientemente, de algum modo, rompem a fragmentação dos bairros. Neste cruzamento de bicicletas, há algo em comum entre os praticantes: o espaço público, as ruas e as infraestruturas para a prática desta modalidade. Este esporte, aos poucos, vai se moldando aos interesses econômicos, por apresentar uma série de vantagens nas economias. Na economia doméstica, há uma redução de gastos com passagens para o trabalho e escola, o que pode chegar a até 30% do orçamento mensal e a até 40% do custo de manutenção de um veículo, como um carro. Também se podem contabilizar

alguns casos citados na pesquisa de Sá (2011), como a diminuição de gastos com remédios, principalmente nos associados ao sedentarismo.

Na cidade de Barcelona (Espanha), por exemplo, o maior ganho no uso diário das bicicletas foi a queda de mortes no trânsito, que apresentou uma diminuição de 24%3. Isto pode significar menos gastos com saúde pública em termos de internações por acidente. Dados no Brasil, neste caso, vão em direção oposta, mostrando significativo aumento nos acidentes de trânsito envolvendo bicicletas. Isto se explica por alguns motivos: a. aumento do número de ciclistas; b. falta de uma política e de programas educativos para o uso compartilhado das vias públicas; e c. influência da concepção da sustentabilidade e do cuidado ambiental, que se incorporam nas ideologias da energia limpa e menos agressiva ao ambiente. No aspecto cultural, no imaginário de uma grande parcela da população, persiste a ideia das ruas como espaço privilegiado para os carros, e não para o pedestre e outras formas de transporte, mesmo quando o código de trânsito deixa claro que os pedestres têm preferência sobre qualquer veículo, e as bicicletas, sobre os carros (art. 29 do Código de Trânsito4). Ou seja, os maiores protegem os mais vulneráveis. Outra falsa concepção é que as bicicletas, por sua lentidão, atrapalham o trânsito. Estes fatores, aliados à falta de educação para o trânsito, fazem com que haja competição em relação a espaços nas ruas e desrespeito com relação à sinalização e ordem de preferência no trânsito. Estes dois últimos aspectos citados têm nítida relação com as políticas econômicas a

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partir da década de 1950, que associaram a indústria automobilística e o consumo de carros à ideia de desenvolvimento e progresso, influenciando assim os traçados urbanísticos – como, por exemplo, Brasília.

Em João Pessoa, nos finais de semana, é comum ver carros e ônibus de turismo estacionados nas ciclofaixas, principalmente em locais próximos a áreas turísticas, mesmo que haja sinalização indicando que esse espaço se destina ao uso de bicicletas. Este tipo de comportamento gera insegurança para quem usa as magrelas. Assim se refere o vice-presidente da Federação Paraibana de Ciclismo:

Precisamos começar a pensar o futuro nesses pequenos detalhes: melhorar a questão do trânsito, educação, questão de campanhas educativas. Esta questão de respeito ao próximo. Dificilmente você vê uma campanha falando do respeito do motorista com o ciclista e vice-versa. Educação é tudo. A gente tem que ver que os ciclistas também precisam rece-ber algumas informações importantes. Essas campanhas tanto vão servir para ciclistas quanto para motoristas. Para que possamos evitar mortes, tanta coisa negativa. Porque no trânsito os ciclistas têm direitos, mas também têm deveres (Paulo, vice-presidente, 2011).

Nas cidades que já incorporaram as bicicletas a suas rotinas e políticas públicas, tanto no trânsito como no desporte e lazer, como Aracaju e Curitiba, já há programas sistemáticos de educação para o respeito às ciclofaixas, ciclovias reforçadas por uma forte sinalização, dentre outras iniciativas.

Na pesquisa de Sá (2011), as bicicletas (20,7%) em João Pessoa são o meio de transporte mais utilizado após os carros (35,2%) para deslocamento entre os esportistas de natureza com 20,7% na

categoria Master5, superando, inclusive, as motocicletas (13,4%).

Outro fator citado pelos esportistas que dificulta o uso da bicicleta como veículo esta vinculado à falta de mais banheiros públicos com instalações adequadas para troca de roupa após um treino ou mesmo para tomar um banho, principalmente numa cidade em que o clima é quente. Mesmo no ambiente de trabalho, ainda são poucos os lugares em que há um local adequado para tal. Como destacado por um esportista (50 anos) em João Pessoa:

Faltam em João Pessoa instalações como na orla do Rio de Janeiro. Um banheiro público para que se possa tomar um ba-nho após o exercício e ir para o trabalho.

O que antes poderia parecer um luxo para um grupo de esportistas privilegiados, começa a fazer parte de uma reivindicação mais geral da população que se sente instigada a buscar novas opções em sua relação com o esporte, o lazer, a saúde e a cidade. Talvez, o pensamento de Santos (2008, p.102) possa sintetizar o que as bicicletas começam a significar para as pessoas e as mudanças que pleiteiam:

Nada fazemos hoje que não seja a par-tir dos objetos que nos cercam. Não há, todavia, por que se desesperar, já que a vida das coisas não é dada para todo o sempre. Se estas podem permanecer as mesmas na sua feição rígida, altera-se ao longo do tempo, seu conteúdo, sua função, sua significação, sua obediência à ação. As determinações mudam, mu-dando os objetos. As ações revivificam as coisas e as transformam.

O ciclismo se subdivide em várias categorias, conforme o tipo de terreno ou espaço em que é praticado. Entretanto, a grande maioria dos adeptos a este esporte o escolhe por ser praticado ao ar livre,

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em contato direto com a natureza. Pelo menos cinco de suas categorias permitem esta proximidade: ciclismo de estrada, montain bike, cross-country, downhill (DH), free hide, BMX.

Na cidade de João Pessoa, grande parte dos praticantes, independentemente de classes sociais, concentra-se nas seguintes categorias: cross-country, montain bike e estrada. Cada uma destas categorias e seus praticantes exigem maior ou menor envolvimento com determinados setores de serviços públicos e espaços públicos. Por exemplo, o ciclismo de estrada envolve boa pavimentação das estradas, segurança pública e eficiente sistema de socorro e emergência. Já o MBK envolve estrutura de apoio para trilhas, muitas vezes envolve albergues públicos (poucos no Brasil), exige uma relação mais direta entre os habitantes das pequenas comunidades e vilarejos e os ciclistas, o que pressupõe sensibilidade e educação para alteridade.

Na pesquisa de Sá (2012), em João Pessoa, o espaço público teve o predomínio de quase 80% entre os esportistas pesquisados. Isto se deve à “gratuidade” e onde se realiza a atividade, principalmente entre os esportistas cujo poder aquisitivo é menor. Por ser uma cidade com uma bela orla marítima, as praias se destacam como o espaço mais utilizado, com 51%, seguido das trilhas e sítios, com 15%, das ruas, com 15%, e das estradas, com 12%. As trilhas e sítios nesta cidade se concentram dentro do espaço urbano nos bairros de Mangabeira, Altiplano e Valentina.

Nem sempre o convívio entre os ciclistas e outros esportistas, como os caminhantes e corredores, é tranquila. Muitas vezes,

ocorrem acidentes (atropelamentos) por falta de sinalização e educação. Como foi dito por uma caminhante assídua na Av. Cabo Branco, que tem o trânsito interrompido diariamente entre as 5 horas e as 8 horas da manhã para prática de esporte:

Já vi vários acidentes nesta avenida de ciclista atropelando o pessoal da cami-nhada na pista. Porque o povo não foi instruído, não tem educação para isso. E também acho que ela não está bem adequada. Eu acho que realmente é um improviso isso aqui.

O Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), com sede na cidade de São Paulo, levou para a Conferência Rio+20 e para a Cúpula dos Povos, em junho de 2012, no Rio de Janeiro, a necessidade de inverter a lógica da mobilidade calcada na economia do consumo de carros particulares, ou seja, na primazia do transporte individual movido por fontes poluidoras não renováveis para os transportes coletivos ou movidos por energia limpa. No caso das bicicletas, elas são normalmente transporte individual, mas não poluem. Destaque-se, porém, que, hoje, já existem vários tipos de bicicletas que fazem as vezes de transporte coletivo, seja como táxi, seja como forma de lazer. Também existem vários modelos de bicicletas a motor movidas por baterias recarregáveis para uso em pequenos e médios percursos.

O que as falas da caminhante, dos esportistas, dos representantes do FNRU apontam de forma convergente é a impossibilidade de se falar em mobilidade sem uma visão articulada entre os diversos setores relacionados à Política Urbana, incluso nela a sociedade civil organizada e seus diversos atores sociais.

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A inclusão dos ciclistas de esportes de natureza dentro de uma agenda para as cidades exige uma nova percepção do que se compreende como política e gestão. Se o discurso da sustentabilidade pode ser apropriado pelo mercado, este não possui ainda a onipotência de se apropriar de todas as formas como os espaços da cidade são cotidianamente ocupados. Ainda que as instituições democráticas, principalmente as organizações desportivas brasileiras, sejam frágeis em sua representatividade, pela forma como estão estruturadas burocraticamente, os esportistas, em sua prática diária, estabelecem grupos formais e informais que podem e atuam como promotores de reivindicações e mudanças. Isto está explicitado na forma simples como o seu Joaquim, conhecido carinhosamente como “padeiro”, e seus companheiros de MBK, o grupo Raio de Sol, disseram numa entrevista a Sá em 2012: “Podemos fazer pressão quando ocupamos de forma coletiva e organizada os espaços públicos para sua prática saudável de esporte e educação ambiental”.

Dois outros aspectos importantes para os ciclistas de João Pessoa quando se fala em espaço e políticas públicas são o socorro e a segurança. O primeiro está relacionado ao Ministério da Saúde e o outro à Polícia Militar, DETRAN, DER e Corpo de Bombeiro. A princípio, as falas sobre políticas públicas envolvem o Estado. Se o Estado segue a ideologia neoliberal, sua tendência é interferir mais nos processos regulamentadores, nas gestões de contratos sociais, na promoção de instrumentos e políticas indutoras de estratégias planejadas, e na garantia da proteção social. Na prática, isto não

acontece de maneira eficiente em cidades com pouca expressão em nível nacional, o que significa pouca influência econômica e política no Estado. Assim, o discurso que os esportistas ouvem quando reclamam de segurança é que, de modo geral, faltam recursos financeiros e pessoais. Se faltam recursos para tal demanda, é que ela ainda não é prioridade na gestão como uma política importante voltada para a melhoria das condições de uso dos espaços públicos da cidade.

Em que pesem as dificuldades, os ciclistas pessoenses reconhecem e respeitam o trabalho desenvolvido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, o SAMU/192, que também atua em parceria com a Polícia Rodoviária Federal, importante para os ciclistas de estradas. No caso dos bombeiros, eles são acionados pelos ciclistas trilheiros por meio de celulares. Nestes espaços da prática do esporte, o que, no entanto, ainda impera é o socorro improvisado, chegando a quase 80% dos casos.

Segundo um ciclista de estrada, representante da equipe da Paraíba:

Na segurança, nós temos que prevenir. O motorista não respeita, não. A gente previne andando na estrada, no acosta-mento e sempre com cuidado, olhando de um lado para o outro. Porque aparece sempre um indivíduo para fechar e tran-car a gente para cair do outro lado. A gente praticando só vê acidente em João Pessoa, de bicicleta. Eu mesmo fui atro-pelado. Um carro me pegou por trás.

O mesmo tipo de fala se repete em outro ciclista de MBK:

A segurança é muito ruim porque não existe uma cultura de respeitar o ciclista, até porque a gente não tem uma cultura da bicicleta como transporte.

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Com relação ao meio ambiente urbano e rural, os ciclistas de natureza têm muito a colaborar. Eles vêm tentando trabalhar o grupo a pensar, de maneira mais consciente, a relação homem/natureza. Assim, em vez de signos e discursos, os esportistas contribuem com a experiência no cheiro, no calor, no frio, no medo, na escuridão, no risco, na adrenalina e na beleza, enfim com a percepção da natureza como parte do habitar. Para seu Pires, gestor do MBK: “Quando entramos na mata e ela está suja, é comum começarmos a limpar. Já fizemos muito mutirão limpando o que ninguém vê. Muitas vezes, as trilhas parecem depósitos de lixo. Como maior exemplo, cito a limpeza na represa ‘Rabo do pavão’”.

Em quase 90% dos entrevistados por Sá (2012), a vivência, o experimentar, o estar com e no meio da natureza modificou e ampliou a percepção do meio ambiente. Contudo, esses entrevistados também criticam os ciclistas que jogam copos plásticos, embalagens de cereais nas matas, deixando rastros, principalmente durante eventos desportivos. Para muitos, as matas continuam a representar o local naturalizado para o lixo, assim como os rios, os lagos e os mares.

Os maiores incômodos relacionados à poluição vêm da visão do lixo e do excesso de som instalado de maneira irregular em contraposição ao silêncio das matas.

Se os ciclistas de natureza com suas magrelas pedem passagem na cidade é porque eles, de alguma forma, percebem que elas podem gerar novas formas de trabalho e emprego para a sociedade. Pequenas oficinas especializadas exigem uma mão de obra que, muitas vezes, surge

do próprio grupo de ciclistas. De modo geral, estes mecânicos aprenderam tudo sobre a bicicleta no convívio com outros ciclistas. Ainda não há, infelizmente, uma política de empregos formados para este tipo de atividade. Outro campo é o de eventos.

Os eventos relacionados ao ciclismo envolvem um grupo grande de apoio. Ainda hoje muitos dos que participam deste apoio o fazem de forma voluntária, por serem amigos dos ciclistas ou mesmo parentes. Não obstante, a tendência é que isto venha a ser um tipo de trabalho gerador de renda. Isto significa que os gestores voltados para as secretarias de juventude e renda comecem a ter uma percepção mais diversificada e aberta sobre o papel do ciclismo como esporte na vida cotidiana das cidades.

Considerações finais

Este artigo buscou mostrar o quanto a atividade esportiva do ciclismo vem, aos poucos, ocupando espaço no cotidiano da cidade de João Pessoa. Esta cidade, de grande beleza natural, sofre, no entanto, de uma série de problemas de infraestrutura, tendo como causa central o modelo de desenvolvimento e concepção urbana que, durante anos, marcou o processo de crescimento das capitais brasileiras.

Em que pese a ainda frágil democracia brasileira, aos poucos, vozes de vários segmentos da sociedade, respaldadas pela ideia da cidade como direito, começam a pressionar para que os gestores pensem os

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espaços públicos, o problema da mobilidade, da saúde e da educação como uma rede que se articula para aumentar a possibilidade de inserção social e diminuir as desigualdades sociais. Isto inclui levar em conta as diversas práticas esportivas e o ciclismo como uma alternativa para os deslocamentos diários de trabalhadores e estudantes.

