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AS RELAÇÕES ENTRE CONTEÚDOS DIGITAIS DE HISTÓRIA DOS PNLD 2014 e 2015 E A HISTÓRIA PÚBLICA: REFLEXÕES INICIAIS. RUI CAMPOS DIAS * Em uma sociedade mediada pelas novas (e que mudam cada vez mais depressa) Tecnologias de Informação e Comunicação, como será que os documentos oficiais que regulam a produção de conteúdos históricos para a educação pública propuseram a utilização dessas novas tecnologias para a aprendizagem histórica e como isso se relaciona com a história pública? É com essa interrogação que introduzimos esse trabalho e começamos a refletir alguns pontos de nossa pesquisa de mestrado em História Social da Universidade Estadual de Londrina, intitulada “As apropriações dos professores de história dos conteúdos digitais dos PNLD 2014 e 2015”. Mas antes de embarcar especificamente na discussão acerca dos documentos que serão utilizados como nossas fontes para o presente trabalho, é necessário uma contextualização e problematização da inserção das tecnologias digitais na educação. Precisamos observar como a cibercultura e as estruturas da Era da Informação contribuíram para que o Ministério da Educação do Brasil (MEC) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) inserisse no edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), a chamada para conteúdos digitais para os alunos e para os professores da educação pública. O uso de tecnologias, especialmente o computador, não é um debate novo na área da educação e também já foi bastante discutido em relação ao ensino de história (LÉVY, 2000. KENSKI, 2007. PAIS, 2008. RAMAL, 2002.). No entanto, os contornos desse debate se alteram a cada nova tecnologia desenvolvida e que pode ser utilizada de alguma maneira para o processo de ensino-aprendizagem (de qualquer disciplina). Atualmente o grande ponto de discussão é o lugar que a internet e as mídias digitais 1 ocupam e vão ocupar na educação. A presença das TIC na educação é um tema que mobiliza atores de diversos âmbitos * Mestrando no programa de História Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL). 1 Aqui entendida como os meios de comunicação e informação baseados em tecnologia digital, permitindo a distribuição ou comunicação digital das obras intelectuais escritas, sonoras ou visuais. Como, por exemplo, internet, CD-ROM, DVD, 3D, áudio mp3, TV digital, animação digital, entre outros.

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AS RELAÇÕES ENTRE CONTEÚDOS DIGITAIS DE HISTÓRIA DOS PNLD 2014 e 2015 E

A HISTÓRIA PÚBLICA: REFLEXÕES INICIAIS.

RUI CAMPOS DIAS*

Em uma sociedade mediada pelas novas (e que mudam cada vez mais depressa)

Tecnologias de Informação e Comunicação, como será que os documentos oficiais que regulam a

produção de conteúdos históricos para a educação pública propuseram a utilização dessas novas

tecnologias para a aprendizagem histórica e como isso se relaciona com a história pública? É com

essa interrogação que introduzimos esse trabalho e começamos a refletir alguns pontos de nossa

pesquisa de mestrado em História Social da Universidade Estadual de Londrina, intitulada “As

apropriações dos professores de história dos conteúdos digitais dos PNLD 2014 e 2015”.

Mas antes de embarcar especificamente na discussão acerca dos documentos que serão

utilizados como nossas fontes para o presente trabalho, é necessário uma contextualização e

problematização da inserção das tecnologias digitais na educação. Precisamos observar como a

cibercultura e as estruturas da Era da Informação contribuíram para que o Ministério da Educação

do Brasil (MEC) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) inserisse no edital

do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), a chamada para conteúdos digitais para os

alunos e para os professores da educação pública.

O uso de tecnologias, especialmente o computador, não é um debate novo na área da

educação e também já foi bastante discutido em relação ao ensino de história (LÉVY, 2000.

KENSKI, 2007. PAIS, 2008. RAMAL, 2002.). No entanto, os contornos desse debate se alteram a

cada nova tecnologia desenvolvida e que pode ser utilizada de alguma maneira para o processo de

ensino-aprendizagem (de qualquer disciplina). Atualmente o grande ponto de discussão é o lugar

que a internet e as mídias digitais1 ocupam e vão ocupar na educação.

A presença das TIC na educação é um tema que mobiliza atores de diversos âmbitos

* Mestrando no programa de História Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL). 1 Aqui entendida como os meios de comunicação e informação baseados em tecnologia digital, permitindo a

distribuição ou comunicação digital das obras intelectuais escritas, sonoras ou visuais. Como, por exemplo, internet,

CD-ROM, DVD, 3D, áudio mp3, TV digital, animação digital, entre outros.

