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Instituto Politécnico de Viana do Castelo Escola Superior de Educação Grupo Disciplinar Educação e Formação de Professores ATAS 2016

ATAS -  · Este processo ocorreu após a lecionação do conteúdo programático “A célula – unidade na constituição dos seres vivos”, a qual fez uso, entre outros recursos,

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Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Escola Superior de Educação

Grupo Disciplinar Educação e Formação de Professores

ATAS

2016

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Atas do 4º Encontro Ensinar e Aprender

com Criatividade dos 3 aos 12 anos

(4º CRIA)

Ficha técnica

Título: Atas do 4º Encontro Ensinar e Aprender com Criatividade dos 3 aos 12 anos –

2016

Editores: Ana Barbosa e Isabel Vale

Edição: EdProf e Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do

Castelo

Data: Dezembro de 2016

ISBN: 978-989-8756-09-1

Depósito Legal: 418241/16

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O 4º CRIA foi organizado pelo Grupo de Educação e Formação de Professores do

Instituto Politécnico de Viana do Castelo e realizado em 6 de julho de 2016 na

Escola Superior de Educação.

Comissão Organizadora: Ana Barbosa, Ana Peixoto, Elisabete Cunha, Fátima

Fernandes, Gabriela Barbosa, Isabel Vale, Lina Fonseca, Linda Saraiva, Luísa Neves,

Teresa Pimentel.

Comissão. Cientifica: Ana Barbosa, Ana Peixoto, César Sá, Gabriela Barbosa, Isabel

Vale, Lina Fonseca, Linda Saraiva, Luísa Neves, Teresa Pimentel.

Revisão científica: Alexandra Esteves, Ana Barbosa, Ana Peixoto, Benjamim Pereira,

Elisabete Cunha, Fátima Fernandes, Fátima Pereira, Gabriela Barbosa, Gonçalo

Marques, Isabel Vale, Joana Oliveira, José Portela, Lina Fonseca, Linda Saraiva, Luís

Mourão, Luísa Neves, Raquel Leitão, Rosa Faneca, Teresa Gonçalves e Teresa

Pimentel.

Apoios

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 7

PAINEL.......................................................................................................................... 11

A criatividade nas práticas de professores.......................................................................13

Moderadora: Teresa Pimentel, Participantes: Conceição Cerqueira, Sandra Pinheiro e

Hélia Pinto

CONFERÊNCIA PLENÁRIA..................................................................................... 15

Jogo e Criatividade: como contribuir para crianças mais ativas, saudáveis e felizes......17

Carlos Neto

COMUNICAÇÕES ORAIS..........................................................................................19

À descoberta da célula com textos de divulgação científica........................................... 21

Maria Laura Oliveira e Ana Sofia Afonso

Desenvolvimento e integração curricular: Como incluir a educação cinematográfica no

1.º Ciclo do Ensino Básico.............................................................................................. 33

Manuel Montenegro e Pedro Duarte

Recursos Educativos Digitais e ensino da gramática – contributos do referencial

TPACK............................................................................................................................ 47

Daniela Melo e Gabriela Barbosa

A adaptação de uma história ao sistema SPC – uma estratégia criativa de promoção da

inclusão de Crianças com NEE....................................................................................... 69

Andreia Novais e Gabriela Barbosa

As noções espaciais e o mundo da criança...................................................................... 81

Filipa Balinha e Ema Mamede

Trilhando uma quinta pedagógica com a Matemática..................................................... 99

Fátima Fernandes, Isabel Vale e Pedro Palhares

COMUNICAÇÕES COM DEMONSTRAÇÃO.......................................................113

Matemática + Histórias Infantis = Conexões Criativas no Pré-escolar......................... 115

Maria Vaz e Ana Barbosa

Pensar não tem de ser escolarizar! ................................................................................137

Florbela Soutinho e Ema Mamede

Construir pontes entre a Matemática e a Educação Financeira..................................... 153

Dárida Fernandes, Maria Santos e Susana Sá

Consciência Histórica e Património Local na Didática da Educação Pré-Escolar........ 167

Gonçalo Marques

POSTERS..................................................................................................................... 185

À descoberta das formigas: uma intervenção didática com crianças de 4 e 5 anos...... 187

Letícia Alves Bouçada

Faz-se Luz na promoção da articulação horizontal do currículo pelo recurso a projetos:

uma experiência de intervenção.................................................................................... 191

Daniela Caramalho, Fátima Lima, Sara Cunha e Fátima Sousa-Pereira

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O papel da biblioteca escolar e dos projetos na construção de ambientes de

aprendizagem criativos e promotores de sucesso: uma experiência de intervenção..... 199

Patrícia Fernandes, Joana Martins, Rita Cruz e Fátima Sousa-Pereira

À Descoberta de Portugal pela metodologia de trabalho de projeto: uma experiência de

intervenção no pré-escolar............................................................................................. 207

Lídia Neves, Anais Cerqueira, Marina Machado, Paula Coelho e Fátima Sousa-Pereira

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INTRODUÇÃO

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À semelhança dos três anos anteriores, o Encontro Ensinar e Aprender com

Criatividade dos 3 aos 12 anos pretendeu sensibilizar a comunidade educativa,

particularmente educadores de infância e professores do 1.º e 2.º ciclos do ensino

básico, para a importância da criatividade como uma estratégia inovadora a utilizar no

ensino e aprendizagem das várias áreas do currículo. Por outro lado, este encontro

pretende ser um espaço de divulgação do trabalho desenvolvido nas Instituições de

Formação de Professores, dando oportunidade em particular aos jovens estudantes e

recém-diplomados de apresentar as suas experiências, estudos e/ou projetos.

Para isso, foram constituídos vários espaços de informação, debate e reflexão, com

momentos diferenciados de participação e partilha, que se dividiram em comunicações

orais, comunicações com demonstração, comunicações em poster, sessões práticas, uma

conferência plenária, um painel e uma feira de ideias criativas, nos quais se procurou

evidenciar a importância da criatividade em diferentes contextos educativos e em várias

áreas de conhecimento.

Esta compilação contém os textos integrais referentes a diferentes tipos de participações

no encontro, nomeadamente comunicações orais, comunicações com demonstração e

comunicações em poster, e também os resumos da conferência plenária e do painel. Os

catorze artigos abrangem áreas diferenciadas e incidem sobre vários níveis de ensino.

Por fim, salienta-se que os textos constantes desta publicação foram aceites após revisão

científica.

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PAINEL

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A criatividade nas práticas de professores

Moderadora:

Teresa Pimentel

Escola Secundária de Santa Maria Maior, Viana do Castelo

Participantes:

Conceição Cerqueira, Agrupamento de Escolas Monte da Ola, Viana do Castelo

Sandra Pinheiro, Agrupamento de Escolas Frei João de Vila do Conde

Hélia Pinto, Instituto Politécnico de Leiria

Resumo. Neste painel pretende-se ouvir as vozes de professores no domínio da

criatividade. As três professoras intervenientes, de diferentes níveis de ensino, vão

apresentar-nos o seu trabalho e experiência. Embora centrando-se mais no domínio da

Matemática procurar-se-á estabelecer pontes com outras áreas do saber. Haverá

oportunidade para questões e debate de ideias.

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CONFERÊNCIA PLENÁRIA

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Jogo e Criatividade: como contribuir para crianças mais ativas,

saudáveis e felizes

Carlos Neto

Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa, [email protected]

Resumo. A investigação científica tem vindo a demonstrar que o comportamento lúdico

durante os primeiros anos de vida tem muitas vantagens no desenvolvimento humano:

na estruturação do cérebro e respetivos mecanismos neurais; na evolução da

linguagem e literacia, na capacidade de adaptação física e motora; na estruturação

cognitiva e resolução de problemas; nos processos de sociabilização e finalmente na

construção da imagem de si próprio, capacidade criativa e controlo emocional. Neste

sentido, aprender com o corpo em ação na sala de aula permitirá encontrar várias

soluções pedagógicas que serão muito gratificantes para as culturas de infância e

permitirão mais sucesso académico. Esta conferência permitirá analisar e refletir sobre

a necessidade de uma redefinição dos modelos de uma pedagogia ativa e centrada nas

necessidades das crianças e de uma nova postura dos professores quanto à definição

do projeto educativo da sua escola.

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COMUNICAÇÕES ORAIS

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À descoberta da célula com textos de divulgação científica

Maria Laura Oliveira1, Ana Sofia Afonso2 1Universidade do Minho, [email protected]

2Cied, Universidade do Minho, [email protected]

Resumo. Escrever textos nas aulas de ciências constitui um processo ainda

pouco habitual, mas relevante na promoção da aprendizagem. Neste

trabalho procura-se estimular a criatividade dos alunos na produção

textual na área das ciências. A produção textual é um processo cognitivo

complexo que requer, entre outros aspetos, que o indivíduo relembre e

reestruture conceitos, coloque hipóteses, interprete, sintetize e confronte

ideias. Neste trabalho, analisa-se a qualidade dos textos de divulgação

científica produzidos por 6 grupos de alunos do 5º ano de escolaridade.

Este processo ocorreu após a lecionação do conteúdo programático “A

célula – unidade na constituição dos seres vivos”, a qual fez uso, entre

outros recursos, da exploração de um texto de divulgação científica

proveniente de uma revista de divulgação destinada ao público infantil e

juvenil. Envolveu quatro momentos principais: 1) planificação do conteúdo

do texto e organização da informação, tendo como guião um mapa de

conceitos construído no final da lecionação do conteúdo programático

supramencionado; 2) textualização apoiada por um guião com a estrutura

textual de textos de divulgação científica para revistas; 3) auto revisão e

revisão por pares dos textos produzidos, apoiadas por um guião de

avaliação e 4) edição de um número de uma revista de divulgação com os

textos produzidos. Os resultados obtidos apontam para a necessidade de

desenvolver o espírito crítico dos alunos bem como de estimular a sua

criatividade.

Palavras-chave: textos de divulgação científica; ciências naturais;

socioconstrutivismo; produção textual.

Introdução

Estudos internacionais como o TIMSS e o PISA (Ferreira, 2012; Ferreira, 2013)

revelam a necessidade de melhorar o desempenho dos alunos portugueses na área das

ciências. Esta necessidade é premente na sociedade atual marcada pela influência das

ciências e da tecnologia nos modos de vida em sociedade (Magalhães & Tenreiro-

Vieira, 2006). Assim, torna-se imperativo dotar os cidadãos de competências que lhes

permitam posicionar-se ativa e criticamente perante as mais variadas situações com que

se deparam no seu dia-a-dia e que influenciam o rumo das suas vidas, quer sejam a nível

cultural (ex.: conhecer as principais ideias históricas e modo como foram

desenvolvidas); pessoal (ex.: enquanto pais, tomar decisões informadas sobre a

criopreservação das células estaminais do cordão umbilical); social (ex.: compreender a

relevância do estudo da célula no tratamento de doenças cancerígenas e na melhoria da

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qualidade de vida dos cidadãos afetados); económicos (ex.: compreender os custos da

criopreservação de células estaminais). Assim, é necessário que a educação em ciências

não se centre na aprendizagem de conteúdos, mas no desenvolvimento de competências

chave que possam ser mobilizadas para a ação e que acompanhem a aceleração

científica e tecnológica do mundo ocidental atual, nomeadamente: aprender a aprender;

comunicar; exercer uma cidadania ativa; pensar criticamente; resolver situações

problemáticas e gerir conflitos (Cachapuz, Sá-Chaves & Paixão, 2004).

Vários recursos são disponibilizados aos cidadãos para que estes possam aprender

ciências ao longo da vida, tais como os museus e centros interativos de ciência,

televisão, rádio, internet, ou materiais impressos (ex.: livros e revistas de divulgação

científica), sendo os textos de ciências em revistas de divulgação científica o enfoque

deste trabalho.

Compreender textos de divulgação científica (doravante TDC) publicados em revistas

vai para além de saber os conteúdos científicos, pois requer que o leitor se encontre

familiarizado, entre outros aspetos, com os géneros de texto usados e com o seu

propósito. Globalmente estes textos recorrem a sequências textuais expositivas e

descritivas (Ramos, Marques & Duarte, 2015) para comunicar com o leitor. Contudo,

alguns destes textos podem ser classificados como de divulgação científica mediática,

os quais se caracterizam por utilizar estratégias verbais e iconográficas, organizadas

numa híper-estrutura, para cumprir dois objetivos ilocutórios: informar e explicar

(fazer-saber e fazer-compreender); captar e manter a atenção do leitor (ibidem). Outros

textos procuram informar o público sobre assuntos científicos, constituindo uma espécie

de “janela” para o mundo da ciência (Mcclune & Jarman, 2010).

A integração de TDC no contexto escolar constitui uma oportunidade de familiarizar os

alunos com estes géneros de textos, ajudando-os a tornarem-se leitores críticos,

favorecendo também o desenvolvimento de uma atitude positiva face à aprendizagem

das ciências, pela atribuição de significado aos conteúdos explorados em sala de aula,

dada a ligação existente entre este tipo de textos e a realidade social. Possibilitam ainda

uma aprendizagem interdisciplinar, aliando as Ciências Naturais a outras áreas

curriculares como Português e Matemática. Desta forma, a utilização de TDC nas aulas

de Ciências Naturais permite interligar a área das ciências com a área das humanidades,

contribuindo, assim, para a diminuição do fosso entre estas “duas culturas” (Snow,

1959).

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A maioria dos trabalhos relacionados coma integração de TDC em sala de aula

encontrados, provenientes de investigação brasileira no ensino das ciências, debruçam-

se sobre o ensino secundário e superior. Contudo, o estudo desenvolvido por Rocha

(2012) com professores de ciências do ensino fundamental1 permitiu concluir que a

principal estratégia didática utilizada pelos docentes era a leitura de TDC em grupo

seguida de produção de textos escritos ou imagéticos. Os dados obtidos revelaram que

esta estratégia gera maior motivação nos alunos e promove a partilha e confronto de

ideias e opiniões. Um outro estudo levado a cabo por Rosa e Terrazan (2002) analisou a

eficácia da utilização de TDC no ensino das ciências com alunos da 4ª série do ensino

fundamental2. Os dados obtidos permitiram constatar que a estratégia utilizada (leitura

de um TDC seguida de produção escrita) contribuiu para a aprendizagem dos alunos a

partir de temas atuais e próximos da realidade dos alunos.

A produção textual é um processo cognitivo complexo que implica a ativação de vários

processos cognitivos, designadamente organização de ideias, (re)construção e

elaboração do conhecimento, sistematização e confronto de ideias (Carvalho, 2011).

Pode ser realizada de forma individual ou em grupo. Contudo, a escrita colaborativa

beneficia da troca de saberes entre pares e permite desenvolver competências de

comunicação e pensamento crítico, através da argumentação, procura de alternativas,

confronto de opiniões, tomada de decisões, entre outros (Barbeiro & Pereira, 2007).

Esta estratégia de escrita pode ser posta em prática segundo diferentes modalidades: co-

escrita (escrever em conjunto); ou cooperação em componentes e momentos específicos

(ibidem). Este trabalho desenvolve-se em torno do processo de escrita de TDC enquanto

estratégia pedagógica no ensino das Ciências Naturais.

Objetivos

Este trabalho tem como objetivos:

1) Analisar o processo de produção textual de TDC pelos grupos de alunos;

2) Analisar a qualidade dos TDC produzidos.

Metodologia

O processo de produção textual

O processo de produção textual, enquadrado numa perspetiva construtivista social,

ocorreu no final da lecionação do conteúdo programático “A célula – unidade na

1 Equivalente aos anos de escolaridade compreendidos entre o 1º e o 3º Ciclo do Ensino Básico, em Portugal. 2 Equivalente ao 5º ano de escolaridade em Portugal.

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constituição dos seres vivos” (2º ciclo) que culminou com a construção no grupo turma

de um mapa de conceitos sobre os assuntos abordados. Este mapa incluía não só

conceitos de ciência fundamental como também relações entre a ciência, a tecnologia e

a sociedade. Ao longo da lecionação do tema os alunos foram familiarizados com TDC,

nomeadamente: género de texto, linguagem e processos de produção. Para a produção

textual foi proposto aos alunos que escrevessem um texto de divulgação científica com

o intuito de ser publicado numa revista de divulgação (edição especial sobre a célula)

com circulação no ambiente escolar. Este processo desenvolveu-se em sala de aula ao

longo de três aulas: duas de 45 minutos e uma de 90 minutos.

Uma vez apresentada a tarefa, o ciclo de escrita desenvolveu-se em pequenos grupos,

tendo cada um estado envolvido em três grandes fases:

1) planificação – na fase de planificação foi pedido a cada grupo de alunos que,

partindo do mapa de conceitos elaborado no final da lecionação do conteúdo

programático “A célula – unidade na constituição dos seres vivos”, escolhessem o

assunto sobre o qual se iria focar o texto e quais os conteúdos científicos, tecnológicos,

e/ou que interações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade a abordar, sequenciando-

os pela ordem com que iriam surgir no texto. Esta fase foi apoiada por um guião.

2) textualização – na fase de textualização foi entregue a cada grupo de alunos um

esquema da estrutura do TDC, explicitando os elementos principais a incluir em cada

parte, designadamente: 1) título, o qual deveria conter palavras-chaves do artigo, ser

curto e expressivo para chamar a atenção do leitor; 2) introdução, resumida a um

parágrafo inicial, o qual deveria exprimir a relevância do assunto do texto para o leitor e

motivá-lo para a leitura 3) desenvolvimento, o qual deveria explanar o assunto do texto

e relacionando-o com a ilustração que o acompanha; 4) conclusão, a qual deveria

resumir o conteúdo do texto.

3) revisão – a revisão textual dividiu-se em duas etapas: autoavaliação, seguida de

uma avaliação cega pelos pares. A autoavaliação realizada pelos autores do texto

produzido incidiu sobre os aspetos: qualidade científica e interesse do conteúdo dos

textos; género do texto e estrutura; correção linguística; estrutura do texto (ex.: clareza e

organização das ideias). Esta avaliação ocorreu alguns dias após a escrita do texto e

fundamenta-se na necessidade de uma visão distanciada do texto escrito que só é

alcançável por distanciamento temporal dos autores do texto com o mesmo (Barbeiro &

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Pereira, 2007). A revisão por pares é importante na medida em que, dada a proximidade

existente entre o autor e o texto escrito, este perde a capacidade de o analisar de forma

não subjetiva. Na avaliação dos textos pelos pares, procedeu-se à troca dos textos

produzidos entre grupos, sem identificação dos autores de modo a garantir uma análise

imparcial, e pediu-se a cada grupo de alunos para efetuarem a avaliação do texto que

lhes foi atribuído com o auxílio de um guia de revisão. Este guião semiestruturado

apresentava um conjunto de itens de análise (ex.: respeito pelas características do

género textual; estilo de escrita capaz de cativar o leitor; respeito pelo tema proposto;

inclusão de ideias relevantes, interessantes e cientificamente adequadas sobre a célula;

pertinência e qualidade científica da ilustração; relação entre a ilustração e o texto

escrito; e algumas questões abertas relacionadas com a apreciação global do texto

produzido e sugestões de melhoria. Estas avaliações foram enviadas aos autores dos

textos pedindo-lhes que as comentassem e, se concordassem, introduzissem as

sugestões dadas.

Participantes

O presente trabalho foi desenvolvido com 22 alunos do 5º ano de escolaridade, com

idades compreendidas entre os 10 e os 13 anos de idade. Estes alunos apresentavam

características heterogéneas a nível cognitivo. Assim, participaram alunos avaliados nas

disciplinas de Ciências Naturais e Português desde o nível qualitativo “não satisfaz” até

alunos classificados no nível “excelente”. Para a produção textual dos textos, os alunos

foram divididos em seis grupos heterogéneos (a nível cognitivo) de 4 a 5 elementos

cada.

Recolha e análise de dados

O corpus de análise é constituído por 6 guiões de planificação, 6 guiões de

textualização, 6 guiões de avaliação por pares e por 6 textos produzidos por 6 grupos de

alunos. A análise de dados consistiu na aplicação da técnica de análise de conteúdo,

tendo-se formado categorias à posteriori.

Resultados e discussão

A análise dos dados permite constatar que a extensão dos textos produzidos é variável

entre os grupos (entre 62 e 222 palavras), não tanto pelo nível de desenvolvimento das

ideias apresentadas, mas pela diversidade de conteúdos incluídos. Constata-se ainda que

para a elaboração dos textos, os alunos nem sempre respeitaram a planificação do texto

efetuada: em dois textos ocorreu a ausência de conteúdos previamente planificados e em

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outros dois a inclusão de novos conteúdos (Quadro 1). Estes novos conteúdos estão, na

sua maioria, relacionados com factos sobre a célula que vão para além do programa,

nomeadamente a teoria celular ou referência a células estaminais:

“Em 1837, Matthias Jakob Schleiden e Theodor Schwann desenvolveram a

teoria celular que indica que todos os organismos vivos são compostos por

uma ou então mais células e que todas as células vêm de células

preexistentes” (G4)

“Um tipo de células animais são as células estaminais e são elas que

formam todas as outras células do nosso corpo” (G5).

Quadro 1. Comparação entre a informação planificada e aquela textualizada

G1 G2 G3 G4 G5 G6

Ausência de alguns conteúdos planificados

Acréscimo de conteúdos aos planificados

Ausência de alguns conteúdos planificados

e acréscimo de outros

No que se refere aos assuntos do programa inseridos nos textos, constata-se que todos

os textos descrevem os “tipos de células” e as “estruturas das células”; muitos

apresentam uma definição de célula (4) e poucos fazem referência aos níveis de

organização biológica (2) e aos seres unicelulares e pluricelulares (1) (Quadro 2). A

informação incluída sobre cada um destes aspetos é semelhante em todos os textos.

Assim, a célula é considerada a “unidade básica na constituição” de todos os seres vivos

(G3, G2), sendo mencionado em alguns textos que a célula é a “unidade básica dos

seres vivos” em termos “estruturais” e funcionais” (G1, G4). Quanto à estrutura das

células, os textos mencionam o núcleo, o citoplasma e a membrana celular como

constituintes de todas as células, sendo acrescentada a “parede celular” (G2, G3, G4,

G5, G6) como um elemento da estrutura das células vegetais, como se constata no

seguinte excerto:

“Assim, as células animais e vegetais são constituídas por: membrana

celular, citoplasma, núcleo e outras estruturas. As células das plantas

(células vegetais) estão rodeadas por uma parede celular” (G6)

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Quadro 2. Conteúdos textualizados e contemplados no programa de Ciências Naturais

para o 5º ano de escolaridade

G1 G2 G3 G4 G5 G6

Fundamentos sobre a célula

Definição de célula

Tipos de células

Estrutura das células

Dimensão da célula

Seres unicelulares e seres

pluricelulares

Níveis de organização

biológica

Marcos históricos

Contributos da evolução da

microscopia na descoberta

da célula

Cientista responsável pela

descoberta da célula

Para além dos fundamentos sobre a célula, três textos fazem referência a marcos

históricos no estudo da célula: em dois dos textos é possível constatar a relação entre a

ciência e a tecnologia, pondo em evidência o contributo do microscópio e seu

aperfeiçoamento para a descoberta da célula:

“Com a evolução do poder de ampliação e de resolução do microscópio, foi

possível descobrir o mundo microscópico da célula” (G1);

“A dimensão da grande maioria das células é muito reduzida, por isso, a sua

descoberta só foi possível quando se inventou o microscópio que é um

instrumento de ampliação (...)” (G2).

No texto do G2 e também noutro texto, é mencionado Robert Hooke como o cientista

responsável pela descoberta da célula:

“(...) tendo sido pela primeira vez observada por Robert Hooke, em 1665,

quando observava cortiça ao microscópio” (G2);

“A célula foi descoberta por Robert Hooke em 1665” (G4).

Todos os textos são acompanhados por ilustrações, sendo a maioria (5) elaboradas pelos

próprios alunos. Estas ilustrações são mencionadas no texto e representam a estrutura de

células animais e vegetais. Em todos os grupos as ilustrações são identificadas enquanto

célula animal ou vegetal e acompanhadas por uma legenda:

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“Existem células vegetais e animais (...) As células vegetais e animais são

constituídas pelo núcleo, citoplasma e membrana celular. As células

vegetais possuem ainda parede celular. A estrutura destes dois tipos de

células encontra-se nas imagens abaixo” (G5)

Figura 1: Representações da célula animal e vegetal ilustradas pelo G5.

Existe um desfasamento entre as ilustrações apresentadas e o texto escrito, na medida

em que são incluídas mais estruturas nas células ilustradas do que aquelas descritas no

texto. Estas estruturas (mitocôndrias, complexo de golgi, cloroplastos, etc.) foram

observadas e mencionadas em sala de aula aquando da observação de células animais e

vegetais em microscópios com poder de ampliação superior ao microscópio ótico

composto. Estas estruturas são legendadas como “outras estruturas” ou “organelos” (3)

(Quadro 3).

Quadro 3. Análise das ilustrações dos textos produzidos pelos grupos de alunos

G1 G2 G3 G4 G5 G6

Complementam o texto

Explicadas no texto

Elaboradas pelos alunos

Retiradas da web

Quanto à qualidade científica das ilustrações constatou-se que três ilustrações

representam corretamente os vários organelos celulares presentes nas células animais e

vegetais (G1, G2 e G5) e as restantes três apresentam incorreções (G3, G4 e G6). As

incorreções observadas prendem-se com a incorreta identificação do citoplasma (G4),

da parede celular (G6) e com a incorreta representação e identificação da membrana

celular (G3).

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A análise dos guiões de revisão permitiu constatar ausência de espírito crítico uma vez

que nenhum dos grupos de alunos analisou criticamente os textos produzidos pelos seus

pares e/ou sugeriu possíveis alterações para melhoramento dos textos. Assim, todos

assinalaram a qualidade dos textos em todos os parâmetros em análise, isto é, cativar o

leitor para a leitura, respeitar as características do género textual, incluir ideias

relevantes, interessantes e cientificamente adequadas sobre a célula, pertinência e

qualidade científica da ilustração; relação entre a ilustração e o texto escrito.

Conclusão

O estudo parece indicar que embora os alunos se tenham envolvido na tarefa de

construção de textos de divulgação científica, os textos elaborados tratam conteúdos

semelhantes e ilustram os mesmos tipos de células e estruturas. Embora os alunos

tenham estudado vários tipos de células e as relações entre a biologia celular, a

tecnologia e a sociedade, nenhum grupo focou o seu texto numa célula específica, antes

apresentou apenas ideias gerais sobre a célula; episódios históricos ou contemporâneos

relacionados com o desenvolvimento do conhecimento científico ou temas socio-

científicos sobre o estudo da célula. Assim, não foram criativos na escolha de um tema

que pudesse cativar o leitor, cingindo-se aos princípios básicos sobre a célula. Tal

poderá refletir a pouca familiaridade dos alunos com o tema, o qual foi abordado pela

primeira vez com um enfoque no manual escolar para procurar informação. Também ao

nível das ilustrações se verificam incorreções que revelam a incompreensão da

localização e representação de determinadas estruturas celulares, apesar de terem sido

observadas e representadas várias vezes em sala de aula pelos alunos. A função das

ilustrações também necessita de ser trabalhada com os alunos dado que existe algum

desfasamento entre as ilustrações apresentadas e a informação apresentada no texto.

Contudo, os dados obtidos apontam para um contributo positivo deste recurso para a

aprendizagem das ciências, tal como referido por Rosa e Terrazzan (2002).

As variações verificadas no conteúdo entre a fase de planificação e de textualização

manifestam o caráter dinâmico do processo de produção textual e transparecem a

dificuldade inerente a este processo, uma vez que exige a tomada de decisões e a

reflexão sobre o que é relevante e acessório de acordo com a função que o texto irá

desempenhar, reforçando o referido por Carvalho (2011). Apesar do aluno tomar

decisões aquando do momento de planificação acerca do conteúdo do texto pode,

durante a escrita propriamente dita, modificar esse seu plano inicial, retirando ou

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4º CRIA

30

acrescentando conteúdo. Esta dinâmica relaciona-se com o desenvolvimento da

capacidade de gerar e gerir diferentes possibilidades para a construção do texto.

As dificuldades de autoavaliação e de revisão dos textos pelos pares sugere a

necessidade de se desenvolver nos alunos a capacidade e atitudes de espírito crítico, as

quais são essenciais quando os alunos se deparam com textos de revistas científicas cuja

produção é condicionada por fatores ideológicos e de mercado.

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Desenvolvimento e integração curricular: Como incluir a educação

cinematográfica no 1.º Ciclo do Ensino Básico

Manuel Montenegro1, Pedro Duarte2 [email protected]

[email protected]

Resumo. O presente trabalho pretende explorar, do ponto de vista teórico, a

importância da educação artística e cinematográfica e a necessidade da sua

introdução curricular, de forma integradora e criativa.

Pretende-se, mais que espelhar as perspetivas estudadas no âmbito do

currículo, incluindo a influência da didática sobre a temática, relacionar os

contributos da Filosofia da Arte (e da própria Arte), para que seja possível

compreender, de uma forma mais holística, a importância da educação

cinematográfica no contexto curricular.

Face ao exposto o trabalho incidirá em: i) breve sustentação teórica-

filosófica da inclusão da educação cinematográfica em contexto escolar,

com especial ênfase no 1.º Ciclo do Ensino Básico; ii) proposta de uma

estratégia criativas e específica, no âmbito da educação cinematográfica,

para o nível de ensino já referido.

Palavras-chave: Integração Curricular; Cinema; Educação

Cinematográfica; 1.º Ciclo do Ensino Básico; Trabalho de Projeto

1. O Currículo: das dimensões teóricas às implicações práticas

Assume-se que o currículo se tornou a base da definição da existência escolar (Roldão,

1999; Pacheco, 2001), ao estruturar os conteúdos culturais a trabalhar e as componentes

pedagógicas e didáticas, revelando o fator social inerente à escola (Diogo, 2010).

Todavia, apesar do termo currículo ser utilizado com regularidade no contexto

educacional, ainda não é possível estabelecer consensos sobre a definição de currículo

(Young, 2014), uma vez que o conceito de currículo é passível de inúmeras perceções e

perspetivas (Roldão, 1999).

Leite (2001) considera que não faz sentido continuar-se a conceber o currículo como

uma mera súmula de conteúdos a explorar. A visão de um currículo meramente

prescritivo, relaciona-se com uma visão de escola (e de sociedade, implicitamente) que

promove o funcionamento diretivo, impessoal e uniforme, em que o foco da decisão é,

impreterivelmente, um gestor central (Morgado, 2014; Roldão, 1999), podendo ser

instrumentalizado de forma a promover a imposição e afirmação da racionalidade

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administrativa (Morgado, 2014). De acordo com Pacheco (2009), essa perspetiva

acompanha a instituição escolar desde a sua génese, e reforça a ideia de currículo ao

serviço da instrução, implicitamente associado à transmissão de conhecimento como

processo educativo primordial. Este tipo de perspetiva tende a focar o processo de

ensino e de aprendizagem em elementos mais tradicionais, como: saberes a serem

transmitidos/ensinados; planeamento; objetivos; métodos; avaliação (Martins, 2014).

De acordo com Leite (2001), o currículo compreende, implicitamente, tudo o que é

desenvolvido e aprendido no contexto escolar. Pacheco (2001), numa perspetiva

homóloga, reconhece a existência de diferentes fases do currículo, evidenciando

diferenças entre aquilo que é indicado pela tutela (currículo prescrito) e aquilo que é

aprendido pelos estudantes (currículo real). Por sua vez, Roldão (2010) recorda a

importância da decisão curricular local, por forma a que se consiga incorporar nos

projetos próprios de cada escola, promovendo o sucesso .

De acordo com esta perspetiva, compete ao professor, tomando em consideração as

necessidades próprias dos seus estudantes o currículo prescrito, decidir sobre o modo e

o que os alunos desenvolvem aprendizagens em contexto de sala de aula (Diogo, 2010).

Assim, o currículo inclui, inevitavelmente, um processo de interpretação (Zabalza,

2000) e construção curricular (Mesquita, Formosinho, & Machado, 2012), em que o

professor se assume como responsável pelo projeto curricular e gestão das suas

abordagens pedagógicas (Zabalza, 2000).

Neste sentido, reconhece-se que currículo implica um continuum de tomada de decisões

de diferentes agentes educativos, em diversos níveis e contextos (Pacheco & Paraskeva,

1999), em que o currículo é encarado como um processo dinâmico (Diogo, 2010), como

um projeto (Alonso, 2002a; 2002b; Martins, 2014), para que se consiga adequar ao

contexto e aos estudantes em específico (Dinis & Roldão, 2004; Leite, 2000; 2012),

fazendo com que o processo educativo possibilite a formação integral de indivíduos

completos (Alonso, 2002a; Roldão, 1999). É através deste processo que se incorporam

as diferentes dimensões de formação, promovendo a articulação entre o saber, o ser, o

conviver, o formar-se, o transformar-se, decidir e intervir (Leite, 2001).

Este facto torna-se especialmente relevante quando se considera a características

específicas no 1.º Ciclo do Ensino Básico: organização em áreas interdisciplinares e

regime de monodocência (Dinis & Roldão, 2004). Atualmente a matriz curricular, nesta

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etapa de ensino, organiza-se de acordo com quatro componentes curriculares distintas:

Português; Matemática; Estudo do Meio; Expressões Artísticas e Físico-Motoras (e o

Inglês, a partir do 3.º ano). Recorde-se, porém, que de acordo com Alonso (2002b),

mesmo

no 1.0 ciclo do ensino básico, em que o(a) professor(a) tem nas suas mãos a possibilidade de uma

gestão integrada do currículo, esta fragmentação persiste na forma desarticulada e

descontextualizada de trabalhar as diferentes áreas, sem um sentido e finalidade comum, e na

hierarquia do conhecimento que se estabelece no currículo, dando prioridade às chamadas áreas

académicas em detrimento das áreas artísticas, tecnológicas e motoras, limitando a formação global

dos alunos (p.63).

Num outro estudo, Mesquita, Formosinho e Machado (2012), revelam que os

professores reconhecem alguns aspetos que se apresentam como inibidores para o

desenvolvimento de um currículo integrado neste ciclo de estudo, como a organização

curricular em disciplinas e falta de formação. Todavia, estes professores, tendo em

ponderação a monodocência, reconhecem possibilidade de gerirem o currículo no 1.º

Ciclo do Ensino Básico.

De acordo com Martins (2014), os professores são, por referência, os principais agentes

de orientação do processo de ensino de aprendizagem. Porém, tal como é referido por

Roldão (2010), o sistema educativo português tem perpetuado um sistema curricular de

carácter diretivo e decidido pela tutela.

Em concomitância com o que é referido por Alonso (2002b), mesmo no 1.º Ciclo do

Ensino Básico, em que se procura um trabalho pedagógico de cariz globalizante,

perpetuam-se um conjunto vasto de práticas que inviabilizam esse trabalho. Entre os

motivos identificados pelo autor, salientam-se três: i) manutenção de uma perspetiva

balcanizada e estática da realidade e do processo educativo; ii) desequilíbrio curricular,

em que há uma maior valorização das áreas científicas e culturais em detrimentos das

áreas artísticas, tecnológicas e do desenvolvimento pessoal; iii) inflexibilidade

curricular, uma vez que a própria estrutura curricular, tendencialmente disciplinar,

promove o ensino estandardizado, estanque e balcanizado.

Face a este panorama, evidencia-se a dificuldade de construção de espaços de

autonomia por parte do professor. Mas, tal como é referido por Roldão (1999) e Leite

(2001), é através do processo de Gestão/Flexibilização Curricular que o docente, ao

responsabilizar-se, e ao responder socialmente por essas decisões, tem possibilidade de

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4º CRIA

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se afirmar como um profissional intelectual e autónomo. Este processo incorpora e

articula a realidade local, por forma a dar sentido ao processo educativo, com o estudo

reflexivo do currículo definido a nível nacional (Leite, 2001). Este tipo de abordagem

pedagógica possibilita que os diferentes conteúdos abordados em contexto escolar se

desenvolvam tendo em consideração o contexto e a sua relação com o que é

desenvolvido em aula, possibilitando uma abordagem pedagógica que promova a

integração curricular (Alonso, 2002a; Mesquita, Formosinho, & Machado, 2012).

Como é defendido por Pacheco e Paraskeva (1999), o professor assume-se como um

agente preponderante neste âmbito, uma vez que compete aos docentes interpretar e

refletir sobre os diferentes textos curriculares para tomar decisões sobre a sua prática

pedagógica. Nas palavras dos autores, prática «exige que cada professor tenha de

refletir, de modo crítico, sobre o impacto que o currículo efetivamente tem sobre os

alunos» (p.11). Esta perspetiva assenta na relação, referida por Martins (2014), entre a

gestão flexível do currículo e possibilidade de cada professor decidir autonomamente

sobre a sua prática pedagógica. Neste âmbito, a gestão do currículo cruza-se,

implicitamente, com a autonomia (relativa) do professor, e com aquilo que considera

mais relevante para os seus estudantes..

Como é defendido por Alonso (2002a) e Mesquita, Formosinho e Machado (2012),

reconhece-se a possibilidade e importância do professor, principalmente nas primeiras

etapas escolares, promover e implementar uma perspetiva integradora da gestão

curricular, possibilitando que os alunos tenham acesso a “um currículo relevante e

significativo para a sua formação integral, enquanto indivíduos e cidadãos” (Alonso,

2002a, p. 71).

2. Arte, cinema e pensamento

A realização de um projeto de cinema pode, no contexto de ensino, ser bastante

pertinente numa perspetiva artística, criativa e filosófica, capaz de se integrar no

currículo e nas suas vertentes disciplinares e sociais. A importância do cinema encontra-

se, mais do que nos processos técnicos, na sua qualidade de percepto (Deleuze, 2009),

com o potencial de se moldar conforme uma simbiose entre perceção e pensamento que

revertem para a sua própria forma, e pela capacidade de abordagem de toda uma

variedade temática, potencialmente integrada curricularmente no ensino. Entende-se

que estes princípios devem proporcionar uma constante análise criativa não só dos

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temas abordados nos projetos, como também do próprio significado da palavra

criatividade em função tanto dos processos de realização de uma curta-metragem, como

das diferentes personalidades e contextos de cada aluno.

É impossível falar de cinema e de arte sem se falar de estética. Uma estética, não como

padronização do belo, mas como problematização crítica da própria definição artística e

criativa. Para Sousa Dias (2016), «não há arte, não há criação estética, sem esse

sentimento de falta, de uma ausência, e na necessidade de uma comunidade em potência

de vinda» (p.11). Neste aspeto, a ausência é encarada como uma necessidade de sentido

existencial pessoal e coletivo, e que parte do princípio que a realidade não é um dado,

mas uma construção e atualização da perceção e do pensamento. Neste sentido, criar

dirige-se sempre para o futuro, como «criação de possibilidades, relançamento dos

possíveis» (p. 11), possibilidades de sentido constantemente atualizadas e

problematizadas.

Assume-se, que criação e criatividade são transversais a todas as práticas. Releva-se,

assim, por inspiração de Guattari (2000), um paradigma ético-estético, tendo em conta a

importância simbiótica que a arte e a filosofia podem ter no pensamento político e

social, assim como no crescimento intelectual e existencial individual tanto de

estudantes como de professores. Recorda-se que já Freire (1967) referiu a importância

de uma educação dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política, que

se caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas.

Em concordância com esta perspetiva, e segundo Beuys (2011), «cada homem um

artista», no sentido em que a criatividade é uma parte importante do sentido existencial

do ser humano, individual e coletivamente. Insiste-se numa visão de arte que aponta

para o futuro mais do que naquilo que já é dado, que se baseia na «criação de

possibilidades, de mundos possíveis» (Sousa Dias, 2016, p. 11), que participe na

construção de realidades individuais e coletivas.

