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PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO Aspirações de progresso das pessoas no Brasil Empoderando vidas. Fortalecendo nações.

Aspirações de progresso das pessoas no Brasil · vivendo em diferentes momentos do ciclo de vida); gênero (mulheres e homens); etnia e pertencimento a comunidades tradicionais3

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Page 1: Aspirações de progresso das pessoas no Brasil · vivendo em diferentes momentos do ciclo de vida); gênero (mulheres e homens); etnia e pertencimento a comunidades tradicionais3

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO

Aspirações de progressodas pessoas no Brasil Empoderando vidas.

Fortalecendo nações.

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Este trabalho está licenciado sob a Licença Atribuição-NãoComercial 3.0 Brasil Creative Commons. Para visualizar uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/br/ ou mande uma carta para Creative Commons, PO Box 1866, Mountain View, CA 94042, USA.

Page 3: Aspirações de progresso das pessoas no Brasil · vivendo em diferentes momentos do ciclo de vida); gênero (mulheres e homens); etnia e pertencimento a comunidades tradicionais3

Agosto de 2017

Empoderando vidas. Fortalecendo nações.

Aspirações de progressodas pessoas no Brasil

Page 4: Aspirações de progresso das pessoas no Brasil · vivendo em diferentes momentos do ciclo de vida); gênero (mulheres e homens); etnia e pertencimento a comunidades tradicionais3

Os pontos de vista expressos ao longo deste documento não necessariamente refletem a opinião e a posição dos editores.

Aspirações de Progresso das Pessoas no Brasil : 2017. – Brasília : PNUD : 2017. 71 p. : il., color.

ISBN 978-85-88201-48-4

1. Desenvolvimento Humano. 2. Progresso multidimensional. 3. Pobreza. 4. Desigualdades Sociais. 5. Programas Sociais. 6. Preconceito. 7. Grupos Focais. 8. Brasil. I. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Empoderando vidas. Fortalecendo nações.

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Ficha técnica

REALIZAÇÃONiky FabiancicRepresentante Residente do PNUD no Brasil

Didier TrebucqDiretor de País do PNUD no Brasil

SUPERVISÃOMaristela Marques BaioniRepresentante Residente Assistente para Programa do PNUD no Brasil

COORDENAÇÃOAndréa BolzonCoordenadora do Relatório de Desenvolvimento Humano Nacional – PNUD

REDAÇÃOMartina Ahlert

EQUIPE TÉCNICAPNUD – Gabriel Cabral de Miranda Vettorazzo, Jacob Said Netto, Níkolas de Camargo Pirani, Samantha Dotto Salve, Vanessa Gomes ZanellaMDSA (colaboradores em 2015/2016) – André Luis da Silva Nunes, James Ferreira Moura Junior, Danilo Mota Vieira, Rogério Schmidt Campos, Paulo de Martino Januzzi, Paula Montagner, Alexandro Rodrigues Pinto

PARCEIRO INSTITUCIONALAgência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID)

APOIO INSTITUCIONALMinistério do Desenvolvimento Social e Agrário – MDSA

COLABORAÇÃO INSTITUCIONALTETO BrasilEducafroSesi - ParanáNós Podemos – ParáUNFPA

AGRADECIMENTOSAline Oliveira Costa, Aline Tavares, Bianca Fernandes, Cléa Gomes, Frederico Lacerda Couto de Oliveira, George Gray Molina, Javier Abisaab, Jimmy Vasquez, João Luiz Soares Clementino, Júlio Lima, Maira Leão, Marcelle Borges, Maria Lúcia Martins, Maria Teresa Amaral Fontes, Michelle Feitosa Magno Furtado, Midiã Santana, Patrícia Menezes, Pedro Alves Calado, Priscila da Paz Vieira, Rosimeire Barbosa Brito, Sergio Campos, Vera Rodrigues

EDIÇÃO PNUD BRASILProjeto gráfico e ilustração da capa: Rodrigo Martins

Primeira Edição: Agosto de 2017

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Page 7: Aspirações de progresso das pessoas no Brasil · vivendo em diferentes momentos do ciclo de vida); gênero (mulheres e homens); etnia e pertencimento a comunidades tradicionais3

SumárioIntrodução ..............................................................................................................................................

Universo de pesquisa ...........................................................................................................................

Metodologia ...............................................................................................................................................

Progresso multidimensional .............................................................................................Progresso como processo: o que constitui uma vida boa ......................................... Programas sociais ...................................................................................................................................

Ameaças ao progresso e as dificuldades do presente .................................................

Pobreza .......................................................................................................................................................

A pobreza não é homogênea ........................................................................................................

A desigualdade entre ricos e pobres ........................................................................................

O que dificulta o progresso?..............................................................................................

Preconceito .................................................................................................................................................. Humilhação e preconceito ...............................................................................................................

O progresso e os direitos ...................................................................................................................

Perspectivas para o futuro ...................................................................................................

Considerações finais....................................................................................................................

Referências .............................................................................................................................................

79

13

15192327

293639

42425055

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7ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL

Viver aos pouquinhos, correr atrás, ser livre ou estar abandonado foram algumas das maneiras pelas quais mulheres e homens

descreveram seu lugar e sua forma de vida na sociedade brasileira.

São estas considerações – múltiplas, ricas, e por vezes, contraditórias

– que formam esse relatório como um esforço de análise de dados

sobre o progresso multidimensional e a pobreza, assim como seus

desdobramentos, como o preconceito, a garantia de direitos e a fome.

A base dessa análise é uma pesquisa qualitativa, executada por intermédio

de quinze grupos focais realizados em diferentes regiões do páis no

âmbito do Relatório Regional sobre Desenvolvimento Humano para a

América Latina e o Caribe "Progresso Multidimensional: o bem-estar para

além da renda"1, com o intuito de conhecer os sentidos de progresso e

pobreza acionados pelos próprios sujeitos ao falar de situações vividas

cotidianamente. Se, por um lado, estavam presentes compreensões

desses fenômenos em documentos de organismos internacionais, nas

políticas públicas e na produção acadêmica, interessava à pesquisa ouvir

o conhecimento produzido pelas pessoas acerca dessas categorias.

Nas últimas décadas, no Brasil, tem-se falado da pobreza como um fenômeno

multidimensional que não se reduz à ausência de renda (LAVINAS, 2003;

JACCOUD, 2009) e que está relacionado à vulnerabilidade social, ou seja,

com maior exposição aos riscos na manutenção da vida e à exclusão.

Introdução

1 O Relatório em questão conta com análises microeconômicas de 18 países da região e dos fatores que se relacionam com a redução da pobreza e que impedem as pessoas de voltar a cair na pobreza. Foi elaborado pelo Escritório Regional para a América Latina e o Caribe (RBLAC) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e publicado em junho de 2016 (PNUD, 2016).

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Falar de exclusão é tomar um registro mais amplo que o da carência ou do déficit de renda para informar o debate da pobreza. É transitar do universo restrito do não atendimento das necessidades básicas e vitais para o espaço da equidade, da emancipação, do pertencimento (LAVINAS, 2003, p. 27).

Esta discussão, no país, tem correspondência com o cenário internacional, onde as

definições de pobreza têm sido questionadas – tanto no que tange às dimensões

que devem ser consideradas para conceituar o fenômeno, quanto à possibilidade

de criar medidas escalares capazes de dimensionar o mesmo (CRESPO E GUROVITZ,

2002; BARROS, CARVALHO E FRANCO, 2006). Parece consenso, a despeito das opções

teóricas, que, para compreender e medir a pobreza, é necessário considerá-la em

suas múltiplas dimensões, passando pela renda, mas ponderando ainda condições

de habitação, saneamento, saúde, acesso às oportunidades e liberdade (o que foi

expresso, por exemplo, por Sen (2010) na compreensão da pobreza como privação

de capacidades) – perspectiva reafirmada pelas Nações Unidas na década de 1990.

Paralela à compreensão da pobreza como fenômeno multifacetado, no

âmbito internacional tem-se discutido o progresso multidimensional,

conceito utilizado para falar não apenas de um avanço nas áreas econômica e

científica, mas, especialmente, do crescimento do bem-estar das pessoas.

As pessoas pensam sobre o significado do progresso há pelo menos dois milênios. O conceito assumiu direções e formas diversas, com noções ganhando destaque dependendo de regimes políticos, influências culturais e condições ambientais. Em todos os casos, a noção de “progresso” tem sido usada para considerar dimensões que geralmente são ignoradas por definições mais convencionais ou quantitativas do desenvolvimento de um país/região/comunidade, que têm como base o crescimento econômico. O progresso, em outras palavras, nos leva a uma noção ampla de bem estar e qualidade de vida, e a como um país/região/comunidade existe e muda ao longo do tempo (HALL et al, 2010, p.8, tradução nossa).

Segundo Campetti e Alves (2015)2, o contexto do último século, marcado pelas

guerras mundiais, pelo incremento das crises ambientais, além das questões

relacionadas à saúde e à doença, levaram ao questionamento da ideia de progresso

como algo necessariamente positivo e incentivaram uma discussão que vinculasse

o progresso à produção do bem-estar humano. Para o Programa das Nações Unidas 2 Para uma revisão do termo progresso, ver Campetti (2014).

INTRODUÇÃO

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 9

só existe progresso se nada diminua o direito das pessoas ou prejudique a

sustentabilidade ambiental do planeta. Questões como sair da pobreza, enfrentar

vulnerabilidades e construir sustentabilidade são colocadas em pauta.

O objetivo desta análise é dar voz àqueles que vivenciam a pobreza e suas

multiplas facetas; não está em foco avaliar a performance da gestão pública

ou verificar concretamente os fundamentos das narrativas expostas.

Nos grupos focais, os entrevistados foram perguntados sobre suas

concepções de pobreza e progresso. As opiniões e informações trazidas

indicaram múltiplas dimensões desses fenômenos – destacando aspectos

materiais e simbólicos, chamando atenção para o reducionismo de uma

compreensão homogênea de pobreza. Os entrevistados refletiram sobre

a alteridade na sociedade de classes e as características da desigualdade

social no Brasil. Apareceram ainda noções positivas e negativas de progresso

(como o progresso como melhoria de vida ou como causador de impacto

ambiental), surgidas em concepções que consideraram aspectos morais e

experienciais. A diversidade das respostas deixou evidente a importância de

ouvir os sujeitos para dimensionar esses fenômenos (NARAYAN, 2000).

INTRODUÇÃO

Durante o ano de 2015, em diferentes regiões do Brasil, foram realizados

quinze grupos focais. Na escolha do universo ou recorte de pesquisa, foram

contempladas variáveis importantes como faixa etária e geração (pessoas

vivendo em diferentes momentos do ciclo de vida); gênero (mulheres e

homens); etnia e pertencimento a comunidades tradicionais3 (indígenas,

comunidades quilombolas, ribeirinhos), local de moradia (contexto rural e

urbano), assim como a participação em programas sociais. Levar em conta

essas variáveis é fundamental nas pesquisas qualitativas que se pautam

sobre indivíduos enquanto seres sociais, ou seja, enquanto participantes

de grupos ou ocupando determinadas posições (FONSECA, 1999).

Universo de pesquisa

3 De acordo com o Decreto n. 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, são povos e comunidades tradicionais: “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodu-ção cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gera-dos e transmitidos pela tradição” (parágrafo 3º, inciso I). Para uma discussão sociológica sobre o termo, ver Sant’Ana Jr. e Miranda (2013).

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Bahia: grupo formado por nove pessoas, três homens e cinco mulheres, com idades entre 28 e 50 anos. A maioria tem ensino fundamental. Predomina o trabalho esporádico (“bico”) ou sem carteira assinada. Comunidade de pescadores;

Rio de Janeiro: dez jovens (cinco mulheres e cinco homens) moradores de comunidades de baixa renda que possuem a oferta de serviços como água e esgoto. Jovens universitários cotistas ou incluídos em programas de acesso ao ensino superior. Idades entre 19 e 29 anos;

Paraná: grupo de oito pessoas, um homem e sete mulheres. Moradores de um loteamento popular – algumas casas não possuem rede de água, esgoto e eletricidade. A maioria estava sem trabalho remunerado na época da pesquisa ou realizava trabalhos informais. Beneficiários de programas sociais;

Distrito Federal: grupo realizado com sete mulheres, com idades entre 28 e 45 anos. Beneficiárias de programas sociais. A maior parte sem trabalho no momento da pesquisa. Migrantes de diferentes estados brasileiros. No âmbito da escolaridade, predomínio do Ensino Médio;

Rio Grande do Sul: cinco homens e uma mulher, aposentados, pequenos proprietários rurais Descendentes de italianos, alemães e sírio-libaneses. Idades entre 61 e 76 anos. Predomínio do ensino fundamental;

Ceará: seis mulheres, em sua maioria donas de casa e trabalhadoras informais, beneficiárias de programas sociais. Não há saneamento básico na área em que vivem. Possuem ensino fundamental (três) e ensino médio (três);

Pará: lideranças indígenas de diferentes etnias;

Rio Grande do Sul: homens e mulheres da comunidade quilombola de Quilombo dos Alpes, localizada no contexto urbano da capital gaúcha;

Goiás: beneficiários de programas socais;

Ilha de Maré

Rio de Janeiro

Caximba

Cidade Estrutural

Santa Maria do Herval

Redenção

Belém

Porto Alegre

Padre Bernardo

LOCAL E GRUPO

INTRODUÇÃO

O quadro abaixo caracteriza de forma breve cada um dos grupos focais:

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 11

Pará: grupo de dez pessoas, cinco homens e cinco mulheres. Ribeirinhos, com idades entre 31 e 60 anos. Em termos de escolaridade, predomina o ensino fundamental incompleto. Existem casas sem água encanada, rede de esgoto ou eletricidade;

Bahia: moradores da Vila Esperança. Grupo de nove pessoas, dois homens e sete mulheres, com idades entre 28 e 57 anos. Local de moradia sem oferta de saneamento básico. Predomina o trabalho esporádico ou sem carteira assinada;

Rio de Janeiro: quatro mulheres e dois homens, moradores de uma área de ocupação. Migrantes de outros locais. Idades entre 58 e 83 anos, alguns recebem aposentadoria, mas continuam trabalhando com reciclagem de resíduos sólidos. Três nunca estudaram e três possuem ensino fundamental;

Ceará: grupo de nove pessoas (três homens e seis mulheres) da comunidade quilombola do Quilombo da Água Preta, professores e funcionários da escola. Moradores da zona rural, uma área sem água encanada e rede de esgoto. Idades entre 28 e 55 anos;

Distrito Federal: grupo de dois homens e dez mulheres, migrantes de outros estados brasileiros. Idades entre 23 e 76 anos. Pessoas com graus de escolaridade diferentes (do analfabetismo ao ensino superior). Parte significativa afirmou estar desempregada, três participantes eram donas de casa;

Paraná: seis mulheres, entre elas lideranças de bairro, moradoras de um loteamento popular. Idades entre 17 e 53 anos. No momento da pesquisa, a maioria delas (cinco) não exercia atividade remunerada. Predomínio do ensino médio como grau de escolaridade.

