Auditoria de Fraudes

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROA AUDITORIA NA PREVENO E DETECO DE FRAUDES NA GESTO PBLICA: Um Estudo Auditoria no Combate s Fraudes e Corrupo

por PAULO SERGIO SIQUEIRA BASTOS

2 0 0 7

EXAME DE DISSERTAO

BASTOS, Paulo Sergio Siqueira. A Auditoria em Fraudes na Gesto Pblica: Um Estudo Auditoria no Combate s Fraudes e Corrupo. Dissertao apresentada no Programa de Mestrado em Cincias Contbeis. Universidade do Estado do Rio do Janeiro, primeiro semestre de 2007.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Professor L.D. Julio Sergio de Souza Cardozo _______________________________________ Professor Dr. Ricardo Bezerra Cavalcanti Vieira _______________________________________ Professor L.D. Lino Martins da Silva

Examinada a dissertao: Conceito Em: ____/____/ 2007.

A AUDITORIA EM FRAUDES NA GESTO PBLICA Um Estudo Auditoria no Combate s Fraudes e Corrupo

por PAULO SERGIO SIQUEIRA BASTOS Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Administrao e Finanas

Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em Cincias Contbeis requisito parcial obteno do ttulo de Mestre. Orientador Prof. L.D. Lino Martins da Silva

Rio de Janeiro, primeiro semestre de 2007.

A Deus, pelas maravilhas que tem feito em minha vida. Aos meus pais, pelo incentivo e apoio nos estudos desde minha infncia. minha esposa Michele e meu pequeno Gabriel, pelo amor, alegria e paz no lar.

No tenhais medo dos homens, pois nada h de encoberto que no venha a ser revelado, e nada h de escondido que no venha a ser conhecido. Jesus Cristo, in Mateus 10, 26

RESUMO A fraude e a corrupo um problema mundial que tem exigido maior ateno dos governos e dos rgos de controle internos e externos. Em casos recentemente ocorridos no Brasil, os quais ficaram conhecidos por Mensalo, Vampiros, Sanguessugas, ficou evidente a necessidade de atuao no combate s fraudes e corrupo. Os rgos de controle precisam atuar de forma mais efetiva e gil para a minimizao de perdas. A auditoria, por sua natureza de independncia da execuo, ganha importncia neste contexto. Observou-se que os tipos de auditoria destacados em consultas bibliogrficas no abordam a auditoria de fraudes como espcie do qual auditoria gnero, denotando que a avaliao de fraudes somente tem sido realizada dentro de outros trabalhos especficos. A auditoria passa a exigir um modelo desenvolvido especificamente para atuao no combate s fraudes e corrupo e, dentro deste modelo, prticas e tcnicas de auditoria direcionadas para a apurao dos fatos. O objetivo desta dissertao o estudo de melhores procedimentos e tcnicas de auditoria que venham a proporcionar maior segurana dos controles e combater com mais veemncia os tipos de fraudes e corrupo ocorridos no governo. Para tanto, so realizados estudos de dois casos de fraudes e corrupo recentemente ocorridos: Fraude nos Correios e a Operao Vampiro. So tambm abordados temas como: as causas e efeitos da fraude; as expectativas em auditoria; a atuao dos rgos de controle; o ciclo de vida da fraude; sinais (indcios ou alertas) de fraudes; preveno e deteco de fraudes organizacionais; fases e peculiaridades da auditoria de fraudes; novas ferramentas no combate s fraudes; dentre outros assuntos correlatos. Palavras-chave: Auditoria. Fraude. Corrupo. Procedimentos de auditoria.

ABSTRACT The fraud and the corruption are a worldwide problem that has demanded bigger attention of the governments and the internal and external agencies of control. In cases recently occurred in Brazil, which had been known by Mensalo, Vampiros, Sanguessugas, there are evidences of the necessity of an action towards the combat the frauds and the corruption. The control agencies need to act in a more agile and effective way to minimize losses. The auditing, for its nature of independence of the operational actions, gains importance in this context. It was observed that the types of auditing pointed in bibliographical references do not approach the auditing of frauds as species of which auditing is sort, denoting that the evaluation of frauds has only been carried through inside other specific works. The auditing starts to demand a model specifically developed to action against the frauds and corruption and, inside this model, practical and directed techniques of auditing for the verification of the facts. The objective of this dissertation is to study better auditing procedures and techniques that come to provide greater security of the controls and to vehemently fight the types of frauds and corruption ocurred in the government. Thus, studies of two cases of fraud and corruption recently detected in Brazil are carried: Fraud in the Brazilian Post Office (Correios) and the Operao Vampiro. They are also covered subjects such as: the causes and effects of the fraud; the expectations in auditing; the performance of the control agencies; the fraud cycle of life; the signs of frauds or red flags; prevention and detection in frauds organizations; phases and peculiarities of the fraud auditing; new tools in the combat to the frauds; amongst other correlate subjects. Keywords: Auditing. Fraud, Corruption. Auditing procedures.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Motivations Towards Fraud and Corruption Quadro 2 Alguns eventos histricos em Auditoria Quadro 3 - Diferenas entre Auditoria Interna e Externa Quadro 4 Estrutura do Controle Interno no Brasil em agosto/2006 Quadro 5 Tipos de Auditoria e seus Objetivos Quadro 6 Red Flags Quadro 7 Classificao e Caracterstica das Red Flags Quadro 8 The Ten Commandments of Detecting Frauds Quadro 9 Evidncia Corroboradora: Tipos, Natureza, Confiabilidade e Exemplos Quadro 10 Sinais Tpicos da Corrupo (Red Flags) Quadro 11 Recomendaes e Determinaes do TCU Quadro 12 Procedimentos de Auditoria x Pontos/Fragilidades Quadro 13 RED FLAGS baseadas nos depoimentos prestados CPMI dos Correios Quadro 14 Principais Irregularidades Detectadas nas Auditorias do TCU nos Correios Quadro 15 Procedimentos de Auditoria Utilizados CGU e TCU Quadro 16 Irregularidades Constatadas pela CPMI dos Correios

26 35 44 49 52 55 59 62 68 73 78 82 86 88 91 94

LISTA DE TABELAS E FIGURAS

Tabela 1 ndice de Percepo de Corrupo - 2005

31

Figura 1 Artigo 74 da Constituio Federal Figura 2 Ciclo de Vida de Fraude Figura 3 Confiabilidade de Evidncia Documentria Figura 4 Mapeamento das Red Flags e Demais Pontos de Auditoria - TCU Figura 5 - Mapeamento das Red Flags e Demais Pontos de Auditoria CGU

51 53 70 89 90

LISTA DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

ACFE ACL AICPA

Association of Certified Fraud Examiners (Estados Unidos da Amrica) Audit Command Language (programa informatizado para auditoria) American Institute of Certified Public Accountants (Estados Unidos da Amrica)

Audibra BID CFC CGRL/MS CGU CMN CNPJ COMEC

Instituto dos Auditores Internos do Brasil Banco Interamericano de Desenvolvimento Conselho Federal de Contabilidade Coordenao Geral de Recursos Logsticos do Ministrio da Sade Controladoria Geral da Unio Conselho Monetrio Nacional Cadastro Nacional de Pessoas Jurdicas Coordenao de Suprimento de Medicamentos e Correlatos do Ministrio da Sade

COPEF

Coordenao de Programao e Execuo Oramentria e Financeira do Ministrio da Sade

COSUP CPL CPMI CVM DECAM DPE ECT FGV FMI GAO IAA IFAC IRB ISA MPF MPU NAO NBC P NBC T NBC T IT ONG ONU PNUD RECI, Anlise SAPA

Coordenao de Suprimento e Controle Patrimonial do Ministrio da Sade Comisso Permanente de Licitao Comisso Parlamentar Mista de Inqurito Comisso de Valores Mobilirios Departamento de Contratao e Administrao de Material da ECT. Diretoria de Programas Estratgicos do Ministrio da Sade Empresa Brasileira de Correios e Telgrafos Fundao Getlio Vargas Fundo Monetrio Internacional General Accounting Office (Estados Unidos da Amrica) The Institute of Internal Auditors (Estados Unidos da Amrica) International Federation of Accountants Instituto de Resseguros do Brasil International Standards on Auditing Ministrio Pblico Federal Ministrio Pblico da Unio National Audit Office (Reino Unido) Normas Brasileiras de Contabilidade - Profissionais Normas Brasileiras de Contabilidade - Tcnicas Normas Brasileiras de Contabilidade Tcnicas Interpretao Tcnica Organizao No Governamental Organizao das Naes Unidas Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento R-Responsvel / E-Executor / C-Consultado / I-Informado Sistema de Acompanhamento de Processos em Andamentos do Ministrio da Sade

SDE/MJ SEC

Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia Security Exchange Comission (Estados Unidos da Amrica)

SWOT, Anlise

S- Strengths (foras) / W- Weaknesses (fraquezas) / O- Opportunities (oportunidades) / T-Threats (ameaas)

TC TCE TCU

Tomada de Contas Tribunal de Contas do Estado Tribunal de Contas da Unio

SUMRIO 1. INTRODUO 1.1. PROBLEMA 2. OBJETIVO 2.1. DELIMITAO 2.2. QUESTES A INVESTIGAR 2.3. HIPTESES DE PESQUISA 3. RELEVNCIA DO TEMA 4. METODOLOGIA 5. REFERENCIAL TERICO 5.1. FRAUDE E CORRUPO 5.1.1.Definies 5.1.2.Causas e Efeitos 5.1.3.Atuao no Combate 5.2. A AUDITORIA 5.2.1.Sntese Histrica 5.2.2.Expectativas em Auditoria 5.2.3.Diferenas de Expectativas 5.2.4.Deteco de Fraudes: Nova Demanda? 13 15 18 18 19 19 20 21 23 23 23 25 29 32 32 35 38 41

5.3. AUDITORIA INTERNA E EXTERNA NA GESTO PBLICA 5.3.1.Organizao Brasileira 5.3.2.Atuao dos rgos de Controle e Auditoria no Brasil 5.3.3.Tipos de Auditoria na rea Pblica 5.4. A AUDITORIA NA PREVENO E DETECO DE FRAUDES E CORRUPO 5.5. PRTICAS, TCNICAS E PROCEDIMENTOS DE AUDITORIA 5.6. O EXEMPLO DA CIDADE DE RIBEIRO BONITO - SP 1.ESTUDO DOS CASOS PROPOSTOS 6.1. OPERAO VAMPIRO 6.1.1. Histrico 6.1.2. Atuao Prvia dos rgos de Controle e Procedimentos de Auditoria Utilizados 6.2.Fraude Nos Correios e Mensalo 6.2.1. Histrico 6.2.2. Delimitao para o Presente Estudo 6.2.3. Red Flags 6.2.4. Atuao Prvia dos rgos de Controle e Procedimentos de Auditoria Utilizados 6.3.ATUAO EXIGIDA DOS RGOS DE CONTROLE E PROCEDIMENTOS DE AUDITORIA APLICVEIS 7. CONCLUSES, SUGESTES E RECOMENDAES REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS APNDICE A - Trechos de Depoimentos Prestados CPMI dos Correios Vinculados s Red Flags APNDICE B - Principais Irregularidades Detectadas nas Auditorias do TCU nos Correios APNDICE C Principais Fragilidades Detectadas nas Auditorias da CGU nos Correios