É preciso explorar ainda um outro aspeto: a Imagem. Considera-se que a Imagem como

conceito é o elemento central do cinema e transversal a toda a arte, e todos os campos

de estudo, através do seu enquadramento fenomenológico e ontológico. Rancière (2011)

questiona pertinentemente se

será mesmo uma realidade simples e unívoca aquilo que nos falam? Não existiram, sob essa

mesma designação – “Imagem” – diversas funções cujo ajustamento problemático

constitui, precisamente o trabalho da arte? (...) já não existe realidade mas unicamente

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imagens, ou, inversamente, já não há imagens mas tão-só uma realidade que

incessantemente se representa a si própria? (p. 7).

Uma resposta seria impossível, principalmente numa era dominada pelo entretenimento

e pela publicidade visual, nos quais o verdadeiro valor de uma imagem se dissipa. Para

John Berger (2015), “uma imagem é uma visão recriada ou reproduzida. Um conjunto

de aparências que foi separado do lugar e do tempo em que apareceram pela primeira

vez, e que implica modos de ver sempre diferentes” (p. 9).

Numa perspetiva complementar, Rancière (2011) considera que a imagem remete para o

outro, enquanto que o visual remete para si próprio Esta definição implica uma rede de

significados que se alarga não apenas à reprodução fotográfica e cinematográfica, ou à

pintura e escultura, mas também ao próprio pensamento e à forma como o ser humano

interpreta o mundo e o seu próprio sentido de ser.

Será possível uma orientação não limitada por estas “imagens” objetivas? Para Sousa

Dias (2016), torna-se necessário neste contexto recusar a instituição de imagens dadas

como absolutas, e questioná-las

num movimento imanente auto-afirmativo e autodiferenciante (..) ou de superação de

limiares irredutível à sua organização em formas orgânicas e às subjectividades

constituídas, à vida biológica e à vida psíquica (p. 15).

A realização de um filme torna-se muito pertinente como um modo de problematizar os

temas e as realidades ditas como imagens partindo da relação que o cinema estabelece

entre elas e assume a sua modulação visual e temporal. Esta modulação pode adaptar-se

a processos de pensamento que estando para além da racionalidade das palavras, se

encontra instalados nos processos perceptivos.

Segundo a perspetiva de Deleuze (2015), é possível aliar o cinema à filosofia,

acreditando-se que os conceitos filosóficos podem ultrapassar a realidade e serem,

entendidos de uma forma sensitiva, assim como os processos formais cinematográficos

se podem atualizar em conceitos filosóficos. O autor defende a necessidade de “unir o

cinema à realidade íntima do cérebro, mas essa realidade íntima não é o Todo, é pelo

contrário, uma fenda” (p. 263). O Todo é, para o filósofo, aberto, indeterminado, e em

constante mutação e criação.

O cinema e a videoarte baseiam-se na relação e nos intervalos entre as imagens,

explorando as suas temporalidades através da montagem. A videoarte surge como «um

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meio ímpar de quebra com convenções de tempo dominantes, aceleração notável e

linearidade temporal” (Ross, 2006, p. 83) muito utilizada como forma de exploração e

problematização de temporalidades ou noções de tempo da sociedade capitalista. A

montagem, como estabelecimento de relações entre a imagens, tem um papel crucial na

desconstrução do significado e dos processos percetivos do filme. Diz-se relação entre

imagens, centrada nos seus intervalos e não nas ligações, visto que “as imagens não dão

tudo a ver; elas conseguem mostrar as ausências a partir do nem tudo a ver que elas nos

propõem constantemente” (Didi-Huberman, 2012, p. 160), ausências essas que estão no

centro de problematização e do pensamento.

A grande importância de um projeto de realização cinematográfica está na forma como

se podem compreender as relações das imagens, para além do seu conteúdo, podendo

ainda transversalizar esse pensamento adquirido para as várias áreas de uma sociedade

mediatizada, e desse modo obter uma visão cada vez mais consistente e heterogénea do

mundo e de todas as possibilidades que precisam de ser atualizadas. Esta perspetiva

assenta no facto de considerar-se que a

montagem só é válida quando não se apressa a concluir ou a enclausurar: quando abre e

complexifica a nossa apreensão da história, e não quando esquematiza abusivamente.

Quando nos permite aceder às singularidades do tempo e, por conseguinte, à sua

multiplicidade essencial (Didi-Huberman, 2012, p. 156).

Para além da importante problematização do funcionamento e do estatuto das imagens

como forma de sentido social, um projeto de realização de uma curta-metragem surge

também como uma prática interativa transversal às várias disciplinas curriculares, e

como forma de trabalhar autonomia, num projeto que terá várias fases, como será

explicado de seguida.

3. Proposta Didática: Educação Cinematográfica como um Projeto

A presente proposta incide em introduzir o pensamento transversal através do cinema,

de uma forma que não choque superficialmente com a realidade de cada criança. Lidar

com os intervalos e com os vazios inerentes à imagem e, por conseguinte, à maneira

como o mundo humano é concebido. Mais do que a simples apresentação de referências

de cinema, é a prática do pensamento da montagem e do tempo que se pretende

desenvolver, com foco no processo filosófico/cinematográfico.

De acordo com o que foi abordado as secções anteriores, e em concordância com outros

trabalhos (Fantin, 2006; 2007; Leite, 2012), identifica-se que a educação

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cinematográfica potencia o desenvolvimento de elementos essenciais para a formação

integral das crianças e jovens, como o pensamento crítico e reflexivo, a consciência

ética e estética, a apropriação e alargamento cultural, entre outros. No presente trabalho,

propõe-se a abordagem desta temática de forma integrada com as restantes áreas

curriculares, recorrendo à metodologia de projeto.

Como tem sido aludido por diferentes autores (Mateus, 2011; Rangel & Gonçalves,

2011), e o trabalho de projeto é uma opção pedagógica que visa possibilitar uma maior

relação entre os aspetos teóricos e os aspetos práticos de como é aprendido, tendo

especial impacto no processo de aprendizagem no 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Mateus (2011) condissera que a metodologia de projeto, no 1.º Ciclo do Ensino básico

possibilita a «convergência de diferentes áreas do saber» promovendo uma «visão mais

flexível e unificadora do pensamento, a partir de diferentes pontos de vista» (p.15). Esta

perspetiva e resultados vão ao encontro do que é preconizado no âmbito da integração

curricular (Alonso, 2002a; Kysilka, 1998). Assume-se, neste sentido, que o currículo

deverá possibilitar momentos de aprendizagem genuínos, relacionando-os com os

interesses e necessidade dos alunos e com uma perspetiva holística do conhecimento,

uma vez que este se realiza no contacto com a realidade. A metodologia propicia, ainda,

o desenvolvimento do pensamento porque professor trabalha em cooperação com os

estudantes, as crianças tem possibilidade de refletir sobre o que pensam e como pensam

(Kysilka, 1998).

O trabalho de projeto deverá possibilitar uma abordagem inter/transdisciplinar (Mateus,

2011), integrando aprendizagens académicas, sociais e/ou culturais (Rangel &

Gonçalves, 2011). A metodologia de trabalho de projeto caracteriza-se assim, por se

desenvolver de forma aberta e ampla, na qual que se valoriza o processo e que através

deste trabalho se constroem novos conhecimentos de forma ativa e na prática real e

contextualizada (Mateus, 2011).

Face ao que foi sumariamente apresentado, propõe-se que, no contexto de uma turma do

1.º Ciclo do Ensino Básico, se desenvolve, em moldes idênticos ao trabalho de projeto,

a construção e realização de uma curta-metragem. É através do processo de realização

da curta metragem que as diferentes áreas curriculares se integram e agregam de forma

coerente e coesa.

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4º CRIA 41

Referências Cinematográficas

Objetivos da etapa: Aproximar os estudantes ao cinema; Discutir sobre diversas curtas-

metragens

Áreas curriculares: Português; Estudo do Meio – Ciências Humanas e Sociais;

Expressão Plástica.

A visualização de filmes e curtas-metragens deve desenvolver-se de forma transversal

ao processo de realização da curta-metragem. Através da visualização de curtas-

metragens pretende-se que os estudantes se familiarizem com diferentes géneros

cinematográficos e possam refletir e discutir sobre os componentes conceitos base

inerentes ao cinema, aludidos no na secção 2.

Através desta visualização, pretende-se que as crianças consigam desenvolver o seu

sentido estético para que o sejam capazes integrar no processo criativo, e construir

noções que lhes possibilitem realizar uma curta-metragem no seu todo.

Conceção

Objetivos da etapa: Discutir tema; Definir perspetiva geral da curta-metragem;

definição/construção da história base (narrativa ou não narrativa)

Áreas curriculares: Português; Estudo do Meio – Ciências Humanas e Sociais.

Esta etapa consiste na decisão temática, na forma como será abordado o tema escolhido

e na definição/construção da história base (narrativa ou não narrativa) para a curta-

metragem. Para tal, propõe-se uma discussão inicial em que o grupo, com a orientação

do docente, irá explorar a importância do tema e o modo como este poderá ser

trabalhado. Aconselha-se, tendo em conta o que foi explorado anteriormente, que o

professor conduza a discussão de forma a que se escolha temas socialmente relevantes.

Com o intuito de promover a discussão propõe-se que o docente, de forma imparcial,

estabeleça um conjunto de questões que problematizem o tema escolhido e processo a

ser utilizado:

Qual a importância deste na escola/sociedade?

Qual é o posicionamento dos estudantes face a este tema?

Podem existir outras perspetivas não equacionadas?

Que perspetiva se vai tomar para o projeto, ou de que forma se poderá

desenvolver o projeto sem recusar nenhuma perspetiva?

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Que modelo terá a curta-metragem (cómico, dramático, narrativo ou não

narrativo...)?

Qual história e de que forma ela sustentará a curta-metragem?

Planificação

Objetivos da etapa: Escrever argumento; Planificar gravações; Atribuir tarefas.

Áreas curriculares: Português; Estudo do Meio – Ciências Humanas e Sociais.

Após a definição da história base os alunos, com a orientação do docente, discutem e

elaboram o argumento que sustentará a curta-metragem. Com base no argumento

construído pelos estudantes será possível definir-se de que forma as gravações

decorrerão.

Nesta fase será necessário explicitar-se quando, como e onde os alunos poderão gravar

cada cena do argumento, bem como que materiais necessitarão, e de que forma os

estudantes se deverão organizar mediantes com as funções necessárias ao desenrolar do

projeto. As funções de cada estudante podem variar de acordo com os diferentes

momentos da gravação.

Produção

Objetivos da etapa: Providenciar locais, materiais e recursos necessários para a

filmagem.

Áreas curriculares: Português; Matemática; Estudo do Meio – Ciências Humanas e

Sociais; Expressão Plástica; Educação Tecnológica.

Na fase de produção os alunos devem organizar-se por forma a ser possível:

Adquirir ou construir os materiais necessários para as gravações;

Escolher ou fazer as roupas e acessórios para os atores, caso os haja.

Adquirir câmaras, gravadores e demais recursos.

Escrever os pedidos de autorizações ou requerimentos.

Elaborar o orçamento.

Ainda cada criança possa ter uma função específica para cada uma das tarefas

mencionadas, será relevante que a discussão e reflexão sobre a pertinência de cada um

dos materiais ou recursos seja realizada em conjunto.

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4º CRIA 43

Ensaios e gravação

Objetivos da etapa: Ensaiar; Gravar as diferentes cenas.

Áreas curriculares: Português; Expressão Plástica; Expressão Dramática; Educação

Tecnológica;

Neste momento do projeto, os estudantes procederão, com o apoio do professor, aos

ensaios das diferentes cenas definidas no argumento e à sua posterior gravação. Insiste-

se que o professor medeie o grupo de modo a que todos os estudantes reconheçam e

contactem com todas as funções inerentes à realização do filme promovendo o trabalho

colaborativo.

Montagem/Edição

Objetivos da Etapa: Montar os vídeos gravados; Discutir a pertinência e sequência da

montagem.

Áreas curriculares: Matemática; Estudo do Meio - Ciências Humanas e Sociais;

Expressão Plástica; Educação Tecnológica.

A montagem é o momento final da realização do filme. Inicialmente projetam-se os

vídeos gravados, para que os estudantes tenham a oportunidade de selecionar os mais

pertinentes para a sua integração na curta-metragem. Durante este processo, o professor

deve promover a reflexão e a discussão sobre o que está a ser visualizado. A montagem

proceder-se-á de acordo com a sequencialidade e temporalidade discutidas pelos alunos

durante todo este processo.

Visualização do projeto final e discussão

Objetivos da etapa: Visualizar o filme; Integrar a comunidade educativa na prática

pedagógica.

Este momento deve marcar o final do projeto e integrar, por um lado, a apresentação,

por parte dos alunos, do trabalho desenvolvido à comunidade educativa, promovendo o

processo de visualização da curta-metragem. Por outro lado, servir de discussão e

reflexão do resultado final, mas também todo o processo de construção. Essa discussão

englobará duas vertentes, a primeira relacionada com as temáticas em questão e a

segunda, com próprio processo de ensino e de aprendizagem.

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4º CRIA

44

4. Notas finais

A proposta apresentada insere o cinema como prática artística, criativa e filosófica,

capaz de se integrar no currículo e nas suas vertentes disciplinares e sociais, e num

pensamento artístico e filosóficos contemporâneos.

Os recursos utilizados ao longo do que é proposto não precisam de ser muito

específicos, a utilização das câmaras integradas nos telemóveis e os programas de

edição de vídeos disponibilizados de forma gratuita possibilitam o desenvolvimento do

projeto nos moldes do que foi apresentado.

Considera-se relevante que existam princípios de ensino transversais ao pensamento

teórico e ético. Sugere-se, assim, uma aproximação entre currículo e didatismo, no que

se refere ao funcionamento dos dois, a uma sinergia capaz de constituir um processo

cuja reformulação mútua é fulcral na definição dos valores de ensino e da sua adaptação

aos diversos contextos locais e temporais.

Pretende-se, assim, proporcionar momentos pedagógicos em que as crianças têm que se

posicionar como agentes ativos no seu processo de construção como (pequenos):

realizadores, guionistas, atores, produtores, entre outros. Através deste processo ativo,

as crianças têm a possibilidade de aprender como se faz e de forma se podem exprimir

fazendo através do cinema.

Também. se reconhece que este tipo de projetos é essencial para o desenvolvimento

integral e integrador da criança. Por um lado promove o desenvolvimento do

pensamento crítico, estético e reflexivo, durante o momento de desenvolvimento da

curta-metragem. Por outro, possibilita um trabalho pedagógico que articula e integra

diferentes componentes do currículo, o que propicia uma aprendizagem mais

contextualizada e significativa.

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4º CRIA 47

Recursos Educativos Digitais e ensino da gramática – contributos do

referencial TPACK

Daniela Melo1, Gabriela Barbosa2 1 Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo,

[email protected] 2 Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo,

[email protected]

Resumo. A utilização efetiva dos recursos educativos digitais (RED) no

ensino da gramática pressupõe que o professor esteja na posse de um

conjunto alargado de conhecimentos, pedagógicos, tecnológicos, de

conteúdo (TPACK- Technological Pedagogical Content Knowledge) e

contextuais (Mishra, Koehler & Harris, 2009). Neste quadro realizou-se um

estudo que teve como objetivo planificar uma sequência didática assente no

referencial TPACK e na metodologia do laboratório gramatical (Duarte,

2008). A partir de um conjunto de atividades criativas “As máquinas do

laboratório de Dexter” envolveram-se alunos do 4.º ano de escolaridade em

tarefas de conhecimento dos conteúdos gramaticais: sujeito e predicado,

com enfoque nos tipos de sujeito. O estudo enquadra-se numa metodologia

de natureza qualitativa e interpretativa, numa dimensão explratória. Nesta

comunicação pretende-se apresentar os resultados deste estudo, centrando-

nos na apresentação das etapas do laboratório gramatical, nos RED

utilizados e nas tarefas realizadas, e concluindo que o entusiasmo dos

alunos na participação das atividades, a compreensão dos conteúdos e as

aprendizagens aferidas permitiram-nos perceber a importância da

interseção dos vários conhecimentos implícitos no TPACK e a consideração

dos mesmos na planificação de uma aula com integração de RED.

Palavras-chave: RED; ensino; gramática; TPACK; laboratório gramatical

Contextualização

O estudo apresentado foi desenvolvido no âmbito do Mestrado em Educação Pré-

escolar e ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico, na unidade curricular Prática de Ensino

Supervisionada II, numa turma do 4.º ano de escolaridade. A turma era constituída por

20 alunos, 10 do sexo feminino e 10 do sexo masculino, com idades compreendidas

entre os 9 e 10 anos. A maioria dos alunos apresentava pouca motivação para a

aprendizagem, evidenciando na área do Português dificuldades, mais especificamente,

nos conteúdos da gramática.

Face ao exposto, recorreu-se à utilização de RED como estratégia para tornar as aulas

mais dinâmicas, apelativas, desafiando os alunos à descoberta de novos conhecimentos

linguísticos. Para que esta prática fosse exequível, encontrámos na literatura um

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4º CRIA

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referencial teórico que menciona um conjunto de conhecimentos, tecnológicos,

pedagógicos, de conteúdo e contextuais, fundamentais para que o professor possa

realizar uma efetiva integração dos RED em sala de aula, o referencial TPACK -

Technological Pedagogical Content Knowledge (Mishra, Koehler & Harris, 2009).

Tendo como princípio que o ensino da gramática deve ser realizado com o propósito de

incentivar os alunos a uma aprendizagem pela descoberta, a utilização da metodologia

do laboratório gramatical provoca nestes um “olhar cientista” sobre os fenómenos que

observa, levando-os a criar hipóteses, a elaborá-las e aplicar as regras (Duarte, 2008).

Face a este enquadramento, pretendemos perceber de que modo o referencial TPACK se

revela adequado para a integração efetiva dos RED no ensino da gramática. Tendo por

base o objetivo geral, pretendeu-se: planificar um conjunto de atividades criativas “As

máquinas do laboratório de Dexter”, através de um laboratório gramatical em torno do

sujeito e predicado, com enfoque nos tipos de sujeito; integrar RED numa sequência

didática de aprendizagem da gramática; e analisar a mobilização do TPACK no

planeamento e o envolvimento dos alunos na aprendizagem da gramática face à

integração dos RED.

O estudo aqui apresentado enquadra-se numa metodologia de natureza qualitativa e

interpretativa, numa dimensão exploratória. Os dados foram recolhidos através das

reflexões do diário de bordo e de registos de vídeo. No tratamento dos dados

privilegiou-se a análise de conteúdo.

Enquadramento teórico

Tecnological Pedagogigal Content Knowledge (TPACK)

A introdução das novas tecnologias no processo de ensino/aprendizagem está

relacionada com a aprendizagem dos alunos e com a metodologia de ensino do

professor. Atualmente tem-se investigado sobre a eficácia da integração da tecnologia

no ensino, dando particular importância ao conjunto alargado de conhecimentos que o

professor necessita, o Technological Pedagogical Content Knowlegde (TPACK), para

ser capaz de integrar as tecnologias na sala de aula. O TPACK implica adotar

estratégias pedagógicas que integram as tecnologias apropriadas para abordar

conteúdos, não só para ir ao encontro dos interesses dos alunos, mas também para

colmatar as suas dificuldades.

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O TPACK dá, assim, ênfase à interseção das tecnologias, do conteúdo e da pedagogia,

resultando num ensino inovador e promotor de novos conhecimentos. Os autores deste

referencial teórico referem três tipos de conhecimento necessários para a integração da

tecnologia na educação, nomeadamente Technological Knowledge (TK) ou

conhecimento tecnológico, Pedagogical Knowlegde (PK) ou conhecimento pedagógico

e Content Knowlegde (CK) ou conhecimento do conteúdo (Mishra et al., 2009).

O Technological Knowlegde (TK) é aquele que está em constante evolução. Os

professores devem manter-se atualizados e acompanhar o desenvolvimento das novas

tecnologias, como forma de obter um conhecimento mais amplo dos conhecimentos

básicos tecnológicos, para os aplicarem de forma exequível na sua ação pedagógica

(Mishra et al., 2009).

O Pedagogical Knowlegde (PK) é aquele que os professores têm sobre os processos,

práticas ou métodos de ensino. Esse conhecimento implica também que o professor

saiba o modo como os alunos constroem o seu saber, quais são as estratégias mais

adequadas a aplicar na gestão de sala de aula.

O Content Knowledge (CK) diz respeito ao conhecimento que os professores têm

acerca dos conteúdos da matéria. Harris, Mishra e Koehler (2009) referem que este

conhecimento é aquele que Shulman (1986, citado em Harris, Mishra & Koehler, 2009),

um dos grandes estudiosos no campo da educação, considera ser o conhecimento de

conceitos, teorias, ideias, evidências e provas, práticas que desenvolvem determinado

conteúdo.

Conforme a figura 1 abaixo apresentada, segundo os autores Mishra et al. (2009),

verifica-se que estes tipos de conhecimento intersetam-se entre si, resultando em outros

conhecimentos, nomeadamente, o Pedagogical Content Knowlegde (PCK) ou

conhecimento pedagógico do conteúdo, o Technological Pedagogical Knowlegde

(TPK) ou conhecimento tecnológico pedagógico e o Technological Content Knowledge

(TCK) ou conhecimento tecnológico do conteúdo.

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4º CRIA

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O Pedagogical Content Knowlegde (PCK) resulta da interseção da pedagogia e do

conhecimento do conteúdo. De acordo com Shulman (1986, citado em Mishra et al.

2009), este conhecimento ocorre aquando da adoção adequada dos métodos e técnicas

pedagógicas pelo professor para transmitir os conteúdos, baseando-se nos

conhecimentos prévios dos alunos. De acordo com Mishra et al. (2009), é essencial que

o professor esteja a par do conteúdo do currículo, seja flexível na maneira como expõe

os conteúdos, para que os alunos tenham diferentes maneiras de pensar e de expressar o

seu conhecimento, realizando uma constante avaliação da aprendizagem dos alunos.

O Technological Pedagogical Knowlegde (TPK) diz respeito ao conhecimento que os

professores devem ter sobre as possibilidades e limitações pedagógicas, aquando da

utilização das tecnologias, como as devem utilizar segundo um determinado contexto de

modo a que sejam propícias para a aprendizagem. Um importante aspeto deste

conhecimento é a adequação das ferramentas utilizadas para fins pedagógicos

específicos (Mishra et al. 2009).

O Technological Content Knowledge (TCK) é aquele que interliga a tecnologia e o

conteúdo. Um professor que tenha conhecimentos tecnológicos e que domine bem os

conteúdos programáticos pode criar os seus próprios recursos e utilizá-los em sala de

aula. Os professores precisam de saber quais as tecnologias específicas mais adequadas

para abordar determinado conteúdo, como também devem saber analisá-las de forma a

verificar as que podem limitar a abordagem desse conteúdo (Mishra et al. 2009).

A par da dinâmica deste conjunto alargado de conhecimentos, Mishra et al. (2009) vêm

acrescentar a importância do conhecimento do contexto para uma efetiva integração das

tenologias em sala de aula, ou seja, o conhecimento das tecnologias que estão

Figura 1. Quadro teórico TPACK ( Mishra, et al., 2009, p. 396)

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disponíveis, o tempo disponível, as limitações do espaço físico, a dinâmica interpessoal,

a diversidade cultural, os diferentes níveis socioeconómicos, as caraterísticas e

conhecimentos prévios dos alunos.

O ensino da gramática através da metodologia do laboratório gramatical

Ao longo dos tempos, o ensino da gramática tem sido abordado de uma forma

tradicional, partindo-se de definições, que, por sua vez, se mostram incompletas,

incapazes de permitir a observação dos dados, em que a sistematização ocorre no final

de um percurso de observações. Neste contexto, não há uma valorização do

funcionamento da língua, uma vez que os alunos se limitam a registar as indicações do

professor, sendo esta aprendizagem associada à memorização, em detrimento do seu

treino (Beacco, 2010, citado em Xavier, 2013).

Partindo do princípio que o ensino da gramática tradicional não apresenta resultados

consideráveis na avaliação dos alunos e, por conseguinte, estes não conseguem obter

um conhecimento significativo a longo prazo, urge a necessidade de recorrer a novos

métodos de ensino, capazes de sustentar a aprendizagem da gramática numa perspetiva

de abordagem pela descoberta. Com a metodologia do laboratório gramatical, os alunos

são confrontados com situações de problematização, de experimentação, de confronto

de ideias, de análise, de exposição, de demonstração, de exemplificação, de

argumentação e de aplicação das conclusões em exercícios e em textos escritos e/ou

discursos orais (Xavier, 2013)

A abordagem desta metodologia, desenvolvida por Inês Duarte, implica que o professor

tenha em conta o conhecimento implícito do aluno e, a partir de situações

contextualizadas, hierarquizar a informação, de modo a que os alunos possam construir

hipóteses, verificar a sua validade perante novas informações e tirar conclusões (Xavier,

2013). Deste modo, o aluno é detentor de um “olhar cientista” sobre os fenómenos que

observa, cria hipóteses, elabora-as e aplica as regras (Duarte, 2008). Duarte (1992,

1996, 1997, 2008, citado em Silvano & Rodrigues, 2010) considera quatro fases do

laboratório gramatical (Tabela 1):

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4º CRIA

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Na primeira fase, o aluno observa os dados ou a situação-problema, identifica padrões

comuns ou de regularidade, formula hipóteses, a partir das suas intuições sobre a língua

e suas observações. Na segunda fase, o aluno, após observar os dados, realiza pequenas

conclusões, formula hipóteses e generalizações. Nesta fase, o aluno, através da

observação de novos dados, verifica a validade das suas hipóteses. Na terceira fase,

após formuladas as hipóteses, os alunos treinam os conteúdos aprendidos. Na quarta

fase é realizada a aferição dos conhecimentos dos alunos, a fim de se verificar se houve

uma efetiva aquisição do conhecimento.

A abordagem em torno destas fases remete para uma teoria psicológica sobre o

conhecimento e a aprendizagem, a designada teoria do construtivismo. A prática

pedagógica desenvolvida a partir desta metodologia permite aos alunos vivenciar

atividades nas quais podem levantar as suas próprias questões, construir os seus

próprios modelos, conceitos e estratégias, num processo interpretativo e reflexivo

(Fosnot, 1996).

Descrição das atividades

A integração de RED numa sequência didática de aprendizagem da gramática

Na concretização da sequência didática de aprendizagem da gramática, tivemos em

conta as três fases do laboratório gramatical, designadamente: 1.ª Apresentação dos

dados; 2.ª Problematização, análise e compreensão dos dados; 3.ª Realização de

exercícios de treino. Para dar início às atividades do laboratório gramatical e de forma a

contextualizar os conteúdos gramaticais, sujeito e predicado, foi realizada a fase 0. Para

uma melhor visualização por parte dos alunos, a maioria das atividades do laboratório

gramatical foi sustentada num PowerPoint. Após a realização de algumas atividades,

foram efetuadas notas conclusivas com o propósito de registar vários conceitos ou

outras informações sobre os conteúdos gramaticais.

Tabela 1. Fases do laboratório gramatical

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4º CRIA 53

De seguida, apresenta-se a tabela 2, onde consta os objetivos de cada fase do laboratório

gramatical e recursos educativos (digitais) utilizados.

Tabela 2. Fases, objetivos e recursos educativos (digitais) utilizados

Fases Designação Objetivos Recursos educativos

(digitais)

Fase 0 Contextualização - Contextualizar os conteúdos gramaticais

(funções sintáticas)

- PowerPoint

- Ficha de trabalho

Fase 1 Apresentação

dos dados

- Distinguir os constituintes fundamentais de

uma frase;

- Referir o conceito de sujeito e de

predicado;

- Identificar as funções sintáticas;

- Construir frases coerentes e

contextualizadas;

- Identificar as classes de palavras presentes

no sujeito;

- Conhecer o conceito de grupo nominal;

- Verificar que o sujeito pode conter um

nome ou um pronome pessoal.

- PowerPoint

- Dados em cartolina

- Fichas de trabalho

Fase 2 Problematização,

análise e

compreensão dos

dados

- Verificar que o sujeito pode ter mais do

que um grupo nominal;

- Verificar que o sujeito não apresentado na

frase pode ser identificado através da flexão

do verbo;

- Prever o significado de sujeito simples,

sujeito composto e sujeito nulo;

- Conhecer o conceito de sujeito simples,

sujeito composto e sujeito nulo.

- PowerPoint

- RED “Sujeito ou

Predicado?”

- Fichas de trabalho

Fase 3 Realização de

exercícios de

treino

- Treinar os conteúdos gramaticais

abordados no laboratório gramatical

- Exercícios do Hot

Potatoes

Fase 0 – contextualização

Na contextualização dos conteúdos gramaticais acerca do sujeito e do predicado, foi

apresentada à turma uma história criada pela investigadora “ As máquinas do

laboratório de Dexter”, através de um PowerPoint (Anexo 1). Antes de se proceder à

leitura da história, foi projetada uma imagem (Figura 2) com as máquinas que a

personagem principal construiu, a “ Máquina

Sujeito” e a “Máquina Predicado”, através da

qual os alunos puderam antecipar alguns dos

acontecimentos que poderiam ocorrer na

história. Posteriormente, procedeu-se à sua

leitura.

A história passa-se na casa dos irmãos Dee Dee e

Figura 2. Máquinas do laboratório

de Dexter

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4º CRIA

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Dexter. Dee Dee é uma personagem divertida, contudo apresenta dificuldade em falar

corretamente o português. O enredo da história começa quando Dee Dee está a dizer em

voz alta a apresentação do espetáculo de dança. Nesse momento, Dexter entra no quarto

da irmã. Ao perceber a sua dificuldade, Dexter, determinado a ajudá-la, leva-a para o

seu sótão, onde mostra as últimas máquinas que construiu e que servem na perfeição

para a ajudar. Após realizarem algumas atividades nas máquinas, Dee Dee consegue

resolver o seu problema, sentindo uma grande alegria.

Após a leitura, procedeu-se à exploração e compreensão da história a partir das

seguintes questões orientadoras:

- Quais são as personagens principais da história?

- Onde se desenrola a ação da história?

- O que estava a fazer Dee Dee quando Dexter entrou no seu quarto?

- Que dificuldades apresentava a Dee Dee?

- De que forma é que Dexter ajudou Dee Dee?

- Que nome deu o Dexter a cada uma das máquinas?

- Conseguiu Dexter o seu objetivo com a utilização das duas máquinas? De que forma?

Fase 1- Apresentação dos dados

Ao apresentar o diapositivo 1 (Figura

3), foi proposto aos alunos observarem

a imagem GIF e responder às

respetivas questões.

Ao apresentar o diapositivo 2 (Figura

4), foi proposto aos alunos

observarem as imagens das diferentes

ações realizadas pelas personagens da

história e responderem, oralmente, às

questões expostas no PowerPoint. Em

simultâneo, registou-se no quadro as

respostas dos alunos. Figura 4. Diapositivo 2

Figura 3. Diapositivo 1

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4º CRIA 55

Os alunos constataram que a junção das respostas “Quem faz?” e “O que faz?”

formulavam uma frase coerente, verificando assim as partes mais importantes da

estrutura de uma frase.

Ao apresentar o diapositivo 3 (Figura

5), foi proposto aos alunos dividirem,

oralmente, as frases nas suas partes

mais importantes, de acordo com as

questões formuladas no diapositivo

anterior.

Ao apresentar o diapositivo 4 (Figura

6), foi proposto aos alunos escrever no

quadro as perguntas destinadas a cada

uma das partes em que a frase estava

dividida, como sugere o exemplo

exposto na tabela. Foi entregue a cada

aluno uma folha de registo idêntica

ao diapositivo, na qual os alunos registaram as

perguntas escritas no quadro.

Ao apresentar o diapositivo 5 (Figura

7), foi proposto aos alunos realizar

uma chaveta por baixo da parte da

frase que correspondesse ao sujeito e

ao predicado, escrevendo a respetiva

função sintática.

Ao apresentar o diapositivo 6 (Figura

8), os alunos verificaram a existência

de vários componentes relativos à

função sujeito e à função predicado.

Figura 6. Diapositivo 4

Figura 5. Diapositivo 3

Figura 7. Diapositivo 5

Figura 8. Diapositivo 6

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4º CRIA

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Ao apresentar o diapositivo 7 (Figura 9),

foi referido o nome das partes

constituintes de uma frase. Foi entregue

aos alunos uma folha de registo idêntica

ao diapositivo, na qual os alunos

registaram essa informação.

Seguidamente, foi entregue a cada par

de alunos dois dados em cartolina

(Figura 10), um com a cor laranja

referente aos “sujeitos” e o outro com

a cor azul referente aos “predicados”.

Foi proposto aos alunos que com os

dois cubos formulassem frases

coerentes, tendo em conta a sua

concordância, registando numa folha

de registo (Figura 11). Foi referido que

cada “sujeito” correspondia apenas a

um “predicado”, para que os alunos

formassem frases que estivessem dentro

do contexto da história.

Após a correção das frases, foi proposto

aos alunos identificar o sujeito e referir

as classes de palavras contidas no

mesmo (Figura 12). Os alunos

registaram numa folha para o efeito

(Figura 13) as palavras do sujeito, bem

como a classe dessas palavras.

Figura 9. Diapositivo 7

Figura 10. Dados em cartolina

Figura 11. Folha de registo

Figura 12. Diapositivo 8

Figura 13. Folha de registo

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4º CRIA 57

Prosseguiu-se para o seguinte

diapositivo 9 (Figura 14) e propôs-se

aos alunos que referissem as frases que

faziam ou não sentido, verificando o

que faltava (o nome ou o sujeito).

Em diálogo, os alunos tomaram

consciência da importância do nome

numa frase. Ao apresentar o

diapositivo 10 (Figura 15), os alunos

tinham que referir quantos nomes

apareciam em cada sujeito de cada

frase, para se proceder ao conceito de

grupo nominal, com função de sujeito.

No diapositivo 11 (Figura 16) foi

referido o conceito de grupo nominal e

foi entregue aos alunos uma folha de

registo idêntica ao diapositivo para se

proceder ao seu preenchimento.

Ao apresentar o diapositivo 12 (Figura

17), os alunos puderam constatar que o

sujeito pode ser substituído pelo

pronome pessoal. Foi entregue aos

alunos uma folha de registo idêntica ao

diapositivo para proceder à

substituição do sujeito pelo pronome

pessoal.

Figura 15. Diapositivo 10

Figura 16. Diapositivo 11

Figura 17. Diapositivo 12

Figura 14. Diapositivo 9

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4º CRIA

58

Ao finalizar esta fase, os alunos

puderam concluir que o sujeito pode

conter um nome ou um pronome. Foi

entregue a cada aluno uma folha de

registo idêntica ao diapositivo 13

(Figura 18) e realizado o seu

preenchimento.

Fase 2 – Problematização, análise e compreensão dos dados

Ao apresentar o diapositivo 14 (Figura

19), os alunos puderam observar que

havia frases que continham apenas um

nome e outras com dois ou três nomes,

e que, estas frases, que apresentavam

mais do que um nome, incluíam

elementos que os separavam, como a

vírgula e a conjunção copulativa “e”.

Ao apresentar o diapositivo 15 (Figura

20), os alunos puderam registar na

folha que lhes foi entregue a conclusão

que obtiveram no diapositivo anterior.

Ao apresentar o diapositivo 16 (Figura 21), os alunos puderam constatar que o sujeito

não estava expresso nas frases, mas que

poderia ser “descoberto” a partir da

flexão do verbo, referindo assim que se

poderia usar um pronome pessoal

correspondente à pessoa e número do

verbo em questão.

Figura 18. Diapositivo 13

Figura 19. Diapositivo 14

Figura 20. Diapositivo 15

Figura 21. Diapositivo 16

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4º CRIA 59

Foi entregue a cada aluno uma folha de

registo idêntica ao diapositivo 17

(Figura 22) para que os alunos

pudessem registar o pronome pessoal

que correspondesse à pessoa e número

do verbo de cada frase.

Ao apresentar o diapositivo 18 (Figura

23), os alunos puderam registar a

conclusão anterior, na folha de registo

que foi entregue para o efeito.

Após a abordagem dos conteúdos

gramaticais, foi integrado o recurso

educativo digital selecionado da

plataforma da LeYa Educação,

designado “ Sujeito ou predicado?”

(Figura 24). O RED não foi

reproduzido na sua totalidade, uma vez

que pretendemos que os alunos chegassem por si

próprios ao conceito de sujeito simples, composto ou

nulo, através das observações realizadas anteriormente. Para tal, foi feita uma pausa no

momento em que o narrador referiu “ O sujeito pode ser simples, composto ou nulo”.

Seguidamente, foi apresentado o

diapositivo 19 (Figura 25), no qual os

alunos puderam intuir que tipos de

sujeito estavam implícitos em cada

frase. Foi-lhes entregue uma folha de

registo, idêntica ao diapositivo, onde

puderam registar os diferentes tipos de

sujeito correspondentes a cada sujeito das frases.

Figura 22. Diapositivo 17

Figura 23. Diapositivo 18

Figura 24. RED “Sujeito ou

Predicado?”

Figura 25. Diapositivo 19

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4º CRIA

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Após esta constatação, foi apresentado

o diapositivo 20 (Figura 26) com uma

nota conclusiva sobre os tipos de

sujeito. Foi entregue a cada aluno uma

folha de registo idêntica ao diapositivo

e registada esta informação.

Após a realização da nota conclusiva, prosseguiu-se com a reprodução do RED “Sujeito

ou Predicado?”, de forma a confirmar as conclusões anteriores.

Fase 3 – Realização de exercícios de treino

Para esta fase, foi construído um recurso educativo digital através do programa Hot

Potatoes, para os alunos treinarem os conteúdos aprendidos. Os alunos dirigiram-se à

sala de TIC, onde puderam pôr em prática os seus conhecimentos. O recurso

disponibilizava 4 exercícios, havendo um período limitado de tempo para a realização

dos mesmos e contendo uma pontuação de 0 a 100%.

1.º Exercício – arrastar os retângulos da coluna direita para o elemento que corresponde

na coluna esquerda (Figura 27).

2.º Exercício – arrastar os retângulos da coluna direita para junto do tipo de sujeito que

corresponde (Figura 28)

Figura 26. Diapositivo 20

Figura 27. Exercício do Hot Potatoes

Figura 28. Exercício do Hot Potatoes

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4º CRIA 61

3.º Exercício – clicar na seta de cada retângulo e selecionar o pronome pessoal que

substitui o sujeito da frase (Figura 29).

4.º Exercício – Selecionar a opção correta que corresponde ao tipo de sujeito presente

em cada frase (Figura 30).

Figura 29. Exercício do Hot Potatoes

Figura 30. Exercício do Hot Potatoes

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4º CRIA

62

Análise e interpretação dos dados

A análise dos dados foi realizada através das seguintes categorias: (A) a mobilização do

TPACK no planeamento; (B) o envolvimento dos alunos na aprendizagem da gramática

face à integração de RED.

Ao analisarmos a categoria (A), verificámos que na planificação esteve presente todos

os conhecimentos envolvidos no TPACK, ou seja, foi necessário o conhecimento dos

conteúdos gramaticais (conhecimento do conteúdo) por parte da investigadora de forma

a realizar as atividades sustentadas no laboratório gramatical (conhecimento

pedagógico), sendo esta metodologia aquela que melhor se enquadrava para o ensino da

gramática (conhecimento pedagógico de conteúdo). A investigadora evidenciou

conhecimento pedagógico de conteúdo, na medida em que utilizou outros recursos

(fichas de registo e dados em cartolina), demonstrando flexibilidade e coerência na

planificação.

O conhecimento pedagógico foi salientado pela investigadora que teve em conta as

dificuldades dos alunos, criando uma história para facilitar a aprendizagem destes

conteúdos.

O conhecimento tecnológico da investigadora esteve presente na utilização e

manuseamento eficaz dos equipamentos tecnológicos (computador, videoprojector,

colunas), na realização de PowerPoints para a visualização da história e apresentação

das atividades do laboratório gramatical, e na utilização do software Hot Potatoes, para

a construção de diversos exercícios.

