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AS TRANSFORMAÇÕES NA PAISAGEM DO ENTORNO DA ESCOLA

ESTADUAL IPIRANGA EM MARINGÁ - PR

Autora: Vera Lúcia Rabelo1

Orientador: Claudivan Sanches Lopes2

RESUMO

Este artigo tem origem no projeto de implementação pedagógica realizado na Escola Estadual Ipiranga em Maringá. Sua finalidade é mostrar a importância de se aprender Geografia com base no espaço vivido, partindo do local para o global, mesmo nos anos finais do Ensino Fundamental. Foi realizada uma investigação sobre os processos de formação e de transformação da paisagem no entorno da Escola Estadual Ipiranga, do município de Maringá (PR). As estratégias desenvolvidas juntamente com os alunos corresponderam às seguintes etapas, descritas em um caderno pedagógico: reconhecimento do espaço, estudos de mapas e croquis, investigação empírica por meio de trabalho de campo, coleta de imagens, entrevistas e seminários. Com base nos dados levantados, nas atividades experimentais sugeridas, aplicadas e avaliadas, verificou-se que professores e alunos, juntamente com os demais membros da comunidade escolar, semearam a ideia inovadora de que todos somos produtores de espaços geograficamente organizados e podemos ter a perspectiva de transformá-los, onde quer que estejamos.

PALAVRAS - CHAVE: Ensino de Geografia; Paisagem; Produção de material

didático; Verticalização; Maringá.

1 Pós Graduação em Didática e Metodologia de Ensino pelas Faculdades Integradas Norte do Paraná-UNOPAR.

Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá-UEM. É professora de Geografia da Escola Estadual Ipiranga em Maringá, PR. 2 Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo-USP. Mestre em Educação pela Universidade

Estadual de Maringá-UEM. Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá-UEM. É professor de Prática de Ensino em Geografia e Metodologia de Ensino em Geografia junto ao Departamento de Geografia da UEM.

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INTRODUÇÃO

Este artigo destina-se a apresentar os resultados de um projeto de pesquisa

desenvolvido no âmbito do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE -

ofertado pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná e implementado na

Escola Estadual Ipiranga, juntamente com os alunos dos anos finais do Ensino

Fundamental, em contraturno.

A concepção norteadora do projeto é a de que a Geografia é uma ciência

voltada para a análise da realidade social em sua configuração espacial. A produção

e a organização do espaço pela sociedade se fazem pelo trabalho. Sendo este um

ato social, leva às transformações territoriais e à construção de espaços

diferenciados conforme os interesses da produção.

Assim, considerando que o homem estabelece suas inter-relações com o

mundo com base nas que ele tem com o meio em que vive, buscamos observar

como os alunos interpretam seu espaço de vivência, mais particularmente o entorno

da Escola Estadual Ipiranga,

Para ordenar as atividades de orientação, localização e representação,

partimos do espaço próximo para o distante e, de forma contínua e permanente,

procuramos estabelecer relações entre esses dois espaços. Incentivando os alunos

a aperfeiçoar tais conhecimentos no decorrer do Ensino Fundamental, acreditamos

que eles estarão desenvolvendo a capacidade de analisar os fenômenos

geográficos, relacionando-os, quando possível.

De nossa perspectiva, conhecer, explorar e representar o espaço do entorno

da escola é entender a organização espacial desse local, é possibilitar a

identificação das relações econômicas, políticas, sociais, ambientais e culturais que

se estabelecem nesse espaço geográfico. Consideramos também que a utilização

de técnicas da cartografia é uma opção metodológica que favorece o entendimento

do processo de ocupação e organização do espaço, bem como de suas relações ou

organizações.

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De acordo com Milton Santos (1988, p.88), a reorganização do espaço pelo

trabalho do homem bem como suas formas de comunicação com o meio exige uma

relação de aprendizagem e vivência. A forma como ele interpreta essa

reorganização envolve uma relação de aprendizagem.

O projeto de implementação pedagógica que deu origem a este artigo teve

um caráter dialógico, investigativo e interdisciplinar. Dialógico, porque, ao fazermos

um estudo do meio no qual atuam os sujeitos sociais, discutimos conjuntamente os

problemas e desafios enfrentados pela comunidade. Investigativo, porque nele os

professores e os alunos são parceiros na verificação de conhecimentos sobre o

lugar e, ao mesmo tempo, na busca de novos conhecimentos e informações sobre o

entorno da Escola Estadual Ipiranga, extremamente dinâmico e em constante

transformação interdisciplinar porque a proposta de trabalho contou com a

participação de docentes de outras disciplinas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste trabalho far-se-á uma abordagem da origem do processo de

transformação da paisagem do bairro, bem como de seu desenvolvimento

socioeconômico. Consideram-se o poder público e o mercado imobiliário como

agentes desta transformação no contexto da urbanização municipal, dentro do

conjunto de instrumentos que podem ser empregados em relação ao espaço urbano.

O entorno da escola, localizado na zona 07, Jardim Ipiranga, do município

de Maringá (PR), vem acompanhando as transformações da cidade.

Alguns conceitos são importantes para a análise do entorno da escola e

para o desenvolvimento do raciocínio geográfico; por isso, necessariamente eles

serão retomados no texto: lugar, paisagem, território e cidade. Estes conceitos são

fundamentais para entendermos as transformações sociais e também as diferentes

concepções de mundo que orientam seu estudo.