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sociais e pesquisadores em várias partes do mundo e do Brasil. Para esses investigadores,

a questão central é compreender qual o papel da tecnologia como catalisador de

transformações dos processos de ensino-aprendizagem, identificando avanços,

possibilidades e, também, desafios no uso pedagógico das tecnologias. Desde as

perspectivas mais otimistas quanto ao papel transformador das TIC, até as leituras mais

críticas, é certo que estamos diante de um campo de estudos em constante

desenvolvimento. (Núcleo de Informação e coordenação do Ponto BR, 2016, p.18)

Sabe-se que atualmente a vida das pessoas está intimamente ligada diversas tecnologias

digitais. As crianças e adolescentes de hoje não percebem a internet como uma “grande inovação”,

pois para elas a internet é algo naturalizado que impossibilita pensar a vida sem as mesmas. Não

apenas as crianças e adolescentes, mas grande parte do mundo adulto, vive no “ciberespaço” e

fazem parte da “cibercultura”, conceitos definidos por Pierre Lévy como:

O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o nome meio de comunicação que

surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a

infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de

informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse

universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas

(materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores

que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 1999, p.17)

Percebe-se a importância desses conceitos para o estudo das TICs na educação e sua relação

com as transformações contemporâneas em relação ao saber, que vem de encontro a um dos

objetivos de nossa pesquisa de mestrado mencionado anteriormente. Tanto no ambiente de rede do

ciberespaço, quanto nas técnicas e valores que compõe a cibercultura, o saber e a educação estão

passando por alterações profundas, com o professor sendo influenciado e influenciador nesse

complexo processo de mudanças.

É lugar comum falar em como nós dependemos da internet e das novas mídias para muitas

coisas. Estamos diante de uma mudança social e cultural do alfabeto para o digital. Atualmente só

no Brasil são mais de 100 milhões de pessoas conectadas a internet2 e esse número só tende a

aumentar nos próximos anos.

Um dos principais pensadores da “sociedade em rede”, Manuel Castells afirma que:

A Internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de

muitos com muitos, num momento escolhido, em escala global. Assim como a difusão da

maquina impressora no Ocidente criou o que MacLuhan chamou de a “Galáxia de

2 Com dados de 2014. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/11/141124_brasil_internet_pai

Acessado em: 25 out. 2015.

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Gutemberg”, ingressamos agora num novo mundo de comunicação: a Galáxia da

Internet. (CASTELLS, 2003, p. 8).

Desse modo, é mais do que necessário o estudo do ensino de história no interior dessa

Galáxia da Internet, especificamente na análise de conteúdos educacionais digitais (vinculados ou

não aos livros didáticos) para os alunos e professores das escolas públicas no Brasil.

Nesse sentido, percebemos a importância da formação histórica no interior dessa sociedade

em rede que passa por transformações cada vez mais rápidas. Para Rüsen, a “formação histórica”

refere-se

[...] a todos os processos de aprendizagem em que “história” é o assunto e que não se

destinam, em primeiro lugar, à obtenção de competência profissional. Trata-se de um

campo a que pertencem inúmeros fenômenos do aprendizado histórico: o ensino de

história das escolas, a influência dos meios de comunicação de massa sobre a consciência

histórica e como fator da vida humana prática, o papel da história na formação dos

adultos como influente sobre a vida cotidiana – em suma, esse campo é extremamente

heterogêneo. É nele que se encontram, além dos processos de aprendizagem específicos

da ciência da história, todos os demais que servem à orientação da vida prática mediante

consciência histórica, e nos quais o ensino de história (no sentido mais amplo do termo:

como exposição de saber histórico com o objetivo de influenciar terceiros) desempenha

algum papel. (RÜSEN, 2010, p.48)

Assim como Rüsen, também acreditamos que a formação histórica acontece em diversos

lugares e em diversas situações, não somente no espaço “clássico” da aprendizagem, a sala de aula.

Com isso posto, é necessário afirmar que essa aprendizagem histórica, base da formação histórica,

está intimamente ligada ao conceito de história pública, pois é imprescindível que a história rompa

as barreiras até então fixadas, por exemplo, da história acadêmica e da história do grande público.

