24
1 ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS DO DISSÍDIO COLETIVO NA ATUAL JURISPRUDÊNCIA DO TST 1 Mauro Schiavi Dos conflitos coletivos trabalhistas e do interesse coletivo A doutrina costuma classificar os conflitos coletivos em: conflitos jurídicos ou de direito, que não têm por objeto a criação de novas condições de trabalho, apenas de interpretação e aplicação da legislação já existente; e os conflitos de interesse ou econômicos, que visam à criação de novas condições de trabalho. Há ainda os conflitos de greve que são um misto de interesse coletivo e interesse jurídico. A doutrina sempre se esforçou para definir o que seja o interesse coletivo, pois este transcende a esfera individual para atingir um número significativo de pessoas. O Direito do Trabalho, desde o seu surgimento, convive com os interesses coletivos, que tanto podem ser concretos, ou seja, quando há lesão coletiva de um direito já existente, ou quando o interesse se dá em abstrato, visando à criação de novas normas para a categoria. Com efeito, diz o art. 8 o , III, da CF: “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. 1 Palestra apresentada no 49º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho, realizado pela LTr em 24.06.2009.

ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS DO DISSÍDIO COLETIVO … · 3 a existência de um devido processo legal coletivo que disciplina o acesso à jurisdição coletiva, bem como o procedimento

Embed Size (px)

Citation preview

1

ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS DO DISSÍDIO COLETIVO NA ATUAL

JURISPRUDÊNCIA DO TST1

Mauro Schiavi

Dos conflitos coletivos trabalhistas e do interesse coletivo

A doutrina costuma classificar os conflitos coletivos

em: conflitos jurídicos ou de direito, que não têm por objeto a criação de novas

condições de trabalho, apenas de interpretação e aplicação da legislação já

existente; e os conflitos de interesse ou econômicos, que visam à criação de

novas condições de trabalho. Há ainda os conflitos de greve que são um misto de

interesse coletivo e interesse jurídico.

A doutrina sempre se esforçou para definir o que seja

o interesse coletivo, pois este transcende a esfera individual para atingir um

número significativo de pessoas.

O Direito do Trabalho, desde o seu surgimento,

convive com os interesses coletivos, que tanto podem ser concretos, ou seja,

quando há lesão coletiva de um direito já existente, ou quando o interesse se dá

em abstrato, visando à criação de novas normas para a categoria.

Com efeito, diz o art. 8o, III, da CF: “ao sindicato

cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,

inclusive em questões judiciais ou administrativas”.

1 Palestra apresentada no 49º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho, realizado pela LTr em 24.06.2009.

2

Conforme o referido dispositivo constitucional, ao

sindicato cabe a defesa dos direitos individuais e coletivos da categoria. No

aspecto coletivo, a legitimação do sindicato é própria para a defesa da categoria

por mandamento constitucional, podendo defender os interesses concretos e

abstratos da categoria. Para a defesa de direitos individuais homogêneos, o

sindicato o faz na qualidade de substituto processual, ou seja: defende em nome

próprio direito alheio (art. 6o, do CPC), sendo, atualmente, o entendimento do

Supremo Tribunal Federal que a legitimidade do sindicato para a defesa dos

direitos individuais homogêneos da categoria é ampla.

O art. 81, da Lei n. 8.078/90, define, por meio de

interpretação autêntica, os interesses transindividuais, dos quais o interesse

coletivo é uma das suas espécies.

Com efeito, aduz o referido dispositivo legal:

A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e

das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (...) II –

interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os

transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou

classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação

jurídica base.

Diante do referido dispositivo legal, pensamos ser

interesse coletivo para fins trabalhistas: o que transcende o aspecto individual

para irradiar efeitos sobre um grupo ou categoria de pessoas, sendo uma espécie

de soma de direitos individuais, mas também um direito próprio do grupo, cujos

titulares são indeterminados, mas que podem ser determinados, ligados entre si

ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. Em razão disso, no

Direito do Trabalho, cada categoria pode defender o próprio interesse e também,

por meio de negociação coletiva, criar normas a viger no âmbito da categoria.

Atualmente, há grande onda de impulso das ações

coletivas tanto na doutrina como na jurisprudência, a ponto da doutrina defender

3

a existência de um devido processo legal coletivo que disciplina o acesso à

jurisdição coletiva, bem como o procedimento das ações coletivas no âmbito do

judiciário. Esse devido processo legal coletivo é decorrência do próprio princípio

da inafastabilidade da jurisdição previsto no artigo 5º, XXXV, da CF.

Do dissídio coletivo — conceito e espécies

O dissídio coletivo, conforme previsto na

Consolidação das Leis do Trabalho, é uma ação de rito especial, proposta perante

a Justiça do Trabalho, tendo por objetivo solucionar o conflito coletivo de

trabalho.

Se o conflito for econômico ou de interesse, o dissídio

coletivo terá por objeto criar novos direitos no âmbito das categorias profissional

e econômica, exercendo a Justiça do Trabalho o chamado poder normativo.

Caso o conflito for jurídico ou de interpretação, o

objeto do dissídio será apenas declarar o alcance de determinado dispositivo

legal, convencional ou regulamentar no âmbito das categorias profissional e

econômica. Nesta modalidade, a Justiça do Trabalho não exercerá o poder

normativo.

Na greve, o dissídio coletivo (art. 8o, da Lei n.

7.783/89) tem natureza híbrida, pois, num primeiro plano, a Justiça do Trabalho

irá dirimir a controvérsia jurídica, declarando ou não a greve abusiva e, num

segundo plano, irá apreciar as cláusulas econômicas, exercendo o poder

normativo (dissídio de natureza econômica).