44 47 49 51 54 62 70 76 76 76 78 83 83 85 85 87 95 100 104 112

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1.INTRODUO A indignao social decorrente dos mais diversos casos de corrupo divulgados pela imprensa tem sido crescente nestes ltimos anos. Os debates sobre fraudes e corrupo tm se tornado cada vez mais acalorados. O sentimento de impunidade, rotulado popularmente como tudo acaba em pizza, aflorou em especial pela falta de crena de uma mudana tico-cultural radical para uma convivncia harmnica e compromissada com a verdade, a moral e o bem. Em se tratando do governo, que tem como funo bsica a promoo do bem estar social atravs de recursos arrecadados principalmente pela tributao, os casos de corrupo tm sido explorados pela imprensa mundial, despertando maior mobilizao no combate s fraudes e corrupo. O assunto tem tomado capas de jornais e revistas de todo o Brasil. Em 20/07/2005, por exemplo, a Revista Exame apresentou o assunto em sua capa com o seguinte ttulo Corrupo o custo dessa praga para os negcios e para o Pas, baseando-se em pesquisas realizadas pela Fundao Getlio Vargas (FGV) e pela ONG Transparncia Brasil. Na pesquisa realizada pela ONG Transparncia Brasil (em colaborao com a Kroll The Risk Consulting Company), cujo ttulo Fraude e Corrupo no Brasil: A Perspectiva do Setor Privado, 2003, alguns nmeros destacados impressionam:

67% das empresas j foram vtimas de fraudes;

21% (apenas) corresponde recuperao mdia das perdas com fraudes nas empresas; Mais de 82% das empresas consideraram que a cobrana de propinas e a prtica de nepotismo freqente nas licitaes, fiscalizaes tcnicas, fiscalizaes tributrias e polcia; 62% das empresas que j participaram de licitaes pblicas foram sujeitas a pedido de propinas; 53% das empresas j foram achacadas por parte de agentes pblicos quanto propina ou outros pagamentos indiretos com respeito a impostos e taxas.

Ao contrrio do que muitos pensam, a corrupo no um problema estritamente do Brasil. A questo tomou proporo mundial e passou a receber maior anlise da parte de vrios organismos e governos. Klitgaard (1994) realiza uma anlise de alguns casos de corrupo ocorridos nas Filipinas, Hong Kong, Cingapura e na Coria, apenas para citar alguns dos pases que enfrentam problemas semelhantes. A Itlia, por muito tempo, conviveu com o crime organizado e corrupo daquela que ficou mundialmente conhecida por Mfia Italiana. Os Estados Unidos, na eleio do presidente George Bush, atravessaram srios problemas por indcios de fraudes. H um mito de que a corrupo um problema dos pases subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Ribeiro (2004, p. 23), entretanto, discorda:(...) Na Blgica, Japo, Itlia, Rssia e Espanha, entre outros pases, a corrupo desempenha hoje, tanto nas instituies quanto na sociedade, um papel mais preocupante do que em outras pocas de que se tenha memria recente, o que demonstra ser difcil atribu-la exclusivamente ao Terceiro Mundo. Ademais, grande parte da corrupo do Terceiro Mundo conta com uma importante participao do chamado Primeiro Mundo. (...) Os pases tidos como os maiores corruptores (ativos) so exatamente os mais desenvolvidos, enquanto entre os mais corrompidos (passivos) encontram-se precisamente os subdesenvolvidos, incluindo o Brasil.

Diante de um quadro mundial to alarmante, a Organizao das Naes Unidas (ONU), o Fundo Monetrio Internacional (FMI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), dentre outros organismos internacionais passaram a desenvolver estudos e anlises sobre o tema com desenvolvimento de polticas e programas anticorrupo. Certamente, so vrias as frentes de trabalho exigidas para combater esse mal. So necessrias medidas em todas as funes de governo: o Poder Legislativo, o Poder Judicirio e o Poder Executivo. As leis precisam ser revisadas para torn-las menos complexas e burocrticas. Os processos legais necessitam de maior agilidade, clareza e divulgao dos procedimentos e resultados. Enfim, as aes do governo precisam de maior transparncia, divulgao, agilidade e ter como propsito o combate s maiores causas das fraudes e corrupo internas.

Por muito tempo se confundiu que o combate s fraudes e corrupo no governo se daria atravs de fortalecimento de controles burocrticos internos, os quais vinham a tornar mais morosos os sistemas administrativos, aumentavam os gastos da mquina estatal e, por vezes, at mesmo contrariamente ao objetivo almejado, eram criadas dificuldades que acabavam sendo resolvidas com a venda de facilidades (propinas). A partir de ento, passou a crescer a importncia de controles salutares ao governo que pudessem acompanhar o incio, meio e fim das aes dos gestores pblicos sem, contudo, criar obstculos temporais comprometedores agilidade requerida. Um desses controles tem se dado pelo uso da tecnologia da informao e de poderosos programas informatizados que permitem o acompanhamento imediato das aes da gesto. Tais tecnologias, utilizadas plenamente, ho de revolucionar os sistemas de controle e auditoria dos rgos governamentais. A Auditoria (mesmo diante das crticas mais inusitadas) ganha importncia capital dentre as formas de atuao do controle interno no combate s fraudes e corrupo. Isto porque, de forma geral, a Auditoria no compromete a ao da Administrao por ter a natureza primria da independncia da execuo. Certamente, a Auditoria sozinha no h de resolver e sanar todos os casos de fraudes e corrupo, mas pretende-se avaliar as tcnicas utilizadas no combate s fraudes e corrupo, identificar os casos recentemente divulgados e realizar um estudo criterioso com a finalidade de tornar as auditorias mais eficientes, eficazes e efetivas e colaborar no combate s fraudes e corrupo. Para tanto, o presente estudo est dividido em duas grandes partes. Na primeira parte, ser feita uma abordagem sobre: fraudes e corrupo, em especial os efeitos e a atuao no combate; a origem da auditoria e as expectativas; a auditoria na rea pblica; e, por fim, a aplicao da auditoria em fraudes com um exemplo da cidade de Ribeiro Bonito SP. Na segunda parte, so apresentados os estudos de dois casos de fraudes, os quais so analisados para cumprimento do objetivo desta pesquisa.

1.1. PROBLEMA Observando a literatura especializada em Auditoria Governamental, nota-se que esta tem sido classificada geralmente nas seguintes modalidades (Lima & Castro, 2003; Peter & Machado, 2003, Audibra, 1992): auditoria operacional, auditoria de programas, auditoria de desempenho, auditoria de sistemas, auditoria de gesto, auditoria contbil e auditorias especiais. Dentro de cada um dos trabalhos de auditoria tipificados, em geral, h exigncia de avaliao quanto s prticas inadequadas que podem resultar fraudes e erros relevantes. Entretanto, as

auditorias so planejadas com um foco especfico que acabam por no contemplar a possibilidade de ocorrncias de fraudes. Ou seja, nota-se que a preveno e deteco de fraudes no vem sendo tratada como um exame especfico. Fato que a preveno e deteco de fraudes passam a exigir trabalhos direcionados e de rotina com este objetivo especfico. Dentre as normas de auditoria editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), pode-se destacar as normas profissionais de auditor independente, as normas de auditoria independente das demonstraes contbeis e a interpretao tcnica dada a fraudes e erros (NBC P 1, NBC T 11 e NBC T 11-IT 03), as quais dispem que no objetivo precpuo do auditor a deteco de fraudes e erros, mas que deve planejar seus trabalhos com vista a detectar fraudes e erros relevantes. A NBC T 11-IT 03, titulada Fraude e Erro, buscou explicitar com mais detalhes a responsabilidade do auditor nas fraudes e erros, antecedendo-se aos recentes casos de quebra de empresas e queda de cotao em bolsa (Enron, Parmalat, WorldCom, Xerox, dentre outros) em que os auditores independentes acabaram sendo penalizados pelo mau planejamento dos trabalhos e pela falta de previso de fraudes. Pode-se citar tambm, dentre as normas internacionais de auditoria, a de n 240 editada pelo International Federation of Accountants (IFAC), a qual ressaltava que embora o auditor no fosse o responsvel pela preveno de fraudes, o fato de haver uma auditoria anual poderia atuar como fator dissuasrio (Normas Internacionais de Auditoria, 1998), tendo sido revisada e atualizada imputando maiores responsabilidades ao auditor na obteno de razovel certeza da inexistncia de fraude ou erros relevantes e exigindo do profissional elevado grau de ceticismo (Normas Internacionais de Auditoria, 2005). Outra questo que merece ateno a quantidade de casos de fraudes e corrupo envolvendo agentes pblicos, noticiados pela imprensa brasileira, que sequer passaram por uma anlise prvia dos rgos de controle. Tais notcias tm efeito colateral devastador sobre a descrena nos governos, sonegao fiscal e inculturao de atitudes imorais e antiticas freqentemente justificadas pelos indivduos atravs do jargo todo mundo faz. Talvez nunca se tenha aprofundado tanto na Academia, como atualmente, a respeito da necessidade de ser promovida maior tica em todas as instncias organizacional, empresarial e pblica, conforme se pode verificar em documentos disponveis na internet pelo The Institute of Internal Auditors (IAA) e pela Association of Certified Fraud Examiners (ACFE). medida que o tema corrupo e fraude ganhou relevncia mundial, desencadeou-se uma discusso de sua maior causa: a crise tica. A tica compreende a disposio natural do homem na vida, seu carter, seu costume, sua moral. Em filosofia, a disciplina que tem por objeto de estudo os julgamentos de valor na medida em que estes se relacionam com a distino entre o bem e o mal (Priberam On-Line, 2006).

Tambm a auditoria, em seus exames, tem desenvolvido pesquisas quanto tica organizacional para informar aos dirigentes sobre vulnerabilidades ticas, com o propsito de serem desenvolvidas estruturas organizacionais e procedimentos de controle preventivos que permitam minimizar os riscos de fraude e de mensurar o desempenho tico da organizao e seu efeito social (Raven, 2003). Os rgos pblicos de controle e auditoria precisam de uma postura mais investigativa, compromissada em apresentar informaes fidedignas completas, as quais raramente so trazidas pela imprensa, e atitudes imediatas coercitivas e corretivas que demonstrem a seriedade, austeridade e fora do governo. As tcnicas de auditoria exigidas no podem se restringir to somente s anlises de conformidade documental, mas avanar, sobretudo, em um novo campo que propicie auditorias mais completas e efetivas.

2.OBJETIVO O objetivo principal desta pesquisa foi estudar melhores procedimentos e tcnicas de auditoria que venham a proporcionar maior segurana dos controles e combater com mais veemncia os tipos de fraudes e corrupo ocorridos no governo. Para atender ao objetivo principal foram estabelecidas algumas etapas: (1) avaliar alguns dos mais recentes casos em fraudes e corrupo ocorridos no governo quanto origem, forma, conseqncia; (2) identificar as falhas de controle que facilitaram os desvios; (3) consultar a atuao prvia dos rgos de controle e auditoria e, se possvel, as tcnicas de auditoria utilizadas.

2.1. DELIMITAO Dentre os casos recentemente divulgados pela imprensa e que tiveram repercusso nacional, foram analisados os que ficaram conhecidos como Operao Vampiro, Fraude nos Correios e corrupo na cidade de Ribeiro Bonito, estado de So Paulo ocorridos entre 2001 e 2005. Para a avaliao quanto s melhores tcnicas e aos procedimentos de auditoria no combate s fraudes e corrupo foi considerada a literatura nacional e estrangeira.