Barcarena

Salvador

Jardim Gramacho

Tururu

Paranoá

Araucária

LOCAL E GRUPO

INTRODUÇÃO

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12

Gênero, geração, etnia e raça são considerados marcadores sociais da diferença,

ou seja, variáveis que condicionam como, nas relações sociais, os sujeitos

são percebidos. Gênero remete à compreensão social e cultural acionada

para classificar sujeitos, objetos e comportamentos como vinculados a

homens ou a mulheres (ZAMBRANO E HEILBORN, 2012; SCOTT, 1990; BUTLER,

2003). Geração, por sua vez, remete às identificações, também histórico e

socialmente determinadas, em termos de ciclo de vida (FEIXA E LECCARDI,

2010). Raça aqui não é compreendida em seu sentido biológico, genético

ou hereditário (quando o termo não mais se aplica), mas em seu sentido

sociológico, pois se entende que, do ponto de vista das experiências sociais

vividas pelos sujeitos, faz diferença, no Brasil, ser, por exemplo, branco ou

negro4 (SANTOS, 2012; PINHO e SANSONE, 2008; SEGATO, 2005). Etnia é o

termo utilizados para falar sobre grupos compreendidos como possuindo

uma organização social diferenciada, que se percebem como compartilhando

de uma mesma cultura (GUIMARÃES, 2011; SILVA e SILVA, 2006).

As pessoas que participaram dos grupos focais foram entrevistadas por

pesquisadores do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD) e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

(MDS) através de um roteiro semiestruturado. As falas foram registradas e

posteriormente transcritas, o que permite seu uso literal na produção desse

relatório. O roteiro dos grupos focais se pautava por algumas questões centrais:

Questões centrais dos grupos focais:• Significados e sinônimos de progresso;

• Percepções sobre a passagem do tempo e mudança nas condições

de vida (melhorias identificadas pelos sujeitos ou sentimentos

relacionados à queda no seu bem estar);

• Interpretações sobre pobreza (riqueza e desigualdade);

• Programas sociais;

• Dificuldades no caminho do progresso: o preconceito e a discriminação;

• Planos, aspirações e sonhos para o futuro.

4 Importante destacar que, “Desde meados da década de 1990, o Estado Brasileiro tem promovido políticas públicas voltadas para a questão racial, sobretudo nas áreas de educação e saúde (...) em face do consenso de que o racismo e as desigualdades produzidas por critérios raciais precisam ser enfrentados no Brasil” (SANTOS, 2012, p. 151).

INTRODUÇÃO

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 13

Grupos focais são uma técnica de pesquisa que privilegia o discurso,

a subjetividade e a escuta (MINAYO, 2010; KIND, 2004; TRAD, 2009).

Pequenos grupos são formados por sujeitos que compartilham

determinadas características (como local de moradia, faixa etária,

ocupação ou pertencimento étnico, por exemplo) e, diante de dois

ou mais pesquisadores, são perguntados sobre alguns temas.

Os grupos focais utilizam a interação grupal para produzir dados e insights que seriam dificilmente conseguidos fora do grupo. Os dados obtidos, então, levam em conta o processo do grupo, tomados como maior do que a soma das opiniões, sentimentos e pontos de vista individuais em jogo. A despeito disso, o grupo focal conserva o caráter de técnica de coleta de dados,

adequado, a priori, para investigações qualitativas (KIND, 2004).

A análise dos dados registrados nos grupos focais se pautou em uma

perspectiva hermenêutica e interpretativista, o que quer dizer que foi realizada

com a intenção de perceber como os sujeitos acionavam significados e

forneciam sentido às suas experiências (GEERTZ, 1978; WAGNER, 2010). Nessa

perspectiva, parte-se do pressuposto de que todo relato está ancorado no

contexto em que é produzido e que não deve ser analisado em termos de

verdade/falsidade, mas como conhecimento legítimo sobre o mundo social.

A compreensão dos entrevistados sobre a realização dos grupos focais já se

mostrou reveladora dos sentidos dados ao seu lugar na sociedade (CALÁVIA-

SAEZ, 2013; FONSECA, 1999). A situação de pesquisa foi compreendida

como uma forma de comunicação entre as pessoas e o Estado/organismos

internacionais. Ou seja, para os entrevistados, foi uma oportunidade de fazer

com que seus pontos de vista alcançassem outros ouvintes, capazes de trazer

transformações às suas realidades. Uma pessoa entrevistada na Ilha de Maré, na

Bahia, disse: Por que a gente nunca teve essa oportunidade de chegar assim e ter

Metodologia

INTRODUÇÃO

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14

essa conversa, essa fala e ser gravado por um aparelho pra chegar lá fora botar para

outras pessoas ouvir. Significativa ainda a perspectiva de uma liderança do estado

do Pará, que compreendeu sua presença no grupo focal como parte da luta pela

existência indígena no Brasil, dizendo que esperava que através dessa gravação,

dessa reportagem (...) o governo tome alguma providência quanto ao povo indígena.

Entre a proposta da equipe de pesquisadores e os sentidos dados

pelos participantes às perguntas, surgiu uma gama de informações

muito interessante para pensar questões de progresso e pobreza. Nesse

sentido, esse relatório é uma análise das respostas dadas às questões

propostas pelos pesquisadores, mas, também daquelas desdobradas a

partir da própria interação entre os participantes. Buscou-se mostrar as

concordâncias e pontos de vista compartilhados e ainda, discordâncias,

contradições ou aspectos mencionados em menor grau durante as

conversas, mantendo a diversidade de dados apresentados pelos sujeitos.

O relatório está organizado em três partes. A primeira discorre sobre as

percepções em relação ao progresso, enfatizando sua compreensão

como melhoria de vida e discutindo o papel dos programas sociais nesse

contexto. A segunda parte trata das características da pobreza, as sutilezas

e classificações internas ao fenômeno, assim como a desigualdade

social. A terceira parte destaca algumas das dificuldades encontradas

no caminho do progresso, como o preconceito e o sentimento de

abandono. Por fim, são apresentadas motivações e aspirações para o

futuro, como uma espécie de caminho pelo qual se deseja seguir.

INTRODUÇÃO

Page 17: Aspirações de progresso das pessoas no Brasil · vivendo em diferentes momentos do ciclo de vida); gênero (mulheres e homens); etnia e pertencimento a comunidades tradicionais3

15ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL

Nos grupos focais, as pessoas foram perguntadas sobre o significado de

progresso para elas. Quando inquiridas de forma direta: o que é progresso para

você? – algumas tiveram dificuldades em compreender o que palavra queria

dizer. Isso é importante não apenas para pensar o nível de enraizamento do

termo, mas também para notar que muitas das informações sobre progresso

aqui apresentadas são desdobramentos da discussão nos grupos e não

uma resposta direta ao acionamento da palavra pelos pesquisadores. Nas

respostas, foi possível perceber que existem múltiplas concepções do termo

que remetem a uma noção de processo –nesse sentido, ele se desdobra no

tempo, podendo ser tanto positivo (quando está associado à melhoria de vida

individual ou coletiva) quanto negativo (quando relacionado, por exemplo,

ao meio ambiente). O progresso, entretanto, não é linear ou ascendente;

sempre está ameaçado, podendo existir retrocessos ou mudanças de curso.

Entre as acepções positivas do termo, de maneira geral, o progresso

é percebido como algo que impulsiona o sujeito ou o grupo para

frente, para cima. Em sua dimensão individual, isso quer dizer que

está relacionado com conquistas de uma pessoa e, dessa forma,

depende de sua própria força de vontade, motivação e desejo:

Progresso multidimensional

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16

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

(...) a gente tem que pegar a pedra e construir um degrau para subir. Então se ela não tem, se tem uma pessoa que não tem o segundo grau, que não tem estudo, faz que nem ela, vende um [linha de cosméticos], uma revista, entendeu? Então para a pessoa conseguir progredir, passar daquela [fase que] está ruim, ela tem que... Se não sabe fazer outra coisa, fez um pão, faz um bolo. (Cidade Estrutural, Distrito Federal)

No interior do estado do Rio Grande do Sul, em Santa Maria do Herval,

os entrevistados também falaram sobre essa dimensão individual.

Relacionam a possibilidade de progresso com uma clareza de objetivos

no planejamento profissional e familiar, compreendendo-o como

a capacidade de ser produtivo e de alcançar melhores salários.

Em Caximba, no Paraná, os entrevistados discordaram da perspectiva

de um progresso individual, afirmando que prosperar sozinho, sem

uma mudança na vida dos vizinhos e conhecidos, não é significativo.

Eles, em conjunto com outros interlocutores, chamaram atenção para

o avanço que acontece com a melhoria na infraestrutura urbana e nas

condições de vida: quando existe emprego para os desempregados,

casa com banheiro e água encanada, rede de esgoto, transformação

de áreas irregulares em loteamentos, há progresso. Essa forma

depende da luta das pessoas, mas aciona ainda a presença do Estado,

de centros religiosos e de organizações não governamentais.

Ainda em sua dimensão coletiva, o progresso foi mencionado no âmbito das

identidades grupais, como por exemplo, das políticas de reconhecimento

étnico-raciais. Um grupo do Rio Grande do Sul sentiu ter progredido

diante do seu reconhecimento como comunidade quilombola, pois

entendeu que essa condição se materializou na oferta de serviços como

transporte público, asfalto, rede de luz e água. A valorização de uma

identidade comum também apareceu entre os moradores do Quilombo

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 17

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

da Água Preta, em Tururu (Ceará), que afirmaram que só haveria progresso

com a valorização dos saberes locais e da história dos mais velhos, algo

possibilitado pelas políticas relacionadas ao direito coletivo de terras5.

No contexto urbano do Rio de Janeiro, a questão da identidade negra,

acionada especialmente por intermédio das políticas de cotas do

acesso ao ensino superior, também foi associada ao progresso:

Mas eu não me importo, eu faço parte desse país, eu pertenço e eu, hoje eu consigo andar na rua, e andar no meio da calçada sabe, e não nos cantos, e não pelos cantos, isso, não andar com medo o tempo inteiro, isso para mim é um progresso. E hoje eu luto assim, onde eu moro é muito violento né, e hoje a minha luta é para chegar viva dentro de casa, porque eu quero continuar esse progresso (...) Então, hoje assim, esse progresso para mim é estar viva porque agora eu me vejo não como ser humano, porque ser humano eu sabia que era, mas eu me entendo como cidadã, que tem uma pátria, porque até então, nós, nós vivemos no Brasil mas assim, a escravidão acabou mas nós não tínhamos um lugar na sociedade.

Nessas falas, o progresso é percebido como sinônimo de melhoria de vida.

Enquanto processo, ele expressa uma expectativa (às vezes já efetivada,

em outros casos ainda imaginada), como um caminho que se abre ou

como a perspectiva de que o “Brasil pode ter futuro” (Rio de Janeiro).

Existe ainda outra compreensão para o termo que apareceu entre

comunidades tradicionais e entre lideranças indígenas, e se refere

ao fenômeno como algo negativo. Trata-se do progresso como

5 Sobre a discussão relativa às comunidades quilombolas no Brasil ver Leal e dos Anjos (1999); e Leite (2000).

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algo ruim, pois incide sobre a destruição do meio ambiente e das

formas específicas de vida de determinadas grupos. Na Ilha de Maré,

comunidade pesqueira do litoral baiano, os entrevistados comentaram

o impacto do crescimento da indústria e o aumento da poluição,

relatando casos de doenças que atingem crianças e adultos.