A história pública como conceito não é algo novo, mas suas discussões no Brasil ainda

estão se desenvolvendo. No editorial da revista Estudos Históricos (2014), os editores definem

história pública como:

De origem anglo-saxã, o termo história pública procura dar conta, de uma forma

ampla, das relações e do diálogo entre a produção acadêmica e não acadêmica do

conhecimento histórico. De um lado, os lugares de produção de saber histórico se

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multiplicaram, indo além dos departamentos e centros universitários. De outro, as

inúmeras contendas sobre a memória coletiva e o dever de memória têm frequentemente

colocado a disciplina histórica no centro de debates públicos com amplas repercussões

política e sociais. Tais fenômenos refletem-se na vasta produção editorial, audiovisual,

museológica, entre outras, que mobiliza saberes históricos, articulando demandas por

esse tipo de conhecimento vindas de diversos setores da sociedade civil e do Estado.

Nesse sentido ganham enorme relevância, nas amplas dimensões do debate sobre

história pública, temas como o do próprio papel do historiador, da importância social do

conhecimento acadêmico e suas possíveis apropriações por diferentes públicos, do

caráter multidisciplinar da produção histórica e suas várias linguagens, além da relação

da história com as políticas públicas, entre muitas outras questões. O diálogo entre a

universidade e outros espaços de elaboração de conhecimento histórico que a história

pública propõe implica necessariamente uma reflexão sobre o lugar da história e dos

diversos profissionais que atuam com esses saberes (HEYMANN, DE MATTOS e

FONTES, 2014, p.229)

Observamos que ao falar de livro didático, conteúdos educacionais digitais e PNLD (como

importante política de Estado), estamos tratando de elementos importantes da história pública, a

saber, a difusão do conhecimento histórico para além da universidade com os livros didáticos; a

ampliação das possibilidades de aprendizagem histórica por meio da utilização das TIC; e, a

importância de programas de políticas públicas para o amplo acesso a materiais educacionais,

gratuitos e de qualidade, no Brasil.

Optamos por organizar esse trabalho em partes, cada uma dedicada a analisar os

mecanismos discursivos dos documentos selecionados como fontes, ou seja, os editais e guias dos

PNLD 2014 e 2015, primeiramente de maneira geral e depois disso em especifico no componente

curricular de história, observando as questões relativas aos conteúdos educacionais digitais.

O edital para o PNLD 2014 foi divulgado no final de 2011 e foi uma grande surpresa para

os envolvidos no processo do livro didático no Brasil: foi a primeira vez que o MEC possibilitou a

inscrição de obras com complementos digitais. Nesse programa foram avaliadas e selecionadas

coleções didáticas para os componentes curriculares do Ensino Fundamental II (Língua

Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia e Língua Estrangeira – Inglês e Espanhol),

com a diferença de as coleções poderem ser inscritas em dois tipos: 1 – conjunto de livros

impressos, e 2 – conjunto de livros impressos acompanhados de conteúdos multimídia.

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E como o documento caracteriza esses conteúdos multimídia? Segue a definição do próprio

edital:

Entende-se por conteúdo multimídia os temas curriculares tratados por meio de um

conjunto de objetos educacionais digitais destinados ao processo de ensino e

aprendizagem. Esses objetos devem ser apresentados nas categorias audiovisual, jogo

eletrônico educativo, simulador e infográfico animado; ou congregar todas ou algumas

dessas categorias no estilo hipermídia, devendo cada objeto ser identificável

individualmente, armazenável em mídia e passível de disponibilização em ambiente

virtual. (BRASIL, 2011, p.2)

Mas o que são esses “objetos educacionais digitais” que o edital apresenta? A definição,

conforme o edital, se dá por suas categorias, ou seja, “audiovisual, jogo eletrônico educativo,

simulador e infográfico animado”. Para uma definição mais ampla, que não é a única, segundo o

grupo Learning Objects Metadata Workgroup do Institute of Electrical and Eletronics Engineers

(IEEE), podemos dizer que os OEDs, também chamados de objetos de aprendizagem (entre tantas

outras terminologias que não são o foco da discussão neste momento), são “qualquer entidade,

digital ou não digital, que possa ser utilizada, reutilizada ou referenciada durante o aprendizado

suportado por tecnologias”3 (IEEE, 2005).

Para o edital, como vimos, a definição é mais específica, pois abarca somente conteúdos

digitais/multimídias, em quatro categorias.