Para verificao das tcnicas e procedimentos de auditoria adotados foram considerados os trabalhos realizados pelos rgos de controle e de auditoria, em especial a Controladoria Geral da Unio (CGU), o Tribunal de Contas da Unio (TCU) e a Comisso Parlamentar Mista de Inqurito (CPMI) dos Correios.

2.2. QUESTES A INVESTIGAR Pretende-se com esse trabalho responder s seguintes questes: (1) Os recentes casos de fraudes e corrupo no governo foram, de alguma forma, previamente detectados pelos rgos de controle e auditoria? Se afirmativo, quais tcnicas de auditoria foram aplicadas nesses casos? (2) Que procedimentos ou melhores tcnicas poderiam ter sido adotadas nos casos em estudo como forma de atuao da auditoria?

2.3. HIPTESES DE PESQUISA Partiu-se da hiptese de que os casos de fraudes e corrupo sob anlise no foram previamente detectados pelos rgos de controle e auditoria do governo. E, ainda que realizado qualquer trabalho especfico, as tcnicas de auditoria aplicadas no foram suficientes para diagnosticar a existncia de fraude e/ou corrupo. Outra hiptese a ser avaliada a de que os rgos de controle e auditoria utilizaram-se demasiadamente do procedimento de auditoria de anlise documental, dentre outros estritamente de conformidade, em comparao aos de avaliao de campo ou externa, como inspeo fsica e confirmao externa.

3.RELEVNCIA DO TEMA A sociedade tem exigido que a funo de auditoria seja cada vez mais interveniente no diagnosticar de situaes fraudulentas e atos ilegais. Os gestores de recursos pblicos so exigidos a fazerem bom uso do dinheiro do povo e, para isso, uma das formas de monitoramento do fim que est sendo dado aos recursos arrecadados a auditoria. O produto de auditoria tem sido alvo de crticas em decorrncia do gap existente entre as expectativas dos usurios das informaes e o desempenho idealizado e oferecido pelos rgos de controle. A diferena de expectativas tem sido assunto de vrias pesquisas realizadas no mbito da auditoria (Almeida, 2004; Adams & Evans, 2004; Hojskov, 1998), podendo tambm ser encontrada em documentos disponveis na internet (American Institute of Certified Public Accountants - AICPA ; International Federation of Accountants IFAC ; The Institute of Internal Auditors IIA). Com o presente trabalho pretende-se reduzir o gap existente e colaborar para que a auditoria proporcione maior valor pblico e efetivamente aja reduzindo os casos de fraudes e corrupo no governo.

4.METODOLOGIA Lakatos & Marconi (1994, p. 83) ressaltam a importncia dos mtodos cientficos, sem os quais no h cincia. Definem mtodos como o conjunto das atividades sistemticas e racionais que, com maior segurana e economia, permite alcanar o objetivo conhecimentos vlidos e verdadeiros , traando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decises do cientista. A Contabilidade, como cincia social aplicada, possui mtodos especficos que contribuem de forma mais restrita em termos de explicao geral dos fenmenos (e menos abstratas) e que seriam etapas mais concretas da investigao. Lakatos & Marconi (1994, p. 106) os denomina mtodos de procedimento. Dentre esses, destacamos para essa pesquisa os mtodos histrico e comparativo por colaborarem no estudo da auditoria no que tange aos seus primrdios, seu principal foco de atuao em sculos anteriores e nos dias atuais. Quanto ao tipo de pesquisa realizado, seguindo a proposio de Vergara (2004, pp. 4649), podem ser classificados quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins, classificamos a presente pesquisa como aplicada, pois motivada pela necessidade de resolver problemas concretos, tendo finalidade prtica, mediante a proposio de melhores tcnicas e procedimentos de auditoria na preveno e deteco de fraudes. Quanto aos meios, classificamos como: a) Investigao documental por ser realizada em documentos de rgos pblicos, em especial em atas e relatrios disponibilizados pelo Tribunal de Contas da Unio (TCU), pela

Controladoria Geral da Unio (CGU), pela Comisso Parlamentar Mista de Inqurito (CPMI) dos Correios, dentre outros; b) Pesquisa bibliogrfica pelo estudo desenvolvido com base em material publicado ou divulgado em livros, revistas, jornais, redes eletrnicas (internet), ou seja, em todo material acessvel ao pblico em geral; c) Investigao ex post facto por referir-se a fatos j ocorridos; e d) Estudo de casos por encontrar-se circunscrita a duas ocorrncias de fraudes no Brasil. Uma outra classificao dada pesquisa ser predominantemente qualitativa. O mtodo qualitativo mais subjetivo e envolve examinar e refletir as percepes para obter um entendimento de atividades sociais e humanas (Collis & Hussey, 2005, p. 26). H que se considerar que a escolha deveu-se principalmente adoo do mtodo de estudo de casos. O universo dessa pesquisa est restrito s atuaes do TCU, da CGU e da CPMI dos Correios, pois no foi possvel acesso s informaes protegidas por sigilo da Polcia Federal e Ministrio Pblico da Unio, exceo daquelas divulgadas pelas respectivas assessorias de imprensa dos rgos. As atuaes da CGU puderam ser verificadas com base em relatrios de auditoria. As atuaes da CPMI dos Correios, atravs do Relatrio Final dos Trabalhos divulgado. E a atuao do TCU mediante anlise das Atas e Acrdos das Sesses Plenria, da 1a. Cmara e da 2a. Cmara do Tribunal.

5.REFERENCIAL TERICO A presente seo encontra-se capitulada em seis subsees. Na primeira subseo, apresentado o problema fraude e corrupo. Na segunda subseo, destaca-se a auditoria e as expectativas histricas. Em seguida, apresentam-se as subsees de auditoria na gesto pblica, a auditoria na preveno e deteco de fraudes e os procedimentos de auditoria aplicveis em fraude. A ltima subseo traz um exemplo de auditoria aplicada em um caso de fraude ocorrido na cidade de Ribeiro Bonito do Estado de So Paulo.

5.1. FRAUDE E CORRUPO 5.1.1.Definies O termo fraude em seu sentido mais amplo significa dolo, burla, engano, logro, contrabando (PRIBERAM, 2006). Assim, pode-se considerar que o ato de utilizar-se de artifcios com a inteno de prejudicar outrem. O Cdigo Penal Brasileiro apresenta fraude como elemento tpico do estelionato, que significa obter, para si ou para outrem, vantagem ilcita, em prejuzo alheio, induzindo ou

mantendo algum em erro, mediante artifcio, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento(Art. 171 do Cdigo Penal Brasileiro). Em contabilidade, fraude pode ser definida como ato intencional de omisso ou manipulao de transaes, adulterao de documentos, registros e demonstraes contbeis, praticados por um ou mais indivduos da administrao da entidade ou por terceiros com o intuito de obteno de vantagens injustas e/ou ilegais, podendo ser caracterizado por: (a) manipulao, falsificao ou alterao de registros ou documentos, de modo a modificar os registros de ativos, passivos e resultados; (b) apropriao indbita de ativos; (c) supresso ou omisso de transaes nos registros contbeis; (d) registro de transaes sem comprovao; e (e) aplicao de prticas contbeis indevidas. A diferena principal entre fraude e erro a inteno dolosa existente somente no primeiro. (NBC T 11 IT 03 Fraude e Erro / International Standards on Auditing - ISA 240) Na apresentao de A perspectiva do setor privado, 2003 quanto fraude e corrupo no Brasil, a ONG Transparncia Brasil em conjunto com a Kroll The Risk Consulting Company emitiu um relatrio (2004, p. 01) no qual estabelece as seguintes definies para os termos:Fraude: processo de enriquecimento privado por burla de normas pblicas ou privadas, sem participao da parte prejudicada. Na fraude, o agente sempre um cidado privado. Corrupo: processo em que um administrador pblico aufere vantagens ou rendimentos indevidos aproveitando-se de sua posio. A corrupo sempre envolve um administrador pblico e um co-participante privado (empresa ou indivduo).

Por corrupo pode-se inferir que so atos ou atitudes praticadas por um agente que se vale de sua posio ou cargo para interesses prprios ou interesse de outros com os quais esteja coadunado. A corrupo difere da fraude por ser mais intangvel. Baseia-se em um estado de esprito do indivduo que o leva a prejudicar algum, empresa ou organizao. So exemplos: suborno, extorso, nepotismo, propinas, desvios de recursos, trfico de influncia e lavagem de dinheiro.Corruption is usually less tangible than fraud. It is a state of mind or ethos that can spread among individuals that make up an organization. Corruption can lead to fraud which is but one of the effects caused by corruption. From an audit viewpoint corruption is more complex than fraud. (JONES, 1993, p. 3)1

Na fraude podem ser complexas as condies que a desencadearam, mas de forma geral possvel detectar sua existncia. Diferentemente, as condies que favorecem a corrupo so mais complexas e difceis de serem evidenciadas. A deteco de corrupo em uma rotina de1

Traduo livre dada pelo autor desta dissertao: A corrupo de forma geral menos tangvel que a fraude. Representa um estado de esprito ou tica disseminada entre os indivduos de uma organizao. A corrupo pode conduzir fraude, a qual apenas um dos efeitos causados pela primeira. Do ponto de vista da auditoria, corrupo mais complexa que fraude.

auditoria extremamente difcil ou quase que impossvel. Confirmando a assertiva, Jones (1993, p. 4) concluiu que havia institutos e organizaes que procuravam classificar e mensurar os casos de fraude, mas que estatsticas sobre corrupo eram mais difceis e ainda no quantificadas.The quantifiable extent of fraud is sometimes estimated by writers who refer to types of fraud (e.g. computer fraud) or to geographical areas (e.g. USA, UK, the city of London). Examples include the Audit Commission survey of computer fraud which is done approximately every three years. Occasionally fraud crime statistics are published on an industrial sector basis. By contrast no one has yet made a realistic attempt to quantify the extent of corruption by reference to value or frequency of occurrence. The most that can be assumed is that the known cases of fraud form but part of the total illegal or unjust actions of corrupt individuals. Favouritism is one of the main manifestations of corruption that goes unrecorded, even at times unnoticed. (JONES, 1993, p. 04)2

Entretanto, ao final da dcada de 90, Speck (2000, p. 03) realizou uma reviso de dados provenientes de pesquisas empricas sobre a corrupo e pde notar uma mudana no debate sobre corrupo, em especial quanto a experimentos de clculo do grau de corrupo, do volume dos desvios, e do custo que o fenmeno tem para a economia, a sociedade e a credibilidade das instituies polticas. Notou ainda que as tentativas mais corriqueiras de quantificao encontram-se baseadas em trs diferentes indicadores: os escndalos relatados na mdia, as condenaes contabilizadas nas instituies ligadas esfera penal e as informaes obtidas em pesquisas entre cidados. Uma das dificuldades em acompanhar e mensurar casos de corrupo deve-se dificuldade de se encontrar uma definio universalmente aceita para o termo. Snior (2004) tece consideraes quanto s definies apresentadas sobre corrupo e aponta como maior crtica o fato de a grande maioria delas apresent-la como um fenmeno aplicvel somente ao setor pblico, quando na verdade essa impacta tambm o setor privado. Dessa forma, Senior (2004, p. 23) prope uma definio composta de cinco condies que devem ser satisfeitas simultaneamente: Corruption occurs when a corruptor (1) covertly gives (2) a favour to a corruptee or to a nominee to influence (3) action(s) that (4) may benefit the corruptor or a nominee; and for which the corruptee has (5) authority. 3

2

Traduo livre dada pelo autor desta dissertao: O grau quantificvel da fraude algumas vezes estimado pelos autores os quais se referem a tipos de fraude (por exemplo: fraude por computador) ou por reas geogrficas (por exemplo: EUA, Reino Unido, cidade de Londres). Exemplos incluem o levantamento das fraudes por computador realizado aproximadamente a cada trs anos pelo Comit de Auditoria. Ocasionalmente estatsticas de crime por fraude so publicadas sobre uma base do setor industrial. Ao contrrio, ainda no h nenhum grau quantificvel da corrupo por valor ou freqncia de ocorrncia da realidade. O mximo que pode ser verificado so casos conhecidos de fraude que partiram de aes ilegais ou injustas de indivduos corruptos. Favorecimento uma das principais manifestaes da corrupo que no so registradas, enquanto no notadas. 3 Traduo livre dada pelo autor desta dissertao: Corrupo ocorre quando um corruptor: (1) d cobertura (2) a um corrupto ou a um designado a influenciar (3) aes que (4) possam beneficiar o corruptor ou um designado; e pelas quais o corrupto possui (5) autoridade.