Entre as lideranças indígenas reunidas no município de Belém, no estado do

Pará, o progresso foi acionado para falar das grandes obras de desenvolvimento

e comércio (como a construção de hidrelétricas e a ação de madeireiras) e, por

isso, visto como algo negativo. Nesse sentido, estaria vinculado a um modo de

vida diferente daquele do grupo e com o qual seria inevitável relacionar-se:

Eu quero falar um pouco sobre a questão do nosso progresso indígena. Porque eu nasci e me criei na aldeia. Quarenta anos na mesma aldeia (...) Mas, eu vejo assim, que o progresso, principalmente de nós indígenas, ele nos obriga, ou a gente, vou repetir ou a gente tenta trabalhar, plantar arroz, feijão, muita das vezes para comercializar, para poder comprar até o próprio alimento e até o próprio medicamento. Então, ou a gente entra nesta questão do progresso, ou a gente acaba sofrendo muito mais ainda. (Liderança indígena, Belém, Pará)

Esse progresso, percebido como nocivo, provém de lógicas que são exteriores

à vida dos sujeitos e que estão localizadas em contextos que os interpelem,

ao alterar suas condições de vida. Como resumiu um dos interlocutores, é

sinônimo de explorar e não ajudar – sentimento compartilhado por diferentes

grupos no Brasil, diretamente impactados por ações de indústrias e projetos de

desenvolvimento (SANT’ANA JR. e ESTERCI, 2009). Se os sentidos do termo como

algo positivo constituem uma expectativa – o futuro onde a vida é ampliada –,

na acepção negativa o futuro é um fechamento, pois a vida se tornaria pior.

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 19

Progresso como processo: o que constitui uma vida boa

Se o sentido mais evidente do progresso, nos grupos focais, é a melhoria de

vida, o que, para os entrevistados, compõe uma vida boa? E em suas próprias

trajetórias, é possível falar em uma melhoria de vida? Nas respostas a essas

perguntas foi possível perceber alguns elementos constantes e recorrentes, que

podem ser agregados em três grupos de informações. Eles não são exclusivos,

pois foram acionados, de forma combinada, pelos sujeitos. Nesse sentido:

Uma vida boa tem relação com acesso a bens materiais

Ter uma vida boa é perceptível na construção ou aquisição de uma

casa boa, de um carro ou ainda na possibilidade de alcançar o objeto

de desejo, o que não se restringe ao consumo básico de uma unidade

doméstica, incluindo, por exemplo, uma peça de vestuário.

Uma vida boa é ser alcançado por melhorias nos serviços públicos

O acesso ao ensino, ao transporte público, à rede água e ao saneamento

básico são aspectos relacionados diretamente àquilo que é considerado

uma vida boa. Melhorar de vida, nesse sentido, é não encher o pé de barro

quando se sai de casa, como disse uma moradora de Caximba (no Paraná).

Uma vida boa ainda é ter valores considerados positivos Uma vida boa não é resultado apenas de dinheiro ou de uma

melhoria na infraestrutura. Ela é também sinônimo de honestidade,

humildade e dignidade. Como respondeu uma das interlocutoras

ouvidas durante a pesquisa, vida boa tem a ver com certa

espiritualidade que garante uma consciência tranquila.

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

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Além dessa compreensão tríplice de uma vida boa – como aquilo que se

deseja alcançar por intermédio do progresso –, compete compreender as

formas de perceber, nas experiências vividas, as concepções dadas a esse

termo. Para tanto, foi perguntado às pessoas sobre sua própria trajetória: como

sentem, por exemplo, que está sua vida hoje em relação ao passado? O que, na

passagem do tempo, melhorou ou piorou nas suas condições de vida, quando

comparam os dias de hoje com sua infância ou a sua geração a dos seus filhos?

No âmbito dos quinze grupos focais não houve uma percepção unívoca sobre

essa questão. Algumas pessoas sentem que vida hoje é melhor do que no

passado, enquanto outras entendem o presente como um tempo de maiores

dificuldades. Nas respostas, foi possível identificar o que é visto como melhora,

aquilo que é visto como retrocesso ou estagnação e ainda, elementos sob os

quais existe certa suspeição, pois, na análise realizada pelos interlocutores, eles

aparecem como ameaças à manutenção das condições de vida no futuro.

Entre aqueles que percebem o momento presente como melhor do que

o passado, foram acionados, de forma quase unânime, três elementos

indicativos dessa condição. O primeiro deles foi o acesso aos alimentos, ao consumo e o combate à fome. Na percepção dos entrevistados, a fome,

no passado, era muito presente nas suas vidas, tanto no contexto rural (em

virtude das secas, por exemplo), quanto nas cidades. O momento atual, por

sua vez, marcado por um acesso mais amplo aos alimentos, significa não

apenas a garantia da subsistência, mas também a possibilidade de escolha

daquilo que se deseja consumir. Uma moradora de Redenção, no estado do

Ceará, afirmou que, em sua infância, no café da manhã de sua família, havia

apenas café e farinha disponíveis. Hoje, por sua vez, em sua casa, é possível

escolher entre alimentos diferentes – enquanto cita, paradigmaticamente,

a possibilidade de desejar margarina, manteiga ou maionese:

Nossos filhos, eu tenho quatro filhos, cada um gosta de uma coisa diferente. E no meu tempo, éramos dez filhos, agradecia a Deus pelo que tinha, todos gostavam da mesma coisa. (Moradora de Redenção, Ceará)

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 21

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

Declarações como essa são importantes na medida em que mostram o

consumo não apenas como ato utilitário, mas em seu conteúdo simbólico

e identitário (GELL, 2008). Nesse sentido, a possibilidade de escolha daquilo

que se deseja consumir – ou em última instância, a possibilidade de possuir

um gosto particularizado – só é possível quando as necessidades básicas são

garantidas. A escolha dos alimentos não remete, portanto, apenas ao âmbito

nutricional, mas fala ainda de uma mudança nas condições de classe.

Outro aspecto de melhoria da vida em relação ao passado, recorrente nos

grupos focais, foi o aumento do acesso ao ensino. Foram destacados

aspectos relacionados tanto à educação em nível fundamental e médio, quanto

superior. Interlocutores mais velhos citaram vários empecilhos no seu acesso

à escola na infância ou juventude, como a necessidade de ingressarem no

mercado de trabalho ou executarem tarefas laborais no âmbito doméstico.

Citaram ainda a ausência de oferta escolar nas localidades em que viviam, a

inexistência de um ethos ou capital cultural/escolar (BOURDIEU, 2007) que

colocasse a escola como fundamental ou mesmo como possibilidade.

Interlocutores mais jovens, por sua vez, destacaram o rompimento de

algumas dessas barreiras, destacando a contribuição de políticas de cotas

e de acesso ao ensino superior como fundamentais. Nesse sentido, falaram

sobre uma mudança na própria postura diante da possibilidade de cursar uma

universidade e também uma alteração no comportamento dos professores

de áreas mais pobres das cidades – que, antes, não incentivavam seus

alunos a tentarem o ingresso no ensino superior. Igualmente, falaram sobre

a alteração das estruturas sociais, pois antes não eram percebidos como

público do ensino superior. Universitários do Rio de Janeiro disseram:

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... porque uma coisa que eu vejo muito no subúrbio é essa coisa de interiorização, acostumada com aquele mundo, e só vê ali, tudo que está fora é fora do nosso padrão, estão ali, então você não pode faculdade, você não pode isso, você não pode aquilo.

E aí eu fui, é, cresci, virei adolescente, eu sempre fui muito precoce, e aí meus professores, pelo menos no ensino médio falando: “Ah, eu sou contra cotas, e não sei o que lá e tal”, mas porque isso? Mas você não pode entrar com cotas e tomar vergonha, e aí, e eu junto com eles, eu falava “Mas porque”, né. Depois que eu entendi o motivo pelo qual, é, o pelo qual das cotas existem, aí eu falei: “Não, eu tenho que mudar, eu tenho que revolucionar o mundo, eu tenho que crescer e sair dessa base de estrutura familiar”, que é, não tinha esse conhecimento.

Há, por fim, um terceiro aspecto considerado positivo no tempo presente

e percebido como progresso. Ele remete a um conjunto de elementos

que apareceram de forma esparsa, mas que estão relacionados com

um cenário de garantia de direitos promovidos pelas políticas públicas e programas governamentais. Destacam-se as políticas de

reconhecimento de grupos e comunidades tradicionais (indicadas entre

os quilombolas), a possibilidade do acesso ao Sistema Único de Saúde e à

aposentadoria (entre agricultores e pequenos produtores rurais aposentados)

e os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 23

Programas sociais

Entre os aspectos percebidos como de progresso e melhoria de vida em

relação ao passado, apareceram menções a programas sociais e benefícios,

como o Benefício de Prestação Continuada (PBC), o Programa Minha

Casa Minha Vida, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e

Emprego (PRONATEC) e, especialmente, o Programa Bolsa Família (PBF).

O Programa Bolsa Família é um programa de transferência condicionada e direta de renda

que tem como público-alvo famílias que vivem na pobreza ou na extrema

pobreza. Os valores monetários são repassados às famílias mediante o

cumprimento de condicionalidades. A condicionalidade na educação

compreende a frequência escolar de, pelo menos, 85% para crianças a

adolescentes (até 15 anos) cadastrados no PBF e 75% de presença para

adolescentes de 16 e 17 anos. Na área da saúde, as gestantes devem realizar

o pré-natal, as crianças menores de sete anos devem tomar as vacinas e ter

seu crescimento acompanhado por intermédio das unidades de saúde6.

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

Nas falas dos entrevistados, o Programa Bolsa Família apareceu como

direito e como ajuda, dois termos não excludentes (AHLERT, 2013) que

foram acionados em conjunto. Um exemplo é a fala de uma beneficiária

de Redenção, no estado do Ceará que, ao colocar a ajuda como

oposta à esmola, destacou o caráter emergencial do benefício:

6 Para mais informações, ver http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia.

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Elementos positivos da participação no Programa

surgiram relacionados a aspectos como:

1. o fato de ser um grande auxílio em momentos de maior dificuldade

financeira, como diante de uma mudança na configuração

familiar ou desemprego – algo destacado por mulheres que

passaram, por exemplo, por separações conjugais e se tornaram

únicas responsáveis pelo sustento dos seus filhos e filhas7;

2. o recebimento de um benefício mensal significa maior respeito no mercado,

pois é compreendido como uma espécie de crédito, transformado

em uma relação de confiança entre o comerciante e o comprador;

3. positivo por ser uma renda fixa, que permite planejar o pagamento

de contas e as compras parceladas – o que é expressivo das

situações de trabalho informal ou intermitente comuns na vida

dos entrevistados, o que se relaciona ao item anterior;

4. uma forma de acessar cursos profissionalizantes que permitem

uma mudança de vida – tal como relatado por uma moradora

do Ceará, que fez um curso de manicure por intermédio do seu

cadastro no Programa, profissão que desempenha desde então.

7 Diversas pesquisas têm considerado as especificidades de gênero para pensar o Programa Bolsa Família, como por exemplo, Libardoni, 2008; Pinzani e Rego, 2014.

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

...então até lá essa ajuda do Bolsa Família ela foi, como se diz, ela foi os meus pés, sem ela eu não sei como seria, porque eu já tinha um filho de nove anos, e como ela falou, eu acho que não é uma bolsa esmola, é realmente uma ajuda. E a gente começa a ter mais oportunidade para se cadastrar, e a gente andar com as próprias pernas seria melhor.

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 25

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

Além desses aspectos, relacionados diretamente às experiências vividas

pelos entrevistados, eles percebem um impacto mais amplo do Bolsa Família

na sociedade. De acordo com suas observações, nos últimos anos houve

uma diminuição das crianças que pediam pequenas ajudas financeiras

pelas ruas e, também, um arrefecimento da necessidade de migrar para

trabalhar em regiões onde houvesse maior número de empregos.