Segundo a doutrina, os dissídios coletivos de natureza

econômica, podem ser: a) originários: quando se buscam normas para a

categoria ainda não existentes (art. 867, a, da CLT); b) de revisão: buscam

alterar cláusulas fixadas na sentença normativa já fixadas pelo judiciário na

4

sentença normativa (arts. 873 a 875, da CLT); c) de extensão: que têm por

objeto estender as cláusulas fixadas na sentença normativa para toda a categoria

(arts. 868 a 871, da CLT).

O Tribunal Superior do Trabalho dispõe a respeito no

artigo 220 do seu Regimento Interno, “in verbis”:

Os dissídios coletivos podem ser: I - de natureza

econômica, para a instituição de normas e condições de trabalho; II - de

natureza jurídica, para interpretação de cláusulas de sentenças normativas, de

instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, de

disposições legais particulares de categoria profissional ou econômica e de atos

normativos; III - originários, quando inexistentes ou em vigor normas e

condições especiais de trabalho, decretadas em sentença normativa; IV - de

revisão, quando destinados a reavaliar normas e condições coletivas de trabalho

preexistentes, que se hajam tornado injustas ou ineficazes pela modificação das

circunstâncias que as ditaram; e V - de declaração sobre a paralisação do

trabalho decorrente de greve.

Do poder normativo da Justiça do Trabalho brasileira

O poder normativo constitui uma intervenção do

Estado nas relações de trabalho e máxime no conflito coletivo para solucioná-lo,

substituindo a vontade das partes, e submetendo-as, coativamente, à decisão

judicial.

Trata-se de uma competência anômala conferida à

Justiça do Trabalho para, uma vez solucionando o conflito de interesse, criar

normas que irão regular as relações entre as categorias profissional e econômica.

Não se trata apenas de aplicar o direito pré-existente, mas de criar, dentro de

determinados parâmetros, normas jurídicas. Por isso, se diz que o poder

normativo da Justiça do Trabalho atua no vazio da lei, ou seja: quando não há lei

5

dispondo sobre a questão. Em razão disso, a Justiça do Trabalho detém a

competência constitucional para criar normas por meio da chamada sentença

normativa.

Há argumentos favoráveis e desfavoráveis ao poder

normativo da Justiça do Trabalho brasileira.

Dentre os argumentos favoráveis ao poder normativo,

podemos apontar: a) acesso à Justiça do Trabalho; b) garantia de efetividade

dos direitos trabalhistas; c) garantia de equilíbrio na solução do conflito

coletivo, máxime quando uma das categorias é fraca; d) tradição dos países de

Terceiro Mundo em solucionar o conflito por meio do Poder Judiciário; e) não

impede que trabalhadores e empregadores criem consciência de classe e

regulem seus próprios interesses; f) redução da litigiosidade e pacificação

social; g) sindicalização por categoria e unicidade sindical; h) fragilidade do

movimento sindical brasileiro; i) tendência universal do acesso à Justiça para a

defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Dentre os argumentos desfavoráveis à existência do

Poder Normativo, destacamos: a) interferência indevida do Poder Judiciário na

atividade legislativa; b) morosidade do judiciário trabalhista; c) falta de

efetividade da sentença normativa, pois muitas vezes divorciada da realidade;d)

despreparo técnico dos juízes em conhecer efetivamente o conflito coletivo e a

realidade da categoria; e) engessamento da negociação coletiva; f)

acomodação das categorias profissional e econômica;

Não temos dúvidas de que a melhor solução do

conflito coletivo se dá por meio da negociação coletiva, máxime quando há

equilíbrio entre as categorias profissionais e econômicas.

Aliás, bem antes da EC 45, a jurisprudência do TST

só vinha admitindo o dissídio coletivo de natureza econômica, quando o

sindicato suscitante comprovasse que esgotou a possibilidade da negociação

coletiva (Instrução Normativa n. 4/93 do TST – hoje cancelada).

6

Nesse sentido é o artigo 219 do Regimento Interno do

TST: Frustrada, total ou parcialmente, a autocomposição dos interesses coletivos em

negociação promovida diretamente pelos interessados ou mediante intermediação

administrativa do órgão competente do Ministério do Trabalho, poderá ser ajuizada a

ação de dissídio coletivo. § 1.º Na impossibilidade real de encerramento da

negociação coletiva em curso antes do termo final a que se refere o art. 616, § 3.º, da

CLT, a entidade interessada poderá formular protesto judicial em petição escrita,

dirigida ao Presidente do Tribunal, a fim de preservar a data-base da categoria. § 2.º

Deferida a medida prevista no item anterior, a representação coletiva será ajuizada no

prazo máximo de trinta dias, contados da intimação, sob pena de perda da eficácia do

protesto.

Não obstante, o nosso sistema sindical apresenta

alguns entraves para que a negociação coletiva seja efetiva como a unicidade

sindical, negociação por categoria, participação obrigatória dos sindicatos na

negociação coletiva, falta de tradição na utilização da arbitragem como meio de

solução dos conflitos e um sindicalismo ainda em desenvolvimento, faltando

consciência e informação da classe trabalhadora.

Em que pesem os ponderáveis argumentos em sentido

contrário, embora possa ser restringido, o poder normativo ainda se faz

necessário, como o último subterfúgio de garantia do equilíbrio na solução justa

do conflito coletivo. Vale lembrar que a solução judicial do conflito coletivo

pela Justiça do Trabalho é uma faculdade das partes e, embora o instituto tenha

origem fascista, ele deve ser interpretado segundo o atual estágio que vive o

direito do trabalho. Cumpre lembrar que a lei, uma vez editada, se desvincula do

seu criador para adquirir vida própria.