5.1.2.Causas e Efeitos Fraude e corrupo ocorrem quando duas condies bsicas as permitem: inteno e oportunidade. A inteno est relacionada motivao, sendo assunto de maior domnio e discusso dos campos da criminologia e psicologia criminal do que dos auditores e contadores. No Quadro 1 so elencadas motivaes relacionadas a fraudes e corrupo. QUADRO 1. MOTIVATIONS TOWARDS FRAUD AND CORRUPTION 4Personal financial problems: particularly indebtedness, family and gambling-related problems. This category is often the most complex and difficult to recognize. Circumstances that are completely beyond the tolerance of one individual may be considered quite a minor problem by others. A corporate ethos conductive to corruption: the everyone-else-is-doing-it syndrome. This category may be relatively easy to recognize overtime fiddles, petty pilfering and so on but is often very difficult to correct. In general corrective action must be firmly taken from the top down. Disgruntlement and malice: all but the smallest organization will have rivalries and co-operation problems. These can get out of hand and bureaucratic point-scoring can become personal. Officers who feel they have been wronged may try to get even. Also in this category come a wide variety of the under-rewarded pay and perks motivations, particularly if these have persisted for long periods of time. Ego: beating the system by perpetrating fraud can represent a challenge, particularly in the area of computerrelated fraud. Peer pressure: this is effectively part of the corporate culture category. But with peer groups the pressures are usually more intensive and restricted to parts of an organization. Ideological: these include political, even religious motivations. Also in this category (and possibly partly under Ego) can be placed Robin Wood motivations of fraud to redistribute wealth from the rich to the poor, usually including the perpetrator. Fonte: Jones, 1993, p. 02.

A motivao para fraude por um agente individualmente de difcil mensurao pela cultura e pelos fatores que lhe so intrnsecos ego, problemas financeiros, educao, famlia, etc. Entretanto, corporativamente possvel que sejam estabelecidas polticas e cultura de tica, justia, honestidade e moralidade de forma a criar um ambiente desmotivante s aes fraudulentas por agentes da empresa ou organizao. Neste sentido tem crescido um tipo de auditoria, ainda pouco comentado no Brasil, cuja denominao em ingls Ethical and Social Auditing, o qual poderamos chamar de Auditoria tico-Social Corporativa. A auditoria tico-social corporativa busca ir alm da contabilidade, finanas e controles internos da organizao. Ela tem como finalidade verificar como a companhia afeta seus

4

Traduo livre dada pelo autor desta dissertao para as motivaes destacadas em negrito no quadro 1: motivaes que conduzem fraude e corrupo: problemas financeiros pessoais; conduta tica corporativa de corrupo; descontentamento e malcia; ego; presso interna; ideologia.

stakeholders (todo tipo de pessoas interessadas na empresa ou organizao) e tambm como revela sua viso, valores e expectativas da sociedade como um todo. O interesse especfico da auditoria tica est relacionado com atitudes internas quanto princpios bsicos morais como: verdade, honestidade, integridade, respeito, lealdade; bem como quanto s prticas de intimidao, discriminao, induo ao erro, roubo e fraude. J as auditorias sociais examinam o impacto na sociedade das operaes, processos, atitudes, comportamento, aes de toda espcie, decises ou omisses e o comportamento de seus empregados ou outras pessoas ou organizaes fechadas associadas companhia. (Raven, 2003, p. 06) Assim, o objetivo principal da auditoria tica informar os gestores quanto vulnerabilidades ticas na organizao que favoream prticas delituosas ou desfavorveis organizao. Atravs desse tipo de auditoria, busca-se que sejam reveladas estruturas organizacionais e processos preventivos (envolvendo empregados), os mais adequados. A auditoria tica pode tambm ser utilizada para mensurao do desempenho tico organizacional. Quando realizada efetivamente, a auditoria tica auxilia instando uma cultura tica, moral, de integridade e honestidade por toda a organizao, seus stakeholders e, em especial, aos seus empregados de forma a minimizar os riscos de fraude e corrupo cuja causa provm da inteno (motivao) do agente. O presente estudo se desenvolve basicamente dentro do segundo elemento condicionante de fraudes e corrupo: a oportunidade. Os procedimentos de auditoria a serem estudados tm por finalidade exatamente minimizar oportunidades de ocorrncia de fraudes e corrupo. As oportunidades abrangem falhas de controle interno, fraca regulamentao, falta de definio das responsabilidades, dentre outros problemas que ho de ser mencionados nesta pesquisa. Tanto a fraude como a corrupo, quando tomadas como comuns e inevitveis, tendem a gerar uma cultura de inverso de valores na organizao e na sociedade. Certamente este o efeito mais degradante e fatal trazido pela fraude e corrupo, pois permite a acelerao do volume de casos e de outros efeitos, como por exemplo, o aumento do risco para investimentos e a desconfiana dos investidores. Em conferncia realizada em So Paulo, em 26 de abril de 2006, a convite do Centro de Estudos Norberto Bobbio, da Bolsa de Valores daquela cidade e do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD-Brasil), o professor Leoluca Orlando (ex-prefeito de Palermo capital da Siclia Itlia) fez uma reflexo sobre a perverso dos valores tradicionais sicilianos honra, famlia e amizade pela atuao da mundialmente conhecida Mfia Siciliana. (Encarte Rio Estudos n 201 da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro).

A inverso de valores pde ser claramente notada quando Leoluca citou logo ao incio da conferncia uma pergunta feita pela sua filha aos oito anos de idade: Papai, por que todos aqueles que respeitam a lei so tristes e choram sempre e aqueles que no a respeitam so alegres e vivem bem? Certamente, muitos sicilianos se depararam com essa triste realidade. A inculturao de valores errneos corrompem toda a sociedade, a qual passa a aceitar atitudes antiticas e imorais que em outros lugares so tratadas com desprezo. A onda de corrupo e fraude em locais que a cultura encontra-se sensivelmente abalada por essa inverso de valores tende a ser muito maior e difcil de se conter com meros atos de represso e justia. At mesmo porque os rgos de governo, segurana, justia, dentre outros, se encontram demasiadamente corrompidos, como era o caso da Siclia, em que a mfia se infiltrava no governo e nas instituies jurdicas, econmicas e sociais. Leoluca, por exemplo, destacou em sua conferncia que, no caso de sua cidade, a forma que encontrou para resgatar os valores sicilianos da honra, famlia e amizade foi atravs do resgate e desenvolvimento da cultura, o qual permitiria recuperar a alma e a identidade de um povo. Alm da degradao scio-cultural, a corrupo e a fraude tm efeito sobre a economia e a poltica com a alocao ineficiente de recursos e pela deteriorao da qualidade dos servios pblicos.A corrupo no somente desperdia recursos pblicos como tambm cria incentivos errados para o direcionamento dos investimentos econmicos. O custo poltico alto, porque instituies vistas como corruptas so desacreditadas e no tero o apoio da populao. (...) A idia da associao poltica para realizar o bem comum torna-se um eufemismo para encobrir a convivncia cnica de egostas no assumidos. (SPECK, 2000, p. 25)

Em tese de doutoramento, Bruning (apud RIBEIRO, 2004, p. 24) apresenta as causas da corrupo como as condies culturais, econmico-sociais, polticas e jurdicas nas quais ela [corrupo] tende a se proliferar.(...) partindo-se das causas naturais (imperfeies da natureza humana), se os padres culturais e ticos da nao propiciarem a corrupo, aumentaro as chances de sua prtica. Se, alm disso, existirem srias injustias sociais, mais se abriro as portas generalizao do fenmeno. Se, nesse quadro, forem adicionados intransparncia administrativa, autoritarismo, excluso social dos negcios pblicos, centralizao do poder e outras atitudes antidemocrticas, mais corrupo dever ocorrer. Por ltimo, se nesse processo cumulativo de causas forem includas inmeras distores no ordenamento jurdico, lentido nas investigaes, congestionamento da Justia, ineficcia dos controles formais, impunidade e outros obstculos punio dos corruptos, sem dvida a corrupo tornar-se- endmica e imune aos meios clssicos de controle.

Em verdade, o que se verifica exatamente que as causas e os efeitos das fraudes e de corrupo se confundem, em decorrncia do efeito de um episdio condicionar novas causas. E a omisso das pessoas e autoridades para a quebra dessa viciosa corrente somente poder gerar um ciclo contaminante na cultura, economia, poltica e sociedade.

5.1.3.Atuao no Combate

No debate sobre polticas para combater a corrupo, alguns importantes assuntos tm sido destacados: a transparncia do setor pblico, a prestao de contas de polticos e administradores e o fortalecimento dos mecanismos de fiscalizao e controle. Outras frentes de atuao tambm tm sido enfatizadas, como o controle social, exercido atravs de organizaes da sociedade civil, a imprensa, a iniciativa privada ou cidados individuais; e o resgate da tica comentado anteriormente. Na rea de fiscalizao e controle, destacam-se aqueles exercidos pelos Tribunais de Contas, Ministrio Pblico e Tribunais Judiciais, controles do Legislativo manifestado, por exemplo, em Comisses Parlamentares de Inqurito, bem como os controles internos e ouvidorias dos rgos. No que tange atuao dos rgos de controle interno e externo, muitos enfatizam o aumento da eficincia destas instituies. O desempenho dessas instituies depende em muitos casos de sua independncia, dos recursos humanos e materiais disponveis para a atuao e da motivao dos seus integrantes para exercer a sua funo. O governante e a administrao, quando encaram a funo com seriedade e zelo, esto interessados em melhorar o seu desempenho e evitar a exposio a escndalos. Por esse motivo, buscam e mantm mecanismos para a identificao de falhas de eficincia. Para tais sistemas de controle interno, as novas tecnologias de informao podem ser diferenciais. As iniciativas e medidas adotadas contra a corrupo tm sido enfatizadas pela Organizao das Naes Unidas (ONU) atravs de polticas e prticas de preveno; criao de rgos de preveno; cdigos de conduta para funcionrios pblicos; sistemas de contratao transparentes e objetivos; transparncia da informao pblica quanto organizao, funcionamento, servios prestados e processos de decises da administrao pblica; independncia do poder judicirio e do ministrio pblico; melhoria nas normas contbeis e de auditoria no setor privado; maior participao da sociedade na luta contra a corrupo; medidas para prevenir lavagem de dinheiro; etc. A ONU estabeleceu em 09 de dezembro de 2003 a

Conveno das Naes Unidas contra a Corrupo, a qual tem sido referendada por vrias naes do mundo, dentre as quais o Brasil, atravs do Decreto 5.687/06 de 31/01/2006. A Conveno elenca as seguintes finalidades:a) Promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a corrupo; b) Promover, facilitar e apoiar a cooperao internacional e a assistncia tcnica na preveno e na luta contra a corrupo, includa a recuperao de ativos; c) Promover a integridade, a obrigao de prestar contas e a devida gesto dos assuntos e dos bens pblicos.