O benefício do Bolsa Família é empregado, pelos entrevistados que dele

participam, em bens de consumo bastante semelhantes entre si (e que

reafirmam a utilização monetária encontrada em outras pesquisas, como em

LIBARDONI, 2008; PIRES, SANTOS E SILVA, 2011). Em primeiro lugar, ele é gasto

com alimentação (ou, como comentou um pai que recebe o benefício, para

colocar algo no armário); em seguida, suprida a primeira condição, são indicados

também outros investimentos e gastos: com o material e merenda escolar; com

pagamento de gás e água; com repasse de dinheiro para crianças e adolescentes

poderem comprar algo de seu desejo – gasto esse que remete a certa autonomia

dos sujeitos nessas faixas etárias (PIRES e JARDIM, 2014). Embora o Programa

não condicione o uso do recurso em rubricas específicas, os beneficiários

percebem um olhar normatizador (das pessoas em geral) sobre tal utilização:

Eu acho assim, olha, as pessoas hoje têm o preconceito. Eu acho assim, você recebe o Bolsa Família, compra uma roupa nova, aí (...) Se usa o dinheiro para lanchar, o pessoal tem o preconceito. (moradora de Redenção, Ceará)

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Os entrevistados, quando teceram comentários sobre o Programa, demonstraram

uma classificação entre as pessoas por eles consideradas mais ou menos

merecedoras do recebimento do benefício8. Por um lado, segundo eles mesmos,

existem aqueles que já receberam ou recebem o benefício e que precisam dele,

pois passam por um momento difícil ou têm salário muito baixo (os que são,

portanto, merecedores). Existem aqueles que deveriam recebê-lo, mas que não

tem acesso às informações ou não conseguem, por falta de conhecimento, lidar

com os trâmites burocráticos do cadastro. Há ainda o terceiro grupo de pessoas, os

que recebem sem, entretanto, merecer – pois possuem renda considerada alta (são

comerciantes ou funcionários públicos) e estão de forma inapropriada cadastrados

no PBF. Por fim, existe uma quarta categoria de pessoas: os que recebem, mas

não sabem administrar o dinheiro: percebidos como os que não aproveitam a

oportunidade oferecida pelo governo por intermédio do programa social:

... os programas sociais que muitas vezes existem, o governo coloca à disposição, são fantásticos, mas muitas vezes as pessoas não sabem usar os programas, não sei porque, mas as vezes eu, se você olhar hoje, existem tantos programas sociais, mas não tem efeito esperado. (Santa Maria do Herval, Rio Grande do Sul)

Os contemplados pelo Programa, mas que não deveriam estar nele são aqueles

que, segundo os entrevistados, utilizam os recursos para gastos considerados não

corretos (como o consumo de bebida alcoólica ou as festas) – e, por sua causa, se

justificam os argumentos sobre a necessidade de um aumento da fiscalização do

Programa. Dentre as críticas, entretanto, há bastante desconhecimento sobre a

estrutura do PBF, pois algumas sugestões dadas pelos entrevistados para a melhoria

do Bolsa Família ignoram aspectos já existentes em sua execução. Algumas

pessoas sugerem que os cadastrados deveriam ter seus filhos matriculados na

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

8 Algo semelhante ao apontado por Martina Ahlert, em uma análise sobre o uso do benefício do Programa Bolsa Família entre quebradeiras de coco babaçu no Maranhão (AHLERT, 2013).

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 27

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

escola, o que já é uma condicionalidade para o repasse; outros sugerem ainda

que deveria haver um limite de filhos para o cadastro, o que já é norma, ou trazem

dados discrepantes sobre o valor recebido. Essa questão, entretanto, não se

restringe apenas ao grupo de pessoas ouvidas na pesquisa, mas remete a certas

visões estereotipadas e bastante arraigadas na sociedade brasileira de forma

mais ampla (AHLERT, 2013; LIBARDONI, 2008; PIRES, SANTOS E SILVA, 2011).

Nas avaliações feitas sobre o Bolsa Família – especialmente quando falavam

sobre aspectos positivos ou negativos do Programa, os entrevistados

afirmaram que era preciso não se “acomodar” diante do recebimento do

benefício. É importante, disseram, não se satisfazer com o recurso enviado

pelo governo (tido como necessário, porém insuficiente para manter os

gastos de uma família), não vê-lo como uma tábua de salvação. Acomodar-

se é ficar parado, é depender da ajuda do Estado, elementos que são vistos

de forma negativa - como ficará evidente na sequência do relatório.

Ameaças ao progresso e as dificuldades do presente

Os três aspectos indicados como melhoria de vida em relação ao passado – o

aumento do acesso aos alimentos e ao consumo; a oportunidade de estudar

ou ingressar no ensino superior; e a existência de políticas públicas e programas

governamentais –, entretanto, não são percebidos pelos entrevistados como

garantias. Antes, existem riscos ao progresso que se construiu nos últimos

anos como, por exemplo, ameaças quanto às políticas de terras e segurança

fundiária dos grupos indígenas (que se referiram a projetos de lei em tramitação

no Congresso Nacional considerados retrocessos no que tange à garantia

dos direitos à terra); o aumento do desemprego, já percebido na época de

realização da pesquisa e mencionado pelas mulheres de Araucária (no Paraná),

que trabalham na indústria; a diminuição do poder aquisitivo, expressa em

frases como hoje você entra no mercado e não consegue comprar quase nada.

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Essas questões falam de uma incerteza quanto às mudanças vistas como

positivas, pois indicam a possibilidade de um retorno a condições prévias de

vida. A efemeridade de algumas conquistas, consideradas melhorias, se soma a

dois aspectos negativos do presente em relação ao passado. O primeiro deles

é o aumento da insegurança, conjugado, nas falas, especialmente com o

crescimento do tráfico e acesso às substâncias ilícitas. A preocupação com o

retorno para casa depois do trabalho, com a circulação dos filhos e sua ida para

a escola surgiram como exemplos dos contextos de insegurança. Eles remetem

ao sentimento de prisão e não de liberdade, como expressou o morador do

Quilombo dos Alpes em Porto Alegre: A gente vive mais preso do que livre.

Esse sentimento está conjugado com o segundo elemento que faz a

vida hoje ser percebida como pior do que no passado: um aumento do individualismo e uma diminuição da solidariedade.

Mas eu acho que antigamente era mais tranquilo né, nós, eles eram mais felizes, eles não se preocupavam com tanta coisa assim, hoje é tu sai na rua pode ser assaltado, pode ser atropelado, antigamente era mais difícil, mas eu acho que as pessoas tinham mais palavra, eles não precisavam de papel, hoje em dia tu tem que ter o papel, eu comprei isso e antigamente tu tinha palavras né... (Moradora de Santa Maria do Herval – Rio Grande do Sul)

Ao falar sobre a sua percepção em relação à passagem do tempo e as

melhorias/pioras que estão relacionadas ao progresso, as pessoas que

participaram dos grupos focais acionaram também elementos como

família, sentimentos de dependência, movimento, liberdade e prisão. Esses

aspectos, entretanto, não falam apenas de progresso, mas tratam de suas

concepções sobre pobreza e a compreensão do lugar que ocupam na

sociedade. Para analisar as falas, portanto, é fundamental perceber como

a pobreza aparece como condição econômica, mas também como um

conjunto de moralidades e formas de viver específicas (FONSECA, 2004).

PROGRESSO MULTIDIMENSIONAL

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29ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL

Durante a realização dos grupos focais, os entrevistados apresentaram

duas concepções de pobreza – a pobreza de comida (que remete à fome,

à ausência de bens materiais e a falta de acesso a diversos serviços) e a

pobreza de espírito. A primeira tem a ver com renda financeira, mas também

com a ausência de direitos e oportunidades. Ela fala de elementos que

remetem a uma disposição corporal – como jogo de cintura e a correria

ou ânimo necessário para viver. Já a segunda não está relacionada com

a renda e sim com uma ausência de valores, solidariedade e desejo pelo

conhecimento. Enquanto a primeira fala do movimento (andar, correr),

a segunda remete a uma estagnação (acomodar-se, ficar parado).

Pobre é aquele que vive assim, aos pouquinhos... – disse um morador da Cidade

Estrutural, no Distrito Federal, referindo-se às dificuldades que marcam a

pobreza em seu sentido de carência material. Viver aos pouquinhos, em

outras falas, poderia ser tomado como sinônimo de sobreviver – aspecto

que caracteriza a existência daqueles que têm o cotidiano marcado por

inseguranças diversas no que concerne à reprodução da vida. A pobreza,

aqui, aparece como fraqueza (ser o lado mais fraco da sociedade), como

tristeza e como dor (afinal, dói não poder dar aos filhos o que pedem).

Pobreza

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Eu que já passei pela pobreza, já dormi em cima do cobertor no chão assim, já comi pipoca estourada com margarina, chá adossado com bala, eu já passei na pobreza. Amarrar pano no pano pra fazer tipo um sapato pra calçar no pé, costurar pano assim pra fazer blusa pra passar o frio, pra não ficar com muito frio. Eu já sei o que é a pobreza. (moradora de Araucária, Paraná)

Pobreza é o que a gente está vivendo né, sem esgoto, sem encanamento, sem nada, sem nenhuma melhoria de rua, né, falta creche, falta escola também, já estamos na pobreza. (Caximba, Paraná)

A pobreza, compreendida dessa forma, é marcada pela fome, pelo desemprego,

por ausência de moradia digna, por dificuldades em pagar aluguel e pela

existência em espaços onde as condições estruturais (como saneamento

básico) não são garantidas. Termos como passar por dificuldades e viver em

condições precárias apareceram para se referir a essa forma de utilizar o termo.

Os aspectos de carência material e de serviços foram expressos de formas

diversas, onde a pobreza: é não poder escolher comer algo do seu gosto,

pois só é possível comprar o mais barato; é andar de sandália por não possuir

sapatos; é não poder casar na data preferida, pois se precisa condicionar

essa a do casamento coletivo gratuito; é comprar peças de roupa e calçados

sempre usados, por não ter dinheiro para pagar itens novos; é não ter horário

fixo para realizar as refeições, pois só é possível comer quando se consegue

algum alimento; é olhar para a cozinha, não ver gás, nem comida, apenas as

POBREZA

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 31

panelas limpas. Pobreza é sentir-se mal por comer, enquanto membros da

família não tem acesso aos alimentos – como contou uma moradora de Porto

Alegre sobre o período em que esteve doente, internada em um hospital:

Eu vivi dentro de hospital sabe, então tinha gente que às vezes chegava lá no hospital e dizia assim, “ah eu saí de casa hoje, os meus filhos ficaram lá com fome e eu estou comendo aqui”. Então para mim assim, dando um arroz e feijão para os meus filhos para mim já é um orgulho, que gente que não tem isso para dar, nem um caldo, vamos supor...

Os filhos, que aparecem na fala acima transcrita, são continuamente acionados

nas falas sobre as dificuldades financeiras e os sentimentos de tristeza e

frustração. É especialmente em função dos descendentes que se deseja

melhorar de vida, pois na pobreza tem muita gente, que é verdade, tira da sua

boca pros seus filhos poderem comer. A pobreza é estar em uma situação:

Sem ter o que gastar, pra sobrar pelo menos pra você passear com seu filho num parque. É dificilmente sobrar pelo menos um dinheirinho digno que você trabalha, por mês, é difícil, muitas vezes não sobra nada nem pra você comprar uma peça de roupa por mês. Às vezes, a filha da gente está precisando e não pode comprar, é uma pobreza desgramada mesmo. (Caximba, Paraná)

POBREZA

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A família também é continuamente trazida às falas dos entrevistados no

momento de caracterizar aspectos centrais na busca por direitos, no desejo

de melhorar de vida, além de ser o motivo pelo qual os sacrifícios são

justificados (CALDEIRA, 1987). Isso é referendado por autores e autoras das

ciências sociais que pesquisam com grupos populares urbanos no Brasil e

afirmam a importância da família como valor (enquanto trama de obrigações

morais) nesses contextos (SARTI, 1996; FONSECA, 2004; DUARTE, 1986)9.

Segundo os homens e mulheres entrevistados, outra característica que

marcaria a vida de quem é pobre é estar fora, estar excluído de determinados

espaços da sociedade brasileira. Alunos e alunas cotistas ou beneficiários de

programas de acesso ao ensino superior, no Rio de Janeiro, disseram que

quando frequentavam a escola não recebiam incentivos dos professores,

pois não eram compreendidos como público-alvo do ensino superior.

Eu lembro que a professora, logo nos primeiros dias de aula, uma professora de matemática, ela perguntou quem queria fazer faculdade, e eram oitenta alunos na sala de aula e só teve duas pessoas que levantaram a mão. (Rio de Janeiro)

Além de não serem vistos como dignos de ocupar determinados espaços,

esses jovens ainda mostraram que, em contextos onde o capital escolar

é mais baixo – como em suas famílias – as pessoas enfrentam obstáculos

a mais para acessar o ensino superior. Aparecem aqui a falta de incentivo

e a ausência de figuras de referência que sirvam como inspiração.

9 Como afirma Cynthia Sarti, antes do que configurar-se como núcleo familiar, a família entre grupos de baixa renda aparece enquanto rede, como uma “trama de obrigações morais” (SARTI, 1996, p. 49). Dessa forma, a família se constitui de forma holística, onde existe uma contribuição de diversos membros na sua reprodução (DUARTE, 1986). Consideração semelhante foi realizada em estudos sobre parentesco em con-textos de campesinato (WOORTMANN, 1995). A literatura ainda indica, para estes contextos, a importância da maternidade (ALMEIDA, 2002; SARTI, 1996) como algo que define a identidade das mulheres e que jus-tifica seu ingresso em diversos espaços, como as arenas políticas de reinvindicação de direitos (CALDEIRA, 1987; AHLERT, 2008).

POBREZA

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 33

Além de excluídos de determinados contextos, os pobres

são aqueles de quem as coisas são tiradas:

A população pobre, como eles dizem, para eles nós somos miseráveis (...) mas nós temos sonho, e eles (...) tiram o sonho da gente. Então eu me sinto assim, humilhada, de eu ter que chegar e ficar implorando, porque a minha vontade era trabalhar e trazer o sustento para a minha casa, e isso me é tirado. Porque muitas vezes eu não tenho a condição de chegar numa empresa e pegar aquele cargo, por exemplo, de auxiliar administrativo, qualquer coisa, muitas vezes me é tirado. Às vezes eu tenho até condições de fazer a mesma coisa que a senhora tem condições de fazer, mas me é tirado isso. (Cidade Estrutural, Distrito Federal)

Por fim, cabe mencionar mais um aspecto que define a pobreza/o pobre, aspecto

esse bastante recorrente nos grupos focais: pobre é aquele que, para sobreviver,

deve estar continuamente na correria, correndo atrás, não pode estar parado,

deve estar em movimento. A necessidade de mobilidade (e a ideia de aventura

e heroísmo presente nela) é, segundo as entrevistas, parte essencial da vida das

pessoas, pois apareceu como chave para falar sobre si – algo destacado, por

outras pesquisas, na análise de contextos sobre campesinato brasileiro e sobre as

migrações entre campo e cidade (VELHO, 1979; CANDIDO, 2010; GUEDES, 2013).