A questão do comum acordo para ajuizar o dissídio coletivo de natureza

econômica

Dispõe o parágrafo 2º do artigo 114, da Constituição

Federal:

7

Recusando-se qualquer das partes à negociação

coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar

dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir

o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho,

bem como as convencionadas anteriormente.

À primeira vista parece causar espécie a redação do §

2o do art. 114, pois o dissídio pressupõe lide, que é o conflito de interesses

qualificado por uma pretensão resistida. Como pode haver comum acordo para

ajuizamento de dissídio, se este pressupõe o dissenso entre as partes?

Alguns intérpretes têm considerado que a expressão

ajuizar de comum acordo não produz nenhuma alteração, pois o dissídio coletivo

pressupõe conflito. Além disso, argumentam que a exigibilidade de consenso

para ingresso do dissídio coletivo de natureza econômica fere um direito maior

que é o do acesso à Justiça do Trabalho, previsto no art. 5o, XXXV, da CF.

Portanto, nesta linha de argumentação é inconstitucional a exigência do comum

acordo para ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. Ou seja,

trata-se de uma emenda constitucional inconstitucional. De outro lado, ainda é

possível se sustentar que a necessidade do comum acordo para instaurar o

dissídio coletivo de natureza econômica provoca litigiosidade contida,

enfraquece os direitos trabalhistas e não propicia a melhoria da condição social

do trabalhador (artigo 7º, caput, da CF).

Nesse sentido a seguinte ementa:

“Dissídio Coletivo. Ajuizamento de comum acordo.

Ajuizamento unilateral. Possibilidade. CF. Art. 8o, III x EC. 45/2004, Art. 114, §

2o. Compreensão. Possível o ajuizamento unilateral do dissídio coletivo porque

foi mantido mais que o poder normativo, ou seja, o inciso III do art. 8o da

Constituição, quer dizer, a defesa pelo sindicato de interesses — e não de direitos

— coletivos — não meramente individuais — em questões judiciais. Trocando

em miúdos, dissídio coletivo de iniciativa do sindicato para a defesa das

8

reivindicações da coletividade representada. Se o adversário recusa a arbitragem

privada e também a jurisdicional, o conflito se mantém e os interesses dos

trabalhadores, de melhores condições de salário e de trabalho, com apoio na

ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e social, que tem como

base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça social, são

lesados, sem que se permita o acesso ao Poder Judiciário para defendê-las, como

assegura a Constituição, no inciso XXXV do art. 5o”. (TRT – 2a R. – AC

2005001595 – 21.7.2005 – DCE – SDC – DOE SP – Pj – 9.8.2005 – Relator José

Carlos da Silva Arouca).

Em que pese a importância dos argumentos acima

expendidos, no nosso sentir, o parágrafo 2o do art. 114, da CF não atrita com o

princípio da inafastabilidade da jurisdição previsto no art. 5o, XXXV, da CF, que

é dirigido à lesão do direito já existente. O dissídio dissídio coletivo de natureza

econômica tem natureza dispositiva (ou constitutiva para alguns), já que visa à

criação de norma aplicável no âmbito da categoria e não de aplicação do direito

vigente a uma lesão de direito. Além disso, se trata de competência atribuída à

Justiça do Trabalho, por exceção, para criar normas jurídicas no âmbito das

categorias profissional e econômica, no chamado vazio da lei e solucionar o

conflito coletivo de natureza econômica, quando fracassarem as tentativas de

negociação direta e arbitragem voluntária.

Nesse sentido é o Enunciado 35, da 1ª Jornada de

Direito Material e Processual do Trabalho realizada no Tribunal Superior do

Trabalho “in verbis”:

DISSÍDIO COLETIVO. COMUM ACORDO.

CONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE AO

ART. 114, § 2º, DA CRFB. Dadas as características das quais se reveste a

negociação coletiva, não fere o princípio do acesso à Justiça o pré-requisito do

comum acordo (§ 2º, do art. 114, da CRFB) previsto como necessário para a

instauração da instância em dissídio coletivo, tendo em vista que a exigência

visa a fomentar o desenvolvimento da atividade sindical, possibilitando que os

9

entes sindicais ou a empresa decidam sobre a melhor forma de solução dos

conflitos.

Nesse sentido o parecer do Procurador Geral da

República na ADI n. 3432-4/DF, vazado nos seguintes argumentos:

Ação direta de inconstitucionalidade em face do

parágrafo 2º do artigo 114 da Constituição, com a redação dada pelo art. 1º da

Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004. O poder normativo da

Justiça do Trabalho, por não ser atividade substancialmente jurisdicional, não

está abrangido pelo âmbito normativo do art. 5º, XXXV, da Constituição da

República. Assim, sendo, sua restrição pode ser levada a efeito por meio de

reforma constitucional, sem que seja violada a cláusula pétrea que estabelece o

princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (In: Bezerra Leite. Carlos

Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho. 7ª ed. p. 976).

Há entendimentos, na doutrina e jurisprudência, de

que a expressão comum acordo significa um pressuposto processual. Por isso ele

deverá ser prévio, vale dizer: obtido quando do ajuizamento do dissídio coletivo,

como sendo um pressuposto processual. Em sendo um pressuposto processual, o

requisito do “comum acordo” deve estar presente já no ingresso do dissídio, sob

conseqüência de nulidade do processo, uma vez que os pressupostos processuais

são requisitos de existência, regularidade de desenvolvimento da relação jurídica

processual.