Começamos pelo conceito de lugar, no caso, o entorno da Escola Estadual

Ipiranga. Lugar é compreendido como ponto de lógica local e global, de realidades

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próximas e longínquas. A utilização desse conceito torna possível o entrelaçamento

das questões do cotidiano com os conhecimentos específicos de Geografia, fazendo

dela uma disciplina que não existe apenas em livros, mas que se aplica às diferentes

situações com que nos deparamos em nosso dia-a-dia, em nossa rotina profissional,

familiar, enfim, na vida. Para o aluno, os conteúdos geográficos são importantes

porque lhe dão a possibilidade de reconhecer no local, no seu espaço de vivência,

os aspectos da modernização e da mundialização atual, os quais podem estar

presentes nas diferentes esferas espaciais da sociedade local.

Para Pontuschka (1999, p.133).

As condições de existência dos próprios alunos e seus familiares são pontos de partida e de sustentação que podem garantir a compreensão do espaço geográfico dentro de um processo que vai do particular ao geral e retorna enriquecido ao particular.

Assim vemos que o aluno deve estar inserido no contexto que está

estudando, sendo incentivado a compreender que ele é participante ativo na

produção do espaço.

O espaço real em estudo deve ser entendido como algo em processo, em

movimento, e, portanto, nunca está pronto e acabado. A área estudada tem suas

marcas e sua história: as casas de madeira, os barracões da época do café, o fundo

de vale, a linha férrea, os condomínios verticais e a Avenida Colombo, principal

canal de penetração na cidade. O estudo do meio permite ao aluno situar-se em

relação ao passado e posicionar-se de modo crítico diante das imagens transmitidas

pelos meios de comunicação de massa.

Nesse sentido, a escola é entendida como um local que possibilita uma

vivência social, diferente da do grupo familiar. Ela compensa carências do aluno,

oferecendo-lhe oportunidades de acesso a informações e experiências novas e

desafiadoras, capazes de provocar transformações e de desencadear processos de

desenvolvimento e comportamento (REGO, 2005).

Para Kaercher (2003, p. 174),

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Compreender as desigualdades sociais e espaciais é uma das grandes tarefas dos professores de Geografia para que a nossa ciência instrumentalize as pessoas uma leitura mais crítica e menos ingênua do mundo, que desemboque numa maior participação política dos cidadãos a fim de que possamos ajudar a construir um espaço mais justo e um homem mais solidário [...].

Isso redimensiona os objetivos do ensino da Geografia. O contexto atual

requer a construção de uma consciência espacial ao longo da formação escolar,

seja para o exercício da atividade profissional seja para a prática da cidadania.

Segundo Callai, (2007, p.105),

Estudar a urbanização das cidades numa dimensão pedagógica é reconhecê-la como um meio em que a escola está inserida; a cidade não terá papel de substituir a escola na formação educativa do aluno, ela é o objeto de estudo que dinamizará a prática docente e tornará a Geografia mais significativa.

Ao desenvolver o projeto de estudo do meio com os alunos, tendo como

foco o bairro Ipiranga, adotou-se a estratégia de aproximar os conteúdos do

cotidiano ao PPC (Proposta Pedagógica Curricular), fazendo com que a disciplina

cumprisse sua função: a de desenvolver o raciocínio geográfico e despertar a

consciência espacial.

Para isso, foram importantes os estudos que situam o espaço urbano como

algo relacionado ao modo de vida de sua população. Dessa perspectiva, o espaço é

produzido para que seus habitantes, oriundos de diferentes relações sociais, grupos

e culturas, possam praticar a vida em comum, compartilhando desejos,

necessidades e problemas cotidianos. Considera-se importante conhecer os

cidadãos e suas relações com a cidade, bem como a relação da cidade com seus

cidadãos, relação essa que se expressa na gestão e nos arranjos urbanos. Isso

porque a cidade é produzida e organizada para viabilizar as atividades que seus

cidadãos realizam individual e coletivamente no dia-a-dia.

Para Cavalcanti (2008), o conceito de cidade tem conquistado importância

nos estudos geográficos, notadamente, para a compreensão da espacialidade

contemporânea, por possibilitar a aprendizagem mais concreta de alguns de seus

conceitos fundamentais: paisagem, lugar e território.

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Conceitos de cidade há vários, em fontes diversas; entretanto, não é uma

boa orientação estruturar conceitos, e sim compreendê-los. Em uma simples

observação, pode-se dizer que cidade é uma aglomeração de pessoas e de objetos

(casas, edifícios, avenidas), mas é em função das pessoas e destes objetos que a

cidade se organiza e configura uma paisagem urbana. Por isso, é importante estudar

a cidade ou um bairro como uma paisagem; não só com seus elementos visuais,

mas também com outros elementos que a compõem: sons, odores, cores, luzes e

movimentos (CAVALCANTI, 2006). A observação e a análise da paisagem revelam

as relações sociais estabelecidas em um determinado local. Revelam que cada

observador seleciona as imagens que considera mais importante, ou seja, que

diferentes pessoas enxergam diferentes paisagens.

Em nossas aulas percebemos que os alunos relacionam paisagem à

beleza. Para eles, paisagem é um lugar belo, panorâmico; ligada ao conceito de

paisagem natural, ela não pode ser tocada pelo homem. Esta forma de perceber a

paisagem começou a ser sistematizada no final do século XIX, a partir do

pensamento naturalista, sendo marcada pela dicotomia entre paisagem natural e

paisagem cultural, ou seja, relacionamento entre objetos, elemento natural e o

homem; este, como agente de transformação do espaço.

De acordo com Cavalcanti (2006), paisagem pode ser definida também

como o domínio do visível, de tudo aquilo que nossa visão alcança; o domínio do

que é vivido diretamente com o nosso corpo, principalmente com nossos sentidos.