Independentemente do slogan da sustentabilidade, a revalorização do espaço público exige que a este sejam dados os equipamentos e instalações necessários para o uso de toda a população, e não mais apenas para um pequeno segmento privilegiado. Neste sentido, os esportistas se unem à grande parcela da população na cobrança de melhor segurança das ruas, o que inclui cuidados com a sinalização e a pavimentação. Além disso, passa a ser urgente a ampliação das ciclovias e ciclofaixas, bem como a realização de um programa permanente de educação para o trânsito que envolva a concepção do direito ao espaço compartilhado, o respeito ao outro e às leis de trânsito.

A valorização do ciclismo representa energia limpa como transporte, mais espaços livres para pedestres e maior economia no orçamento individual. No entanto, pode representar mais mortes por acidentes, mais gastos com jovens alijados do mercado de trabalho por conta da irresponsabilidade do Estado quanto ao problema dos acidentes no trânsito por falta de infraestrutura adequada.

Do ponto de vista ambiental, o mundo e os ciclistas pessoenses, de forma global e local, já falaram sobre o aumento da consciência ambiental a partir do convívio direto com a natureza e nos espaços das ruas.

Cabe aos gestores públicos não fazer ouvidos de mercador e, de fato, usar de seu poder – que lhe foi dado mediante

voto – para, de forma ousada, construir, em conjunto com a sociedade, um novo espaço de uso para as cidades. Um espaço menos segregador e mais cheio de confiança pode começar pelo maior investimento em sinalização, campanhas educativas, melhoria da pavimentação, iluminação e segurança no trânsito.

Os ciclistas esportistas pedem passa-gem. Mas, junto com eles, vêm os tra-balhadores e as crianças que gostam das bicicletas e querem usá-las para ir para suas escolas e brincar; os idosos que, ao prolongarem sua vida nos esportes ou simplesmente pedalando, resguardam sua saúde.

Talvez o que esteja em jogo na condução das magrelas e na bagagem dos ciclistas sejam os imperativos dos direitos humanos, a liberdade, a solidariedade, a diversidade, a equidade e o respeito à natureza. Isso exige dos gestores públicos o compromisso e a responsabilidade em ampliar todas as possibilidades de fortalecer e legitimar a democracia, que compreende o direito de se viver dignamente na cidade e de escolher o próprio modo de vida.

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ARTIGOS INÉDITOS 2013 JAN/DEZ 157

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Resumen: Este artículo reflexiona sobre el uso de la bicicleta en el deporte como vehículo para el transporte, a partir de una concepción de ciudad y articulación a las políticas públicas. La inserción de las bici-cletas y el modo de vida de quienes las usan informa sobre las políticas públicas, los con-ceptos de espacio público, educación para la convivencia social, incluyendo el tránsi-to y la apreciación de las diferencias en las distintas posibilidades de vivir en la ciudad. Se basa en la tesis doctoral de Sá (2011), quienes investigó la relación entre la ciudad sostenible, políticas públicas y el deporte de la naturaleza en la ciudad de João Pessoa. Entre los muchos deportes en la naturaleza investigados, el ciclismo fue elegido por la mayor amplitud en su práctica y el hecho de que es un medio de transporte para mi-les de trabajadores brasileños. Así que cada vez más ciclismo está asociado directamen-te, por diferentes motivos e intereses a la idea de mejorar la calidad de vida urbana en varias ciudades en Brasil y en el mundo y se ha expandido en la zona deportiva.

Palabras-clave: deporte, políticas públi-cas, sostenibilidad.

Résumé: Cet article porte sur les éléments suivants : l’utilisation du vélo pour la prati-que d’activité sportive et en tant que véhi-cule de déplacement, son lien à une con-ception de la ville et son rapport avec les politiques publiques. Plus qu’un phénomène de mode, l’insertion des vélos et le mode de vie de l’utilisateur concerne les choix politi-ques, les conceptions de l’espace public et l’éducation pour l’interaction sociale, y com-pris la circulation et l’appréciation des diffé-rences dans les diverses possibilités de vivre en ville. L’article est basé sur un mémoire de mastère qui a enquêté sur la relation en-tre la ville durable, les politiques publiques et les sports en plein air à João Pessoa. Le cyclisme a été choisi pour cet article car il a potentiellement une plus grande portée dans sa pratique et s’insère comme moyen de transport de milliers de travailleurs bré-siliens. Par conséquent, le vélo est, pour plusieurs raisons et intérêts, de plus en plus directement associé à l’idée d’améliorer la qualité de vie urbaine et est en pleine ex-pansion dans le domaine du sport.

Mots-clés: sport, politiques publiques, du-rabilité.

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Notas

1 SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. É um órgão autárquico recriado em 2007 por lei complementar, com sede em Recife e que abarca os nove Estados do Nordeste, extremo norte de Minas Gerais, Vale do Jequitinhonha e norte do Espírito Santo. Sua missão é promover o desenvolvimento includente e sustentável, e a integração competitiva de sua área de atuação na economia nacional.

2 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

3 Dados disponíveis em: <http://www.mobilize.org.br>. Acesso em: 15 jun. 2010.

4 Art. 29, inciso XII, § 2º respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecida neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.

5 Master – categoria referente aos esportistas com mais de 25 anos cujo processo de crescimento e desenvolvimento foi praticamente concluído e que, a princípio, possuem mais independência financeira e social.

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2013 JAN/DEZ 159INFORMES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS

* Thaiz Braga, economista, mestre em economia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e diretora de avaliação da Superintendência de Gestão e Avaliação (SGA) da Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN). E-mail: [email protected].

** Rodrigo Cerqueira, economista, graduado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador de avaliação da Diretoria de Avaliação (DAV) da Superintendência de Gestão e Avaliação (SGA)/Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN). E-mail: [email protected].

A Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN) vem implantando, desde abril de 2011, a sua metodologia de Monitoramento e Avaliação dos Programas de Governo. A Instrução Normativa n.º 002, de 20 de novembro de 2012, instituiu o processo de Monitoramento e Avaliação dos Programas de Governo do Plano Plurianual (PPA) no âmbito do Poder Executivo Estadual e normatizou seus procedimentos. Entretanto, mesmo antes de o processo de Monitoramento e Avaliação ser disciplinado no âmbito da administração pública, a Superintendência de Gestão e Avaliação (SGA), a partir de meados de 2012, adotou uma metodologia de Avaliação Inicial (AI) das ações de política pública materializadas no PPA 2012-2015.

Avaliação do PPA 2012-2015 do Governo do Estado da Bahia: Uma investigação de 20 Programas prioritários

PPA 2012-2015 evaluation by the State Government of Bahia: an investigation of 20 priority programmes

Evaluación del PPA 2012-2015 por el gobierno del estado de Bahía: una investigación de 20 programas prioritarios

Évaluation de la PPA de 2012-2015 par le gouvernement de l’état de Bahia: une enquête de 20 programmes prioritaires

Thaiz Silveira Braga*Rodrigo Barbosa de Cerqueira**

O projeto de Avaliação Inicial proposto para o Governo do Estado da Bahia foi uma adaptação da Avaliação Executiva dos Projetos Estruturadores do Governo do Estado de Minas Gerais, que permite fornecer aos governantes uma série de propostas de ajustes nos aspectos avaliados dos projetos, ao mesmo tempo em que estabelece referência para a elaboração de Programas de Governo. A AI, por sua vez, foi realizada com finalidades distintas: investigar elementos da concepção, planejamento e gestão inicial, que estejam impactando a execução dos Programas do Governo já publicados no PPA. Destaca-se que não houve a pretensão de chegar a conclusões sobre os resultados, efeitos ou impactos dos programas, uma vez que, à época da

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160 JAN/DEZ 2013 INFORMES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS

realização da avaliação, o PPA ainda não havia completado um ano de execução.