O conhecimento tecnológico de conteúdo da investigadora evidenciou-se na medida em

que foi deliberada a utilização do PowerPoint, com o objetivo de apresentar a história e

as questões e atividades do laboratório gramatical. A escolha do RED “Sujeito ou

Predicado?” do DVD-ROM da editora LeYa Educação foi a que mais se adequou ao

objetivo pedagógico, pois incluía os conteúdos pretendidos.

O conhecimento pedagógico tecnológico da investigadora comprovou-se na reflexão

consciente da utilização de RED. Para comprometer os alunos a descobrir os tipos de

sujeito presentes nas frases apresentadas no PowerPoint, reproduziu-se o RED “Sujeito

ou Predicado?”. Porém, este não foi reproduzido na sua totalidade, uma vez que se

achou adequado fazer uma pausa para que os alunos, através das suas observações e

intuições, chegassem por si próprios àquilo que se pretendia. A realização dos

exercícios no software Hot Potatoes veio a auxiliar no treino dos conteúdos gramaticais,

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4º CRIA 63

uma vez que este programa se adequava à realização de atividades para esta fase do

laboratório gramatical.

Para proceder a um planeamento da sequência didática consciente e ponderado, a

investigadora inteirou-se do contexto escolar, das caraterísticas e dinâmica da turma,

das tecnologias existentes e do tempo disponível.

Na categoria (B), verificou-se que, sempre que se utilizou os RED, os alunos

demonstraram motivação, concentração, participação e uma maior predisposição para a

aprendizagem da gramática, como foi no momento da reprodução do RED “Sujeito ou

Predicado?”, em que os alunos começaram, espontaneamente, a acompanhar a leitura do

mesmo e, na resolução dos exercícios do Hot Potatoes, os alunos manifestaram alegria

por adquirir a pontuação máxima, referindo o sucedido à investigadora e colegas. A

turma obteve resultados bastante positivos, incluindo aqueles alunos que anteriormente

manifestavam mais dificuldades.

Aquando da abordagem das atividades do laboratório gramatical, o envolvimento dos

alunos foi notório, através de dúvidas que colocavam, de respostas que davam às

perguntas formuladas, de conclusões que obtiveram, das sugestões que davam para

confirmar a compreensão dos conteúdos gramaticais.

Considerações finais

Segundo o referencial TPACK, a integração das tenologias na sala de aula exige uma

interseção entre o conteúdo, a pedagogia, a tecnologia e o contexto. O domínio do

TPACK impõe ao professor uma compreensão das técnicas e métodos pedagógicos que

possibilitam a utilização das tecnologias digitais para a mobilização do conhecimento

por parte do aluno. O contexto é essencialmente importante na utilização das

tecnologias em sala de aula, uma vez que fornece ao professor um conjunto de

informações sobre os alunos, escola, que possibilita realizar uma planificação

consciente, coerente e reflexiva.

A tomada de decisões fundamentadas na planificação, o tipo de estratégias pedagógicas

adotadas, a seleção e sequencialização das atividades, a exploração que se fez em

termos de tempo, a dinâmica da sala de aula, a seleção de RED que melhor se adequam

à abordagem dos conteúdos e a avaliação dos resultados dos alunos, permitiu-nos

perceber a importância que o TPACK tem na integração efetiva dos RED em sala de

aula.

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4º CRIA

64

Este quadro teórico veio sustentar o crescimento dos vários conhecimentos implícitos

enquanto investigadora e futura professora, na medida em que se desenvolveu uma

atitude reflexiva na tomada de decisões quanto à integração de RED e adequação de

métodos de ensino, para a abordagem de conteúdos gramaticais, sem descurar do

contexto escolar.

Apesar de exploratório, este estudo permite-nos perceber a necessidade de promover a

formação inicial e contínua dos professores no âmbito do uso educativo e da efetiva

integração das tecnologias ao serviço das aprendizagens escolares.

Referências bibliográficas

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Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular.

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Reframed. JRTE 41(4), 393-416.

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Xavier, L. G. (2013). Ensinar e Aprender Gramática: Algumas Abordagens Possíveis. Exedra

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4º CRIA 65

ANEXOS

Anexo 1 – história “ As máquinas do laboratório de Dexter”

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A adaptação de uma história ao sistema SPC – uma estratégia criativa

de promoção da inclusão de Crianças com NEE

Andreia Novais1, Gabriela Barbosa2 1Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo,

[email protected] 2Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo,

[email protected]

Resumo. A investigação levada a cabo por Barreto (2009) revela a

existência de fatores que devem ser repensados no sentido de melhorar a

inclusão de Crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE) no

ensino, entre os quais, a formação de professores, os recursos materiais e

humanos e a sensibilização dos pares para a diferença. A sensibilização

para a diferença destaca-se, nesta investigação, como o principal fator a

trabalhar, uma vez que importa sensibilizar todas as pessoas que atuam no

espaço educativo para a inclusão efetiva das crianças com NEE nas suas

turmas. Neste quadro, realizou-se um estudo que teve como objetivo geral

promover a inclusão de crianças com Multideficiência numa turma de 3.º e

4.º ano. Envolveram-se os alunos que frequentam diariamente a turma em

dinâmicas de conhecimento e interação com a problemática da inclusão dos

colegas com multideficiência, através da realização de atividades criativas

que conduziram à produção de uma história animada com recurso ao

sistema gráfico de comunicação Símbolos Pictográficos de Comunicação

(SPC). O propósito da comunicação é expor os resultados emergentes do

estudo realizado, colocando como foco a apresentação do recurso criado e

evidenciando como se constituiu numa estratégia muito favorável para

promover a inclusão das crianças com multideficiência pelos seus pares da

turma e para se desenvolverem atitudes mais positivas de aceitação da

diferença, do Eu e do Outro.

Palavras-chave: inclusão; necessidades educativas especiais; aceitação da

diferença; recursos educativos; símbolos pictográficos para a

comunicação.

Contextualização

A investigação desenvolvida intitulou-se de “A adaptação de uma história ao sistema

SPC, uma estratégia criativa de promoção da inclusão de crianças com NEE” e

desenvolveu-se no âmbito da unidade curricular Prática de Ensino Supervisionada II,

integrada no Mestrado de Educação Pré-Escolar e Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico.

Foi concretizada numa escola pública de 1.º Ciclo do Ensino Básico num agrupamento

escolar do concelho de Viana do Castelo, numa turma de 3.º e 4.º anos de escolaridade.

Os participantes deste estudo foram 8 alunos, 3 alunos do 3.º ano e 5 alunos do 4.º ano

de escolaridade, que faziam parte de uma turma de um total de 11 alunos com idades

compreendidas entre os 9 e os 10 anos de idade. Desta turma faziam parte ainda 3

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4º CRIA

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alunos da escola que apenas frequentavam a sala uma hora por semana, decorrendo o

restante período letivo na UAEM (Unidade de Apoio Especializado para Alunos com

Multideficiência e Surdocegueira).

Este estudo foca-se, essencialmente, na temática da educação inclusiva, considerando-a

como uma educação de qualidade e de valorização da diferença. Após a análise da

investigação levada a cabo por Barreto (2009) pode-se constatar a existência de fatores

que devem ser repensados no sentido de melhorar a inclusão de crianças com NEE no

ensino, entre eles a sensibilização para a diferença, a formação dos professores e os

recursos materiais e humanos. A melhoria destes fatores é, então, o princípio de uma

mudança no sentido de promover a inclusão de todos os alunos. Contudo, é a

sensibilização para a diferença que neste estudo se assume como o principal fator a

trabalhar. Importa, em primeiro lugar, sensibilizar todas as pessoas que atuam no espaço

educativo para a inclusão efetiva das crianças com NEE nas suas turmas, começando,

desde logo, pelos alunos.

Assim, este estudo torna-se pertinente pois, para além de contribuir para o

desenvolvimento de uma comunidade solidária com esta problemática, promove a

inclusão e uma escola mais democrática e mais justa, valorizadora da diferença. Para

além disto, é pertinente que se concretizem trabalhos pedagógicos centrados na temática

da inclusão, um tema tão atual e que preocupa todos os intervenientes que atuam no

espaço educativo que são as nossas escolas de hoje.

Enquadramento Teórico

Evolução da Educação Especial

A Educação Especial passou por diferentes fases ao longo do tempo. Após um período

de exclusão das pessoas consideradas diferentes, assistiu-se a uma fase de segregação da

criança diferente. Passaram a ser isoladas em escolas especiais e separadas da sociedade

estando impedidas de frequentar a escola pública e de interagir com outras crianças

(Correia, 1999; Madureira & Leite, 2003).

Cansada de um sistema segregacionista, inicia-se uma mudança de mentalidades da

sociedade e de valorização da criança e da sua infância e escolarização, emergindo a

política da integração. Em Portugal, os primeiros passos da “Educação Integrada” foram

dados através da criação de “classes especiais”, em 1944, pelo Instituto Aurélio da

Costa Ferreira, orientadas por professores especializados neste Instituto, com o intuito

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4º CRIA 71

de acolher alunos com dificuldades de aprendizagem (Correia, 1999). Mais tarde, na

década de 60, assistem-se a iniciativas que visavam o apoio a crianças e adolescentes

com deficiências que estavam integrados em escolas regulares. A partir da década de 70

as mudanças no contexto da Educação Especial dimensionaram-se no sentido de uma

progressiva integração escolar daquelas crianças na escola regular (Mesquita, s.d.). Esta

fase veio defender o direito a uma educação não segregada e para todos,

proporcionando a mesma educação aos alunos com NEE e aos seus pares sem NEE,

defendendo que o aluno com deficiência poderia ser educado na turma regular. Nesta

fase, conquistou-se a possibilidade de interação entre todos e a partilha de

aprendizagens (Correia, 1999).

Por fim, com o intuito de dar uma melhor resposta na educação de crianças e

adolescentes com NEE, seguiu-se o movimento de inclusão. Foi em 1986 que

Madeleine Will (Secretária de Estado para a EE) impulsionou este movimento ao apelar

a uma mudança radical relativamente ao atendimento dado às crianças com NEE. A

educação inclusiva passa assim a ser para todos os que apresentam necessidades

educativas, deixando de ser somente para os alunos portadores de alguma deficiência

(Correia, 1999).

Portugal prossegue numa política inclusiva e, por isso, pretende-se trabalhar em torno

de uma escola inclusiva e de sucesso para todos os alunos.

Legislação existente para a Educação Especial

Atualmente a Educação Especial no sistema de educação português é regulamentada

pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, que tem como propósito promover a

aprendizagem e a participação dos alunos com NEE de caráter permanente. Com esta

legislação estabelece-se a noção de educação inclusiva, definem-se os apoios

especializados e adequa-se o processo educativo às NEE dos alunos.

Como tal, o Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, com o intuito de promover a

aprendizagem e a participação dos alunos com NEE de carácter permanente, define, no

artigo 16º, como medidas educativas:

Apoio pedagógico personalizado; adequações curriculares

individuais; adequações no processo de matrícula; adequações no processo

de avaliação; currículo específico individual; tecnologias de apoio.

(Decreto-Lei n.º 3/2008, artigo 16º, p. 158)

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4º CRIA

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Estas medidas educativas especiais “pressupõem o planeamento de estratégias e de

atividades que visam o apoio personalizado aos alunos com necessidades educativas

especiais de carácter permanente que integram obrigatoriamente o plano de atividades

da escola de acordo com o projeto educativo da escola” (Casas-Novas, Gaspar &

Perdigão, 2014, p. 12).

O papel e a formação do professor

Com a implementação de um modelo educativo inclusivo, assiste-se a uma mudança no

papel do professor de ensino regular que deve adquirir conhecimentos e as

competências para ser capaz de proceder à avaliação das necessidades especiais dos

alunos, de adaptar currículos, utilizar apoios tecnológicos e metodologias de ensino

capazes de responder às caraterísticas individuais de todos os seus alunos. Além disso,

deve assumir um papel ativo, positivo e criar um ambiente educativo propício à

aceitação dos alunos com NEE (Nielsen, 1999).

A presença dos alunos com NEE de caráter permanente nos contextos frequentados

pelos seus pares sem deficiências aumenta a aceitação da diferença e a forma como a

criança com NEE é vista pelos seus colegas depende da compreensão que estes têm

relativamente à natureza da deficiência, compreensão esta que deve ser possibilitada

pelo professor, criando dinâmicas de envolvimento e conhecimento. Um ambiente em

que o professor trate a deficiência de forma positiva, desperta na criança atitudes

igualmente positivas face aos seus pares diferentes, favorecendo, assim, a criação de

laços de amizade entre elas e a aceitação de todos (Barreto, 2009).

A formação dos professores do ensino regular é também uma preocupação constante, no

sentido de os preparar para o desenvolvimento de um trabalho adequado junto de alunos

com NEE. A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) faz referência à importância

de uma formação inicial de educadores e de professores que englobe todos os tipos de

deficiência para que se alcance uma intervenção diferenciada junto de todos os alunos.

Contudo defende-se ainda que a formação, para além de inicial, deve ser contínua e

especializada.

Recursos educativos no apoio ao trabalho com crianças com NEE

Na impossibilidade de referir todos os recursos existentes no apoio ao trabalho com

crianças com NEE, importa para este estudo, falar das Tecnologias de Apoio, sendo

estas uma das medidas educativas referidas no atual Decreto-Lei n.º 3/2008, que

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4º CRIA 73

pretendem adequar o processo de ensino e aprendizagem. De entre estas tecnologias,

podemos distinguir as tecnologias de tipo hardware e software.

Para este estudo em concreto importa destacar o software para a comunicação e

linguagem BoardMaker, pelo facto de ter sido este o escolhido para a construção do

recurso desenvolvido ao longo do estudo. Este software é um programa de computador

que se destina à conceção de pranchas de comunicação e que contém símbolos do

sistema SPC (Símbolos Pictográficos para a Comunicação). Através destes símbolos,

este software permite elaborar recursos de comunicação que podem ser disponibilizados

aos alunos, facto que o torna numa poderosa ferramenta educacional.

Problema e Objetivos

Esta investigação analisa a inclusão de alunos portadores de multideficiência numa

turma de 3.º e 4.º anos de escolaridade. Face a esta preocupação e ao contexto

encontrado, o objetivo geral deste estudo foi desenvolver um percurso educativo de

promoção da inclusão para alunos com multideficiência numa turma regular de

escolaridade. Os objetivos específicos foram: i) compreender como a aceitação da

inclusão dos alunos portadores de deficiência pode ser concretizada; ii) e sensibilizar

alunos para a importância da inclusão dos seus colegas com deficiência na sala de aula.

Com o intuito de alcançar estes objetivos, envolveu-se a turma com a qual se

desenvolveu este estudo, na criação de um recurso educativo que permitisse promover

essa inclusão e, face ao nível de funcionalidade dos alunos que frequentam a unidade,

decidiu-se criar um livro infantil em formato SPC destinado às crianças identificadas

com NEE, adaptando a história de Luísa Aguilar “Orelhas de borboleta”.

Metodologia

A metodologia de um investigador é evidenciada aquando da escolha dos meios que o

ajudarão a obter e interpretar os dados necessários para responder ao seu problema e

assim alcançar os seus objetivos (Coutinho, 2014). Face a isto e analisando a

problemática e os objetivos delineados para o estudo, optou-se por uma metodologia de

natureza qualitativa, privilegiando-se uma abordagem de caráter exploratório.

O estudo

O percurso desta investigação desenvolveu-se em três momentos. No 1.º momento

realizámos uma entrevista semiestruturada aos alunos com o objetivo de compreender

as perceções dos alunos do grupo sobre a UAEM e sobre a inclusão dos seus colegas

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com NEE na turma. Para isso, perguntamos se sabiam da existência da unidade da

escola e o que era essa unidade, se conheciam os alunos da unidade e se sabiam os

nomes dos colegas. Para além disso, perguntamos ainda se sabiam que faziam parte da

sua turma alguns alunos da unidade e quem eram, se costumavam e gostavam de

trabalhar com eles e o que poderiam fazer para os seus colegas.

No 2.º momento fizemos a adaptação de uma história previamente selecionada por nós.

Esta adaptação decorreu em diferentes fases que passo a explicar em seguida.

A 1.ª fase foi a apresentação da proposta à turma e a leitura inicial da história, para que

os alunos do grupo se pudessem preparar para a posterior leitura aos seus colegas da

unidade.

Figura 1. Apresentação da proposta à turma

A 2.ª fase foi a leitura da história para seus colegas da unidade.

Figura 2. Leitura da história

Na 3.ª fase realizou-se a análise da história para perceber até que ponto os alunos

compreenderam a sua mensagem, já que esta trata também o tema da diferença.

Figura 3. Análise da história

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A 4.ª fase foi a elaboração do resumo da história, na qual os alunos decidiam as

sequências narrativas mais importantes.

Figura 4. Elaboração do resumo da história

A 5.ª fase foi a elaboração da ilustração. Cada um dos alunos ficou responsável por

ilustrar uma sequência narrativa da história, incluindo as personagens e o cenário

envolvente das mesma.

Figura 5. Elaboração da ilustração da história

Na 6.ª fase escolheram-se os símbolos de SPC mais adequados ao texto.

Figura 6. Escolha dos SPC para a história

Por fim, na 7.ª fase, os alunos gravaram a história para posterior construção do seu

formato digital.

No 3.º momento aplicámos, então, uma entrevista semiestruturada final que adotou o

protocolo da entrevista inicial e incluiu algumas questões da mesma, de forma a poder

comparar as respostas dadas pelos alunos no início e no fim do projeto e aferir quais as

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principais mudanças nas perceções dos alunos em relação à inclusão dos alunos com

NEE. Como tal, perguntámos, para além das questões já referidas na entrevista inicial,

se achavam que o recurso construído era útil, se estava adequado, se sabiam como é que

os alunos da unidade podiam interagir com o recurso, se achavam importante a

realização de trabalhos como este, se gostavam que os alunos da unidade passassem

mais tempo na sala, se achavam que a sua inclusão era importante e se estavam

satisfeitos com a concretização deste trabalho.

Análise e interpretação dos dados

Para a análise dos dados recolhidos no âmbito deste estudo, a investigadora optou pela

utilização da categorização. A categorização diz-nos Coutinho (2014), é um processo

que permite reunir um grande número de informações e correlacionar acontecimentos

com o fim de ordená-los. As categorias podem surgir de determinadas questões e

preocupações de investigação (Bogdan e Biklen, 1994) e, neste caso em particular, as

categorias aqui definidas surgiram da problemática em estudo, das questões e dos

objetivos aos quais se pretendeu responder.

Sendo o principal objetivo deste estudo promover a inclusão de crianças com NEE no

ensino, a investigadora optou por realizar uma análise em bruto dos dados recolhidos da

entrevista inicial e face àquilo que eram os objetivos, definiu as seguintes categorias:

perceções dos alunos sobre a UAEM e perceções dos alunos sobre a inclusão dos alunos

com NEE na turma.

Para a fase de adaptação da história, definiu três categorias: história; envolvimento dos

alunos na construção do recurso e perspetiva da investigadora.

Por fim, no momento relativo à entrevista final optou por definir três categorias, sendo

que duas delas são as definidas na entrevista inicial: Perceções dos alunos sobre a

UAEM; Perceções dos alunos sobre a inclusão dos alunos com NEE na turma e sobre a

importância deste trabalho e Perceções dos alunos sobre o recurso construído.

Entrevista inicial

Da análise realizada tendo em conta os objetivos definidos para o momento da

entrevista inicial, detetou-se então uma falta de conhecimento da maioria dos alunos do

grupo em relação à UAEM da sua escola e aos alunos que dela fazem parte,

desconhecimento que vem demostrar que estes não estão tão familiarizados com este

assunto como era suposto, sendo assim notória a falta de contacto com o mesmo, aspeto

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que não contribui para a inclusão dos alunos da unidade. Além disso detetou-se ainda

uma falta de predisposição por parte de alguns alunos relativamente ao facto de incluir

os seus colegas da unidade na turma e de trabalharem com eles.

Adaptação da história

No momento de adaptação da história percebeu-se que os alunos ficaram entusiasmados

com a realização desta atividade. Ficaram curiosos e com vontade de ler a história,

mostraram-se atentos, preocupados com a preparação da leitura, sendo de salientar o seu

esforço e dedicação nesta fase inicial, mesmo daqueles alunos que apresentam mais

dificuldades. Através da análise do comportamento e das intervenções dos alunos

envolvidos no estudo foi possível detetar ainda uma enorme satisfação por parte dos

colegas que frequentam a UAEM, sendo de destacar a intervenção de um dos alunos

participantes que esteve, ao longo da leitura da história, a ajudar um dos seus colegas da

unidade, a compreender as imagens ao longo da história. Esta fase da elaboração do

recurso, em que foi possível ter a presença dos alunos com multideficiência no contexto

frequentado pelos seus pares sem deficiências, aumentou a aceitação da diferença. Para

além disso, percebeu-se que os alunos participaram com empenho e envolveram-se no

projeto com dedicação. Mostraram preocupação em reduzir e simplificar as frases para

o resumo, para facilitar a compreensão dos colegas da unidade. A fase da elaboração da

ilustração foi a que mais interesse suscitou nos alunos sendo de destacar o facto de

muitos deles revelarem grandes qualidades e competências no que se refere ao desenho,

principalmente os alunos que apresentam mais dificuldades de aprendizagem, tendo-se

mostrado autónomos nas tarefas. É de salientar ainda a existência de um trabalho

colaborativo entre todos, tendo-se ajudado mutuamente nas fases de adaptação da

história. Este trabalho colaborativo ficou marcado pela colaboração de todos na fase do

resumo, da ilustração da história e da escolha dos símbolos pictográficos, tendo

trabalhado em grupo para conseguirem obter um trabalho de qualidade. Nesta fase foi

possível observar ainda a opinião positiva dos alunos relativamente à construção deste

recurso, assim como a sua importância, pelo facto de reconhecerem que os alunos com

NEE têm o direito de ter as mesmas oportunidades.

Perspetiva da investigadora

A categoria “perspetiva da investigadora” pretendeu revelar a sua perspetiva

relativamente a este projeto. Como tal, penso que este recurso é um recurso útil e

essencial, quer para os alunos com NEE, pois ajuda-os na sua comunicação, quer para

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os alunos que o construíram, pois passaram a conhecer melhor os seus colegas e a

aceitar a sua inclusão, tendo-se tornado cidadãos mais conscientes para esta

problemática. A adequação da história revelou-se pertinente pelo facto de tratar um tema

relacionado com o contexto da diferença, mas também pelo facto de ser uma história

com uma estrutura discursiva e linguística simples e facilitadora da memorização e

compreensão.

A construção deste recurso mostrou-se promotora da inclusão, colocando os alunos sem

NEE em contacto direto e com a ideia concretizável de incluir os seus pares com NEE,

sensibilizando-os para a importância da inclusão e igualdade de direitos.

Além disso, envolveu os alunos na aquisição e construção de conhecimento e

desenvolvimento de competências sociais e atitudinais. Importa destacar ainda os

conhecimentos implicados neste tipo de trabalho, ao nível tecnológico relacionados com

o funcionamento do software utilizado, e ao nível pedagógico pois foi necessária a

consideração de inúmeros aspetos relacionados com o contexto encontrado e com a

problemática abordada.

Entrevista final

A comparação dos dados da entrevista inicial com os dados da entrevista realizada no

final do estudo, evidenciou claramente que houve uma alteração bastante significativa

naquilo que eram os conhecimentos que os alunos tinham quer da existência de uma

unidade de Multideficiência na escola quer dos seus colegas pertencentes à turma, mas

vinculados à unidade. Ao analisar as suas reações, detetou-se uma manifestação mais

positiva do grupo, pois passaram a mostrar uma maior predisposição e interesse para

abordar e falar sobre este assunto. Mostraram-se também mais familiarizados com a

temática, demonstrando ainda saber os nomes dos colegas que frequentam a unidade.

Além disso, o seu gosto e predisposição para trabalhar, colaborando nas tarefas e

partilhando experiências com os colegas que frequentam a unidade aumentou, assim

como a consciência da importância de integrar os colegas na turma e fazê-los sentirem-

se parte dela.

Conclusões

A realização deste estudo foi muito compensadora e a recolha de dados permitiu

estabelecer conclusões que mostram a necessidade de uma intervenção educativa que

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contemple a inclusão de todos os alunos e a sua aceitação independentemente das

necessidades, especificidades de desenvolvimento e ritmos de aprendizagem.

De entre as conclusões, importa destacar a evolução significativa e positiva no

comportamento e nas perceções dos alunos em relação à inclusão dos seus colegas da

unidade na turma. À medida que a investigação avançava os alunos tomavam cada vez

mais consciência da importância desta problemática e apresentavam uma maior

predisposição e aceitação positiva relativamente à inclusão dos colegas com deficiência.

A promoção da inclusão destas crianças na turma foi então concretizada, pois os alunos

do grupo passaram a olhá-las como parte da turma. Verificou-se ainda que a dinâmica

estabelecida através da criação do recurso mostrou-se uma mais-valia para a

sensibilização e consciencialização do grupo, tendo sido uma oportunidade que

possibilitou a aproximação dos alunos do grupo aos alunos da unidade.

Por fim, os resultados obtidos com este estudo revelaram que a opção pela construção

de um recurso educativo foi uma estratégia muito favorável para promover a inclusão de

crianças com NEE pelos seus pares da turma, uma vez que, no final desta investigação o

grupo com o qual se desenvolveu o estudo passou a aceitar a inclusão dos seus colegas

da unidade e desenvolveu atitudes mais positivas e otimistas em relação a esta

problemática.

Referências bibliográficas

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Educação.

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4º CRIA 81

As noções espaciais e o mundo da criança

Filipa Balinha1, Ema Mamede2 1Universidade do Minho, [email protected] 1Universidade do Minho, [email protected]

Resumo. Este artigo foca a exploração do conhecimento informal sobre

geometria, ao nível do pré-escolar. Retrata-se aqui parte de uma

investigação que procura conhecer o sentido espacial de 20 crianças de 3

e 4 anos que frequentam a educação pré-escolar. Procuram-se respostas a

três questões: 1. Como se caracteriza o sentido espacial das crianças? 2.

O sentido espacial das crianças melhora com recurso a atividades

específicas? Analisam-se, neste artigo, as tarefas que se relacionam com

as noções espaciais – desenhos das crianças e mapas. Os resultados

sugerem que as crianças melhoraram ao nível das noções de espaço

espelhadas nos seus desenhos ao longo da intervenção. Constata-se,

também, que as crianças conseguiam utilizar algumas noções espaciais,

confirmadas na leitura de mapas e maquetas.

Palavras-chave: sentido espacial; educação pré-escolar; geometria;

matemática.

Introdução

As primeiras experiências das crianças são geométricas e espaciais, ao tentarem

compreender o mundo que as rodeia, ao distinguirem objetos e ao descobrirem graus de

proximidade entre eles (Abrantes, Serrazina & Oliveira, 1999). Em todos estes

contextos, ainda que inconscientemente, utilizamos capacidades matemáticas que

aprendemos desde crianças e que são necessárias na realização de tarefas básicas da

nossa vida.

Particularmente no pré-escolar, os documentos curriculares orientadores (Departamento

da Educação Básica [DEB], 1997; Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento

Curricular [DGIDC], 2010; National Council of Teachers of Mathematics [NCTM],

2007) referem que a matemática está presente nas brincadeiras das crianças, no espaço e

no tempo que estas percecionam. Ressaltam, ainda, que a geometria, nomeadamente, o

sentido espacial, deve ser trabalhado na educação pré-escolar. Por isso, cabe ao

educador questionar, incentivar, encorajar, proporcionar, organizar e combinar materiais

e experiências significativas que permitam construir ideias acerca da matemática e da

geometria (DGIDC, 2010). Nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar

alude-se à necessidade do caráter lúdico do processo pedagógico. Assim, a matemática

pode ser útil para trabalhar esta forma lúdica da aprendizagem, pois podemos aprender

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conteúdos, por exemplo, na utilização de jogos. Concordando com Dallabona e Mendes

(2004), as atividades lúdicas são indispensáveis para o desenvolvimento da criança. O

recurso ao lúdico não compromete a seriedade nem a importância dos conteúdos

apresentados.

O presente artigo retrata parte de uma investigação que procura conhecer o sentido

espacial das crianças em idade de pré-escolar, tentando, assim, dar resposta a três

questões centrais: 1. Como se caracteriza o sentido espacial das crianças? 2. O sentido

espacial das crianças melhora com recurso a atividades específicas?

Enquadramento teórico

O estudo das formas no espaço e das suas relações é importante na medida em que

ajuda as crianças a relacionarem a matemática com o mundo real (Abrantes, Serrazina,

& Oliveira, 1999). Jones (2002) destaca a utilização da geometria em diversas áreas do

nosso quotidiano como a arte, arquitetura e a música que envolvem princípios

geométricos - simetria, perspetiva, escala e orientação. Assim, torna-se relevante a

exploração do sentido espacial.

O sentido espacial é uma capacidade que tem vindo a ser estudada por diversos autores

(McGee, 1979; Piaget & Inhelder, 1956; Sarama & Clements, 2009) e pode ser dividido

em visualização espacial e orientação espacial. A visualização espacial é a capacidade

para manipular, rodar ou inverter mentalmente um objeto apresentado graficamente. A

orientação espacial engloba a capacidade de compreender e operar com as diferentes

posições no espaço (Clements, 2004; Moreira & Oliveira, 2003). Este sentido espacial é

essencial em muitas situações tais como a escrita de números, letras e na leitura de

mapas. Posto isto, e dado que as crianças utilizam, com frequência, ideias geométricas e

espaciais para resolver problemas e tomar decisões no seu dia a dia (Moreira &

Oliveira, 2003) é importante que tenham, desde cedo, este conhecimento para que o

possam mobilizar mais rápida e eficazmente.

Piaget foi pioneiro nas investigações feitas sobre a forma como as crianças pequenas

aprendem sobre o espaço e a forma. Piaget e Inhelder (1956) acreditavam que as

primeiras noções de espaço das crianças eram as topológicas (por exemplo, perceber as

relações de aberto e fechado) e que só mais tarde as crianças construíam noções

projetivas (como as relações entre crianças e objetos, pontos de vista), euclidianas

(como distância, proporção e amplitude) e coordenadas do espaço. Estes aspetos são

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refletidos, por exemplo, na utilização de mapas e maquetas, no reconhecimento das

propriedades de figuras geométricas e nos desenhos das crianças.

Sendo os desenhos espontâneos das crianças o foco deste estudo, de acordo com Barros

e Palhares (1997), podemos encontrar nesses desenhos três estádios, após a fase da

garatuja: incapacidade sintética, realismo intelectual e realismo visual. Neste artigo

vamos estudar apenas o primeiro estádio (incapacidade sintética), dado que ao segundo

correspondem as idades 6/7 anos e 8/9 anos, respetivamente. Nesta fase, da

incapacidade sintética, é comum encontrarem-se “ausência de relações euclidianas

(distância, proporção, amplitude), relações projetivas simplistas e algumas relações

topológicas” (Barros & Palhares, 1997, p. 80) como proximidade, separação, ordenação

e fecho.

Portanto, para ajudarmos a construir o sentido espacial das crianças, devemos envolvê-

las em atividades que impliquem a manipulação de materiais para que possam falar

sobre aquilo que experimentam. É fundamental lembrar que só a utilização de materiais

não garante uma aprendizagem eficaz e significativa porque o mais importante no

ensino e aprendizagem da matemática é a atividade mental a desenvolver nas e pelas

crianças. Desta forma, as crianças vão “ampliando o seu repertório e habituando-se a

relacionar o conhecimento espacial com o verbal e o analítico.” (Moreira & Oliveira,

2003, p. 99). Assim, torna-se essencial proporcionar às crianças em idade de pré-escolar

o contato com atividades promotoras do desenvolvimento do seu sentido espacial.

Relembrando que o presente artigo procura conhecer o sentido espacial das crianças em

idade de pré-escolar, tenta dar-se resposta a: 1. Como se caracteriza o sentido espacial

das crianças? 2. O sentido espacial das crianças melhora com recurso a atividades

específicas?

Metodologia

Adotou-se uma metodologia de caráter qualitativo de acordo com Bodgan e Biklen

(2006), com contornos de investigação ação. Segundo Latorre (2004) a investigação

ação constitui uma família de atividades que o educador/professor realiza com

determinadas finalidades: desenvolvimento curricular e profissional, melhoria da prática

educativa, planificação e desenvolvimento. Máximo-Esteves (2008) argumenta que a

investigação ação, procurando melhorar o desempenho e a ação, integra uma espiral

com as seguintes fases: planificar, agir, observar e refletir. Assim, tendo este estudo um

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caráter exploratório centrado na prática educativa do pré-escolar, considerou-se ajustada

uma abordagem qualitativa (Bodgan & Biklen, 2006) sustentada na investigação ação.

Participou neste estudo um grupo de 20 crianças com idades compreendidas entre os 3/4

anos, que frequentavam a educação pré-escolar, em Braga. Procurou-se acompanhar as

reações das crianças a uma intervenção composta por 9 tarefas relacionadas com o

sentido espacial, nomeadamente, das noções espaciais – desenhos e mapas. A seleção

destas tarefas resulta de uma preocupação em facultar, às crianças, contacto com

algumas tarefas sobre o sentido espacial.

A apresentação destas 9 tarefas ocorreu durante 9 sessões, de, aproximadamente, 60

minutos. As tarefas propostas foram de resolução individual, estando as crianças

organizadas em pequenos grupos (5 crianças) e em grande grupo (20 crianças).

Neste artigo pretende perceber-se como se caracteriza o sentido espacial das crianças.

Assim, o artigo foi planeado para ocorrer em três grandes momentos (Figura 1) que

integram duas avaliações e um período de intervenção entre eles.

Figura 1. Esquema da intervenção.

A avaliação inicial, aplicada no início do projeto, pretendia diagnosticar e conhecer o

desempenho das crianças, para perceber como se caracteriza o seu sentido espacial no

que respeita à orientação espacial. As crianças tiveram oportunidade de desenvolver as

suas competências espaciais ao nível das noções de espaço – desenhos das crianças e

mapas.

A intervenção ocorreu em 9 sessões, onde foram dadas oportunidades para as crianças

desenharem segundo uma temática, explorarem e construírem mapas e maquetas,

ouvirem histórias, com o intuito de desenvolver competências espaciais.

O projeto terminou com a avaliação final, onde se incluíam tarefas com propósito

semelhante às realizadas na avaliação inicial facilitando, assim, a comparação entre os

desempenhos das crianças. Procurou-se que estas avaliações servissem como

instrumento regulador, permitissem responder às perguntas de investigação e perceber

que alterações ocorreram nos desempenhos e ideias das crianças, para perceber o que

aprenderam durante o período de intervenção.

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Tabela 1. Caracterização sucinta das tarefas de investigação.

Avaliação

inicial

Tarefa 1 Desenho temático das crianças

Tarefa 2 Mapa para visita de estudo

Intervenção

Tarefa 3 Desenho da criança a partir de uma

história

Tarefa 4 Mapas - lateralidade

Tarefas 5 e 6 Mapa da sala e exploração

Tarefa 7 Mapas - GPS

Avaliação final Tarefa 8 Desenho temático das crianças

Tarefa 9 Exploração de uma maqueta

Os dados foram recolhidos com recurso a gravação vídeo e áudio, fotografia, registos

escritos das resoluções das crianças e notas de campo da investigadora, uma das autoras

deste artigo.

Resultados

Avaliação Inicial

Noções Espaciais – Desenhos das Crianças

Na Tarefa 1 foi pedido às crianças que desenhassem o seu pai. Em pequenos grupos,

cada uma tinha uma folha de tamanho A4 e tinha ao seu dispor materiais riscadores

(marcadores, lápis de cor, lápis de cera). Depois de terminarem o desenho, as crianças

deviam recordar o nome do pai e as investigadoras escreviam-no ao lado ajudando-os,

também, a desenvolver a consciência de palavra. Durante esta tarefa, constatou-se que

algumas crianças tinham alguma dificuldade em adequar o tamanho das cabeças e

desenhar o corpo proporcionalmente. Além disso, demostravam dificuldade em

distanciar as pernas e os braços da cabeça juntando-os, muitas vezes. Neste sentido,

dividiram-se os desenhos das crianças em três grupos: 1) Aqueles em que se denota uma

fraca separação, ordenação e proporção (Figura 2); 2) Os que começam a desenvolver

alguma consciência do espaço da folha e a colocar os braços e as pernas abaixo do

cabeça, demonstrando, por isso, ter adquirido noções de separação e de ordenação, e de

proporção ao adequarem a cabeça ao tamanho do corpo, mas não demonstram não ter

utilizado fecho (Figura 3); 3) Um último grupo de crianças que revela utilizar relações

topológicas - proximidade, separação, ordenação e fecho - nos desenhos do corpo

humano que faziam, mostrando perceber que o corpo humano tem conteúdo e não pode

ser representado apenas por traços (Figura 4). Além disso, demonstram noções de

proporção ao adequarem o tamanho das cabeças ao do corpo.

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Figura 2. Desenhos que mostram ausência de separação e ordenação.

Figura 3. Exemplo de desenhos que demonstram não ter adquirido fecho.

Figura 4. Desenhos que mostram proximidade, separação, ordenação e fecho.

Perante esta avaliação inicial, mostrou-se relevante trabalhar com as crianças os seus

desenhos, para que pudessem evidenciar, nos mesmos, mais noções espaciais.

Noções Espaciais – Mapas

A Tarefa 2 surgiu durante a preparação da visita à Quinta de Santo Inácio, organizada

pela instituição. Esta visita de estudo ajudou a perceber que noções espaciais tinham as

crianças ao nível da localização espacial. Começou-se por lhes perguntar “Como é que

o senhor motorista vai saber o caminho amanhã?”. Prontamente responderam que ele ia

ver no mapa. Perante isto, foi-lhes perguntado se podiam ver noutro local e uma das

crianças referiu que também podia ver no GPS (Global Position System) e explicou o

seu funcionamento (“Vês assim a estrada e segues”). Assim, decidiu-se fazer a analogia

e perguntar-lhes “Se nós tivéssemos uma formiga na nossa sala, como é que ela sabia ir

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de uma área para a outra?” à qual responderam “Temos de fazer um mapa para ela”.

Neste sentido, surgiu a ideia de criarmos um mapa da sala para uma formiga que lá

passasse. No final do lanche, entusiasmadas com os mapas, as crianças decidiram

construir um mapa para levarem no dia seguinte e fizeram-no todas em grupo. À

pergunta sobre o que devemos desenhar no mapa, as crianças apresentaram várias

sugestões e quiseram desenhá-las no mapa (Figura 5). Depois de construído o mapa,

afixamo-lo na sala e explicaram o caminho que seria efetuado pelo condutor do

autocarro – a preto na figura (Figura 5).

Figura 5. Construção do mapa e mapa para a Quinta de Santo Inácio.

Quando chegamos à quinta, uma criança fez questão de mostrar o mapa lá existente

(Figura 6). Com esta tarefa denotou-se que as crianças já tinham ideias sobre para que

servia um mapa e um GPS, contudo, os conceitos de lateralidade (esquerda, direita) e as

noções espaciais frente, trás, à frente, atrás eram ainda incipientes em algumas crianças

(constatou-se durante a visita).

Figura 6. Mapa na Quinta de Santo Inácio.

A avaliação inicial permitiu perceber aquilo que as crianças já sabiam sobre os

conceitos abordados e serviu de base às propostas da intervenção.

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Intervenção

Noções Espaciais – Desenhos das Crianças

Na Tarefa 3 as crianças deviam utilizar e demonstrar as noções espaciais que possuíam,

através da realização de desenhos. Para isso, levou-se o computador e, em pequeno

grupo, as crianças puderam ouvir na biblioteca de livros digitais do Plano Nacional de

Leitura (PNL) “Os opostos” (Letria, 2003). Depois, foi-lhes pedido que os recordassem

e os desenhassem ou que dissessem duas palavras contrárias e as desenhassem. Desta

tarefa salienta-se que os desenhos de algumas crianças eram fidedignos às imagens,

mesmo sem as observarem novamente (Figura 7) o que também demonstra a capacidade

de memória visual. Além disso, no desenho desta criança é evidente a presença de

relações euclidianas como distância e proporção. No entanto, este aspeto não foi

encontrado na literatura, que nos diz que neste estádio é comum encontrar-se uma

ausência destas relações (Barros & Palhares, 1997).

