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LEITURA E ESCRITA NA ESCOLA E NA FORMAÇÃO DOCENTE: EXPERIÊNCIAS, POLÍTICAS E PRÁTICAS Organizadores Jacqueline de Fátima dos Santos Morais Jose Ricardo Carvalho Mairce da Silva Araújo

As Narrativas de si e os Ateliês Biográficos: Ressignificando os Sentidos da Alfabetização em Ambientes (Auto) Formativos

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

LEITURA E ESCRITA NA ESCOLA E NA FORMAO DOCENTE:

EXPERINCIAS, POLTICAS E PRTICASOrganizadores

Jacqueline de Ftima dos Santos Morais

Jose Ricardo Carvalho

Mairce da Silva Arajo

Sumrio

Apresentao ........................................................................................................................................ p. 4Jacqueline de Ftima dos Santos Morais

Jose Ricardo Carvalho

Mairce da Silva Arajo1 eixo: Leitura e escrita na escola

" Assim: Quando eu Brinco de Escrever, Escrever Brincar" as Crianas e o seu Linguagear ............................................................................................................................................................................ p 13Carmen Lucia Vidal Perez

Monica Ledo Silvestri

Entre Mltiplas Alfabetizaes, Prticas Alfabetizadoras e Reflexes Docentes ......................................................................................................................................p 29Maria Fernanda Pereira Buciano

Guilherme do Val Toledo Prado

tala Nair Tomei Rizzo

Movimentos de Aprender e Ensinar no Cotidiano Escolar da Educao Infantil ......................................................................................................................................p 49

Cristiana Callai de Souza

La Alfabetizacin Inicial: de la Risa a la Prisa .......................................................p 64Anglica Jimnez Robles

Dilogos interculturais escola/comunidade: repercusses no processo de alfabetizao das crianas das classes populares ....................................................p 81Mairce da Silva Arajo

Ndia Cristina de Lima Rodrigues

2 Eixo: Leitura e Escrita na Formao Docente

As Narrativas de si e os Atelis Biogrficos: Ressignificando os Sentidos da Alfabetizao em Ambientes (Auto) Formativos ................................................... p 99Eliane Greice Davano Nogueira

Sandra Novais Sousa

Formao Como Movimento Alteritrio .............................................................. p 118Marisol Barento de Mello

Jader Jner Moreira Lopes

Escrita na Formao Inicial: Partilha e Ateno ao Outro ................................ p 139Laura Noemi Chaluh

Alfabetizao na Teia da Significao em Formao de Professores ................ p 160Iara Maria Campelo Lima

Hablar, Leer, Escribir, Sentir, Imaginar. La Necesidad De Crear una Narrativa Desde la Cultura Escrita y el ser Maestra/o en Procesos de Formacin Docente ................................................................................................................................... p 176 Jorge Alberto Chona Portillo

Desafios da Leitura e Escrita em Processos Formativos de Professores/as das Infncias e de Jovens e Adultos ............................................................................. p 190Marcia Alvarenga

Maria Tereza Goudard Tavares

A Experincia da Formao para Alfabetizar ..................................................... p 207Rosaura Soligo

Guilherme do Val Toledo Prado

3 Eixo: Leitura e Escrita: Outras Experincias, Polticas e Prticas

Alfabetizar: uma Prtica Pensada ........................................................................ p 226Mitsi Pinheiro de Lacerda Leite

Professoras Alfabetizadoras: Sentidos Produzidos Sobre a Implementao de Projetos Oficiais nas Escolas Cariocas ................................................................. p 247Jacqueline de Fatima dos Santos Morais

Aline Gomes da Silva

Alteridade, Diferena e Singularidade: Notas para Pensar uma Alfabetizao como Experincia .............................................................................................................. p 262Carmen Sanches Sampaio

Tiago Ribeiro

Ana Paula Venncio

Autora Entre Voces................................................................................................ p 276 Sarah Corona Berkin

A Formao do Professor Leitor-Narrador de Textos Ficcionais em Atividades Realizadas no Projeto Pibid ................................................................................... p 287 Jose Ricardo Carvalho

Apresentao dos autores ......................................................................................................... p 305 ApresentaoEu creio no poder das palavras, na fora das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, tambm, que as palavras fazem coisas conosco. (LARROSA, 2004, p. 21)

H algum tempo nos habitava o desejo de organizarmos um livro que retomasse o debate de temas que ainda se constituem como desafios e que vm atravessando desde muito tempo nossas vidas, resultando projetos de pesquisas e aes extensionistas. So eles: leitura, escrita e formao docente. A razo de serem temas que ainda provocam inquietaes, gerando prticas e polticas de diferentes naturezas, no pode ser compreendida distncia do que significam no contexto da nuestra Amrica Latina. Ensinar e aprender a ler e escrever no so questes resolvidas em pas algum de nosso continente. A gravidade de tal situao se torna mais clara quando analisamos certos dados estatsticos do campo educativo. Mesmo com a reserva que merecem e a desconfiana que geram, podem nos ajudar a compreender o quanto temos falhado na garantia do direito social leitura e escritura da palavra e, portanto, leitura crtica e transformadora do mundo, como sempre pregou Paulo Freire.

Um desses dados pode ser encontrado no mbito da UNESCO. Esta instituio tem apontado que no conjunto de pases que conformam o chamado novo mundo, h 73 milhes de analfabetos funcionais. No so poucos, portanto. Deste contingente humano, nada menos que 36 milhes podem ser classificados como analfabetos absolutos. Se mirarmos para o nosso entorno, encontraremos um total de 14 milhes. Ou seja: 38,5% deste contingente populacional latino americano analfabeto, vive em cidades brasileiras. So nossos vizinhos, parentes, amigos ou, ao menos, conhecidos. Tais dados, levantados entre 2005 e 2011, e que constam do relatrio Educao Para Todos divulgado pela Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura, nos alertam que no podemos cerrar os olhos. Este livro, portanto, representa no apenas um compromisso tico e poltico em no nos deixar acomodar na cegueira que muitas vezes se apodera de ns mas tambm significa uma contribuio ao campo da educao, a formao docente e aos estudos da leitura e escrita. Como Larrosa, no somos indiferentes ao poder das palavras. Apostamos na fora da leitura, na potncia da escrita e no vigor da formao docente. Sabemos, por outro lado, que os dados estatsticos apresentados acima nos contam uma parte da histria da escola, mas h outras narrativas a serem conhecidas. Histrias que visibilizam possibilidades, potncias e vontades de docentes e estudantes. Assim, criar espaos para outras narrativas que no apenas aquela que aponta para o fracasso da educao, nos parece urgente e necessrio. Assim, este livro tambm nasce, sobretudo, do compromisso coletivo em abrir um espao de socializao do experienciado, tanto nas pesquisas quanto nas aes vividas junto escolas latino-americanas.

Esta publicao traz a leitura e a escrita implicada em uma outra perspectiva de formao docente, que no a prescritiva, normativa, dogmtica. Nesta concepo, ler e escrever so compreendidos como direitos que exigem de cada um e uma de ns, atos comprometidos. Para tal, uma polifonia de vozes entram dilogo na composio do livro Leitura e Escrita na Escola e na Formao Docente: Experincias, Polticas e Prticas, abrangendo diferentes contextos e realidades, se estendendo por vrios estados e cidades brasileiras - Rio de Janeiro: So Gonalo, Niteri, Santo Antnio de Pdua; So Paulo: Campinas, Rio Claro; Mato Grosso do Sul: Dourados; Sergipe: Aracaj. Atravessando a fronteira, encontra no Cidade do Mxico e em Guadalajara, tambm no Mxico, outros interlocutores para alimentar nossos dilogos e preocupaes em torno das temticas da alfabetizao e da formao docente. Os artigos que compe este livro, de diferentes perspectivas e pressupostos, nos permitem pensar sobre os desafios da formao docente, considerando o papel da universidade e do cotidiano escolar como espaos de produo e apropriao da leitura e da escrita. Esta discusso se configura para alm do domnio tcnico da lecto-escritura, apostando numa dinmica complexa para compreender as relaes envolvidas entre ler, escrever e formar-se professor/a alfabetizador/a. Pensamos que este livro pode ajudar na ampliao e problematizao de tais focos.

Com objetivo de apresentar as interlocues produzidas a partir de um intenso dilogo materializado neste livro, organizamos a presente obra em trs eixos: Leitura e Escrita na Escola; Leitura e Escrita na Formao Docente; Leitura e Escrita: Outras Experincias, Polticas e Prticas.

Os artigos que compem o 1 Eixo: Leitura e Escrita na Escola trazem reflexes que tem como foco os processos de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita na escola.

No artigo assim: quando eu brinco de escrever, escrever brincar as crianas e o seu linguagear as autoras Carmen Lucia Vidal Perez e Monica Ledo Silvestri desfiam os muitos caminhos percorridos em uma pesquisa realizada em classes de alfabetizao, na qual foram privilegiadas as reflexes nascidas no dilogo com os saberes das crianas, processo que se fundou em diferentes lgicas operatrias, diferentes espaos tempos cognitivos, no qual a experincia foi se revelando como outras estticas, ticas e jeitos de fazer. O artigo compartilha tambm reflexes sobre o desafio de fazer pesquisa segundo outros paradigmas de produoinveno do conhecimento.

Entre mltiplas alfabetizaes, prticas alfabetizadoras e reflexes docentes, artigo produzido por Maria Fernanda Pereira Buciano, tala Nair Tomei Rizzo e Guilherme do Val Toledo Prado, duas professoras alfabetizadoras da escola bsica e um professor universitrio, tem como foco experincias vividas na implementao do Projeto Piloto da Escola de Educao Integral, na rede municipal de Campinas (So Paulo). Tecendo suas narrativas em torno da organizao do tempo, dos planejamentos, dos espaos coletivos, pelas professoras polivalentes com as crianas dos primeiros anos, o texto nos brinda com reflexes que abarcando o dilogo professoras-crianas na construo de prticas alfabetizadoras, confirmam a potencialidade do cotidiano escolar na produo de inditos-viveis, dos quais nos falava Paulo Freire.

Em seu artigo Movimentos de aprender e ensinar no cotidiano escolar da educao infantil, Cristiana Callai dirige seu olhar e escuta interessados para as crianas numa sala de aula de educao infantil. Compartilhando suas observaes sobre como as crianas organizam suas brincadeiras, interagem entre os pares, resolvem as tenses dentro do grupo, negociam papis, criam roteiros, enfim vo coletivamente e silenciosamente tecendo outra escola, nos convida a reconhecer as crianas em sua alteridade, bem como perceb-las como protagonistas de seu processo de aprendizagem.