Quanto aos processos e instrumentos utilizados para a AI, estes foram customizados às necessidades do Governo do Estado da Bahia. Desta forma, a AI foi caracterizada pela coleta de informações documentadas, a elaboração de proposta de Matriz do Marco Lógico (MML), a realização de pesquisa de campo, combinando abordagens e procedimentos quantitativo e qualitativo, e a geração de planos de melhorias para os temas avaliados dos programas. A elaboração de uma proposta para a MML foi importante para a identificação dos objetivos do programa e verificação da aderência das propostas apresentadas para a consecução destes objetivos; a análise dos indicadores propostos e das suas fontes de verificação; a caracterização das condições externas que podem influenciar o alcance dos objetivos propostos. Com relação à pesquisa de campo, as técnicas empregadas foram: questionário on-line, grupo focal e entrevistas coletivas presenciais. O questionário permitiu padronizar a aplicação dos mesmos critérios a diferentes programas, além de tornar possível a identificação das relações entre diversos tipos de variáveis. Este instrumento de pesquisa foi disponibilizado eletronicamente e respondido pelo próprio investigado. Foram 38 questões apresentadas em quatro blocos: o primeiro bloco permitiu caracterizar o perfil do respondente. Os blocos que se seguiram buscaram identificar a clareza dos objetivos do programa, bem como a precisão de sua concepção e elaboração, seus elementos de planejamento e a adequada gestão das suas ações. O recurso ao grupo focal, por sua vez, possibilitou a compreensão mais precisa

do significado das respostas agregadas e a elucidação dos pontos não esclarecidos pela análise quantitativa. Os participantes dos grupos focais foram escolhidos entre os respondentes do questionário conforme perfis específicos. Por fim, a entrevista coletiva foi realizada com gestores da SEPLAN e pretendeu revelar o desempenho da secretaria no processo de planejamento, construção e condução da elaboração do PPA, seus acertos e falhas e seus reflexos nos programas. O método de análise das informações coletadas foi a análise de discurso.

Ainda no que tange à pesquisa de campo, foram convocados 521 representantes dos 20 programas selecionados como prioritários do Governo do Estado da Bahia, sendo que, destes, 432 responderam aos questionários, resultando em um aproveitamento da amostra de aproximadamente 83%.

Logo após a pesquisa de campo, com os dados sistematizados, descritos e analisados, foram realizadas reuniões de apresentação (devolução) dos resultados com os objetivos de: apresentar os pontos fortes (boas práticas) e pontos fracos (fragilidades) dos programas, e construir propostas de ação para implementação dos planos de melhorias sugeridos para aqueles pontos fracos priorizados pelos executores. Esta etapa da AI permitiu, também, a coleta de material para finalização dos relatórios, a partir da incorporação das sugestões dos participantes e da publicização dos resultados preliminares da AI.

Esta avaliação apontou elementos importantes que podem influenciar na execução e, portanto, no desempenho dos programas, e que serão observados pelo monitoramento em curso no âmbito da SGA.

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2013 JAN/DEZ 161RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES

A mediação do Sinaes no processo de avaliação das bibliotecas universitárias em Fortaleza

Maria Áurea Montenegro Albuquerque Guerra*

Dissertação apresentada ao Mestrado de Avaliação em Políticas Públicas (MAPP – UFC) com o objetivo de analisar o processo de avaliação das bibliotecas universitárias de Fortaleza realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP)/Ministério da Educação (MEC) no contexto das políticas públicas para educação superior. Atualmente, a avaliação das instituições de educação superior (IES) é realizada pelo Sinaes, formalizado pela Lei n.º 10.861, de 14 de abril de 2004. Esse sistema é formado por três componentes principais: a avaliação da instituição, dos cursos e do desempenho dos estudantes. Como o objetivo do Sinaes é abarcar grande parte das variáveis envolvidas no processo ensino-aprendizagem durante a avaliação das instituições de ensino superior, a biblioteca universitária vem consolidando sua importância nesse processo, pois seu papel é bem delimitado no momento avaliativo. Buscando conhecer melhor o envolvimento da biblioteca universitária de instituições de ensino superior privado nesse processo de avaliação, nossa pesquisa buscou responder ao seguinte questionamento: qual é a compreensão que avaliadores do MEC, dirigentes de instituições particulares de ensino superior e bibliotecários têm sobre a biblioteca universitária no processo de avaliação, tendo em vista que ela é um dos grandes elementos de avaliação existentes

no Sinaes? De acordo com a sinopse da educação brasileira apresentada pelo INEP/MEC em 2009, o Ceará conta com 54 IES, sendo que, desse montante, 42 instituições se concentram na capital. Desse universo, decidimos limitar a pesquisa àquelas localizadas no município de Fortaleza. Foram visitadas quatro instituições, correspondendo esse quantitativo a 10% do total dos estabelecimentos. Fazem parte do universo da pesquisa instituições de ensino superior mantidas por organizações que obedecem à classificação descrita no Decreto n.º 3.860, de 09 de julho de 2001, que dispõe sobre a organização do ensino superior, a avaliação de cursos e instituições.A pesquisa é de cunho qualitativo, e a metodologia utilizada foi a pesquisa de campo, na qual optamos por entrevistas semiestruturadas com a finalidade de deixar o entrevistado livre para discorrer sobre os pontos levantados na questão. O foco da pesquisa está em bibliotecas de instituições de educação superior privadas de Fortaleza. Os dados foram analisados sob a perspectiva da análise do discurso do sujeito coletivo, que se baseia na opinião dos atores envolvidos com a pesquisa. Como cenário interno, observou-se o modo como se articula a biblioteca universitária do setor privado com a instituição nas dimensões de estrutura física e atividades pedagógicas.

* Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pela UFC e Professora do curso de graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará.

Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-graduação em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará - UFC, em 2012. Orientador da dissertação: Francisco Ari Andrade.

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162 JAN/DEZ 2013 RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES

Procuramos estabelecer linhas de conexão entre o instrumento do Sinaes e a efetividade da biblioteca no processo avaliativo determinado pelo INEP/MEC. Diante dessa realidade, buscou-se analisar as bibliotecas a partir do entendimento dos avaliadores do INEP, dos dirigentes das instituições privadas e dos bibliotecários. Os resultados obtidos apontam que a biblioteca universitária ainda está em posição bastante frágil nas instituições de ensino superior privadas, havendo grande disparidade entre os conceitos apresentados

para essa unidade de informação. Concluiu-se também que está presente no processo de avaliação das bibliotecas grande subjetividade por parte dos avaliadores. Pode-se afirmar, ainda, que o entendimento do que é avaliado nas bibliotecas não é uniforme e que a inserção dessa unidade de informação nos processos de ensino-aprendizagem é incipiente.

Palavras-chave: ensino superior, avaliação, biblioteca universitária, avaliação, Sinaes.