Conforme Fredie Didier Júnior:

“Pressuposto é aquilo que precede o ato e se coloca

como elemento indispensável à sua existência jurídica; requisito é tudo quanto

integra a estrutura do ato e diz respeito à sua validade (...) Assim, é mais técnico

falar em requisitos de validade, em vez de ‘pressupostos de validade’.

‘Pressupostos processuais’ é denominação que se deveria reservar apenas ao

pressupostos de existência. Sucede que ‘pressupostos processuais’ é expressão

consagrada na doutrina, na lei (vide o inciso IV do art. 267 do CPC) e na

jurisprudência. É possível, assim, falar em ‘pressupostos processuais’ lato sensu,

10

como locução que engloba tanto os requisitos de validade como os pressupostos

processuais stricto sensu (somente aqueles concernentes à existência do

processo)” (Pressupostos Processuais e condições da ação: juízo de

admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 105-106).

Os pressupostos processuais são requisitos de

existência e validade da relação jurídica processual. Enquanto as condições da

ação são requisitos para viabilidade do julgamento de mérito, os pressupostos

processuais estão atrelados à validade da relação jurídica processual. Por isso, a

avaliação dos pressupostos processuais deve anteceder às condições da ação.

Dispõe o art. 267, IV do CPC:

“Extingue-se o processo, sem resolução do mérito:

(...) IV – quando se verificar a ausência de

pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo”.

O Tribunal Superior do Trabalho firmou

jurisprudência nesse sentido, entretanto, não tem exigido que o requisito deva ser

preenchido quando do ingresso da ação.

Nesse sentido, destacam-se as seguintes ementas:

Dissídio coletivo – Falta de comum acordo. Em que

pesem as posições contrárias em defesa do princípio da inafastabilidade da

jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, da CRFB), não se pode desconsiderar que a

Emenda nº 45/04 impôs a observância de comum acordo para o ajuizamento de

dissídio coletivo. Por conseguinte, o não-cumprimento dessa exigência impõe a

extinção do processo sem julgamento do mérito por ausência de pressuposto

válido e regular do feito. (TRT 12ª R – Seção Especializada 1 – Rel. Juiz

Garibaldi T. P. Ferreira – Doc. nº 1068010 em 07.01.09 – DC nº

588/2007.000.12.00-0) (RDT nº 03 - março de 2009).

DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA

ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO. PRESSUPOSTO

PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO. Conforme a jurisprudência

firmada pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior

do Trabalho, a partir da exigência trazida pela Emenda Constitucional nº 45/05

11

ao art. 114, § 2º, da Constituição Federal, o comum acordo constitui pressuposto

processual para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. No

caso concreto, verifica-se que o não-preenchimento desse requisito, ora renovado

em preliminar, foi expressamente indicado por alguns dos suscitados desde a

contestação, o que implica óbice ao chamamento desta Justiça Especializada para

exercício de seu Poder Normativo. Assim, reformando a decisão do Tribunal

Regional que rejeitou a preliminar de ausência de comum acordo, em relação aos

suscitados que renovaram a arguição, julga-se extinto o processo, sem resolução

de mérito, a teor do art. 267, IV, do CPC, ressalvadas as situações fáticas já

constituídas, nos termos do art. 6º, § 3º, da Lei nº 4.725/65. Recursos ordinários

aos quais se dá provimento. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO.

INOVAÇÃO RECURSAL. CONCORDÂNCIA TÁCITA. Ao interpretar o

art. 114, § 2º, da Constituição da República, esta Corte Superior tem admitido a

hipótese de concordância tácita com o ajuizamento do dissídio coletivo,

consubstanciada na inexistência de oposição expressa do suscitado à instauração

da instância no momento oportuno, e a qual não se desconstitui mediante a

arguição tardia e inovatória em sede de recurso ordinário. LEGITIMIDADE

PASSIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. Em face da Lei nº 7.410/85 e da

Norma Regulamentar nº 27 do Ministério do Trabalho e Emprego, os técnicos de

segurança do trabalho constituem categoria profissional diferenciada, na forma

do art. 511, § 3º, da CLT, o que lhes permite ajuizar dissídio coletivo econômico,

a fim de serem fixadas condições de trabalho específicas, a despeito da

diversidade das atividades econômicas desenvolvidas pelas empregadoras, de

forma que a legitimidade passiva não se sujeita à correspondência entre as

categorias econômica e profissional. Recursos ordinários conhecidos e

parcialmente providos. (TST - Processo: RODC - 20244/2007-000-02-00.2

Data de Julgamento: 11/05/2009, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa,

Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Divulgação: DEJT

29/05/2009.

RECURSOS ORDINÁRIOS. DISSÍDIO

COLETIVO. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO. ART. 114, § 2º, DA

12

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004.

EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. A

discordância dos Suscitados com o ajuizamento do dissídio coletivo,

oportunamente manifestada em contestação, determina o decreto de extinção do

processo sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto processual:

comum acordo previsto no art. 114, § 2º, da Constituição Federal, com a redação

conferida pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Inconstitucionalidade dessa

exigência, ante o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que não se

verifica. Precedentes desta Corte. Recursos ordinários aos quais se dá

provimento. (TST Processo: RODC - 20315/2007-000-02-00.7 Data de

Julgamento: 13/04/2009, Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, Seção

Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Divulgação: DEJT 30/04/2009.