O artigo La alfabetizacin inicial: de la risa a la prisa de Anglica Jimnez Robles discute a alfabetizao inicial a partir de trs perguntas que, ao longo do texto, a autora ir buscar responder: em que idade se considera conveniente comear a ensinar a ler e escrever? Se a alfabetizao uma conquista humana de longa durao porque se pretende que as crianas adquiram a lectoescritura de maneira rpida, como uma cultura Fast Alfabetizao? E, por ltimo: a pressa no ensino da lngua pode retirar o riso e o prazer em ler e escrever, chegando a constituir uma violncia alfabtica? As reflexes trazidas pela autora nos permitem pensar que a alfabetizao, mesmo sendo um objetivo central da educao, a formao de leitores e escritores competentes, continua sendo um grande desafio dos sistemas educativos.

Dilogos interculturais escola/comunidade: repercusses no processo de alfabetizao das crianas das classes populares, artigo de Mairce da Silva Arajo e Ndia Cristina de Lima Rodrigues, socializa reflexes produzidas a partir de uma investigao que tem como foco o processo de alfabetizao em uma escola de classes multisseriadas que atende a uma comunidade tradicional formada h pelo menos 200 anos. As autoras investigam at que ponto uma perspectiva monocultural, que transforma diferenas culturais em desigualdades sociais, sobrepe novos empecilhos ao processo de apropriao da leitura e da escrita. Buscam tambm encontrar pistas para a produo de um dilogo intercultural na escola, que contribua para a re-valorizao das vozes, dos conhecimentos, das prticas sociais das populaes historicamente excludas da escola.

Os artigos que compem o 2 Eixo: Leitura e Escrita na Formao Docente, colocando foco nos processos de formao docente, nos ajudam a pensar sobre a leitura e a escrita. Eliane Greice Davano Nogueira e Sandra Novais Sousa em artigo intitulado As narrativas de si e os atelis biogrficos: ressignificando os sentidos da alfabetizao em ambientes (auto) formativos, objetivando analisar as polticas de interveno da Secretaria de Estado de Educao de Mato Grosso do Sul, direcionadas para a formao dos professores alfabetizadores, investigam as prticas pedaggicas referentes alfabetizao inicial, a partir da narrativa das professoras, tendo como referencial o mtodo auto (biogrfico). As autoras defendem que a abordagem biogrfica, atuando como dispositivo de pesquisa e de formao, favorece que os professores possam ocupar cada vez mais espaos, ter lugar e vez nos debates sobre a educao, questionando discursos hegemnicos que no foram elaborados por eles.

Marisol Barenco de Mello e Jader Janer Moreira Lopes, apoiados em uma perspectiva dialgica adotada por Bakhtin e Vygotski, so os autores do captulo Formao como movimento alteritrio. Neste artigo, observa-se o desenvolvimento de propostas pedaggicas que apostam na autonomia do aluno no processo de construo de seu conhecimento. Do mesmo modo, o texto demonstra a importncia do professor como aquele auxilia as crianas de um modo amoroso e comprometido a fim de ajudar o aluno a promover autocrtica e a tomada de decises diante de contextos concretos de aprendizagem. Os autores examinam possibilidades de instaurao de prticas no cotidiano escolar que vigorem conhecimentos sob uma tica viva, aberta, inconclusa e provisria.

No artigo Escrita na formao inicial: partilha e ateno ao outro, a autora Laura Noemi Chaluh, compartilha uma experincia de formao no Ensino Superior, construda a partir de projetos que articulam duas instncias formativas: um projeto de pesquisa e interveno desenvolvido em escolas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e um curso de extenso, do qual participam alunos da graduao em Pedagogia e educadores da rede municipal de ensino. Na experincia em tela a prtica da escrita no contexto da formao inicial de professores contribuiu para o estabelecimento de vnculos, encontros e dilogos, estreitamento de laos gerando certa cumplicidade e intimidade e a (re)significao de si a partir de suas prprias vivncias e das vivncias de outros. A potncia da experincia vivida instiga a autora a reafirmar a importncia de se encontrar brechas nos espaos da universidade que permitam aos futuros professores o exerccio da curiosidade, do dilogo e da interlocuo, em busca de um fazer docente coletivo.

Alfabetizao na teia da significao em formao de professores, artigo de Iara Maria Campelo Lima apresenta as reflexes elaboradas a partir de investigao que tem como foco o processo de formao continuada do professor alfabetizador. Elegendo a escrita narrativa como eixo da discusso, a autora abarca o caminhar epistemolgico da pesquisa, a articulao da escrita narrativa com a formao do professor alfabetizador e a ressignificao conceitual da alfabetizao. As narrativas das histrias de formao e experincias vivenciadas no espao da pesquisa formao, contempladas no artigo, reafirmam que a escrita narrativa de professores em processo de formao continua possibilita valorizar, respeitar e considerar, academicamente, as experincias e conhecimento das professoras.

O artigo Hablar, leer, escribir, sentir, imaginar. La necesidad de crear una narrativa desde la cultura escrita y el ser maestra/o en procesos de formacin docente de Jorge Alberto Chona Portillo trata de questes que envolvem a leitura e produo escrita de textos significativos tanto para os estudantes quanto para os docentes. A partir de sua experincia como professor e formador de professores, o autor defende a importncia de recuperar o dilogo no espao escolar a fim de possibilitar a produo da palavra que permita imaginao e emancipao.

No captulo Desafios da leitura e escrita em processos formativos de professores/as das infncias e de jovens e adultos, as autoras Maria Tereza Goudard Tavares e Marcia Soares de Alvarenga prope uma reflexo sobre as polticas de formao de professores/as na atualidade. As autoras apresentam um quadro de questionamentos por que formar, como deve ser a formao de professores/as?, Qual o papel da leitura e da escrita nos processos formativos de professores?, dentre outras questes. Neste trabalho as autoras compartilham experincias realizadas no espao da Faculdade de Formao de Professores da UERJ, por meio da apresentao de registros narrativos escritos por estudantes de Pedagogia no qual denominam de Cadernos de Formao. Os cadernos so apresentados como suportes de produo de conhecimento se fundamentam na concepo freireana, evidenciando que toda formao projeto e utopia, demarcando intencionalidade e elaborao esttico-poltica que dialoga com o campo da leitura e da escrita, possibilitando as estudantes de pedagogia compreender diferentes dimenses da docncia. Rosaura Soligo e Guilherme do Val Toledo Prado, no captulo intitulado A experincia da formao para alfabetizar, realizam uma ampla reflexo sobre a formao do professor alfabetizador, buscando compreender o papel da experincia pessoal de aprendizagem e formao institucional como processos que atuam na identidade do professor. O captulo aborda uma srie de desafios que so colocados aos professores para ampliar conhecimentos vinculados a prticas docentes que garantam a aprendizagem dos alunos; bem como a compreenso dos sentidos da instituio escolar para o ofcio docente. Sendo assim, os autores buscam compreender o papel da cultura profissional e a influncia profissional dos mais experientes no processo de formao docente.

Os artigos que compem o 3 Eixo: Leitura e Escrita: Outras Experincias, Polticas e Prticas tem em comum a proposta de refletir sobre experincias de leitura e escritura que repercutem sobre prticas desenvolvidas no cho da escola e no processo formativo do professor para alm do territrio nacional. Mitsi Pinheiro de Lacerda escreve o captulo Alfabetizar: uma prtica pensada realizando uma reflexo sobre os princpios que configuram o ato de conhecer e sua relao com a prtica alfabetizadora. Para tanto, a autora apresenta um conjunto de indagaes sobre a dinmica das estruturas formativas que se consolidam nos cursos de formao continuada oferecidos a alfabetizadoras. A autora faz uma leitura crtica das formaes que assumem o desenho de instruo programada, com pretenso de efeito multiplicador. O texto convida o leitor a refletir sobre outras possibilidades de formao que promova a autonomia dos professores por meio de relatos escritos.

No captulo professoras alfabetizadoras: sentidos produzidos sobre a implementao de projetos oficiais nas escolas cariocas, as autoras Jacqueline de Fatima dos Santos Morais e Aline Gomes da Silva apresentam dados de uma pesquisa de mestrado que busca compreender a contexto educacional que envolve a formao de professoras alfabetizadoras do Rio de Janeiro, considerando diferentes aspectos. No contexto da pesquisa, ocorre um trabalho de escuta das professoras que relatam experincias e aes docentes vinculadas universidade e a programas de formao. As professoras descrevem suas experincias formativas a partir de conversas que rememoram, refletem e ressignificam suas prticas alfabetizadoras em meio ao processo narrativo, analisando o contexto onde as desenvolvem.

O artigo Alteridade, diferena e singularidade: notas para pensar uma alfabetizao como experincia de Tiago Ribeiro, Carmen Sanches Sampaio e Ana Paula Venncio, a partir da discusso da possibilidade de uma pedagogia da singularidade, pergunta-se a respeito da alfabetizao e sobre ela tece reflexes, na defesa de um movimento alfabetizador constitudo pela curiosidade, pelo desejo e pelas perguntas infantis como potencialidade para o trabalho pedaggico com as crianas. Por meio de situaes vivenciadas no bojo de uma pesquisa longitudinal, realizada em uma escola pblica localizada na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, alinhava alguns princpios dessa concepo de alfabetizao e pensa possibilidades e desafios para a sua realizao nos cotidianos escolares.

O artigo Autora entre vocs de Sarah Corona Berkin discute um projeto educativo que integra educadores indgenas mexicanos wixritari e professores da Universidade de Guadalajara. Tal projeto se sustenta na necessidade de educar para a convivncia com a diferena, tendo resultado em vrias publicaes e materiais didticos produzidos de forma dialgica e horizontal. Estes tm apoiado metodologicamente os educadores, tanto indgenas quanto no-indgenas em suas aes pedaggicas.

O artigo A formao do professor leitor-narrador de textos ficcionais em atividades realizadas no projeto PIBID escrito por Jos Ricardo Carvalho da Silva discute a importncia do contato dos estudantes e professores com os textos da tradio oral para o desenvolvimento do gosto pela leitura. Desta forma, o autor defende que um dos caminhos para o aluno se sentir atrado pelo texto escrito seria a contao de histria, em especial os contos de fadas, aproveitando deles todos os recursos possibilitados pelo forte vnculo com a oralidade. O autor defende ainda que os contos, oriundos da tradio popular, apresentam uma srie de elementos capaz de expandir o gosto pela lngua, pela literatura e pelos contedos que estas narrativas trazem.