Audiovisual: filmes e animações. Jogo eletrônico educativo: “O gênero de jogos eletrônicos

educacionais (ou educativos) visa transmitir conteúdos e conceitos que fazem parte do

currículo escolar, ou ainda assuntos específicos ou de conhecimento geral” (BRASIL, 2011,

p.77).

Simulador: “Software ou gráfico interativo que demonstra um processo ou mecanismo e

permite ao usuário observá-lo ou interagir com ele de maneira análoga ao processo ou

mecanismo simulado, obtendo resultados realistas” (BRASIL, 2011, p.78); no caso específico

do edital, só foram aceitos simuladores “atuantes”, ou seja, aqueles em que o observador (o

aluno, por exemplo), consegue alterar parâmetros e/ou construir modelos dentro da simulação.

Infográfico animado: utilização de recursos como áudio, vídeo, interatividade e dados,

somados aos elementos visuais padrão da infografia impressa; esses infográficos animados

podem ser lineares (“navegação sequencial, estáticos, ausência de interatividade”),

multimídia (“introdução de elementos multimídia para a narrativa visual, com navegação

multilinear e interatividade”) e com base de dados (“elemento principal é a base de dados

para a produção, personalizável”) (BRASIL, 2011, p.78).

Esses conteúdos multimídia deveriam ser produzidos visando tanto a utilização coletiva dos

3 Disponível em: http://www.cinted.ufrgs.br/ciclo9/artigos/4aLeandro.pdf. Acesso em: 10 jun. 2016.

6

alunos (com a orientação do professor) quanto seu uso individual (em outros espaços que não a

sala de aula). Outro ponto importante a se destacar é que os conteúdos dos livros impressos

deveriam ser autônomos e independentes dos conteúdos multimídia, ou seja, professores e alunos

não precisariam utilizar o OED para apreender um conteúdo ou realizar uma atividade presente na

coleção. Além disso, os OEDs deveriam ser utilizados sem a necessidade de conexão à internet.

Esses objetos foram solicitados exclusivamente como complementos aos conteúdos

apresentados no livro impresso e deveriam ser entregues gravados em um DVD, somando quatro

DVDs para a coleção inteira. No entanto, algumas coleções não tiveram nenhum de seus OEDs

aprovados ou foram aprovados somente OEDs de determinados volumes, por exemplo, 6o, 8o e 9o.

Todas as questões técnicas e critérios para a avaliação dos conteúdos multimídia estão

localizados no Anexo IV do edital do PNLD 2014. São observações detalhadas de cada um dos

tipos de objetos educacionais digitais, mas que não especificam critérios dos componentes

curriculares, pois são especificações técnicas gerais para todas as disciplinas.

A partir daqui vamos nos deter a analisar aspectos do Guia de livros didáticos do PNLD

2014 – área de história, com o objetivo de observar como os conteúdos digitais foram avaliados

pelos pareceristas (compostos por profissionais com formação em História, atuantes na

escolarização básica e no ensino superior4) e são apresentados aos professores da educação básica.

É importante lembrar que o foco desse documento é a apresentação das características dos

livros didáticos aprovados no PNLD, sendo que os conteúdos multimídia foram uma novidade,

aparecendo em momentos específicos durante as resenhas das coleções. O Guia deixa claro

também que esses conteúdos, bem como as indicações de sites nas coleções, foram avaliados com

uma Ficha de Avaliação com critérios específicos para essa nova modalidade de conteúdo

educacional5.

Esse documento foi publicado no 1o semestre de 2013, aproximadamente um ano e meio

após a publicação do edital do PNLD 2014. O Guia coloca que, em termos de inovação em

tecnologia educacional, a inserção dos OEDs foi a principal desse PNLD (e pode-se dizer que foi

uma das maiores inovações em toda a história do programa). Para o documento, os OEDs

4 No entanto, apesar do Guia afirmar que “Parte deles trabalha com novas tecnologias da educação e da

comunicação”, não é possível saber quantos e qual o nível de contato e experiência que esses profissionais têm com

as TICs na educação e, mais especificamente, no processo de ensino de história. 5 Observamos que alguns critérios de avaliação são os mesmos do que se avalia com o material impresso, por

exemplo, “Os OEDs estão isentos de situações de anacronismo”.

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[...] são potenciais instrumentos de aprendizagem, uma que possibilitam a realização de

atividades interdisciplinares e o planejamento de trabalhos individuais e coletivos.