Mediation of Sinaes in the process of evaluation of university libraries in Fortaleza

Thesis submitted for the Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas – MAPP/UFC (Masters in Public Policy Evaluation) with the objective to analyze the process of evaluation of university libraries in Fortaleza carried out by Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep/MEC (National Institute for Educational Studies and Research Anísio Teixeira) in the context of public policy for higher education. Currently, the evaluation of higher education institutions is carried out by Sinaes. This system was formalized by Law No. 10,861, issued on April 14, 2004. It consists of three main components: a review of the institution, its courses and student performance. Because the goal of Sinaes is to encompass much of the variables involved in the teaching- learning process during the evaluation of higher education institutions, the university library, whose role is clearly limited in the evaluative moment, has consolidated its importance in this process. Seeking to better understand the involvement of the university library of private higher education institutions in the evaluation process, our research

sought to answer the following question: what is the understanding that del Ministério da Educação – MEC (Ministry of Education) evaluators, leaders of private institutions of higher education and librarians have about the university library in the evaluation process, having in mind that it is one of the major elements of Evaluation carried out by Sinaes? According to the synopsis of the Brazilian education presented by Inep/MEC in 2009, Ceará has 54 institutions of higher education, and out of this amount, 42 institutions are concentrated in the capital. Out of this universe, we decided to limit the search to those located in Fortaleza. Four institutions were visited; this number corresponds to 10 % of institutions. For the survey, we considered institutions of higher education maintained by organizations that meet the classification described in Decree No. 3.860, 09 July 2001, which rules the organization of higher education as well as the evaluation of courses and institutions.The research is a qualitative study and the methodology used was field research. We chose semi-structured interviews in order

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2013 JAN/DEZ 163RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES

to leave the interviewee free to discuss the points raised in the question. The focus of research is on libraries of private institutions of higher education in Fortaleza. Data were analyzed from the perspective of discourse analysis of the collective subject, which is based on the opinion of the actors involved with the research. Internally, we observed how the university library of the private sector articulates with the institution in terms of physical structure and pedagogical activities. We seek to establish lines of connection between the instrument of Sinaes and the effectiveness of the library in the evaluation process determined by Inep/MEC. In this context, we sought to examine the libraries from the perspective of Inep

evaluators, managers of private institutions and librarians.The results indicate that the university library is still quite fragile in private higher education institutions and that there is great disparity among the concepts presented for this unit of information. It was also concluded that there is much subjectivity on the part of the evaluators in the process of evaluation of libraries. It can also be stated that the understanding of what is evaluated in the libraries is not uniform and that the inclusion of this unit of information in the teaching-learning process is incipient.

Keywords: higher education, evaluation, university library, review, Sinaes.

La mediación del Sinaes en el proceso de evaluación de las bibliotecas universitarias en Fortaleza

Tesis presentada al Mestrado de Avaliação em Políticas Públicas (MAPP – UFC) con la finalidad de analizar el proceso de evaluación de bibliotecas universitarias de Fortaleza, llevado a cabo por el Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep/MEC (Instituto Nacional de Estudios e Investigaciones Educacionales Anísio Teixeira) en el contexto de las políticas públicas para la educación superior.Actualmente, la evaluación de instituciones de educación superior se lleva a cabo por el Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Sinaes (Sistema Nacional de Evaluación de la Educación Superior) formalizado en la ley 10.861, de 14 de abril de 2004. Este sistema consta de tres componentes principales: la evaluación de la institución, de cursos y desempeño de los estudiantes. Como las metas del Sinaes abarcan a un gran número de variables

involucradas en el proceso de enseñanza-aprendizaje durante la evaluación de instituciones de educación superior, la biblioteca universitaria ha consolidado su importancia en este proceso, porque su papel está bien definido en el momento de la evaluación. Para comprender más acerca de la inserción de las instituciones privadas de enseñanza superior en este proceso de evaluación, nuestra investigación intentó responder la siguiente pregunta: Qué comprensión es la de los evaluadores del Ministério da Educação – MEC (Ministerio de la Educación), directivos de instituciones de educación superior privada y bibliotecarios acerca de la biblioteca de las universidades como parte del proceso de evaluación, teniendo en cuenta que es uno de los principales elementos de evaluación en Sinaes? Según la sinopsis de la educación brasileña presentada por Inep/MEC en 2009, Ceará cuenta con 54 instituciones

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164 JAN/DEZ 2013 RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES

de educación superior (IES), siendo que de ese total, 42 instituciones se concentran en la capital. De este universo hemos decidido limitar la búsqueda a los ubicados en la ciudad de Fortaleza. Cuatro instituciones fueron visitadas, lo que representa el 10% del número total de las instituciones. Forman parte del universo de instituciones las mantenidas por organizaciones que cumplen con la clasificación descrita en el Decreto nº 3.860, de 09 de julio de 2001, que establece la organización de la educación superior, la evaluación de cursos e instituciones de educación superior. La investigación es de carácter cualitativo y la metodología utilizada es la investigación de campo, donde elegimos las entrevistas semiestructuradas para que él entrevistado fuera libre para exponer sobre las cuestiones planteadas en la pregunta. El foco investigativo se fija en las bibliotecas universitarias de las instituciones privadas de educación superior de Fortaleza. Los datos se analizaron desde la perspectiva del análisis del discurso del sujeto colectivo, que se basa en la opinión de los actores involucrados con la investigación. Como escenario interno se observó como ocurre la articulación del sector privado y la biblioteca

universitaria, cuanto a las dimensiones de la estructura física y las actividades pedagógicas. Buscamos establecer líneas de conexión entre el instrumento del Sinaes y la efectividad de la biblioteca en el proceso de evaluación determinado por el Inep/MEC. En esta realidad se buscó analizar las bibliotecas desde la comprensión de los evaluadores del Inep, los directores de las instituciones privadas y los bibliotecarios. Los resultados obtenidos muestran que las bibliotecas de las universidades siguen siendo de muy frágil posición en instituciones de educación superior privada, y existe una gran disparidad entre los conceptos presentados para esta unidad de información. Se concluyó también que un considerable grado de subjetividad de los evaluadores se hace presente en el proceso de evaluación de las bibliotecas. Se puede afirmar que la comprensión de lo que se valora en las bibliotecas universitarias no es uniforme y que la inserción de esta unidad de información en el proceso de enseñanza-aprendizaje está en su inicio todavía.

Palabras clave: Educación superior, eva-luación, biblioteca universitaria, evaluación, Sinaes.

La médiation de Sinaes dans le cadre de l’évaluation des bibliothèques universitaires dans Fortaleza’

Thése présenté dans le cadre du Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas - MAPP-UFC (Master en Évaluation des Politiques Publiques) dans le but d’analyser le processus d’évaluation des bibliothèques universitaires de Fortaleza mené par Inep/MEC (Institut National d’Études et de Recherche sur l’Éducation) dans le contexte des politiques publiques pour l’enseignement supérieur. Actuellement, l’évaluation des établissements d’enseignement supérieur est réalisée par Sinaes, formalisé par la loi n ° 10 861 du

14 avril 2004. Ce système est composé de trois éléments principaux : un examen de l’institution, des cours et de la performance des élèves. Étant donné que le but de Sinaes est d’ englober beaucoup de variables impliquées dans le processus d’enseignement-apprentissage lors de l’évaluation des établissements d’enseignement supérieur, la bibliothèque de l’université consolide son importance dans ce processus car son rôle est clairement défini dans l’évaluation. Cherchant à mieux comprendre l’implication