Por fim, desejamos que as interlocues aqui trazidas possam instigar novos dilogos e contrapalavras que contribuam para ampliar as reflexes terico-prticas sobre as relaes envolvidas entre ensinar a ler, escrever e formar-se professor/a alfabetizador/a. 1 eixo: Leitura e escrita na escola

" ASSIM: QUANDO EU BRINCO DE ESCREVER, ESCREVER BRINCAR"

AS CRIANAS E O SEU LINGUAGEARMonica Ledo Silvestri Universidade Federal Fluminense (UFF)

Carmen Lucia Vidal Perez

Grupo de Estudos e Pesquisa Escola, Memria e Cotidiano (GEPEMC)

Grupo de Pesquisa sobre Alfabetizao de Alunos e Alunas das Classes Populares (GRUPALFA/UFF)Para as crianas as palavras so como cavernas

cujos caminhos permitem curiosas linhas de comunicao.

Walter Benjamin

Esse artigo comea desde o ttulo. Expe uma assertiva entendida como mais que uma simples afirmao. " assim", expresso imperativa, categrica, motivadora das nossas aes pesquisadoras de um lado, e, de outro, do percurso de alfabetizao traado pelas crianas.

As crianas no param de nos surpreender. Elas nos ensinam, cotidianamente, com suas diferentes formas de aprender a ensin-las. Aprendemos com os pequenos, pois sua presena nos ensina que a criana por ser ela mesma pequena, tem outro campo de percepo; ela v aquilo que o adulto no v mais... (Gagnebin, 1997, p.182). A criana olha os detalhes. A criana v o mundo com outros olhos, um olhar singular que se volta para o pequeno, para o mido, para o insignificante: as crianas vm o rosto do mundo atravs dos resduos que o adulto descarta - o lixo da histria. A criana participa da cultura produzindo uma cultura prpria que modifica (microbianamente) o contexto scio, histrico, cultural mais amplo. A busca pelo compreender das crianas reflete a assuno do desejo de fazer pesquisa segundo outro paradigma de produoinveno do conhecimento. A procura no se d por leis gerais do desenvolvimento ou sistemas de classificao infantil ou, ainda, de mtodos alfabetizadores, mas por partilhar com as crianas suas andanas e presenas no mundo. (Cf. Prez e Alves, 2009, p. 43).

A pesquisa no tratou de levantar dados objetivos e analis-los meramente como tais, no promoveu a ciso teoria prtica, sujeito objeto, pesquisador pesquisado, ao contrrio, se ancorou em uma dimenso de criao que afirmou o encontro de desvios produzidos na emergncia do inesperado, do mesmo modo, a alfabetizao encontrou contedo e forma nas subjetividades nascidas na experincia das crianas de brincar de escrever, nas linhas de comunicao tecidas pelo seu linguagear. As importncias da alfabetizao se misturam s importncias da pesquisa

Ao desfiar os muitos caminhos percorridos em nossas inseres de pesquisa em classes de alfabetizao, privilegiamos as reflexes nascidas no dilogo com os saberes das crianas, processo que se funda em diferentes lgicas operatrias, diferentes espaos tempos cognitivos, no qual a experincia tem se revelado como outras estticas, ticas e jeitos de fazer.

Durante a pesquisa nos percebemos, muitas vezes, em um lugar de inquietaes, pois experimentamos o exerccio de pensar caminhos feitos de disperses, medos e confrontos, mas, ao mesmo tempo, feitos por um inesgotvel campo de significaes e pensamentos nascidos nas possibilidades das experincias tecidas ao longo do trajeto com as crianas e suas professoras. Os processos vividos foram inventivos e desnaturalizadores, e requereram trabalho compartilhado, uma relao dinmica que determinou os caminhos que experimentamos, em outras palavras, vivemos as produes do grupo envolvido.

desse lugar de produes coletivas que esboamos nossas reflexes, apenas reflexes. No pretendemos, portanto, apontar uma metodologia de pesquisa com crianas, se que isso possa ser feito. Optamos por apostar na ideia de que os caminhos vividos com as crianas se ancoraram em um exerccio constante de aproximao e tensionamento, de intensificao e experimentao do pensamento, do afeto, do conhecimento. Enfim, de provocaes e produo de formas outras de compreenso da pesquisa e do fazer alfabetizador. Um exerccio que produz reflexes - sobre jeitos de pesquisar, de alfabetizar, de compreender as crianas -, sempre em trnsito. (Cf. Silvestri, 2013, p.66).

A busca por qualificar um entendimento sobre o proceder com crianas, volta-se muito mais para as formas como ns todos, os envolvidos, nos (re)inventamos nos encontros, do que para o estabelecimento de categorias, que compem uma lista de saberes e fazeres que, a priori, precisamos dispor. H, assim, um preparar com as crianas, um estar com elas e aprender com elas. Movimento que no se resume a uma simples escolha, mas exigi paixo e exerccio de uma sensibilidade que mobiliza a razo ampliada, no sentido benjaminiano do termo, que envolve a intuio e a imaginao na construo de um saber prtico, que terico tambm, e que s a experincia com a criana anuncia e forja. (Cf. Silvestri, 2010, p.23)

A surdez palavra da criana a marca da pedagogia moderna, caracterstica de uma educao como ideal de cultura e de civilizao, que busca inserir a criana no mundo adulto a partir de prticas disciplinares fundadas em relaes de poder, coero e dominao.

Benjamin (2002) ao criticar a educao escolar burguesa ressalta o carter limitador de uma pedagogia que obriga a criana a olhar sem tocar, papaguear respostas corretas previamente memorizadas, sentar passivamente diante do quadro de giz , copiar as lies expostas na lousa e, ouvir, ouvir, ouvir... Ao desconsiderar e/ou ignorar a percepo infantil, a pedagogia racionalista interdita criana qualquer possibilidade de criao.

Em seus textos sobre a cognio infantil, Benjamin (2001) critica a pedagogia moderna centrada no ensino: o interesse pelo mtodo um posicionamento genuinamente burgus, a ideologia do continuar a enrolar e da preguia" (p.112) e denuncia o excesso moral que caracteriza a prtica educativa em detrimento de sua finalidade tica. Para Benjamin, a racionalizao, a esquematizao e o apego ao mtodo, caractersticas da pedagogia escolar, vai de encontro a uma educao tica, pois o processo de educao tica contradiz, por princpio, toda racionalizao e esquematizao e no tem nenhuma afinidade com o ensino didtico. (idem, p.114)Benjamin (1985) nos mostra que, contrariamente aos postulados racionalistas da pedagogia moderna, as crianas conhecem o mundo pela percepo visual e ttil. Suas anlises sobre a infncia, a partir das reflexes sobre os livros infantis, os jogos, os brinquedos e as brincadeiras, anunciam outras possibilidades para a pedagogia tomando como referncia a percepo complexa que as crianas tem do mundo: a criana exige dos adultos explicaes claras e inteligveis, mas no explicaes infantis (...) aceita perfeitamente coisas srias, mesmo as abstratas, desde que sejam honestas e espontneas. (p. 236-7).Benjamin (2001) considera a brincadeira infantil e a capacidade da criana de descobrir outra ordem de funcionamento do mundo e das coisas do mundo, como um modo de conhecimento. Para Benjamin no mundo das coisas que as crianas produzem o seu mundo e a sua cultura, com resduos que "surgem na construo, no trabalho de jardinagem ou domstico, na costura ou na marcenaria" (p.23), resduos que compem uma constelao de correspondncias sensveis.

As reflexes de Benjamin sobre a cognio infantil nos possibilita vislumbrar outras possibilidades para o aprender (e o ensinar) e para a pedagogia contempornea. Em Benjamin (idem) a atividade mimtica reporta-se a criao, a imaginao, a fantasia e a sensibilidade, dimenses fundamentais da cognio infantil. A criana desenvolve sua reflexo crtica, seja pela potencializao da inveno e da imaginao, seja pela produo de novas significaes. No aceita o sentido dado s coisas, experimenta, imagina, cria. A cognio infantil est ligada a ao - as crianas conhecem os objetos usando-os criativamente, produzindo outros sentidos para eles. As crianas aprendem na e pela inveno, o que do ponto de vista cognitivo engendra outras possibilidades de significao para a educao escolar e para a alfabetizao.As redes de conversas tecidas com as crianas se constituem, de um lado, como "procedimento" privilegiado de investigao e, de outro, como inveno de prticas alfabetizadoras. Entendemos que ouvir as crianas, sentar com elas e brincar, implica tanto a subverso da relao adulto criana, quanto a percepo de caminhos desviantes - que nos levam ao exerccio de dessegregar diferentes percursos afirmando-os como engendramento de formas de compreender as crianas e seus mltiplos processos de conhecer e experimentar o mundo. Os desvios nos aproximam dos modos como as crianas se apropriam da cincia, dos conhecimentos, do mundo das coisas e das coisas do mundo, tanto quanto nossa intuio, imaginao e curiosidade fundam outra lgica de conhecer e pesquisar.

As conversas se constituem como oportunidade concreta para destacar e colocar em anlise o pensamento e os sentidos produzidos em nossos encontros. Em outras palavras, nos envolvemos com nossas redes de pensamentos e dilogos, tecidas nas experincias cotidianas com crianas.

As retricas da conversa ordinria so prticas transformadoras "de situaes de palavra", de produes verbais onde o entrelaamento das posies locutoras instaura um tecido oral sem proprietrios individuais, as comunicaes de uma comunicao que no pertence a ningum. A conversa um efeito provisrio e coletivo de competncias na arte de manipular "lugares-comuns" e jogar o inevitvel dos acontecimentos para torn-los habitveis. (Certeau, 1998, p. 50)

A ateno da criana est voltada para inveno de problemas (perguntas) e no para formulao de solues (respostas); por isso, defendemos, como Freire, uma pedagogia da pergunta. O senso comum cientfico, caracterstico do conhecimento escolar, no possibilita que professoras e crianas pratiquem a pedagogia da pergunta. A nfase no conhecimento como um processo de assimilao de informaes, impede que se instale o processo de investigao da realidade e, a potencializao da curiosidade e da descoberta como formas de conhecer.