Figura 7. Desenho de uma criança e imagem original (desenhou sem voltar a observar).

Outras crianças mostraram, através dos desenhos que fizeram, ter adquiridas algumas

relações euclidianas, nomeadamente, de proporção (a raposa grande e o pintainho

pequeno) ainda que Piaget e Inhelder (1956) considerem que as relações euclidianas

estão ausentes na faixa etária que estas crianças se encontram - o estádio da

incapacidade sintética (Figura 8). Demonstraram, ainda, usar relações topológicas como

separação, fecho e continuidade.

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Figura 8. Desenhos que denotam a utilização de relações euclidianas e topológicas.

Os desenhos de um outro grupo de crianças assemelhavam-se ao regresso à fase de

garatuja (Figura 9).

Figura 9. Exemplos de desenhos que revelam poucas noções espaciais.

Desta tarefa concluiu-se que algumas das crianças tinham já atingido o estádio da

incapacidade sintética proposto por Piaget e Inhelder (1956) e para confirmar esse

aspeto aplicou-se a avaliação final - Desenhos para “O livro dos jogos dos pais”.

Noções Espaciais – Mapas

Depois da tarefa da avaliação sobre as noções espaciais - mapas, tornou-se evidente a

necessidade de trabalhar essas noções – Tarefa 4. Para isso, com a ajuda da Educadora

da sala, colocaram-se fitas coloridas nos braços das crianças (uma fita de cada cor para

cada braço) (Figura 10) e foi-lhes dito que a pulseira azul seria a esquerda e a cor de

rosa a direita.

Figura 10. Crianças com as fitas nos braços.

Começou-se por lhes pedir para levantarem a mão direita e depois a esquerda e foram-

se alternando estes pedidos até constatar que a maior parte do grupo o fazia

corretamente.

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De seguida, colocou-se a música “Vem que eu vou-te ensinar” e fez-se o que a mesma

solicitava: “mão direita à frente, mão direita atrás, roda roda, roda e não saias do lugar,

vem que eu vou-te ensinar” que repetia para a mão esquerda e para os pés (direito e

esquerdo). Com esta música também foi possível trabalhar as noções espaciais frente e

trás. De seguida, foi-lhes pedido que se colocassem em fila (Figura 11) e que se

deslocassem para o lado pedido. Para além de identificarem a mão esquerda e direita,

conseguiram fazê-lo também para o pé e ombro (mesmo não tendo fita) e também com

o corpo todo.

Figura 11. Crianças em fila.

Depois de se trabalharem as noções espaciais, era necessário aplicar esse conhecimento

na construção do mapa da sala.

Para a construção do mapa da sala – Tarefa 5 - começou-se por pedir às crianças para

fecharem os olhos e imaginarem a sala vista de cima. De seguida, deu-se a cada uma

delas uma imagem de um objeto da sala visto de cima. Estas deviam identificar onde se

encontrava na sala e colocá-lo no sítio correto do mapa (Figura 12). Salienta-se que

eram fotografias reais, tiradas da sala de atividades, recortadas e plastificadas

previamente.

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Figura 12. Construção do mapa da sala.

Durante esta tarefa, as crianças cooperaram umas com as outras, iam discutindo se

estava correto promovendo a comunicação matemática e quando não estava corrigiam o

local onde essa imagem devia ser colocada. Esta construção resultou num produto final

(Figura 13) e, para a construção do mesmo, foi necessário fotografar e medir cada

objeto da sala, de modo a fazer uma escala para cada objeto do mapa. Além disso,

colocou-se velcro e plastificou-se cada um deles para facilitar o manuseamento.

Figura 13. Mapa da sala.

Na Tarefa 6, as crianças deviam localizar uma imagem de um objeto no mapa e

encontrá-lo na realidade. O mesmo acontecia quando lhes era pedido para o

encontrarem na sala e colocarem a imagem do objeto no local correto. No geral, todas

as crianças conseguiram fazer o solicitado (Figura 14). Durante o desenrolar da mesma,

recordaram-se as noções espaciais: cima/baixo; esquerda e direita.

Figura 14. Crianças a colocarem a imagem no mapa e a procurarem o objeto na realidade,

respetivamente.

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Depois de manipular os objetos e as imagens correspondentes, utilizou-se o boneco que

as crianças já conheciam da atividade de construção do mapa (que tem uma fita de cada

cor em cada braço que corresponde à esquerda e à direita) e pediu-se-lhes para

identificarem, no mapa, o objeto da sala que estava à esquerda/à direita/à frente ou atrás

do boneco (Figura 15).

Figura 15. Criança a localizar espacialmente o boneco.

Neste sentido, importa salientar que os documentos orientadores da educação pré-

escolar (ver DEB, 1997; DGIDC, 2008; NCTM, 2007) abordam a visualização e a

orientação espacial como necessárias a serem trabalhadas no pré-escolar. Aliás, para

além de a consagrarem no âmbito da geometria e medida, aparecem contempladas em

todas as áreas do saber. Portanto, para ajudarmos a construir o sentido espacial das

crianças, devemos envolvê-las em atividades que impliquem a manipulação de materiais

para que possam criar imagens mentais, ampliando o seu reportório e relacionando o

conhecimento espacial com o verbal e o analítico (Moreira & Oliveira, 2003).

A Tarefa 7 surge na sequência da devolução de uns caracóis que viveram na sala ao seu

habitat natural. Durante a manhã foi planificado, recorrendo ao GPS, o percurso a

percorrer até ao parque da Ponte. À tarde, as crianças seguiram as orientações do

mesmo - iam ouvindo quando dizia “em frente, para a esquerda, para a direita” (Figura

16).

Figura 16. Crianças a seguirem as orientações do GPS.

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4º CRIA 93

Avaliação final

Noções Espaciais – Desenhos das Crianças

A Tarefa 8 consistiu na construção de um livro que compilava “Os jogos dos Pais” deste

grupo de crianças quando eram pequenos. Para este artigo, importa perceber as

alterações entre os desenhos da avaliação inicial e os desenhos da avaliação final e, para

tal, os mesmos serão agrupados.

Há crianças em que se nota claramente uma melhoria de algumas relações espelhadas

nos seus desenhos. Ao nível das relações euclidianas, nomeadamente, a proporção ao

adequarem a cabeça ao resto do corpo e de relações topológicas como separação,

ordenação, fecho e continuidade (Figuras 17 e 18.).

Figura 17. Melhoria dos desenhos de SB da avaliação inicial para a avaliação final,

respetivamente.

Figura 18. Melhoria dos desenhos de LE do da avaliação inicial para a avaliação final,

respetivamente.

Um outro grupo de crianças mostrou melhorar na construção de algumas relações

projetivas simplistas, como na colocação das crianças em roda (Figura 19), tal como a

literatura previa (Barros & Palhares, 1997; Piaget & Inhelder, 1956).

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Figura 19. Melhoria dos desenhos de D da avaliação inicial para a avaliação final,

respetivamente.

Neste sentido, e em relação às noções espaciais espelhadas nos desenhos deste grupo de

crianças, pode-se concluir que nem todas se encontram ao mesmo nível. Há algumas

que parecem ter melhorado por apresentarem relações euclidianas mais complexas,

como é o caso das crianças que desenhavam as cabeças enormes em relação ao corpo na

avaliação inicial e, na avaliação final, revelaram ter adquirido a proporção. Outras há

que melhoraram ao nível das relações projetivas, ainda que no estádio da incapacidade

sintética, referido por Piaget e Inhelder (1956), estas sejam simplistas. Salienta-se,

ainda, que as crianças demonstraram utilizar relações euclidianas, como a proporção,

apesar de Barros e Palhares (1997) considerarem que neste estádio elas estão ausentes

(Figura 20).

Noções Espaciais – Mapas

Figura 20. Melhoria dos desenhos de P da avaliação inicial para a avaliação final,

respetivamente.

Para compreender que noções espaciais tinham aprendido as crianças, recorreu-se a uma

maquete com casas e, novamente, ao boneco conhecido das crianças. Desta vez, as

crianças tinham de identificar a casa que se encontrava à frente do boneco, atrás, à

esquerda e à direita, mesmo quando se mudava o boneco de sítio. Começou-se por

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perguntar a uma das crianças e as outras concordavam ou refutavam e, neste último

caso, teriam de explicar a sua resposta, promovendo, desta forma, a comunicação

matemática (Figuras 21 e 22).

Figura 21. Maquete e boneco.

Figura 22. Manipulação do boneco e respetiva discussão.

De facto, com esta atividade, compreendeu-se que um maior número de crianças

conseguiu responder corretamente e que se corrigiam entre elas o que evidencia, uma

vez mais, o desenvolvimento da sua comunicação matemática.

Constatou-se, deste modo, que as crianças conseguiam utilizar as noções espaciais:

esquerda, direita, frente, trás, atrás, à frente, em cima e em baixo, algumas delas já sem

se fixarem nas cores das mãos dos bonecos, tal como utilizado com as crianças durante

a tarefa 6, a de exploração do mapa da sala.

Considerações Finais

Depois de analisadas as tarefas, chegaram-se a algumas conclusões. Da análise dos

desenhos das crianças, nomeadamente, das noções de espaço espelhadas nos seus

desenhos, as crianças revelaram melhorias. Na faixa etária em que se encontram, de

acordo com Piaget e Inhelder (1956), – estádio da incapacidade sintética – é comum

encontrarem-se “ausência de relações euclidianas (distância, proporção, amplitude),

simplistas relações projetivas e algumas relações topológicas” (Barros & Palhares,

1997, p. 80). Apesar das opiniões destes autores, surpreendentemente, houve crianças

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4º CRIA

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que começaram a separar uns objetos dos outros (distância) nos desenhos que faziam,

evidenciando a utilização de relações euclidianas. Outras desenharam as cabeças

enormes em relação ao corpo na avaliação inicial, mas na avaliação final revelaram ter

adquirido algumas noções de proporção, ajustando as dimensões das partes dos corpos

nos seus desenhos. Nas relações topológicas, as crianças melhoraram e mostraram ter

adquirido proximidade, separação, ordenação, fecho e continuidade. Ao nível das

relações projetivas, confirma-se o que a literatura afirma pois eram, ainda, simplistas.

Constatou-se, ainda, ao nível das noções espaciais, nomeadamente, na utilização de

mapas e maquetas, que as crianças conseguiam utilizar as noções espaciais esquerda,

direita, frente, trás, atrás, à frente, em cima e em baixo, algumas delas já sem se fixarem

nas cores das mãos do boneco utilizado. Este aspeto confirma a ideia de que o sentido

espacial é essencial na leitura de mapas (McGee, 1979; Piaget & Inhelder, 1956;

Sarama & Clements, 2009) e que a perceção das relações espaciais se encontra

adquirida.

Concordando com Bishop (1980), desenvolver o conhecimento informal da geometria

na educação infantil é bastante benéfico porque estimula nas crianças ideias positivas

sobre a geometria e fornece às crianças saberes que lhes são úteis no seu dia a dia.

Facilita, também, a relação do saber matemático com as outras áreas do saber, como o

português. Por isso, crianças que desenvolvem relações espaciais e que dominam a

geometria estão melhor preparados para aprender números e outros temas matemáticos

avançados porque desenvolvem o seu pensamento e agem positivamente face à

matemática (NCTM, 1996, 2007).

Além disso, e como a matemática também pode ser considerada uma forma de

comunicação, é essencial que as explorações que fazemos nesse âmbito funcionem

como um espaço onde as crianças podem comunicar as suas ideias, tal como aconteceu

na exploração do mapa. Neste sentido, as atividades em grupo são extremamente

importantes, uma vez que permitem à criança aprender a trabalhar com os colegas e,

logicamente, a comunicar. A comunicação matemática favorece a concentração,

enriquece o vocabulário espacial da criança e ajuda-a a desenvolver as competências de

visualização (Alves & Gomes, 2012).

Durante todo este processo, denotou-se, ainda, que a motricidade fina das crianças

melhorou de uma avaliação para a outra. O sentido espacial das crianças em idade pré-

escolar parece poder ser compreendido por cada um dos tópicos em que foi divido, ou

seja, noções espaciais – desenhos das crianças e mapas.

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4º CRIA 97

Esta investigação torna evidente a necessidade de proporcionar às crianças em idade

pré-escolar, o contacto com a matemática e com a utilização correta dos vocábulos. Se

estes forem introduzidos e utilizados de forma contextualizada, enriquecem o

vocabulário das crianças e fazem-nas falar corretamente sobre o seu mundo, o mundo

da criança.

Mais investigação é necessária sobre o desenvolvimento das noções espaciais em

crianças em idade pré-escolar. Seria pertinente ampliar o conjunto de desenhos

propostos a cada criança obtendo uma maior visão das relações neles espelhadas.

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98

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4º CRIA 99

Trilhando uma quinta pedagógica com a Matemática

Fátima Fernandes1, Isabel Vale2, Pedro Palhares3

1Escola Superior de Educação de Viana do Castelo, [email protected]

2 Escola Superior de Educação de Viana do Castelo, [email protected] 3Instituto de Educação (CIEC), Universidade do Minho, [email protected]

Resumo. Os contextos não formais oferecem oportunidades de exploração

do meio envolvente que não podem ser replicadas dentro da sala de aula,

uma vez que permitem às crianças explorar, experimentar, fazer escolhas,

desenvolver a autonomia, arriscar e identificar ou resolver desafios de

forma criativa, segura e significativa. Neste contexto surgem os trilhos

matemáticos como forma de os alunos usarem e aplicarem, em contexto

real, a matemática que aprenderam na sala de aula, através da resolução

de situações propostas ao longo de um trilho. No âmbito de um estudo mais

abrangente sobre a matemática fora da sala de aula, construíram-se três

trilhos matemáticos, e implementaram-se com alunos do 3º ano de

escolaridade, com o objetivo de analisar o envolvimento, o desempenho e a

criatividade dos participantes nas resoluções apresentadas. Neste texto,

tendo por base apenas um desses trilhos, mostra-se que os alunos

manifestaram grande envolvimento na resolução das tarefas propostas pelo

trilho, pois as situações eram-lhes familiares; conseguiram mobilizar o

conhecimento adquirido durante as aulas estabelecendo, nalguns casos

conexões com outras áreas; e identificaram-se traços de criatividade nas

produções apesentadas.

Palavras-chave: Tarefas matemáticas; Contextos não formais de

aprendizagem; Trilhos matemáticos; Criatividade.

Introdução

As constantes mudanças da sociedade colocam os indivíduos perante múltiplos desafios

aos quais têm que dar resposta. A escola assume um papel importante na preparação dos

jovens na medida em que pode incrementar o potencial criativo dos mesmos para

produzir novas ideias e encontrar soluções individuais ou coletivas para esses desafios

(Vale, 2012). Nas últimas décadas a investigação tem-se debruçado sobre a criatividade,

conceito amplo e para o qual não há consenso sobre o significado.

Na matemática, a resolução e formulação de problemas tem-se revelado um campo

privilegiado para desenvolver a criatividade (Silver, 1997), pelo que importa criar

situações de aprendizagem desafiantes e criativas que promovam a motivação e o

envolvimento cognitivo dos alunos para resolver e formular problemas na procura de

soluções válidas.

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Este artigo decorre da conceção e implementação de um trilho matemático com o

propósito de perceber como é que estas crianças do 1º ciclo do ensino básico reagem às

tarefas matemáticas fora da sala de aula, que tarefas preferem, que conhecimentos

mobilizam e que evidências de criatividade manifestam na resolução das tarefas.

De seguida, faz-se a fundamentação teórica dos principais temas envolvidos,

nomeadamente o papel das tarefas e dos contextos não formais na aprendizagem da

matemática e a criatividade em matemática. Posteriormente, apresentam-se o contexto,

as opções metodológicas, os procedimentos e alguns resultados preliminares do estudo

referentes a opções de enquadramento das tarefas, ao conhecimento mobilizado e às

reações e desempenho dos alunos em quatro dessas tarefas.

Os trilhos matemáticos - um contexto não formal para a aprendizagem da

matemática

Os contextos não formais de ensino e aprendizagem da matemática podem contribuir de

forma significativa para a expansão e para o enriquecimento do conhecimento dos

alunos (Kenderov et al., 2009), complementando a aprendizagem considerada formal,

que ocorre em instituições escolares e está vinculada a currículos oficiais. São espaços

privilegiados para experiências de interação entre indivíduos e entre estes e o meio

ambiente, o que pode estimular a “disposição produtiva” para aprender e,

consequentemente, ajudar a reconhecer a utilidade e a pertinência da matemática e

encará-la como uma área do conhecimento acessível a todos (Dooley, Dunphy & Shiel,

2014).

As tarefas matemáticas realizadas nestes contextos alternativos à sala de aula habitual

são consideradas mais motivadoras (Hayden, 2009) e favorecem o envolvimento dos

alunos incluindo os mais relutantes (Patterson, 2009). Essas tarefas podem ser

exploradas a partir de situações reais, contribuindo para a construção ou consolidação

do significado de conceitos ou processos de forma consistente (Wager, 2012) e para o

conhecimento e interpretação da realidade de forma mais crítica (Bonotto & Basso,

2001).

A generalidade dos ambientes não formais permite a formulação e resolução de tarefas

que envolvam diversos conteúdos. De acordo com Boavida, Paiva, Cebola, Vale e

Pimentel (2008), esta articulação é importante para que os alunos entendam a

matemática como uma “teia de relações” entre os diferentes domínios matemáticos e

entre estes e outras áreas curriculares. Neste sentido, sugerem a realização de situações

de aprendizagem que proporcionam relações entre conteúdos matemáticos distintos

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4º CRIA 101

(conexões dentro da matemática), conexões entre a matemática e a realidade e da

matemática com outras áreas curriculares. Estas conexões contribuem para uma

compreensão mais profunda e duradoura e para que a matemática seja reconhecida

como útil (NCTM, 2000).

De entre vários tipos de experiências de aprendizagem que podem decorrer em

contextos não formais, encontram-se os trilhos matemáticos. Os trilhos ainda não são

um recurso frequente nas aulas de matemática em Portugal, contudo há já trabalhados

realizados no âmbito da Formação de Professores (e.g. Barbosa, Vale, & Ferreira,

2015).

Por trilho matemático entende-se uma série de paragens ao longo de um percurso pré-

definido, nas quais os participantes exploram matemática no espaço envolvente (Cross,

1997). Constituem oportunidades de levar para o contexto conceitos ou processos

abordados, por vezes de forma abstrata, na sala de aula e tomar consciência da

aplicabilidade dos mesmos em situações reais (Richardson, 2004).

Nas paragens dos trilhos, os alunos realizam um conjunto de tarefas matemáticas que

estão na base da aprendizagem, pois são segmentos da atividade da aula cujo propósito

é desenvolver uma ideia matemática específica (Stein & Smith, 2009). Na realização

das tarefas, os estudantes, num tempo predefinido, raciocinam conceptualmente e

envolvem-se por forma a criarem conexões (Stein & Smith, 2009). A aprendizagem da

matemática implica que haja atividade ao ouvir, observar, investigar, resolver,

comunicar, raciocinar ou refletir sobre conceitos, estratégias e procedimentos

matemáticos (Copley, 2000; NCTM, 2000; Ponte, 2005), o que pode ser proporcionado

pelos trilhos. Na verdade, estas experiências de aprendizagem podem fomentar a

resolução e formulação de problemas, a comunicação, o estabelecimento de conexões, a

aplicação de conhecimentos a situações reais e o desenvolvimento de capacidades em

situações diversificadas, algumas das quais nem sempre suscetíveis de realizar em sala

de aula. Permitem experimentar, observar, medir, recolher e registar dados que podem

ser manipulados e interpretados posteriormente na sala de aula (Richardson, 2004) e

proporcionam a articulação da aprendizagem formal e não formal, contribuindo para

uma aprendizagem mais significativa (Wager, 2012).

A Criatividade em matemática

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4º CRIA

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Numa sociedade que evolui de forma tão célere é essencial que, em todos os domínios,

haja criatividade para procurar soluções válidas, rápidas e inovadoras para os problemas

que vão emergindo.

Nas últimas décadas têm surgido diversos estudos em torno da criatividade no processo

de ensino e aprendizagem de várias áreas, incluindo a matemática (e.g. Leikin, 2009;

Mann, 2006; Silver, 1997; Vale & Pimentel, 2012), manifestando preocupação com o

desenvolvimento desta capacidade nos estudantes. Parece haver múltiplas definições

para criatividade matemática pelo facto de existirem diferentes formas de a expressar

(Mann, 2006). A partir das definições que Mann (2006) selecionou para mostrar a

diversidade e as diferentes perspetivas, Vale e Pimentel (2012) identificaram ideias

convergentes em algumas dessas definições, das quais destacaram a relação da

criatividade com o pensamento divergente, com conceitos como a fluência, a

flexibilidade e a originalidade e com a resolução e formulação de problemas.

O pensamento divergente é associado à criatividade, pelo facto de envolver uma forma

de pensar que procura todas as possibilidades e a melhor forma de encontrar a ou as

respostas para uma situação, opondo-se assim ao pensamento convergente que é

orientado para encontrar apenas uma solução e de uma única forma considerada mais

correta (Guiford,1967, referido por Mann, 2006; Vale & Pimentel, 2012).

Os conceitos de fluência, flexibilidade e originalidade são considerados três dimensões

da criatividade e são três das componentes da resolução de problemas (Vale, 2011). A

fluência refere-se à capacidade de produzir um grande número de ideias, a flexibilidade

é a capacidade de pensar de formas diferentes e a originalidade refere-se à capacidade

de pensar de forma única (Vale, 2011).

A resolução e formulação de problemas são situações de aprendizagem privilegiadas

para desenvolver as capacidades de fluência, flexibilidade e originalidade, sendo que

estas duas últimas estimulam o pensamento divergente (Vale & Pimentel, 2012). Ao

resolver problemas, sobretudo os que são pouco estruturados e apresentam um elevado

grau de abertura, os alunos devem ser estimulados a procurar diversas respostas, se

possível, e originais. Ao formular problemas, os alunos tomam consciência da sua

estrutura, o que contribui para desenvolver o raciocínio, o pensamento crítico e a

comunicação matemática (Vale & Pimentel, 2012). Deste modo, a criatividade pode ser

desenvolvida na aula de matemática quando são propostas tarefas de resolução de

problemas, que suscitem vários modos de resolução, dentro e fora da sala de aula.

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4º CRIA 103

Metodologia

Para este trabalho foram considerados apenas os resultados de um dos trilhos

produzidos e realizados no âmbito de uma investigação mais abrangente. Trata-se de

uma investigação qualitativa, com uma abordagem do tipo estudo de caso, que incide

sobre uma turma do 3º ano de escolaridade.

Como a investigadora não era professora da turma, houve vários contactos prévios com

os alunos, na sala de aula, para falar sobre os trilhos e para recolher dados sobre o

comportamento, o tipo de dinâmicas a que estão habituados e o nível de conhecimentos

sobre os tópicos programáticos selecionados para as tarefas.

As tarefas do trilho, com diferentes graus de desafio, foram elaboradas com base em

elementos do percurso. Abrangem os conteúdos matemáticos programados para o 3º

ano de escolaridade e alguns temas de outras áreas do saber. Alguns enunciados focam

objetivos definidos pelo contexto onde se realizou o trilho, nomeadamente: sensibilizar

para problemáticas ambientais e respetivas soluções e dar a conhecer espécies animais e

vegetais autóctones, técnicas e dinâmicas da exploração agrícola minhota e algum

património rural.

Este contexto refere-se a uma quinta pedagógica, localizada junto à escola, que foi

criada com a intenção de aproveitar e dinamizar a exploração agrícola, silvícola e

pastoril. Integra um núcleo de albergue e produção animal (parques ao ar livre,

estábulos e cavalariças, galinheiro, picadeiro, apiários e um lago) e um núcleo de

produção vegetal (horta, viveiros, estufa, pomares, campo de aromáticas e medicinais,

jardins e floresta). Em paralelo, organiza atividades de (in)formação com vista à

sensibilização da preservação e valorização do ambiente e do espaço rural e ao ensino

de técnicas de culturas agropecuárias e florestais. Concentra, ainda, várias

infraestruturas e equipamentos relacionados com alojamento, recreio e lazer.

Para a realização do trilho, os alunos foram organizados, pela docente da turma, em seis

grupos de três elementos, mais ou menos uniformes a nível de conhecimentos. Cada

grupo foi acompanhado por um aluno do 2º ano da Licenciatura em Educação Básica,

que transportou material suplente, registou dados, leu as orientações do guião e

esclareceu dúvidas relacionadas com a interpretação da informação. Estes orientadores

já conheciam o percurso a realizar, porém só conheceram as tarefas no dia da

implementação.

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4º CRIA

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Cada participante recebeu material de escrita e um guião com 16 tarefas, com o total de

32 questões. No guião, havia sempre informação introdutória ao tema de cada tarefa e,

no final de cada página, havia pistas sobre o percurso a realizar até à próxima tarefa.

Os grupos iniciaram o percurso em momentos diferentes para evitar que se

aglomerassem nas paragens. Esta experiência de aprendizagem demorou cerca de três

horas.

Os dados foram recolhidos através dos guiões, fotografias, gravações áudio, notas de

campo decorrentes da observação participante e das entrevistas semiestruturadas

realizadas alguns dias após o trilho.

Resultados e discussão

Neste campo descreve-se o enquadramento das tarefas no património da quinta,

evidencia-se o conhecimento mobilizado pelos alunos, descrevem-se algumas reações e

apreciações sobre esta experiência, apresentam-se algumas revelações dos participantes

registadas durante e após a implementação do trilho e infere-se quanto à originalidade

na resolução. A originalidade é analisada por comparação de cada resposta com as dos

colegas da turma. A flexibilidade e a fluência não serão analisadas pelo facto de a

generalidade das questões não sugerir a apresentação de mais do que uma solução.

Na impossibilidade de analisar os resultados de todas as tarefas, apresentam-se apenas

as quatro mais apreciadas pelos participantes.

Esta tarefa surge, no guião, na sequência de uma introdução sobre as possibilidades de

conduzir as videiras para a produção de vinho verde.

A quinta possui um campo reservado a esta cultura onde estão expostas e identificadas

cinco formas de condução das videiras: cruzeta, cordão simples, cordão sobreposto,

ramada e enforcado. Para resolver a tarefa, os alunos tiveram que percorrer o espaço e

descobrir os painéis informativos que se encontravam junto da vinha onde a técnica

correspondente havia sido aplicada.

Tarefa 2 - Plantação de vinha

Numa Visita a esta quinta, o Sr. João observou diversas formas de condução das

videiras. Depois disse para a esposa:

- Mulher, vamos conduzir as videiras que plantamos utilizando duas formas das que

estão aqui expostas.

Quantas opções é que o Sr. João pode fazer?

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Todos os grupos conseguiram resolver a questão, embora alguns apenas tivessem

combinado quatro formas alegando que não repararam na ramada que estava sobre uma

parte do percurso que tinham que realizar.

Houve representações diferentes, mesmo dentro do mesmo grupo, como se pode ver na

imagem que se segue:

À esquerda encontra-se uma resposta, única na turma, que inclui uma representação

icónica evidenciando detalhes do que existe na realidade.

Na resposta mais à direita vê-se um esquema em árvore, onde o aluno fixa cada uma das

formas de condução das videiras e faz a respetiva combinação com as restantes, tendo o

cuidado de não colocar as combinações repetidas. Esta forma de resolução foi a mais

frequente.

A última resposta revela que o aluno recorreu à representação geométrica, colocando

cada forma de conduzir a videira no vértice de um retângulo e depois traçou as

diagonais para que cada uma das formas ficasse ligada às restantes. Como ainda havia

Figura1: Algumas resoluções da tarefa 2

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4º CRIA

106

outra forma de conduzir as videiras, fez, depois, a combinação desta com as restantes

possibilidades. Este tipo de resolução é comum a dois elementos deste grupo e a outro

grupo que apenas identificou quatro formas de condução.

Quanto à originalidade, apesar da representação icónica ser única na turma, parece-nos

mais óbvia para o ano de escolaridade em estudo do que a representação geométrica,

pelo que consideramos esta última mais original.

Os participantes apreciaram esta tarefa por envolver uma situação real que lhes é

familiar, por ser necessário deslocação para obter informação, por“obrigar a pensar” e

por requerer desenhos ou esquemas.

Esta tarefa surge em torno de uma situação que evidencia preocupação ambiental. Trata-

se de uma floreira vertical com sete patamares, na qual as plantas são colocadas em

botas reutilizadas. Parece uma tarefa simples, mas revelou-se complexa, porque o

número de botas não alternava interminavelmente de um nível para o subsequente, entre

uma e duas botas, pois do nível 7 para o 8 o número de botas mantinha-se. Trata-se de

um padrão de repetição do tipo 1212121 1212121.

Esperava-se que os alunos associassem os níveis de ordem ímpar a uma bota e os de

ordem par a duas botas, como fizeram as crianças com quem foram testadas as tarefas.

Na verdade, isto verifica-se na primeira parte do padrão, ou seja, na floreira que

estavam a observar, mas não é válida para o 12º nível. Houve muita discussão entre os

elementos de cada grupo.

Na resposta foi apenas registado o número de botas do 12º nível e o lado para o qual

estavam voltadas, o que impossibilita uma análise sobre a originalidade do raciocínio.

Os alunos identificaram a relação entre os elementos que serviram de base à tarefa e

domínios de Estudo do Meio, nomeadamente as bandeiras dos países (pintadas nas

botas) e a reutilização de materiais e os respetivos efeitos na pegada ecológica.

Apreciaram estar perante uma sequência pouco óbvia, mais exigente que o habitual, e a

decoração das botas.

Tarefa 9 – Floreira vertical

Observa a floreira que está bem perto de ti, composta por sete filas de botas usadas.

Imagina que em cima desta floreira se colocava outra exatamente igual.

Quantas botas teria a 12ª fila a contar de baixo?

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4º CRIA 107

Esta tarefa foi proposta num passadiço de madeira junto ao lago. No guião, o enunciado

surge após uma breve introdução que refere a importância destes ambientes aquáticos

enquanto ecossistemas que hospedam múltiplos seres vivos.

A generalidade dos participantes começou por dividir o número de animais pelo número

de patas, obtendo uma pata por animal, mas de imediato reconheciam a inexistência de

animais com uma pata. Esta questão despoletou muita discussão, sobretudo sobre as

hipóteses que iam surgindo em cada grupo, uma vez que era necessário satisfazer três

condições: número de animais, número de patas e tipos de animais possíveis. Houve um

grupo que levantou a hipótese de as patas serem os próprios animais e não membros

inferiores dos animais. Foi necessário sugerir que não considerassem essa hipótese.

Cada participante só registou uma resposta, à exceção do aluno BP do grupo 2 que

apresentou duas. Na figura 2 apresentam-se três das respostas registadas.

A segunda opção da última resposta acima apresentada parece ser a mais original, pois é

a única que envolve uma espécie (rã) em duas fases de desenvolvimento – fase larvar e

fase adulta. Há mobilização de conhecimentos de Estudo do Meio, especificamente as

Tarefa 12 – Animais do lago

No domingo passado avistaram-se, neste pequeno lago, 6 animais que tinham, no

total, 6 patas. Não eram os cisnes que estás a observar.

Que animais poderiam estar no lago?

Resposta do aluno MR (Grupo 1)

Resposta do aluno TG (Grupo 3)

Resposta do aluno BP (Grupo 1)

Figura 2: Algumas resoluções da tarefa 12

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4º CRIA

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características morfológicas dos animais e do meio ambiente em que vivem. É evidente

a flexibilidade deste aluno, uma vez que apresenta duas respostas de forma espontânea.

Para além disso, participou na discussão em grupo, mas registou duas respostas

diferentes dos outros dois colegas.

Quase todos os participantes elegeram esta tarefa como preferida, valorizando o local

onde a tarefa se realizou e, sobretudo, o facto de se tratar de uma tarefa diferente, que

obriga a “puxar pelo cérebro”.

Esta tarefa realizou-se num local alusivo a uma atividade frequente na região – a

apicultura.

No guião, o enunciado emerge na sequência de uma breve introdução sobre o

crescimento desta cultura nos últimos anos, neste concelho, e sobre as principais

finalidades: produção de mel, pólen, própolis, geleia real e enxames. Foram colocadas

três questões: a primeira consiste num problema de processo que requer dedução lógica;

a segunda implica recolha de dados no local sobre a quantidade de mel produzido por

cada colmeia; a terceira, subdividida em duas alíneas, solicita a construção de uma

figura com hexágonos e a reflexão dessa figura segundo um eixo já desenhado. Esta

última foi apontada pela maioria dos alunos como sendo uma das preferidas.

Os grupos apresentaram resoluções distintas como as que se mostram na figura 3.

Tarefa 13 – As abelhas Questão 3 – As abelhas criam favos em forma de hexágono.

a) Desenha, na grelha que se segue, uma pavimentação (figura) com hexágonos,

do lado esquerdo do eixo marcado.

b) Faz a reflexão dessa figura no lado direito do eixo de simetria.

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4º CRIA 109

Na primeira situação, o grupo pavimentou tudo com hexágonos regulares e losangos.

Na segunda, veem-se quatro hexágonos regulares que, em conjunto com seis triângulos

pequenos, formam um hexágono maior não regular construído de forma não intencional.

Resoluções semelhantes a esta, com três ou com quatro hexágonos, foram as mais

frequentes.

A última resolução, embora não respeite a distância ao eixo de reflexão, foi a única que

envolveu hexágonos regulares e não regulares desenhados de forma intencional.

O assunto parece ter despertado o interesse dos alunos, porque estava relacionado com

um tema explorado, no ano anterior, no âmbito de um projeto da escola. Apreciaram,

também, o facto de envolver vários conteúdos, bem como a utilização do desenho e a

importância da imaginação, concentração e do rigor na realização da tarefa.

Os participantes conseguiram mobilizar facilmente os conhecimentos matemáticos e

outros para resolver as tarefas. Reconheceram a ligação entre os assuntos que serviram

de base às tarefas e algumas temáticas de outras áreas, sobretudo de Estudo do Meio, de

projetos nacionais e internacionais em que a escola participou e vivências familiares,

Resposta do aluno MCO (Grupo 1)

Resposta do aluno LG (Grupo 2)

Resposta do aluno BP (Grupo 2)

Figura 3: Algumas resoluções da questão 3 da tarefa 13

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4º CRIA

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manifestando apreço por situações de que já ouviram falar. Também manifestaram

gosto por poderem deslocar-se no terreno, recorrer várias vezes a desenhos ou esquemas

na resolução das tarefas, trabalhar em grupo, resolver tarefas que não são muito óbvias e

que exigem concentração, rigor e imaginação. Estas últimas características e o tipo de

tarefas mais apreciadas, nomeadamente a 12 e a 13, parecem indicar que estes

participantes mostram interesse por tarefas de estrutura mais aberta e promotoras do

desenvolvimento da criatividade.

Embora se faça referência à originalidade de algumas resoluções, não se pode aferir

quanto à criatividade, por não estarem reunidas condições para que possam ser

avaliadas as três dimensões.

Considerações Finais

Apesar de haver vários estudos sobre as potencialidades dos espaços educativos não

formais para o ensino e aprendizagem da matemática, a criatividade nestes contextos

parece ser um campo ainda a aprofundar.

Este trabalho sugere que nos contextos não formais é necessário criar condições aos

alunos para desenvolverem e manifestarem as diferentes capacidades que compõem a

criatividade, à semelhança do que que Silver (1997) sugere para dentro da sala de aula.

Os alunos mostram-se motivados na realização de tarefas fora da sala de aula e

empenham-se na resolução das mesmas, mas preferem as que proporcionam interação

com os colegas e o meio e as que são mais desafiantes, como constatou Hagen (2013)

quando procurou investigar os fatores que incrementavam a motivação. Preferem,

também as que se realizam em locais atrativos, as que se relacionam com as suas

vivências, as que são observáveis e palpáveis, as que lhes proporcionam atividade física

e as que abrangem várias áreas do saber.

Atendendo às reações positivas a esta experiência de aprendizagem, incluindo o

reconhecimento do aumento de conhecimentos sobre a cultura local, parece fazer

sentido que se continuem a trilhar os contextos educativos não formais, proporcionando

a contextualização da matemática escolar em situações reais e a respetiva exploração de

forma prazerosa.

Para isso, os professores devem criar situações de aprendizagem diversificadas, em

consonância com o currículo, que estimulem o pensamento divergente (Vale &

Pimentel, 2012) e que impliquem a mobilização de conhecimentos de dentro para fora

da sala de aula e vice-versa, envolvendo situações que favoreçam a compreensão da

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4º CRIA 111

matemática e da comunidade, como sugerem Garii e Silverman (2009). Estas

experiências de aprendizagem devem, ainda, permitir contrariar tendências pouco

saudáveis cada vez mais frequentes na nossa sociedade, como o sedentarismo e a parca

interação física e verbal entre as crianças, resultado do tempo excessivo dedicado às

tecnologias.

Para responder aos interesses e necessidades dos alunos, os docentes também terão que

ser criativos em três dimensões: fluentes e flexíveis sobretudo nos contextos que

selecionam, nos assuntos e áreas que propõem explorar, no grau de abertura e no nível

de desafio das tarefas, e originais, no sentido de criar oportunidades de aprendizagem

com detalhes que as tornem singulares e repletas de significado face aos conhecimentos

que os alunos possuem e ao contexto onde são realizadas, como sugere Bonotto (2005).

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COMUNICAÇÕES COM

DEMONSTRAÇÃO

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4º CRIA

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Matemática + Histórias Infantis = Conexões Criativas no Pré-escolar

Maria Vaz1, Ana Barbosa2 1Q.I. Colégio, [email protected]

2Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Educação,

[email protected]

Resumo. Com este trabalho pretendia-se compreender de que modo as

histórias infantis podem contribuir para o desenvolvimento de capacidades

transversais, como a resolução de problemas e a comunicação matemática, de

crianças em idade pré-escolar, promovendo a criatividade. Para isso, adotou-

se uma metodologia qualitativa, realizando um estudo exploratório com

dezassete crianças com idades entre os 3 e os 5 anos. Foi desenhada uma

sequência de tarefas, tendo como ponto de partida histórias com

potencialidades para permitir a exploração de capacidades e temas

matemáticos. A análise dos dados permitiu verificar que as histórias usadas

contribuíram para que as crianças mantivessem a motivação e o empenho

durante a realização das tarefas, participando na resolução dos problemas

propostos e comunicando usando termos matemáticos específicos com

correção. Foi evidente que, ao longo do estudo, usaram diferentes estratégias

na resolução dos problemas propostos. Do mesmo modo, foi notório o

refinamento de vocabulário relacionado com os temas abordados, sendo

coerentes e claras na exposição dos seus raciocínios, usando terminologia

adequada. Os resultados deste estudo permitiram ainda concluir que, durante

o período em que as crianças realizaram as tarefas, foi havendo sempre uma

evolução significativa, quer ao nível da resolução de problemas quer ao nível

da comunicação matemática.

Palavras-chave: Educação Pré-escolar; Matemática; Histórias infantis;

Resolução de Problemas; Comunicação matemática

Introdução

O educador tem um papel “crucial no modo como as crianças vão construindo a sua

relação com a Matemática” (Castro & Rodrigues, 2008, p. 9), sendo desejável que parta

do que já sabem, aproveitando situações que sejam do seu interesse para aprofundar

noções matemáticas (DEB, 1997). Tendo em consideração que “neste nível etário, não

se pode perder de vista que um dos objetivos é relacionar a matemática com outras áreas

e que este aspeto é em si uma nova aprendizagem com relevância para a matemática”

(Moreira & Oliveira, 2003, p. 163) e que as histórias têm, por norma, boa recetividade

por parte das crianças, optou-se por desenvolver um estudo no qual se privilegiou as

conexões entre a Matemática, em particular através da resolução de problemas e da

comunicação matemática, e as histórias infantis, procurando compreender de que forma

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4º CRIA

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contribuem para o desenvolvimento de capacidades transversais. Esta opção é reforçada

pela literatura da especialidade onde se refere que as crianças aprendem com mais

facilidade se for sugerida uma tarefa que parta da exploração de uma história, sendo que

o recurso a contos infantis torna os conceitos abordados mais relevantes (Hong, 1999).