POBREZA

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POBREZA

Porque eu sou... Eu tenho três filhos, sou separado com os filhos, eu cuido da despesa dos três (...) Mas também não sou de ficar parado, se tiver, tipo como eu falei, outro dia eu entrei, é uma necessidade de casa, eu tive que gastar dinheiro, mas sempre, sempre eu vendo a minha água, sempre vendo o picolé, sempre vendo um salgadinho... (Morador da Vila Esperança em Salvador)

Correr atrás envolve estar disposto a realizar diferentes atividades

para conseguir alguma renda financeira, o que chama atenção para a

plasticidade das tarefas que podem ser feitas pelos sujeitos (VIEIRA, 2001).

Não ficar parado, portanto, não tem um conteúdo definido, é, antes, uma

perspectiva que envolve ânimo e coragem para enfrentar os problemas.

...cada um tem que cuidar de si, correr atrás, aqueles que podem, tem força ainda para trabalhar, para não ficar pedindo nada a ninguém, ninguém meter a mão nas coisas dos outros, e viver sua vida. (Jardim Gramacho, Rio de Janeiro)

A perspectiva de uma vida em movimento é também a afirmação de

determinada autonomia – os homens e mulheres ouvidos tiveram

orgulho de falar de conquistas e avanços que aconteceram por causa

de sua dedicação e esforço, quando não dependeram de ninguém,

apenas das correrias que realizaram. É nesse sentido que a vida é uma

constante luta, uma batalha na qual muitos deles estão desde que

nasceram: uma luta por emprego, por melhores salários, por direitos.

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 35

POBREZA

Essa valorização da autonomia pode ser a explicação para o fato de que

parte dos entrevistados se sente ofendida quando chamada de pobre.

Alguns moradores da Cidade Estrutural, no Distrito Federal, participaram

de um curso e, no momento em que foram receber o certificado, foram

referidos como pobres. O uso do termo nesse contexto, por pessoas que não

compartilhavam da condição de pobreza, causou incômodo e humilhação,

pois pobre apareceu como um rótulo negativo. Figura diferentemente o

uso da palavra por aqueles que já passaram por dificuldades, como seria o

caso do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que foi elogiado por utilizar

o termo, pois teria legitimidade para fazê-lo, dada sua história de vida.

Quando colocados em situações nas quais são explorados ou humilhados por

causa de sua condição de classe, eles lembram um elemento importante na sua

concepção de pobreza: ela não acontece unicamente por falta de comida e de

bens materiais, existe ainda a pobreza de espírito – aquela que atinge aqueles

que exploram a condição dos outros, que não têm interesses em melhorar e não

buscam conhecimentos, que não lutam. É porque existem os pobres de espírito

que eles, pobres de comida, ao acessarem outro padrão de consumo, incomodam:

... e hoje em dia onde estão os brancos, nós estamos lá. Eles com cara feia ou bonita, nós estamos lá. E hoje em dia, naquele tempo era nada com nada, e hoje em dia pouco ou muito, o governo errado ou não, mas nós sabemos do nosso direito, nós nos sentimos ameaçados, mas estamos ali na luta. (Ilha de Maré, Bahia)

Em virtude da compreensão dessa terminologia para além da renda é que é

possível compreender porque nem todos os entrevistados nos grupos focais se

perceberam como pobres. Eles entenderam a pobreza não como condição de

classe ou de vulnerabilidade, mas como pobreza de espírito. Dessa forma, eles

se conceberam como ricos em virtude da sua fé religiosa cristã, por exemplo,

ou, ainda, em virtude de seu caráter e de sentimentos como a felicidade:

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Nós é pobre filha, mas é feliz, porque nós temos Deus no coração e o espírito está livre.(moradora de Caximba, Paraná)

Nas definições de pobreza de comida e pobreza de espírito é perceptível a

diversidade de elementos que compõem as noções de tal nomenclatura,

trazidas durante os grupos focais. Torna-se evidente, ainda, que embora a

carência de comida tenha a renda como elemento fundamental, ela está

relacionada à dificuldade de acessar os serviços públicos e direitos previstos –

por processos de exclusão que classificam sujeitos e criam abjeção. A pobreza

de espírito, por sua vez, atinge os sujeitos independentemente da renda. Ricos

e pobres podem, nesse sentido, ser pobres de espírito. É importante perceber

que as conceituações falam também de valores e moralidades compartilhadas

que informam sobre a centralidade da família e da autonomia. Todos esses

aspectos demonstram que definir a pobreza apenas com base na renda

financeira é insuficiente para dar conta das experiências vividas pelas pessoas.

POBREZA

A pobreza não é homogênea

Além de conhecerem e analisarem traços característicos do que seria a pobreza,

os entrevistados demonstraram ainda uma percepção acurada sobre divisões e

classificações internas a esse fenômeno, demostrando sua complexidade e não

homogeneidade. Nessa perspectiva, entre aqueles que podem ser chamados de

pobres, existem pessoas/grupos percebidos como mais ou menos vulneráveis.

Em primeiro lugar, nas conversas, apareceram pessoas que vivem outras vidas.

E que sofrem o dobro que a gente sofre (Caximba, Paraná) – ou seja, existem

aqueles que são considerados ainda mais vulneráveis que os entrevistados,

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 37

POBREZA

pois não possuem algumas garantias e melhorias de vida já alcançadas por

eles. Entre esses estariam os moradores de rua, que não possuem residências;

os catadores de material reciclado, que desempenham um trabalho visto como

precário; os que não possuem banheiros ou cozinhas dentro de suas casas,

o que implica em dificuldades na gestão do fazer doméstico; os que vivem

em locais atingidos por calamidades, como enchentes; aqueles que usam de

forma abusiva a bebida alcoólica ou possuem outros vícios; os que nem sequer

possuem documentos para poder ingressar nos programas sociais do governo

federal. De maneira geral, são aqueles que não têm, diante de si, oportunidades:

Então, eu, uma palavra que eu diria que [deveria] ser extinta do vocabulário é o vagabundo. Na minha opinião essa é uma pessoa que não existe, eu aprendi, tanto analisei na minha vida, que essa pessoa não existe (...) Chama ele para uma conversa e tal, [dá] oportunidade para ele de trabalho, para ver se ele é vagabundo ainda. Não, não é, são pessoas que não tiveram oportunidade de progredir, muitas, tantas. (Santa Maria do Herval, Rio Grande do Sul)

O caso extremo de vulnerabilidade na pobreza se encontra nas pessoas

doentes. A enfermidade impossibilita que uma pessoa possa melhorar

de vida, como disse o entrevistado: porque pra mim pobreza é aquela

pessoa que está doente. Essa é a verdadeira pobreza (morador de Barcarena,

Pará). Se considerarmos que o movimento, o correr atrás é importante

característica da definição de pobreza como valor, a doença é vista como

imobilidade – ela impossibilita a luta, pois uma pessoa enferma não

consegue procurar emprego ou realizar uma reforma em sua casa.

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38

POBREZA

Além daqueles que vivem em condições ainda mais difíceis do que os próprios

entrevistados, há um segundo grupo distinguível entre os pobres. Esses são os

que conseguiram melhorar suas condições de vida, mas continuam vivendo nos

mesmos locais e convivendo com as pessoas de antes. Apesar disso, passaram a

se comportar de maneira diferente e considerada arrogante: acha que tem o rei

na barriga, que é mais do que as pessoas (morador do Quilombo dos Alpes, Porto

Alegre). No grupo focal realizado no Jardim Gramacho, uma moradora se referiu a

essa ascensão social como a das pessoas que precisam pisar nos outros para subir

ou que se sentem superiores. Comentando sobre a ausência de disponibilidade em

ajudar os vizinhos em momentos de urgência, referiu-se a um caso relacionado

ao uso do carro: a pessoa tá passando mal, pode até pedir pra pessoa, a pessoa tem

um carro, vai pedir um socorro pra levar pro hospital e não vão levar (...) Fala que

não tem gasolina. Em Paranoá, no Distrito Federal, foi ouvida frase semelhante:

Eu já passei por isso, por exemplo, um pobre, né? Aí de repente arruma um bom emprego, compra uma casa, um carro, muda totalmente o... Por exemplo, aquela pessoa te cumprimenta todo dia, aí mudou, comprou uma casa, um carro, melhorou de vida, o nariz sobe, não te dá mais nem bom dia. (Paranoá, Distrito Federal)

A crítica aos que mudaram seu comportamento em função da ascensão social

é melhor compreendida quando se leva em consideração que um dos aspectos

enfatizados como positivos dos contextos em que vivem os entrevistados são

as redes de ajuda mútua e solidariedade. Em diferentes momentos dos grupos

focais aparecem menções aos vizinhos e parentes; eles auxiliam na melhoria

de vida e são com quem se pode contar nos momentos de dificuldade. No

contexto dos grupos populares no Brasil, essas redes de reciprocidade, que

se estendem das famílias extensas para a vizinhança, aparecem relacionadas

ao cuidado das crianças, à construção civil e, no campo, à colheita e ao

trabalho na roça (FONSECA, 1995; GODOI, 2009; WOORTMANN, 2009).

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 39

A pobreza – de comida – é constituída por um conjunto heterogêneo de

pessoas, mais e menos vulneráveis. Apesar dessa diversificação interna, os

pobres (segundo os entrevistados) constituem um coletivo na medida em que

suas práticas e seu cotidiano são vividos de forma diferente daquela como

vivem os que estão em outras classes sociais. Essa percepção ficou evidente

ao serem questionados sobre as características da riqueza, quando deixaram

entrever uma sociedade separada, segregada especialmente e desigual.

A desigualdade entre ricos e pobres

Nas falas sobre a pobreza tornou-se evidente a percepção de uma sociedade

que se estrutura de forma desigual, marcada pela separação entre pobres e

ricos. Quando perguntadas sobre a diversidade dos seus locais de moradia,

a maioria das pessoas entrevistadas respondeu que há diferenças entre os

moradores, mas não existem entre eles pessoas ricas. Nesses contextos,

encontram-se pessoas que possuem uma condição melhor, ou seja, que

conseguiram adquirir alguns bens, melhorar suas casas, mas que não são

percebidos como ricos. Os relacionamentos dos entrevistados com os ricos,

em suas vidas, não acontece nos locais de moradia, mas remetem a situações

de trabalho, como o emprego doméstico e os serviços de construção civil.

Mas o que caracteriza a riqueza? Como é possível perceber que alguém

é rico? Por um lado, os ricos possuem bens materiais e algumas práticas

que falam sobre sua posição social: têm carros, casas muradas, roupas

“diferentes”; fazem compras no supermercado que são distintas daquelas

de quem é pobre (é possível reconhecer um rico pelo que ele coloca

no carrinho do supermercado – disseram); viajam constantemente;

não têm dívidas; pagam suas contas sem juros. Todos esses elementos

apareceram nos grupos focais como características de riqueza.

POBREZA

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POBREZA

Existe outra marca distintiva da riqueza: o acesso às condições

mínimas de infraestrutura urbana, negado aos pobres:

Acho que lá fora, eles têm sua rede de esgoto, sua via encanada, sua ‘luzinha toda certa. Porque aqui se você for ver, se pegar fogo num fio, pega em tudo, né, na favela inteira, quase. (moradora de Caximba, Paraná)

Assim como a garantia dos serviços básicos, os ricos têm diante de si outros

elementos que deveriam ser compartilhados pelos pobres como acesso,

oportunidades, cultura. É-lhes permitido fazer cursos melhores, ingressar em

áreas mais valorizadas no ensino superior e, dessa forma, ter carreiras com

salários superiores. Tudo isso se soma e reflete em outro elemento presente na

vida desses e ausente na vida daqueles: o respeito, pois os ricos são atendidos

mais rapidamente quando entram em lojas ou em diferentes serviços.

Entretanto, nem tudo é percebido como positivo na riqueza. Segundo

os entrevistados, os ricos tendem a dar muito valor aos bens materiais

e esquecem a importância da generosidade. Igualmente, muitos os

percebem como presos, desprovidos de liberdade, pois não podem

andar tranquilamente pela cidade ou precisam se esconder em virtude

de corrupção e ganhos ilícitos. Diante disso, a quantidade de bens

materiais não é mais importante do que a saúde e a paz de espírito.

Outro elemento que informa sobre a percepção da desigualdade e da

segregação na sociedade brasileira é que os ricos não conhecem os pobres,

afirmam alguns entrevistados. Isso porque não os encontram, não andam

no transporte público, não frequentam os mesmos locais – e é também por

isso que existem tantas situações de preconceito. Eles são, nesse sentido,

incapazes de reconhecer as necessidades daqueles que não estão na sua

classe social, como, por exemplo, perceber o significado de um benefício

social: não tem noção do quanto aqueles 135, 145 reais são necessários, disse

um interlocutor, no Rio de Janeiro, sobre o Programa Bolsa Família.

