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126 Aula 14 – Equilíbrio de Fases: Substâncias Puras 1. A condição de estabilidade Inicialmente precisamos estabelecer a importância da energia de Gibbs molar na discussão das transições de fase. A energia de Gibbs de uma amostra de uma substância, G, é igual a nG m , onde n é o número de moles de substância na amostra e G m é a sua energia de Gibbs molar. A energia de Gibbs molar depende da fase da substância. Por exemplo, a energia de Gibbs molar da água líquida é, em geral, diferente da do vapor de água na mesma temperatura e na mesma pressão. Portanto, quando um número de moles n da substância muda da fase 1 (por exemplo, um líquido), com energia de Gibbs molar G m (1), para a fase 2 (por exemplo, vapor), com energia de Gibbs molar G m (2), a variação da energia de Gibbs é dada por: ∆ = 2 − 1 = { 2 − 1} (1) Sabemos que uma transformação espontânea, a temperatura e pressão constantes, é caracterizada por um valor negativo de ΔG. Logo essa expressão mostra que uma mudança da fase 1 para a fase 2 é espontânea se a energia de Gibbs molar da fase 2 é menor que a da fase 1. Em outras palavras, uma substância tem uma tendência espontânea de mudar para a fase com a menor energia de Gibbs molar. Se numa certa temperatura e pressão a fase sólida de uma substância tem uma energia de Gibbs molar menor do que a sua fase líquida, então a fase sólida é termodinamicamente mais estável e o líquido congelará. Se o oposto for verdade, a fase líquida é termodinamicamente mais estável e ocorrerá a fusão do sólido. Por exemplo, a 1 atm, o gelo tem uma energia de Gibbs molar menor do que a da água líquida, quando a temperatura está abaixo de 0 ͦ C. Então nessas condições, a água se transforma espontaneamente em gelo.

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Aula 14 – Equilíbrio de Fases: Substâncias Puras

1. A condição de estabilidade

Inicialmente precisamos estabelecer a importância da energia de Gibbs molar na

discussão das transições de fase. A energia de Gibbs de uma amostra de uma substância,

G, é igual a nGm, onde n é o número de moles de substância na amostra e Gm é a sua

energia de Gibbs molar. A energia de Gibbs molar depende da fase da substância. Por

exemplo, a energia de Gibbs molar da água líquida é, em geral, diferente da do vapor de

água na mesma temperatura e na mesma pressão. Portanto, quando um número de moles

n da substância muda da fase 1 (por exemplo, um líquido), com energia de Gibbs molar

Gm (1), para a fase 2 (por exemplo, vapor), com energia de Gibbs molar Gm (2), a

variação da energia de Gibbs é dada por:

∆� = ����2� − ����1� = �{���2� − ���1�} (1)

Sabemos que uma transformação espontânea, a temperatura e pressão constantes,

é caracterizada por um valor negativo de ∆G. Logo essa expressão mostra que uma

mudança da fase 1 para a fase 2 é espontânea se a energia de Gibbs molar da fase 2 é

menor que a da fase 1. Em outras palavras, uma substância tem uma tendência

espontânea de mudar para a fase com a menor energia de Gibbs molar.

Se numa certa temperatura e pressão a fase sólida de uma substância tem uma

energia de Gibbs molar menor do que a sua fase líquida, então a fase sólida é

termodinamicamente mais estável e o líquido congelará. Se o oposto for verdade, a fase

líquida é termodinamicamente mais estável e ocorrerá a fusão do sólido. Por exemplo, a 1

atm, o gelo tem uma energia de Gibbs molar menor do que a da água líquida, quando a

temperatura está abaixo de 0 ͦ C. Então nessas condições, a água se transforma

espontaneamente em gelo.

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2. A variação da energia de Gibbs com a pressão

A equação geral para a variação da energia de Gibbs quando a pressão e a

temperatura variam de quantidades infinitesimais dp e dT é:

dG = Vdp – SdT (2)

A partir dessa equação, obtemos que a variação da energia de Gibbs molar de uma

substância é:

dGm = Vmdp – SmdT (3)

onde Vm é o volume molar da substância e Sm é a sua entalpia molar.

Quando a pressão de um sistema varia a temperatura constante, podemos fixar

dT = 0 na equação 3 obtendo:

dGm = Vmdp (4)

Essa expressão indica que, como todos os volumes molares são positivos, a

energia de Gibbs molar aumenta (dGm > 0) quando a pressão aumenta (dp > 0).

Vemos também que, para uma determinada variação de pressão, a variação

resultante da energia de Gibbs molar é maior para as substâncias que tem volumes

molares maiores. Então, como o volume molar de um gás é maior do que o de uma

fase condensada (um líquido ou um sólido), o coeficiente angular da curva de Gm

versus p é muito maior para um gás do que para uma fase condensada. Para a maioria

das substâncias, o volume molar da fase líquida é maior do que o da fase sólida.

Portanto, para a maioria das substâncias, o coeficiente angular da curva de Gm é

maior para um líquido do que para um sólido. Essas características estão mostradas na

figura 1.

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Figura 1.Variação da energia de Gibbs molar com a pressão.

Como vemos na figura 1, quando aumentamos a pressão sobre uma substância, a

energia de Gibbs molar da fase gasosa aumenta mais do que a do líquido, que por sua vez

aumenta mais do que a do sólido. Como o sistema tem uma tendência para se converter

no estado de menor energia de Gibbs molar, as curvas mostram que, em baixas pressões,

a fase gasosa é mais estável, e a pressões mais altas a fase líquida se torna mais estável e,

em seguida, a fase sólida se torna mais estável. Em outras palavras, com o aumento da

pressão, a substância condensa-se num líquido e, com um aumento posterior da pressão,

pode ocorrer a formação de um sólido.