Tendo em conta as ideias expostas, procurou-se neste estudo compreender de que modo

as histórias infantis podem contribuir para o desenvolvimento de capacidades

matemáticas transversais, como a resolução de problemas e a comunicação matemática,

de crianças em idade pré-escolar, promovendo a criatividade. De modo a refletir sobre a

problemática do estudo, foram formuladas as seguintes questões de investigação: 1)

Como se caracteriza o desempenho das crianças na resolução de problemas emergentes

e histórias infantis e que estratégias utilizam?; 2) Como evoluem na expressão das suas

ideias matemáticas e que representações usam?

Enquadramento teórico

A Resolução de Problemas

A atividade de resolver problemas é intrínseca à natureza humana desde sempre (Vale

& Pimentel, 2004). No âmbito da educação pré-escolar, salienta-se a sua

transversalidade, pois, nesta etapa educativa, deverá atravessar todas as áreas e

domínios do currículo, constituindo assim uma situação de aprendizagem significativa

(e.g. DEB, 1997; Moreira & Oliveira, 2003). Ao longo da educação pré-escolar o

desafio passa por desenvolver as inclinações inatas das crianças para a resolução de

problemas e preservar e estimular uma disposição ou atitude que a valorize (NCTM,

2007). Assim, é importante que o educador proponha situações problemáticas e permita

que as crianças encontrem as suas próprias soluções (DEB, 1997), levando o grupo a

considerar mais do que uma estratégia para a resolução dos problemas, assumindo o

papel de orientador.

A resolução de problemas é um excelente meio através do qual a criança se pode

apropriar de novos conhecimentos matemáticos ou consolidar aprendizagens já

realizadas. No entanto, sendo uma tarefa à qual se atribui um grau de complexidade

elevado, nem sempre as crianças têm sucesso. A maior parte das vezes, as dificuldades

decorrem sobretudo “não da falta de conhecimentos matemáticos mas sim da ineficácia

do uso desses conhecimentos” (Vale & Pimentel, 2004, p. 17). Frequentemente o que

acontece é que quem resolve o problema não sabe mobilizar os conhecimentos que já

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4º CRIA 117

possui para os aplicar à nova situação, assim importa conhecer estratégias de resolução

de problemas, pois são uma boa ajuda para a organização do pensamento individual, o

que ajudará na procura de caminhos válidos para a resolução e exploração de diferentes

situações (Vale & Pimentel, 2004). Podem então distinguir-se várias estratégias

passíveis de serem usadas na resolução de problemas diferentes, como: descobrir um

padrão; fazer uma lista organizada ou uma tabela; reduzir a um problema mais simples;

relacionar um novo problema com outro já conhecido; trabalhar do fim para o princípio;

usar dedução lógica; fazer tentativas; fazer um desenho, um diagrama ou um gráfico;

fazer uma simulação ou dramatização. Estas e outras estratégias são, sem dúvida,

ferramentas às quais se pode recorrer para se estar apto a analisar e resolver com

sucesso um problema, concebendo um plano para chegar à solução. A investigação tem

mostrado que as crianças possuem uma variabilidade no modo como exploram

problemas e nas estratégias que usam nas suas experiências matemáticas, não sendo o

seu conhecimento uniforme e explícito (e.g. Barody, 2002). As estratégias usadas pelas

crianças pequenas podem variar na mesma sessão e na mesma tarefa tanto na resolução

de problemas orais e escritos como na utilização dos símbolos, sendo as suas respostas

influenciadas por vários fatores, como por exemplo o material utilizado.

A Comunicação Matemática

As competências comunicativas começam a desenvolver-se na criança desde cedo,

manifestando-se quando lhe são dadas oportunidades de interagir com outros (Moreira

& Oliveira, 2003). A linguagem da qual a criança se vai apropriando constitui um meio

de excelência usado para comunicar, podendo ser mobilizada no sentido de exprimir

ideias, mas também no sentido de as aprender e interpretar (NCTM, 2007). A

comunicação apresenta-se assim como parte essencial da educação matemática, sendo a

linguagem “uma ferramenta muito poderosa que deverá ser utilizada para promover a

aprendizagem” (NCTM, 2007, p. 148).

A comunicação matemática desenvolve-se sobretudo pela linguagem oral, no entanto

“existe uma estreita interdependência entre as representações em Matemática e a

comunicação” (Boavida, Paiva, Cebola, Vale & Pimentel, 2008, p. 70), podendo assim

usar-se representações convencionais e não convencionais, cuja partilha é essencial para

o processo de comunicação. É então possível que as crianças representem os seus

pensamentos e conhecimentos sobre ideias matemáticas através da linguagem verbal,

oral e escrita, utilizando os gestos, desenhos ou símbolos inventados e/ou convencionais

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(NCTM, 2007). Estas representações, para além de constituírem métodos viáveis de

comunicação, são poderosas ferramentas de raciocínio e permitem tornar as ideias

matemáticas mais concretas e disponíveis para reflexão (NCTM, 2007). Segundo

Bruner (1962, referido por Boavida et al., 2008) existem várias formas de representar

ideias matemáticas, podendo comunicar-se através de representações ativas,

representações icónicas e representações simbólicas. As representações ativas, estando

associadas à ação, dizem respeito à manipulação direta e adequada de materiais

manipuláveis ou objetos e simulação de situações. As representações icónicas, baseadas

na organização visual, surgem quando são usadas figuras, imagens, esquemas,

diagramas ou desenhos com o objetivo de ilustrar conceitos, procedimentos ou relações

entre eles. Por fim, as representações simbólicas recorrem a símbolos que não são

obrigatoriamente os formais, partilhados por quem domina a linguagem matemática,

podendo estes até ser criados pelas crianças, e plenos de significados próprios, eficazes

na comunicação de ideias.

As histórias infantis e a aprendizagem da Matemática

No ensino da matemática o ponto de partida para a aprendizagem devem ser tarefas

ricas, diversificadas e organizadas de modo coerente, propostas e supervisionadas pelo

educador. Atendendo a que as tarefas matemáticas deverão ser adequadas ao nível de

desenvolvimento da criança, devendo envolvê-las e mantê-las interessadas, o recurso à

literatura infantil pode ser considerado uma boa estratégia para abordar conceitos

matemáticos (Yoop & Yoop, 2009).

Sabendo que a literatura infantil tem um papel importante nesta etapa educativa, o

educador poderá proporcionar experiências bastante significativas às crianças ao ler em

voz alta e ao articular a literatura com outras áreas/domínios do currículo. Desta forma,

as crianças beneficiam de diferentes modos de aceder ao conhecimento, a partir de

experiências ricas e significativas. Tendo o poder de envolver e de focar a atenção de

um grupo de crianças, os livros infantis deverão ser um recurso usado recorrentemente

pelo educador já que, por norma, fomentam a imaginação e proporcionam satisfação,

facilitando também o desenvolvimento da linguagem (e.g. Heuvel-Panhuizer, Boogaard

& Doig, 2009; Yoop & Yoop, 2009).

As conexões existentes entre a literatura, em particular as histórias infantis, e a

matemática são ilimitadas, cabendo ao educador selecionar atividades que tenham como

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ponto de partida um livro infantil, uma vez que as histórias têm o potencial de suportar

o desenvolvimento matemático, oferecendo várias oportunidades de integrar o currículo

enquanto, ao mesmo tempo, suportam experiências ricas em matemática (Koellner,

Wallace & Swackhamer, 2009). Vários autores (e.g. Heuvel-Panhuizer et al., 2009)

defendem a importância de partir de um contexto que faça sentido para a criança, pois

os contextos familiares permitem que estas invoquem os seus conhecimentos prévios

para darem sentido à matemática, o que torna a aprendizagem mais rica e permite que o

ensino seja construído a partir do conhecimento informal. Deste modo, uma abordagem

à matemática usando a literatura infantil pode ser bastante eficaz pois os livros infantis

oferecem um contexto envolvente e proporcionam experiências onde são apresentadas

várias ideias matemáticas que mais tarde poderão ser exploradas de modo formal.

O educador pode encontrar várias formas de desencadear o potencial da literatura nas

atividades matemáticas. Considerando que deve estar atento de modo a proporcionar

oportunidades para a resolução de problemas significativos a partir de acontecimentos

espontâneos ocorridos na sala de atividades (Young & Marroquin, 2006), a literatura

infantil pode surgir como ponto de partida para o desencadeamento dessas atividades.

Várias ideias matemáticas podem estar presentes nos livros infantis desde que

devidamente explorados, assim, uma vez que a leitura de histórias é uma atividade

familiar no jardim de infância, os educadores deverão propor problemas baseados nas

histórias fazendo uso da sua criatividade (Young & Marroquin, 2006). Smole (1998)

aponta ainda que a utilização da literatura infantil em conexão com o trabalho em

resolução de problemas permite que, tanto o educador como as crianças, utilizem e

valorizem naturalmente diferentes estratégias de procura de uma solução, tais como o

desenho, a oralidade, a dramatização, a tentativa e erro, processos que normalmente são

esquecidos no trabalho tradicionalmente realizado na sala de atividades.

Também se pode assumir que a literatura infantil proporciona um contexto para

promover a comunicação sobre ideias matemáticas pois explorar, criar e comunicar são

atividades que surgem naturalmente nos livros infantis (Heuvel-Panhuizen et al., 2009).

Rodrigues (2011) reforça esta perspetiva, afirmando que as histórias constituem um

bom meio para comunicar ideias matemáticas uma vez que permitem relacioná-las com

a realidade ou com outras áreas/domínios, possibilitam o relacionamento de tópicos, a

abordagem de diferentes representações e conceitos matemáticos e ajudam a explorar

problemas e a descrever resultados. McDuffie e Young (2003) consideram que usar a

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4º CRIA

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literatura infantil nas atividades matemáticas pode ajudar o educador que está a começar

a introduzir as discussões matemáticas nas atividades com o seu grupo, podendo assim

criar mais facilmente um ambiente que promova a comunicação.

A criatividade começa com curiosidade e envolve os alunos em tarefas de exploração e

experimentação, nas quais podem manifestar a sua imaginação e originalidade (e.g.

Barbeau, 2009). As histórias infantis podem ser o motor para despoletar discussões em

grupo e a resolução de problemas que envolvem as crianças. Esta estratégia de

promoção da exploração de ideias matemáticas dá às crianças a oportunidade de

expandir a sua criatividade, pensando em diferentes formas de resolver um dado

problema, desenvolvendo a flexibilidade do seu raciocínio.

Metodologia

Considerando o problema e as questões a ele associadas, optou-se por uma metodologia

de natureza qualitativa de caráter exploratório (e.g. Yin, 2009).

Este estudo realizou-se durante o ano letivo 2014/2015, num jardim de infância da rede

pública, pertencente a um agrupamento de escolas do concelho de Viana do Castelo. O

grupo, com o qual foi desenvolvida esta investigação, era constituído por dezassete

crianças, oito do sexo feminino e nove do sexo masculino, sendo que nove delas tinham

3 anos, sete tinham 4 anos e uma tinha já 5 anos. Pode assim considerar-se que o grupo

era heterogéneo em relação à faixa etária, sendo verificada a mesma heterogeneidade no

que refere aos interesses manifestados pelas crianças e aos seus níveis de

desenvolvimento.

Os dados foram recolhidos ao longo de dois meses, através da implementação de cinco

tarefas, recorrendo à observação participante, a registos fotográficos e gravações vídeo,

a notas de campo e registos realizados pelas crianças. Foi preparada uma sequência de

cinco tarefas, sendo que cada uma incluía a realização de diferentes atividades, tendo

em comum a exploração de histórias infantis com potencialidades para desenvolver

diferentes capacidades e conteúdos matemáticos (e.g. contagens, noções de posição e

orientação espacial, reconhecimento de formas geométricas, estimativas e medições,

divisão). As histórias foram selecionadas de acordo com critérios definidos na literatura

(e.g. Marston, 2010; Price & Lennon, 2009), considerados essenciais neste estudo, tais

como: Correção matemática; Apelo visual e verbal; Conexões; Diversidade de

conteúdos; Promoção da Resolução de Problemas e da Comunicação Matemática; e

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Fator “Wow” – Suspense.

Resultados da implementação de uma tarefa

Os resultados que aqui se apresentam referem-se à implementação de uma das tarefas,

intitulada “De que tamanho é um pé?”. Partiu-se da exploração do livro How big is a

foot? (Anexo 1), de Rolf Myller, e a partir da sua exploração foram abordados

conteúdos relacionados com o tema Medida, sendo os principais objetivos: (1) Perceber

como se pode medir usando unidades não padronizadas; (2) Usar uma unidade e

instrumento adequados para realizar medições; (3) Ter em conta referências comuns

para fazer comparações e estimativas; (4) Compreender que os objetos têm atributos

mensuráveis; (5) Usar expressões como “maior do que” e “menor do que” para

comparar grandezas.

Esta tarefa dividiu-se numa sequência de sete atividades. Na primeira, “Quem deixou

esta pegada?”, que funcionou como forma de motivação e diagnóstico, foram

distribuídos vários pares de pegadas pelo chão da sala de atividades. Numa primeira

abordagem as crianças teceram alguns comentários acerca do seu tamanho:

L.P.: Umas são maiores, outras são mais pequenas e outras são médias.

Posteriormente, as crianças foram desafiadas a ordenar os pares de pegadas segundo o

critério tamanho, das mais pequenas às maiores. Não se tendo obtido uma representação

correta à primeira tentativa, despoletou-se um diálogo que levou as crianças a

reconhecer que teriam de reordenar as pegadas de modo a obter uma representação

correta. Durante o diálogo, uma das crianças usou no seu vocabulário uma expressão

pouco correta:

I.S.: As (pegadas) rosas são as mais grandes.

Estagiária: As maiores?

I.S.: Sim, as maiores.

Esta foi uma excelente oportunidade de refinamento do vocabulário, tendo a criança

substituído imediatamente o vocábulo menos adequado por outro.

Terminada esta atividade, o grupo foi desafiado a escutar a história “De que tamanho é

um pé?”, uma adaptação da história original. Nesta primeira fase, apenas se procedeu à

leitura da primeira parte da história, que se estendeu até ao final da frase “Por que será

que a cama era demasiado pequena para a rainha?”, deixando assim o desafio ao grupo.

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Figura 1. Imagem apresentada

Chamou-se a atenção das crianças para esta frase, questionando-as acerca do porquê de

a cama ser pequena para a rainha. Inicialmente não compreenderam a razão:

Estagiária: O que é que o rei disse acerca do tamanho da cama? Quanto é que ele disse que a

cama tinha de medir?

(o grupo não responde)

Estagiária: O que fez o rei para saber qual o tamanho que a cama tinha de ter? (mostrando uma

das imagens da história – Figura 1)

I.S.: Mediu com os pés.

Estagiária: Como?

L.P.: Assim, 1, 2, 3 e 1, 2, 3, 4, 5, 6. (apontando para os pés na imagem)

Estagiária: Então o rei mediu 3 pés de... De quê?

I.S., L.P.: Largura.

Estagiária: 3 pés de largura. E 6 pés de...

I.S., L.P.: Comprimento.

Pela análise do diálogo, percebe-se que o grupo adquiriu com facilidade novo

vocabulário relacionado com o tema Medida, nomeadamente os termos “largura” e

“comprimento”, usando-os corretamente. Depois de se perceber como é que o rei mediu

a cama, voltou-se a questionar o grupo sobre se o aprendiz teria cumprido ou não a

ordem do rei. Nesta fase, uma das crianças avançou a hipótese de o aprendiz não ter

usado o mesmo número de pés que o rei para construir a cama. Posto isto, sugeriu-se a

essa criança que comparasse as representações feitas pelas duas personagens, contando

os pés utilizados por uma e outra personagem.

Depois de se concluir que o aprendiz e o rei tinham usado o mesmo número de pés para

medir a cama, e com a finalidade de envolver o grupo num ambiente de fantasia,

sugeriu-se fazer uma dramatização de modo a tentar compreender o problema, para

Figura 2. Uma das crianças do grupo compara as duas representações

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assim poderem ajudar o aprendiz. Assim, foram escolhidas várias crianças que

desempenharam os papéis das diferentes personagens. Houve o cuidado de calçar à

criança que desempenharia o papel de rei uns sapatos de adulto, de modo a perceberem

as diferenças nas representações que iriam ser feitas pelo rei e pelo aprendiz. Durante a

dramatização, a estagiária leu a história e encorajou as crianças a agirem segundo o que

era relatado. No momento em que a criança que representava o papel de rei ia medir

com os pés o tamanho que a cama deveria ter, foi estendido no chão papel de cenário

onde a criança que representava a rainha se deitou sendo delineados os pés do rei, à

medida que o mesmo ia caminhando ao lado dela, de modo a que ficasse feita uma

representação de como o rei tinha pedido para fazer a cama.

Do mesmo modo, na altura em que o aprendiz realizou as suas medições, seguindo as

instruções do rei, os seus pés foram também delineados. Ainda durante a dramatização,

no momento em que o rei ofereceu a cama à rainha, e usando para o efeito a

representação feita pelo aprendiz no papel de cenário, o grupo verificou que a rainha

não cabia nela, sendo a cama demasiado pequena.

Figura 3. A estagiária contorna os pés usados pelo rei para medir o tamanho da cama

Figura 4. O grupo verifica que a cama é demasiado pequena para a rainha

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4º CRIA

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Depois de se ter percebido que a cama feita pelo aprendiz era pequena para a rainha, o

grupo foi reunido em redor das representações feitas no papel de cenário, de modo a

refletir novamente sobre o porquê de tal ter acontecido. Durante o diálogo, foi possível

perceber que a maioria das crianças introduzia no seu discurso vocábulos como

“comprimento” e “largura”, ainda que por vezes os confundissem. Quando questionadas

acerca do tamanho das camas, concordaram que a cama construída pelo aprendiz era

mais pequena. Posto isto, a estagiária questionou o grupo acerca desta diferença, tendo

as crianças apresentado respostas distintas:

L.G.: Os sapatos do rei eram muito grandes e os outros eram pequeninos.

B.R.: Olha estes! Estes pés são muito pequeninos e aqueles não (referindo-se respetivamente,

aos pés do aprendiz e aos pés do rei)

L.P.: Os pés do rei chegam quase ali à ponta e estes não. (referindo-se à ponta do papel)

Apesar de as respostas serem bastante distintas, todas estavam orientadas no mesmo

sentido, referindo que o pés do rei eram muito maiores do que os do aprendiz. Assim,

depois de todas as crianças do grupo concluírem que a cama tinha saído demasiado

pequena para a rainha porque os pés do rei eram maiores do que os pés do aprendiz,

questionou-se sobre de que modo poderiam ajudar o aprendiz a resolver o seu problema.

Todas as crianças acharam que deviam contar ao aprendiz a sua descoberta e uma delas

sugeriu que a solução para o problema poderia passar por o aprendiz pedir os sapatos do

rei emprestados para construir a cama, deste modo, calçando-os, conseguiria medir a

cama para a rainha e construí-la corretamente. Sabendo da curiosidade do grupo acerca

de computadores e do seu funcionamento, a estagiária sugeriu ao grupo enviar um e-

mail ao aprendiz com a resolução do problema.

Num momento posterior, a estagiária leu a segunda parte da história, que conta como o

aprendiz resolveu o problema da cama da rainha, seguindo as instruções dadas pelo

grupo no e-mail. Esta segunda parte da história teve de ser adaptada de modo a contar

que o aprendiz tinha recebido o e-mail enviado pelo grupo e resolvido o problema,

pedindo ao rei que lhe emprestasse os seus sapatos.

De modo a manter as crianças envolvidas num contexto imaginário, foi proposta a

atividade “O aprendiz agradece”. Informou-se o grupo que o aprendiz tinha respondido

ao e-mail enviado. As crianças mostraram-se curiosas acerca do que o aprendiz teria

dito, tendo ficado satisfeitas e empolgadas por ter conseguido resolver o problema do

tamanho da cama e lhes ter agradecido a ajuda.

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Por fim, foi realizada uma atividade prática que deu às crianças a oportunidade de agir

como o rei e o aprendiz da história e utilizar os pés para medir objetos presentes na sala.

Como desconheciam esta estratégia de medição antes de lhes ter sido apresentada a

história, todas referiram nunca terem experimentado medir com os pés, mostrando-se

interessadas por fazê-lo.

Depois de ter verificado que a maioria das crianças sabia como proceder para medir

com os pés, a estagiária apresentou às crianças a folha de registo a ser preenchida

durante a concretização desta atividade. A medição centrou-se no tapete colocado na

área dos jogos de chão, no armário dos jogos calmos e no banco das mochilas. Depois

disto, a estagiária explicou ao grupo o que iria ser registado na folha de registo, dizendo

que na primeira coluna iriam colocar o número de pés que achavam que iam precisar

para medir cada um dos objetos (estimativa) e na segunda iriam colocar o número de

pés que realmente precisaram para medir os objetos, depois de efetivamente terem

realizado a medição.

As crianças mais velhas do grupo realizaram a atividade sem dificuldades, fazendo

previsões, tendo, por exemplo, em conta que se o banco das mochilas era o maior objeto

a medir iriam precisar de mais pés do que para medir os outros objetos. Outras crianças

não foram capazes de fazer previsões com consciência, não atendendo ao tamanho dos

diferentes objetos a medir. Foi ainda percetível que algumas crianças apresentaram

dificuldades no que refere à sequência numérica, o que influenciou as suas capacidades

de medição.

Conclusões

A literatura infantil assume um papel importante na educação pré-escolar. Deste modo,

foi possível proporcionar experiências significativas ao grupo que participou neste

estudo ao articular as histórias com o domínio da matemática.

Ao longo da investigação foram propostos problemas, decorrentes de histórias

criteriosamente selecionadas, explorados em diferentes momentos, não só durante o

Figura 5. As crianças medem os objetos usando os pés

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4º CRIA

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questionamento feito após a leitura de uma história, mas também em atividades de

motivação e como forma de diagnosticar os conhecimentos das crianças. Tal como

sucedeu na tarefa apresentada neste texto, quando confrontadas com um problema,

recorreram a várias estratégias de resolução de modo a chegar à solução, tais como:

fazer tentativas (num problema de divisão; num problema de contagens progressivas e

regressivas), descobrir um padrão (num problema de contagens progressivas e

regressivas), fazer uma simulação ou dramatização (no problema apresentado neste

texto; num problema de divisão; num problema de contagens progressivas e

regressivas) e relacionar um novo problema com outro já conhecido. O processo de

reflexão posterior à resolução de problemas, foi também um aspeto privilegiado neste

estudo, sendo a maioria das crianças capazes de falar acerca do problema acabado de

resolver, relatando como tinha procedido e porquê. Embora se possa afirmar que a

maioria das crianças tenha tido um bom desempenho na resolução dos problemas

propostos, várias revelaram dificuldades no processo de resolução, quer por não

compreenderem o problema ou por não conseguirem acompanhar a estratégia utilizada.

No entanto, a estagiária seguiu de perto estes casos, explicando novamente o que se

pretendia ou pedindo a outras crianças que o fizessem, de modo a que todas

vivenciassem experiências significativas e se sentissem envolvidas no processo.

Sendo uma capacidade transversal a toda a aprendizagem matemática, a comunicação

matemática começa a ser desenvolvida desde cedo. Todas as tarefas desenvolvidas ao

longo deste estudo visavam promover a comunicação centrada em ideias matemáticas,

tendo sido consideradas algumas características que se pretendia que as crianças

adquirissem ou refinassem, tais como: a precisão, a colocação de hipóteses e realização

de generalizações, a clareza, a apresentação de argumentos coesos e o uso de

terminologia matemática adequada. Foi bastante explícito que, durante o estudo, as

crianças foram gradualmente capazes de refinar o seu vocabulário, substituindo alguns

vocábulos menos corretos por outros mais corretos ou adquirindo novo vocabulário,

integrando-o no seu discurso. O recurso a representações emergiu não só para construir

novos conhecimentos, mas também para exprimir ideias matemáticas. As

representações privilegiadas neste estudo foram as ativas, essencialmente através da

utilização de materiais manipuláveis e da simulação de situações. As icónicas e as

simbólicas foram também evidenciadas através do preenchimento de folhas de registo

associadas às tarefa propostas.

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Ao longo das várias tarefas as crianças foram adotando algumas atitudes consideradas

fundamentais para o sucesso na resolução de uma tarefa matemática, tais como: a

disposição, o interesse, a autoconfiança, a perseverança, as crenças e a flexibilidade.

Foram notórios: a disposição para participar nas tarefas, mostrando que era um

momento significativo para elas; o interesse, dado que as tarefas propostas foram ao

encontro dos seus interesses, tendendo a dedicar-lhes mais tempo uma vez que eram

propostas consideradas relevantes; a autoconfiança ao lidar com a incerteza e a com

possibilidade de errar; a perseverança, mostrando-se persistentes, não desistindo de

imediato quando não encontravam o caminho para a solução; a flexibilidade,

reconhecendo diferentes formas de pensar sobre a mesma situação, considerando por

vezes, o conhecimento já existente de um novo modo, fatores que constituem elementos

incontornáveis para se ser criativo em matemática.

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4º CRIA 129

Anexo 1

DE QUE TAMANHO É UM PÉ? – Adaptado de How Big is a Foot? de Rolf

Myller

Era uma vez um rei que vivia com a sua esposa, a rainha. Eram

um casal muito feliz porque tinham tudo o que existia no

mundo.

Contudo, quando o dia de aniversário da rainha se

estava a aproximar, o rei teve um problema: não sabia o

que lhe ia oferecer. O que se poderia oferecer a alguém

que já tem tudo?

O rei pensou e pensou e pensou até que, de repente, teve

uma ideia! Iria dar à rainha uma cama!

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A rainha não tinha uma cama porque até àquele dia as camas

ainda não tinham sido inventadas. Por isso, mesmo alguém que

tinha tudo, ainda não tinha uma cama. Era o caso da rainha!

O rei chamou o seu primeiro-ministro e pediu-lhe para

por favor fazer uma cama. O primeiro-ministro chamou o

carpinteiro chefe e pediu-lhe para por favor fazer uma cama. Por sua vez, o carpinteiro

chefe chamou o aprendiz e pediu-lhe para fazer uma cama.

- Como é uma cama? De que tamanho é? – perguntou o aprendiz que não sabia

porque até àquele dia ainda ninguém tinha visto uma cama.

- Como é uma cama? De que tamanho é? – perguntou o carpinteiro chefe ao

primeiro-ministro.

- Boa pergunta! – respondeu o primeiro-ministro. O primeiro-ministro foi então

ter com o rei.

- Sua alteza! Pediu-me para fazer uma

cama, mas há um problema: nunca vimos uma

cama! Como é uma cama? De que tamanho é? –

perguntou preocupado o primeiro ministro.

O rei pensou e pensou e pensou até que, de repente, teve uma

ideia:

- A cama tem de ser grande o suficiente para que nela caiba a

rainha.

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O rei chamou então a rainha. Pediu-lhe para vestir o seu pijama novo e que se

deitasse no chão.

O rei tirou os seus sapatos e caminhou com cuidado ao lado da rainha.

- A cama deve ter três pés de largura e seis pés

de comprimento para ser grande o suficiente para que

nela caiba a rainha. – informou o rei – Incluindo a

coroa, porque às vezes a rainha gosta de dormir com a

sua coroa na cabeça.

O rei agradeceu à rainha e informou o

primeiro-ministro, que informou o carpinteiro chefe,

que informou o aprendiz: A cama deve ter três pés de

largura e seis pés de comprimento para ser grande o

suficiente para que nela caiba a rainha, incluindo a

coroa, porque às vezes a rainha gosta de dormir com a

sua coroa na cabeça!

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O aprendiz agradeceu, tirou os seus sapatos e com os seus pés pequeninos mediu

três pés de largura e seis pés de comprimento. O aprendiz trabalhou, trabalhou e a cama

ficou pronta.

Quando o rei viu a cama pensou:

- Que bonita!

O rei estava tão ansioso por mostrar a surpresa à rainha que

nem conseguiu esperar pelo dia do seu aniversário. Então, o rei

chamou a rainha, pediu-lhe para vestir o seu pijama novo e mostrou-

lhe o seu presente.

A rainha quis logo experimentar a sua cama, mas, quando se

deitou nela, reparou que a cama era pequena demais para si.

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O rei ficou tão zangado que

mandou logo chamar o primeiro-ministro,

que chamou o carpinteiro chefe, que

chamou o guarda que pôs o aprendiz numa

prisão. O aprendiz estava muito triste. Por

que será que a cama era demasiado pequena para a rainha?

O aprendiz pensou e pensou e pensou até que, de repente, teve uma ideia! Uma

cama que tivesse três pés do rei de largura e seis pés do rei

de comprimento, naturalmente, seria maior do que uma

cama com três pés de aprendiz de largura e seis pés de

aprendiz de comprimento.

Entusiasmado com a sua descoberta o aprendiz

gritou:

- Eu consigo fazer uma cama onde caiba a rainha se souber o tamanho do pé do

rei.

O aprendiz explicou a sua descoberta ao guarda, que

explicou ao carpinteiro chefe, que explicou ao primeiro-

ministro, que explicou ao rei que naquele dia estava muito

ocupado para ir até à prisão. Em vez disso, o rei chamou um

escultor muito famoso e entregou-lhe um dos seus sapatos. O

escultor fez uma cópia do pé do rei em pedra que foi enviada

para a prisão onde estava o aprendiz.

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O aprendiz pegou então na cópia do pé do rei em pedra, mediu com ela três pés

de largura e seis pés de comprimento e construiu uma cama à medida da rainha.

A cama ficou pronta mesmo a tempo do aniversário da rainha. Nesse dia, o rei

chamou a rainha e pediu-lhe que vestisse um pijama novo. Depois, o rei mostrou à

rainha a sua nova cama e disse-lhe que a experimentasse.

A rainha entrou na cama e... a cama servia

perfeitamente para a rainha, incluindo a coroa com a

qual a rainha gostava de dormir, de vez em quando.

A cama foi, sem dúvida, o melhor presente

que a rainha alguma vez recebeu.

O rei ficou muito feliz, chamou imediatamente o aprendiz, tirou-o da prisão e

fez dele um príncipe real. O rei estava tão, tão satisfeito que organizou um grande

cortejo e toda a gente veio saudar o pequeno príncipe aprendiz.

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A partir desse dia, toda a gente que quisesse medir alguma coisa, usaria uma

cópia do pé do rei em pedra. E quando alguém dizia “a minha cama tem seis pés de

comprimento e três pés de largura” toda a gente sabia perfeitamente de que tamanho

isso era.

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Pensar não tem de ser escolarizar!

Florbela Soutinho, Ema Mamede

CIEC, Universidade de Minho, [email protected]

CIEC, Universidade do Minho, [email protected]

Resumo. Entre o “brincar” do Jardim de Infância e o “aprender” da

escolaridade obrigatória existe uma ponte que pode assumir-se como um

fosso se os docentes entenderem que ensinar e aprender discordam de

criatividade. Escolarizar assombra aqueles que tentam ir para além da

rotina diária, como se as crianças do pré-escolar estivessem por natureza

impossibilitadas de pensar antes da escolaridade formal. Ora, desafiá-las a

pensar e encontrar soluções para os seus problemas não é escolarizar.

Proporcionar experiências matemáticas estimulantes às crianças do pré-

escolar é fundamental para a relação que se estabelece entre elas e o

conhecimento. Através de brincadeiras as crianças podem desenvolver o

seu pensamento e adquirem competências matemáticas que serão a base de

aprendizagens futuras. Esta comunicação pretende evidenciar como

crianças de 4, 5 e 6 anos resolvem alguns problemas de estrutura aditiva e

multiplicativa, apresentados sob a forma de desafios. Procura-se perceber:

1) Como resolvem estas crianças problemas de estrutura aditiva e de

estrutura multiplicativa? 2) Que estratégias adotam na sua resolução? 3)

Que explicações apresentam? Os resultados evidenciam sucesso no

desempenho das crianças, acompanhados de argumentos válidos, o que

parece indicar que as experiências matemáticas no pré-escolar traduzem

mais a falta de oportunidades para as crianças do que a sua ausência de

capacidades.

Palavras-chave: Pré-escolar; resolução de problemas; estrutura aditiva;

estrutura multiplicativa.

Introdução

Concebido como a atividade espontânea da criança (Kishimoto, 1998), o brincar é

essencial ao seu desenvolvimento. É através deste que a criança gere a sua relação com

os outros, assimila e se apropria dos significados das ações humanas e se constrói

enquanto sujeito. Mas ser criança é igualmente sinónimo de ser capaz de encontrar

soluções para alguns problemas. Katz (2006) alerta que as crianças devem ser

entendidas como seres sensíveis, pensantes, e que, embora novas, devem ser envolvidas

em “investigações” significativas. Elas nascem naturalmente curiosas, cientistas e com

uma predisposição inata para explorar o ambiente, retirando o melhor sentido das suas

experiências. Para tal, usam predisposições como investigar, levantar hipóteses, analisar

e verificar, mesmo durante os anos da idade pré-escolar. Segundo a autora, as

predisposições intelectuais mais importantes serão as inatas, devendo ser fortalecidas e

apoiadas, em vez de serem “minadas” por pressões académicas prematuras. A

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aprendizagem através da exploração, da reflexão, da análise, ou seja, do jogo e do

brincar reforça e aprofunda conhecimentos inatos.

Assim, foi objetivo deste estudo perceber como raciocinam as crianças de 4, 5 e 6 anos

quando resolvem alguns problemas de estrutura aditiva e de estrutura multiplicativa.

Procura-se, para tal, responder às seguintes questões: 1) Que desempenhos apresentam

as crianças quando resolvem alguns problemas de estrutura aditiva e de estrutura

multiplicativa? 2) Que estratégias usam para resolver estes problemas? 3) Que

argumentos utilizam para justificar as suas respostas?

Conhecimento Informal

Gelman e Gallistel (1978) reconhecem que as crianças possuem estruturas elementares

inatas, o que lhes permite, desde cedo, desenvolver as primeiras noções numéricas. As

crianças do pré-escolar dominam de forma intuitiva um conjunto implícito de princípios

matemáticos (Resnick, 1989), entendido como conhecimento informal, e que

posteriormente transportam para o processo de aprendizagem e o usam para interpretar

a matemática escolar (Ginsburg & Seo, 1999). Embora o trabalho que se realiza com

crianças dos 0 aos 6 anos tenha uma identidade própria, conteúdos matemáticos

anteriores vão-se ampliando e relacionando com os seguintes à medida que a

escolaridade avança, sendo a educação pré-escolar o embrião. Deste modo, as

atividades proporcionadas às crianças do pré-escolar assumem relevância.

O jogo favorece o envolvimento das crianças em situações de resolução de problemas e

desenvolve o seu pensamento e procedimento matemático de maneira informal (Sarama

& Clements, 2009). Reconhecer a resolução de problemas como uma competência

transversal e integradora de outras competências remete para a necessidade de refletir

sobre a melhor altura para proporcionar às crianças determinadas experiências,

assumindo que estas já possuem algumas competências matemáticas antes de iniciarem

a instrução formal.

Resolução de problemas de estrutura aditiva e multiplicativa

A literatura tem estudado o desempenho das crianças na resolução de problemas de

estrutura aditiva e problemas de estrutura multiplicativa, ora com crianças mais velhas,

a frequentar o ensino formal (Nunes, Campos, Magina & Bryant, 2005) ora com

crianças em idade pré-escolar, ainda antes de receberem qualquer instrução formal

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sobre operações matemáticas (Carpenter, Fennema, Franke, Levi & Empson, 1999;

Kouba, 1989). Entende-se por problemas de estrutura aditiva o conjunto das situações

que requerem a adição e subtração na sua resolução; e por problemas de estrutura

multiplicativa as situações que podem ser analisadas como problemas de proporção

simples ou múltiplas, nos quais normalmente é necessário multiplicar ou dividir.

Os estudos desenvolvidos em diferentes contextos ressaltam a capacidade que as

crianças têm de resolver corretamente alguns problemas de adição, subtração,

multiplicação e divisão, antes ainda de estas operações lhes serem formalmente

ensinadas (Carpenter et al., 1999; Nunes, Bryant & Watson, 2009). Apesar do sucesso

poder estar dependente de fatores como a idade e o tipo de problemas, a investigação

refere um êxito maior quando o procedimento das crianças é acompanhado de materiais

para manipular as ações descritas nos problemas (Hughes, 1986). As crianças resolvem

estes problemas recorrendo a uma grande diversidade de estratégias, baseadas na

situação descrita nos problemas, e revelando progressão no tipo de estratégias que

utilizam, recorrendo a estratégias mais abstratas à medida que vão crescendo e ficando

mais expeditas no seu desempenho (Carpenter et al., 1999; Kouba, 1989; Mulligan,

1992).

Desconhecendo a forma como as crianças de 4, 5 e 6 anos a frequentar a educação pré-

escolar em Portugal resolvem problemas de estrutura aditiva e estrutura multiplicativa, a

que estratégias recorrem para os resolver e de que argumentos se servem para justificar

a sua opção correta, foi levada a efeito esta investigação. Este estudo procura perceber

como raciocinam as crianças de 4, 5 e 6 anos quando resolvem alguns problemas de

estrutura aditiva e de estrutura multiplicativa.

Metodologia

Utiliza-se uma metodologia de investigação quantitativa (Fortin, 2009) com recurso a

entrevistas. Participaram no estudo 180 crianças dos 4 aos 6 anos, a frequentar a

educação pré-escolar pública, nos distritos de Viseu e Aveiro. Divididas aleatoriamente

em dois grupos, garantindo apenas que metade das crianças (4 anos, n=30; 5 anos,

n=30; 6 anos, n=30) resolveu problemas de estrutura aditiva – EA - e a outra metade

problemas de estrutura multiplicativa - EM.

Conduziram-se entrevistas individuais às crianças de cada grupo. As crianças que

resolveram problemas de EA responderam a 10 problemas. As crianças que resolveram

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4º CRIA

140

problemas de EM responderam a 6 problemas, de acordo com a classificação de

Vergnaud (1983), conforme mostram as Tabelas 1 e 2.

Tabela 1. Problemas de estrutura aditiva.

PROBLEMAS DE ESTRUTURA ADITIVA

Tipo de

Problema

Elemento Desconhecido/

Direção Exemplo

Composição de

Duas Medidas Todo

A cadela da Inês teve cachorrinhos. Ela teve 5

brancos e 3 castanhos. Quantos cachorrinhos

teve, ao todo, a cadela da Inês?

Transformação

Ligando Duas

Medidas

Resultado

Adição

A mãe da Francisca deu-lhe 4 coelhinhos de

chocolate. Mais tarde deu-lhe mais 3. Quantos

coelhinhos tem agora a Francisca?

Subtração O Rui tinha 7 rebuçados, deu 5 à sua irmã.

Quantos tem agora?

Transformação

Adição

O bibe da Maria tinha 4 botões. A mãe coseu

mais alguns. Agora o bibe tem 6. Quantos

botões coseu a mãe?

Subtração O Paulo tinha 5 rebuçados, comeu alguns e

ficou com 3. Quantos rebuçados comeu?

Tabela 2. Problemas de estrutura multiplicativa.

PROBLEMAS DE ESTRUTURA MULTIPLICATIVA

Tipo de

Problema

Elemento

Desconhecido Exemplo

Isomorfismo

de Medidas

Multiplicação Nesta rua há 3 casas. Em cada casa moram 2 coelhos.

Quantos coelhos moram, ao todo, nas 3 casas?