RECURSO ORDINÁRIO. FALTA DE COMUM

ACORDO. ART. 114, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA

CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. Hipótese em que se configura a falta do

comum acordo exigido no art. 114, § 2º, da Constituição Federal, com a redação

conferida pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Expressa e oportuna

discordância dos suscitados com a instauração do dissídio coletivo. Dissídio

coletivo extinto, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC.

Recurso ordinário a que se dá provimento (TST - Processo: RODC - 2521/2007-

000-04-00.4 Data de Julgamento: 13/04/2009, Relatora Ministra: Kátia

Magalhães Arruda, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de

Divulgação: DEJT 24/04/2009.

Outros sustentam que o Poder Normativo da Justiça

do Trabalho após a EC 45/04, se transformou em arbitragem judicial. Desse

modo, a expressão “comum acordo” equivaleria a uma cláusula compromissória

ou ao compromisso arbitral, previstos na Lei n. 9.307/1996.

Assim, não seria mais o dissídio coletivo um processo

propriamente dito e sim uma arbitragem pública. Portanto, praticamente estariam

revogados os arts. 856 a 875, da CLT que disciplinam o procedimento do dissídio

coletivo.

13

Nesse sentido é a posição abalizada de Pedro Carlos

Sampaio Garcia:

“Com a nova redação do art. 114, § 2o, da

Constituição Federal, tudo mudou. O texto é claro e não permite dúvidas. Agora

é facultado às partes, de comum acordo, suscitar o dissídio coletivo. É facultado.

Suscita de comum acordo se quiser. Se não quiser, não suscita e aí não há

dissídio coletivo. Nenhuma outra alternativa se colocou no texto constitucional.

Somente esta existe. Diante do novo sistema estabelecido em nossa Constituição,

a parte apenas se submete à sentença normativa voluntariamente. Não sendo

assim, não está a parte obrigada a participar de dissídio coletivo e a se submeter à

decisão normativa ali proferida. Não há mais imposição obrigatória de sentença

normativa. Portanto, não há mais poder (...). A atuação da Justiça do Trabalho

nos dissídios coletivos passa a ter a natureza de uma arbitragem pública. As

partes escolhendo o árbitro, concordam em se submeter à decisão por ele

proferida” (O fim do Poder Normativo. In: Justiça do Trabalho: competência

ampliada. São Paulo: LTr, 2005, p. 391).

No nosso sentir, o poder normativo não fora extinto,

pois se assim quisesse o legislador ele o teria feito expressamente. Além disso, o

dissídio coletivo é um processo judicial, disciplinado pela CLT, com os institutos

próprios da jurisdição como a petição inicial, contestação, provas, sentença,

recursos e execução. Inegavelmente, houve uma restrição do poder normativo ou,

melhor dizendo, ao acesso a ele.

A EC n. 45 visou a restringir o acesso à Justiça do

Trabalho para resolução dos conflitos coletivos de interesse, prestigiando a

autocomposição.

Interpretando-se literalmente o § 2o, do art. 114, da

CF nos parece que não há dúvidas de que o “comum acordo” tem que ser prévio,

pois a lei fala em ajuizar, de comum acordo.

14

Não obstante, a lei não pode ser interpretada de forma

literal2, pois este método de interpretação é o primeiro recurso de que se vale o

intérprete, não podendo ser descartados os demais meios de interpretação,

principalmente, os sistemático e teleológico.

No nosso sentir, o comum acordo não é um

pressuposto processual e sim uma condição da ação, ou melhor dizendo, um

óbice à apreciação da pretensão coletiva trazida em juízo. Por isso não se trata de

um requisito de validade da relação jurídica processual, mas uma condição prévia

para a apreciação da pretensão.

Segundo Liebman, se a ação se refere a uma situação

determinada e individualizada, deve o direito de agir estar condicionado a alguns

requisitos que precisam ser examinados, como preliminares do julgamento da

pretensão. Para Chiovenda, as condições da ação são necessárias para se obter

um pronunciamento favorável.

Sob outro enfoque, o “comum acordo” guarda

semelhanças com o compromisso arbitral e, pelo art. 301, § 4o do CPC, o Juiz

não pode conhecê-lo de ofício. Desse modo, a ausência do comum acordo deve

ser invocada em defesa pelo suscitado e não conhecida de ofício pelo Tribunal.

Dispõe o artigo 301, § 4º, do CPC:

Com exceção do compromisso arbitral, o juiz

conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo.

Como destaca Fredie Didier Júnior: “o compromisso

arbitral, embora seja exceção (matéria que o magistrado pode conhecer ex

officio), deve ser alegado na contestação e não por exceção instrumental. O

silêncio do demandado quanto ao compromisso não gera qualquer nulidade”

(Pressupostos Processuais e Condições da Ação: O juízo de admissibilidade do

processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 341).

2 Dizia o jurista Alípio Silveira que interpretação literal é para leigos.

15

Assim, não há necessidade do comum acordo ser

prévio ao ajuizamento do dissídio, podendo tal condição da ação ser preenchida

no curso do processo, inclusive de forma tácita, pela não oposição do suscitado.

O Tribunal não pode declarar de ofício a falta do comum acordo, devendo este

ser invocado em defesa pelo próprio suscitado, sob conseqüência de preclusão

Nesse sentido acórdão do próprio TST:

DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA

ECONÔMICA. AJUIZAMENTO. COMUM ACORDO. NOVA REDAÇÃO

DO § 2º DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO ATUAL APÓS A

PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004.

MANIFESTAÇÃO APÓS A APRESENTAÇÃO DA DEFESA.

