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A ciência do direito: as universidades e o método escolástico. O surgimento do modelo jurídico moderno entre os séculos XI e XII, está diretamente ligado ao aparecimento das universidades europeias. Pela primeira vez o Direito foi pensado e tratado como um conjunto distinto e sistematizado de conhecimentos, no qual as decisões, normas e regras eram objetos sistemáticos de estudos sendo pautados em princípios gerais e verdades nas quais se baseava todo o sistema. Dentre o conjunto de fatores necessários para o surgimento da Tradição Jurídico Ocidental, três merecem especial atenção: o primeiro foi a descoberta de manuscritos jurídicos – chamados de Digesto – datados da época do império de Justiniano; o segundo foi o método, denominado método escolástico, utilizado para a análise e síntese dos textos jurídicos antigos, e por fim o contexto no qual o método era aplicado, nomeado de universidade. Esses textos foram copiados e começaram a ser estudados em várias cidades italianas assim como em outros lugares, contudo, a maior parte dos estudantes, que eram estrangeiros, viviam em situação jurídica precária, pois a exemplo, um estrangeiro poderia ser abordado a qualquer momento a fim de que se pagasse uma dívida de um conterrâneo. Com isso, esses alunos começaram a se unir em universidades (conjuntos corporativos com personalidade jurídica) em busca de proteção contra esses e outros eventos. Os alunos das universidades contratavam professores por um

As Universidades e o Metodo Escolastico

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A ciência do direito: as universidades e o método escolástico.O surgimento do modelo jurídico moderno entre os séculos XI e XII, está diretamente ligado ao aparecimento das universidades europeias. Pela primeira vez o Direito foi pensado e tratado como um conjunto distinto e sistematizado de conhecimentos, no qual as decisões, normas e regras eram objetos sistemáticos de estudos sendo pautados em princípios gerais e verdades nas quais se baseava todo o sistema.

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Page 1: As Universidades e o Metodo Escolastico

A ciência do direito: as universidades e o método escolástico.

O surgimento do modelo jurídico moderno entre os séculos XI e XII, está

diretamente ligado ao aparecimento das universidades europeias. Pela primeira vez

o Direito foi pensado e tratado como um conjunto distinto e sistematizado de

conhecimentos, no qual as decisões, normas e regras eram objetos sistemáticos de

estudos sendo pautados em princípios gerais e verdades nas quais se baseava todo

o sistema.

Dentre o conjunto de fatores necessários para o surgimento da Tradição

Jurídico Ocidental, três merecem especial atenção: o primeiro foi a descoberta de

manuscritos jurídicos – chamados de Digesto – datados da época do império de

Justiniano; o segundo foi o método, denominado método escolástico, utilizado para a

análise e síntese dos textos jurídicos antigos, e por fim o contexto no qual o método

era aplicado, nomeado de universidade.

Esses textos foram copiados e começaram a ser estudados em várias

cidades italianas assim como em outros lugares, contudo, a maior parte dos

estudantes, que eram estrangeiros, viviam em situação jurídica precária, pois a

exemplo, um estrangeiro poderia ser abordado a qualquer momento a fim de que se

pagasse uma dívida de um conterrâneo.

Com isso, esses alunos começaram a se unir em universidades (conjuntos

corporativos com personalidade jurídica) em busca de proteção contra esses e

outros eventos. Os alunos das universidades contratavam professores por um

período determinado para que estes lhes ensinassem, tendo como destaque um

professor chamado Irineu que lecionava na universidade de Bolonha, controlada por

estudantes.

Os professores tinham uma associação própria, o colégio de professores, que

tinha o poder de aplicar exames e admitir candidatos para que atingissem o grau de

doutor, obrigatório para que pudessem virar professor e lecionar.

Em Bolonha se ensinava o manuscrito compilado pelos juristas do império de

Justiniano que era composto pelo Código, compreendendo doze livros de

ordenações e decisões de imperadores anteriores a Justiniano. Novelas, que eram

leis promulgadas por Justiniano. As Institutas, pequeno manual que servia de

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introdução aos estudos de Direito e o Digesto, cujos cinquenta livros possuíam

opiniões de juristas sobre várias questões jurídicas.

A partir do século XII, surge o novo método de análise e síntese, chamado de

escolástico. Tal método pressupõe a autoridade absoluta de alguns livros que

devem ser vistos como um conjunto integrado e completo de doutrinas, porém

partindo da ideia de que também existem lacunas e contradições no texto, tendo os

estudiosos a tarefa de sintetizar o texto, completar suas lacunas e resolver as

contradições (este método foi denominado de dialético). Este método foi propagado

por sua metodologia de ensino, tendo principal atenção o método de glosar o texto e

elaborar questões para debates. No Direito, o método escolástico se incumbiu de

analisar e sintetizar a grande quantidade de doutrinas, que por vezes entravam em

conflitos entre si.

O método utilizado pelos juristas europeus do século XII, foi uma

transformação dos métodos dialético dos gregos e do Direito Romano pós-clássico.

Em grego dialética significa diálogo e os filósofos gregos se referiam à dialética

como a arte da conversação como método de argumentação.

Assim, os juristas dos séculos XI e XII elevam a dialética a um nível de

abstração jamais visto, sistematizando regras em um todo integrado não apenas

para definir elementos comuns, mas sintetizando regras em princípios e estes por

sua vez em um sistema. Dentre as várias técnicas utilizadas destaca-se uma, a

regulae, que consistia em máximas, ou seja, princípios independentes de validade

universal.

Esses juristas escolásticos conseguiram um grande avanço ao entenderem

que toda decisão ou regra era espécie do gênero Direito, tornando possível se

valerem de todas as partes do Direito para construir o todo e do todo para

compreender cada parte. Com isso, percebemos que o método escolástico era muito

complexo à medida que apresentava questões controversas. Tanto professor quanto

aluno indagariam não apenas sobre uma questão, mas sobre vários problemas

interligados, contrapostos, sustentando cada um dos fundamentos até que se

chegasse à conclusão dos fatos.

Com isso, no decorrer do tempo os juristas escolásticos criaram uma ciência

jurídica no sentido ocidental, a partir do momento em que a ciência ocidental

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moderna enfatiza a observação e hipóteses para se definir fenômenos,

probabilidades e previsões mais do que nas certeza e implicações das verdades. O

legado dessa ciência permanece até os dias atuais com seus critérios morais e

intelectuais combinando valores e normas conflitantes e elevando o ser humano ao

nível de desenvolvimento jurídico que assistimos na atualidade.