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 41

POBREZA

A percepção do preconceito em torno da classe social foi uma constante

nos grupos focais. Algumas vezes ele remete ao desconhecimento, como

acima mencionado (das condições de vida, das dificuldades, da história

de grupos específicos, como os negros) e em outros momentos está

operando consciente e inconscientemente em lógicas institucionalizadas

e estereótipos reproduzidos. O preconceito traz dificuldades à vida do

pobre, por isso, ele é um dos elementos que tolhem o progresso.

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Sendo o progresso compreendido como um processo no tempo

(como melhoria da vida), que não apresenta a segurança de uma

linearidade, quais são as questões que colocam empecilhos ao progredir?

Embora essa não fosse uma pergunta realizada de forma direta aos

entrevistados, nas conversas eles indicaram elementos para pensar

barreiras e atitudes que prejudicavam suas vidas, como o preconceito

e a forma de tratamento que recebem dos políticos e do Estado.

O que dificulta o progresso?

Preconceito

Durante a realização dos grupos focais, um dos temas com os quais os

entrevistados demonstraram maior familiaridade e, consequentemente,

trouxeram maior número de informações, foi o preconceito. Dada a

quantidade de situações narradas que tomaram experiências pessoais

como exemplo, pode-se sugerir a proximidade e a convivência

constante com o preconceito e com a discriminação.

Enquanto fenômeno sem conteúdo fixo, o preconceito pode ser relacionado

com diversos sinais diacríticos ou marcadores sociais, como a condição

de classe, percepções sobre raça, deficiência, gênero, local de moradia.

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43ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL

Igualmente, o preconceito pode estar relacionado a uma conjugação de

diferentes variáveis, como quando se articula classe e raça, algo já presente

nas análises sobre a constituição de uma forma particular de racismo,

marcante na sociedade brasileira (SCHWARCZ, 2012). Abaixo serão listados

tipos de preconceito e relatos trazidos durante os grupos focais.

Preconceito em relação à pobreza/classe: aspectos relacionados à

pobreza e ao estereótipo do que seria o pobre apareceram como algo

que torna o progresso mais difícil, prejudicando, por exemplo, a busca

por emprego. Independentemente das qualificações profissionais e

do cargo desejado, impõe-se uma barreira que impede que os sujeitos

consigam oportunidades de trabalho, reverberando em situações

de sofrimento e humilhação, com impactos na autoestima:

Ah, eu só sofri um dia por causa do meu serviço e a mulher olhou para mim e disse assim, “aí, primeiro tu arruma os teus dentes, daí depois tu vem pegar o serviço”. Foi um choque para mim. (...) Daí eu disse, “Ah, mas o que que tem a ver, eu vou limpar o chão, eu não vou...”. Ela: “Ah, mas sabe como é que é entra gente, saí gente, aí tu vai pegar e vai ficar rindo, daí fica feio pra ti, o condomínio fica feio”. Eu achei muito discriminado assim, sabe? Daí eu me senti, desci chorando sabe? Eu sou muito sentimental, então saí chorando de lá. Nunca mais eu pus o meu pé lá para pedir serviço. Nunca mais, porque eu achei aquilo ali o cúmulo... (Quilombo dos Alpes, Porto Alegre)

A visão de pobreza que se tem é de que falta saneamento, ou seja, ele é sujo, ele é mal educado, porque não tem educação também, porque, enfim, outras coisas que envolvem o que seria básico para quem tem dinheiro. (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro)

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

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Quando eu voltei a estudar no ano retrasado, antes de vir morar para cá - faz um ano que eu moro aqui – eu estudava e fui atrás do estágio pra trabalhar de professora, né. Por que eu não ganhei o estágio? Porque me faltava um dente na boca. E eu sou muito mais que um dente na boca, eu lhe garanto, mas cadê a oportunidade? “Não, você não faz o padrão da minha escola, você não faz o padrão”. Oxe, que padrão é esse que é o respeito de um dente que te falta na boca? (Caximba, Paraná).

Nesses trechos, vemos uma associação das pessoas pobres com a

sujeira e com o descaso com a aparência física. A condição de classe

aparece associada a esses fatores não apenas na busca por emprego,

mas, inclusive, no acesso e permanência no ensino público10:

Eu falei: “Filho, por que que você não está querendo ir para o colégio?”. “Minha professora não gosta de mim”. “Por que é que ela não gosta de você?”. Tudo porque ele foi de chinelo, estava um poeirão, porque aqui é um poeirão danado quando tem sol, o pezinho dele estava cheio de poeira. Ela olhou pra cara dele e falou: “João, você não tomou banho?” (Caximba, Paraná)

10 Regattieri e Castro (2009) destacam que as condições de classe são uma das variáveis que mais influen-ciam na presença de crianças e adolescentes na escola. Com a universalização do acesso ao ensino, uma das grandes barreiras a serem enfrentadas para a permanência de crianças pobres na escola é a lacuna que existe entre o aluno ideal e o aluno real. Uma questão a vencer, nesse sentido, é a quebra de mitos e barreiras ligadas ao preconceito de classe que desestimulam a presença dos estudantes na escola e os constituem como um público incapaz do aprendizado.

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 45

Para os jovens do Rio de Janeiro, o preconceito relacionado à classe

é parte de um “esforço” que pretende contê-los a papéis já previstos,

correspondendo ao lugar do pobre na sociedade brasileira:

“Não, espera aí, estava bom enquanto você limpava o chão né, e o seu filho vai ter que limpar o chão também. Quer ele na faculdade?”. Eu acho que vai demorar assim, mais uns duzentos, trezentos anos. (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro)

Outras ênfases também foram dadas ao preconceito durante a realização

da pesquisa. A mais evidente delas foi o racismo. O sentimento de

muitos dos interlocutores é o que, apesar do término formal do regime

escravocrata, seus efeitos continuam11, de maneira que os negros são

associados à negatividade e ainda se conhece muito pouco da sua história.

Mas, infelizmente, é desde aquela época que os negros sofreram muito, muitos morreram, foram acorrentados, e isso e aquilo tudo. Mas, mesmo assim não acabou, continua o preconceito. (Ilha de Maré, Bahia)

O mesmo preconceito, percebido como continuidade do período da escravidão,

atinge as pessoas em seus cotidianos, como aconteceu com uma liderança do

Quilombo da Água Preta, em Tururu (Ceará), quando ingressou na faculdade:

11 Olívia Maria Gomes da Cunha e Flávio Gomes (2007) enfatizam as continuidades do sistema escravocrata apesar do aceno formal de término do regime.

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

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O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

... no primeiro dia, um grupo de jovens disse assim “Eu não quero essa mulher no nosso grupo”, aí outra bem acolá disse assim (...) que a única negra era eu. Aí eu falei assim “Não, se não quer...” [eles:] “apesar da gente conhecer, saber que ela é boa pessoa, mas a gente não quer ela não. Porque vai atrapalhar o nosso grupo”. Eu estava... naquele momento pensei em desistir de tudo, eu disse “Olha, vocês estão aqui porque com certeza vocês têm capacidade, vocês fizeram a prova como eu, vocês estão pagando como eu estou pagando, então, se vocês têm o direito de ficar aqui e participar de qualquer grupo, eu também tenho. Se um grupo não quiser, eu parto para outro, não é possível que das cinquenta e oito pessoas, eu não ache algum”. (Quilombo da Água Preta, Tururu, Ceará)

Ainda relacionadas à raça foram citadas diversas experiências de atendimento

inferior em lojas e restaurantes, vigilância de seguranças de shoppings. Nesses

momentos as pessoas eram desacreditadas como consumidoras (e atendidos

depois de outras pessoas brancas) ou percebidas como potenciais ladras.

Se a pessoa vai num shopping, senta em uma mesa ali, vai no [lanchonete], uma comparação, vai num [outra lanchonete] desse daí, num restaurante daquele no setor de alimentação em um shopping desse aí, a gente já senta lá, a gente chega, as pessoas já ficam olhando já, tá entendendo? Já olha assim já, a gente olha para o lado... Igual eu fui com o meu sobrinho ali no shopping, as pessoas já ficam olhando já, no pensamento, talvez, “o que é que esse marginal está fazendo aqui”, por causa da cor. A gente pensa cada coisa na cabeça da gente, tá entendendo? Aí por isso que a gente se sente humilhado, tá entendendo? Porque é o que acontece mesmo no nosso país, é isso aí mesmo. (Paranoá, Distrito Federal)

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 47

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

Classe e raça foram duas variáveis acionadas de forma conjunta pelos

entrevistados. Eles explicaram essa associação falando sobre personalidades

negras (como músicos ou jogadores de futebol, por exemplo) que, segundo

eles, não sofriam racismo, pois eram ricos. Os participantes lembraram ainda

de um caso em que uma pessoa negra dirigindo um carro foi abordada pela

polícia que não acreditou que o carro era de sua propriedade. Uma senhora

de Paranoá, no Distrito Federal, relatou que, na escola da filha, foi chamada

por termos que associavam raça e classe, a qualificando como marginal:

Eles pensam assim porque as pessoas não têm condição, se veste mal e tal, então as pessoas interpretam como se fosse um lixo. Eu me senti, eu me senti um lixo naquele momento, eu me senti um lixo, me senti um zé ninguém.

Em outros momentos, o preconceito relacionado à pobreza está associado

ao local de moradia. Pessoas que vivem em áreas de ocupação podem

ser associadas à sujeira, à violência ou à desordem. Uma vez que seus locais

de moradia se tornam sinônimo desses termos, elas próprias são por eles

definidos. Elas relatam que quando procuram emprego e contam sobre seu

local de residência, não são chamadas para o preenchimento de vagas.

As mulheres ainda relatam casos de preconceito de gênero, quando

lhes são endereçados estereótipos, como aquele que afirma que as

mulheres pobres possuem um grande número de filhos. Em outros

momentos, são questionadas por seu movimento em determinados

espaços, pois não se restringem ao ambiente doméstico:

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O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

...lá tem um lugar onde você pode deixar as crianças, que é na própria prefeitura. Aí quando cheguei lá, fui lá, pagar e pegar o papelzinho pra poder pegar o meu alvará. Aí um deles na prefeitura olhou pra minha cara e falou: “Você está fazendo o que aqui?” Eu disse: “A mesma coisa que você está fazendo, trabalhando, eu vim do meu emprego e vim pagar o meu alvará”. “É porque eu não estou podendo falar direito, pra eu poder trabalhar no carnaval, porque eu preciso ganhar dinheiro para o dia, então eu queria pegar para poder vender no dia”. Ele olhou para a minha cara e disse: “Não basta, vai pra casa mulher, está fazendo o que? Aqui não é o seu lugar não, vai pra casa, lugar de mulher é cuidando de casa, vai procurar lavar uma roupa de grande, fazer uma faxina, aqui não tem nada pra você não”. Aí eu peguei e olhei pra cara dele e falei assim: (...) “você quer que eu faça o que? Mãe solteira, com três filhos pra criar, pra sustentar todos os três, você quer que eu faça o quê? Quer que eu vá roubar?” E eu não desisti não. “Aqui você não pega nada [funcionário]”. Eu disse a ele: “Eu vou lhe mostrar a você se eu pego ou não pego”. Aí eu fui em outro lugar, lá na Prefeitura de Fazenda Grande II, não sei se você já ouviu falar, eu fui lá, conversei com um deles lá, conversei a minha situação (...) aí que eles pegaram e falaram: “Você vai pegar o seu negócio”, fui lá e peguei. (Vila Esperança, Salvador)

As lideranças indígenas também mencionaram um estereótipo já conhecido sobre os índios no Brasil – aquele qu e preconiza que eles não gostam

de trabalho e que são preguiçosos12. Quando justificaram suas dificuldades

em produzir e vender sua produção na cidade, eles afirmaram que:

12 Edson Nakashima e Marcos Albuquerque (2011) relatam que os indígenas da etnia Pankararu, quando migravam para São Paulo em busca de emprego, costumavam não acionar sua identidade étnica, pois, havia, na cidade, um estereótipo de que índios não gostavam de trabalhar – estereótipo esse que dificultava sua contratação.

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 49

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

Nós não temos mercado para comprar. Então por isso que estamos com dificuldade. Não é por causa que os índios são preguiçosos, não é isso. Os índios são trabalhadores. Estão trabalhando direto na horta, estão plantando as coisas. É pra vender. Quando os índios trazem os produtos deles para cidade né, aí ninguém quer comprar. Porque na cidade já tem melancia, abacaxi, tem tudo, na cidade tem. Mas não tem mercado pra comprar. (Belém, Pará)

O preconceito contra o pobre – tão evidente aos entrevistados – se

configura de forma complexa, pois aciona, conjuntamente com a classe,

outras variáveis, como raça, gênero, local de moradia, etnia. Diversos

estereótipos são ativados e compartilhados para reduzir o que são os

sujeitos a formulações simplistas e discriminatórias. Segundo os relatos, o

preconceito opera no mercado de trabalho, em serviços oferecidos pelo

Estado (como as escolas e órgãos estatais), em locais públicos como shoppings

– e se impõe sobre as subjetividades (quando relacionado a questões de

autoestima e percepção de si) e sobre as condições objetivas de vida, pois

dificulta, por exemplo, o preenchimento de uma vaga de emprego.

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Experiências onde o preconceito era perpetrado por pessoas de diferentes

classes sociais (aquelas que “sobem na vida” ou os ricos) e por lógicas

institucionalizadas baseadas em estereótipos foram relatadas pelos entrevistados.