PRECLUSÃO. Ressalvado o entendimento pessoal deste Relator, a Seção

Especializada em Dissídios Coletivos deste Tribunal Superior do Trabalho

firmou jurisprudência no sentido de que a nova redação do § 2º do artigo 114 da

Carta Política do país estabeleceu o pressuposto processual intransponível do

mútuo consenso dos interessados para o ajuizamento do dissídio coletivo de

natureza econômica. Entretanto, deve haver manifestação expressa dissentindo

da instauração da instância até o prazo para a apresentação da defesa. Não

havendo, surge a preclusão, entendendo-se que houve a concordância tácita ao

ajuizamento do dissídio coletivo. Na hipótese dos autos, um dos suscitados

(embora não os demais) não dissentiu expressamente do ajuizamento da instância

coletiva no momento oportuno, consoante os termos da peça de defesa

apresentada às fls. 469-472. Não cabe agora, em sede de recurso ordinário,

apresentar tal manifestação. A questão está preclusa. Houve o consentimento

tácito para a instauração da instância coletiva, especificamente quanto ao

recorrente. Rejeita-se a preliminar quanto ao sindicato empresarial que incidiu

em preclusão, extinguindo-se o processo, sem resolução do mérito, no tocante

aos recorrentes restantes, que apresentaram tempestivamente sua irresignação

(TST - Processo: RODC - 1793/2006-000-04-00.6 Data de Julgamento:

16

09/10/2008, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Seção Especializada

em Dissídios Coletivos, Data de Divulgação: DEJT 24/10/2008).

Limites da competência normativa da Justiça do Trabalho brasileira

Diz o art. 114, § 2o, da CF, em sua redação atual:

“Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é

facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza

econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as

disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as

convencionadas anteriormente”.

De início, constata-se que o Poder Normativo deve

respeitar as disposições legais mínimas, ou seja, os direitos consagrados à classe

trabalhadora tanto na Constituição Federal, como nas leis infraconstitucionais.

De outro lado, segundo a redação do aludido § 2o, o

Poder Normativo não pode contrariar as cláusulas objeto de acordo ou

convenções coletivas que estão em vigor quando do ajuizamento do dissídio

coletivo, bem como as sentenças normativas vigentes à época do dissídio.

Nesse sentido cumpre destacar o Enunciado n. 34 da

1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho do Tribunal Superior do

Trabalho “in verbis”:

DISSÍDIO COLETIVO – CLÁUSULAS PRÉ-

EXISTENTES. O §2o do art. 114 da CF impõe aos Tribunais do Trabalho que,

no julgamento dos dissídios coletivos, respeitem as disposições convencionadas

anteriormente. Idêntico entendimento deve ser aplicado às cláusulas pré-

existentes previstas em sentenças normativas.

O art. 766 da Consolidação das Leis do Trabalho

estipula as balizas do poder normativo da Justiça do Trabalho, determinando que

17

sejam utilizados pelo julgador a razoabilidade e a eqüidade. Aduz o referido

dispositivo: “Nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas

condições que, assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também

justa retribuição às empresas interessadas”.

Quanto ao limite máximo do poder normativo, ou

seja, o seu teto, sempre houve divergências e discussões acaloradas.

O § 2o do art. 114 da Constituição Federal, que

suprimiu a expressão estabelecer normas e condições por decidir o conflito.

Inegavelmente, decidir o conflito econômico é criar

normas e condições de trabalho. Por isso, pensamos que não houve alteração

quanto ao à competência criativa da Justiça do Trabalho. Não obstante,

intérpretes sustentem a tese de que a Justiça do Trabalho a partir do EC 45 não

pode mais estabelecer normas e condições de trabalho, apenas, julgar o conflito

nos limites do pedido.

Mas qual o teto máximo do poder normativo, ou seja,

quais são os limites da atividade criativa do judiciário trabalhista?

O Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da EC n.

45/04, dirimiu a questão, conforme a ementa abaixo transcrita:

“EMENTA “Dissídio coletivo. Recursos

extraordinários providos para excluir as cláusulas 2a (piso correspondente ao

salário mínimo acrescido do percentual) e 24a (estabilidade temporária), por

contrariarem, respectivamente, o inciso IV (parte final) e I do art. 7o da

Constituição, este último juntamente com o art. 10 do ADCT, bem como a

cláusula 29a (aviso prévio de 60 dias), por ser considerada invasiva da reserva

legal específica, instituída no art. 7o, XXI, da Constituição. Recursos igualmente

providos, quanto à cláusula 14a (antecipação para junho, da primeira parcela do

13o salário), por exceder seu conteúdo a competência normativa da Justiça do

Trabalho, cujas decisões a despeito de configurarem fonte do direito objetivo,

revestem o caráter de regras subsidiárias, somente suscetíveis de operar no

18

vazio legislativo, e sujeitas à supremacia da lei formal (art. 114, § 2o, da

Constituição). Recursos de que não se conhece no concernente à cláusula

(reajuste salarial), por ausência e pressupostos de admissibilidade, e, ainda, no

que toca às cláusulas 52a (multa pela falta de pagamento de dia de trabalho), 59a

(abrigos para a proteção dos trabalhadores), 61a (fornecimento de listas de

empregados), 63a (fixação de quadro de aviso), visto não contrariarem os

dispositivos constitucionais contra elas invocados, especialmente o § 2o do art.