Senior (2004, p. 27) ainda destaca dentre as aes para eliminar a corrupo: previso legal para punio do corruptor e demais envolvidos culpados; registro de aes de sucesso contra a corrupo, em especial nos nveis mais elevados; imprensa independente e livre; dentre outras j mencionadas. Adicionalmente, o referido autor considera que leis especficas deveriam possuir as seguintes caractersticas: nenhuma imunidade para polticos, funcionrios pblicos ou do setor privado; impedimento automtico de cinco anos de empresas que ofertassem ou recebessem subornos; imunidade em juzo para o denunciante do ato de corrupo; penalidades severas tanto financeiras quanto a sentena de priso dos corruptos e envolvidos culpados. Uma outra forma de combater a corrupo a utilizao das tcnicas de planejamento estratgico, da gesto da qualidade total e de inteligncia competitiva que podem e devem ser utilizadas no combate corrupo, como benchmarking. A tcnica de benchmarking tem como objetivo principal auxiliar as organizaes (e, at mesmo, uma nao), a identificar, comparar, selecionar e, se for o caso, incorporar o que os concorrentes praticam de melhor. (ARAJO JR., 2001, p. 246) Cingapura tem apresentado um dos melhores ndices do mundo em relao atuao contra corrupo, conforme se pode perceber pelo ranking apresentado pela Transparency International Tabela 1 (p. 31). Dentre os pases asiticos o que ocupa a primeira posio no ranking. Dentro da proposta de se estudar melhores prticas contra a corrupo para que essas possam ser incorporadas por outras naes, Quah (2001) realizou pesquisa que apresenta o que pode ser aproveitado da experincia de Cingapura no combate corrupo. Destaca que o sucesso de Cingapura em minimizar a corrupo no pas pode ser atribudo a duas estratgias de reduzir concomitantemente as oportunidades e incentivos a atos corruptos. A implementao de polticas anticorrupo a partir de 1960 foi essencial para que Cingapura ocupasse a posio de referncia que ocupa atualmente quando o assunto a atuao contra corrupo.

TABELA 1 NDICE DE PERCEPO DE CORRUPO - 2005TI 2005 Corruption Perceptions Index Country Country 2005 CPI Confidence rank score* range 1 Iceland 9.7 9.5 - 9.7 2 Finland 9.6 9.5 - 9.7 New Zealand 9.6 9.5 - 9.7 5 Singapore 9.4 9.3 - 9.5 11 United Kingdom 8.6 8.3 - 8.8 14 Canada 8.4 7.9 - 8.8 15 Hong Kong 8.3 7.7 - 8.7 16 Germany 8.2 7.9 - 8.5 17 USA 7.6 7.0 - 8.0 21 Chile 7.3 6.8 - 7.7 Japan 7.3 6.7 - 7.8 26 Portugal 6.5 5.9 - 7.1 32 Uruguay 5.9 5.6 - 6.4 55 Colombia 4.0 3.6 - 4.4 59 Cuba 3.8 2.3 - 4.7 62 Brazil 3,7 3.5 - 3.9 65 Mexico 3.5 3.3 - 3.7 Peru 3.5 3.1 - 3.8 78 China 3.2 2.9 - 3.5 97 Argentina 2.8 2.5 - 3.1 117 Bolivia 2.5 2.3 - 2.9 Ecuador 2.5 2.2 - 2.9 126 Russia 2.4 2.3 - 2.6 130 Venezuela 2.3 2.2 -2.4 144 Paraguay 2.1 1.9 - 2.3 151 Angola 2.0 1.8 - 2.1 158 Bangladesh 1.7 1.4 - 2.0

Surveys used 8 9 9 12 11 11 12 10 12 10 14 9 6 9 4 10 10 7 14 10 6 6 12 10 7 5 7

* CPI Score representa o ndice de percepo de corrupo, onde 0 seria o mais corrupto e 10 o menos corrupto (ou mais limpo). Fonte: Transparency International ( www.transparency.org)

5.2. A AUDITORIA 5.2.1.Sntese Histrica A origem da Auditoria pode ser associada origem da Contabilidade, pois o exame documental e a escriturao contbil sempre foram o ponto de referncia para legitimar a Auditoria (CRUZ, 2002, p. 22). Embora haja divergncias entre alguns estudiosos (CRUZ, 2002, p. 21; ATTIE, 1998, pp. 27-28; LOPES DE S, 1998, pp. 21-22; DEFLIESE et al, 1984, pp. 810) quanto ocasio exata em que se iniciaram os primeiros trabalhos em auditoria, pode-se inferir que a Auditoria, na forma atualmente concebida, teve seu grande impulso com o desenvolvimento europeu no sculo XVI com as expedies martimas e, principalmente, no sculo XIX com o amadurecimento das indstrias e o aumento das relaes comerciais. A Auditoria evoluiu medida que se desenvolviam economicamente os pases, cresciam as empresas e se expandiam as atividades produtoras, gerando crescente complexidade na administrao dos negcios e de prticas financeiras como uma fora motriz para o desenvolvimento da economia de mercado (ATTIE, 1998, p. 27). Cardozo (1997, p. 27) considera que:Isto fez com que os contadores da poca sentissem a necessidade de se organizarem para a prestao de servios capaz de suprir aquele mercado profissional emergente, uma vez que eles entendiam ser possvel desenvolver uma atuao de apoio e proteo aos investidores, atravs do exame das demonstraes financeiras e outros processos tcnicos.

A dificuldade em se reconhecer um perodo de surgimento da contabilidade e auditoria deve-se em grande parte ao empirismo com que era empregada nos sculos anteriores, tendo sido pouco registrada e documentada por estudiosos. Gonalves da Silva (1959, apud LOPES DE S, 2001. p. 02), aps realizar um levantamento e propor Doutrinas Contabilsticas observou:A Contabilidade nasceu na fria dos negcios e at finais do sculo XIX, foi sempre feudo dos prticos pois nunca mereceu ateno de pessoas com bastante saber e engenho bastantes para a tirarem do pntano do empirismo e das sistematizaes precipitadas.(...) Antes de Villa, de Cerboni, de Besta e outros estudiosos que nessa poca vieram a sacudi-la do marasmo em que jazia, raros so os autores que merecem ser recordados por qualquer contribuio real para o seu progresso terico.

Em pesquisa realizada, Lopes de S (1994, p.13) encontrou suficientes evidncias de que povos brbaros j tinham amplo desenvolvimento nas tcnicas contbeis, em investigaes cientficas que realizou no Museu de Louvre e no Museu Britnico:A necessidade de guardar memria dos fatos ocorridos com a riqueza patrimonial gerou critrios de escrita em formas progredidas mesmo nas civilizaes mais

antigas, como a da Sumria; h cerca de 6.000 anos, encontram-se j registros em peas de argila que indicam tais evolues. Pequenas tbuas de barro cru serviam para gravar, de forma simples, fatos patrimoniais diversos.

Um dos marcos mais importantes da contabilidade foi a primeira literatura contbil, escrita pelo Frei Luca Pacioli em 1494. Foi nesta ocasio que o conhecido mtodo das partidas dobradas, usando os termos dbito e crdito para o fenmeno patrimonial foi teoricamente estabelecido, ainda que em apndice de um livro de matemtica. Atravs da obra de Pacioli, iniciou-se o pensamento cientfico da contabilidade como cincia social, pois o que modifica e gera um patrimnio a ao humana. No Brasil, o estudo cientfico da contabilidade teve sua origem na primeira metade do sculo XX, sob influncia da teoria contbil italiana, em especial pela contribuio de Francisco DAuria. Em meados de 1960, o Brasil passou a receber forte influncia da escola norteamericana e das exigncias trazidas pelas empresas de auditoria independente, que expandiam seus escritrios para o Brasil e o resto do mundo. Segundo Attie (1998, p. 29):As principais influncias que possibilitaram o desenvolvimento da auditoria no Brasil foram: a. filiais e subsidirias de firmas estrangeiras; b. financiamento de empresas brasileiras atravs de entidades internacionais; c. crescimento das empresas brasileiras e necessidade de descentralizao e diversificao de suas atividades econmicas; d. evoluo do mercado de capitais; e. criao das normas de auditoria promulgadas pelo Banco Central do Brasil em 1972; e f. criao da Comisso de Valores Mobilirios e da Lei das Sociedades Annimas em 1976.

Entretanto, a contabilidade e a auditoria convencional, ao menos na sua forma emprica, chegaram ao Brasil, bem antes, com as primeiras expedies martimas ao nosso continente. H registros que embarcaes espanholas possuam tesoureiro e contadores encarregados do registro das despesas relativas ao exerccio de uma nave mercantil. Provavelmente os registros contbeis e a auditoria das contas passaram a ser exigidos e a ganhar relevncia aps casos como o de Dom Gonzalo de Crdoba, cognominado Grande Capito, encontrada na sala do Tribunal de Contas da Espanha, relatado por Lopes de S 5. Conta-se que a Espanha perdia muitas embarcaes em decorrncia de ataques piratas no sculo XVI. O Rei Fernando chamou Dom Gonzalo de Crdoba para combater os inimigos. Dom Gonzalo recebeu para a campanha uma soma considervel de dinheiro e, ao fim de muitas batalhas vitoriosas, retornou cheio de glrias com a misso cumprida. Ocorre que quando os tesoureiros reais pediram uma prestao de contas de como foram aplicados os recursos pblicos... Depois de passado algum tempo, com muita insistncia do rei e ser ameaado de confisco dos seus bens, Dom Gonzalo apresentou um curioso balano da misso. Nos desembolsos continham despesas com espies, para conhecer a ttica do inimigo; santos, para que ajudassem ao sucesso nas lutas com oraes e missas de graas; sufrgio dos mortos e5

Lopes de S, A. Sinceridade nas Contas. Portal da Classe Contbil. Cear, 04 jun. 2005. Disponvel em: http://www.classecontabil.com.br/servlet_art.php?id=626 . Acesso em: 19 jan. 2006.

conserto de sinos. Conclua que, como espies, religiosos, mortos e santos no ofereceram comprovantes de gastos, ele no os possua e logo no tinha como os apresentar. O primeiro parecer de auditoria conhecido no Brasil foi emitido h um sculo pelos auditores canadenses Clarkson & Cross atual Ernst & Young aps examinarem o balano da So Paulo Tramway Light & Power Co. referente ao perodo compreendido entre junho de 1899 e 31 de dezembro de 1902. A primeira empresa de auditoria independente a se estabelecer no territrio nacional foi a atualmente denominada Deloitte Touche Tohmatsu, que instalou seu primeiro escritrio no Rio de Janeiro, em 1911. Um dos primeiros artigos acadmicos sobre auditoria foi publicado, em 1928, pela Revista Paulista de Contabilidade, com o ttulo Contabilidade na Gr-Bretanha, e o primeiro livro sobre Auditoria foi editado somente em 1957 de autoria do Prof. Antnio Lopes de S, denominado Curso de Auditoria. (RICARDINO & CARVALHO, 2004, pp. 24-25). A regulao da atividade de auditoria independente ocorreu em 1965, aps a edio da Lei 4728/65, a qual estabeleceu competncia ao Conselho Monetrio Nacional para expedir normas relativas organizao do balano e das demonstraes de resultados, padro de organizao contbil, relatrios e pareceres de auditores independentes registrados no Banco Central (art. 20, b). O Conselho Monetrio Nacional regulamentou a atividade dos auditores atravs da Resoluo CMN n 7/1965 e, posteriormente pelas resolues nos 39/1966 e 88/1968. Em 1976 se deu a criao da Comisso de Valores Mobilirios (CVM), rgo regulador atual, e a edio da conhecida lei das sociedades annimas Lei 6404/1976 a qual estabeleceu a obrigatoriedade da Auditoria Independente para as Sociedades por Aes. No Quadro 2 apresentamos um resumo de eventos histricos em auditoria.