A partir do conteúdo compartilhado e debatido nos grupos focais, ainda existe

um conjunto de experiências de humilhação e preconceito que acontecem

no uso de serviços governamentais (das diferentes esferas de governo). Essas

falas sugerem algumas sutilezas no uso dos termos “humilhação” e “preconceito”

e trazem questões importantes sobre o acesso e a efetivação dos direitos.

Quando perguntados sobre o preconceito, os entrevistados trouxeram

situações que remetem ao Estado, como encontros com a polícia, atendimentos

em escolas, nos serviços do sistema de saúde e na assistência social. A

violência policial surgiu quando as pessoas foram inquiridas sobre sua

presença em determinados locais, sobre os bens que carregavam ou sobre

seu deslocamento. Em Vila Esperança, na cidade de Salvador, um homem

contou que quando ficou desempregado, realizou algumas atividades

informais, como carregar material de construção para obras. Segundo seu

relato, ele foi abordado de forma violenta pela polícia que, mesmo sem

perguntar o que ele fazia, considerou que ele estava roubando o material.

Uma senhora narrou o preconceito que sentiu quando foi procurar o

sistema de saúde com uma amiga e o médico não os atendeu:

Humilhação e preconceito

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 51

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

Alguns dias antes eu tinha vindo com uma amiga chorando com uma dor fortíssima na cabeça, de madrugada a gente veio para o hospital, lá da Serra pra cá [são] cem reais de carro, ela já tinha vindo quatro vezes, era a quinta vez que ela estava vindo no hospital com essa dor, chegava, medicava e mandava pra casa. Quando eu fui esse dia com ela, que a gente chegou de madrugada, quem atendeu foi o enfermeiro, o médico desceu pra ver? Não. Ele ligou pro médico, o médico mandou dar uma injeção pra dor. Aí ela disse: “fala pra ele”, ela segurava assim a cabeça, eu vi, eu não sei quem estava passando mais nervoso, se ela era ou se era eu, ela disse assim: “fala pra ele que essa é a quinta vez que eu estou vindo”. E ele ficou enrolando, enrolando, ele só falou porque ela insistiu: “fala pra ele que essa é a quinta vez que eu estou vindo com essa dor aqui”. Aí foi que ele mandou aplicar a injeção, ela voltasse pra casa, quando fosse de manhã ela viesse e pegasse uma ficha pra ele consultar ele e dar uma guia pra ela fazer um exame em Fortaleza. (Redenção, Ceará).

...quando eu vim fazer o preventivo eu vim com vários exames de Curitiba pra cá pra retirada do útero urgente, que era um câncer, eu entreguei na mão da ginecologista ali, ela olhou pra mim - é um dos fatores que a gente enfrenta direto ali junto ao poder público, nós mulheres ali de Araucária - ela olhou pra mim e falou assim: “eu não vou retirar o teu útero porque o ano que vem você vai aparecer aqui, você vai me processar, porque essas mulheres do Arvoredo só sabem fazer duas coisas, filhos e mais filhos”. (Moradora de Araucária, Paraná)

Em Araucária, no Paraná, uma moradora também relatou uma

situação de preconceito no atendimento de saúde:

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As situações acima narradas mostram como, nas práticas profissionais em

alguns serviços, são reproduzidos estereótipos relacionados à classe, à raça

e ao gênero. Esse aspecto chama atenção para a necessidade de pensar

a formação dos profissionais de diferentes áreas do Estado, enquanto

servidores públicos. O preconceito é diferente do que acontece, por sua

vez, em outros serviços públicos, onde as pessoas se sentem humilhadas

ou se humilhando, colocando-se em uma condição de pedintes, daqueles

que necessitam do Estado para sobreviver. Essa segunda situação foi

mencionada no acesso às políticas do âmbito da assistência social:

E é o que eu falei pra eles lá, será que eles não percebem que quando o usuário vai até o CRAS [Centro de Referência em Assistência Social] pedir ajuda, pedir lá que eu preciso fazer parte do Bolsa Família, alguma coisa, como ser humano ele está se humilhando? Têm pessoas e pessoas (...) só querem uma oportunidade pra poder se sair, crescer profissionalmente e crescer como pessoa. A gente já se humilha lá, tendo que ir até o CRAS, tendo que contar sua situação, que você deixou isso, deixou aquilo ou que você está retornando ao mercado de trabalho. A gente não quer tudo que o governo faça pra gente, mas melhorar o que já tem. (Araucária, Paraná)

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 53

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

Na fala de uma moradora da Cidade Estrutural, no Distrito Federal, a procura

pelos serviços de assistência social apareceu de forma semelhante:

Uma vez, esses tempos para trás, uma pessoa falou para mim que era para (...) ir lá atrás, aí que eles davam cesta, aí eu estava desempregada e as coisas apertaram um pouco, eu era sozinha. Aí eu fui lá, cheguei lá falei: “Moça, eu queria saber se vocês podem me arrumar uma cesta básica, eu estou desempregada e eu não estou tendo da onde tirar”. Aí a mulher falou para mim assim, eles já tratam a gente mal da hora que eles sabem que você vai pedir. Na hora que você entra, que você fala que vai pedir eles já te tratam como cachorro ou até pior. Aí a moça já falou assim: “Senta ali e espera, e aí virou as costas e saiu”. Aí eu falei, aí eu fiquei lá esperando, aí passou lá um tempo, passou mais ou menos uns vinte minutos aí eles chamaram: “Vamos ali dentro na sala de reunião”. Aí foi uma mulher lá, uma doutora lá na frente e aí começou a explicar, já estava fazendo fila (...) Aí ela pegou e falou: “Pois é, vocês precisam procurar um serviço, tem muita gente que fica confiando nesse Bolsa Escola, o Bolsa Escola não é para sustentar a família não, o Bolsa Escola é uma ajuda que governo dá, e aí. (...) Muita coisa, mas ela falou muita coisa que eu achei que ela não deveria ter falado, porque eu não fui ali para escutar, eu estava precisando de uma cesta. E por final terminou ela falou: “Daqui a três dias vai um homem visitar sua casa para saber se realmente vocês precisam”. Eu falei: “Dona, daqui a três dias eu já morri de fome, se a senhora deixar para ir lá daqui a três dias, se eu ficar esperando essa cesta três dias eu já morri de fome. Então se a senhora não pode me dar a cesta hoje, tudo bem, muito obrigada, eu vou-me embora”. Aí eu saí, aí ela pegou e mandou o guarda me chamar, aí o guarda me chamou: “Dona, faz favor.”. Aí eu fui. Cheguei lá ele falou assim: “A doutora ali, é uma doutora, não sei de quê, aí: “Está chamando a senhora”. “A senhora realmente está necessitada da cesta?”. Eu falei: “Quantas vezes a senhora já me viu aqui pedindo?”. Ela falou: “Nenhuma.”. Eu falei: “Pois se eu vim hoje é porque realmente eu estou precisando, porque se eu não estivesse precisando eu não estaria aqui. Mas se a senhora não poder me dar não tem problema não, eu vou arrumar outro lugar que eu ganho”.

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54

A humilhação é diferente do preconceito, pois ela marca situações em que

as pessoas precisam se colocar na condição daqueles que não conseguem

prover por si próprios. Nesse sentido, é humilhante ter que pedir uma cesta

de alimentos ou mesmo o ingresso em um programa social. Os profissionais

que atendem essas situações, segundo permitem entrever os entrevistados,

tendem a não perceber essa humilhação. Em suas práticas profissionais –

como as conversas e as perguntas –, acabam por fazer as pessoas sentirem-

se inferiorizadas. Um dado preocupante dessas experiências relacionadas

ao atendimento público é o fato de que as pessoas deixam de procurar

determinados serviços, pois não se sentem bem nestes espaços:

Tanto que eu nem procuro o CRAS porque tipo é humilhante, você vai atrás das coisas que é um direito teu, que você contribui, que você paga imposto, e a hora que você precisa é dessa forma que você é tratada. (Moradora de Caximba, Paraná)

A humilhação do pedir se interpõe à autonomia, valorizada pelos

sujeitos. Nesses casos ela pode, ou não, estar conjugada ao preconceito.

Um dos seus efeitos é afastar ou intimidar os sujeitos diante dos

seus direitos – separando-os dos serviços públicos e, dessa forma da

possibilidade de melhorar de vida por intermédio desse acesso.

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 55

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

O progresso e os direitos

Além do preconceito, existem outros elementos que interferem ou dificultam

o progresso, como a relação com o Estado e desconhecimento dos direitos. A

primeira aparece em diversas falas dos entrevistados que, ao mesmo tempo

em que acionam qualidades na gestão pública (como, por exemplo, os

programas sociais), expressam uma desconfiança constante na forma como

são tratados pelos políticos. Eles se referem à relação com os governantes

como marcada por enganação, abandono ou invisibilidade. Não se trata

aqui, de uma ausência do Estado (DAS e POOLE, 2008; BACHTOLD, 2015),

pois ele se faz presente sob formas bastante concretas, como pela ação da

polícia ou a cobrança de impostos, mas de determinada lógica sob a qual

as relações entre pessoas comuns e pessoas públicas se constroem.

Essa lógica se expressa de diversas maneiras. Em primeiro lugar, as pautas que

interessam aos políticos são percebidas, muitas vezes, como distantes das

questões relevantes para a vida do “povo”. Um morador da Cidade Estrutural

comentou isso, a partir de uma reportagem televisiva sobre uma discussão

relativa o tamanho das saias usadas pelas mulheres na Câmara dos Deputados:

Com tanta fome, com tanta peste, com tanta inflação, com tanta violência, com tanta insegurança, com tanta falta de educação, o povo [da Câmara] preocupado se as mulheres vão usar longo ou vai usar no meio da cintura.

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Também existe uma percepção de que os interesses das pessoas não

fazem parte das prioridades tratadas pelos políticos e que as promessas e

compromissos assumidos com determinados grupos não são cumpridos.

Moradores de Barcarena exemplificam este sentimento sobre a instalação de

uma rede de energia elétrica (em uma comunidade do município). Este caso

também exemplifica a complexidade da ação no âmbito local, muitas vezes

com competências e atribuições compartilhadas ou concorrrentes ente os

diversos níveis de governo, mas de pouca transparência para o cidadão.

Então todos os anos eles entram em reunião, paga não sei o que, pagam luz, participo de muita reunião e o sonho nunca chega, né. Então eu acredito que um dia vai chegar esse sonho. Estou sonhando junto com eles, vai chegar o sonho e vai se tornar realidade. Talvez por falta de apoio, quem sabe, de novo a política entra... Apoio de política que não tem, né. No caso, eles fizeram uma reunião lá, bora sonhar de novo a luz vim pra nós. Aí vieram, falaram com o prefeito, o prefeito enganou eles lá, que eles disseram, fomos enganados de novo.

Essas situações reforçam o sentimento de enganação, pois expectativas

são criadas e, com a passagem do tempo, não efetivadas. Os indígenas,

reunidos no estado do Pará, também utilizaram esse termo (a enganação)

para tratar do posicionamento dos governos em relação ao desmatamento.

Porque o governo, muita das vezes, a gente bate, bate ele não olha pra cara da gente. Mas com a instituição em nível de até outros países, que precisa muito disso hoje no Brasil. Os outros países bateram de frente (...) a questão do desmatamento. E principalmente dentro das áreas indígenas, é onde sofre esse grande problema. [Gostaríamos] Que governo respeite.

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 57

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

Conjugada a essas falas existe a ideia de que os políticos se situam

distantes do povo – com raras exceções e aproximações em períodos

eleitorais. Para que os governantes possam compreender as demandas

dos sujeitos, precisam se aproximar mais da realidade das pessoas.

Então, nós aqui estamos reunidos para falar, falar é bom, conhecer é bom, o outro. Falar, discutir o que a comunidade está precisando é bom também, mas o necessário eu estou achando bem, que sempre tivesse uma oportunidade de chegar, falar com um prefeito desse aí, pra pelo menos vir olhar a sociedade, ver como a sociedade está precisando, o que a comunidade está precisando e vir aqui, mas não só vir aqui no tempo de eleição pedir o nosso voto, porque promessas eles fazem, muitas (...) Então, coisa que eles fazem pra gente crer, pra acreditar neles e depois não cumprem, então fica uma sociedade como essa daí. (Morador de Vila Esperança, Salvador, Bahia)

A imagem do Estado e dos políticos nos grupos focais foi bastante paradoxal.

Na fala de um mesmo entrevistado, por exemplo, surgiram diferentes

percepções, inclusive contraditórias, sobre o Estado. Nesse sentido, ele

poderia ser elogiado, e por outro lado, criticado por cobrar muitos impostos

ou criar regras e burocracia. A imagem ambígua pode explicar o fato de

que as melhorias na vida das pessoas, sentidas como parte do progresso,

foram apenas em parte creditadas ao Estado. Alguns avanços eram vistos

como resultado de luta individual, do apoio familiar, da ajuda de alguma

organização não governamental ou, ainda, da intervenção divina.

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Para diminuir a possibilidade de ser abandonado ou enganado pelos políticos

(e também por funcionários públicos que atendem nos serviços estatais) é

preciso conhecer os direitos. Nos grupos focais surgiu uma percepção bastante

compartilhada sobre os direitos: eles existem (apenas um interlocutor

afirmou não existirem direitos), entretanto, estão camuflados ou escondidos

– tanto que as pessoas passam por situações que não precisariam, mas não

conhecem os direitos, como disse um morador de Caximba, no Paraná.