Tal perspectiva nos obriga a pensar no sentido da escola, na busca por apropriao/produo de outras leituras (polticas) dos contextos sociais de produo de saberes. Praticar a pedagogia da pergunta no cotidiano escolar exige que a sala de aula a funcione como espao de transio da curiosidade espontnea curiosidade epistemolgica. Portanto, na organizao (re)inventada a sala de aula se constitui num coletivo de intercmbio de experincias e de criao de percursos singulares com o conhecimento. (Cf. Prez e Alves, 2009, p.67). Como as crianas so protagonistas, nossa postura diante delas outra, no a de quem acredita que pode conduzir o processo de acesso e aquisio do conhecimento baseado em "certezas", mas de quem entende a produo de conhecimento como autoria e acontecimento esttico.

Nossos encontros feitos de acontecimento marcam a experincia vivida. "Cada situao cotidiana sempre nica e, portanto, exceo s regras predefinidas. As teorias formuladas sempre se modificam em virtude dos acontecimentos." (Ferrao, 2012, p. 67).Acontecimento no uma deciso, um tratado, um reino, ou uma batalha, mas uma relao de foras que se inverte, um poder confiscado, um vocabulrio retomado e voltado contra seus utilizadores, uma dominao que se enfraquece, se distende, se envenena e uma outra que faz sua entrada, mascarada. (Foucault, 1981, p.28)

As crianas, ao proporem outras lgicas desafiam o programa cultural pedaggico, a arquitetura escolar, os tempos, os jeitos, os desejos, e foras que "no se manifestam como as formas sucessivas de uma inteno primordial, tampouco assumem o aspecto de um resultado. Aparecem sempre no aleatrio singular do acontecimento". (Foucault, 1981, p145)"- Eu invento as histrias que eu acho legais. (Karine)

- Porque so legais as histrias que voc inventa?

- Porque sai da minha cabea e eu misturo muitas coisas. (Krine)

- Me explica como?

- Era uma vez uma porquinha cor de rosa que se casou com um homem importante. Ele tinha bigode fininho e tinha muito dinheiro. Ela estava vestida de noiva. Ela estava muito linda e arrumada no dia do casamento. (Karine)

- A histria no pode ser assim, porco no casa! (Joo)- Quem foi que disse que porco no casa? Na minha histria ele casa; bicho e gente se do bem. (Karine)- E os filhos vo ser metade gente e metade porco? (Joo)- Ainda no pensei nisso!"

Na sala de aula, com tempos, espaos e lgicas (re)inventados a aula acontece a partir da epistemologia das crianas, de suas hipteses de vida e de suas experincias. Trabalhar com e a partir da epistemologia das crianas implica a reviso do olhar da escola sobre elas; no mais o aluno (aquele que no tem luz), mas o cidado como inventor de conhecimentos - as crianas vivem cotidiana e simultaneamente num ambiente natural, tecnolgico, biotecnolgico e de informao, ambientes que lhes fornecem os fios com os quais tecem seus conhecimentos sobre si, sobre a natureza, sobre o mundo. (Cf. Prez e Alves, 2012, p.285).

Um celular quebrado suscita curiosidade, perguntas e investigaes. Abrir o celular e ver como ele por dentro e o que faz ele funcionar, foi um acontecimento que transformou a sala de aula num espao de investigao e descobertas. Encantadas as crianas aprenderam a usar a chave de fenda para abrir o aparelho e tesouras para desmont-lo, examinando cuidadosamente suas peas internas e buscando informaes sobre suas funes e funcionamentos. A aula aconteceu a partir de conversas sobre chips, baterias, carto de memria, cmera fotogrfica - como pode caber a dentro? - caixa de som, vibra call e protetor de bateria, entre outros. - anotaes feitas espontaneamente por Juliana em seu caderno -Temos investido na configurao de investigaes e prticas produzidas em parceria com as crianas, que apostam na potncia da autoria e na inveno de outras formas de aprenderensinar, a partir de um paradigma tico e esttico que se distancia das lgicas e teorizaes tecnocrticas. No que se refere alfabetizao a conjugao de linguagens, desenho, escrita e oralidade, filmagem e a linguagem digital do computador, permite ampliar nossa compreenso sobre os processos de apropriao da leitura e da escrita pelas crianas: a informao veiculada pelo desenho complementada pela escrita, ampliada pelo relato oral e reconfigurada pela imagem ou pelo computador, num processomovimento de linguagear, como nos lembra Maturana (1998).

As importncias da alfabetizao se misturam s importncias da pesquisa, pois nascem na/da experincia, e ir ao encontro dela significou/implicou provocar uma experincia em ns mesmas, j que o sujeito da experincia

... um sujeito ex-posto. Do ponto de vista da experincia, o importante no nem a posio (nossa maneira de pr-nos), nem a o-posio (nossa maneira de opor-nos), nem a im-posio (nossa maneira de propor-nos), mas a exposio, nossa maneira de ex-por-nos, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. (Larrosa, 2004, p. 154)As conversas com as crianas deslocam o nosso "lugar seguro" de sujeitos cartesianos (Najmanovich, 2001), e nos projeta a outro repleto de incertezas, uma vez que evidencia nossos limites tericos, prticos, existenciais, estticos, polticos... Ao nos deixamos implicar pelas crianas, as importncias surgem - sem uma lgica pr-estabelecida, sem um tempo pr-definido, sem um espao pr-determinado. Suas falas expostas nas conversas revelam as importncias ou por que so engraadas e, ao mesmo tempo, desafiadoras ou por que nos envolvem em grandes silncios, mas, de todo modo, falas potentes e reveladoras de prticas, de um lado, insuportveis para as crianas e, de outro, desarticuladoras de nossas "certezas" adultas. (Cf. Silvestri , 2013, p.35).Quem se envolve com as crianas sabe que o jeito que elas tm de conhecer so a curiosidade, a imaginao, os movimentos que imputam em situaes cotidianas diversas. Ao abraar essa perspectiva fomos benjaminianamente colecionando do/no contexto das experincias vividas com as crianas algumas histrias, e tecendo uma espcie de mosaico de pequenos fragmentos composto por diferentes peas, sobre o que aprendemos com elas, sobre o que elas pensam, sobre o jeito que elas tm de dizer sobre as coisas, sobre o que ouvem, sentem e as (co)move ou no.

Na tentativa de aproximar o leitor de nossos apontamentos, optamos por apresentar flashes dos momentos que marcam as importncias da pesquisa. Esses flashes se desdobram nas conversas que as crianas travam livremente entre elas e conosco.

Linguagear: flashes cotidianos das aulas inventadasAprender a ler e a escrever - lendo e escrevendo histrias, narrando experincias, compartilhando saberes e descobertas na e pela leitura, brincando com palavras, experimentando a escrita, explorando linguagens - num movimento coletivo de troca de saberes e fazeres, exerccio de aprendizagem que revela um campo fora desarticulaor de certezas e verdades sobre a alfabetizao das crianas das classes populares. A alfabetizao se orienta pela experincia: as crianas sentem as palavras e vo ao seu encontro para narra-las. Voz e letra dialogam com o sentir e o fazer nas rodas de conversas - espaotempo coletivo de narrativa e de exerccio de escuta - e, na pgina em branco - espaotempo singular de produo e registro de escrita viva - movimentos de aproximao, experimentao e construo coletiva de conhecimentos e aprendizagens da leitura e da escrita.

Entendemos a alfabetizao como um processo de autoria - movimento vivo de construo coletiva de conhecimentos sobre a leitura e a escrita, que se realiza a partir do e no dilogo com os saberes das crianas, com os saberes da professora e com os saberes das diferentes reas do conhecimento escolar. A noo de autoria (Bakhtin, 2000), como fundamento da prtica alfabetizadora nos desafia a explorar a conjugao de linguagens como caminho que permite ampliar nossa compreenso sobre os processos cognitivos/criativos das crianas e suas decifraes cotidianas. Michel de Certeau (1998) nos lembra que todo relato uma prtica e so as narrativas que vo ....precisar as formas elementares das prticas organizadoras das focalizaes enunciativas. (p. 201). As aes que desenvolvemos com as crianas tm confirmado as formulaes de Michel de Certeau, ao apontar que as lgicas operatrias so plurais, por que so plurais as experincias dos praticantes.

Flash 1- " assim: quando brinca de escrever, escrever brincar"

A busca por conhecer as lgicas operatrias das crianas e os movimentos que imputam ou no quando (des)praticam as normas prprias do conhecer na escola se colocam como o fio condutor de nosso trabalho de investigao.

Fazer um teatro de bonecos com as crianas nos aproxima da intensidade das experincias brincantes das crianas e nos mostra que "o brinquedo (como disse Gorki) realmente o caminho pelo qual as crianas compreendem o mundo em que vivem e que sero chamadas a mudar." (Leontiev,1998, p. 127)

- He he! A gente vai brincar de fazer teatro (Vitor)

- Porque voc disse brincar?

- Por que isso brincadeira, n? (Vitor)

- brincadeira, brincadeira! (crianas em coro)

Depois da agitada animao voltamos a conversar

- A gente escreve quando brinca?

- Escreve, uma vez eu escrevi dinheiro de mentira. (Juan)

- Mas o que voc escreveu no era brincar, era escrever, no era?

- Era brincar porque eu quis escrever.

- Me explica melhor?

- assim: Quando brinca de escrever, escrever brincar.

O que ou no brincadeira? O que ou no brincar? Estava claro que brincar um ato eletivo. Estava claro, tambm, que ningum pode obrigar ningum a brincar". um processo que s tem lugar se for de livre escolha e se puder ser exercido sob o controle dos prprios sujeitos (idem, p. 125).

O teatro de bonecos foi escolha das crianas, uma escolha emoldurada pela possibilidade de lidar com a alteridade e com as diferenas do grupo, do mundo. brinquedo e brincadeira a um tempo s; jogo dramtico que pode ser jogado no social.

No que se refere pesquisa, o que cabe colocar em destaque o fato de que a escola fundamental no dispe de tempo espao para que as crianas faam suas prprias escolhas, brinquem, dramatizem, joguem... Mais que isso, as aes das crianas so reduzidas aos prognsticos prescritivos de uma pedagogia que nada diz ao seu direito de brincar e imaginar. preciso acentuar que a ao, no brinquedo, no provm da situao imaginria, mas, pelo contrrio, esta que nasce da discrepncia entre a operao e a ao; assim, no a imaginao que determina a ao, mas so as condies da ao que tornam necessria a imaginao e do origem a ela. (Leontiev, 1998, p.127)

preciso acentuar, ainda, que muitas prticas realizadas em sala de aula se produzem e se acumulam em uma trana de rotinas prescritivas adultas que pouco dizem s crianas e as reduzem condio de inacabamento.