Divisão Partitiva

Tens estes grãos de milho (12) para dar a 3 pintainhos.

Todos têm que comer a mesma quantidade. Quantos

grãos de milho vai comer cada pintainho?

Divisão por Quotas

O Pedro tem estes balões (15) para dar aos amigos. Cada

amigo vai receber 3 balões. A quantos amigos ele vai dar

balões?

A ordem das questões da entrevista foi pré-estabelecida e igual para todas as crianças.

Para cada problema foi disponibilizado material para que pudessem manipular, caso

necessitassem. No final de cada resolução foi-lhes solicitado que explicassem o seu

procedimento e justificassem a sua resposta.

Os dados foram recolhidos com recurso a gravação vídeo e a notas de campo da

investigadora (uma das autoras deste artigo) e tratados com recurso ao software de

estatística Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.

Resultados

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4º CRIA 141

Para compreender como raciocinam as crianças durante a resolução dos problemas

propostos, analisaram-se os desempenhos das crianças, as estratégias utilizadas nas

respostas certas e os argumentos dados na justificação das suas respostas.

Desempenho das crianças na resolução dos problemas de estrutura aditiva

Para cada criança contabilizaram-se as resoluções certas e erradas em cada problema. A

Tabela 3 resume a média das proporções e o desvio padrão do número de respostas

certas dos problemas de estrutura aditiva propostos, de acordo com a idade.

Tabela 3. Média das proporções (desvio padrão) das respostas corretas nos problemas de EA.

TIPO DE PROBLEMAS

MÉDIA (desvio padrão)

Elemento

desconhecido

4 anos

(n=30) 5 anos

(n=30) 6 anos

(n=30)

Composição Ligando Duas Medidas Todo .67 (.42) .75 (.34) .97 (.13)

Transformação Ligando Duas

Medidas

Resultado .67 (.28) .79 (.30) .90 (.18)

Transformação .38 (.31) .45 (.30) .70 (.21)

Os resultados sugerem que as crianças mais velhas têm melhores desempenhos do que

as mais novas, contudo, problemas que parecem ser mais fáceis para as crianças de 6

anos, são também acessíveis a crianças de 5 e 4 anos. O sucesso que se verifica difere,

ainda, de acordo com o tipo de problemas. Os problemas que parece terem levantado

mais dificuldade às crianças, independentemente da idade, foram os problemas de

Transformação Ligando Duas Medidas com o elemento de transformação desconhecido.

Ainda assim, observam-se percentagens médias elevadas no grupo das crianças de 6

anos. A resolução dos restantes problemas parece não constituir dificuldade, já que

apresenta percentagens médias de sucesso acima dos 65% no caso das crianças de 4

anos e próximo dos 100% no grupo das crianças de 6 anos. Não é, no entanto, unânime

o tipo de problema resolvido com mais facilidade em todas as idades, pois se para as

crianças de 5 anos os problemas de Transformação Ligando Duas Medidas com o

resultado desconhecido foram os que obtiveram melhores resultados, no grupo das

crianças de 6 anos parece ter havido mais facilidade de resolução nos problemas de

Composição Ligando Duas Medidas.

Nos problemas de Composição de Duas Medidas, apenas 10 crianças não conseguiram

resolver nenhum problema deste tipo. Nos problemas de Transformação Ligando Duas

Medidas, com o resultado desconhecido, 49 crianças acertaram a totalidade destes

problemas, sendo que 9 são de 4 anos. Ainda neste tipo de problemas, mas com a

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4º CRIA

142

transformação desconhecida, a maioria das crianças acertou pelo menos metade dos

problemas propostos (Figuras 1 a 3).

Figura 1. Distribuição de respostas certas – Composição de Duas Medidas.

Figura 2. Distribuição de respostas certas - Transformação Ligando Duas Medidas com

resultado desconhecido.

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4º CRIA 143

Figura 3. Distribuição de respostas certas - Transformação Ligando Duas Medidas com

transformação desconhecida.

Os problemas de estrutura aditiva propostos parecem ser acessíveis mesmo às de 4 anos.

Em virtude da distribuição dos desempenhos das crianças não ser normalmente

distribuído, para comparar o desempenho das crianças nos diferentes tipos de problemas

de acordo com a idade, conduziu-se um teste de Kruskal-Wallis. Este teste indica que o

desempenho das crianças é influenciado pela idade. Crianças mais velhas, de 6 anos,

têm melhor desempenho do que as crianças mais novas (problemas de Composição de

Duas Medidas, 2kwkw

2 (2)=21.159, p<.001; problemas de Transformação Ligando

Duas Medidas, 2kwkw

2 (2)=22.484, p<.001; problemas de Relação Estática Ligando

Duas Medidas, kw2 2

kw(2)=24.454, p<.001). Entre os 4 e os 5 anos não se registam

diferenças significativas em nenhum dos tipos de problemas (problemas de Composição

de Duas Medidas, 2kw kw

2 = -4,900, n.s; problemas de Transformação Ligando Duas

Medidas,2kwkw

2 = -10,517, n.s; problemas de Relação Estática Ligando Duas Medidas,

2kwkw

2 = -8,883, n.s).

Analisaram-se as estratégias das crianças procurando conhecer melhor como raciocinam

quando resolvem corretamente os problemas propostos.

Estratégias de resolução dos problemas de estrutura aditiva

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4º CRIA

144

As estratégias que as crianças utilizaram na resolução correta dos problemas propostos

foram analisadas à luz da categorização apresentada por Carpenter et al. (1999). Foi

possível observar três tipos de estratégias: i) estratégias de manipulação direta, em que

as crianças manipulam os objetos na formação dos conjuntos; ii) estratégias de

contagem, identificadas quando as crianças resolvem o problema proposto recorrendo à

sequência de contagem e não manipulam qualquer objeto; iii) estratégias com factos

numéricos, consideradas quando apelam a factos conhecidos já memorizados,

parecendo dominar a composição do número; iv) estratégia inconclusiva para os casos

em que as estratégias usadas pelas crianças não conseguem determinar uma forma de

atuar. A Tabela 4 regista o tipo de estratégias usadas pelas crianças na resolução dos

problemas propostos.

Tabela 4. Tipo de estratégias observadas nos problemas de EA.

TIPO DE PROBLEMAS

TIPO DE

ESTRATÉGIAS

Composição

de Duas Medidas Transformação Ligando Duas Medidas

Todo desconhecido Resultado

desconhecido

Transformação

desconhecida

4

anos

(%)

5

anos

(%)

6

anos

(%)

4

anos

(%)

5

anos

(%)

6

anos

(%)

4

anos

(%)

5

anos

(%)

6

anos

(%)

Manipulação Direta 100 86.6 74.1 92.5 89.4 80.7 80.0 75.9 87.3

Contagem - 9.0 10.4 - 4.2 0.1 2.2 - 7.2

Factos Numéricos - 2.2 15.5 - 3.2 7.4 - 11.1 11.9

Inconclusiva - 2.2 - 7.5 3.2 1.8 17.8 13.0 3.6

À medida que a idade das crianças aumenta, diminui o recurso às estratégias de

manipulação direta, aumentando o recurso a estratégias mais abstratas como estratégias

de contagem ou com factos numéricos. O recurso a estratégias de contagem foi mais

frequente em crianças de 6 anos, no entanto, é de notar o recurso a este tipo de

estratégias por crianças mais novas, apesar das baixas percentagens observadas.

Ainda mais abstratas do que as estratégias de contagem são as estratégias com factos

numéricos (Carpenter et al., 1999), e apesar disso, observa-se o recurso a este tipo de

estratégia por crianças com idades inferiores a 6 anos. Em alguns casos, o recurso a

estratégias com factos numéricos chega a ser superior ao uso de estratégias de

contagem.

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4º CRIA 145

A maior percentagem de estratégias inconclusivas e das quais resultaram respostas

corretas, situam-se no grupo das crianças de 4 anos. Ainda que a ação das crianças

sugira compreensão na resolução de problemas, analisaram-se os seus argumentos.

Argumentos na resolução dos problemas de estrutura aditiva

As explicações das crianças às respostas corretas foram consideradas na análise como

forma de perceber em que medida conseguem justificar o seu raciocínio, ou seja, a

análise lógica que a criança faz da situação, a sua forma de pensar. Consideraram-se as

categorias: i) argumentos “Válidos”, inclui os casos em que a explicação atende a todas

as quantidades envolvidas no problema (ex.: “porque 5 mais 3 dá 8”); ii) argumentos

“Parcialmente Válidos”, inclui os casos em que a criança atende a uma parte do

problema e a sua explicação não é completa; iii) argumentos “Inválidos”, contempla os

casos em que, tendo a criança resolvido corretamente o problema, apresenta uma

justificação inconclusiva ou descontextualizada; e iv) “Sem Argumento”, nos casos em

que a criança, tendo dado uma resposta correta, não consegue verbalizar a sua

explicação, fica calada ou responde “não sei”.

Como é esperado, as crianças que revelam maior percentagem de argumentos “Válidos”

são as de 6 anos, com valores acima dos 69%. Verifica-se que a percentagem deste tipo

de argumentos aumenta consoante aumenta a idade. Contudo, é de registar que mesmo

as crianças de 4 anos procuram justificar de forma válida as suas opções, alcançando

valores acima dos 31%.

Não se esperavam percentagens muito elevadas nas crianças de 4 e 5 anos devido à

dificuldade que têm em se expressar de forma clara e coerente nestas idades. Mesmo em

crianças de 6 anos não seria de esperar percentagens tão elevadas de argumentação

válida, devido à dificuldade que, segundo Piaget (1967), a criança tem em realizar a

introspeção do seu raciocínio. Todavia, os valores dos argumentos “Válidos” parecem

contrariar esta posição.

Os valores apresentados na categoria “Sem Argumento”, acima dos 33% no grupo das

crianças de 4 anos e abaixo dos 29% em crianças de 5 anos, parece indicar que as

crianças preferem ficar caladas do que dar uma resposta que não justifique corretamente

a solução acertada do problema. De uma forma geral, das diferentes categorias

encontradas para a argumentação, aquela que apresenta menores valores percentuais são

os argumentos “Parcialmente Válidos”. De considerar que estas crianças, tendo dado

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4º CRIA

146

respostas corretas, conseguem articular parte da informação, para justificar a sua

resposta.

Análise dos resultados dos problemas de estrutura multiplicativa

Foram analisadas e contabilizadas as resoluções das crianças nos problemas de estrutura

multiplicativa. A Tabela 5 resume a média das proporções e o desvio padrão das

respostas certas dos problemas de estrutura multiplicativa propostos, por idade.

Tabela 5. Média das proporções (desvio padrão) das respostas corretas nos problemas de EM.

PROBLEMAS DE

ISOMORFISMO DE MEDIDAS

MÉDIA (desvio padrão)

4 anos

(n=30) 5 anos

(n=30) 6 anos

(n=30)

Multiplicação .28 (.31) .45 (.38) .78 (.34)

Divisão Partitiva .28 (.34) .45 (.44) .72 (.34)

Divisão por Quotas .30 (.41) .60 (.42) .75 (.41)

O desempenho na resolução dos problemas de EM parece variar consoante a idade das

crianças, com melhores desempenhos para as crianças mais velhas. Estes dados sugerem

ainda níveis de sucesso diferentes consoante o tipo de problema. Os problemas de

Multiplicação parecem ser de mais fácil resolução para as crianças de 6 anos. No grupo

das crianças de 4 e 5 anos, os problemas que tiveram melhores resultados foram os de

Divisão por Quotas.

Apesar de não se observarem resultados tão bons nos problemas de EM como nos de

EA, também aqueles parecem ser acessíveis a crianças do pré-escolar. Da análise

efetuada sobre a distribuição do total de respostas certas de acordo com a idade pode

observar-se que quase metade das crianças resolveu corretamente a totalidade dos

problemas de EM apresentados, sendo que destas, 6 eram de 4 anos, 14 de 5 anos, e 21

de 6 anos (Figuras 4 a 6).

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4º CRIA 147

Figura 4. Distribuição de respostas certas - Multiplicação.

Figura 5. Distribuição de respostas certas - Divisão Partitiva.

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4º CRIA

148

Figura 6. Distribuição de respostas certas - Divisão por Quotas.

Corrido o teste de Kruskal-Wallis, as crianças de 6 anos têm um desempenho superior e

estatisticamente significativo ao desempenho das crianças de 4 e 5 anos nos problemas

de Multiplicação (2kwkw

2 (2)=24.375,p<.001) e Divisão Partitiva (2kwkw

2 (2)=16.761,

p<.001). Já nos problemas de Divisão por Quotas, apenas o desempenho das crianças de

4 anos é significativamente inferior ao das crianças de 5 e 6 anos (entre as crianças de 4

e 5 anos, 2kwkw

2 =-15,900, p<.05; e entre as crianças de 4 e 6 anos (2kwkw

2 =-24,300,

p<.001). As estratégias das crianças foram analisadas procurando perceber como é que

elas raciocinam na resolução destes problemas.

Estratégias de resolução dos problemas de estrutura multiplicativa

Também na resolução dos problemas de EM propostos foi possível observar o recurso

a: estratégias de manipulação direta, estratégias de contagem, e estratégias com factos

numéricos. Foi também, aqui, criada a categoria Inconclusiva. A Tabela 6 mostra o tipo

de estratégias usadas na resolução dos problemas de EM, de acordo com a idade.

Tabela 6. Tipo de estratégias observadas nos problemas de EM.

PROBLEMAS DE ISOMORFISMO DE MEDIDAS

TIPO DE

ESTRATÉGIAS

Multiplicação Divisão Partitiva Divisão por Quotas

4

anos

(%)

5

anos

(%)

6

anos

(%)

4

anos

(%)

5

anos

(%)

6

anos

(%)

4

anos

(%)

5

anos

(%)

6

anos

(%)

Manipulação Direta 70.6 37.0 46.8 100 88.9 97.7 100 94.4 100

Contagem 5.9 18.5 12.7 - 3.7 2.3 - 2.8 -

Factos Numéricos 17.6 44.5 36.2 - 3.7 - - - -

Inconclusivo 5.9 - 4.3 - 3.7 - - 2.8 -

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4º CRIA 149

Todas as crianças recorrem, maioritariamente, a estratégias de manipulação direta,

sendo que as crianças de 4 anos a usam exclusivamente em problemas de Divisão.

Contudo, tratando-se de problemas de Multiplicação, estas recorrem também a

estratégias mais abstratas como as estratégias com factos numéricos. Importa ainda

notar que as crianças de 5 anos são, de todas, as que recorrem em menor percentagem a

estratégias de manipulação direta, resolvendo muitos dos problemas de estrutura

multiplicativa com recurso a factos numéricos. As crianças de 5 anos chegam a usar

mais este tipo de estratégias do que as de 6 anos. Salienta-se igualmente o uso deste tipo

de estratégia por crianças de 4 anos, ainda que de modo menos expressivo.

Argumentos na resolução de problemas de estrutura multiplicativa

Foi usada a mesma categorização de análise dos problemas de EA: “Válidos” (ex.:

“Porque eu pus 4 grãos em cada pintainho, 4 num mais 4 noutro mais 4 noutro”),

“Parcialmente Válidos”, “Inválidos” e “Sem Argumentos. Era espectável que crianças

de 4, 5 e 6 anos manifestassem alguma dificuldade em expressar, de forma válida, o seu

raciocínio na resolução dos problemas propostos. No entanto, verificam-se percentagens

de argumentos “Válidos” (acima dos 33% no grupo das crianças de 4 anos, acima dos

40% no grupo de 5 anos, acima dos 53% nas de 6 anos) que rebatem aquela ideia.

Considerações Finais

Era objetivo deste estudo aferir a compreensão de problemas de estrutura aditiva e

multiplicativa de crianças do pré-escolar. Desta forma, foram analisados os

desempenhos das crianças na resolução de problemas de EA e EM separadamente, bem

como as estratégias que usaram para resolver os problemas propostos e os argumentos

apresentados que conduziram a respostas corretas.

Os sucessos alcançados em investigações internacionais (Carpenter et al., 1999;

Hughes, 1986; Kouba, 1989; Mulligan, 1992), e também nesta investigação, não deixam

dúvida de que muitas crianças pequenas começam a escolaridade com conhecimentos

que lhes permitem resolver, com sucesso, problemas de estrutura aditiva e

multiplicativa. Esta investigação monstra que crianças de 4, 5 e 6 anos conseguem

resolver problemas de adição, subtração, multiplicação e divisão, apresentados em

forma de histórias, não obstante o grau de sucesso poder estar dependente de alguns

fatores, como a idade e o tipo de problemas que lhes é apresentado.

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4º CRIA

150

De uma forma geral, em todos os tipos de problemas de estrutura aditiva, encontram-se

níveis de sucesso que não devem ser ignorados, ainda que estes possam variar com a

idade. Nos problemas de Transformação Ligando Duas Medidas com o resultado

desconhecido, as diferenças significativas ocorrem entre as crianças de 4 e 6 anos, o que

poderá sugerir que este tipo de problemas é mais fácil de interpretar, uma vez que não

implica o conhecimento da relação inversa entre adição e a subtração, logo de perceber

a relação que é estabelecida entre as quantidades (Vergnaud, 1986). Por outro lado,

estas situações estarão mais presentes no dia-a-dia das crianças, dentro e fora do Jardim

de Infância, o que lhes confere maior familiaridade de linguagem e interpretação das

relações presentes. Mesmo a resolução de problemas mais complexos, como os

problemas com a transformação desconhecida, em que há a necessidade de realizar uma

operação de pensamento baseada na propriedade inversa da adição e subtração, parecem

estar ao nível das capacidades das crianças mais novas.

Relativamente aos problemas de estrutura multiplicativa, a investigação já realizada

(Fuson, 2004; Mulligan, 1992; Vergnaud, 1983) salienta a facilidade com que as

crianças resolvem problemas de multiplicação e divisão que envolvem “grupos iguais” e

“medidas iguais”. As crianças Portuguesas envolvidas neste estudo não revelaram

dificuldade em resolver os problemas propostos de multiplicação e divisão,

conseguindo, com facilidade, usar a correspondência em situações de multiplicação e

divisão, ainda que o seu desempenho seja afetado pela idade.

Este estudo evidencia o sucesso de crianças com idade inferior a 6 anos, o que é

revelador da sua capacidade de resolver alguns problemas de Multiplicação, Divisão

Partitiva, Divisão por Quotas, recorrendo a estratégias específicas e adequadas a cada

tipo de problema. Apesar de recorrerem maioritariamente a estratégias de manipulação

direta, é observa-se o recurso a estratégias mais abstratas como as estratégias de

contagem e estratégias com factos numéricos.

Assim, os resultados apresentados não deixam dúvidas de que as crianças conseguem,

desde muito cedo, resolver problemas de EA e de EM antes das operações que lhe estão

associadas lhes serem formalmente ensinadas, modelando as ações descritas nos

problemas e procurando estratégias distintas de acordo com o tipo de problema.

Pode-se também depreender que as crianças estão cientes do que fazem ao resolver as

tarefas propostas, tal é comprovado pela argumentação que usam para justificar as suas

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4º CRIA 151

respostas e as opções tomadas na escolha das estratégias usadas. As percentagens de

argumentos “Válidos” registadas dão conta de que as crianças resolvem, com

consciência, os problemas que lhes são propostos. Estes dados parecem contrariar o que

é defendido por Piaget (1967), que afirma uma completa ausência de introspeção e

inconsciência de pensamento diante de si próprio e das suas ações antes dos 7-8 anos de

idade.

Deste estudo ressalta que as crianças dos 4 aos 6 anos conseguem resolver, com

sucesso, muitos problemas de estrutura aditiva e multiplicativa quando estes lhes são

propostos como jogos, em que são desafiadas a pensar em estratégias para encontrar

soluções. As crianças entendem estes desafios como uma brincadeira, o que lhes dá

prazer e motivação para procurarem resolver corretamente problemas que parecem estar

ao alcance das suas capacidades cognitivas.

Levar as crianças a pensar, resolvendo com jogos problemas que envolvem o raciocínio

aditivo e multiplicativo, ao invés de lhes apresentar exercícios monótonos, estimula o

seu pensamento e cria oportunidades para avançarem para níveis de conhecimento

seguintes. Katz (2006) defende que deixar de incentivar as predisposições inatas das

crianças poderá representar oportunidades perdidas de contribuições substanciais para o

resto das suas vidas. O facto de as crianças não terem experiências propiciadoras de

aprendizagens não significa que elas não possuam capacidades e predisposições

intelectuais, levando a crer que, o “não saber” traduz mais a falta de oportunidades

facultadas às crianças do que a ausência de capacidades.

Referências bibliográficas

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4º CRIA 153

Construir pontes entre a Matemática e a Educação Financeira

Dárida Fernandes, Maria Santos, Susana Sá

Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto

[email protected]; [email protected]; [email protected]

Resumo. Esta comunicação tem como objetivo partilhar dados resultantes

do desenvolvimento de um projeto de investigação elaborado no âmbito do

Mestrado em Ensino do 1.º e do 2.º Ciclo do Ensino Básico da Escola

Superior de Educação do Politécnico do Porto. Este trabalho com

características de investigação-ação surgiu do projeto educativo de um

Agrupamento de Escolas do distrito do Porto, num contexto de Território

Educativo de Intervenção Prioritária. Partindo-se da questão-problema:

“De que forma a resolução de problemas relacionados com o quotidiano da

criança no ensino da Matemática contribui para o desenvolvimento da

Educação Financeira em estudantes do 2.º ciclo do Ensino Básico?”

traçou-se uma metodologia adequada ao estudo em causa. Assim, os

estudantes do 5.º ano foram desafiados a construir, através da resolução de

problemas, conhecimentos matemáticos sobre a multiplicação de números

racionais não negativos, mas também a desenvolver conceitos relacionados

com a Educação Financeira. Neste sentido, foi realizado um percurso de

aprendizagem em que foram construídos materiais didático-pedagógicos

criativos como os origamis, o jogo de tabuleiro, o jogo interativo e os

vídeos tendo sido fundamentais, não só para o envolvimento das crianças

neste projeto, mas também para as estimular a desenvolver o gosto pela

Matemática. No final deste trajeto tornou-se possível responder

afirmativamente à questão de investigação mencionada anteriormente uma

vez que existiram fortes indícios (obtidos através de diferentes instrumentos

de recolha de dados) de que é possível o desenvolvimento da Educação

Financeira através da resolução de problemas matemáticos em contexto e

relacionados com o quotidiano da criança.

Palavras-chave: Matemática; Resolução de problemas; Educação

Financeira.

Introdução

A Escola está inserida numa sociedade consumista em que o “ter” tem mais valor do

que o “ser” e, sendo importante desenvolver uma educação para e pela Cidadania,

considerou-se fundamental criar oportunidades para que os estudantes construíssem o

seu conhecimento através de uma “relação saudável com o dinheiro” e desafios

matemáticos significativos, adequados e contextualizados (Pereira, Feitosa, Silvério, &

Sousa, 2009). Neste sentido, procurou-se dar resposta à necessidade da educação

financeira nas escolas e, indo do encontro do Projeto Educativo de um Agrupamento de

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4º CRIA

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Escolas do distrito do Porto, num contexto de Território Educativo de Intervenção

Prioritária (TEIP), partiu-se da questão-problema “De que forma a resolução de

problemas com aproximação ao quotidiano no ensino da Matemática contribui para o

desenvolvimento da Educação Financeira com estudantes do 2.º ciclo do Ensino

Básico?”.

Após o enquadramento teórico sobre Educação Financeira e a resolução de problemas

matemáticos traçou-se a metodologia de investigação, condição do projeto de

intervenção com descrição das sessões realizadas. No ponto subsequente, apresenta-se a

análise dos dados bem como a discussão dos resultados obtidos e, por último, são

tecidas as considerações finais que procuram responder à questão problema mencionada

anteriormente.

Problemática em estudo e objetivos

A motivação para a escolha desta temática prende-se com o facto de a Educação

Financeira ser recentemente integrada como linha orientadora das áreas temáticas da

Educação para a Cidadania. Esta nova incorporação presente no Dec. Lei n.º 139/2012

de 5 de julho visa a formação pessoal e social dos estudantes sendo, por isso, um tema

inovador e desafiante tanto na perspetiva de investigador como de professor. Sentiu-se a

necessidade de realizar este projeto num contexto de escola TEIP dado que existe uma

elevada concentração de população carenciada a nível socioeconómico e cultural. Sendo

assim é de extrema relevância o reconhecimento e a compreensão, por parte dos

estudantes, da necessidade de na disciplina de matemática se aprender a gerir o dinheiro

no presente e no futuro, indo ao encontro do que é referido no NTCM (2008, p.4), “a

necessidade de compreender matemática e de ser capaz de usar matemática na vida

quotidiana, e no local de trabalho, nunca foi tão premente.” Neste sentido também

Caraça (2000) reforça esta ideia ao afirmar que a Matemática apesar de contemplar

problemas próprios, também se relaciona com a vida real, defendendo mais uma vez a

ideia do ensino da desta disciplina com aplicabilidade no quotidiano.

No contexto escolar torna-se importante sensibilizar os estudantes para a importância da

formação financeira, fazendo com que estes construíssem conceitos financeiros básicos

para permitir uma melhor compreensão da informação e uma escolha mais adequada de

produtos financeiros.

Assim, foi fundamental a contextualização de todas as tarefas com situações do

quotidiano ou próximas da realidade dos estudantes que envolvessem a gestão

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financeira e propiciassem a construção e desenvolvimento do conhecimento financeiro.

A compreensão da Matemática é essencial, sendo considerado um veículo facilitador de

aprendizagem subsequente, do desenvolvimento da autonomia dos estudantes e da sua

capacidade para enfrentar novas situações e problemas (NTCM, 2008).

Numa investigação é fulcral a definição dos objetivos a alcançar, sendo que nesta foram

os seguintes: i) desenvolver um projeto de intervenção no âmbito da Educação

Financeira relacionado com a aprendizagem Matemática; ii) compreender a importância

da Educação Financeira, quando abordada em contexto formal (aulas de Matemática);

iii) analisar a capacidade de construção e mobilização de conhecimentos matemáticos e

financeiros. No que respeita à didática, os objetivos definidos foram: i) construir

conhecimentos matemáticos relativos à multiplicação de números racionais não

negativos com a resolução de problemas do quotidiano relacionados com a poupança e a

gestão do dinheiro; ii) desenvolver conhecimentos sobre a Educação Financeira de um

modo didático; iii) compreender a relação da Matemática com a Educação Financeira.

Por fim, ao longo desta investigação tentou-se compreender se é possível, perante este

contexto educativo, articular a área temática da Educação Financeira com o domínio da

Matemática de maneira a que os estudantes construam conhecimentos que os forneçam

ferramentas para que estes possam desenvolver comportamentos e atitudes racionais

face a questões de natureza económica, financeira e matemática.

Enquadramento teórico

Educação Financeira: um valor social

A Educação Financeira é uma área temática contemplada na Educação para a Cidadania

que, segundo a OCDE (2006), referido por Dias, et al, (2013), é o processo pelo qual os

consumidores financeiros melhoram a sua compreensão dos produtos e conceitos

financeiros e desenvolvem capacidades e confiança para se tornarem mais atentos aos

riscos e oportunidades financeiras. Numa perspetiva mais simplista e segundo Gitman

(2004, referido por Pereira, Feitosa, Silvério, & Sousa, 2009) a educação financeira é “a

arte e a ciência da gestão do dinheiro” (p.4) que pode beneficiar todos os indivíduos

independentemente do seu nível de rendimento (Tavares, 2012).

Conscientes da necessidade de “educar financeiramente” as crianças de modo a que

possam tomar decisões refletidas e construírem e desenvolverem comportamentos que

melhorem o seu bem-estar financeiro, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros

propõe a exploração de conceitos relacionados com a Educação Financeira desde o

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4º CRIA

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ínicio da escolaridade das crianças. Com esse propósito, neste projeto, atentou-se ao

desenvolvimento da Educação Financeira, ou seja, “a capacidade de fazer julgamentos

informados e tomar decisões efetivas tendo em vista a gestão do dinheiro” (Conselho

Nacional de Supervisores Financeiros, 2011, p. 5). Para além da gestão do dinheiro

implícita na resolução dos problemas construídos, as crianças devem ter oportunidade

de explorar assuntos monetários, económicos e financeiro, próprios desta temática

(Orton, 2007, citado por Dias, et al., 2013).

Resolução de problemas: dinâmica de conhecimentos

É com a “leitura” da realidade (Santos, 2012) e através das situações e dos problemas a

resolver que um conceito [sendo ele matemático ou financeiro] adquire significado para

a criança (Claudino, Nunes, & Silva, 2003). Na perspetiva de resolução de problemas,

parte integrante de toda a aprendizagem matemática (NCTM, 2008), é ainda essencial

que as crianças relacionem os conhecimentos e conceitos já construídos, as regras, as

técnicas, as destrezas intelectuais para encontrarem uma resposta aos problemas

(Fernandes, 1994).

O apelo à Matemática Realista, ou seja, dando enfoque aos problemas do contexto na

forma de jogos, histórias e tabelas, permite que os estudantes possam atribuir

significados e usar os seus conhecimentos e a sua experiência pessoal (Pinto, 2004;

Polya, 2003). Considerando o modelo adaptado de Fernandes, Vale, Silva, Fonseca e

Pimentel (1998 referidos em Vale & Pimentel, 2004), deve atender-se a quatro grandes

momentos aquando da resolução de problemas: a leitura e compreensão do problema, a

realização e a execução de um plano, a verificação da resposta e a avaliação. Estes

problemas devem ser desafiantes, adequados e devem fomentar a relação com os

conhecimentos prévios dos estudantes (Smole, 2013) para que as crianças construam

novos conhecimentos, numa perspetiva construtivista, e sejam capazes de resolver

problemas em outros contextos (NCTM, 2008; Polya, 2003), apelando sempre que

possível ao trabalho em equipa (estudante-estudante).

Assim é fulcral fomentar nas crianças o gosto e o interesse pela resolução de problemas

pois assim conseguirão construir melhor a autonomia e a capacidade de enfrentar novos

problemas sem medo e receios (Palhares, 2004).

Metodologia de Investigação

Uma investigação envolve sempre um problema logo é necessário, numa fase prévia, a

definição de uma questão-problemática. Posteriormente, este projeto com características

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de investigação-ação (IA) orientou-se pela metodologia de projeto relacionado com o

procedimento in loco cujo objetivo é constatar um problema concreto (Bell, 2002) e

delinear estratégias para o resolver, tendo consciência que será sempre uma resolução

inacabada devido à característica ciclica da IA. Neste caso, havia necessidade de

aprender a gerir corretamente o dinheiro num contexto economicamente frágil. Vilar

(1993) menciona que qualquer projeto parte da vontade de solucionar um determinado

problema que a realidade nos coloca, sendo fundamental a sua concretização na

formação para a docência pois esta encontra-se associada à inovação e à melhoria das

práticas (Barros, 2012).

A IA (Figura 1) promove um posicionamento de elevada criticidade face ao próprio

pensamento e ação, apelando à melhoria da qualidade das aprendizagens de alunos e

professores, com reflexos na transformação dos contextos educativos (Barros, 2012).

Ainda nesta perspetiva, o carácter cíclico da IA implica que o investigador planifique,

atue, avalie e reflita. Caso considere que o problema em causa não foi totalmente

solucionado, deverá diversificar a sua planificação e repetir novamente o processo.

Os participantes deste projeto foram os estudantes do 5.º ano de uma escola TEIP da

cidade do Porto e os seus encarregados de educação. No processo de amostragem dos

elementos relativos aos estudantes, foi utilizado o método de amostragem casual, tendo

sido selecionados 13 estudantes (tendo sido feito esta seleção através de uma análise

daqueles que tinham assistido à maioria das sessões) e, em relação aos seus

Figura 1 - Características da investigação ação

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4º CRIA

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encarregados de educação, a amostra foi 12 elementos (tendo sido o número de

questionários respondidos pelos pais).

Os instrumentos de recolha de dados utilizados foram as gravações áudio das sessões, as

grelhas de observação e os inquéritos por questionário, tendo sido aplicados aos

estudantes no início do projeto e no final de cada uma das sessões e aos pais. As grelhas

de observação utilizadas permitiram que a professora, enquanto investigadora, tivesse

consciência das aprendizagens construídas e desenvolvidas pelos estudantes tanto no

âmbito na Educação Financeira como da Matemática. Por outro lado, o inquérito por

questionário possibilitou uma análise adequada através da informação obtida (Mozzato

& Grzybovski, 2011).

Projeto de intervenção: Multiplicar, Poupar, Gerir, Refletir para Ganhar!

Este projeto de intervenção foi desenvolvido em 6 sessões (Tabela 1) em que se

explorou problemas reais com sentido financeiro (Santos, 2012).

Tabela 1 - Enfoques e objetivos das sessões do projeto

Sessão Enfoque Objetivos

1.ª Matemática Ativação de conhecimentos e introdução à multiplicação

de números fracionários por números inteiros.

2.ª Matemática Resolução de problemas envolvendo a multiplicação com

números racionais representados por frações, dízimas e

percentagens.

3.ª Matemática Consolidação da exploração anterior através do jogo

4.ª Educação Financeira Visita de Estudo ao Museu Papel Moeda;

5.ª Educação Financeira Realização, pelas crianças, de um vídeo sobre Educação

Financeira

6.ª Educação Financeira Consolidação de conceitos financeiros através do jogo

A 1.ª sessão deste projeto teve como enfoque a introdução de um novo conteúdo através

de um percurso de resolução de problemas que tinha como objetivo a poupança. Foi

entregue um quadrado com frações e verbos que relacionavam as temáticas em causa de

acordo com as conceções dos estudantes. As crianças depois de dobrar o quadrado,

estiveram a jogar com o “Quantos-queres” e a ativar conhecimentos prévios através do

cálculo com números fracionários. Também resolveram 2 folhas de desafios de maneira

a que refletissem sobre estratégias de poupança e as aplicassem na resolução dos

problemas. No final da aula foi entregue um retângulo em que os estudantes tinham de

preencher de maneira a sistematizar o conhecimento construído (este material foi

adaptado e utilizado nas 3 sessões iniciais). Para além deste material também foi

entregue o questionário.

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4º CRIA 159

A sessão seguinte tinha como objetivo a resolução de problemas envolvendo a

multiplicação de números racionais não negativos, alargada às transformações de

frações em frações decimais, numerais decimais e percentagens, tendo em consideração

a construção de um conhecimento intuitivo profundo dos números fracionários em

contextos significativos tanto para o conceito como para as aplicações, fazendo-se

conexões com decimais, percentagens e razões (Pinto, 2004). Utilizou-se um material

passível de ser manipulado (Figura 2) e que respondesse adequadamente aos objetivos

na construção do conhecimento, uma vez que, segundo Reys (1971, citado por Matos &

Serrazina, 1996, p. 193), os materiais manipuláveis correspondem a “objectos ou coisas

que o aluno é capaz de sentir, tocar, manipular e movimentar” e que, através do

envolvimento físico dos estudantes, recorrem a múltiplos sentidos que originam uma

aprendizagem ativa e significativa.

Ainda nesta perspetiva e citando Lima (2009, p.6), “os materiais didáticos

contextualizados (…) facilitam os procedimentos didáticos e pedagógicos que serão

desenvolvidos com os estudantes [porém os professores] precisam de construir uma

metodologia adequada que favoreça a utilização eficiente desses recursos pedagógicos”.

No segundo momento de ativação de conhecimentos prévios, através do uso das

Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) desenvolveu-se uma nova fase de

motivação pois os estudantes viram um vídeo construído pela professora estagiária

(https://youtu.be/e2614y_g2y8) que envolvia um problema relacionado com o

Figura 2 - Criança a manipular material relacionando a parte-todo

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quotidiano das crianças de maneira a que pudessem pensar “sobre as operações, seus

significados e suas formas de representação” (Smole, 2013, p. 60) e sobretudo “parar

para pensar” (Fernandes, 1994). Nesta fase da aula explorou-se com os estudantes uma

palavra nova – consumerista (consumo racional, responsável, equilibrado e informado)

- uma vez que as aulas de Matemática requerem a partilha de novos vocábulos para

aumentar o léxico dos estudantes e desenvolver a comunicação matemática.

Depois de realizar uma reflexão sobre estes dois termos: consumista e consumerista, foi

entregue uma folha com um conjunto de desafios contextualizados com o vídeo

mencionado anteriormente de modo a envolver e desafiar os estudantes a resolverem

situações problemáticas relacionadas com o saber poupar. No momento de

sistematização, foram selecionadas e partilhadas as estratégias pessoais dos estudantes

mais adequadas pois um “resolvedor” de problemas necessita de se responsabilizar

pelas soluções que descobre mas para isso é imprescindível que tenha o direito de

apresentá-las, argumentá-las e debater com os seus colegas. É essencial que os

estudantes tenham a perceção que há várias formas de resolver um problema e que tal

como afirma Smole (2013, p. 59), “os estudantes entendem que são capazes de “fazer

matemática”, isto é, a matemática tem vários caminhos, mas tem sempre um fim. Ainda

nesta perspetiva, ao contemplar e analisar diferentes estratégias (Mariz & Fernandes,

2010) e as suas representações, os estudantes ampliam o seu repertório de processos

para resolver problemas, percebendo as vantagens e as desvantagens das representações

e criando autonomia na busca de soluções.

Na 3.ª sessão do projeto, após

reflexão, decidiu-se criar e

desenvolver um jogo de tabuleiro

(Figura 3) com desafios matemáticos

envolvendo os números racionais não

negativos e situações de gestão do

dinheiro, tendo como suporte uma

folha de jogo onde os estudantes

tinham de registar as estratégias

utilizadas e a resolução dos problemas.

Neste jogo definiram-se dois níveis de dificuldade distintos de modo a promover a

diferenciação pedagógica e a procurar ajustar as práticas de ensino aos alunos bem

como às suas características pessoais e coletivas.

Figura 3 - Crianças jogando "Multiplicar, Poupar e

Ganhar!"

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Esta última sessão foi direcionada para a sistematização de conteúdos matemáticos uma

vez que tal como defende NCTM (2008), “à medida que os alunos adquirem as bases

conceptuais dos números racionais, deverão começar a resolver problemas, utilizando

estratégias por eles desenvolvidas ou adaptadas à sua experiência com números

inteiros” (p.180), sendo utilizados materais didáticos que, na perspetiva de Reys (1971,

citado por Matos & Serrazina 1996), permitem ao estudante “sentir, tocar, manipular e

movimentar” (p.193) e devidamente contextualizados facilitam os procedimentos

didáticos e pedagógicos (Lima, 2009).

Relativamente à 4.ª e 5.ª sessão do projeto de implementação houve o apoio de uma

Fundação de referência no âmbito da Educação Financeira, tendo sido realizada uma

visita de estudo e a gravação de um vídeo pelos estudantes onde eles próprios foram

atores e criadores de uma história de duas famílias: uma consumista e outra

consumerista.

Na última sessão, os estudantes, realizaram um jogo interativo (Figura 4) em que tinham

de gerir o dinheiro disponível consoante as situações problemáticas que apareciam no

jogo.

Procurou-se atender às necessidades, aos estímulos e à motivação dos estudantes de

modo a contribuir para as suas formações pessoais para que construissem apredizagens

ainda mais significativas.

Análise e discussão de resultados

No processo de análise escolheu-se o sistema de categorias (Figura 5).

Figura 4 - Jogo interativo "Gerir um rendimento familiar!"

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4º CRIA

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Na análise da 1.ª categoria – conhecimentos prévios dos estudantes – o objetivo

primordial foi a análise dos conteúdos relativos às conceções prévias da amostra dos

estudantes acerca da Educação Financeira, da Matemática e da relação entre a Educação

Financeira e a Matemática, de modo a compreender através dos indícios concetuais dos

discursos o que a amostra compreendia acerca destas três subcategorias. Relativamente

à Educação Financeira existem indícios que a maioria da amostra (77%) considera que

esta promove a aprendizagem da gestão adequada do dinheiro, sendo os três objetivos

mais referidos a consciencialização para uma má gestão financeira, a promoção da

reflexão acerca dos bens necessários e dos bens supérfluos e o desenvolvimento de

competências no âmbito da poupança do dinheiro.