QUADRO 2 ALGUNS EVENTOS HISTRICOS EM AUDITORIAAno / Perodo 4.500 a.C. Evento Provas arqueolgicas constataram existncia de inspees e verificaes de registros realizados entre a famlia real de Urukagina e o templo sacerdotal sumeriano. 4.000 a.C. Auditoria na cobrana de impostos na Babilnia. 1800 a.C. 95 d.C. Referncias bblicas de controle interno e auditorias. 61 d.C 117 d.C. Cartas a Trajano, escritas por Plnio, o jovem, existem relatos de prticas de auditoria realizadas nas provncias romanas. 977 d.C. Obra de Abu-Abdallah Al-Khawarismi, denominada Mafatih Al-Ulum (As chaves da cincia), so feitas referncias sobre prticas de reviso. 1130 Auditoria de receitas e despesas por rgo Governamental Ingls e Escocs. 1200 Auditoria em Londres Inglaterra. 1310 Execuo de funes de auditoria por conselhos londrinos. 1314 Criao do Cargo de Auditor do Tesouro na Inglaterra. 1494 Publicao da primeira literatura contbil pelo Frei Luca Pacioli 1500 e ss. Intensificao do comrcio com as expedies martimas, havendo registros de casos de auditores nas embarcaes. 1559 Sistematizao e Estabelecimento da auditoria dos pagamentos a servidores pblicos pela Rainha Elizabeth I. 1581 Execuo de funes de auditoria pelo Collegio dei Raxonati, na cidade de Veneza Itlia. 1640 Criao do Tribunal de Contas de Paris 1750 e ss. Revoluo Industrial com o surgimento de grandes empresas, as quais comearam a demandar auditorias. 1773 1792 Criao das Bolsas de Valores de Londres e de Nova Iorque. 1845 A Railway Companies Consolidation Act passou a adotar a verificao anual dos balanos por auditores. 1854 Criao do primeiro conselho profissional na Esccia: Chartered Accountant (CA). 1887 Fundado o American Institute of Certified Public Accountants (AICPA), na ocasio ainda denominado American Institute of Accountants (AIA). 1892 Publicao do livro Dicksees Auditing: A Practical Manual for Auditors. 1903 Primeiro parecer de auditoria no Brasil que se tem conhecimento emitido pelos auditores canadenses Clarkson & Cross atual Ernst & Young. 1921 Criao do GAO (General Accounting Office), rgo governamental de contabilidade dos Estados Unidos. 1928 Publicao do primeiro artigo cientfico no Brasil em auditoria pela Revista Paulista de Contabilidade. 1934 Criao do Security Exchange Comission SEC nos Estados Unidos. 1957 Publicao do primeiro livro de auditoria no Brasil. 1965 Regulao da atividade de auditoria independente no Brasil com a Lei 4728/65 1976 Criao da CVM e edio da Lei das Sociedades Annimas (Lei 6404/76).Fonte: Defliese et al, 1984, p. 13 / S, 1998, p.21-22 / Hendriksen & Breda, 1999, 38-49 / Attie, 1998, p. 28 / Motta, 1988, p. 13-14.

5.2.2.Expectativas em Auditoria A Auditoria, como hoje conhecida, deve-se em grande parte ao desenvolvimento da Auditoria Independente ao final do sculo XIX e no sculo XX. Foi com o surgimento dos auditores independentes que a Auditoria passou a receber status profissional e a ser estudada cientificamente. No entanto, os primrdios da Auditoria so bem anteriores, no sendo possvel estabelecer com certeza um marco histrico, conforme anteriormente mencionado. Durante o perodo que se estende at o sculo XVI, o principal objetivo da contabilidade era produzir informao para o proprietrio geralmente proprietrio nico conforme

Hendriksen & Breda (1999, p. 40). A informao produzida era mantida em sigilo pelo proprietrio, pois ele era o seu principal e, talvez, nico usurio. Certamente, pouco era o interesse externo pela informao e no havia presso pela divulgao como nos dias atuais. O prprio dono do negcio executava o papel de acompanhar, controlar e fiscalizar as operaes. Com a ampliao dos negcios e aumento das riquezas patrimoniais, o proprietrio j no possua total controle de suas operaes, de forma que passava a exigir quem o fizesse. A auditoria nascia modestamente com a principal funo de fiscalizar as operaes do negcio e proteger o patrimnio do proprietrio. A Auditoria nasceu fruto da concentrao da riqueza e do risco ao qual o proprietrio se expunha em negociaes realizadas por subordinados. O aspecto fiscalizador da Auditoria foi o primeiro a emergir como forma de conter desvios, interesses alheios, cobia, atos corruptos e fraudulentos por parte de empregados, subordinados ou por quem quer estivesse submetido a ordenamento superior (de um Reino, Imprio ou Estado). Cruz (2002, p. 26) destaca a Auditoria fiscalizadora como sendo a primeira etapa da evoluo da Auditoria, a qual possui o objetivo de fiscalizar as transaes sob as ticas financeira e patrimonial, bem como os registros delas decorrentes. Um dos melhores e mais antigos exemplos de atuao da auditoria fiscalizadora so os coletores de tributos da antiguidade. Um exemplo da antiguidade citado por Hendriksen & Breda (1999, p.42) o dos agricultores egpcios nas margens do Nilo. Eles pagavam aos coletores de tributos com cereais e linhaa pelo uso de gua para irrigao e recibos lhes eram dados desenhando-se figuras de recipientes de cereais nas paredes de suas casas. Assim, poderiam ser fiscalizados quanto quitao das obrigaes (pagamento) pelo uso da gua. O desenvolvimento comercial europeu, em especial na Itlia, ocorrido nos sculos XII e XIII com as sucessivas cruzadas possibilitava a acumulao de riquezas e que a negociao individual fosse sendo substituda pelo comrcio por meio de representantes e associaes. Comeavam a surgir as primeiras sociedades conhecidas por commenda, nas quais o capital fornecido pelo scio inativo (commendator) era como um emprstimo ao scio ativo (tractator). O uso de sociedades permitia o compartilhamento dos custos e riscos da navegao martima de longo prazo, combinando a riqueza do capitalista com a vontade e disposio dos jovens mercadores (HENDRIKSEN; BREDA, 1999, p. 43). Tais sociedades se realizavam para empreendimentos por tempo limitado. Os recursos investidos e lucros eram recebidos com o retorno das embarcaes e findo o negcio. Ou seja, ainda no havia a continuidade, elevada ao grau de postulado de contabilidade, to imprescindvel nas sociedades dos dias atuais. O commendator encarregava algum de sua confiana para vigiar e fiscalizar todos os recursos despendidos pelo tractator necessrios ao

retorno do investimento. Sua principal funo era no deixar que o tractator desviasse recursos em benefcio prprio, ou seja, tipicamente fiscalizadora. Em 1492, navegando para oeste num galeo espanhol (o sucessor das caravelas), Cristvo Colombo chegou Amrica. Surpreendentemente, conta-se que ele foi acompanhado em sua viagem por um auditor nomeado pela corte espanhola para fiscalizar quando comeasse a calcular o custo do ouro e das especiarias que acumulasse (HENDRIKSEN; BREDA, 1999, pp. 45-46). Ao final do sculo XVI e incio do sculo XVII passaram a surgir as empresas de capital conjunto, as quais podem ser vistas como extenses das commendas italianas e predecessoras das sociedades por aes modernas (HENDRIKSEN; BREDA, 1999, p. 46). Essas empresas caracterizaram-se pelos indivduos reunirem-se para financiar um empreendimento e receber direitos de participao proporcionais aos seus investimentos. Ao final do negcio, os investidores eram reembolsados segundo sua participao de liquidao no total dos resultados. Iniciava-se, de forma ainda incipiente, a demanda por auditorias nas contas (demonstraes financeiras). O final do sculo XVIII e o sculo XIX ficaram conhecidos pela Revoluo Industrial ocorrida, especialmente, na Inglaterra. A demanda crescente para sustentar a populao cada vez maior fez com que fossem desenvolvidas manufaturas. Fazendas e fbricas maiores com novos equipamentos exigiam mais capitais. Ampliava-se o nmero de bancos, o qual em 1800 j era de 400 em toda Inglaterra. Em 1773 foi criada a Bolsa de Valores de Londres, seguindo-se a de Nova Iorque logo depois, em 1792. A Contabilidade passava a ser tratada com maior mrito e relevncia, passando a tornarse tambm mais complexa. Os ativos fixos (imobilizados) passavam a representar um custo significativo, tornando o conceito de depreciao mais importante. A Contabilidade de Custos emergia na medida que aumentava a necessidade de informao gerencial. O proprietrio deixava de ser o principal usurio da informao contbil, dividindo essa posio com os investidores (proprietrios ausentes). O sculo XX pode ser marcado pela Contabilidade como sendo aquele em que a Auditoria teve sua funo elevada a nveis extremos em termos profissionais, do ponto de vista de sua relevncia. A Auditoria passou a assumir um novo e importante papel: assegurar aos investidores que as demonstraes financeiras apresentadas refletiam a realidade da empresa. Diferentemente dos sculos anteriores, a preocupao com o desvio de recursos, fraudes e corrupo no eram a maior preocupao nos trabalhos em auditoria, exceto se estes possussem carter de vulto e

relevncia que implicassem em distores significativas nas demonstraes financeiras divulgadas.