Para conhecer os direitos é preciso estudar, ler, conversar, conhecer pessoas,

correr atrás. A aproximação com determinados grupos ou movimentos

sociais é uma das formas de adquirir esse conhecimento, como aconteceu

com a chegada do Movimento dos Pescadores na Ilha de Maré, na Bahia:

De forma semelhante, os moradores do Quilombo dos Alpes, em Porto

Alegre, no Rio Grande do Sul, contaram que descobriram o acesso a diversos

canais de políticas públicas com sua identificação como terra quilombola

e que o sentimento anterior era o de que não tinha, não tinha direitos.

A pessoa que conhece os seus direitos – antes camuflados – passa por uma

transformação e fala de si a partir de características como ser briguenta,

ser boca aberta, ser boca grande. Essas categorias expressam o caráter de

debate, discussão e luta na qual se envolvem aqueles que enfrentam

situações consideradas injustas – como uma moradora da Bahia que discutiu

com o serviço de saúde para que seu pai recebesse atendimento:

Hoje eu agradeço ao movimento dos pescadores que me ensinou a saber o que era o meu direito. Antigamente, ‘nego’ pisava em cima de mim, mas hoje não pisa.

Eu sei que depois falaram que eu era presepeira, que eu era boca grande, a mim não está me dizendo nada, mas no meu direito eu vou em qualquer lugar, não tenho medo não (Moradora de Ilha de Maré, Bahia).

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 59

O QUE DIFICULTA O PROGRESSO?

Uma moradora de Araucária, ao não ser atendida depois de doze horas

de espera em um hospital e ouvir críticas a ela e ao seu local de moradia,

discutiu com os funcionários e com a médica, usando argumentos da

Constituição Federal. Depois, disso, teria ficado afamada na sua comunidade:

Em algumas falas foi possível notar considerações relacionadas à durabilidade

– ou segurança – da garantia dos direitos. Muitos dos entrevistados

perceberam um aumento dos seus direitos e expressaram receios quanto à

possibilidade de diminuição dos mesmos, como o acesso ao Sistema Único

de Saúde ou o recebimento da aposentadoria da Previdência Social. É possível

pensar que a insegurança sobre a manutenção de direitos aparentemente

conquistados está relacionada ao sentimento de desconfiança na relação com

os políticos. Esses conhecem pouco da realidade e das pautas efetivamente

importantes na vida das pessoas e não se pode, assim, prever suas ações.

Os direitos são, portanto, possíveis de serem expandidos ou arrefecidos.

A percepção sobre os políticos, as ações do Estado e os direitos colocam

questões importantes para pensar a ideia de progresso como aumento do

bem-estar ou, nas palavras utilizadas pelos entrevistados, como melhoria

de vida. Por intermédio dessas considerações, percebe-se que, embora não

mencionado de forma direta nos grupos focais, o progresso passa, sim, para

os interlocutores da pesquisa, por uma relação com o Estado e com a tomada

para si (o conhecimento) dos direitos. Quando os direitos são efetivados, a

vida torna-se melhor. Entretanto, para que o sejam, é preciso lutar (ser uma

pessoa presepeira ou briguenta), pois sua concretização não é evidente.

... agora que eu peguei essa fama de briguenta, que eu brigo pelos direitos, porque na Constituição tá... Quem conhece a Constituição? É raro o povo que conhece os seus direitos e os seus deveres. A gente não tem só direitos, a gente tem deveres também. Tanto é que agora eu passei a ser a briguenta. Quando precisa de uma vaga na escola, quando precisa mudar criança de uma escola pra outra, coisas assim, aí eu vou lá brigar.

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Perspectivas para o futuro

Se o progresso pode ser pensado em relação ao passado e ao presente –

discorrendo, por exemplo, sobre as mudanças na trajetória de vida de uma

pessoa – é interessante pensar sobre o futuro desejado pelos entrevistados.

Quais são seus planos para o futuro? Quais seus sonhos? Quem pode ajudá-

lo ou garantir que esses planos possam acontecer? Perguntas como essas

são maneiras de aferir sobre aos desdobramentos necessários para o

aumento do bem-estar, da qualidade de vida. Hirokazu Miyasaki, em The

Method of Hope (2004) sugere que a esperança, enquanto otimismo, é uma

forma de pensamento crítico, uma maneira de construir conhecimento

sobre o mundo. Partindo do seu entendimento, o que as pessoas esperam

do futuro revela os caminhos pelos quais se gostaria de progredir.

Quando perguntados sobre os sonhos e desejos para o futuro, parte

considerável dos interlocutores incluiu em seus planos a realização de cursos profissionalizantes, o término de estudos do ensino fundamental e médio ou a realização de um curso superior.

Foram mencionadas atividades em diversas áreas, como estética,

saúde, confeitaria, etc. Essa consideração pode estar relacionada

com o fato de que aumento do acesso ao ensino foi considerado

um dos aspectos positivos do presente, em relação ao passado.

Outro elemento recorrente nos desejos, sonhos ou planos para o

futuro foi a possibilidade de ver os filhos e netos crescerem, terem saúde, se casarem, serem pessoas corretas e honestas –

termos que se referem a serem trabalhadoras e conseguirem cursar

o ensino superior. A família também apareceu nos planos para a aposentadoria, quando se deseja ter tempo para brincar e cuidar dos

descendentes. Os planos colocaram a família em lugar de destaque, tal

como enfatizado anteriormente, nas considerações sobre a pobreza.

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61ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO

Aí eu digo pras minhas filhas: rica, rica não, só tem duas coisas que eu não quero, levar chumbo e passar fome, só isso (...) E eu digo todo dia, eu não quero que Deus me dê nada pra eu me sentir maior do que qualquer pessoas, pode me deixar com meus filhos, não passando fome, não dormindo no chão, os meus filhos estando com saúde e com paz, eu sou a mulher mais feliz do mundo. (Moradora de Redenção, Ceará)

Sonhos como possuir a casa própria ou um comércio (uma pequena loja

ou mercearia) expressam também a possibilidade de deixar algum patrimônio

para os filhos. É em nome deles que se sustentam sonhos sobre a melhoria da infraestrutura de determinados locais – que se deseja que deixem de ser

percebidos como inferiores e precários. Esse último desejo – da melhoria dos

serviços básicos – pode ser pensado, ainda, em relação a um tópico sugerido

por alguns interlocutores, dos quais o sonho era ver o Brasil melhorar. As

lideranças indígenas falaram desse sonho coletivo de respeito dos direitos:

Isso é um sonho que eu queria que realizasse: que o governo visse o povo indígena, as áreas indígenas, como uma área preservada. Não como uma área para servir de progresso público no Brasil. São tão poucas áreas indígenas que têm demarcadas e ainda querem cortar ainda.

Outro elemento comentado entre os sonhos para o futuro é o desejo

de poder ajudar os outros, por intermédio de dinheiro, de alimentos,

da oferta de emprego, da construção de uma biblioteca.

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Então graças a Deus o meu sonho é ter sim o meu comércio e também ajudar o próximo. Meu sonho é esse. Poder mesmo ajudar as crianças carentes que estão precisando, tirar muitas crianças aí do mundo, que estão sendo violentadas, muitas crianças que estão sendo, até mesmo, por necessidade, sendo forçadas a pedir dinheiro, ir para um lixão catar lixo, pode ter necessidade em casa. Mas, se eu tiver o meu comércio mesmo, fazer uma uniãozinha, uma cesta básica aí, pra sociedade ver, e visitar esse pessoal que precisa mesmo, que tem necessidade (...) também, as pessoas que estão precisando mesmo, eu gostaria. Quem que não gostaria? De um dia uma pessoa chegar dentro de casa com uma cesta básica, dentro de casa? “Trouxe isso daqui pra você”. Então levar alegria para o próximo, entendeu? Eu tenho esse sonho. (Morador da Vila Esperança, Salvador)

Poder ajudar os outros é um desejo que faz uma inversão no contexto das

dificuldades em que viveram os entrevistados: eles deixam, nesse sentido, de

ocupar o polo daqueles que recebem ajuda (situação que, por vezes, lhes dá

um sentimento de falta de autonomia) e se colocam na condição daqueles

que ajudam. Progredir, nesse sentido, é muito mais do que melhorar sua renda

financeira ou mesmo ter acesso aos serviços públicos, é poder se colocar em

patamares ou lugares diferentes na constituição das relações sociais. Para que

alcancem seus sonhos, eles contam com a ajuda de familiares, de organizações

não governamentais, de empresários, do Estado e, como mencionaram alguns

interlocutores religiosos, de Deus. Essas ajudas são necessárias para que

depois de uma vida correndo atrás, eles possam ter, no futuro, sossego e paz.

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO

Page 65: Aspirações de progresso das pessoas no Brasil · vivendo em diferentes momentos do ciclo de vida); gênero (mulheres e homens); etnia e pertencimento a comunidades tradicionais3

63ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL

Mulheres e homens, em diferentes partes do Brasil, refletiram sobre progresso

e pobreza. Em suas falas surgiram diversas acepções do termo progresso, que o

qualificaram como bom (quando sinônimo de melhoria de vida) e ruim (quando

relacionado aos impactos ambientais cometidos em ‘nome do progresso’).

Igualmente, surgiram diversas compreensões sobre o que caracteriza a pobreza

– de maneira que, em alguns momentos, os interlocutores se auto intitularam

pobres e em outros, se constrangeram ou relutaram em identificar-se como tal.

Em suma, suas considerações sobre esses conceitos mostraram como esses

fenômenos são abordados de forma reducionista quando pensados apenas

por sua dimensão utilitária ou quando relacionados apenas à renda. Nesse

sentido, suas falas desenharam considerações sobre dimensões morais

que remetem à identidade, a um ethos compartilhado, a uma forma de

perceber-se no mundo. É levando essas dimensões em consideração que

podemos compreender outros aspectos recorrentes nos grupos focais.

Entre eles, podemos citar a percepção de uma espécie de identidade ligada à luta, ao correr atrás. Esse movimento que projeta os sujeitos para frente

(para o progresso, para a melhoria de vida) é parte de desejo por autonomia,

por não depender de ninguém. Depender coloca o sujeito em uma condição

Considerações finais

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de vítima, passividade e humilhação (pois precisa pedir) e é diferente de

contar com a ajuda – que se recebe dos familiares, dos vizinhos, da presença

divina ou do Estado. A diferença entre depender e ser ajudado permite

compreender que o que mais se espera do Estado é que ele crie oportunidades

para que os sujeitos possam progredir. É nessa perspectiva que surgem as

considerações positivas relacionadas à política de cotas para ingresso no

ensino superior ou o reconhecimento de terras tradicionalmente ocupadas.

Outro aspecto, diretamente relacionado ao acima exposto, é a perspectiva de vida como luta – luta para sobreviver, mas evidentemente, não apenas

isso, luta para conquistar direitos (escondidos), para fazer as melhorias nas

casas, para ver os filhos entrando na universidade. O preconceito exacerba

ainda mais o caráter de luta constante da vida, haja vista a grande referência

às situações de discriminação vividas que passam pela classe e pela raça

(acionando ainda gênero, etnia, localidade) que dificultam as experiências.

Outro aspecto recorrente nas falas e que remete também a uma dimensão

moral da experiência é a importância da família. A luta é justificada, não

pelo indivíduo e por um progresso individual, mas porque é através dele

que é possível melhorar a vida da família e da vizinhança. A centralidade

da família é evidente, ainda, nos planos e nas preocupações em relação

ao futuro – quando filhos e netos aparecem como protagonistas. É nesse

sentido que se colocam tantas situações de acompanhamento, de cuidado,

de preocupação com os outros. É também por isso que se critica aqueles

que eram próximos e, ao ascenderem socialmente, se colocam de maneira

distante e indiferente - são posturas como estas que exemplificam o aumento

do individualismo, uma das características negativas do tempo presente.

Um terceiro aspecto presente de forma constante nos grupos focais fala

de uma característica da pobreza, a incerteza em relação à gestão do

cotidiano. Nesse sentido, o dia a dia coloca sempre a possibilidade de uma

possível privação material ou ainda, a fragilidade em manter melhorias ou

conquistas. Muito embora grande parte dos entrevistados tenha percebido

mudanças positivas nas suas vidas quando comparam suas trajetórias com

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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ASPIRAÇÕES DE PROGRESSO DAS PESSOAS NO BRASIL 65

CONSIDERAÇÕES FINAIS

as das gerações anteriores, em diferentes momentos foram reticentes sobre

sua permanência no mercado de trabalho, sobre a futura existência de

aposentadoria, de um sistema público de saúde etc. Como demonstraram os

indígenas no estado do Pará, as iniciativas governamentais no reconhecimento

dos direitos coletivos, por exemplo, estão sempre ameaçadas.

Esses aspectos continuamente retomados nos grupos focais trazem para

primeiro plano dimensões morais, valorativas e simbólicas das experiências

vividas. Se elas parecem escapar de determinadas formas de apreender

fenômenos como pobreza e progresso, elas se tornam evidentes em pesquisas

que prezam pelo qualitativo e pela apreensão desses fenômenos a partir

da interpretação dos próprios sujeitos enquanto interlocutores. Atentar

para suas falas é considera-los também produtores do conhecimento,

pois como disse uma das interlocutoras, tanto analisei na minha vida.

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