- Tia a gente vai fazer uma companhia de teatro. (Tainara)

- Uma companhia de teatro? Muito importante isso, hein! Qual vai ser o nome da companhia de vocs?

- Trakinas Rebeldes.

- Hum, quem pensou nesse nome?

- Foi todo mundo junto, mas foi assim: a Tainara, a Cauana, a Raissa, a Vitria e a Juliana queriam Rebeldes. Ah e, eu tambm queria! (Raissa J.)

- Eu tambm! (Maria Clara)

- O resto queria Trakinas. (Raissa J.)

- A a gente fez votao, e ganhou juntar tudo.

- Muito bom! A companhia j tem nome. O que faremos agora?

- Vamos pensar em tudo o que vai ter no teatro. (Vitria)

- Tipo planejar?

- . (Vitria).

O planejamento com as crianas no uma tarefa muito fcil. Todos querem fazer valer suas ideias e desejos e nem sempre isso possvel ou por razes prticas e materiais ou por questes que envolvem segurana. No entanto, planejar com elas nos fez perceber que este momento talvez seja o mais importante na qualificao e na (re)estruturao do processo de aprendizagens das crianas. Planejar ajuda as crianas entenderem que podem provocar acontecimentos para si prprias. Isto permiti-lhes desenvolver a sensao de controle sobre as prprias vidas levando-as a aceitar a responsabilidade das consequncias das suas escolhas e decises. (Graves,1996, p.115).

Quando refletimos sobre o processo de planejamento feito com as crianas percebemos que nenhum planejamento pode ser entendido como bom ou ruim a priori, pois um planejamento apenas uma inteno, o que o qualifica , sem dvida, a direo que ele vai tomar. No caso da nossa pesquisa essa direo esteve voltada para as crianas, portanto, a formalidade, a burocracia e a didatizao no cabiam na conduo das atividades. No planejamento feito com elas, mais do que listas de contedos de lngua portuguesa, matemtica, cincias ... lidamos com as narrativas e o liguagear das crianas.- Como chama aquela coisa que faz ter o som da msica quando a princesa ama o prncipe? (M Clara)

- Melodia?

- No, aquilo quando tem beijo na televiso que fica uma msica tocando, no fica?

Levamos algum tempo para descobrir que Maria Clara se referia trilha sonora. Em outro momento do planejamento, outra questo se colocou.

- O barulho da chuva, faz como? (Eduardo)

- Isso sonoplastia.

- Quem escreve no teatro o escritor? (Juan)

- o roteirista, ele que escreve o roteiro.

- Mas ele escritor? (Juan)

- escritor por que escreve a pea.

Muitas idas e vindas, muitas palavras no conhecidas, muito trabalho na montagem do espetculo, muitas questes a definir pelas crianas.

- Tia vai ter que ser duas peas, pode?

-Por qu?

-Por que os meninos querem coisa de pirata e ns queremos de princesa.

- timo, vamos fazer dois grupos e duas peas.

As crianas dos dois grupos interagiam umas com as outras como se no houvessem grupos distintos. A relao que se estabelecia entre elas, firmada pelo exerccio de planejar as peas da princesa e do pirata foi eminentemente dialgica. O olhar do outro, a sua viso, a sua ao esttica, o seu saber ou a sua fragilidade foram o ponto alto das trocas cognitivas e emocionais, importantes para a ampliao da viso de mundo do grupo.

A escrita dos roteiros foi muito discutida, e as crianas demonstravam uma preocupao enorme com a grafia correta das palavras.

- A gente quer a histria do Pluft bem certinha. (Gabriel R.)

- Aquele trao que a gente coloca na frente de quem fala, como o nome? (Vitor)

- Travesso.

Na escrita do texto usaram papel e computador. Corrigiram maisculas e minsculas, preocupavam-se com os pontos, as vrgulas e com o tamanho da fonte. Fonte errada precisava ser corrigida e tambm precisava imprimir novamente. Rudos de portas rangendo, casco de cavalos ao trote, galope, barulho de chuva fina, de chuva forte, foram conseguidos com materiais diversos. De gros de arroz em pequenos frascos para imitar a chuva, at cascas de coco para o andar de cavalos. Tudo registrado pelas crianas, sonoplastia gravada em udio e enredos digitados, pois no dia do espetculo aqueles sons precisariam ser reproduzidos e as falas dos personagens lidas.

A criao dos bonecos, personagens das peas, foi feita com muito capricho. Da coleta de materiais reaproveitveis s caractersticas que cada um deles teria foi planejado e executado pelas crianas.

- A minha bruxa vai ter uma vassoura. S no sei como vou prender a vassoura nela. Colo na roupa dela? (Tainara)

- Porque voc quer prender a vasoura?

- Por que no d pra segurar na mo a bruxa e a vassoura, tudo junto na hora de fazer a pea. (Tainara)O dia do espetculo chegou, mas antes disso convites foram feitos. Dentre os convidados um amigo surdo de outra sala da escola.

- Se ele no ouvir a histria ele vai ficar triste. (Vitria)

- Que tal a gente convidar a Joana, aquela professora da tarde? Ela sabe a lngua dos sinais. (professora)"

Joana foi convidada, apareceu vestida de boneca. O espetculo foi um sucesso. As crianas estavam to absolutamente envolvidas com suas produes brincantes que neste dia e em muitos outros esqueciam e mesmo no faziam nenhuma questo de ir para o recreio. O tempo para elas era marcado pela intensidade do agora.Flash 2- O clubinho do livro, a princesa, a bruxa e o pirata Caveiro

Na sala, as crianas haviam criado um clubinho do livro que funcionava com emprstimos de ttulos que a escola dispunha. Toda sexta feira, as crianas escolhiam um livro e levavam para casa.

"- Eu quero esse da menina. (Keller)

- O livro da menina?

- que ela t pintada aqui na capa. (Keller)

- Quem escreveu o livro?

- da escola. (Keller)- Foi a escola que comprou, mas algum escreveu esse livro. Fica na capa o nome de quem escreveu. E quem escreve uma histria, um livro, o autor. Quando vocs escreveram a histria da Princesa e a histria do Pluft para a pea de teatro, vocs foram os autores daquelas histrias.

- Nesse aqui no tem autor na capa. (Fabrcia)

- s vezes fica dentro do livro, procura, veja se voc encontra.

- Aqui tem um livro do Pluft, mas t escrito Maria Clara Machado. (Vitor)

- Por que ela a autora desse livro.

- E o nosso? (Vitor)- No escrevemos livros, escrevemos s histria. (Fabrcia)- A nossa histria do Pluft no tem livro, por que a gente no fez um livro daquela histria. Ela uma histria do Pluft, mas diferente da que a Maria Clara Machado escreveu. A nossa histria do Pluft foram vocs que inventaram. Se a gente fizesse um livro com a nossa histria teria o nome de vocs l, no o dela.

- Mas a gente no autor. (Juan)

- Como no? Vocs no escreveram as histrias?

- Mas a gente no adulto." (Juan)Um desafio se colocou: como possibilitar s crianas a compreenso da autoria, se como referencial existia a ideia de que o autor, um adulto, um ser "maior", inalcanvel em seus imaginrios? O aprender a ler e escrever na escola sempre esteve atrelado ao uso de livros assinados por autores consagrados, pelas vrias esferas de legitimao da sociedade (academias literrias, mercado editorial, outras). Esses livros esto envoltos em uma aura tal de consagrao que leituras criticas se tornam difceis, assim como a possibilidade da prpria autoria. Desconstruir esse referencial limitador nos pareceu o primeiro passo necessrio nesse sentido, o que promoveu muitas pginas escritas e reescritas. Preguia e cansao passaram por longe, bem pertinho estavam escritas entusiasmadas.

Muito trabalho, muita conversa e a retomada dos textos escritos para o teatro de bonecos. O conceito e forma dos livros foram explorados; seus tamanhos, dimenses, os jeitos de escrever histrias, as ilustraes que s vezes contavam mais a histria do que as prprias palavras, outras vezes o contrrio. Idas e vindas de um processo que levou as crianas a querem um livro delas.

"- Porque a gente no faz um livro?" (Tainara)

Dois livros foram feitos: "A princesa e a Bruxa" e "O fantasminha e o pirata Caveiro". As histrias foram revistas e as ilustraes foram feitas. Com direito a lanamento dos livros em uma manh de autgrafos.

A formao de sujeitos se d em processo de negociao constante e dinmico, que ocorre durante todo o percurso da existncia. Se d num dilogo complexo, tenso - s vezes at doloroso -, entre nossas experincias e o conjunto de regras, normas e valores sociais. O que pulsa est em perceber os valores e referenciais que fazem parte do momento histrico vivido e de que forma dialogamos com eles.

A proposio de que para as crianas o criar se manifesta em um movimento dinmico de (re)criao da realidade se revela fortemente, pois ao criar e expressar seu liguagear as crianas se colocam em um novo lugar, o de sujeito em relao ao mundo que as cerca. Inventar, produzir uma novidade, gerar uma nova forma de se relacionar com o mundo , superar os limites daquilo que se apresenta como impossibilidade - aprender a ler e a escrever escrevendo, sem regras prestabelecidas, apenas conexes singulares e invenes infinitas: a escrita como algo que no existe e que torna tudo possvel - a escrita como experincia, que articula a imaginao, a criao e o linguagear, fios, tramas e composies que matizam formas singulares de pensar e praticar a alfabetizao como exerccio de autoria.