Nesta concepção, ela nos mostra a dimensão das formas que expressam o

movimento da sociedade, o constante processo de mudança. Assim, ao analisarmos

o entorno da escola, utilizamos a paisagem e o espaço como categorias que

permitem a abordagem do espaço urbano e da paisagem urbana.

Por paisagem urbana entende-se o aspecto visível do espaço, como já foi

mencionado anteriormente; já o espaço urbano é o conteúdo, são as relações

sociais que, em movimento, materializam-se espacialmente. Como as áreas

deterioradas, segregadas, as nobres e as áreas em processo de valorização são

facilmente reconhecidas na paisagem, esta oferece pistas para a compreensão e a

percepção desse espaço.

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No espaço urbano, as pessoas vão produzindo sua história, construindo

suas casas, formando seus elos de convivência com os vizinhos, no trabalho, na

escola ou no lazer, fazendo com que, na construção da diferença, da diversidade e

da desigualdade, o lugar tenha sua identidade.

Vemos que a cidade é um lugar complexo de produção social. Nela os

indivíduos expressam suas culturas, percepções, habilidades e diferenças.

Segundo Cavalcanti (2006, p.44),

A cidade assim abordada não é trabalhada somente como forma física, mas como materialização de modos de vida, como um espaço simbólico, e seu estudo pretende desenvolver no aluno a compreensão dos modos de vida da sociedade contemporânea e do seu cotidiano em particular, que resultam em espacialidades determinadas.

Assim, por meio da análise de sua forma (materialidade) e de sua história

(conteúdo), o aluno vai aos poucos adquirindo ferramentas intelectuais que lhe

permitem compreender a realidade espacial em sua complexidade e em suas

contradições. Compreendendo o mundo, a cidade e o seu lugar como uma

espacialidade, ele terá convicção de que apreender elementos do espaço é

importante para entender o mundo e o seu lugar. Este se apresenta como uma

dimensão da realidade e, assim, colocando-se como sujeito do conhecimento e

também do processo de ensino, ele ficará mais motivado para estabelecer uma

relação de aprendizagem com os conteúdos apresentados.

Com o estudo da Geografia em múltiplas escalas, do local ao global,

procuramos compreender os fenômenos geográficos e dar significado ao que se

ensina nas escolas. Os conteúdos podem ser apreendidos com mais facilidade

porque se encontram vinculados ao cotidiano dos nossos alunos, podendo ser

reconhecidos, analisados e discutidos por eles. Assim, estes podem contribuir para a

construção do conhecimento e dos conceitos.

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UM BREVE HISTÓRICO DA CIDADE

Maringá (PR) é a cidade de vivência do aluno que estuda na Escola

Estadual Ipiranga. Diferente da maioria das cidades brasileiras, ela foi projetada pelo

urbanista Jorge de Macedo Vieira (1894-1978), funcionário de uma grande empresa

de colonização, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), mais ou menos a

partir de 1943. Quando Macedo deu início ao projeto de Maringá, o terreno já estava

escolhido pela CTNP e, nesta fase, ele realizou apenas o levantamento topográfico

da região. Mais tarde, em 1944, a Companhia foi vendida a um grupo nacional e, em

1951, passou a ser reconhecido como Companhia Melhoramentos Norte do Paraná

(CMNP). Para o urbanista, o projeto permitia mostrar às gerações futuras o que era

Maringá antes de ser uma grande cidade. Infelizmente, Macedo morreu sem nunca

conhecer o noroeste do Paraná, e, portanto, a cidade que projetou, mas estava

orgulhoso de sua obra.

Ele seguiu o processo moderno de traçado urbano, que era o de acompanhar

o relevo natural, paralelamente às curvas de nível do terreno, o máximo possível.

Exemplo marcante, entre outros, são as ruas curvilíneas da Zona 05. O padrão de

desenho urbano utilizado em Maringá buscaria um traçado adequado às

características da paisagem e do clima locais, bem como à proteção dos fundos de

vale de vegetação natural, criando amplos parques integrados à malha viária. A

proposta era de uma cidade bem estruturada, com a previsão de um

desenvolvimento harmônico. Com uma área de 30 alqueires, dois parques, avenidas

largas com amplos canteiros arborizados, muitas praças, jardins e parques,

conforme a figura 01, a cidade teria um grande espaço verde per capita (VIEIRA,

1972).

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Figura 01: Anteprojeto da cidade de Maringá, de autoria de Jorge de Macedo Vieira, elaborado em meados da década de 1940.

Fonte: Andrade e Cordovil (2008)

Fundada em 10 de maio de 1947, nos primeiros anos, a cidade se

desenvolveu conforme o projeto inicial de seus fundadores. Hoje, ela é um

importante centro financeiro-comercial e de prestação de serviços que enfrenta a

mesma realidade urbana brasileira de conflitos, desigualdade, pobreza,

analfabetismo e outros. Depois de 1980, com a verticalização na área do "Novo

Centro", especificamente no entorno da Escola Ipiranga, a proposta de "Cidade

Jardim" vem sendo descaracterizada. Muito pouco se fez ou se faz para a

manutenção da qualidade ambiental: os fundos de vale veem sendo comprometidos,

o assoreamento aumentou, bem como a erosão em seus cursos d'água e em suas

encostas.