Em relação à 2.ª subcategoria relativa às conceções prévias dos estudantes acerca da

Matemática realizou-se uma análise da resolução do primeiro problema com que as

crianças se depararam, porém, concluiu-se que apenas duas crianças resolveram e

interpretaram o problema como era pressuposto na medida em que realizaram

corretamente os cálculos e responderam de acordo com o que era solicitado.

Relativamente à 3.ª subcategoria existem evidências nos discursos que apontam para a

compreensão da relação entre a Matemática e a Educação Financeira uma vez que as

crianças relacionaram alguns verbos (como aprender, poupar, gerir, educar) e 77% da

amostra evidenciou que a utilização do dinheiro envolve cálculos.

Figura 5 - Sistema de Categorias

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4º CRIA 163

Na 2.ª categoria foram criadas três subcategorias: conhecimento financeiro,

conhecimento matemático e, por último, a subcategoria que relaciona estes dois tipos de

conhecimento. Na 1.ª subcategoria, a amostra apresenta evidências de aprendizagens

construídas no âmbito da Literacia Financeira, sendo que alguns estudantes referiram

que: i) fiquei consciente de que devemos poupar para termos dinheiro no futuro; ii)

comecei a gerir melhor o meu dinheiro; iii) Aprendi mais sobre poupar e ensinei toda a

minha família. É notória a compreensão da amostra acerca da necessidade da poupança

pois nos registos 10 das 13 crianças utilizam o termos “devemos poupar” e

“aprendemos a poupar”.

Consegue compreender-se que se deu a construção e consolidação de conhecimentos

(Figura 6) pois inicialmente (na categoria 1); as crianças apenas referiam o facto de a

Educação Financeira ser uma forma de poupar e, já no final do projeto estas alargaram a

sua conceção de educação financeira, colocando de parte a ideia de que a educação

financeira apenas “ensina a poupar”, mas aprender a “poupar de forma adequada”.

Paralelamente à utilização da palavra “poupar” na análise anterior, os estudantes

aquando do registo de consolidação dos conhecimentos matemáticos, utilizaram a

palavra “aprendi”, sendo um indicador evolutivo na construção de conhecimentos

matemáticos pois as crianças admitem “ter aprendido a resolver problemas”.

Na 3.ª subcategoria – relação entre o conhecimento financeiro e o conhecimento

matemático – 62% dos estudantes evidenciaram a capacidade de relacionar estes dois

domínios: i) no futuro já sabemos tomar as decisões corretas relativamente ao dinheiro

(…) aprendemos formas corretas de pagar o que necessitamos (…) e já sabemos

Figura 6 - Evolução do conhecimento financeiro

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4º CRIA

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resolver problemas sobre o dinheiro; ii) fiz contas com as despesas e fiz com que a

minha família soubesse poupar e iii) estou a divertir-me ao mesmo tempo que estudo.

A 3.ª categoria – conceções dos encarregados de educação – contempla duas

subcategorias: relativa à Matemática e à sua relação com a Educação Financeira e,

também, em relação ao projeto. Na 1.ª apenas um dos elementos da amostra não

estabeleceu relação entre as duas dimensões, referindo que Matemática não é dinheiro.

Santos (2012) defende que a escola tem a responsabilidade de desenvolver o

conhecimento matemático todavia esta progressão deveria ser iniciada no contexto

familiar. Por outro lado, na 2.ª subcategoria tentou-se compreender as conceções dos

encarregados de educação acerca do projeto desenvolvido sendo que metade da amostra

referiu que o seu educando tinha conversado sobre este projeto e tinham reparado em

algumas alterações comportamentais dos seus educandos como, por exemplo, não faz

tantas birras nos supermercados. Assim, é fulcral que os encarregados de educação

estejam sensíveis para a questão da Educação Financeira pois é no âmbito familiar que

aprendem os a lidar com o dinheiro (Pereira, Feitosa, Silvério, & Sousa, 2009).

Considerações finais

Num mundo em que a expressão que mais se ouve é “crise económica” e a incerteza do

futuro persiste é fundamental criar momentos em que as crianças possam construir

conhecimentos no âmbito da Educação Financeira. Deste modo, o principal benefício da

realização deste projeto foi a compreensão da aplicabilidade da Educação Financeira na

disciplina de Matemática em contexto formal. Porém, tendo em conta a durabilidade do

desenvolvimento deste mesmo não foi possível concluir com rigor, se existiu uma

melhoria da situação do contexto. Contudo, foi possível responder afirmativamente à

questão de investigação e julga-se que os objetivos propostos foram alcançados.

Importa referir a necessidade da abordagem da Educação Financeira desde os primeiros

anos de escolarização, sendo necessária a sua exploração em contexto, com sentido para

a criança.

Alertamos para a necessidade de integração desta recente temática na formação inicial e

contínua de professores uma vez que estes são agentes de mudança de hábitos, tal como

os pais. A escola tem como papel na Educação Financeira a construção de

conhecimentos financeiros, o desenvolvimento de competências fundamentais para uma

gestão adequada do dinheiro, sendo que o conhecimento matemático é um veiculo

facilitador para que se verifique. Ainda nesta perspetiva, a Escola deve incentivar à

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4º CRIA 165

mudança de atitudes e comportamentos para criar disciplina financeira e envolver

sempre que possível a família. Deste modo é fundamental que se desenvolvam

atividades e projetos consistentes e criativos ajustados às necessidades da sociedade

atual.

Por fim, como defende Theodoro (2008, p. 18), "a criança é um “terreno fértil” para

novas realizações, basta motivá-las e ensiná-las o caminho [deste modo irão construir]

novas mentalidades em todos os segmentos da sociedade”. Nesta linha de pensamento,

considera-se que foi possível motivar e proporcionar momentos para a construção de

conhecimentos significativos e contextualizados com o projeto de intervenção que se

desenvolveu.

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Consciência Histórica e Património Local na Didática da Educação

Pré-Escolar

Gonçalo Maia Marques1 1Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESE), [email protected]

Resumo. O presente trabalho constitui um ensaio reflexivo e prospectivo

que resulta de leituras globais, situadas no quadro da epistemologia da

Educação Histórica, onde se procurará desenvolver, através de exemplos

concretos de investigação desenvolvida em jardins-de-infância do concelho

de Viana do Castelo, já testados nos contextos cooperantes de estágio da

ESE-IPVC, instrumentos de trabalho que possam promover o trabalho

pedagógico em História Local com um público verdadeiramente essencial

na transformação paradigmática de uma visão essencialmente funcionalista

da História das "Pequenas Pátrias" a uma perspetiva essencialmente

formativa no plano da formação cidadã.

Palavras-chave: Consciência Histórica, Património, Educação Pré-Escolar

Introdução: uma proposta de trabalho que se desenha

De qualquer maneira, trata-se de tentar tirar partido

do fascínio que a criança tem por qualquer narrativa e

de modo particular pelo conto, para passar do discurso

ficcional situado num campo mítico, ou seja, num tempo

imaginário e não histórico, para o relato situado no tempo

histórico e datável, reconstituído a partir de documentos e

inscrita na memória, seja dos contemporâneos, seja dos antepassados […] José MATTOSO – Lendas e Mitos no Ensino da História, in A Escrita da História. Rio de

Mouro: Círculo de Leitores, 2002, p. 71.

O texto de José Mattoso – verdadeiro Patriarca da Historiografia Portuguesa – com que

inauguramos este ensaio, constitui um mote de partida para esta reflexão que abrimos à

comunidade científica e pedagógica que, no domínio da Didática da Educação

Histórica, se vem dedicando à importância que o conhecimento do Passado – do mais

próximo ao mais longínquo – tem na valorização da vida da criança em idade pré-

escolar. Não nos parece que seja possível perspetivar e acompanhar a evolução enorme

que, do ponto de vista pedagógico e didático, têm constituído os últimos 20 anos se,

primeiramente, não encararmos – e afirmarmos – a importância e a necessidade de olhar

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para a Educação Histórica desde os mais tenros anos de idade até à entrada na idade

adulta (Barca & Solé, 2012; Marques, 2016).

As crianças entre os 3 e os 6 anos são capazes de desenvolver, sem qualquer dúvida,

uma consciência de um passado próximo, ligado às suas raízes familiares, ao seu habitat

cultural e social, bem como às memórias mais insignes da sua localidade (Marques et

al., 2013). São capazes de perceber perfeitamente que as rugas e os cabelos brancos dos

avós são fruto da passagem do tempo, assim como o musgo e o verdete nos

monumentos, o pó e as folhas amarelecidas nos livros. Houve tempo que passou por

ali… A pesquisa em Educação Histórica vem, aliás, consistentemente (re)afirmando

esta linha de ação investigativa, sobretudo nas últimas décadas (e.g. Barca, 2000; Barca

e & Solé, 2012; Cooper, 2002; Marques, 2016).

Num tempo em que, cada vez mais – e de forma tantas vezes impessoal – a imagem e a

representação do real se sobrepõem ao pleno usufruto do conhecimento (pelo prazer de

o explorar e de sentir como essa aprendizagem pode mudar a nossa vida), parece-nos

que o conhecimento histórico, como grande referencial no domínio das primeiras

aprendizagens de natureza comunitária e humanista, tem de encontrar novas linguagens

e renovados processos de ser comunicado a crianças tão despertas e tão sedentas de tudo

o que constitua novidade – e, nesse sentido, importa regressar (hoje e sempre) à

narrativa como linguagem que, universalmente, capta e cativa esta comunicação bi (ou

pluri)direcional e dialógica (Rusen, 2011).

De facto, a comunicação didática entre educadores e crianças, nestas idades,

corresponde a um “código” muito próprio, alicerçado na proximidade e na afetividade

da relação pedagógica e na liberdade de ação que, em cada grupo, o educador de

infância pode ter, graças a Orientações Curriculares que, recentemente revistas,

proporcionam renovados horizontes didácticos e temáticos. Parece-nos que esta relação

pedagógica tão especial deverá ser pautada por um percurso de trabalho – que propomos

a todos os educadores como um caminho coerente, fundado na epistemologia da

Educação Histórica na Primeira Infância (Marques et al., 2013; Marques, 2016) e que

poderá constituir um contributo metodológico de investigação – que deverá ter em conta

alguns aspetos:

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1º Momento Pedagógico – Escuta Ativa

- Diálogo em grande grupo em torno de objectos e memórias presentes em casa, desde

fotografias de família a artefactos agrícolas/etnográficos (Cooper, 2002). Em roda, as

crianças têm oportunidade de estar juntas, de ouvir, aprender a partilhar e a respeitar a

opinião do outro (numa dinâmica socio-antropológica).

- Ainda nesta fase, poderá emergir uma perspectiva mais individual que decorrerá de

curiosidades ou particularidades que se venham a revelar por parte de crianças mais

participativas.

2º Momento Pedagógico – Capacidade de Integração

- Com as ideias de todos, será possível partir para a realização do projeto: depois de

escutar, deveremos agora trazer de casa um objecto especial que diga algo sobre a

Memória da Família/da Casa – fotografia, traje, peça etnográfica (Marques et al., 2013).

- O objeto será depois apresentado pela criança que, no final, deverá escolher um

padrinho para aquele objecto, responsável pela sua exposição na sala de atividades –

note-se que o papel do padrinho é essencial já que traz para este trabalho patrimonial

um “olhar de fora”, mas ao mesmo tempo uma perspectiva empática, sendo capaz de se

colocar no lugar do seu colega.

3º Momento Pedagógico – Ação

- A realização da exposição consistirá na colocação dos objectos patrimoniais na sala e

com uma nova abordagem didática: cada padrinho fará um desenho do objeto, tendo por

base aquele que terá sido o seu uso inicial, no caso de uma tradição etnográfica, ou

imaginando o momento retratado, no caso de uma fotografia (Marques, 2016).

4º Momento Pedagógico – Apresentação e Discussão

- Depois de feita a exposição, está na altura de cada um refletir sobre o seu papel na

obra conjunta e sobre as aprendizagens que dali se poderão colher (Cooper, 2002).

Fonte: Elaboração Própria, partindo das leituras de Cooper, 2002; Hernando, 2003; Marques et

al., 2013 e Marques, 2016.

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Um dos recursos que nos parece essencial não descurar, tendo em conta a atualidade

social e educativa, são os materiais digitais cuja importância, em seguida, será

desenvolvida.

O Livro Digital como viagem

A utilização do livro digital na Educação Histórica Infantil é um precioso recurso de

aprendizagem na abordagem literária, verdadeiramente complementar ao suporte

tradicional em papel, seguramente fundamental como alicerce estruturante de uma

primeira literacia histórica, como já foi demonstrado (Silva, 2013).

Trata-se de uma forma interativa e prática de o fazer, em contexto de jardim-de-

infância. Parece-nos que a possibilidade de introdução de animações, transições rápidas

e elementos de forte contextualização espacial e temporal, além do sentido empático,

são estratégias fundamentais para uma Educação Histórica de Qualidade. É também um

processo alternativo de comunicar as evidências do passado, numa escala global, mas

diferenciadora (o olhar de cada criança será sempre fundamental). Uma boa narração,

associada a uma boa ilustração – que remeta a criança para um outro tempo, seja através

dos usos e costumes, seja do vestuário ou dos transportes – pode ser a diferença entre

compreender o passado ou ficar “preso” no presente, sem possibilidade de viajar pela

diacronia. Graças ao esforço desenvolvido pelo Instituto Camões, é hoje possível aos

jovens leitores (desde o Jardim de Infância, até ao Primeiro Ciclo do Ensino Básico)

acederem a duas coleções de narrativas históricas infantis, editadas pelo Jornal

“Expresso”, de forma remota, ao alcance de um computador: “Era uma vez um Rei” e

“A Aventura dos Descobrimentos”.

Figura 1: Alguns exemplos de livros digitais da coleção “Era uma vez um Rei”

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A primeira coleção foi aliás alvo de um estudo específico (intitulado Aprendendo

História de Portugal no Jardim de Infância através do conhecimento de alguns

monarcas Portugueses, base do Relatório Final ou Dissertação de Diana Silva)

integrado na Prática de Ensino Supervisionada do Mestrado em Educação Pré-Escolar

da Escola Superior de Educação de Viana do Castelo (Silva, 2013), em que ficou muito

clara a envolvência e interesse das crianças por este material, levando a uma

identificação muito clara de cada um dos monarcas analisado e, mesmo, as diferenças

de contexto epocal de cada um. Recomenda-se, por isso, a leitura integral deste estudo

exploratório, inovador no quadro da Didática da Educação Pré-Escolar em Portugal,

como foi salientado, em provas públicas, pela Professora Doutora Isabel Barca,

principal referência epistemológica da Educação Histórica a nível internacional.

Para além da coleção supracitada, também se desenvolveu uma outra, mais centrada na

abordagem de episódios estruturantes dos Descobrimentos Portugueses, desenvolvida

para as mesmas faixas etárias e com o mesmo intuito: uma outra abordagem didáctica

desta disciplina nas primeiras idades (ver figura seguinte):

Figura 2: Coleção “A Aventura dos Descobrimentos” (Instituto Camões)

Um exemplo interessante a trabalhar

Recentemente, a Rota do Românico, o Canal Panda e a CCDR-N (através de programas

europeus de financiamento FEDER e o Novo Norte) lançaram a série “Panda na Rota do

Românico”, dirigida aos mais pequenos e com o objetivo claro de exploração do

património histórico local nas mais tenras idades.

Para esse efeito, o programa – com duração aproximada de 5 minutos, ideal para este

público – recorre a uma originalidade comunicacional muito interessante: o narrador (e

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cicerone) é a criança que, recebendo o Panda na sede de concelho, lhe servirá de guia na

exploração dos monumentos e na vivência direta das tradições locais. De facto, esta

característica valoriza e responsabiliza a criança na divulgação da sua identidade

cultural, mas também proporciona uma exposição pública que, apesar da timidez de

alguns, revela a sua grande capacidade de adaptação a circunstâncias desafiantes e,

tantas vezes, de difícil resolução.

Figura 3: Apresentação, pelo Canal Panda, da nova série

Figura 4: Exemplo de programa do “Panda na Rota do Românico”, neste caso com o Panda a

ser recebido no Mosteiro de São Pedro de Ferreira por uma criança que será o anfitrião

Ora o conteúdo destes programas pode – e deve – ser base de trabalho didático em

jardim-de-infância: a sua visualização deve constituir uma motivação para se partir à

descoberta da arte românica, com as figuras curiosas e intrigantes presentes nos seus

capitéis, a pintura mural, os motivos decorativos e as formas arquitetónicas.

Transpondo esta reflexão para o tom reflexivo que pretendemos, desde o seu início, dar

a este texto, recordaríamos que, no nosso território de eleição, enquanto docentes do

IPVC, e tendo por base o caso do concelho de Viana do Castelo, a Igreja de São Cláudio

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de Nogueira é seguramente um excelente exemplo desta exploração – cruzando com os

contributos que este programa veio agora trazer ao espaço público.

Para além da linguagem estritamente artística e arquitetónica, é também essencial que

partamos para a compreensão da linguagem simbólica e poética, muito interessante

como veículo de comunicação nestes públicos entre os 3 e os 6 anos de idade. Por isso

desenvolveremos, em seguida, propostas nesta área.

A Lenda e a sua riqueza histórico-cultural

Se há narrativa que, pelo seu simbolismo, linguagem estilística imaginativa e criativa,

bem como conteúdo e valores propostos, é capaz de interpelar (e entusiasmar) uma

criança na primavera da vida, essa é a Lenda (Barca e Solé, 2012; Solé, 2003). E, antes

de mais – evitando alguns equívocos epistemológicos e confusões semânticas –

digamos, claramente, que entendemos este discurso como uma forma de representação

do passado, sobretudo axiológica, tendo em vista a produção de mudanças ou a

constituição de leituras verdadeiramente alternativas a outros discursos, como o da

evidência (Rusen, 2011). É um olhar essencialmente antropológico aquele que a Lenda

nos lança: interpela-nos ao questionar a própria natureza humana, imersa em tantas e tão

evidentes contradições e paradoxos.

O seu poderoso enquadramento, a forma como as personagens – e, sobretudo, a ação –

decorrem, captam a atenção e a curiosidade dos jovens exploradores do amanhã, são um

assinalável e importante recurso. No fundo, a aventura e o enredo que a Lenda propõe,

fazendo-nos caminhar entre as vertentes sinuosas das nossas escolhas e dos nossos

erros, colocam constantemente à prova algo que, em Educação Histórica, se torna

extremamente relevante – a formação da opinião, informada e ajuizada, sobre um dado

fenómeno que ocorreu “há muito tempo atrás”.

Através da Lenda, é possível introduzir o passado ancestral na Educação de Infância –

em primeiro lugar porque o fio cronológico é muito menos apertado do que num friso

tradicional nos ciclos escolares posteriores: ou seja, fala-se sobre o Passado mas não

inteiramente só do Passado – e esta pequena “nuance” fará toda a diferença, num

momento crucial em que as primeiras imagens e as primogénitas aprendizagens estão

num processo de reconhecimento e identificação (Egan, 1994). A sensibilidade e a

capacidade de antecipação são extremamente importantes – o diálogo que se estabelece

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através de uma ideia, de um objeto, de uma música, são as primeiras sementes lançadas

ao solo que, um dia, fertilizará e culminará numa Educação Histórica mais ampla e

frutífera.

Mas nenhum destes desideratos consegue ser alcançado, por si só, sem algumas

características indispensáveis: primeiramente, o facto de a Narrativa não ficar presa,

apenas, na dimensão da oralidade e da expressão dramática, mas articular-se com

referenciais concretos do dia-a-dia do passado (Rusen, 2011) – objectos relacionados

com a história que se apresentou, adereços que facilitem um raciocínio associativo e a

capacidade de “viajar” com e sem rede, estimulando a criatividade, mas fornecendo,

também, pistas comuns que possibilitem a construção, por exemplo, da noção de

evidência – enquanto saber e conhecimento sobre o Passado em ação e em uso (Cooper,

2006; Lee, 2006).

Em seguida, não nos esqueçamos de como as crianças nesta idade gostam de sentir e

manipular os objetos – haverá algo de mais fascinante, além de falar sobre o passado, do

que sentir e tocar os objetos que já foram tocados por pais, avós e outros antepassados

mais remotos? E se nesse local se desenvolveu algum acontecimento importante para a

memória local? São aliciantes motivos para potencializar a relação da criança com o

tempo que a antecedeu, desenvolvido um sentido empático com algo que, de outra

forma, poderia parecer suficientemente distante e impessoal.

No decurso de praticamente uma década de contacto com profissionais da Educação de

Infância (Educadores Cooperantes e Educadores em processo de formação), de visitar

(acompanhando estágios) dezenas de contextos de jardim-de-infância situados na órbita

da cidade Viana do Castelo e com os quais a Escola Superior de Educação tem

estabelecido parcerias ao longo de várias décadas, apraz-me sublinhar que estamos a

caminhar no sentido de valorizar, cada vez mais, a Herança Cultural, a Memória, o que,

afinal, nos caracteriza na nossa essência como comunidade, o que nos distingue e

valoriza face a outro(s) povo(s) – sentimo-lo no desenvolvimento dos projectos que

saem das fronteiras dos estabelecimentos, que se enraízam na riqueza e diversidade do

Património Cultural, no envolvimento da comunidade educativa e do contexto socio-

cultural envolvente. Dificilmente se poderá fazer escolhas tão acertadas e significativas

no domínio da aprendizagem, como sejam começar por interpelar e compreender as

raízes e fundamentos da nossa vida comunitária, tendo como horizonte o Passado.

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Apresentamos, em seguida, um esquema simbólico que traduz o nosso pensamento em

torno da dimensão figurativa, mas também explícita e tácita da lenda como discurso

insubstituível e cimeiro na Didática da História na Primeira Infância:

Figura 5: Conceptualização Didáctica de Exploração de uma Lenda na Educação de Infância3.

Apresentamos, em seguida, algumas propostas de exploração pedagógica de uma lenda

em contexto da Educação Pré-Escolar, ligada à cidade de Viana do Castelo:

Trabalhar o Passado na Primavera da Vida: exemplos centrados no Alto Minho

Proposta de Exploração da Lenda de Viana do Castelo

1º Momento Pedagógico – Leitura Dramatizada do Texto (com recurso a exploração de

elementos paratextuais) – utilização da versão da lenda de Viana apresentada por

António Manuel Couto Viana (apresentada em seguida).

LENDA DE VIANA DO CASTELO

Era uma vez uma pequena povoação nascida na margem direita do rio Lima, junto à

foz, quando as águas doces e vagarosas se misturam com o bravio das ondas salgadas.

Chamava-se Átrio e tinha, sobranceira, uma montanha densa de arvoredo, onde no alto

existia a fortificação de um castro habitado por povos sem nome e que, a dada altura,

desceram ao litoral, buscando, na pesca, melhor alimento e mais comércio.

3 Foram usadas, para a construção deste diagrama informativo, as seguintes fontes imagéticas, obtidas em

acesso livre, respectivamente, na web: Portal da Natividade (Basílica da Sagrada Família de Barcelona),

Livro de Horas do Duque de Berry, Livro de Horas de D. Manuel I, Crónica dos Reis de França, Pintura

de Mestre Albino José Moreira (Adro do Mosteiro de São Salvador de Moreira da Maia).

Lenda

Contexto

Época Protagonistas

Narrativa

Valores

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Era extremamente bela, entre veigas cultivadas, palmos de hortas viçosas, redis,

pomares e vinhedos, mas a sua principal vocação era o mar, a pesca. Na praia, várias

embarcações esperavam pelas madrugadas para serem lançadas às vagas, com o afã

dos remos, o aceno das velas e o espalhar das redes. Pelo entardecer, as companhas

regressavam ao átrio, para a alegria das mulheres e das crianças, com o fundo da

embarcação farto de pescado palpitante: a sardinha, o carapau, a faneca, o congro...

Vinham, rio abaixo, habitantes de outras povoações, para o abastecimento pródigo das

suas mesas. Ora, morava no Átrio, na modéstia de um casebre, uma linda rapariga

chamada Ana, filha de pescador e desenvolta na venda do peixe, sempre com uma

canção nos lábios, ouvida a algum jogral chegado da vizinha Galiza, onde animava os

serões dos paços e os terreiros das romarias. Escutava-lhe, deliciado, estas cantigas de

amor e de amigo, um jovem barqueiro que, transportava, na correnteza do rio, até ao

Átrio, lavradores e mercadores à compra de peixe fresco e saboroso.

De tanto escutar a voz harmoniosa de Ana e de lhe admirar a graça, o rapaz começou a

sentir pela rapariga um amor que ia aumentando dia após dia. Confessara já aos

amigos e companheiros de lida o agrado desse amor nascente. E estes, contentes com o

seu contentamento, sorriam quando o moço barqueiro, ao voltar do Átrio, lhes atirava

um brado feliz:

- Vi Ana! Vi Ana!

Um dia, porém, não se contentou em vê-la e dirigiu-lhe e palavra, num enleio que lhe

corava as faces. A rapariga, percebeu o vivo interesse amoroso do rapaz por ela, os

olhos brilhantes sobre o rosto, sobre o cabelo dela. O seu coração lisonjeado retribui-

lhe esse interesse, retribuiu-lhe esse amor. Não tardou em realizar-se a boda dos dois

enamorados. Durante os festejos, os companheiros e amigos do noivo recordaram-lhe o

brado entusiástico:

- Vi Ana! Vi Ana!

O dito foi logo adoptado pelos pescadores do Átrio que passaram a repeti-lo quando,

regressavam dos trabalhos duros da faina, se lhes deparava o vulto acolhedor da

montanha, as praias doiradas, as veigas férteis, as águas lentas do rio e a paz dos seus

lares:

- Vi Ana! Vi Ana!

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Ao conceder o foral à povoação da foz do Lima, em 1258, o rei D. Afonso III, que a

visitara tempos antes, extasiando‐ se com tanta beleza e prosperidade, substituiu‐ lhe o

nome de átrio pelo de Viana

Por certo, alguém lhe revelara aquele brado de amor. E só amor merece terra tão

abençoada!

Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valimar -

Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, pp. 53-54

2º Momento Pedagógico – Análise do contexto cultural e simbólico da Lenda (tópicos

de diálogo com as crianças):

Viana – cidade ligada ao Mar, à atividade piscatória, à construção naval

e, também, numa dimensão etnográfica e antropológica, ao traje e ao

folclore.

Poder-se-ia igualmente aproveitar o slogan turístico “quem gosta, vem,

quem ama, fica” para fazer uma ligação simbólica ao amor de Ana com o

seu apaixonado.

Figura 6: Imagem identitária e publicitária de Viana

Sugestão de aprofundamento do diálogo: exploração do livro História de Viana do

Castelo em banda desenhada, da autoria de Inês Madeira

3º Momento Pedagógico: Produção de uma ilustração individual ou de um mural

coletivo sobre a Lenda de Viana

(segue-se exploração feita em JI do concelho de Viana do Castelo, no presente ano

letivo)

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Figura 7: Era uma vez um cavaleiro que se apaixonou por uma princesa...

Figura 8: Todos os dias ele ia até ao castelo, na esperança de a ver...

Figura 9: Até que um belo dia, viu mesmo Ana, a princesa, na varanda do castelo e ela acenou-

lhe. Ficou tão feliz que veio para a cidade gritar: Vi Ana do Castelo! Vi Ana do Castelo!

Figura 10: Exemplo de Exploração Pedagógica da Lenda de Viana do Castelo, em contexto pré-

escolar (2014-2015); Projeto Europeu E-Twinnig

Um dos pontos mais interessantes de exploração de uma lenda é que, sendo uma

narrativa de tradição oral, tem, naturalmente várias versões e recontos (é a aplicação da

máxima popular: quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto…). É por isso que, o

mais importante será sempre indicar qual a versão (ou versões) que utilizamos no nosso

trabalho pedagógico – no fundo, algo tão simples como a deontologia recomendaria:

indicar a nossa fonte. No nosso caso, para a lenda de Viana, seguimos a versão oficial,

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publicitada nos portais institucionais pela própria edilidade vianense, tendo para o efeito

sido consultada a versão encontrada em Março de 2016 na página da Biblioteca

Municipal de Viana do Castelo.

Como corolário das reflexões que aqui vimos elencando, diríamos que seria importante

que a escuta ativa se baseasse em alguns pressupostos, nomeadamente a forma como as

questões são formuladas, verdadeira base do sucesso da construção de novas

aprendizagens:

Algumas questões de exploração (a título sugestivo) do conteúdo da Lenda:

1. Acham que o nome Ana ajuda a explicar o nome da Cidade?

2. Conhecem histórias de amor como esta?

3. Gostaram de estudar esta lenda? Se pudessem acrescentar algum pormenor à

história, qual seria a tua/vossa (em função de diálogo dirigido ou em grande

grupo) escolha?

Quadro 1 – Sugestão de Questionamento

Histórias da História – caso prático

Dando continuidade ao interesse e curiosidade do grupo de crianças na temática da

História e Património Local (neste caso concreto de Viana), seria importante ter em

conta um pano de fundo mais alargado do que a mera explicação lendária e avançar para

o conhecimento diacrónico, recorrendo, para o efeito, à obra ViAna - História de Viana

do Castelo em Banda Desenhada, de Inês Madeira (2009), editada pela Câmara

Municipal de Viana do Castelo, por ocasião dos 750 anos do Foral Afonsino.

Figura 11: Capa do livro de história de Viana em Banda Desenhada, da autoria de Inês Madeira

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Desta e doutras narrativas, se pode verter um conjunto de linguagens cheias de

elementos temporais e históricos, ricos em herança cultural. É nesse contexto que surge,

em 2014-2015, o projeto “Novelo de lendas e outras rendas”, que congrega distintos

jardins de infância de todo o país, com coordenação em Viana e que foi distinguido

como prática pedagógica de excelência no quadro do projeto da Comissão Europeia “E-

twinning” – de partilha de experiências educativas de natureza cultural e social.

Figura 12: Blogue do Projeto (http://noveloslendasrendas.blogspot.pt/)

O Projeto estendeu-se até às redes sociais…

Figura 13: Página de Facebook do Projeto

Observando o alcance nacional – e internacional – deste projeto, com a troca de lendas e

de experiências entre jardins de distintos espaços nacionais no quadro comunitário,

parece-nos que dificilmente se poderia conjugar uma melhor forma de articular o local –

a narrativa de conteúdo territorializado, com forte sentido de pertença – com o global –

a internet e o seu potencial disseminador e democratizador do saber, levando-o a todo o

lado e a toda a gente.

Reflectindo: e agora?

Parece-nos que a Educação da Infância, sendo o primeiro momento social e comunitário

de aprendizagem da criança, deve ser aproveitado para o desenvolvimento de projetos e

atividades com impacto significativo na sua estimulação, tanto do ponto de vista

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intelectual, quanto social e, por isso, atividades que possibilitem “tratar o passado pelo

nome” são sempre bem-vindas. Foi isso que procuramos refletir neste ensaio que

condensa algumas reflexões e estratégias colhidas em praticamente uma década de

dedicação a estas temáticas como objeto de investigação fundamental e pós-graduada.

Não nos restam dúvidas que a partilha, a interatividade, a exploração da riqueza cultural

única, através das tradições e símbolos do passado serão sempre altamente estimulantes

e motivadoras para crianças desta faixa etária. É o que a experiência de contacto com o

terreno nos diz: felizmente, com a agravante de contactarmos com educadores (tanto

cooperantes, como em processo formativo) que têm sabido rasgar fronteiras datadas e

“muros de Berlim” invisíveis, destinados quantas vezes a defender o bastião da inércia,

em detrimento da “lufada de ar fresco”, tantas vezes necessária.

Fica-nos a certeza que a área da História Local, da Memória Coletiva, são talvez

aquelas que, num horizonte que atualmente vivemos de revisão das Orientações

Curriculares para a Educação de Infância mais devem constar num documento que,

tendo em vista a plena integração na União Europeia, não pode deixar de afirmar a

unidade na diversidade profunda das nossas comunidades – as pequenas pátrias – que

tanto têm a contar e a mostrar de si mesmas.

Oxalá que os Educadores do Futuro compreendam que, tal como não se deve forçar as

crianças a ler e a escrever no jardim de infância – isso será tarefa primordial do 1º Ciclo

do Ensino Básico – também a aprendizagem da História não pode começar pela

compreensão da época medieval ou moderna, das suas fontes e problemas, das suas

circunstâncias e protagonistas, mas sim pelo que de mais importante aconteceu já na

vida da criança e daí partir para as memórias dos seus pais e avós (e mesmo da

comunidade local). Começar o edificado pelos alicerces, portanto e não pelo telhado.

Também desta forma, também assim, estaremos a fazer História com as nossas crianças.

Referências bibliográficas

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4º CRIA 183

Colecção A Aventura dos Descobrimentos (Centro Virtual Camões). URL: http://cvc.instituto-

camoes.pt/aprender-portugues/ouvir/a-aventura-dos-descobrimentos.html (Acedido em

26 de Março de 2016).

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POSTERS

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À descoberta das formigas: uma intervenção didática com crianças de

4 e 5 anos

Letícia Alves Bouçada1 1Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo,

[email protected]

Resumo. Este estudo surgiu no âmbito da unidade curricular de Prática de

Ensino Supervisionada, inserida no curso de Mestrado em Educação Pré-

Escolar e Ensino do 1.º C.E.B., e foi desenvolvido num Jardim-de-Infância

de Viana do Castelo com um grupo de 21 crianças entre os 4 e os 5 anos. A

temática em estudo emergiu da ideia de que a aprendizagem das Ciências

se inicia desde tenra idade e que já nesta fase se inicia a compreensão

sobre tudo aquilo que rodeia a criança. Assim, as primeiras experiências de

aprendizagem afiguram-se cruciais para o seu desenvolvimento, contudo,

decorrentes destas aprendizagens informais, surgem, muitas vezes, aquilo a

que podemos chamar conceções alternativas. Estas ideias, que não

correspondem ao conhecimento científico, quando ignoradas, podem

tornar-se a base em que assentarão novas aprendizagens, pelo que se

afigura de suma importância tomar consciência dessas ideias e

(des)construí-las. Tendo-se verificado um grande interesse pelo animal

formiga optou-se por assentar o estudo nas seguintes questões de

investigação: “Como se caracterizam os conhecimentos sobre o animal

formiga manifestados por crianças em idade Pré-Escolar?” e “Qual o

impacto de uma proposta didática interdisciplinar na evolução desses

conhecimentos?”. Assim, o estudo foi desenvolvido tendo por base uma

perspetiva qualitativa no âmbito da investigação-ação e as tarefas

desenvolvidas alicerçaram-se numa base de interdisciplinaridade e

criatividade.

Palavras-chave: Pré-Escolar; Ideias prévias; conceções alternativas.

Introdução

É desde os primeiros anos de vida que as crianças iniciam o desenvolvimento da

compreensão sobre aquilo que as rodeia, sendo de salientar a importância do contacto

direto com outros seres vivos.

Torna-se então essencial tomar como ponto de partida aquilo que as crianças já sabem

(DEB, 1997) e torná-las participantes ativas no processo de construção do seu

conhecimento, permitindo ao educador ter noção das melhores experiências de

aprendizagem e de como conduzir o processo conducente ao conhecimento do mundo.

Enquadramento Teórico

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4º CRIA

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Devido às primeiras experiências informais a que as crianças vão tendo acesso, quando

ingressam num contexto educativo mais formal já levam consigo um alargado leque de

ideias a que Gardner (2001) chama “teorias feitas em casa” (p. 77) e que muitas vezes

são ignoradas pela própria criança e pelo adulto. Estas ideias, por vezes não

correspondem ao conhecimento científico atual, pelo que há que as tornar ponto de

partida para novas aprendizagens, desafiando-as a tomarem consciência dessas ideias,

confrontando-as com outras, num processo conducente à sua “(des)construção”.

Importa então conhecer a origem e características das conceções alternativas, de modo a

que o educador possa decidir o melhor caminho para ajudar as crianças a desenvolver a

sua compreensão. Segundo Harlen e Qualter (2004), uma das características mais

notórias das ideias das crianças é que estas se baseiam na sua experiência limitada do

mundo, o que leva a que estas, por vezes, não se encontrem de acordo com explicações

cientificamente aceites.

Metodologia

Este estudo foi desenvolvido segundo uma perspetiva qualitativa/interpretativa de

investigação-ação, procurando-se promover uma partilha de saberes com os atores e um

clima desafiante e reflexivo que conduzisse à mudança. O estudo integrou um grupo de

21 crianças entre os 4 e os 5 anos.

Foram escritos diários de aula nos quais se incluíram registos fotográficos. Foram ainda

recolhidos registos gráficos, elaboraram-se tabelas nas quais se categorizaram os dados

neles contidos e, posteriormente, foram agrupados todos os dados numa única tabela.

De seguida procurou-se identificar um percurso evolutivo dos conhecimentos das

crianças ao longo de uma proposta didática interdisciplinar, analisando os diários e as

tabelas.

Resultados

Aquando do registo das ideias prévias (fig.1), na maioria, de forma intuitiva, as crianças

representaram o animal com quatro patas, dois segmentos corporais e apenas algumas

fizeram alusão às antenas. Surgiram diversas cores incorretas associadas ao animal,

apesar de um número significativo ter usado uma das possíveis cores, o preto. Estas

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4º CRIA 189

conceções apresentaram-se assim como uma fase ainda inicial de todo o processo de

evolução conceptual e foram um bom ponto de partida para a implementação das

atividades interdisciplinares com vista à evolução do conhecimento.

Figura 1. Ideias Prévias BG [5 anos]

A segunda representação (fig.2) afigurou-se mais realista do que a primeira surgindo a

intenção de desenhar um número acertado de patas e segmentos corporais, contudo, este

conhecimento ainda não se encontrava bem estruturado e as patas não eram colocadas

no segmento corporal correto. Começaram a representar as antenas.

Figura 2. Ideias intermédias BG [5 anos]

Aquando da representação das ideias finais (fig.3) todo o grupo desenhou corretamente

o número de segmentos corporais e de antenas. O número de patas apenas foi

representado incorretamente por uma criança e três delas desenharam três patas

afirmando que o desenho era feito de perfil. Apenas uma criança usou uma cor incorreta

para colorir o animal. As representações tornaram-se mais ricas, sendo que quase

metade do grupo desenhou mandíbulas. Surgiram também elementos relativos ao seu

modo de vida, nomeadamente formigueiros, alimentos, asas, ovos e alusão à

diferenciação de espécies.

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4º CRIA

190

Figura 3. Ideias Finais BG [5 anos]

Conclusões

Após a realização deste estudo pode-se concluir que uma perspetiva de ensino que se

preocupe com as ideias alternativas das crianças e que as faça refletir sobre elas

conduzirá certamente a um conhecimento melhor estruturado e a uma maior autonomia

na busca de novos saberes.

Conclui-se ainda que as principais conceções alternativas detetadas se deviam,

maioritariamente, à experiência ainda limitada das crianças. Após a implementação de

uma proposta didática alicerçada na interdisciplinaridade e criatividade verificou-se

uma evolução positiva e gradual dos conhecimentos, sendo as conceções alternativas

substituídas por ideias cientificamente corretas.

Referências

DEB (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Editorial do

Ministério da Educação.

Gardner, H. (2001). A criança pré-escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la (2.ª

Ed.). Porto Alegre: Artmed Editora.

Harlen, W. & Qualter, A. (2004). The teaching of science in primary schools (4.ª Ed.). Great

Britain: David Fulton Publishers.