3. Variação da energia de Gibbs coma temperatura

A equação (3) também é o nosso ponto de partida para descobrirmos como a energia

de Gibbs molar varia com a temperatura. Nesse caso, agora, mantemos a pressão

constante (dp = 0), assim:

dGm = -SmdT (5)

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Essa expressão simples mostra que, como a entropia molar é positiva, um

aumento na temperatura ( dT > 0) resulta numa diminuição da G (dGm < 0). Temos ainda

que, para uma determinada mudança de temperatura, a variação de energia de Gibbs

molar é proporcional a entropia molar. Para uma dada substância, a entropia molar da

fase gasosa é maior do que a de uma fase condensada. Assim a energia de Gibbs molar

diminui mais abruptamente com a temperatura para um gás do que para uma fase

condensada. A entropia molar da fase líquida de uma substância é maior do que a da sua

fase sólida, logo o coeficiente angular é menos acentuado para um sólido. A figura 2

resume essas características.

Figura 2. Variação da Energia de Gibbs molar com a temperatura.

A figura 2 também revela a razão termodinâmica pela qual as substâncias se fundem e

se vaporizam quando a temperatura aumenta. Em temperaturas baixas, a fase sólida tem a

menor energia de Gibbs molar, e é, portanto, a mais estável. Porém, quando a

temperatura aumenta, a energia de Gibbs molar da fase líquida diminui, ficando abaixo

do valor da fase sólida e ocorre a fusão da substância. Em temperaturas ainda maiores, a

energia de Gibbs molar da fase gasosa fica abaixo da energia de Gibbs molar da fase

líquida e o gás se torna a fase mais estável. Em outras palavras, acima de uma certa

temperatura, o líquido se vaporiza num gás.

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Podemos também começar a entender por que algumas substâncias, como o

dióxido de carbono, sublimam sem formar um líquido primeiro. Não há nenhuma

exigência para que as três retas fiquem exatamente nas posições em que foram

desenhadas na figura 2: A reta que corresponde ao líquido, por exemplo, poderia estar na

posição em que ela esta desenhada na figura 3. Nesse caso, vemos que nenhuma

temperatura (a uma determinada pressão) faz com que a energia de Gibbs molar da fase

líquida seja mínima. Uma substância com esse comportamento se converte espontânea e

diretamente do sólido para o vapor; isto é, a substância sublima.

Figura 4. Variação da Energia de Gibbs molar com a temperatura, para uma outra

substância qualquer.

A temperatura de transição entre duas fases, como, por exemplo, entre a fase

líquida e a fase sólida, é a temperatura, a uma determinada pressão, em que as energias de

Gibbs molares das duas fases são iguais.

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Exercícios – Lista 10

1º) A energia de Gibbs padrão de formação do enxofre rômbico é 0 e a do enxofre

monoclínico é +0,33 kJ.mol-1, a 25°C. Qual a espécie polimórfica é mais estável nessa

temperatura?

2º) A densidade do enxofre rômbico é 2,070 g.cm-3 e a do enxofre monoclínico é 1,957

g.cm-3. Pela aplicação de pressão podemos esperar que o enxofre monoclínico torne-se

mais estável do que o enxofre rômbico?

3º) Calcule a variação da energia de Gibbs molar do dióxido de carbono (considerado

como um gás perfeito), a 20°C, quando a sua pressão parcial no ar muda isotermicamente

de 1,0 bar para (a) 2,0 bar, (b) 0,00027 atm.

4º) Uma amostra de vapor de água, a 200°C, é isotermicamente comprimida de 300 mL

para 100 mL. Qual é a variação da energia de Gibbs molar?

5º) Sem fazer nenhum calculo, determine se a energia de Gibbs molar de um gás

aumentará ou diminuirá, em relação ao seu valor para um gás "perfeito", devido à

presença de (a) interações atrativas, (b) interações repulsivas, entre as moléculas do gás.

6º) Admita que um gás obedeça a equação de estado de Van der Waals, sendo as

interações repulsivas muito maiores do que as interações atrativas (isto e, despreze o

parâmetro “a”). (a) Encontre uma expressão para a variação da energia de Gibbs molar

quando a pressão muda de pi para pf. (b) A variação e maior ou menor do que para um

gás perfeito? (c) Calcule a diferença percentual entre o gás de Van der Waals e o gás

perfeito para o dióxido de carbono sofrendo uma variação de pressão de 1,0 atm para

10,0 atm, a 298,15 K.

7º) A entropia molar padrão do enxofre rômbico e 31,80 J.K-1.mol-1 e a do enxofre

monoclínico é 32,6 J.K-1.mol-1. O aumento da temperatura pode fazer com que o enxofre

monoclínico fique mais estável que o enxofre rômbico? (Veja o Exercício 5.1 para os

dados.)

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8º) A entropia molar padrão do benzeno e 173,3 J.K-1.mol-1. Calcule a variação da

energia de Gibbs molar padrão quando o benzeno for aquecido de 20°C para 50°C.

Respostas

1º) Enxofre rômbico

2º) Não

3º) a) +1,7 kJ.mol-1; -20 kJ.mol-1

4º) + 4,3 kJ.mol-1

5º) a) diminuirá b) aumentará

6º) a) ∆�� = ������

��+ ���� − ���; b) maior; c) 0,68%

7º) Sim

8º) -5,2 kJ.mol-1