5.2.3.Diferenas de Expectativas em Auditoria A sociedade tem exigido que a funo de auditoria seja cada vez mais interveniente no diagnosticar de situaes fraudulentas e atos ilegais. Os gestores de recursos pblicos e os dirigentes de empresas so exigidos a fazerem bom uso do capital que lhes confiado por parte do povo e pelos investidores, respectivamente. Para isso, uma das formas de monitoramento do fim que est sendo dado aos recursos arrecadados a auditoria. O produto de auditoria tem sido alvo de crticas em decorrncia do gap existente entre as expectativas dos usurios das informaes (investidores, fisco, acadmicos e o cidado em geral) e o desempenho idealizado e oferecido pelos rgos de controle governamentais e pelas empresas de auditoria independente. A diferena de expectativas tem sido assunto de vrias pesquisas realizadas no mbito da auditoria (ALMEIDA, 2004; ADAMS & EVANS, 2004; LIN & CHEN, 2004; CHOWDHURY & KOUHY, 2005), podendo tambm ser encontrada em documentos disponveis na internet (American Institute of Certified Public Accountants - AICPA ; International Federation of Accountants IFAC ; The Institute of Internal Auditors IIA). A presso das foras econmicas que acompanham a profisso de auditoria desde os seus primrdios, a sua adaptabilidade realidade econmica e s exigncias da sociedade tm originado o desenvolvimento da auditoria (ALMEIDA, 2004). Assim ocorreu no tempo das caravelas, como anteriormente destacado na histria de Dom Gonzalo de Crdoba. Os contadores e auditores do tempo das caravelas so fruto da necessidade da poca do descobrimento das Amricas de que os colombos responsveis pelas embarcaes retornariam s suas origens com todos os ganhos obtidos em suas viagens. Desta forma, esses contadores e auditores, independente da forma como eram designados, nasceram em funo de uma expectativa de que sua presena nas embarcaes para fiscalizar os ganhos seria oportuna e valiosa. Ainda que esses primeiros profissionais de auditoria tivessem profundo conhecimento das prticas de auditoria e controle para detectar e prevenir desvios dos ganhos obtidos, e ainda que tivessem uma conduta tica e moral no desempenho de suas atribuies, certamente houve casos de fraudes e corrupo que no puderam ser constatados ou que o foram tardiamente, da mesma forma como nos deparamos na ltima dcada com escndalos financeiros, falncia de empresas e ineficcia de auditorias (Enron, WorldCom, Xerox, s para citar alguns). Mas, da mesma forma

como se tem debatido atualmente, ao invs dessas situaes esvaziarem a relevncia profissional do auditor, a pe em evidncia e demanda controles e auditorias mais eficazes e efetivas. A expectativa na auditoria aumenta, o gap (diferena) de expectativas na auditoria se amplia e fora uma resposta s novas demandas por parte dos rgos de controle governamentais e por empresas de auditoria independente, apesar de tambm acentuar as crticas existentes. Alguns estudiosos como Pixley (18816), Dicksee (18927) e Meigs (1974, p.20) consideravam que a auditoria dava uma especial nfase deteco de fraudes na sua primeira fase. A preocupao maior em auditoria era a posse de ativos. Somente com o desenvolvimento da indstria, das sociedades annimas e, conseqentemente, do mercado de capitais, com a repartio do capital das grandes empresas por investidores, que alterou o comportamento e originou uma mudana nas linhas de orientao da auditoria. A gerao de lucros futuros passou a ser base do estabelecimento e previso dos valores das aes, subtraindo o foco da auditoria na posse de ativos, em decorrncia da maior relevncia do primeiro (ALMEIDA, 2004, p. 82). Reforando a idia de que o pblico dava grande importncia deteco de fraudes em auditoria no final do sculo XIX, Griffiths (1885)8 j alertava para um problema e para uma diferena de expectativas:Existe uma enraizada opinio do pblico e da imprensa, de que um auditor falhou no desempenho do seu dever caso uma fraude no seja descoberta ou comunicada... O resultado desta ignorncia foi que em casos onde fraudes foram descobertas, exigiu-se imediatamente a demisso do auditor. Este tumulto extremamente injusto e cruel, deveria ser analisado em que medida somos responsveis pela ignorncia que certamente existe em relao aos nossos poderes de controle, e em relao nossa capacidade de prevenir e detectar fraudes durante o normal desenrolar de uma auditoria.

Certamente, a necessidade de proteo do auditor no exerccio de suas atividades e a delimitao de suas responsabilidades foram as principais motivaes para que as normas de auditoria indicassem explicitamente que a responsabilidade por fraudes e erros dos gestores do negcio. Porm tal normativo ainda encontra muita resistncia na sociedade. Silva (2004, p. 5) considera que de um modo geral, a percepo que os leigos tm sobre fraude a de que quando esta ocorre os culpados, alm de funcionrios da prpria empresa, so os profissionais de contabilidade ou de auditoria. Lin & Chen (2004) realizaram um estudo emprico quanto s diferenas de expectativas em auditoria na Repblica da China. Aplicaram questionrios em pessoas beneficirias das6

Referenciado por CANHDLER, 1993. Canhdler, R., et al., 1993, Changing perceptions of the role of the company auditor, 1840-1940, Accounting and Business Research, Vol. 23, No 92, p. 443-459. London. [Citado por ALMEIDA, 2004, p. 82.] 7 Ibid. 8 Ibid.

auditorias (principalmente investidores) e em auditores propriamente ditos e acadmicos de auditoria visando identificar, dentre outras coisas, opinies quanto responsabilidade por deteco de fraudes. Verificaram que realmente existe uma diferena de expectativa entre os dois grupos ao constatarem que os beneficirios das auditorias consideraram a responsabilidade dos auditores na deteco de fraudes em mais de 80%, enquanto o grupo dos auditores somente concordou em torno de 40%. Em outra pesquisa realizada por Chowdhury & Kouhy (2005) em Bangladesh, foi avaliada a diferena de expectativas em auditoria no setor pblico, considerando de um lado o rgo governamental de controle e auditoria e de outro lado os usurios dos relatrios: representantes do Parlamento e de agncias internacionais que aplicam recursos no pas. Os representantes do Parlamento apresentaram algumas poucas diferenas de expectativas, sendo as mais relevantes quanto oportunidade do relatrio (tempo despendido at a divulgao) e quanto ao contedo apresentar contas com informaes obrigatrias. J os representantes de agncias de fundos internacionais apresentaram maiores diferenas de expectativas em relao aos representantes dos rgos de controle e auditoria de Bangladesh, dentre as quais destacam-se os aspectos de accountability (prestao de contas) quanto aos relatrios serem mecanismos efetivos que asseguram a accountability do setor pblico e quanto ao contedo apresentar contas com informaes obrigatrias. No que tange a fraudes no setor pblico, embora as expectativas no tenham sido discrepantes, os grupos esto inclinados a considerarem que os relatrios no confirmam a existncia de fraude de propores materiais. Nota-se que as diferenas de expectativas ho de existir sempre. Quanto maior essas diferenas, maior impacto e exigncias sobre os trabalhos de auditoria demandados. A demanda social, aliada instabilidade econmica gerada pelos recentes casos de auditorias mal sucedidas (Enron, WorldCom, Xerox, etc.), tem exigido auditorias mais eficazes e efetivas.

5.2.4.Deteco de Fraudes: Nova Demanda? No final de 2001, em decorrncia de fraudes em grandes empresas globais, o mercado de capitais foi significativamente abalado. A fraude e o pedido de concordata do grupo Enron desencadeou uma crise de credibilidade no mercado de capitais. A fragilidade do sistema em garantir confiabilidade aos investidores atravs de demonstraes contbeis verdicas ficou mais evidente pelo fato de investigaes haverem confirmado o envolvimento da empresa de auditoria no caso e devido ao surgimento de novos casos de fraudes em balanos de grandes empresas (WorldCom e Xerox). A Enron era a maior empresa mundial do setor de energia e estava entre os dez maiores grupos empresariais dos Estados Unidos. A administrao da empresa havia escondido um passivo contendo dvidas milionrias e havia inflado seus lucros apresentando demonstraes contbeis com valores irreais. A conhecida empresa de auditoria independente Arthur Andersen era a responsvel pela auditoria das demonstraes contbeis do grupo. Numa tentativa de salvar sua imagem, demitiu o scio diretamente responsvel pelo servio de auditoria prestado, mas este posteriormente acusou a empresa de saber das fraudes h pelo menos um ano antes do escndalo. Porm, o fator chave que ensejou a descredibilidade da Arthur Andersen foi a mais declarada atitude antitica que uma empresa do seu setor poderia tomar: a destruio dos papis de trabalho, to logo comearam os rumores sobre problemas com a Enron (Borgerth, 2006). Tendo a imagem da empresa de auditoria sido afetada, a extino do grupo e a sada dos seus scios e auditores para as demais quatro grandes empresas de auditoria do mundo PricewaterhouseCoopers, KPMG, Ernst & Young e Deloitte Touche Tohmatsu foi a resultante do fato. Ressalte-se, contudo, que em 2005, a Arthur Andersen foi inocentada pela Suprema Corte Americana. A crise no mercado de capitais tem sido comparada com a crise americana ocorrida em 1929, a qual abalou o mundo. Os anos anteriores foram muito bons para a economia.O final da grande guerra em 1919 liberou uma demanda reprimida de bens de consumo, instalaes industriais e equipamentos que alimentou uma exploso de investimentos. (...) Os investimentos na Bolsa de Nova Iorque cresceram em termos dramticos, com a quadruplicao do volume mdio negociado de 1922 a 1929. (HENDRIKSEN; BREDA, 1999, p. 57).

Terminada a expanso, iniciou-se a Grande Depresso. O investimento privado caiu 90%. A produo diminuiu 56%. O desemprego alcanou a taxa de 24%. A arrecadao de impostos reduziu a ponto de no ser possvel ao governo pagar os salrios de professores e funcionrios. Todos os bancos do pas foram fechados at maro de 1933. (HENDRIKSEN; BREDA, 1999, p. 57).

De forma similar ao ocorrido na atualidade, porm com conseqncias muito mais danosas, as empresas foram acusadas de modificar seus balanos com o intuito de torn-los mais atrativos aos investidores. Em 1929, alguns investidores perceberam que os valores de suas aes no correspondiam ao valor real das empresas que as emitiram, iniciando-se um grande movimento de venda de aes. Isto acarretou um grande aumento da oferta e a diminuio do valor de mercado das aes. (MARAN; PERINELI; GIUNTINI, 2002, p. 97) Os prprios contadores foram duramente criticados pela falta de padres contbeis poca, fato este que colaborou para grande desenvolvimento dos padres contbeis nos Estados Unidos. Similarmente, atualmente verifica-se uma grande discusso da necessidade de harmonizao das normas contbeis a nvel global. Foi tambm para dar maior credibilidade aos investidores que passou a ser obrigatria a verificao das demonstraes contbeis por auditores independentes das empresas com aes negociadas em bolsa, a partir de 1933, nos Estados Unidos, e criado o Securities and Exchange Commission (SEC) em 1934, rgo regulador do mercado de aes americano. Tambm de forma similar, visando dar maior credibilidade aos investidores, a crise no mercado de capitais em 2001/2002 iniciou um movimento de discusso em torno de maiores controles e melhor evidenciao das demonstraes contbeis. Da surgiu a to comentada Lei Sarbanes-Oxley (SOX) com uma srie de exigncias que visam dar maior nfase aos controles internos, responsabilizao administrao e garantia aos investidores quanto real situao da empresa. No que tange s empresas de auditoria independente, a lei SOX vedou a prestao de servios de auditoria e consultoria mesma entidade auditada. Tal proibio incluiu: a contabilizao ou outros servios relacionados aos registros contbeis ou demonstraes financeiras; concepo e implementao de sistemas de informao; servios de avaliao e laudos; servios atuariais; servios de auditoria interna; funes gerenciais ou de recursos humanos; servios de conselheiro de investimento, banqueiro de investimento, de corretagem ou distribuio; servios jurdicos; servios de percia, no relacionados auditoria, dentre outros passveis de posterior regulamentao. No Brasil havia sido editada uma norma pela CVM, a Instruo Normativa n 308, de 14 de maio de 1999, portanto, antes do escndalo da Enron (2001) e da WorldCom (2002), a qual vedara a prestao conjunta de servios de consultoria e de auditoria para a mesma entidade auditada e exigira rodzio obrigatrio de firmas de auditoria independente. Essa normatizao nasceu, um tanto, pelo colapso financeiro que desencadeou a quebra de algumas instituies bancrias no Brasil.