Para que possamos aproveitar ao máximo as vantagens oferecidas por essa inovação, é

aconselhável mostrar aos alunos o papel que os OEDs podem ser na abordagem dos

conteúdos. Devemos também ficar atentos às detalhadas orientações – planos de aula,

inclusive – oferecidas por alguns desses objetos (GUIA, 2013, p.10).

Percebe-se por essa afirmação, que os responsáveis pela avaliação dos livros didáticos e

dos conteúdos digitais atrelados a eles, consideravam os OEDs uma inovação positiva para o ensino

de história. Ainda mais se esses objetos fossem acompanhados de “guias”, ou orientações, para sua

utilização em sala de aula com os alunos.

Em comparação com outras disciplinas, especialmente matemática, as coleções de história

não tiveram muitas exclusões de OEDs, já que somente quatro das 20 coleções foram aprovadas

sem os DVDs de conteúdo digital. No entanto, é possível perceber que a maior parte das coleções

tiveram OEDs excluídos em algum dos volumes, já que o edital solicitava um mínimo de 10 OEDs

por volume.

No geral, percebemos que os OEDs aprovados em História se concentraram nas categorias

de infográficos animados, audiovisuais e jogos. Nas avaliações do Guia fica evidente a importância

das orientações específicas para os professores trabalharem com esses OEDs dentro de sala de aula,

bem como a relação dos temas abordados nos conteúdos digitais com os respectivos capítulos do

livro didático. Para algumas avaliações é importante o elemento lúdico presente em certos OEDs,

que podem facilitar o engajamento dos alunos no processo de aprendizagem do tema histórico em

questão.

Para o edital do ensino médio no PNLD 2015, publicado no começo de 2013, o MEC

continuou no processo de inovação, oferecendo a possibilidade de inscrição de livros didáticos

digitais. De acordo com o referido documento, as obras poderiam ser inscritas em dois tipos. Tipo

1: obras multimídias, compostas de livros digitais e livros impressos, e Tipo 2: livros impressos e

livros em PDF, uma vez que, de acordo com o item 4.2.2, “os livros digitais deverão apresentar

o conteúdo dos livros impressos correspondentes, integrados a objetos educacionais digitais

[OEDs]” (BRASIL, 2013, p. 3).

Nesse sentido, é interessante notar uma mudança de “natureza” classificatória dos OEDs

do PNLD 2014 para o PNLD 2015. Citando a nova definição do próprio documento, no item 4.2.3:

“Entende-se por objetos educacionais vídeos, imagens, áudios, textos, gráficos, tabelas, tutorias,

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aplicações, mapas, jogos educacionais, animações, infográficos, páginas web e outros elementos”

(BRASIL, 2013, p.3).

De somente quatro categorias de OEDs no PNLD 2014, o MEC não definiu nenhuma no

2015. Isso significa que uma abertura que traz maior flexibilidade na inserção de conteúdos digitais

e não digitais (como textos e gráficos estáticos) no livro, possibilitando o alcance de novas

demandas educacionais. No entanto, essa ampliação da categorização de OEDs para os livros

digitais de Ensino Médio, também significou uma espécie de “inovação conservadora”

(CYSNEIROS, 1999), por reforçar antigos hábitos e conteúdos, por meio de recursos e ferramentas

tecnológicas “modernas”, sem explorar os potenciais específicos daquela determinada ferramenta

(no caso, o livro digital).

Nesse sentido, o edital solicita (item 4.2.16) que as versões digitais das coleções didáticas

tenham “paridade das páginas com os livros impressos correspondentes, podendo também incluir

outras opções de apresentação como formatos alternativos” (BRASIL, 2013, p.3). É interessante

essa determinação, já que os livros digitais não necessariamente precisam estar em conformação

com a noção de “página”, mesmo que a maior parte dos ebooks (literários, por exemplo) siga o

mesmo padrão de leitura do livro impresso. Por terem objetivos pedagógicos, os livros didáticos

digitais necessitam ter semelhanças com o livro impresso, já que os usuários (alunos e professores)

estão acostumados a um tipo especifico de leitura e “navegação”. Não é nosso objetivo no presente

trabalho entrar em questões de usabilidade e novas formas de apresentação de conteúdos didáticos

por meio de livros digitais, mas chama a atenção a “abertura” do edital em dar possibilidades às

editoras de inscreverem suas obras também em formatos inovadores.