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2013 JAN/DEZ 165RESUMO DE DISSERTAÇÕES E TESES

de la bibliothèque universitaire des établissements d’enseignement supérieur privés dans le processus d’évaluation, notre recherche visait à répondre à la question suivante : quelle compréhension les évaluateurs du Ministério da Educação – MEC (Ministère de l’Éducation), les dirigeants des établissements privés d’enseignement supérieur et les bibliothécaires ont-ils sur la bibliothèque de l’université dans le processus d’évaluation, étant donné qu’elle représente l’un des principaux éléments de l’évaluation du Sinaes? Selon le rapport de l’éducation brésilienne présenté par Inep/MEC en 2009, la région Ceará a 54 établissements d’enseignement supérieur, dont 42 sont concentrés dans la capitale. Pour cette recherche, on a décidé de se limiter aux établissements qui sont situés dans la ville de Fortaleza. Quatre établissements ont été visités, ce nombre correspond à 10% des établissements. Tous les établissements d’enseignement supérieur participant à l’enquête sont entretenus par des institutions qui répondent à la classification décrite dans le décret n° 3.860 du 09 juillet 2001, qui prévoit l’organisation de l’enseignement supérieur, l’évaluation des cours et des institutions.La recherche est une étude qualitative et la méthode utilisée a été l’enquête de terrain. Nous avons choisi de travailler avec des entretiens semi-structurés afin de permettre aux participants de discuter librement les points abordés par la question interrogée. Les bibliothèques des institutions d’enseignement supérieur privées de Fortaleza composent l’objet de la recherche. Les données ont été analysées du point de vue de l’analyse du discours du sujet collectif, laquelle est basée sur l’opinion des acteurs impliqués dans la recherche. Dans l’aspect intérieur, nous avons observé comment la bibliothèque universitaire du secteur privé s’articule avec l’institution en termes de structure physique

et d’activités pédagogiques. Nous cherchons à établir des lignes de connexion entre l’instrument du Sinaes et l’efficacité de la bibliothèque dans le cadre de l’évaluation déterminée par Inep/MEC. Compte tenu de cette réalité, nous avons cherché à examiner les bibliothèques à partir du point de vue des évaluateurs de l’Inep, des gestionnaires des établissements privés et des bibliothécaires.Les résultats indiquent que la bibliothèque universitaire est encore très fragile dans les établissements d’enseignement supérieur privés et qu’il y a une grande disparité de concepts concernant cette unité d’information. Il a aussi été conclu qu’un haut niveau de subjectivité de de la part des évaluateurs est présent lors de l’évaluation de grandes bibliothèques. On peut dire aussi que la compréhension de ce qui est évalué dans les bibliothèques n’est pas uniforme et que l’inclusion de cette unité d’information dans le processus d’enseignement-apprentissage est naissante.

Mots-clés: enseignement supérieur, évalu-ation, bibliothèque universitaire, Sinaes.

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localidades e áreas do conhecimento, sobre uma diver-sidade de temas como: Educação, Saúde, Planejamen-to Urbano, Segurança Pública, Desenvolvimento Rural, Turismo, Microfinanças, Trabalho e Geração de Renda, Políticas Afirmativas, entre outros.

A Revista Avaliação de Políticas Públicas atuará, por-tanto, como um importante meio de divulgação de pesquisas acadêmicas sobre programas e políticas so-ciais que vêm sendo efetuadas na região Nordeste, em diálogo com aquelas realizadas em outras regiões do país, e mesmo em outros países, possibilitando, assim, a socialização dos resultados dessas produções cientí-ficas, a realização de análises comparativas e a interlo-cução entre pesquisadores de diferentes perspectivas teórico-metodológicas.

A Revista Avaliação de Políticas Públicas volta-se primordialmen-

te a: publicação de análises e resultados de pesquisas em avaliação de políticas públicas; reflexões teórico--metodológicas sobre avaliação; desenvolvimento de ferramentas e estratégias metodológicas que contribu-am para a avaliação de políticas públicas e reflexões sobre o exercício da multi e da interdisciplinaridade.

O objetivo central da revista é, além de divulgar resul-tados de pesquisas nacionais e internacionais sobre a temática avaliação de programas e políticas sociais na forma de artigos e ensaios, constituir-se em um veículo que, especialmente voltado à avaliação, possa agluti-nar resultados de pesquisas e reflexões teórico-meto-dológicas produzidas por pesquisadores de diferentes

REVISTA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A Revista tem periodicidade semestral e recebe para publicação trabalhos elaborados pelos mais diversos pro-fissionais e estudantes de pós-gradu-ação redigidos em português, espa-

nhol, inglês ou francês, desde que contribuam para o a discussão e desenvolvimento da produção científica em avaliação de políticas públicas. Os manuscritos de-vem destinar-se exclusivamente à Revista Avaliação de Políticas Públicas, não se admitindo sua submissão simultânea a outro periódico, quer do texto, de figuras ou tabelas, no todo ou em parte, admitindo-se exce-ção apenas para resumos e notas prévias publicados em anais de eventos científicos. Além do mais, mes-mo para publicação de partes de um artigo em outros locais, os autores necessitam solicitar aprovação por escrito aos Editores. O periódico não se obriga a devolver os manuscritos recebidos e informa que os conceitos e declarações contidos nos trabalhos a serem publicados são de total responsabilidade dos autores, podendo não refletir o pensamento de seus Editores. Os manuscritos devem ser organizados segundo as diretrizes constantes destas instruções, as quais têm como inspiração os últimos critérios indicados pelas bases de indexação nacionais e internacionais. A Revista publica as seguintes seções, cada uma delas devendo atender a determinados requisitos:

Editorial: Seção de responsabilidade dos Editores da revista. Máximo de 2 páginas.

Artigos Originais: Aceitam-se três modalidades: 1)artigos com forte base empírica; 2) artigos voltados à reflexão teórico-metodológica sobre a avaliação de po-líticas públicas. Quanto ao item 1, salientamos que os artigos não poderão se restringir à descrição da pes-quisa ou detalhamento de resultados, devendo estabe-lecer diálogos teóricos e uma densa abordagem sobre

os instrumentos, técnicas e estratégias metodológicas que embasaram a pesquisa. Máximo de 15 páginas.

Revisão de Literatura: Os textos deverão abordar um tema específico de interesse da área de políticas públicas; contemplar a sistematização do pensamento de autores importantes para a área, estabelecendo o diálogo entre diferentes tendências teóricas de forma a poder se constituir em texto de referência a estudiosos do tema; privilegiar a pluralidade sem se descuidar da densidade teórica. Máximo de 10 páginas.

Resenhas: Leitura analítica, interpretativa e/ou crítica de obra que verse sobre a temática da revista, pu-blicada há não mais que 2 (dois) anos Máximo de 4 páginas.

Comunicações em Congressos: Publicação de resumos expandidos de trabalhos apresentados em Eventos e Congressos e que não tenham ainda sido publicados em periódico. Os resumos deverão conter: objetivos, problematização, metodologia, relevância e conclusões. Máximo de 2 páginas.

Resumos de Dissertações e Teses: Nesta seção serão publicados resumos expandidos de dissertações e teses, contendo: objetivos, problematização, meto-dologia, relevância e conclusões. Máximo de 2 páginas.

Informes sobre Políticas Públicas: Trata-se de um espaço criado para atualizar os estudiosos do tema com respeito a projetos e programas governamentais de caráter social (seus objetivos, diretrizes, público-al-vo, forma de implementação, instituições envolvidas), bem como sobre alterações em programas e projetos em andamento, projetos de lei em tramitação nas as-sembléias legislativas estaduais e no Congresso Nacio-nal. Constitui-se também em espaço para divulgação de eventos e fatos relativos à área que expressem os

INSTRUÇÕES AOS AUTORES

Introdução

Normas Gerais e Seções

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diferentes interesses afetados, positiva ou negativa-mente, por políticas e programas específicos.