J a lei SOX, com relao regra do rodzio de firmas, em uma de suas sees determinara que o General Accounting Office GAO, rgo governamental responsvel pelo controle interno geral das entidades governamentais nos EUA, promovesse um estudo sobre os efeitos da aplicao do referido rodzio. Em 2003, o GAO conclura pela no recomendao da aplicao do rodzio de firmas, mas apenas a rotao do scio-auditor no prazo limite de 5 (cinco) anos. Um outro importante ponto a ser ressaltado em relao aos auditores independentes, diz respeito s determinaes de guarda dos papis de trabalho de auditoria por 7 (sete) anos. Foi tambm em decorrncia das fraudes ocorridas que passaram a ser debatidos maiores procedimentos de auditoria que visassem deteco de fraudes nas demonstraes contbeis. Na administrao pblica, casos de corrupo e fraudes tm ganhado pginas de jornal e revistas cotidianamente. A ONG Transparncia Brasil, por exemplo, mantm um banco de dados de reportagens relacionadas corrupo publicados em jornais e revistas no Brasil atravs do link: http://www.deunojornal.org.br/ . Denota-se que trabalhos de auditoria especficos em fraudes somente vm sendo realizados aps a deteco ter sido tornada pblica. Os trabalhos de auditoria vm se norteando na conformidade legal, pela nfase nos controles internos e, ainda em pequenas propores, nas avaliaes de desempenho e de programas de governo. As demandas atuais passam a exigir uma resposta: a auditoria na preveno e deteco de fraudes. O desenvolvimento de sistemas informatizados tem ajudado bastante auditoria na preveno e deteco de fraudes. Atualmente, por exemplo, novas tecnologias tm permitido controle das variaes excessivas na folha de pessoal, sob o pagamento individualizado de funcionrios, mediante uso de sistemas de auditoria na folha de pessoal. Em outras situaes, utilizando tcnicas de deteco de indcios de fraude, como a Lei de Newcomb-Benford, processando trabalhosos clculos estatsticos que apontam as reas que precisam receber maiores testes em auditoria ou sistemas especficos de auditoria, como o ACL (Audit Command Language). E a tendncia , todavia, que tais ferramentas tecnolgicas sejam cada vez mais utilizadas, principalmente, atravs de um setor de auditoria interna bem atuante. Na prxima seo, ser aprofundado o debate auditoria interna e externa na gesto pblica.

5.3.

5.4. AUDITORIA INTERNA E EXTERNA NA GESTO PBLICA A auditoria interna e externa na gesto pblica desenvolveu-se no mundo todo visando assegurar a legitimidade dos atos e fatos administrativos de cada organizao, entidade ou rgo pblico nos seus mais abrangentes aspectos. O Institute of Internal Auditors (IIA) define auditoria interna como atividade independente, de fornecimento de segurana objetiva e de consultoria que visa acrescentar valor a uma organizao e melhorar suas operaes. Trazendo para a organizao uma abordagem sistemtica e disciplinada para avaliao e melhora da eficcia de seus processos de gerenciamento de risco, controle e governana, ajuda-a a atingir seus objetivos (BOYNTON; JOHNSON; KELL, 2002, p. 932). A ao da auditoria interna estende-se a todos os servios, programas, operaes e controles existentes na entidade. A auditoria externa aquela realizada por empresa, rgo ou entidade independentes. Diferenciando-se do auditor interno, o auditor externo no possui vnculo funcional ou empregatcio com o auditado, de forma que possui maior independncia para a execuo dos trabalhos. Outra questo diferencial o volume de testes que, em geral, ser menor na auditoria externa, por razes bvias de tempo e recursos empregados. Cardozo (1997, pp. 34-35) estabelece algumas distines entre a auditoria independente (externa) sobre as demonstraes contbeis e a auditoria interna, conforme Quadro 3. QUADRO 3 - DIFERENAS ENTRE AUDITORIA INTERNA E EXTERNAAUDITORIA INTERNA Auditoria Interna executada por funcionrios da prpria empresa, sujeitos subordinao hierrquica. AUDITORIA INDEPENDENTE (EXTERNA) A Auditoria Independente executada por um profissional independente, de forma isolada ou associado, sem qualquer vnculo ou subordinao com a empresa auditada. O principal objetivo da Auditoria Independente expressar uma opinio independente sobre as demonstraes contbeis da empresa que a contratou. O Auditor Independente examina o sistema de controles internos, a fim de determinar o escopo (extenso e profundidade) dos exames, e at que ponto se pode depositar confiana nas demonstraes contbeis. O Auditor Independente no tem a preocupao especfica de descobrir erros ou irregularidades, a menos que o exame do sistema de controles internos indique uma possibilidade razovel de ocorrncia desses eventos e desde que possam afetar substancialmente as demonstraes contbeis sobre as quais deve opinar.

O objetivo principal da Auditoria Interna servir direo da empresa, na implementao e policiamento das normas internas que foram traadas por esta mesma direo. O Auditor Interno examina o sistema de controles internos visando o seu aperfeioamento e efetivo cumprimento tal como inicialmente planejado, no se restringindo s demonstraes contbeis. O Auditor Interno est constantemente preocupado com a descoberta de erros e irregularidades, assessorando a direo na implementao de medidas imediatas de correo.

Fonte: Cardozo, 1997, pp. 34-35.

Baseando-se em uma srie de publicaes, denominada Domnio Pblico, realizada pela Secretaria Federal de Controle entre 1997 e 2001, naquela poca ainda subordinada ao Ministrio da Fazenda, Ribeiro (2004, pp. 81-91) realiza uma explanao geral relativa a competncias e formas de atuao dos rgos de controle da administrao pblica dos seguintes pases: Unio Europia, China, Israel, Canad, Argentina, Polnia, Itlia, Portugal, Reino Unido, Frana e Cuba, os quais a seguir destacamos. Na Unio Europia, Ribeiro (2004, pp. 81-91) destaca a criao do Tribunal de Contas Europeu, rgo de controle externo, com a misso de controlar as finanas europias e sugerir procedimentos para melhoria da gesto. O Tribunal desempenha funes fiscalizadora e consultiva de maneira independente, organizando-se como um rgo colegiado composto por 15 (quinze) membros com experincia em fiscalizao externa. A China estruturou o seu controle externo em 1983 atravs de um rgo responsvel pelo controle das instituies vinculadas ao poder central, pela orientao aos trabalhos de auditoria em todo o pas e pela auditoria do Banco Central e outras instituies financeiras estatais: o Escritrio Nacional de Auditoria. Vinculados a esse escritrio esto os Escritrios Regionais e Ministeriais de Auditoria e os Escritrios Provinciais e Municipais. Suas principais atribuies so auditar a implementao do oramento pblico, o gerenciamento e uso de fundos extraoramentrios, o patrimnio, lucros e perdas das empresas estatais, as contas dos projetos governamentais, as receitas e despesas dos projetos co-financiados por organismos internacionais, alm das despesas e receitas das instituies pblicas. Em Israel, o principal rgo de controle e auditoria pblico denomina-se Controladoria do Estado, o qual est subordinado ao Parlamento de Israel. Este possui a competncia para fiscalizar qualquer rgo, entidade pblica ou autoridade que administre recursos pblicos, alm de conselhos e sindicatos de trabalhadores. Os seus membros so escolhidos pelo parlamento, em sesso secreta, possuindo mandato de cinco anos. Em 1992, foi legalmente definida a obrigatoriedade de todos os rgos e entidades pblicas manterem unidades de auditoria interna. No Canad, o rgo de controle interno a Controladoria Geral do Canad, o qual tem por finalidade o estabelecimento e manuteno de polticas voltadas para essa forma de controle, para a gesto financeira e para a avaliao de programas governamentais. Na Argentina, o controle interno est a cargo da Sindicatura Geral da Nao, rgo normativo e executivo, subordinado ao Poder Executivo, e suas unidades de Controle Interno esto vinculadas hierarquicamente s autoridades mximas de cada instituio pblica. O Sndico Geral da Nao tem a atribuio de informar Auditoria Geral da Nao rgo mximo de controle externo atos e condutas que indiquem irregularidades. A Auditoria Geral da Nao est subordinada ao Congresso Nacional e goza de independncia funcional e

financeira. Seus membros so escolhidos pelo Congresso e seu presidente nomeado por proposta do partido de oposio com maior nmero de membros no Congresso. Na Polnia, em decorrncia do forte regime socialista que se submeteu at 1989, o controle interno da administrao pblica tem-se realizado por cada organizao pblica, normalmente a cargo dos setores de contabilidade. Estes se responsabilizam pela apresentao dos resultados financeiros, podendo determinar procedimentos tcnicos e requerer auditorias. Essas unidades de auditoria interna sofrem fiscalizao da Cmara Suprema de Controle da Polnia (controle externo), a qual encontra-se subordinada Sejm (Cmara Baixa) do Poder Legislativo. Na Itlia, o controle externo exercido pela Corte de Contas, rgo auxiliar do governo, que exerce funo supervisora da despesa pblica, relatando seus achados ao parlamento. Sua atuao abrangente, englobando o exame das contas dos ministrios e rgos do governo, das empresas estatais e rgos autnomos, bem como, das entidades privadas que exercem funes de governo. A Corte de Contas foi estruturada inicialmente em 1862. Em 1994, em decorrncia da mudana da legislao em auditoria, a Corte mudou significativamente sua atuao a priori para a posteriori e possibilitou o desenvolvimento da auditoria de desempenho. J o controle interno supervisionado pela Diviso Geral de Contabilidade do Tesouro, atravs dos Escritrios Centrais de Contabilidade e da Inspetoria Geral de Finanas. Em Portugal, o Tribunal de Contas o rgo supremo de fiscalizao da legalidade das despesas pblicas. uma corte independente e soberana com competncia definida pela constituio portuguesa. Entre suas funes esto a emisso de parecer sobre o Relatrio da Conta Geral do Estado, o julgamento e a punio dos responsveis por violaes dos regulamentos financeiros e a fiscalizao da execuo do oramento, em trabalho conjunto com a Assemblia Nacional. Esto submetidos s auditorias do Tribunal: o Estado e seus servios, instituies da seguridade social, associaes pblicas e os governos locais. Tambm esto sujeitas inspeo as organizaes privadas que recebem recursos pblicos, inclusive aqueles provenientes de financiamentos da Comunidade Europia. J o controle interno encontra-se sob subordinao do Ministrio das Finanas, atravs principalmente das Inspetorias Gerais e da Direo Geral do Oramento. Suas principais funes so a verificao da legalidade das despesas do governo central e das empresas pblicas e o monitoramento da administrao financeira e patrimonial das autoridades locais. O Reino Unido destaca-se por, desde o ano de 1866, haver sido criado o cargo de Controlador e Auditor Geral para exercer a posio superior de controle externo das contas pblicas. Em 1983 foi criado o Escritrio Nacional de Auditoria (NAO, da sigla em ingls) para dar apoio ao Controlador e Auditor Geral, o qual possui a misso de ajudar a Nao a gastar

sabia