O rápido crescimento territorial da cidade de Maringá é reflexo de um planejamento com vistas a uma integração internacional, nacional e regional característico do processo de expansão e acumulação capitalistas. Essa expansão é conduzida por pressões dos agentes imobiliários, provocando dificuldades e deterioração da qualidade de vida da maioria da população em benefício de pequenas parcelas da sociedade. (MACHADO E MENDES, 2006, p.123)

Maringá, assim como todas as cidades entendidas como organismos vivos

e dinâmicos, está sempre pronta para as transformações. Com a globalização, as

relações urbanas foram se alterando, a informação e a reprodução do capital ficaram

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bem mais velozes e as funções e a própria identidade urbana se viu modificar

radicalmente.

O LOCAL DA ESCOLA ESTADUAL IPIRANGA

Lugar é o espaço de realização de nossas necessidades existenciais, é

nossa localização, posição, mobilidade, ponto de interação com os objetos ou com

as pessoas (SANTOS 1998).

A escola em questão está localizada no Jardim Ipiranga, na Rua Campos

Sales, nº 953, sobre as quadras 09, 10, 11, 12 e 13 da quadra 63-A, com uma área

total de 1620,50 metros quadrados. Atualmente, a área de construção total é de

1517,85 metros quadrados, divididos em dois pavimentos, nos quais funcionam dois

turnos de atendimento de alunos dos anos finais do ensino fundamental.

Figura 02: Fachada externa da Escola Estadual Ipiranga. Foto: V. L. Rabelo - 26/06/2011.

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A escola foi criada em 12 de junho de 1964, pelo Decreto nº 15 131/64,

com a denominação Grupo Escolar Ipiranga. Foi nessa data que o Estado assumiu a

Instituição Escolar: de 1959 a 1964, ela pertencia à Mitra Diocesana de Maringá.

Nas famílias que pertencem à comunidade escolar observa-se uma grande

diversidade cultural, social e econômica, como se verifica no cotidiano da escola.

Por meio de pesquisas feitas com os alunos, pudemos constatar que a maioria dos

alunos reside distante da escola, sendo que poucos pagam aluguel em casas da

proximidade. Para o trajeto casa e escola, eles dependem de ônibus e de carro

locado.

Quanto aos aspectos pedagógicos, foram constatados que, nos últimos

resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB-2009), a

escola ficou em 2º lugar no município e, nos últimos anos, os índices de repetência e

evasão escolar foram mínimos.

RESULTADOS E ANÁLISE DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO DE

INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA

O trabalho de intervenção pedagógica, como informamos, foi realizado com

alunos de 8ª série ou 9º ano das séries finais do Ensino Fundamental. De acordo

com Parra (1983, p.10), que analisou as fases propostas por Piaget, os alunos

encontram-se no estágio das operações intelectuais formais (11 ou 12 anos em

diante). É nessa fase que surgem os questionamentos dos adolescentes no âmbito

escolar e na família. Como exemplo, podemos citar alguns questionamentos de

alunos durante as aulas: por que tenho que estudar ciências humanas; quando eu

estiver no ambiente de trabalho, para que serve a disciplina de geografia? Assim, no

decorrer das aulas, necessitamos citar exemplos concretos para convencê-los da

necessidade das diversas disciplinas curriculares para o seu desenvolvimento

cognitivo e de seus respectivos conhecimentos.

A opção pelas séries finais do ensino fundamental deve-se ao fato de esses

alunos, como afirmamos no parágrafo anterior, serem capazes de fazer uma análise

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mais sofisticada, de colocar um lugar no seu contexto geográfico maior, de

interpretar os objetos do meio físico e compreender como eles funcionam. Quanto

mais conhecimento se tem do lugar, mais facilmente podemos reconhecer os

elementos do ambiente e sua importância para este lugar.

Em razão da especificidade do tema, a metodologia do projeto de

intervenção pedagógica foi estruturada em etapas. Na primeira etapa, os trabalhos

foram desenvolvidos mais em sala de aula e na sala de informática, onde

procuramos retomar os conhecimentos adquiridos sobre o entorno da Escola.

Questionamos os alunos sobre o que eles conheciam como "paisagem" e "espaço",

buscando aprofundar os conceitos. Eles relataram os aspectos visíveis, o que já era

esperado, por causa do pouco conhecimento que tinham deste espaço de vivência.

Por meio de um caderno pedagógico, contendo o roteiro do trabalho com mapas

do Brasil, do Estado do Paraná dividido por municípios, bem como do município de

Maringá, para a localização da Zona 07, Jardim Ipiranga, o projeto foi organizado em

termos práticos. A história do Jardim Ipiranga, com imagens de satélite delimitando a

área de estudo, conforme demonstra a imagem da figura 3, foi um importante

subsídio para o trabalho.

Figura 03: Mapa da área de estudo do entorno da Escola Estadual Ipiranga

Fonte: www.earthgoogle.com Acesso: 29/07/2011

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Nesse caderno, constava também a planta da cidade, com base na qual os

alunos desenharam o trajeto percorrido desde suas residências até a escola. Em

seguida, eles relataram e formularam problemas relacionados à ocupação do solo,

aos cuidados com o meio ambiente, aos aspectos econômicos e humanos do trajeto,

bem como às transformações em curso na paisagem, os quais mais chamaram sua

atenção. Estabeleceram relações com espaços mais amplos na escala geográfica.

Para a maioria, ao que parece, ficou claro que essa paisagem é resultado da ação

humana, conforme o relato dos alunos, a seguir:

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Figura 04: Relato dos aspectos humanos e econômicos do trajeto das residências dos alunos até a escola.