Continuando nessa questão de formato, o edital define (item 4.2.19) também que: “Os livros

digitais deverão ter, como requisito mínimo de padronização, acesso por multiplataformas e pelos

principais sistemas operacionais, tais como Android 2.3 ou posteriores, iOS, Linux (ubuntu) e

Windows 7 ou posteriores, para dispositivos como laptop, desktop e tablets” (BRASIL, 2013, p.4).

Percebemos nesse item a importância que conteúdos educacionais tenham o maior alcance

possível, ainda mais falando do contexto da educação pública. No entanto, do ponto de vista

operacional e tecnológico da época, foi um desafio produzir livros didáticos digitais (com a

inserção de OEDs) que “rodassem” em todos esses sistemas operacionais e diferentes hardwares.

Essa dificuldade fez com que a maior parte das editoras tivessem que adaptar OEDs do PNLD 2014

que fossem reutilizados nas coleções do Ensino Médio, pois a linguagem de programação não

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poderia ser a mesma, e produzir OEDs novos nessa nova linguagem6.

Assim como nos OEDs para o Ensino Fundamental II, os livros digitais para Ensino Médio

devem ser utilizados sem a necessidade de conexão com à internet, salvo no momento do primeiro

acesso ao material (item 4.2.20). Entendemos que à nível de infraestrutura tecnológica, a maior

parte de nossas escolas públicas possuem grandes dificuldades. Em muitos casos o acesso à internet

é limitado aos trabalhos administrativos da escola, deixando os computadores que os alunos podem

utilizar na sala de informática sem conexão. Entendemos, no entanto, que a utilização da internet

como ferramenta educacional no processo de aprendizagem histórica é importante, fazendo com

que essas obras multimídias do Ensino Médio já não alcancem todo o potencial

tecnológico/educacional que poderiam caso houvesse o acesso à internet.

Todavia, o edital (item 4.2.23 e 4.2.23.1) coloca a possibilidade de as editoras atualizarem

os livros digitais, ou seja, “substituir ou excluir texto e imagem na obra” (BRASIL, 2013, p.4). Isso

abre a perspectiva de diminuição de tempo na correção e atualização dos livros didáticos, já que as

editoram não precisariam esperar três anos e uma nova edição do livro para ajustar ou inserir novos

conteúdos.

No Guia dos livros didáticos do PNLD 2015, temos uma seção da apresentação dedicada a

explicar a relação das “culturas digitais” com o ensino médio e a aprendizagem histórica, além do

significado da oferta de coleções com livros digitais para esse nível de ensino. Segundo o texto:

O livro digital é um recurso que pode colaborar para uma experiência inovadora, já que

a natureza do artefato amplia a interatividade e o trabalho colaborativo. Essa interação

enriquece o processo de ensino-aprendizagem e amplia o estoque de instrumentos

pedagógicos já disponíveis no livro didático impresso (BRASIL, 2014, p.19).

Apesar disso, o Guia afirma que o livro digital não pode ser avaliado como um “outro livro”

em relação ao impresso, no sentido de ser “avaliado a mesma atenção e a partir dos mesmos

critérios pedagógicos expressos no Edital do PNLD”. Mas isso traz consigo uma questão relevante

no âmbito da própria definição de “livro digital”, pois ele necessariamente precisa de novas formas

de avaliação, já que não é o mesmo livro em relação ao impresso, porque permite um contato e

6 O edital do PNLD 2014 colocava que os OEDs deveriam ser produzidos em Flash e serem auto executáveis direto

do DVD. Já para as especificações do PNLD 2015, o Flash já não poderia ser utilizado, pois alguns sistemas

operacionais (como o iOS, por exemplo) não suportavam mais. A maior parte das editoras (como a maior parte das

empresas de conteúdos digitais), decidiu mudar para o HTML 5, linguagem de programação que é aceita mais

“universalmente” entre softwares e hardwares.

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uma abordagem diferente do conhecimento. Como o próprio documento diz em seguida:

A versão digital, entretanto, amplia as potencialidades pedagógicas do impresso, pois

torna acessíveis alguns trechos de filmes, reportagens, além de apresentar gráficos

animados, jogos, excertos de documentos, imagens ampliadas e detalhadas passíveis de

experiências com atividades mais estimulantes e enriquecedoras (BRASIL, 2014, p.19).