114” (STF, Reclamação n. 197.911-9. Rel. Min. Octávio Gallotti, DJU 7.11.97)

É bem verdade que a referida decisão do Supremo

Tribunal Federal, seguida por outros acórdãos na mesma linha, esvaziaram em

muito os limites do poder normativo, uma vez que, por ser este uma verdadeira

atividade legislativa, deve atuar no chamado branco da lei, não podendo invadir

matérias reguladas pela lei, nem regulamentar matérias que a Constituição

reservou para a lei ordinária. Também, à luz do art. 766, da CLT, o poder

normativo deve estar balizado pelo justo salário e também a justa retribuição da

empresa. Desse modo, na sentença normativa, o Tribunal se valerá de regras de

equidade e razoabilidade, para encontrar um equilíbrio entre a pretensão do

trabalhador (classe trabalhadora) e as possibilidades do capital (empregador).

A Súmula 190 do TST também traça diretrizes

máximas para o Poder Normativo, com a seguinte redação:

PODER NORMATIVO DO TST. CONDIÇÕES DE

TRABALHO. INCONSTITUCIONALIDADE. DECISÕES CONTRÁRIAS AO

STF.

Ao julgar ou homologar ação coletiva ou acordo nela havido, o Tribunal

Superior do Trabalho exerce o poder normativo constitucional, não podendo

criar ou homologar condições de trabalho que o Supremo Tribunal Federal

julgue iterativamente inconstitucionais.

Como resolver o impasse se o sindicato forte se recusa a negociar?

19

Mostra-se polêmica a seguinte questão: se um dos

sindicatos recusar-se à negociação, à arbitragem e ao dissídio, como resolver o

impasse?

Partindo-se da premissa da necessidade do comum

acordo, se houver discordância do suscitado, o Tribunal não poderá julgar o

dissídio coletivo de natureza econômica. O ordenamento jurídico trabalhista não

prevê mecanismos de solução deste impasse. O conflito prolongado pode gerar

litigiosidade contida e desembocar em greve sem precedentes.

Na Espanha e em Portugal, quando a greve perdura

por lapso de tempo considerável, sem consenso, há a obrigatoriedade de

instauração de arbitragem compulsória. Esta solução é possível de ser aplicada

no Direito Brasileiro, embora não haja tradição, pois o direito comparado é fonte

do direito material e processual do trabalho, conforme disciplina no artigo 8º, da

CLT, “in verbis”:

As autoridades administrativas e a Justiça do

Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o

caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e

normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de

acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira

que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse

público.

Não obstante, pensamos que nesta hipótese cabe o

suprimento de outorga judicial para instauração do dissídio coletivo de natureza

econômica. Assim, como as partes podem ingressar em juízo para prosseguir a

negociação direta com a empresa (art. 617 do CPC), o Judiciário, analisando o

caso concreto, a razoabilidade, justiça e eqüidade, pode deferir o suprimento de

outorga, nos termos do art. 461, do CPC.

Nesse sentido é a visão de Enoque Ribeiro dos

Santos:

20

“Se o sindicato profissional for fraco e não tiver

densidade suficiente para impor pressão por meio da greve, poderá instaurar o

dissídio coletivo de natureza econômica no Tribunal, suscitando, de foram

incidental, o suprimento judicial do ‘comum acordo’, por meio de tutela

específica, com fulcro no art. 461 do Código de Processo Civil, que trata das

obrigações de fazer, bem como com fundamento em imposição de uma condição

meramente potestativa do empregador, na denegação do aludido comum acordo.

Restaria, dessa forma, superado o óbice do ‘comum acordo’ para que o Tribunal

conhecesse do dissídio coletivo de natureza econômica” (Dissídio Coletivo e

emenda constitucional n. 45/04. Considerações sobre as teses jurídicas da

exigência do comum acordo. In: Revista do Advogado, Ano XXVI, Julho de

2006, n. 86, São Paulo, AASP, p. 22).

Da sentença normativa, recursos e coisa julgada no dissídio coletivo

Tem o nome de sentença normativa, a decisão dada

no dissídio coletivo, acolhendo ou rejeitando as cláusulas postuladas no dissídio

coletivo de natureza econômica ou interpretando e aplicando o direito já existente

no dissídio coletivo de natureza jurídica.

Diverge a doutrina sobre a natureza jurídica da

sentença normativa. Quanto ao dissídio coletivo de natureza jurídica, não há

controvérsia sobre a natureza declaratória da sentença normativa. Quanto à

sentença que aprecia o dissídio de natureza econômica, há divergências na

doutrina. Para alguns ela é constitutiva por criar direito novo, para outros é

dispositiva, pois a Justiça do Trabalho criará, no branco da lei, direito novo,

sendo certo que sentença constitutiva apenas cria uma relação jurídica e não

direito ainda não existente.

Mesmo apreciando cláusulas econômicas, a

jurisprudência, acertadamente, tem exigido que a sentença seja fundamentada,

21

atendendo ao mandamento constitucional previsto no art. 93, IX, da Constituição

Federal.

É da essência da sentença normativa ser provisória e

precária, pois, conforme reiteradamente vem decidindo o STF, o poder normativo

da Justiça do Trabalho atua no branco da lei. Porém, editada a lei, norma de

caráter imperativo, esta se sobrepõe a todas as demais fontes secundárias do

direito, como a norma coletiva e a sentença normativa.

Mostra-se discutível a seguinte questão: A sentença

normativa faz coisa julgada material?