Esta primeira etapa nos fez perceber um maior envolvimento e interesse

dos alunos em relação ao roteiro, desde o lugar do bairro onde residem aos locais

que frequentam, e em fazer observações do cotidiano sobre a vegetação, o clima o

solo, o relevo, a ocupação do solo, as atividades econômicas e a prestação de

serviços.

Observamos diferentes interpretações de paisagem. A percepção

ambiental de uma criança ou de um pré-adolescente não é a mesma que a de um

adulto, visto que os elementos de percepção do mundo dependem das experiências

de cada um.

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Na segunda etapa, definido o entorno pela professora juntamente com os

alunos, foi feita a investigação empírica por meio de um trabalho de campo.

De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná

(2008, p.80):

A aula de campo é um importante encaminhamento metodológico para analisar a área de estudo (urbana e rural), de modo que o aluno poderá diferenciar, por exemplo, paisagem de espaço geográfico. Parte de uma realidade local bem delimitada para investigar sua constituição histórica e realizar comparações com outros lugares, próximas ou distantes. Assim a aula de campo jamais será um passeio, porque terá importante papel pedagógico no ensino de Geografia.

Assim, nessa proposta metodológica, o trabalho de campo favoreceu que

os estudantes entrassem em contato com o meio em que está inserida a escola, já

que muitos vêm de lugares distantes. Também foi uma forma de relacionar a teoria

da sala de aula com a investigação in loco, levando os alunos a procurar respostas,

observar, problematizar, explorar mais detalhadamente o espaço e fazer registros no

caderno pedagógico.

O trabalho de campo é um recurso que torna o processo de ensino mais

dinâmico, desperta o interesse dos alunos pela realidade, tornando a aprendizagem

mais significativa.

Nossas saídas para as atividades de campo foram realizadas em

contraturno, uma vez por semana, na sexta-feira.

O levantamento de campo quanto aos aspectos ambientais, sociais,

históricos, políticos e econômicos a serem observados foram definidos pela

professora no primeiro semestre de 2011, quando foi estabelecida a classe que iria

trabalhar com a proposta.

Depois de definido o entorno, quando os alunos já conheciam

satisfatoriamente a área de estudo e sabiam dos objetivos a ser atingidos com as

idas ao campo, foram esclarecidos outros aspectos:

Como seria cada etapa;

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O envio, para as famílias, do termo de autorização para a ida ao campo;

Necessidade de reunião com a comunidade escolar para que o trabalho se

efetivasse de forma satisfatória;

Estabelecimento de regras de disciplina a ser respeitadas pelo grupo;

Materiais que seriam utilizados (caderno pedagógico, estojo, câmara digital).

Passadas as informações, a classe foi dividida em equipes de cinco alunos

de ambos os sexos. Foi solicitado que eles fotografassem as cenas de cada tema a

ser estudado e pesquisado nos encontros. Na sala de informática, com imagens de

satélite, estabelecemos os roteiros a ser seguidos em cada encontro. Assim, na

primeira saída, o objetivo foi observar o lado sul da escola. Neste dia, foram

observados a linha férrea, o túnel da linha férrea na Avenida Paraná e, como

percorremos toda a Avenida Guaíra, o rebaixamento da linha férrea e os antigos

barracões de café até a Avenida 19 de Dezembro.

Foram interessantes a participação, o envolvimento, os desenhos, as

imagens que registraram e os comentários que os alunos faziam sobre as

transformações ocorridas na paisagem deste lugar. Eles chegaram a questionar os

comerciantes sobre o barulho, a poeira e o barro provocado pelos caminhões e

máquinas nos trabalhos do rebaixamento da linha férrea.

Ao retornarmos, todos participaram dos comentários sobre a atividade.

Constatamos que os comerciantes e os moradores estão preocupados com outro

problema: a falta de estacionamento. Os alunos responderam às perguntas

propostas no caderno pedagógico e se questionaram sobre a importância desta obra

para a cidade nesta década, já que, nas décadas passadas, ela também era

importante para a economia da região, pois a própria estação ferroviária situava-se

na área central da cidade. Vale observar que Maringá foi desenvolvida a partir de

certas condicionantes: o sítio e o relevo, a via férrea e a estação ferroviária. A

ausência deste meio de transporte para a região significaria, no entender da

empresa loteadora e urbanizadora, inevitável atraso econômico do município no

quadro do desenvolvimento do Norte do Paraná. Na década de 1990, a Prefeitura

Municipal, através da URBAMAR - Urbanização de Maringá S/A, iniciou o projeto de

rebaixamento da linha férrea para solucionar o problema dos congestionamentos do

tráfego de veículos nas áreas centrais da cidade, resultantes das manobras

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ferroviárias. Nesse contexto, é viável a elaboração de ações que levem ao

desenvolvimento urbano, tendo da cidade uma visão abrangente, na qual os

aspectos de sua dinâmica sejam planejados sem desconsiderar os aspectos

ambientais e sociais.

Ao norte da escola, o trabalho de campo contemplou duas áreas de

importância para a pesquisa: a Avenida Colombo, no trecho compreendido entre as

avenidas 19 de Dezembro e Paraná, e um fundo de vale, localizado na Zona 07, no

final da Rua Belo Horizonte, a duas quadras do portão de entrada dos alunos da

Escola Estadual Ipiranga.

A Avenida Colombo é o principal caminho de entrada e saída da cidade

de Maringá e a mais usada pelos munícipes para atravessar ou acessar vários

bairros. Essa avenida liga Maringá a outros municípios, bem como em umas visões

mais abrangentes estados e países. Juntamente com a linha férrea e o aeroporto,

ela garante uma intensa circulação de pessoas e facilita o intercâmbio de

mercadorias, de valores financeiros e de ideias.