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IntroduoEste artigo nasce de encontro de gentes envolvidas em compromisso poltico com seus fazeres pedaggicos em unidades pblicas de ensino bsico e superior e de sua procura por partilhar e compartilhar com outros professores e profissionais da educao valiosos episdios e lies do cotidiano escolar.Se parece desimportante dizer (deste e no de outros) motivos desta escrita, defendemos a ideia: na complexidade da vida cotidiana s a procura e o esforo por escolher o que dizer dentre tanto trabalho em nossas lutas dirias que pode promover a escrita de um artigo como este. Tomando distncia, escrevemos ns, professoras e professor, imersos em desafios mil na lida de reinventar a escola diariamente... alfabetizando crianas!A procura, o movimento de busca pelo que dizer do tanto que produzimos diariamente vem se constituindo como parte do nosso trabalho. Infelizmente, ainda no como gostaramos: parece que tudo est organizado para que o trabalho da reflexo e produo de conhecimento no ocorra dentro da escola Neste movimento de procura, reconhecemos inditos-viveis! Como to bem nos apresentou o mestre Paulo Freire (1992). A escrita para a partilha entre pares, ainda responde aos convites para tanto e neste sentido a universidade pblica em dilogo com as escolas tem trabalho fundamental: nos chama procura.E aqui tentamos responder a ns, como grupo de educadores que partilham de mesmas lutas, ao convite escrita, a produo de conhecimento e de autoconhecimento, como nos prope Boaventura Santos (2003).Poderamos tomar nossas escritas, pesquisas produzidas no programa de ps graduao da Faculdade de Educao da UNICAMP, escolhermos trechos ainda pouco discutidos com nossos pares, publicar dilogos ainda novos entre nossos textos... Mas, a lio maior aprendida com aqueles processos de pesquisa e escrita foi a de que nossas narrativas podem nos mostrar o que ainda no vemos nas experincias a serem narradas! Sentimos a vontade de discutir e partilhar novas experincias em dilogos com elaboraes que vimos construindo desde nossos primeiros ensaios de pesquisas.Somos duas professoras e um professor. Duas mulheres, docentes na mesma escola. Um professor que h anos assumiu o trabalho de orient-las na produo de pesquisas dentro da universidade e da escola.A escola em que estas duas professoras trabalham passa por grandes mudanas. O professor vem acompanhando a histria desta escola h anos e hoje partilha de muitas das novas experincias de estudo e trabalho coletivo realizado pelos docentes de l.Assumimos, ento, nossa reflexo encharcada do que vivemos nesta escola! Elaboraes em processo e sob a nossa perspectiva, no de todos os envolvidos neste... Sem consensos ou ideias que representem o que pensa o coletivo docente daquela unidade... tambm ainda em constituio...Ampliando os nsEm meados de 2013, esta escola recebeu a notcia de que deveria organizar-se para ampliao do tempo em que as crianas permaneceriam na escola com a implementao do Projeto Piloto da Escola de Educao Integral na rede municipal de Campinas (So Paulo). A escola est organizada, a partir de 2014, em um modelo de Educao Integral de um turno apenas, em que os alunos ficam na unidade durante quarenta e cinco horas-aula semanais, sendo nove horas-aula dirias em que se mesclam aulas de professores polivalentes (com 24h/a) e especialistas de Artes, Educao Fsica, Lngua Estrangeira e Cincias (com 6h/a cada disciplina), em um trabalho voltado para o desenvolvimento integral das crianas.De l para c muitos dilogos, reflexes e aes foram realizadas para garantir uma escola de qualidade. O primeiro desafio a ser pensado/realizado por todos os profissionais envolvidos com o trabalho na U.E., foi organizar o trabalho pedaggico em uma escola que possui 24 turmas e 13 salas de aula, mais outros 12 espaos variados como quiosques, quadra, ptios, salas de vdeos e de jogos, laboratrio de cincias e de informtica e biblioteca. O revezamento grande entre estes locais para que todas as turmas faam usos da maioria destes espaos e tenham uma quantidade razovel de tempo de trabalho em sala de aula para a realizao de atividades especficas de escrita e leitura, evidencia de maneira significativa o planejamento deste ano e os ns vivenciados em diferentes tempos/espaos.Uma das conquistas que tivemos no processo de implementao do projeto piloto no qual trabalhamos a ampliao dos tempos de planejamento em nossa jornada. Contamos hoje com trs horas/aula para planejamento entre pares, mais cinco horas/aula destinadas ao planejamento feito em qualquer lugar, sozinhas ou no. De seis horas que tnhamos para planejamento, hoje temos oito, parte destas realizadas obrigatoriamente junto aos colegas docentes.A organizao dos horrios de aulas dos professores possibilitou encontros e desencontros para realizao destes planejamentos. Em sua maioria, os docentes se encontram com colegas de formaes parecidas e que ainda realizam trabalhos dentro de diferentes disciplinas. Ns, por exemplo, realizamos o TDEP entre professoras polivalentes responsveis pelos primeiros anos.A organizao dos horrios e dos agrupamentos de docentes para planejamento marca a organizao do trabalho pedaggico com as crianas. Alguns dos efeitos destas marcas no processo de alfabetizao discutiremos neste texto.Narraremos aqui o incio do trabalho de planejamento das professoras polivalentes com as crianas dos primeiros anos, assim como um pouco do trabalho realizado a partir ou apesar dos planos coletivos feitos para o mesmo.A organizao do tempo e do espao marcam concepes de ensino e vice-versa...Vivenciamos cinco meses de trabalho conjunto. Na busca da oferta de uma educao integral entendemos que, no mnimo, a reduo da fragmentao do conhecimento em disciplinas e o aprofundamento do mesmo realizado pelas crianas deveriam acontecer.Vimos caminhando neste sentido apesar de nossas formaes sectrias, das prticas de dcadas pensadas a partir de uma lista do que deve ser ensinado e no do que as crianas podem produzir na relao com o conhecimento. O que, no calor de reunies de planejamento e definies de linhas de trabalho, pode parecer no ter tanta diferena, vai ganhando destaque e denunciando nossas escolhas distantes do contexto social das crianas.Por prudncia, muitos professores e professoras experientes mergulham em longos debates e planos acerca do muito que sabem sobre o que estudantes devem aprender. Ao colocarmos planos elaborados desta forma em prtica, sem a participao dos estudantes nestes, nos deparamos com artificialidade e a distncia da vida presente em tantas prticas no contexto escolar: de maneira geral so prticas fragmentadas em exerccios e atividades desvinculadas de questes construdas com as crianas ou de um tema de investigao.Paulo Freire nos alertava sobre esta concepo de educao presente entre ns, aquela chamada de bancria:Para o educador-bancrio, na sua antidialogicidade, a pergunta, obviamente, no a propsito do contedo do dilogo, que para ele no existe, mas a respeito do programa sobre o qual dissertar a seus alunos. E a esta pergunta responder ele mesmo, organizando seu programa (FREIRE, 1987, p.83.).

Concepo to presente, mesmo quando afirmamos buscar um planejamento que considere a voz das crianas...No incio deste ano algumas apostas no sentido de envolver os estudantes na construo da escola foram pensadas. Sabamos que o investimento em momentos coletivos de conversas e decises sobre aspectos do cotidiano deveriam ser mais sistematizados com as crianas: queramos fazer com maior periodicidade assembleias com as turmas e planejvamos se as decises de pequenos grupos seriam compartilhadas e debatidas por uma grande assembleia em cada um dos ciclos ou se escolheramos representantes... Alguns docentes defendiam que um estudo produzido coletivamente por todas as crianas da escola poderia gerar trocas e produes diversas ricas em trabalho compartilhado, apostando assim em movimentos de pesquisa e trabalho com o conhecimento por parte dos estudantes.Enquanto grandes temas fundamentais para a constituio de um trabalho com mesma base eram discutidos por um grupo de quase cinquenta professores e professoras, grupos menores, em seus TDEPs, planejavam o mido do trabalho cotidiano com as crianas, muitas vezes distante das discusses em andamento. A urgncia na tomada de algumas decises e a necessidade de fazer encaminhamentos que partissem dos coletivos do corpo docente para as crianas foram ocupando todos os espaos e tempos de discusso acerca do planejamento.Ouvamos muito, de diferentes docentes, que perdamos tempo nas negociaes acerca dos projetos a serem propostos (ou seriam impostos?) s crianas. Falas muito parecidas com as tantas ouvidas na justificativa por um trabalho que no considere opinies e participao dos estudantes em sua constituio.Quando no conseguimos ler, na diversidade de processos de desenvolvimento e aprendizagem, ganhos a todos os envolvidos em aulas, reunies ou encontros de estudos, corremos o risco de desqualificar estes que ali ocorrem. Dizia-nos Paulo Freire, do que ouvia de agrnomos no Chile, que negavam o dilogo com camponeses na dcada de 70:Para grande parte... a dialogicidade invivel. E o na medida em que seus resultados so lentos, duvidosos, demorados. (...) Deste modo afirmam enfaticamente no se justifica esta perda de tempo. (...) Como perder tanto tempo dialogando com eles? (FREIRE, 1980, p. 45)