Respondendo afirmativamente a esta questão, temos a

respeitável doutrina de Carlos Henrique Bezerra Leite:

“Para nós, a sentença normativa faz coisa julgada

material (e, logicamente, formal), pois o art. 2º, I, c da Lei 7.701/88 dispõe

expressamente que compete, originariamente, à sessão especializada em dissídios

coletivos ‘julgar as ações rescisórias propostas contra sua própria sentenças

normativas’, cabendo-lhe, nos termos do inciso II, alínea b, do referido artigo,

julgar em última instância, ‘os recursos ordinários interpostos contra as decisões

proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho em ações rescisórias e

mandados de segurança pertinentes a dissídios coletivos’. Ora, se cabe ação

rescisórias contra sentença normativa, então ela está apta a produzir coisa julgada

material (CPC, art. 269)” (Curso de Direito Processual do Trabalho. 6ª Edição. São Paulo:

LTr, 2008, p. 1091).

A doutrina majoritária à qual nos filiamos, tem se

posicionado no sentido de que a sentença normativa não faz coisa julgada

material, somente formal, referente ao esgotamento das vias recursais existentes.

Como bem adverte Ives Gandra Martins Filho: “a coisa julgada material, no caso

da sentença normativa, fica jungida às vantagens já recebidas pelo empregado

durante sua vigência, não, porém em relação às parcelas que poderia vir a

perceber durante o prazo total de sua vigência. O art. 6o, § 3o, da Lei n. 4.725/65,

22

vai ainda mais longe em relação a tais pagamentos já efetuados pelo empregador

com base em sentença normativa regional, quando impede a repetição do

indébito se houver reforma da decisão pelo TST” (Processo Coletivo do

Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 211).

Nesse sentido dispõe a Súmula n. 397, do C. TST, in

verbis:

“AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, IV, DO CPC.

AÇÃO DE CUMPRIMENTO. OFENSA À COISA JULGADA EMANADA DE

SENTENÇA NORMATIVA MODIFICADA EM GRAU DE RECURSO.

INVIABILIDADE. CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA.

(conversão da Orientação Jurisprudencial n. 116 da SDI-2) Não procede ação

rescisória calcada em ofensa à coisa julgada perpetrada por decisão proferida em

ação de cumprimento, em face de a sentença normativa, na qual se louvava, ter

sido modificada em grau de recurso, porque em dissídio coletivo somente se

consubstancia coisa julgada formal. Assim, os meios processuais aptos a

atacarem a execução da cláusula reformada são a exceção de préexecutividade e

o mandado de segurança, no caso de descumprimento do art. 572 do CPC”. (ex-

OJ n. 116 – DJ 11.8.03) (Res. n. 137/2005 – DJ 22.8.2005).

Por ter a sentença normativa vigência temporária,

suas cláusulas, conforme entende o Tribunal Superior do Trabalho, não integram

os contratos de trabalho, conforme dispõe a Súmula n. 277 do C. TST, in verbis:

SENTENÇA NORMATIVA. VIGÊNCIA.

REPERCUSSÃO NOS CONTRATOS DE TRABALHO (mantida) - Res.

121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no

prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos.

Da decisão proferida em dissídio coletivo da

competência dos TRTS, caberá o recurso ordinário para o TST (art. 895, b, da

CLT), que não terá efeito suspensivo, apenas devolutivo. Entretanto, o Presidente

23

do Tribunal Superior do Trabalho poderá, desde que relevante o fundamento,

atribuir efeito suspensivo ao recurso ordinário, nos termos do art. 14, da Lei n.

10.192/01.

Dispõe o artigo 14, da Lei 10.192/01:

“O recurso interposto de decisão normativa da Justiça

do Trabalho terá efeito suspensivo, na medida e extensão conferidas em

despacho do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho”.

Mesmo diante do que dispõe o referido dispositivo

legal, pensamos que o recurso ordinário terá efeito apenas devolutivo. O efeito

suspensivo depende de manifestação expressa do Presidente do TST.

Pensa de forma diversa Carlos Henrique Bezerra leite:

“(...)o recurso ordinário interposto da sentença normativa terá sempre efeito

suspensivo, cabendo ao Presidente do Tribunal ad quem (TST) em despacho

(rectius, em decisão fundamentada), estabelecer, discricionariamente, as

conseqüência concretas do feito suspensivo, como, por exemplo, indicas as

cláusulas que podem produzir efeito de imediato e as que deverão aguardar o

trânsito em julgado da decisão a ser proferida pela SDC” (Curso de Direito

processual do Trabalho. 7ª Edição. São Paulo: LTr, 2009, p. 984).

Se o dissídio for de competência originária do TST, o

recurso cabível é o de embargos para o próprio TST, que recebem o nome de

embargos infringentes, tendo por objeto modificar a decisão proferida pelo TST

em dissídios coletivos não unânimes, conforme o art. 894, I, a, da CLT c/c. art.

2o da Lei n. 7.701/88 que assim dispõe:

“Compete à seção especializada em dissídios

coletivos ou seção normativa: (...) II – em última instância julgar: c) embargos

infringentes interpostos contra decisão não unânime proferida em processo de

dissídio coletivo de sua competência originária, salvo se a decisão atacada estiver

em consonância com precedente jurisprudencial do Tribunal Superior do

Trabalho ou da Súmula de sua jurisprudência predominante”.

Desse modo, os embargos de divergência são cabíveis

para a seção de Dissídios Coletivos do TST, quando a decisão proferida pelo

24

Tribunal Superior do Trabalho em dissídios coletivos de sua competência

originária, ou rever ou estender as sentenças normativas, não unânimes, salvo se

a decisão recorrida estiver em consonância com precedente jurisprudencial do

TST ou Súmula.