Avaliação dos manuscritosOs manuscritos a serem avaliados devem ser enviados ao periódico exclusivamente via correio eletrônico para o seguinte endereço: [email protected]. Em arqui-vo à parte devem ser indicados o título do trabalho, nome dos autores, sua titulação máxima e sua posição na instituição em que trabalham, bem como endereço completo e e-mail para contato. Concomitantemente, digitalizados ou por via postal, os autores devem en-viar: ofício dirigido ao Editor solicitando a apreciação do manuscrito pela equipe do periódico; autorização para sua publicação, documento este que deve ser as-sinado por todos os autores. O endereço para envio postal do material complementar é:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ; MESTRADO EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS; REVISTA AVA-LIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS; RUA MARECHAL DEODORO, 750 - BENFICA/QUADRA FACED; CEP 60 020-060 FORTALEZA-CE. Em caso do envio do mate-rial digitalizado, o mesmo deve ser encaminhado pelo e-mail: [email protected].

No caso de existir conflito de interesse entre os autores e determinados pareceristas nacionais ou estrangeiros, deve ser incluída carta confidencial em envelope sela-do dirigido ao Editor Científico do periódico, indicando o nome das pessoas que não deveriam participar no processo de avaliação. Da mesma forma, os parece-ristas poderão manifestar-se, caso haja conflito de in-teresse em relação a qualquer aspecto do artigo a ser avaliado. As informações reveladas ao Editor Científico serão utilizadas de forma estritamente confidencial.Nos trabalhos de investigação envolvendo seres hu-manos de grupos vulneráveis(crianças, adolescentes, idosos, indígenas, presidiários, entre outros) recomen-da-se fortemente que o Projeto de Pesquisa tenha sido submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pes-quisa da instituição onde foi realizada a pesquisa ou da universidade.Os manuscritos passam inicialmente por uma primeira revisão do Editor que avalia se são de interesse para os leitores e se atendem às Normas de Publicação do periódico. Em seguida os manuscritos são encaminha-dos para avaliação de dois especialistas. Junto com o arquivo do artigo, os pareceristas recebem por via ele-trônica também arquivo do Instrumento de Avaliação e das Normas de Publicação do periódico, tendo até 20 dias para emitir parecer conclusivo, indicando ou não o manuscrito para publicação. De posse do parecer conclusivo, o Editor o analisa em relação ao mérito encontrado e em seguida encaminha aos autores o parecer de aceitação da publicação, de necessidade de reformulação ou de recusa justificada do artigo. Os autores devem processar as modificações no texto ou elaborar justificativa quando da não aceitação de al-gumas delas. Somente após aprovação final por parte dos pareceristas e dos Editores é que os manuscritos

são encaminhados para publicação. Os Editores dis-põem de plena autoridade para decidir sobre a con-veniência de publicação dos manuscritos, mesmo que já aprovados, podendo, inclusive, sugerir novas altera-ções aos autores.

Da apresentação dos manuscritosOs manuscritos devem ser redigidos na ortografia ofi-cial, em formato compatível ao MS Word for Windows, em fonte Arial tamanho 12, espaço 1,5, para papel tamanho A4, com 2,5 cm para as quatro margens e parágrafos alinhados em 1,0cm.A preparação do texto deverá atender a estrutura se-guinte:

Título: deve ser apresentado justificado, em caixa alta apenas a primeira letra, negrito e nos idiomas portu-guês, inglês, espanhol e francês; deverá ser conciso, com no máximo 12 palavras, porém informativo. Em nota de rodapé indicar a agência de fomento, se for o caso e, também, se o artigo faz parte de Relatório de Pesquisa, Tese, Dissertação ou Monografia de Final de Curso, entre outras.

Autores: nome(s) completo(s) do(s) autor(es) com ali-nhamento à direita.

Resumo e descritores: em português, inglês, espanhol e francês, devem caber na primeira página do traba-lho; digitados em espaço simples, com até 150 pala-vras; para os artigos originais a redação deve obrigato-riamente incluir elementos da problematização, objeti-vos, métodos, resultados e conclusão. Após o resumo devem ser apontados de 3 a 5 descritores ou palavras--chave que servirão para indexação dos trabalhos. Na primeira página apresentar seqüencialmente o título do trabalho, resumo em português e inglês seguidos das respectivas palavras-chave. Após as Referências devem estar os resumos e palavras-chave nos idiomas espanhol e francês.

Estrutura do Texto: deve obedecer a orientação de cada categoria de trabalho descrita anteriormente, de modo que sejam garantidas a uniformidade e padroni-zação dos textos publicados na Revista. Os anexos se houver, devem vir no final do texto.

Ilustrações: tabelas, figuras e fotos devem estar in-seridas no corpo do texto contendo informações míni-mas pertinentes à ilustração. Só serão publicadas ilus-trações em preto e branco; os sujeitos não podem ser identificados ou então suas fotos devem estar acompa-nhadas de permissão por escrito.

Texto: deverá obedecer a estrutura exigida para cada categoria de trabalho. No caso de artigos. As citações no texto devem atender as Normas da ABNT, mas especificamente NBR 6022:2003 e outras correlatas, cujos exemplos estão ao final destas instruções. No texto deve estar indicado o local de inserção das fi-guras, gráficos, tabelas, da mesma forma que estes

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estiverem numerados, seqüencialmente. O texto deve empregar itálico, apenas para termos estrangeiros e sem aspas.Agradecimentos: podem aparecer após as conclu-sões/considerações finais, quando os autores deseja-rem destacar a colaboração de pessoas que merecem reconhecimento, mas que não se enquadram na con-dição de autores.

Citações: para citações bibliográficas de literatura no texto colocar o sobrenome do autor, ano da publicação e a página consultada. Ex. (Azevedo, 1993, p. 60). As citações literais curtas (menos de três linhas) serão integradas no parágrafo, seguidas pelo sobrenome do autor referido no texto, ano de publicação e página (s) do texto citado, tudo entre parênteses e separado por vírgulas. As citações de mais de três linhas serão des-tacadas do texto em parágrafo especial, sem aspas, tamanho da letra menor que a do texto, espaço sim-ples e recuo de 4 cm da margem esquerda do texto. As referências sem citação literal devem ser incorpo-radas no texto, indicando entre parênteses, ao final, o sobrenome do autor e o ano da publicação. Se houver mais de um título do mesmo autor no mesmo ano, eles são diferenciados por uma letra após a data: (Adorno, 1975a), (Adorno, 1975b) etc (todas).

Notas: deverão estar no final do texto e numeradas. As notas devem ser explicativas e não bibliográficas, breves, sucintas e claras. As citações bibliográficas de-vem estar no corpo do texto.

Referências: devem ser elaboradas em acordo com Normas da ABNT, mas especificamente NBR 6023:2002. Nas citações e na elaboração das Referên-cias autores devem atentar para características como atualidade, pertinência e seletividade das obras utiliza-das no artigo.Critérios bibliográficos:Livro: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DA OBRA, Pre-nomes. Título da obra: subtítulo. Número da edição. Local de Publicação: Editora, ano de publicação. Exemplo:ARAÚJO, Tânia Bacelar de. Heranças e urgências: en-saios sobre o desenvolvimento brasileiro. Rio de Janei-ro: Revan: Fase, 2000.

Publicação com 02 autores: devem ser assinalados os nomes dos dois autores, separados por ponto e vír-gula.

Exemplo:AGUILAR, Maria José; ANDER-EGG, Ezequiel. Avaliação de serviço e programas sociais. 2ª ed. Petrópolis:Vozes,1994.