Quanto mais rápido o trânsito de uma avenida, maiores são as fachadas e

as frentes dos pontos comerciais servidos por essa artéria, de forma a ficarem mais

visíveis para quem passa. As frentes das lojas oferecem amplos espaços como

estacionamentos.

Por causa do grande movimento que ocorre todos os dias úteis,

especialmente nos horários de pico, pela manhã e ao final da tarde, a Colombo

torna-se muito congestionada e, nesses momentos, o trânsito quase paralisa por

completo. De acordo com a Secretaria de Transportes – SETRAN, em nota

divulgada em 19/05/2011, no cruzamento da Colombo com a Avenida Paraná

passam em média, diariamente, 55 212 veículos e, nos horários de pico, das

07horas às 08 horas, 3 895 veículos.

Na análise dos alunos sobre o assunto, eles foram quase unânimes em

apontar os impactos que o movimento da Colombo traz para a economia local:

O término da construção do Contorno Norte diminuirá o movimento, como também os acidentes que diariamente acontecem na Avenida.

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Os impactos são sentidos por todos porque se perde muito tempo em congestionamentos e num sistema capitalista como o nosso, tempo é dinheiro. Os congestionamentos na Colombo causam estresse não só aos motoristas, mas nos passageiros de ônibus, também. Os comerciantes da Colombo podem ter prejuízos por falta de estacionamento obrigando os fregueses das lojas estacionarem em lugares distantes.

O outro local importante de análise ao Norte foi o fundo de vale,

localizado próximo à Escola. No presente estudo, merece considerar que, no

patrimônio paisagístico do território de Maringá, somam-se 62 córregos e ribeirões,

os quais se destacam na paisagem e na dinâmica dos vales. Destes, 20 se

encontram no interior da área urbana e 19 têm suas nascentes dentro da cidade,

incluindo o córrego Mandacaru, no final da Rua Belo Horizonte, provocando um

flagrante declive no terreno.

Nos registros históricos, encontramos a informação de que, no

planejamento de Maringá delineado na década de 1940, as áreas verdes seriam

preservadas, incluindo os fundos de vale. Atualmente, vemos que os loteamentos

realizados segundo premissas às vezes equivocadas, os problemas de saneamento

básico e a drástica impermeabilização do solo, em face da ausência de mata ciliar,

impossibilitaram a preservação das áreas verdes. As encostas dos córregos cedem

com a força das águas das chuvas, levando não apenas terra, mas o pouco de

vegetação que ainda resta, juntamente com todo o lixo e entulhos depositados

criminosamente em suas margens. Considerando sua importância, esses aspectos

foram introduzidos nos debates entre os alunos.

No dia do trabalho de campo, ao nos aproximarmos da nascente, seguindo

o som das águas, percebemos que o leve perfume úmido da mata foi substituído

pelo mau cheiro das águas poluídas do manancial. Logo na nascente, vimos

tubulações de esgoto, de duvidosa legalidade. Como consequência, o

assoreamento do talvegue vem aumentando, conforme mostram as imagens

seguintes, registradas pelos alunos na pesquisa:

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Figura 05: Degradação ambiental no córrego Mandacaru – 22/11/11. Fonte: Arquivos dos alunos da 8ª série.

Ficamos desapontados com o desprezo das autoridades e da população

pelo córrego. A deterioração dos mananciais é proporcional ao desenvolvimento

urbano da cidade; esta expandiu seus limites sem a contrapartida da preservação

ambiental.

Um aluno escreveu assim em seu caderno:

O córrego Mandacaru é próximo a minha casa, assim como de minha escola. Ele é um dos locais mais deteriorados. Os próprios moradores, as loteadoras e as imobiliárias são os principais responsáveis pela destruição das matas ciliares e da poluição do córrego. Os moradores devem ter

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consciência ambiental e saber que preservar o local onde vivem é uma das formas de se chegar a uma sociedade sustentável. (Aluno da 8ª série A - Turma 2011).

É oportuno citar o Código Florestal, Lei nº 4 771 de 15 de setembro de

1965. Em seu artigo 2º, é determinado que, ao longo de qualquer curso de água, a

mata existente é considerada de preservação permanente, ou seja, deve ser

preservada em sua forma nativa.

Portanto, é necessária uma política firme por parte da Administração

Municipal visando à preservação e a recomposição das matas existentes, bem como

a recuperação dos mananciais.

O número de casas de madeira em todo o entorno da escola é grande,

mas, a oeste, esse número é maior. Essas casas destacam-se no espaço urbano,

evidenciando a influência agrária e do meio natural, influência essa que não só o

bairro, mas todo o Norte do Paraná herdaram do período da colonização.

A partir da década de 70, intensificou-se o processo de substituição das

casas de madeira pelas de alvenaria, principalmente no entorno da Escola, tendo

em vista sua proximidade do centro da cidade. Pelo valor do terreno, desencadeou-

se intensa especulação imobiliária nos terrenos ocupados com as casas de

madeiras.

As casinhas que persistem pertencem à classe média baixa e à classe

baixa. Seus proprietários conseguiram permanecer no bairro porque adquiriram suas

propriedades no início da urbanização e da ocupação da cidade. Segundo os

registros antigos, que podem ser comprovados nos dias de hoje pela observação, a

maior parte dessas residências foi construída com madeiras nobres, como perobas,

mognos e cedros.