Observamos que o Guia traz um discurso de “inovação moderada”, por não saber utilizar

as reais potencialidades da ferramenta, focando em certas características que o diferenciam do

impresso, mas sem ultrapassa-lo. O documento conclui com a seguinte ideia:

A introdução do livro digital, enfim, tem o objetivo de manter o padrão de qualidade

alcançado pelo impresso, de ampliar a mobilidade, capacidade de manipulação dos

dados e a interatividade nos processos de ensino-aprendizagem. Assim, acreditamos que

é importante manter em diálogo contínuo os dois tipos de mídia, pois, independentemente

dos suportes e formatos, a meta do recurso didático será sempre oferecer aos alunos e

professores um instrumento de boa qualidade (BRASIL, 2014, p.19).

E como podemos estabelecer relações entre os trechos analisados desses documentos e a

história pública? Tentaremos concluir esse artigo com uma resposta para esta questão, ou pelo

menos, com algumas perspectivas de novos caminhos a seguir dentro deste campo de pesquisa.

O PNLD e seu produto, o livro didático, tem uma história própria (que não é objeto desse

texto) e exerce um papel capital importância na educação pública do Brasil nas últimas décadas.

Como dissemos no começo deste artigo, uma das características da história pública é a apropriação

da história por diferentes públicos. A expansão do alcance dos livros didáticos avaliados e

aprovados pelo PNLD, mostra como é essencial que o saber histórico, produzido ou não por

historiadores profissionais e acadêmicos, chegue no maior número de pessoas, especialmente em

um dos locais mais significativos de produção de conhecimento, ou seja, a escola.

Entendemos que, na perspectiva de utilização das TIC na educação, especialmente na

introdução dos OEDs vinculados aos livros didáticos, a prática da história pública se fortalece e

ganha a possibilidade de aumentar ainda mais sua “audiência”.

[...] A prática da história pública como “apresentação popular do passado para uma

gama de audiências” se relaciona com a forma como adquirimos nosso senso do passado,

colaborando para nosso posicionamento sobre o presente e o futuro frente a questões que

dizem respeito a problemas sociais, tradições culturais, hábitos, demandas de gênero e

de classe, e a demanda por políticas públicas. Por isso, lidar com essa condição é

desenvolver a “consciência de comunicar-se apropriadamente com o público” para além

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da história como entretenimento. (ALMEIDA e ROVAI, 2013, p.4)

Desse modo, acreditamos que tanto o livro didático impresso, quanto o livro didático digital

(acompanhado de OEDs), desempenha um papel fundamental na aprendizagem e na formação

histórica de diversos públicos, não somente alunos e professores.

Também trouxemos nesse artigo algumas observações de aspectos significativos em relação

aos conteúdos educacionais digitais, dos editais e guias dos PNLD 2014 e 2015. Notamos que esses

programas representaram uma inovação ao incluírem o componente digital para as obras didáticas

de todas as disciplinas do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio. No entanto, acreditamos que

essa inovação ainda está em seus estágios iniciais e, visto que o MEC vem diminuindo a solicitação

de conteúdos digitais nos últimos PNLDs7, a perspectiva de desenvolvimento nessa área não é das

melhores. Mesmo assim, vemos que é necessário um estudo sobre o uso desses conteúdos pelos

professores de história. Dessa maneira, é imprescindível analisar os documentos oficiais

norteadores da produção dos OEDs no âmbito da educação pública brasileira.

Nos limites deste texto, pretendemos apresentar também observações iniciais de nossa

pesquisa de mestrado, contribuindo para a reflexão sobre a inserção de conteúdos educacionais

digitais no processo de aprendizagem histórica e, em especifico, na utilização desses conteúdos

pelo professor de história.

7 Tanto no PNLD 2016, quanto no PNLD 2017, o MEC solicitou conteúdos digitais somente no Manual do Professor.

Já no PNLD 2018, a única menção à digital se faz no uso de obras acessíveis (para alunos com algum tipo de

deficiência), utilizando uma versão do livro em formato digital em ePub3.

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Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. História pública: entre as

“políticas públicas” e os “públicos da história”. Trabalho apresentado no XXVII Simpósio

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Edital de convocação para o

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Didático PNLD 2014. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,

2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Edital de convocação para o

processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o Programa Nacional do Livro

Didático PNLD 2015. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,

2013.

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História. Ensino Médio. - Brasília: Ministério da Educação, 2014.

CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a

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