Publicação de mais de três autores: Indica-se o primei-ro autor, acrescentando-se a expressão et al.Exemplo:ADORNO, Sérgio et al. O jovem e a criminalidade urba-na de São Paulo. São Paulo, Fundação SEADE/Núcleo de Estudos da Violência da USP, 1995.Capítulo de livro: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DO CAPÍTULO, Prenomes. Título do capítulo: subtítulo. In: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DA OBRA, Prenomes.

Título da obra: subtítulo. Número da edição. Local de Publicação: Editora, ano de publicação. Páginas inicial e final do capítulo. Exemplo:ARENDT, Hannah. As esferas pública e privada. In: A condição humana. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1983, p. 31-88.

Capítulos do mesmo autor da obra principal: Iniciar com o nome do autor, o nome do capítulo citado se-guido pela palavra In. Substitui-se o nome do autor por um travessão de seis toques e um ponto após o In. Nome da obra, local, editora, data e páginas.

Exemplo:VERÇOSA, Élcio de Gusmão. Chegará o desenvolvi-mento também à terra dos marechais? In:______. Cul-tura e educação nas Alagoas. 2 ed. Maceió: EDUFAL, 1997. p. 175-197.

Coletânea: sobrenome do autor, seguido do nome e da data (como nos itens anteriores) / título do capítulo /VÍRGULA/ in (em itálico)/ iniciais do nome, seguidas do sobrenome do(s) organizador(es) /VÍRGULA/ título da coletânea, em itálico /VÍRGULA/ local da publicação /VÍRGULA/ nome da editora /PONTO.

Exemplo:ABRANCHES, Sérgio Henrique. (1987), Governo, em-presa estatal e política siderúrgica: 1930-1975, in O.B. Lima & S.H. Abranches (org.), As origens da crise, São Paulo, Iuperj / Vértice.

Livro em formato eletrônico:SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, 1999. v. 1. Disponível em: <http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm>. Acesso em: 8 mar. 1999.

Artigo de periódico: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR DO ARTIGO, Prenomes. Título do artigo: subtítulo. Tí-tulo do Periódico, local, número do volume, número do fascículo, páginas inicial e final do artigo, mês e ano.

Exemplo:SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da lite-ratura. Revista Sociologias, Porto Alegre, nº16, p. 01-11, jul/dez,2006.

Artigos de periódicos (com mais de três autores): se-guem as normas dos livros.

Exemplo:VEIGA, José Eli et al. O Brasil rural precisa de uma es-tratégia de desenvolvimento, Nead, Série Textos para Discussão, n. 1, p. 05-37, ago, 2001.

Artigo de periódico (formato eletrônico)

Exemplo:AQUINO, Julio Gropa; MUSSI, Monica Cristina. As vi-cissitudes da formação docente em serviço: a pro-posta reflexiva em debate. Educação & Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 2, p. 211-227, jul. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.com.br>. Acesso em: 08 de maio de 2008.

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Artigo de jornal com autor: SOBRENOME DA/O AUTO-RA/OR DO ARTIGO, Prenomes. Título do artigo: sub-título. Título do Jornal, cidade, data, páginas inicial e final do artigo e, eventualmente, da coluna.

Exemplo:DIMENSTEIN, G. Escola da vida. Folha de S. Paulo, São Paulo, 14 jul. 2002. Folha Campinas, p. 2.

Artigo de jornal sem autor: Destaca-se em letra maiús-cula apenas o primeiro nome do título do artigo, segui-do do título do jornal, data completa, número ou título do caderno, seção ou suplemento, indicação da página e, eventualmente, da coluna.

Exemplo:FUNGOS e chuva ameaçam livros históricos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5 jul. 2002. Cotidiano, p. 6.

Dissertações e Teses: SOBRENOME DA/O AUTORA/OR, Prenomes. Título da obra: subtítulo. Ano de apre-sentação. Categoria (Grau e Área de Concentração) – Instituição, Local.

Exemplo:DINIZ, Carmen Simone G. Entre a técnica e os direitos humanos: possibilidades e limites da humanização da assistência ao parto. 2001. Tese (Doutorado em Me-dicina Preventiva) – Programa de Pós-Graduação em Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da USP, São Paulo.

Trabalhos apresentados em eventos científicos: SO-BRENOME DA/O AUTORA/OR DO TRABALHO, Pre-nomes. "Título do trabalho". In: NOME DO EVENTO, Número da edição do evento, Cidade onde se realizou o evento. Anais... (ou Proceedings... ou Resumos...) Local de publicação: Editora, Ano de publicação. Pági-nas inicial e final do trabalho.

Exemplo:PRADO, Danda. "Maternidade: opção ou fatalidade?" In: SEMINÁRIO SOBRE DIREITOS DA REPRODUÇÃO HUMANA, 1., 1985, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Ja-neiro: ALERJ/Comissão Especial dos Direitos da Repro-dução, 1985. p. 26-29.

Decretos, Leis, Constituição federal: Nome do local (país, estado ou cidade), título (especificação da le-gislação), número e dados da publicação. No caso da Constituição colocar o ano entre parênteses.

Exemplos:BRASIL. Decreto n. 2.134, de 24 de janeiro de 1997. Regulamenta o art. 23 da Lei n. 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a categoria dos documen-tos públicos sigilosos e o acesso a eles, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 18, p. 1435-1436, 27 jan. 1997. Seção 1.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Repúbli-ca Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

Relatório oficial

Exemplo:UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Relatório 1999. Curitiba, 1979. (mimeogr.).

Gravação de vídeo

Exemplo:VILLA-LOBOS: o índio de casaca. Rio de Janeiro: Man-chete Vídeo, 1987. 1 videocassete (120 min.): VHS, son., color.

Ilustrações, abreviaturas e símbolos: as tabelas: de-vem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos, na ordem em que foram citadas no texto. A cada uma deve-se atribuir um título breve precedido pela palavra “TABELA” seguido do seu número de or-dem, não se utilizando traços internos horizontais ou verticais. As notas explicativas devem ser colocadas no rodapé das tabelas e não no cabeçalho ou título. Caso algum valor tabulado mereça explicação, este poderá ser salientado por um asterisco abaixo da tabela. Os quadros são identificados como tabelas, seguindo uma única numeração em todo o texto. As figuras (fotogra-fias, desenhos, gráficos, etc.), citadas como figuras, devem estar desenhadas e fotografadas por profissio-nais. Devem ser numeradas consecutivamente com al-garismos arábicos, na ordem em que foram citadas no texto. As ilustrações devem ser suficientemente claras para permitir sua reprodução em 7,2 cm (largura da coluna do texto) ou 15 cm (largura da página). Não se permite que figuras representem os mesmos dados de tabela. Nas legendas das figuras, os símbolos, flechas, números, letras e outros sinais devem ser identificados e seu significado esclarecido. Para ilustrações extraídas de outros trabalhos, previamente publicados, os auto-res devem providenciar permissão, por escrito, para a reprodução das mesmas. Estas autorizações devem acompanhar os manuscritos submetidos à publicação. Utilize somente abreviações padronizadas. Evite abre-viações no título e no resumo. Os termos por extenso aos quais as abreviações correspondem devem pre-ceder sua primeira utilização no texto, a menos que sejam unidades de medidas padronizadas.

Errata: os pedidos de correção deverão ser encami-nhados em, no máximo, 30 dias após a publicação.

Lea Carvalho RodriguesLuis Antônio Maciel de Paula

Maria de Nazaré de Oliveira Fraga

Editores