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4º CRIA 191

Faz-se Luz na promoção da articulação horizontal do currículo pelo

recurso a projetos: uma experiência de intervenção

Daniela Caramalho1, Fátima Lima2, Sara Cunha3 & Fátima Sousa-Pereira4

1Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]

2Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 3Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]

4Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]

Resumo: O trabalho de projeto assume singular importância nos processos

de aprendizagem e é cada vez mais utilizado pelas escolas com o intuito de

ultrapassar o fosso entre saberes escolares e saberes sociais e mobilizar os

alunos, a escola e, por vezes, a comunidade, na construção ativa de saberes

(Leite, E. & Santos, M. R. s/d). Além disso, poderá fomentar práticas de

articulação curricular horizontal facilitadoras da aquisição, pelos alunos,

de saberes globais, integradores e integrados (Morgado & Tomaz, 2009).

Neste poster pretende-se apresentar uma experiência de intervenção

educativa, realizada no âmbito da Iniciação à Prática Profissional do

segundo ano da licenciatura em Educação Básica. Esta intervenção insere-

se no projeto Faz-se luz e realizou-se com duas turmas do quinto ano de

uma Escola E.B. 2,3/S de Viana do Castelo, envolvendo a professora

bibliotecária e três professores das turmas em questão. A linha de ação

definida pelo grupo de estágio contribuiu para explorar a temática da luz,

de forma criativa, através da articulação horizontal do currículo entre as

disciplinas de Português e Educação Visual. Sem perder de vista a

intencionalidade do projeto, procurou-se fomentar a cooperação, o

trabalho em grupo e a criatividade na construção de um livro infantil em

cada turma. No âmbito específico de cada disciplina envolvida houve a

intenção de contribuir para a melhoria das capacidades dos alunos, quer

ao nível da planificação e escrita de textos narrativos e produção de

discursos orais coesos e coerentes, quer ao nível da ilustração, edição e

encadernação dos livros criados. Neste poster apresentar-se-á o processo

de concretização desta experiência de articulação curricular horizontal,

destacando-se as dinâmicas de trabalho mais relevantes, quer do ponto de

vista da articulação do trabalho docente quer do ponto de vista dos

estudantes e do seu envolvimento ativo e criativo no aperfeiçoamento de

capacidades nos domínios específicos explorados.

Palavras-chave: articulação curricular horizontal; pedagogia de projeto;

metodologias ativas; prática pedagógica; gestão do currículo.

Introdução

O trabalho de projeto assume singular importância nos processos de aprendizagem e é

cada vez mais utilizado pelas escolas com o intuito de ultrapassar o fosso entre saberes

escolares e saberes sociais e mobilizar os alunos, a escola e, por vezes, a comunidade,

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4º CRIA

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na construção ativa de saberes (Katz & Chard, 2009; Leite, 2006; Leite & Santos, s/d).

Além disso, pode contribuir para fomentar práticas de articulação curricular horizontal

entre os docentes das turmas facilitadoras da aquisição, pelos alunos, de saberes globais,

integradores e integrados (Gimeno Sacristán, 1996; Morgado & Tomaz, 2009). O

projeto Faz-se Luz é o exemplo de um destes projetos desenvolvido no âmbito mais

alargado da ação da Biblioteca Escolar de um Território Educativo de Intervenção

Prioritária (TEIP) de Viana do Castelo. Surgiu pelo facto de 2015 ser o Ano

Internacional da Luz, razão pela qual se procurou explorar a temática da luz de

diferentes perspetivas, em função das possibilidades abertas pelas várias áreas

curriculares. As estratégias inerentes ao projeto encontram-se divididas em cinco

domínios diferentes, sendo eles: estratégias para toda a escola/todo o agrupamento;

promoção e dinâmica da leitura; eventos e grupos de leitura; colaboração com a família;

envolvimento com a comunidade. A linha de ação definida pelo grupo de estágio

contribuiu para explorar a temática da luz, de forma criativa, através da articulação

horizontal do currículo entre as disciplinas de Português, Educação Visual e Educação

Tecnológica. Sem perder de vista a intencionalidade do projeto, procurou-se fomentar a

cooperação, o trabalho em grupo e a criatividade na construção de um livro infantil em

cada turma.

Contextualização do trabalho

O conceito de articulação curricular encontra-se estreitamente relacionado com o de

interdisciplinaridade o que implica necessariamente i) a inter-relação entre saberes e ii)

a cooperação entre os docentes. Não obstante a pertinência de se promoverem práticas

de articulação curricular (vertical e horizontal) tendo em vista facilitar uma apropriação

mais integrada e globalizante dos saberes, são vários os constrangimentos identificados

nas escolas tantas vezes inviabilizadores de uma efetiva cultura colaborativa,

nomeadamente as barreiras que se fazem sentir entre as disciplinas (Ferreira, 2001;

Serra, 2004; Universidade do Porto, 2009).

Em específico a articulação curricular horizontal pressupõe a identificação de aspetos

comuns e a conjugação transversal de várias disciplinas num momento determinado do

mesmo ano de escolaridade (Gimeno Sacristán, 1996; Morgado & Tomaz, 2009).

O recurso ao trabalho por projetos, enquanto mecanismo pedagógico comprovadamente

eficaz e adequado, permite abrir possibilidades alternativas para a construção e melhoria

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4º CRIA 193

das aprendizagens, de modo ativo, interdisciplinar, relacional (Katz & Chard, 2009;

Leite, 2006; Leite & Santos, s/d; Many & Guimarães, 2006). O trabalho de projeto

permite que os estudantes aprendam, de forma integrada complexa e participada,

saberes de diferentes áreas. Através da pesquisa e do trabalho em grupo, do uso da

criatividade na resolução de problemas ou no estudo em profundidade sobre

determinado tema ou tópico, poderão aceder a uma grande variedade de experiências e

saberes (Katz & Chard, 2009; Leite, 2006; Many & Guimarães, 2006). Ensinar e

aprender por projetos poderá, deste modo, constituir um ponto de partida para

desencadear um trabalho entusiasmante e sustentado nos contextos educativos, fazendo

da aprendizagem uma descoberta e do saber um objeto de desejo (Leite, 2006).

Metodologia e Intervenção educativa

Neste poster dá-se a conhecer uma experiência de intervenção educativa, realizada no

âmbito da unidade curricular de Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da

licenciatura em Educação Básica. Esta intervenção insere-se no projeto Faz-se luz e

realizou-se com duas turmas do quinto ano de uma Escola E.B. 2,3/S de Viana do

Castelo, envolvendo a professora bibliotecária, três estagiárias da Escola Superior de

Educação de Viana do Castelo e três professores das turmas em questão.

A linha de ação definida pelo grupo de estágio desenvolveu-se entre março e junho do

ano letivo de 2014/2015 e contribuiu para explorar a temática da luz, de forma criativa,

promovendo a articulação horizontal do currículo entre as disciplinas de Português,

Educação Visual e Educação Tecnológica. No âmbito da temática da luz foram

exploradas as várias formas que a luz poderá assumir, assim como objetos que

comunicam e o papel da luz no processo de comunicação. Durante a dinâmica de

trabalho criada procurou-se, de modo transversal, fomentar a cooperação, o trabalho em

grupo e a criatividade na construção de um livro infantil em cada turma. No âmbito

específico de cada disciplina envolvida houve a intenção de contribuir para a melhoria

das capacidades dos alunos ao nível da planificação e escrita de textos narrativos e

produção de discursos orais coesos e coerentes, assim como ao nível da ilustração,

edição e encadernação dos livros criados. Deste modo, sem perder de vista as principais

dimensões do projeto, bem como as indicações previstas nas metas curriculares, foram

desenvolvidas várias sessões de trabalho, com resultados práticos muito positivos para

ambas as turmas, e que se apresentam neste poster. Apresenta-se o processo de

concretização desta experiência de articulação curricular horizontal, destacando-se as

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194

dinâmicas de trabalho mais relevantes, quer do ponto de vista da articulação do trabalho

docente, quer do ponto de vista dos estudantes e do seu envolvimento ativo e criativo no

aperfeiçoamento de capacidades nos domínios específicos explorados.

Após uma análise inicial do projeto e apresentação à professora bibliotecária da ideia de

plano de ação do grupo de estágio, identificaram-se as duas turmas com as quais seria

possível desenvolver um trabalho continuado e foram contactadas as respetivas

professoras (uma de Português e duas de Educação Visual e Educação Tecnológica)

para apresentar a proposta de articulação. Ficou definido que o grupo de estágio teria

disponível entre quinze a vinte minutos iniciais de cada aula durante oito semanas de

intervenção.

1ª Etapa: Elaboração das histórias pelo recurso à Arca dos Contos

Na primeira sessão de trabalho, na disciplina de Português, deu-se início à atribuição

das cartas da “Arca dos Contos” (Figura 1). Este recurso consiste num jogo de cartas

inspirado no imaginário dos contos tradicionais e que tem como objetivo principal

estimular a criatividade e o gosto pela leitura e pela escrita. As cartas dividem-se em

sete grupos, de onze cartas cada grupo: personagens humanas, personagens animais,

espaços, objetos mágicos, verbos, adjetivos e palavras-chave. Nas palavras-chave o

grupo colocou palavras específicas relacionadas com a luz de forma a conduzir os

alunos para a exploração livre do tema.

Figura 1. Cartas da “Arca dos Contos”

Nas aulas da disciplina de Português, os alunos elaboraram uma história tendo por base

os elementos da Arca dos Contos, (Figura 2), atribuídos aleatoriamente. Inicialmente

expunham oralmente as suas ideias, sendo estas registadas no quadro pelas estagiárias e

no caderno pelos alunos. As ideias foram sendo integradas e devidamente articuladas

numa pequena narrativa de modo a criar um texto coeso e coerente. Para que a

participação de todos os alunos fosse possível, seguiu-se a ordem pela qual estavam

dispostos na sala de aula.

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Figura 2. O processo de produção do trabalho.

2ª Etapa: Ilustração das histórias

Terminada a etapa de elaboração das histórias, as intervenções passaram a ser feitas nas

disciplinas de Educação Visual e de Educação Tecnológica. Nessas disciplinas os

alunos procederam às ilustrações dos diferentes segmentos das histórias previamente

criadas (Figuras 3 e 4). Iniciou-se pela leitura do texto produzido pelos alunos em cada

grupo turma. As estagiárias dividiram as histórias em segmentos, distribuindo-os por

todos os alunos da turma que procederam às respetivas ilustrações explorando

livremente, e de forma coerente, suportes e técnicas diversas apresentadas e

disponibilizadas para o efeito.

Figura 3. Algumas ilustrações realizadas pelos alunos da turma A.

Figura 4. Algumas ilustrações realizadas pelos alunos da turma C.

3ª Etapa: Edição/Encadernação do livro com cada história criada e produção de E-

book

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4º CRIA

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Para finalizar, procedeu-se à compilação e organização das páginas dos livros (junção

dos elementos textuais e ilustrativos e tratamento estético), digitalização, impressão da

obra e respetiva plastificação e encadernação (Figura 5). Posteriormente, os livros em

suporte papel foram oferecidos à Biblioteca Escolar enquanto produtos resultantes do

projeto. Os livros digitais foram publicados na página web do Agrupamento para que,

deste modo, os alunos pudessem dar a conhecer o seu trabalho aos pais/encarregados de

educação e amigos.

Figura 5. Capas dos livros produzidos.

Conclusões

De um modo geral, as tarefas desenvolvidas permitiram a todos os alunos ter uma

participação ativa uma vez que cada um foi colocado em situação de contribuir com as

suas próprias ideias, frases e ilustrações. Com as atividades propostas foi possível

desafiar a sua criatividade, possibilitando ainda o aprofundamento de conhecimentos e o

aperfeiçoamento de capacidades no domínio da Língua Portuguesa e da Educação

Visual e Tecnológica. O facto de estarem permanentemente envolvidos nas tarefas,

dado que se tratou de uma produção própria, poderá explicar a motivação e o sucesso

das atividades propostas junto do público-alvo. Dados os indicadores apresentados no

ponto anterior, considera-se que esta intervenção, de um modo geral, contribuiu i) para

aumentar o gosto pela escrita criativa, pela leitura e pelo livro junto dos alunos, ii) para

explorar algumas vertentes da temática subjacente ao projeto, procurando que os

estudantes identificassem objetos que comunicam através da luz, assim como as várias

formas que a luz poderá assumir e criando condições para que as turmas tecessem

enredos imaginando possibilidades de cada feixe de luz dar origem a um curiosidade ou

pormenor e, em última instância a uma história e iii) para sensibilizar os docentes

envolvidos para as possibilidades e potencialidades de se trabalhar de forma

colaborativa pela via da articulação horizontal do currículo. A este nível revestiu-se de

particular importância o diálogo e a negociação que esteve subjacente à articulação

conjunta do trabalho entre a professora bibliotecária, os docentes da turma e o grupo de

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4º CRIA 197

estagiárias, nomeadamente no estabelecimento do como, porquê, para quê e quando

desenvolver o trabalho.

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198

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4º CRIA 199

O papel da biblioteca escolar e dos projetos na construção de

ambientes de aprendizagem criativos e promotores de sucesso:

uma experiência de intervenção

Patrícia Fernandes1, Joana Martins2, Rita Cruz3 & Fátima Sousa-Pereira4

1Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]

2Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 3Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 4Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]

Resumo. A problemática do (in)sucesso escolar é hoje assumida, já não apenas

do ponto de vista individual, mas também do ponto de vista da escola, enquanto

comunidade, obrigando a uma análise integrada das suas vertentes

organizacional, curricular e pedagógica (Machado & Alves, 2013). Os

Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) são contextos onde esta

problemática se revela ainda mais complexa, justificando, de forma

particularmente premente, o recurso a soluções que permitam usar os recursos

próprios para melhorar as práticas instaladas, criando condições maximizadoras

do sucesso (Roldão, 2009; Azevedo, 2013; Verdasca, 2013). É neste contexto que

as bibliotecas escolares e os projetos por elas dinamizados poderão assumir-se

como recursos promotores de ambientes de aprendizagem criativos e que,

simultaneamente, contribuam para o desenvolvimento de práticas colaborativas

de gestão do currículo e para a melhoria da aprendizagem dos alunos. Com este

poster pretende-se apresentar uma experiência de intervenção educativa,

realizada no âmbito da Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da

licenciatura em Educação Básica. A linha de ação definida pelo grupo de estágio

no âmbito dos projetos ContAR-TE e Ler+Mar, cuja implementação é da

responsabilidade da biblioteca escolar, teve como objetivo explorar obras

propostas pelas metas curriculares para a educação literária pelo recurso a

dinâmicas criativas, contribuindo para a melhoria das competências dos alunos.

Desta forma, e respeitando as duas grandes dimensões do projeto – a literária e a

artística – procurou-se explorar um conjunto de doze obras relativas à temática

“O Mar”, usando o livro como principal recurso e a criatividade como estratégia

na conquista dos alunos para as novas aprendizagens. A ação foi desenvolvida

com uma turma de 25 alunos de uma Escola EB1 de Viana do Castelo, integrada

num contexto TEIP. Neste poster, dar-se-á destaque às atividades realizadas com

quatro das obras selecionadas recorrendo a uma diversidade de tarefas e de

recursos que permitiram garantir o envolvimento ativo e motivado dos alunos e o

interesse pelas obras literárias exploradas.

Palavras-chave: sucesso escolar; pedagogia de projeto; metodologias ativas;

prática pedagógica; biblioteca escolar.

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Introdução

Atualmente a problemática do (in) sucesso escolar já não é assumida apenas do ponto

de vista individual, mas também do ponto de vista da escola, enquanto comunidade.

Esta perspetiva obriga a uma análise mais complexa, o que pressupõe a consideração

simultânea das vertentes organizacional, curricular e pedagógica (Machado & Alves,

2013). Por constituírem contextos onde esta problemática se revela ainda mais

complexa, os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) justificam, de

forma particularmente premente, o recurso a soluções que permitam usar os recursos

próprios para melhorar as práticas instaladas, criando condições maximizadoras do

sucesso (Roldão, 2009; Azevedo, 2013; Verdasca, 2013). É neste contexto que as

bibliotecas escolares e os projetos por elas dinamizados poderão assumir-se como

recursos promotores de ambientes de aprendizagem criativos e que, simultaneamente,

contribuam para o desenvolvimento de práticas colaborativas de gestão do currículo e

para a motivação e melhoria da aprendizagem dos alunos.

Contextualização do trabalho

Em pleno séc. XXI a instituição escolar continua a ser palco de muitos desafios,

nomeadamente no que à garantia do sucesso educativo diz respeito. A enorme

diversidade (socioeconómica, cultural, étnica, etc.), originada pela massificação do

ensino, constitui um dos grandes desafios. A escola persiste em manter métodos

tradicionais, embora com um público ao qual não estava habituada, composto por

alunos menos previsíveis e menos controláveis e que, em muitos casos, não dominam os

“códigos” presentes no discurso formal da escola (Cortesão, Leite & Pacheco, 2002;

Silva, 2013). Deste modo, principalmente em contextos sociais particularmente

problemáticos, a escola e as aprendizagens são desvalorizadas o que se traduz, muitas

vezes, em comportamentos disruptivos, em insucesso e até absentismo e abandono

escolar. Face a estes desafios, exigem-se, “novas energias na criação de ambientes

educativos inovadores, de espaços de aprendizagem que estejam à altura dos desafios da

contemporaneidade” (Nóvoa, 2014, p. 183). Os projetos, enquanto imagens que somos

capazes de formar de uma situação e de uma mudança que poderemos vir a atingir

(Capucha, 2008), constituem mecanismos pedagógicos alternativos para responder a

problemas e necessidades e trabalhar no sentido da melhoria. As bibliotecas escolares

poderão funcionar como elemento importante na promoção de projetos socioeducativos

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de natureza diversa potenciadores de ambientes de aprendizagem criativos e

estimulantes.

Metodologia e Intervenção educativa

A experiência de intervenção educativa que se apresenta realizou-se no âmbito da

Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da licenciatura em Educação Básica. A

linha de ação definida pelo grupo de estágio no âmbito dos projetos ContAR-TE e

Ler+Mar (PNL), cuja implementação é da responsabilidade das bibliotecas escolares do

Agrupamento de Monte da Ola (um contexto TEIP), teve como objetivo explorar obras

propostas pelas metas curriculares para a educação literária pelo recurso a dinâmicas

criativas, contribuindo para a melhoria das competências dos alunos. Desta forma, e

respeitando as duas grandes dimensões do projeto – a literária e a artística – procurou-se

explorar um conjunto de doze obras relativas à temática “O Mar”, usando o livro como

principal recurso e a criatividade como estratégia na conquista dos alunos para as novas

aprendizagens. Tratou-se de uma intervenção com uma turma de vinte e cinco crianças,

constituída por dez alunos do primeiro ano de escolaridade e quinze do segundo ano,

que decorreu entre março e junho do ano letivo 2015/2016. A intervenção foi

implementada pelas estagiárias mas resultou de uma dinâmica de trabalho conjunto

envolvendo de forma ativa e articulada, em todas as fases, a professora titular da turma

e a professora bibliotecária. Neste poster dar-se-á destaque às atividades realizadas com

quatro das obras selecionadas recorrendo a uma diversidade de tarefas e de recursos que

permitiram garantir o envolvimento ativo e motivado dos alunos e o interesse pelas

obras literárias exploradas.

1.ª Atividade: “O Ciclo da Água”

Uma das obras explorada foi “O Ciclo da Água” de Cristina Quental. Começou-se a

sessão pela leitura expressiva da obra pelas estagiárias, seguida de uma atividade de

compreensão de texto que consistiu na realização de uma atividade de palavras cruzadas

em que a turma teve que descodificar qual o conceito associado a cada definição. Para

finalizar, foi-lhes proposta a construção de maquetes tridimensionais nas quais deveriam

recriar o ciclo da água usando, para o efeito, materiais de desperdício recicláveis (Figura

1).

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Figura 1. Cartaz para exploração da história; bases das maquetes; maquetes finalizadas.

2ª Atividade: “O Médico do Mar”

Entendemos ser fundamental promover nos alunos o gosto pelo livro e pela leitura, mas

se a isto aliarmos a dimensão emocional, a intervenção poderá constituir uma mais-valia

também ao nível da exploração de valores importantes para a sua formação pessoal e

social. Com esta dupla intencionalidade foi explorada a obra “O Médico do Mar” de

Leo Timmers, por se tratar de uma obra particularmente relevante para trabalhar valores

como a solidariedade, a entreajuda e a cooperação. Iniciou-se a sessão com a

dramatização da história com recurso a um fantocheiro construído para o efeito. Seguiu-

se uma atividade de compreensão do texto baseada num cartaz em que os alunos tinham

que atribuir uma afirmação a cada personagem (Figura 2). Para finalizar, foi-lhes

proposta a decoração de fantoches alusivos à história que serviram para a dramatização

da história por parte da turma.

Figura 2. Fantocheiro; cartaz preparado para a atividade de compreensão; a turma

durante a decoração dos fantoches.

3ª Atividade: “Na Praia da Galé”

Numa das sessões optou-se pela exploração da história “Na praia da Galé” pertencente à

obra “O senhor do seu nariz e outras histórias” de Álvaro Magalhães. A sessão foi

iniciada com a leitura expressiva da história, a que se seguiu uma atividade de

compreensão baseada nos elementos paratextuais, nomeadamente na ilustração. Nesta,

os alunos tiveram a tarefa de ordenar cronologicamente e legendar quatro cartões

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referentes às ilustrações da história. Para finalizar, foi-lhes proposta a criação de um

mobile com o título “Que saudades eu tenho da praia…” (Figura 3). Para tal, a cada

aluno foi atribuído um cartão com a forma de um elemento associado à praia, podendo

este ter a forma de castelo de areia, gelado, sol, prancha de surf ou estrela-do-mar.

Nestes cartões os alunos representaram bidimensionalmente aquilo de que sentiam mais

saudades relativamente à praia.

Figura 3. Cartaz pré-construído para exploração dos elementos paratextuais; ilustração

dos cartões; aspeto final do mobile.

4ª Atividade: Caixas com Histórias Dentro

Procurou-se terminar a intervenção neste projeto com uma atividade globalizante e de

síntese, que permitisse considerar todas as obras abordadas ao longo das doze sessões.

Com esta intencionalidade, propôs-se às crianças a atividade “Caixas com histórias

dentro”. A turma foi dividida em pequenos grupos, tendo em conta as obras

preferenciais exploradas. Cada grupo recriou, usando para o efeito uma caixa de

sapatos, a história/obra de que mais gostou, tendo ao seu dispor materiais de desperdício

e/ou recicláveis (Figura 4).

Figura 4. Exemplo de uma caixa com história dentro (“O Médico do Mar”).

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Conclusões

A intervenção desenvolvida no âmbito conjunto dos projetos ContAR-TE e Ler+Mar,

que contou com a participação de três estagiárias, contribuiu para fomentar práticas

colaborativas de gestão do currículo envolvendo a ação da professora bibliotecária e da

professora titular da turma. De modo interdependente, as docentes articularam-se no

sentido de ultrapassar dificuldades sentidas no contexto de escola e de sala relacionadas

com o insucesso escolar. Partindo do diálogo e reflexão sobre as práticas curriculares e

sobre os resultados académicos dos estudantes, iniciou-se um processo que envolveu

tomada conjunta de decisões sobre aspetos inerentes à prática letiva e de que resultou

um trabalho estruturado e pensado em conjunto, envolvendo todos os elementos,

nomeadamente o grupo de estagiárias. Será também de considerar a mais-valia

associada à partilha de ideias, experiências, tarefas e responsabilidades, de que resultou

menor sobrecarga de trabalho e maior diversificação de estratégias conducentes à

motivação e melhoria das aprendizagens dos alunos.

Além disso, proporcionou ao grupo de crianças um ambiente de aprendizagem criativo

e estimulante que foi organizado com o objetivo de, simultaneamente, potenciar a

motivação para a aprendizagem, melhorar o nível de compreensão das obras literárias

trabalhadas, assim como a capacidade de criação. Estas condições repercutiram-se numa

participação ativa, motivada e envolvida das crianças no trabalho proposto, aspetos

observados quer pelas estudantes estagiárias, quer pela professora titular da turma e pela

professora bibliotecária.

Desta forma, foi proporcionada aos estudantes a integração em atividades promotoras

do gosto pela leitura e pelo manuseio do livro físico como ferramenta útil e dinâmica de

aprendizagem, assim como promotoras da dimensão criativa.

Referências bibliográficas

Azevedo, J. (2013). Como se tece o (in)sucesso escolar: o papel crucial dos professores. In J.

Machado & J. Alves (orgs.). Melhorar a Escola - Sucesso Escolar, Disciplina,

Motivação, Direção de Escolas e Políticas Educativas. Porto: Universidade Católica.

Capucha, L. M. A. (2008). Planeamento e Avaliação de Projetos. Guião Prático. Lisboa: ME-

DGIDC.

Cortesão, L.; Leite, C. & Pacheco, J. A. (2002). Antes de falarmos em projecto é preciso

sabermos do que estamos a falar. In Trabalhar por projectos em educação. Porto: Porto

Editora, pp. 22-32.

Machado, J. & Alves, J. (2013). Melhorar a Escola - Sucesso Escolar, Disciplina, Motivação,

Direção de Escolas e Políticas Educativas. Porto: Universidade Católica.

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4º CRIA 205

Nóvoa, A. (2014). Educação 2021: Para uma história do futuro. Educação, Sociedade &

Culturas, 41, 171-185.

Roldão, M. C. (2009). Estratégias de Ensino: o saber e o agir do professor. V. N. Gaia:

Fundação Manuel Leão.

Silva, S. M. (2013). Condição de estranheza e relação com o mundo da escola. In Manuel Matos

(org.). JOVALES: Jovens, Alunos, Ensino Secundário. Porto: CIIE/Livpsic.

Verdasca, J. (2013). Promovendo o Sucesso Escolar: lições de práticas recentes. In J. Machado

& J. Alves (orgs.). Melhorar a Escola - Sucesso Escolar, Disciplina, Motivação, Direção

de Escolas e Políticas Educativas. Porto: Universidade Católica.

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À Descoberta de Portugal pela metodologia de trabalho de projeto: uma

experiência de intervenção no pré-escolar

Lídia Neves1, Anaïs Cerqueira2, Marina Machado3, Paula Coelho4 & Fátima Sousa-Pereira5

1Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]

2Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 3Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]

4Agrupamento de Escolas de Arcozelo, Ponte de Lima, [email protected] 5Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]

Resumo. O Trabalho de Projeto permite que os estudantes aprendam, de

forma integrada complexa e participada, saberes de diferentes áreas.

Através da pesquisa e do trabalho em grupo, do uso da criatividade na

resolução de problemas, poderão aceder a uma grande variedade de

experiências e saberes (Leite, 2006; Many & Guimarães, 2006). Neste

poster pretende-se apresentar uma experiência de intervenção educativa

realizada no âmbito da unidade curricular de Iniciação à Prática

Profissional do segundo ano da licenciatura em Educação Básica. O

trabalho realizado, no âmbito do projeto À Descoberta de Portugal, teve

lugar num Jardim de Infância do Agrupamento de Escolas de Arcozelo

(Ponte de Lima), com um grupo de 80 crianças, com idades compreendidas

entre os três os cinco anos. O trabalho desenvolvido pelo recurso à

Metodologia de Trabalho de Projeto pretendeu sensibilizar as crianças

para a história do nosso país, promover o desenvolvimento de atividades de

exploração e conhecimento do meio histórico local/nacional assim como

alargar conhecimentos sobre ambientes históricos e culturais. Procurando-

se que as crianças desenvolvessem competências e aprendizagens na área

do conhecimento do mundo, mas com dinâmicas diferenciadas associadas

às outras áreas de conteúdo, recorreu-se a atividades atrativas e à

criatividade como chave para despertar o interesse das crianças para a

aprendizagem. Neste poster apresentar-se-á o processo de trabalho

desenvolvido, concedendo-se destaque a algumas atividades com resultados

muito positivos, quer no que à produção de conhecimento diz respeito, quer

ao nível do entusiasmo e participação de todos os envolvidos.

Palavras-chave: pedagogia de projeto; metodologias ativas; educação pré-

escolar.

Introdução e Contextualização do Trabalho

A criança é por norma curiosa. Proporcionar-lhe atividades diferentes em contextos

diferentes, estimula essa curiosidade e promove a aprendizagem e o conhecimento do

Mundo (físico e social) que a rodeia. A curiosidade natural da criança e o seu desejo de

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saber e compreender porquê poderá “ser fomentada e alargada na educação pré-

escolar, através de oportunidades de contactar com novas situações, que são

simultaneamente, ocasiões de descoberta e de exploração do mundo.” (Ministério da

Educação, 1997).

O recurso ao trabalho por projetos, enquanto mecanismo pedagógico comprovadamente

eficaz e adequado à criança, permite abrir possibilidades alternativas para a construção e

melhoria das suas aprendizagens, de modo ativo, interdisciplinar, relacional, pela

descoberta, tomando a criança como investigadora nata (Katz, Ruivo, Silva &

Vasconcelos, 1998; Katz & Chard, 2009; Oliveira-Formosinho & Gambôa, 2011;

Vasconcelos, Rocha, Loureiro, Castro, Menau & Sousa, 2012).

O Trabalho de Projeto permite potenciar uma aprendizagem integrada e complexa de

saberes de diferentes áreas, assim como uma aprendizagem participada, comprometida e

ativa. Através de dinâmicas diferenciadas que podem envolver pesquisa e trabalho em

grupo, assim como estimular o uso da criatividade na resolução de problemas ou no

estudo em profundidade sobre determinado tema ou tópico, os estudantes poderão

aceder a uma grande variedade de experiências e saberes (Katz & Chard, 2009; Leite,

2006; Many & Guimarães, 2006). Deste modo, ensinar e aprender por projetos poderá

constituir um ponto de partida para desencadear um trabalho entusiasmante e sustentado

nos contextos educativos, fazendo da aprendizagem uma descoberta e do saber um

objeto de desejo (Leite, 2006).

À Descoberta de Portugal é o exemplo de um projeto desenvolvido pelo recurso a esta

metodologia, que pretendeu sensibilizar as crianças para a história do nosso país,

promover o desenvolvimento de atividades de exploração e conhecimento do meio

histórico local/nacional assim como alargar conhecimento sobre ambientes históricos e

culturais. Sendo pertinente reforçar a ideia de que os conteúdos históricos podem e

devem ser explorados na educação pré-escolar de forma refletida, intencional e

sistemática, este projeto, desenvolvido numa linha construtivista, permitiu, em última

instância, sensibilizar as crianças, geração presente e futura do nosso país, para o valor

do nosso passado.

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Metodologia e Intervenção Educativa

A experiência de intervenção educativa que se apresenta neste trabalho foi desenvolvida

num Jardim de Infância do Agrupamento de Escolas de Arcozelo (Ponte de Lima) e

envolveu um grupo de 80 crianças, com idades compreendidas entre os três e os cinco

anos, quatro educadoras de infância e três alunas estagiárias do segundo ano da

licenciatura em Educação Básica da Escola Superior de Educação do Instituto

Politécnico de Viana do Castelo. A linha de ação desenvolvida com o contributo do

grupo de estágio decorreu durante o segundo semestre do ano letivo de 2015/2016, no

âmbito da unidade curricular de Iniciação à Prática Profissional.

De forma a alcançar os objetivos propostos recorreu-se à Metodologia de Trabalho de

Projeto por se tratar de uma estratégia de aprendizagem predominantemente ativa e

assente na resolução de problemas e na descoberta. Procurou-se promover competências

e conhecimentos em diversas áreas de conteúdo, recorrendo a atividades atrativas e

criativas, e trabalhando a construção articulada do saber, ao contemplar as áreas de

conteúdo não como compartimentos estanques mas abordadas de forma globalizante e

integrada.

Neste sentido, a área de conteúdo predominantemente trabalhada foi a área do

conhecimento do mundo uma vez que o projeto permitiu às crianças conhecerem,

através da pesquisa, alguns aspetos da história de Portugal e da história local. Uma vez

que a rainha que deu o foral a Ponte de Lima, localidade em que o Jardim de Infância

está inserido, foi D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, aproveitou-se a oportunidade

para conhecer também um pouco melhor a história de Ponte de Lima. No entanto, foi

também explorada a área de Expressão e da Comunicação, especificamente os domínios

da Educação Física, da Educação Artística (subdomínios das Artes Visuais, do Jogo

Dramático/Teatro, da Música, da Dança), da Linguagem Oral e Abordagem à Escrita e

o Domínio da Matemática. A área de Formação Pessoal e Social foi trabalhada de modo

transversal, tendo estado presente em todas as dinâmicas de trabalho propostas.

Iniciou-se o projeto com a comemoração do “Dia Nacional dos Castelos”, tendo como

ponto de partida o que as crianças já sabiam e o que queriam saber. Partindo do

conhecimento empírico introduziram-se noções da vida, dos usos e costumes na época

medieval, das classes sociais existentes, concedendo especial enfoque aos castelos e ao

primeiro Rei de Portugal. As atividades foram pensadas de maneira a criar momentos de

aprendizagem lúdicos nos quais as crianças pudessem participar de forma ativa e

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continuada em todo o desenvolvimento do projeto. O envolvimento das famílias, assim

como das entidades locais foi um aspeto fundamental no desenrolar deste projeto.

Destacam-se, seguidamente, algumas das dinâmicas de trabalho desenvolvidas com

resultados muito positivos, quer no que à produção de conhecimento diz respeito, quer

ao nível do entusiasmo e participação de todos os envolvidos.

1. Construção de elementos históricos pelo recurso a materiais de desperdício

A abordagem a temáticas como a ecologia podem ser feitas de forma interessante e

produtiva. Nesta atividade estabelecemos a ligação entre diferentes áreas temáticas e

conteúdos com a construção de elementos históricos recorrendo a materiais de

desperdício recolhidos pelas crianças. Os elementos criados consistiram em escudos,

espadas e cavalos (Figura 1) que mais tarde foram utilizados no desfile de carnaval

(Figura 2). Também foi construída a bandeira de Portugal (Figura 1), exposta na sala de

atividades e na exposição de final de ano.

Figura 1. Construção de elementos históricos com materiais de desperdício (escudos, espadas,

cavalos e bandeira de Portugal).

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Figura 2. Utilização, no desfile de carnaval, de elementos históricos construídos pelo grupo.

2. Visita ao Castelo de Guimarães

Visita ao Castelo de Guimarães de modo a consolidar e aprofundar conhecimentos

adquiridos durante o projeto (Cf. Figura 3).

Figura 3. Visita ao Castelo de Guimarães.

3. Peddy-Pappers de descoberta sobre a temática do projeto e Jogos Tradicionais

Portugueses

Partindo de temas específicos alusivos ao projeto foram realizados peddy-pappers com

adivinhas e perguntas realizadas através de pictogramas, bem como tarefas de

motricidade. Estas atividades foram pensadas para que as crianças tivessem

oportunidade de aplicar os conhecimentos aprendidos ao longo do projeto encorajando o

espírito de equipa e despertando o interesse para as aprendizagens. Além disso, com o

objetivo de valorizar e sensibilizar para elementos que perduram ao longo do tempo na

história do nosso país, realizou-se um percurso de jogos tradicionais portugueses, tais

como corridas de sacos, jogo da cabra-cega, jogo da malha e outros (Figura 4).

Figura 4. Percurso de jogos tradicionais portugueses.

4. Apresentação do projeto à comunidade educativa

Apresentação de uma dramatização intitulada “Afonso Henriques: o Conquistador”,

que contou com a participação dos quatro grupos do Jardim de Infância e que permitiu

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apresentar à comunidade educativa os conhecimentos construídos ao longo do projeto.

As crianças também interpretaram o hino de Portugal, um dos elementos de

aprendizagem explorado durante o projeto (Cf. Figura 5).

Figura 5. Apresentação da peça “Afonso Henriques: o Conquistador” e interpretação do

hino nacional.

Conclusões

À Descoberta de Portugal provou ser um projeto dinamizador que envolveu de modo

ativo e participativo as crianças, docentes, estagiárias, famílias e restante comunidade

educativa.

Em resultado das dinâmicas de trabalho desenvolvidas no âmbito do projeto, tornou-se

evidente uma melhoria nos conhecimentos, capacidades e atitudes das crianças na área

do Conhecimento do Mundo, em específico no que à temática do projeto diz respeito,

nomeadamente, quanto ao nível de familiaridade com aspetos da vida medieval e da

história e cultura do nosso país, assim como, quanto ao respeito pelos nossos

antepassados e por elementos representativos e simbólicos do nosso país (hino e

bandeira).

No âmbito do subdomínio das Artes Visuais foram elaborados os diferentes artefactos

usados pelos cavaleiros: espadas, escudos e cavalos. Foi também aproveitada a

atividade de construção destes artefactos para promover a educação ambiental por via

da reutilização e reciclagem de material de desperdício. Os subdomínios da Música e da

Dança foram trabalhados através do estudo dos instrumentos usados na época, através

da audição de música medieval, com a aprendizagem de canções sobre os castelos e

sobre D. Afonso Henriques, bem como através da coreografia realizada e utilização de

instrumentos na festa de final de ano. O subdomínio do Jogo Dramático/Teatro foi

explorado a propósito da dramatização da peça de teatro, que retratou a vida de D.

Afonso Henriques, apresentada na festa de final de ano.

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Através das atividades centradas em jogos medievais (nomeadamente, corridas de

sacos, corridas com os cavalos de pau, corridas com colheres, a malha, etc.) foi possível

explorar o domínio da Educação Física.

A exploração de aprendizagens no domínio da Matemática teve lugar,

predominantemente, aquando da abordagem aos castelos. Algumas crianças quiseram

construir castelos, tendo-se trabalhado a este propósito os sólidos geométricos (cilindros

nas torres, cones nos telhados, etc.), a noção de quantidade (quantas torres, quantas

portas/janelas), assim como a noção de tamanho (maior/menor, pequeno/grande,

alto/baixo). Além disso, na construção da bandeira e dos escudos, as crianças tiveram

que efetuar contagens variadas (do número de quinas, escudos e castelos) e foram

trabalhadas as cores da bandeira e sua representação.

O domínio da Linguagem foi também muito explorado, em particular ao nível da

aquisição de novo vocabulário (relacionado com os castelos, artefactos, comida, roupas,

profissões), assim como ao nível da audição de diversas histórias em diferentes

formatos (cd, livros, powerpoints, teatro de fantoches).

De um modo transversal, procurou-se intencionalmente promover aprendizagens na

área de Formação Pessoal e Social à medida que foram desenvolvidas as atividades

atrás referidas. Em particular procurou-se promover a capacidade de: ouvir o outro;

respeitar o outro nas aprendizagens e dificuldades e ajudar sempre que necessário;

partilhar aprendizagens, nomeadamente pela apresentação dos resultados de pesquisas

realizadas; sugerir/escolher atividades pertinentes no âmbito do projeto e participar com

interesse nas diferentes atividades; ser responsável no cumprimento das diferentes

tarefas atribuídas, etc.

É também de destacar o empenho e entusiamo de todos os envolvidos, em particular das

crianças, que demonstraram grande curiosidade, desejo de saber e de compreender

porquê.

Referências bibliográficas

Oliveira-Formosinho, J. & Gambôa, R. (orgs.) (2011). O Trabalho de Projeto na Pedagogia-

em-Participação. Porto: Porto Editora.

Katz, L., Ruivo, J., Silva, M. & Vasconcelos, T. (1998). Qualidade e projecto na educação pré-

escolar. Lisboa: Ministério da Educação.

Katz, L. & Chard, S. (2009). A Abordagem de Projecto na Educação de Infância. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian.

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4º CRIA

214

Leite, E. (2006). Prefácio. In Eric Many & Samuel Guimarães. Como abordar… A Metodologia

de Trabalho de Projecto. Porto: Areal Editores.

Ministério da Educação (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar.

Lisboa: Departamento da Educação Básica.

Many, E. & Guimarães, S. (2006). Como abordar… A Metodologia de Trabalho de Projecto.

Porto: Areal Editores.

Vasconcelos, T., Rocha, C., Loureiro, C., Castro, J. D., Menau, J. & Sousa, O. (2012). Trabalho

por Projetos na Educação de Infância: Mapear Aprendizagens Integrar Metodologias.

Lisboa: Ministério da Educação.