A venda das casas pelas famílias que vivem com dificuldades financeiras

tem se revelado um "bom negócio", tanto pelo valor dos lotes quanto pelo preço da

madeira resultante da demolição. Segundo as informações dos comerciantes e

profissionais que trabalham com desmanches de casas de madeiras, elas são

compradas por madeireiras da cidade localizadas na periferia e, posteriormente,

vendidas para a produção de móveis ou fachada de lojas. Essa madeira abastece o

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consumo do mercado local, regional, de São Paulo, de Minas Gerais, Rio de Janeiro

e de outros Estados.

As casas de madeira, conforme constatamos no trabalho de campo, vão

cedendo espaço para grandes e modernos edifícios, em atenção à demanda e aos

padrões do público que deseja morar no bairro.

A verticalização acentuada da paisagem urbana situa-se a leste e a

nordeste da Escola Ipiranga. A grande maioria das edificações ocupa integralmente

o lote, de forma que os estreitos espaços livres são destinados a acesso e a áreas

de ventilação e iluminação natural mínima. O resultado é existência de algumas

quadras áridas em meio às edificações, já que a arborização permanece apenas no

sistema viário, nas calçadas ou ainda em residências exclusivas, onde se encontram

pequenos jardins ou árvores frutíferas. Parte dos terrenos encontra-se com

superfícies impermeabilizadas, conforme os alunos relataram no caderno

pedagógico.

Os prédios são próximos, impossibilitando a ventilação, a penetração de luz

solar e contribuindo para a impermeabilização do solo.

Com a verticalização há falta de solo permeável, prédios muito próximos o

que acaba provocando muita sombra, falta de ventilação e um ar abafado.

A verticalização da paisagem urbana é promovida especialmente por

grandes incorporadoras, ligadas a construtoras e imobiliárias. Em alguns casos, é

apenas uma empresa que constrói edifícios no entorno da escola, assumindo todos

os passos da construção e da comercialização do "empreendimento", como se

evidencia nos anúncios diários dos meios midiáticos.

O bairro, por estar próximo da UEM, atrai estudantes de outras cidades e

regiões. Os pais compram ou alugam as kitinets ou residências mais antigas, para

transformá-las em "repúblicas".

Conforme o depoimento dos alunos no caderno pedagógico, há várias

vantagens em morar no bairro Ipiranga. Entre elas: proximidade do centro da cidade,

fácil acesso a outros bairros pela Avenida Colombo e valorização imobiliária dos

lotes. Como desvantagens, eles citaram: a presença dos condomínios verticais que

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diminuem a ventilação no local, calçadas degradadas com lixo amontoado,

impermeabilização e ocupação do solo, migração da população mais pobre para a

periferia, trânsito intenso no horário de pico das Avenidas nos limites do bairro

resultando em carência de estacionamento.

Outro ponto importante pesquisado pelos alunos refere-se à população do

bairro. De 1971 a 1980, em consequência das transformações ocorridas na

agricultura regional, da substituição de culturas e da modernização agrícola, Maringá

teve uma verdadeira explosão populacional. O campo deixou de ser moradia do

homem, e não só do pequeno agricultor, mas também do médio e do grande

proprietário, os quais passaram a residir na cidade.

Assim, na década de 1970, houve a criação de 69 novos loteamentos em

Maringá. Alguns foram aprovados com infraestrutura e outros não, demonstrando

fragilidade no processo de planejamento; as ruas foram traçadas com 12 metros de

largura; as calçadas são estreitas, com 2 metros de cada lado, dificultando a

circulação confortável dos pedestres. Os lotes permanecem com 300,00 metros

quadrados.

Com o aumento na população, os governos do Estado do Paraná e do

Município de Maringá, em gestões passadas, promoveram a instalação de

infraestrutura para atender aos que migravam do campo para a cidade. Entre as

medidas, citam-se: tratamento de água, sistema de esgoto, iluminação pública,

pavimentação de ruas, escolas públicas, além de lojas, bancos e escolas da

iniciativa privada. Analisando as considerações dos alunos sobre a população do

bairro, observamos que suas anotações foram além. Segundo eles, essas

benfeitorias e serviços resultaram na implantação dos serviços que temos hoje nas

áreas vizinhas do bairro, como: supermercados, empresas imobiliárias e um

comércio bem diversificado, principalmente nas Avenidas Paraná e 19 de Dezembro.

Segundo os dados do IBGE, o entorno da Escola conta com uma

população de 6.095 habitantes, sendo que, para efeito de comparação, de acordo

com o censo de 2010, Maringá possui 357.077 habitantes.

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A população do bairro, em grande parte, é formada por moradores antigos

e, de acordo com o Censo setorial do IBGE de 2010, há poucas crianças e

adolescentes na faixa de 07 a 15 anos. São poucos os alunos que residem próximo

à escola, conforme demonstra o gráfico organizado pelos alunos:

Figuro 06: Origem da moradia dos alunos da 8ª A – 2011 Fonte: Arquivos dos alunos da 8ª série

Para o desenvolvimento do tema, foi importante analisar as relações

capitalistas subjacentes aos arranjos territoriais no município. Lembramos que

"Território é um conceito ligado à ideia de relações de espaço e poder. É no território

que ocorre a normalização das ações, tanto globais quanto locais." (PARANÁ, 2008,

p.62). Esse conceito de território foi muito útil para a compreensão do espaço

geográfico, auxiliando os alunos a entender a lógica da ordenação espacial dos

fenômenos e das paisagens no modo capitalista de produção, bem como as

questões políticas, econômicas e culturais materializadas no espaço geográfico.