O discurso da produo de resultados mais rpidos e melhores tambm ouvimos em educao e vem impregnando nossas prticas nas escolas. Costumamos ouvir que dialogar exige o que chamamos de um outro tempo.As questes acerca do tempo e do que considerado relevante no trabalho pedaggico cotidiano so perpassadas pelo quanto conseguimos sustentar, para alm de nossos planejamentos registrados no papel e entregues a rgos da Secretaria de Educao, crenas em uma educao que considere as crianas em uma perspectiva integral, sem dissociar emoo e cognio, prazer e dever... Na espera de algumas definies e com a expectativa de um trabalho mais coletivo, as cinco professoras alfabetizadoras dos primeiros anos reuniam-se semanalmente para planejarem o trabalho contraditoriamente restringindo possveis apostas em temas e trabalhando mais a organizao da rotina e da apropriao da escola por parte das crianas.Em meio a tanto debate, questes ligadas apresentao do sistema alfabtico de escrita se faziam constantes: Quantas crianas j conhecem o alfabeto? Como as crianas escrevem? O que entendem por escrita? Quais materiais escritos reconhecem?Entre elaborao de avaliaes do conhecimento sobre a escrita apresentado pelas crianas, aes no sentido de iniciar um trabalho mais sistematizado com a lngua escrita comearam a ser compartilhadas entre ns. Na troca de ideias sobre estratgias de ensino, atividades de apresentao de letras e do alfabeto foram se multiplicando. Trazamos experincias de anos anteriores, em diferentes escolas e turmas, realizadas logo no incio do primeiro ano.Para cada uma das atividades ou sequncias de atividades propostas, uma observao sobre a dificuldade de coloc-la em prtica era dita. A reviso e avaliao de nossas concepes de ensino no foram postas apenas por um projeto proposto na/para a escola. Estavam postas pela estrutura fsica e pela organizao dos tempos e horrios de aulas, tambm marcadas por escolhas do corpo docente e gesto da escola, como pela Secretaria de Educao. Mudanas que angustiavam e desafiavam a muitos de ns: as crianas usariam muitos dos diferentes espaos da escola para o trabalho e no teriam mais grande parte de seu tempo em uma nica sala de aula. Uma turma pode usar duas, trs ou mais salas de aula em uma semana, sem falar de outros espaos. E teriam seu horrio de aulas preenchido por cinco professores, que dividiriam a responsabilidade pelo trabalho com diferentes disciplinas.Como organizaramos uma rotina rica e produtiva para as crianas? Como no cans-las e tornar a escola prazerosa? Como promover a apropriao do sistema alfabtico de escrita at o fim do ano? As crianas, em sua grande maioria, terminaro o primeiro ano lendo?O tempo entra nos debates dentro da escola como um fator importante e determinante nas escolhas polticas que fazemos. Em alguns momentos, por muitos motivos diferentes, a defesa pela participao das crianas e implicao de suas aes na construo do trabalho e da escola aparecia descoladas das atividades relacionadas aos conhecimentos a serem trabalhados. Esta distncia entre algumas defesas, o desejo de concretizar uma proposta diferenciada e o que, em nossa grande maioria, costumvamos fazer em nossas aulas apontavam incoerncias nos planos coletivos.O tempo necessrio para um trabalho que se assuma dialgico pode aparecer como um tempo que no comunga com a instituio social com a qual interagimos, como se precisssemos criar um outro lugar, um outro espao para que este tempo outro possa manifestar-se naturalmente. Entendemos e lembramos ora mais ora menos que o tempo produzido por nossa sociedade industrializada atrelado tambm aos resultados (mais que aos processos). Quando imersos na cadeia de eventos cotidianos, temos a tendncia de esquecer ou naturalizar a opresso que esta forma de entender o tempo como smbolo pode causar. Valorizar o produto em detrimento do processo uma das consequncias atreladas a essa tendncia.Norbert Elias nos ajuda a compreender o tempo como smbolo e como fluxo, trazendo elementos da histria, da filosofia, da sociologia e da fsica para estud-lo como parte integrante de nossos processos civilizadores. Nossa instituio escolar, criada no seio de uma sociedade industrializada, constitui-se na relao com este smbolo chamado tempo, educando no somente as crianas, como os adultos que a sustentam, em suas sensibilidades e comportamento...O que chamamos tempo nada mais do que o elemento comum a essa diversidade de processos especficos que os homens procuram marcar com a ajuda de relgios ou calendrios. Mas, como a noo de tempo pode servir para determinar, de acordo com o antes e o depois, processos muito variados, os homens tm facilmente a impresso de que o tempo existe independentemente de qualquer seqncia de referncia socialmente padronizada, ou de qualquer relao com processos especficos. Estamos medindo o tempo, dizem eles (...) Esse fetichismo do tempo ainda mais reforado na percepo humana pelo fato de que sua padronizao social, sua institucionalizao, inscreve-se na conscincia individual to mais slida e profundamente quanto mais a sociedade se torna complexa e diferenciada (...) No seria difcil traar as etapas da progresso que (...) levou, no correr dos sculos, aos relgios de pulso individuais, pautando-se o comportamento e a sensibilidade dos indivduos (...) com maior preciso e naturalidade, no tempo social institucionalizado.(ELIAS, 1998, p.84)

Na escola, o tempo no se manifesta apenas nas medies identificadas em relgios e calendrios. Criamos outros tempos que determinam o perodo em que alunos e alunas devem aprender determinados conhecimentos, criando assim, ideia de progresso dentro dos processos de aquisio de diferentes linguagens, como que pr-requisitos para que tenham acesso a este ou aquele conhecimento, esta ou aquela nova possvel aprendizagem. Na alfabetizao a questo do tempo e das metas criadas para avaliar o conhecimento sobre a lngua escrita adquirido pelas crianas tem forte presena nas aes cotidianas. Com formaes diversas, em diferentes geraes de professoras dentro de um grupo, o debate neste sentido se intensifica, pois ideias de pr-requisitos e sequncia de informaes a serem apresentadas s crianas, na perspectiva de diferentes metodologias usadas na alfabetizao so conflitivas e no raras as vezes coexistem na prtica de uma mesma professora! Recentemente os tempos de processos de alfabetizao das crianas tem sido medidos por avaliaes externas estabelecidas em determinados anos da vida escolar da criana. Quantos de ns, professoras e professores, no temos discutido os currculos de/em nossas escolas, marcados por resultados estipulados por ndices e tempos externos? Estes ndices, periodicamente estipulados, marcam de que maneira os encaminhamentos que fazemos junto aos alunos e alunas em aula? Abrimos mo de qu? Investimos mais em qu? Nossa formao continuada tem sido focada em quais aspectos? As leituras de Norbert Elias e Agnes Heller so importantes para a compreenso de diferentes tempos individualizados coexistindo e resistindo ao tempo determinado pela instituio escolar. Heller, caracterizando aspectos do tempo cotidiano referenciado no presente, nos leva a refletir sobre sua irreversibilidade e o que chamamos de momento.La importancia del momento emerge ya en la vida cotidiana tomando en consideracin el trabajo. El xito del trabajo depende en parte (a menudo en gran parte) de (...) haber sembrado y recogido el grano en el momento oportuno. (...) significa que ha llegado el momento justo, que no se poda actuar ni antes ni despus con xito positivo. Una declaracin de amor, un gesto amistoso, un castigo, etc., producen el mximo efecto cuando se ha encontrado el momento ms apto. Por ello la paciencia es tan decisiva; (...) El sentido de la irreversibilidad (...) es sentido a menudo precisamente cuando se ha perdido el momento justo y se sabe que ya no volver.(HELLER, 1987, p.391 e 392)

Saber/sentir que o tempo no volta faz com que consideremos a existncia de momentos diferentes para realizar intervenes mais ou menos produtivas para cada uma das crianas dentro de um determinado perodo, marcado por um termo temporal prometido ou acordado (HELLER, 1987). Termo este, que conjuga necessidades individuais de cada criana assim como o currculo, o que esperado da escola pelos pais e pelo modelo de educao no qual foram criados. Heller (1987, p.392) nos diz que en cada contexto hay siempre una especie de metro, en base al cual se puede hablar de una inobservancia de los trminos temporales. . Estes termos so to sutis como aprisionadores. A autora nos diz que quanto mais capitalista e maior o nvel de exigncia de produo, mais rpidos os ritmos de vida e trabalho.E como sentimos isso! Em fevereiro tnhamos ento, parmetros (ou termos acordados) experienciados em anos anteriores, quando trabalhamos com outras turmas de primeiros anos e sequncias de aes, desejos e apostas em nosso imaginrio a serem revistos por novas condies de trabalho que vivamos. A maior parte dos materiais e ideias partilhados entre ns foi produzida para apresentao das letras e da sequncia do alfabeto contando com as paredes como suporte: varal de letras, alfabeto concreto (com sacos plsticos e objetos para cada letra), cartazes com lista de nomes da turma em ordem alfabtica, etc. Estvamos acostumadas a dar incio a uma atividade com a certeza de que no dia seguinte, ou dois dias depois, poderia ser retomada, j que o ambiente tambm pode ajudar a compor a memria da turma, com seus painis, materiais, livros e cadernos a nos lembrar do trabalho...O desafio da grade horria - pensada para no fragmentar o dia e o trabalho em trabalho com a cognio e outros, em turno e contraturno e da movimentao das crianas nos espaos trouxeram mais elementos para o planejamento do trabalho com a lngua. Abaixo temos um exemplo de rotina semanal com aulas, tempos e espaos assim vivenciados a partir de maro.SEGUNDATERAQUARTAQUINTASEXTA

ESPAOATIVIDADEESPAOATIVIDADEESPAOATIVIDADEESPAOATIVIDADEESPAOATIVIDADE

8H8H50MSALA DE JOGOS8H30M- CAFQUIOSQUECINCIAS8H30M-CAFSALA 138H30M. CAFSALA 138H30M. CAFSALA 118H30M- CAF

8H50M 9H40MSALA DE JOGOSQUIOSQUECINCIASSALA 13SALA 13SALA 11

9H40M 10H30MSALA DE JOGOSPTIOEDUCAO FSICASALA 13SALA 13SALA 11

10H30M 11H20MPTIO/REFEITRIOBRINCAR ALMOOPTIO/REFEITRIOBRINCAR ALMOOPTIO/REFEITRIOBRINCAR ALMOOPTIO/REFEITRIOBRINCAR ALMOOPTIO/REFEITRIOBRINCAR ALMOO

11H20M 12H10MBIBLIOSALA 11SALA DE VDEOQUI. EST.LAB. DE INFORMTICACINCIAS

12H1013HBIBLIOARTESSALA 11SALA DE VDEOLABORATRIO DE CINCIASCINCIASLAB. DE INFORMTICAARTES

13H 13H50BIBLIOARTESSALA 11SALA DE VDEOLABORATRIO DE CINCIASCINCIASLAB. DE INFORMTICAARTES

13H50M 14H40PTIO/REFEITRIOEDUCAO FSICA/LANCHESALA 11SALA 18/REFEITRIOFRANCS/ LANCHESALA ARTE/REFEITRIOARTES/ LANCHEQUADRA/REFEITRIOEDUCAO FSICA/LANCHE

14H40M13H30MPTIOEDUCAO FSICASALA 11SALA 18FRANCSSALA ARTESARTESQUADRAEDUCAO FSICA

Esta tabela foi feita para facilitar o planejamento de uma das professoras polivalentes. Assim o que vemos em sublinhado so os momentos em que as crianas de uma das turmas esto com outras professoras, de diferentes disciplinas, tambm responsveis por horrios de alimentao e de brincar em alguns dias.As discusses sobre formas de apresentar e trabalhar o alfabeto com as crianas tomaram pelo menos duas ou trs reunies. Estavam elas tomadas por nossas concepes, crenas e modos de organizar o trabalho j construdo por anos. O grupo que assumiu os primeiros anos experiente em alfabetizao nos anos iniciais, o que faz com que tenhamos sempre muitos elementos e ideias em debate. O nosso olhar a partir da fragmentao dos tempos e dos espaos, por vezes restringindo tambm o conhecimento em estratgias que coubessem nestes, nos levou a prticas que iniciamos e logo abandonamos, por no dialogarem com nossas concepes e com as crianas.Reconhecemos aqui a ansiedade em no perder tempo produzida pela experincia com uma caracterstica do tempo cotidiano chamado por Agnes Heller de irreversibilidade do tempo produzindo avaliaes constantes, da maneira como nos diz a autora: jugando con las posibilidades de lo que habra sucedido si. (HELLER, 1987, p. 386). Como se todos os dias pudssemos perder o momento de fazer com que esta ou aquela criana aprendesse algo que ainda no sabia, portanto causando atrasos na aprendizagem.Um exemplo disso foi a escolha por apresentar letras de maneira isolada. Enquanto realizvamos as avaliaes com instrumentos preparados por ns, chamando crianas em dupla ou individualmente, outras estavam divididas em pequenos grupos para que em rodzio ou no pudessem vivenciar atividades sem ajuda da professora.Nos registros de uma de ns cinco, podemos encontrar anotaes que evidenciam a equivocada ideia de que a apresentao isolada de letras poderia ser simples e por isso, realizada de maneira autnoma. Plano movido pela sugesto de outra professora: de apresentarmos as vogais para facilitar o reconhecimento dos sons representados por letras na escrita.Buscando produzir sentido para pesquisas de letras destacadas pela professora, uma conversa em roda sobre este exerccio aproximou as crianas de seu objetivo: para que servem as letras? Onde podemos encontr-las? Como podemos estud-las? E as crianas disseram o que j sabamos e que demorou a aparecer no mido de nosso planejamento: podemos estudar as letras lendo, lendo nos lugares, falando as letras, lendo em letra de mo (aqui destacando as diferentes formas de grafar a mesma letra). E para qu deveramos estuda-las? Para que servem? Letras do nomes s coisas e enchem o computador de vrus!E a partir desta conversa, a professora destaca junto s crianas um dos possveis modos de reconhecer algumas letras: destacando-as dos materiais escritos. E inicia uma sequncia de atividades para construo de cartazes com letras e imagens relacionadas aos seus sons, destacadas de revistas.Foi olhando para tabelas e mais tabelas, reorganizando tempos e espaos que nos vimos patinando no planejamento de algumas atividades. A maioria de ns j tinha experienciado a construo de um alfabeto coletivo a partir de objetos trazidos de casa pelas crianas. Estratgia conhecida como Caixa Surpresa: uma caixa com tampa seria rodiziada nas casas das crianas para que escolhessem objetos iniciados com uma das letras do alfabeto. Este objeto seria colocado em um saco transparente pendurado sob a letra grudada na parede e o registro de seu nome seria feito coletivamente na lousa e posteriormente copiado em um caderno especfico para este fim: o registro de palavras trazidas e levantadas a partir de uma das letras do alfabeto com ilustraes e outros textos relacionados s letras.Nossas atenes estavam voltadas para os comos adaptados s mudanas que vivamos.E nossos debates foram longos: "como penduraremos o objeto em apenas uma sala?" "S abriremos a caixa uma vez por semana?" Uma queria que todos os dias uma nova letra fosse apresentada, outra dizia que trs vezes por semana seria suficiente. Outra retomava a pergunta: "como montaremos o alfabeto na parede? Fotos!" Foi sugerido que poderamos trabalhar com fotos e imprimi-las, assim em cada letra poderamos colocar a imagem trazida por cada turma. E prs e contras surgiam: "Vai dar um trabalho... E onde e quando imprimiremos as fotos?" "Se vamos imprimir fotos podemos montar um alfabetrio do tamanho de um sulfite para consulta. As crianas poderiam colar ali as figuras imagens do que trouxeram na caixa. E ao final teremos um alfabeto ilustrado de mo".Destas ideias surgiram outras: at a de construir uma caixa em que um alfabeto grande e dobrvel com as imagens de cada turma pudesse ser levado para a sala onde trabalhariam. Aos poucos decidimos iniciar a dinmica da circulao das caixas nas casas das crianas. Uma caixa por turma.Com as crianas, o planejamento ganha outros contornos...Por sua vez, o(a) professor(a) s ensina em termos verdadeiros na medida em que conhece o contedo que ensina, quer dizer, na medida em que se apropria dele, em que o apreende. Neste caso, ao ensinar, o professor ou a professora re-conhece o objeto j conhecido. Em outras palavras, refaz a sua cognoscitividade na cognoscitividade dos educandos. Ensinar assim a forma que toma o ato de conhecimento que o(a) professor(a) necessariamente faz na busca de saber o que ensina para provocar nos alunos seu ato de conhecimento tambm. Por isso ensinar um ato criador, um ato crtico e no mecnico. A curiosidade do(a) professor(a) e dos alunos, em ao, se encontra na base do ensinar-aprender. (Freire, 1992, p. 81)

Nosso fazer cotidiano foi evidenciando vrios momentos significativos na aquisio da escrita, com o contorno que cada turma e sua professora foram dando essa singular dinmica. A grande angstia de como apresentar o alfabeto foi se dissipando nas relaes estabelecidas com as crianas.O alfabeto foi sendo conhecido, reconhecido e apropriado por meio de diferentes modos de trabalho entre professoras e suas crianas: pulando corda com canes que trazem a sequncia das letras, organizando filas pela ordem do alfabeto, fazendo bingos de letras e registrando as sorteadas na ordem correta (coletivamente) na lousa, destacando as iniciais dos nomes de ajudantes do dia na tentativa de reconhecer quem ser o prximo ajudante escolhido por ordem alfabtica, assistindo a clipes e outros vdeos com base em canes com o alfabeto, realizando atividades que destaquem a sequncia e organizao de letras com estas soltas (alfabeto mvel) ou no, construindo um alfabetrio em forma de caderno...muitos modos de trabalho!Entendemos que, para proporcionar avanos no processo de alfabetizao, a organizao da rotina torna-se imprescindvel, tendo visibilidade diria, escrita na lousa com todas as atividades planejadas para o dia, sendo possvel alter-la de acordo com a emergncia de algum assunto ou fato significativo para o grupo. Cada professora junto a sua turma realiza a distribuio de atividades estabelecidas com antecedncia, contemplando trabalhos dirios, sequncias com prazos determinados e projetos que durem vrias semanas ou meses. Nossas intervenes so realizadas com a inteno de estimular a leitura e a apropriao da escrita. Desde a lista de nomes dos colegas, da escrita do ajudante do dia, e tantas outras atividades com seus nomes, como jogos, aes cotidianas de contato, estudo e apropriao das letras e do alfabeto, mais as prticas de leitura e de escrita que foram se constituindo como importantes aes a constiturem novos modos de trabalho alfabetizador.Ao montar a rotina semanal, precisamos garantir espao para quatro situaes didticas que so essenciais para o sucesso na alfabetizao: ler para os alunos, fazer com que eles leiam mesmo antes de saber ler, assumir a funo de escriba para textos que a turma produz oralmente e promover situaes que permitam a cada um deles escrever at que todos dominem de fato o sistema de escrita, pois se sabe como aprendemos com Ferreiro e Teberosky (1985) ou Weisz, & Sanches (2003), que as crianas comeam a pensar na escrita muito antes de ingressar na escola. Por isso, os alunos precisam ter a oportunidade de colocar em prtica esse saber a partir de atividades que estimulem a reflexo sobre o sistema alfabtico.Pequenos gestos, prticas de registro e leitura so constituintes da rotina escolar. Formas de ler e escrever que encontramos na escola e em poucos outros lugares, vo tornando-se parte da vida das crianas tanto quanto outras prticas no escolares. Interessa-nos faz-las tambm prazerosas! Paulo Freire diz da necessria disciplina, o que podemos dizer da necessria intencionalidade e sistematizao de nossas prticas:Na constituio dessa necessria disciplina no h lugar para a identificao do ato de estudar, de aprender, de conhecer, de ensinar, com um puro entretenimento, uma espcie de brinquedo com regras frouxas ou sem elas, nem tampouco com um que-fazer insosso, desgostoso, enfadonho. O ato de estudar, de ensinar, de aprender, de conhecer difcil, sobretudo exigente, mas prazeroso, como sempre nos adverte Georges Snyders. preciso, pois, que os educandos descubram e sintam a alegria nele embutida, que dele faz parte e que est sempre disposta a tomar todos quantos a ele se entreguem. (...)Mas, por outro lado, essa disciplina no pode resultar de um trabalho feito nos alunos pelo professor. Requerendo, embora, a presena marcante do professor ou da professora, sua orientao, seu estmulo, sua autoridade, essa disciplina tem de ser construda e assumida pelos alunos. (FREIRE, 1992, p.83)

Nosso cotidiano, portanto, tambm se constitu de muitas atividades que as crianas nesta faixa etria apreciam e que so solicitadas por elas, tais como: as msicas infantis, cantigas de roda e outras diferentes formas de expresso como o desenho, a pintura, a modelagem, a literatura - aes que so proporcionadas para que as crianas consigam dizer coisas de si e sobre o mundo sem ficarem presas apenas a linguagem escrita.Em virtude da linguagem oral ser a forma de expresso central nas relaes vivenciadas por crianas, onde estas participam de diferentes situaes de interao social e aprendem sobre elas prprias e sobre o outro, estabelecemos tambm, junto com a turmas, a roda de conversa. As crianas adentram ao ensino fundamental com determinada autonomia na linguagem oral. Entretanto na escola que aprendem a produzir textos orais mais complexos e ainda se deparam com outros que no so comuns no seu cotidiano. na escola que iro ampliar sua capacidade de compreenso e produo de textos orais, favorecendo a convivncia delas com uma variedade maior de contextos de interao e reflexo. A mesma relao ocorre com a escrita, pois as crianas observam palavras escritas em diferentes suportes, como placas, panfletos, rtulos de embalagens, revistas e outros, e nessas experincias culturais com prtica de leitura e escrita que as crianas vo se constituindo como sujeitos alfabetizados. Na sala de aula, neste contexto, devemos assegurar a realizao de prticas reais de leitura e produo de textos diversificados proporcionando as nossas crianas atividades de leitura e escrita realizadas dentro e fora da escola.Para alfabetizar as crianas necessrio democratizar a vivncia de prticas do uso da leitura e da escrita elaborando a rotina semanal da classe, tendo clareza de que itens devem ser combinados e com que regularidade devem ser praticados para permitir s crianas entender em que situaes se l e se escreve, para qu se l e se escreve e quem l e escreve.A organizao do trabalho coletivo, a adequao s regras da escola e as decises dos modos de fazer estas e outras coisas so marcadas pela singularidade de cada turma que se constitui nas mltiplas relaes estabelecidas entre as professoras e as crianas..Na busca por um trabalho que apostasse mais na produo de conhecimento com toda a escola, em meados de abril, o coletivo docente fez a escolha por um tema nico de trabalho para todos. Nos propusemos a estudar a Implementao da Escola de Educao Integral, planejando assim temas para cada ano se debruar e compartilhar com toda a escola. Os primeiros anos ficaram responsveis por estudar o brincar na escola.Com esta demanda,