Na terceira etapa, para aprofundarmos o estudo, entrevistamos os

moradores do bairro. Saímos a campo com normas para a realização do trabalho e

perguntas pré-estabelecidas. Esta atividade foi realizada em duplas.

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Na quarta etapa, na sala de aula, fizemos a análise e a sistematização dos

dados coletados nas entrevistas. O quadro a seguir apresenta as características dos

habitantes entrevistados pelos alunos, considerando o número de alunos que

estavam presentes no dia.

Idade 40 a 84 anos

Escolaridade 2º grau, a maioria.

Profissão Comerciantes, aposentados, donas

de casa.

Tempo de residência De 13 a 50 anos.

Tipo de imóvel Residencial ou comercial próprio.

Pretensão de transferir de bairro Nenhum dos entrevistados.

Políticas públicas necessárias ao

bairro

Áreas de lazer, posto de saúde,

academias da terceira idade,

substituição das árvores antigas e

das calçadas degradadas, limpeza

das ruas e radares nas principais

avenidas do entorno para diminuir a

velocidade dos veículos.

Pela análise do quadro podemos observar que os alunos entrevistaram

pessoas adultas, com nível médio de formação e com bom tempo de vivência no

bairro, com imóveis próprios e sem interesse de se mudar dali. Pelo comentário dos

alunos, os entrevistados acham o bairro calmo, se comparado com outros bairros da

cidade, é bom de viver. Quanto às políticas públicas citadas pelos moradores, foram

observadas por nós na pesquisa de campo.

Na quinta etapa organizamos um mural com os desenhos do entorno da

escola. Promovemos uma reflexão sobre a escolha dos mesmos, comparando-os

com outros lugares, descrevendo as semelhanças e as diferenças nas paisagens

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urbanas. Nesta mesma etapa, os alunos apresentaram em power point as imagens

do trabalho de campo que selecionaram no laboratório de informática.

Nos desenhos e nas imagens, percebemos que os alunos não veem o

homem como parte integrante da paisagem, mas as intervenções humanas, sim. A

maioria dos desenhos mostra a paisagem como uma figura artística da natureza. A

percepção ambiental dos alunos geralmente está associada com os elementos

paisagísticos, com as coisas e com as pessoas que eles identificam. Outro ponto

interessante foi que, da imagem do entorno da escola, desenharam aquilo que mais

lhes chamou a atenção em grafite, conforme mostram alguns dos desenhos em

anexo:

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Figuro 07: Elementos paisagísticos da percepção ambiental dos alunos do entorno da Escola

Fonte: Arquivos dos alunos da 8ª série

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação dos conteúdos e do material didático sobre o entorno da escola

e dos demais conhecimentos adquiridos pelos alunos em suas pesquisas nos fez

perceber que eles se envolveram, demonstrando mais interesse nas aulas,

Eles participaram e expuseram suas ideias e conhecimentos relacionados

ao bairro onde estudam, aos locais que frequentam e às observações do cotidiano

sobre as formas de ocupação do solo, a verticalização, o movimento de pessoas e

veículos, o comércio e a prestação de serviços no bairro. Demonstraram mais

entusiasmo, enriquecendo as aulas com as informações que obtiveram nas

entrevistas com familiares e moradores do entorno, com os registros das

experiências e conhecimentos que antes eram desprezados e que pouco a pouco

foram sendo valorizados e reconhecidos. Isso porque a utilização do referido

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material tornou possível à relação entre os conhecimentos geográficos não formais

com os conhecimentos científicos.

É importante considerar as experiências que os alunos adquiriram em sua

cidade, em seus deslocamentos cotidianos, em seu contexto familiar e social, seu

mapa mental, suas referências espaciais, assim como suas rotas ou significados

simbólicos. Enfim, observamos que o estudo do meio urbano induz o aluno a

entender melhor suas experiências concretas, de forma a construir ideias mais

abstratas, ou seja, o induz a uma melhor assimilação do conteúdo e da realidade

vivida.

Nesse sentido, o tema: “as transformações do entorno da Escola Estadual

Ipiranga" foi abordado com base nas relações capitalistas que induziram os arranjos

territoriais no Norte do Paraná. Entendemos que tais arranjos foram impostos pela

Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), a partir do povoamento da

cidade, já que a ordem econômica, política e agrícola mundial projetavam e

destacavam a agricultura como fator importante para a economia brasileira na

época.

Na implementação do projeto, a fotografia foi um recurso que favoreceu a

percepção ambiental dos alunos em relação ao meio em que vivem. Lançamos mão

do recurso cartográfico como representação e localização do espaço real e vivido.

Além dos recursos áudio visuais, destinados a problematizar os assuntos tratados,

acentuamos a importância dos conceitos geográficos: paisagem, espaço, região,

território e lugar, para a formação e o desenvolvimento do raciocínio geográfico dos

alunos. Estes recursos foram usados semanalmente como ponto de partida para as

atividades de campo.

Foi interessante a participação e o envolvimento dos professores da Educação a

Distância (EaD) da rede pública estadual, os quais teceram comentários sobre este

trabalho. Alguns professores “foram contra” o trabalho de campo, em razão do

perigo de sair da escola com alunos nem sempre educados e indisciplinados, dos

possíveis problemas com o trânsito de pedestres e de veículos, da falta de tempo na

organização das atividades. Concluímos, no entanto, que é necessário ter iniciativas,

romper barreiras que nós mesmos nos impomos e optar por aulas que sejam mais

atraentes aos alunos. A própria EaD contribui de forma consciente para o

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desenvolvimento das práticas profissionais e sociais e para uma educação

democrática e de qualidade.

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