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Camila Scheraiber LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL LFG Intensivo II Prof. Silvio Maciel AULA 01 – 05 de setembro de 2009 Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 1 1 Conceito de criança e de adolescente (artigo 2.º, caput, ECA) Artigo 2.º, Lei 8.069/90. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. Criança é pessoa até doze anos incompletos. No primeiro minuto do dia em que faz doze anos, passa a ser adolescente. Adolescente é pessoa até dezoito anos incompletos. No primeiro minuto do dia em que faz dezoito anos, passa a ser penalmente imputável. Até então, é considerado inimputável por idade. Tanto criança quanto adolescente comete ato infracional. A diferença é que a criança não responde processo pela prática de ato infracional. A criança que praticar ato infracional está sujeita a medidas de proteção, que não têm nenhum cunho protetivo (artigo 101, I a VIII, ECA 2 ). Além disso, as medidas de proteção podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, nos termos do artigo 99, ECA. Artigo 99, Lei 8.069/90. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo. Quais são os critérios que o juiz deve utilizar para escolher qual a medida de proteção cabível? São os critérios que constam do artigo 100, ECA (alterado pela Lei 12.010/2009 ). Artigo 100, Lei 8.069/90. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas: (Inserido pela Lei 12.010/2009 ) I - condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal; 1 O ECA foi alterado pelas Leis 12.010/2009 (“lei da adoção”) e 12.015/2009 (“lei dos crimes contra a dignidade sexual”). Embora o Professor não tenha mencionado isso, vou colocar as devidas alterações no texto da aula. Vale dizer que a Lei 12.010/2009 entra em vigor no dia 03 de novembro de 2009; e a Lei 12.015/2009 está em vigor desde o dia 07 de agosto de 2009. 2 O correto seria artigo 101, I a IX, com a devida alteração dada pela Lei 12.010/2009. 1

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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

LFGIntensivo II

Prof. Silvio MacielAULA 01 – 05 de setembro de 2009

Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/901

1 Conceito de criança e de adolescente (artigo 2.º, caput, ECA)

Artigo 2.º, Lei 8.069/90. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Criança é pessoa até doze anos incompletos. No primeiro minuto do dia em que faz doze anos, passa a ser adolescente.

Adolescente é pessoa até dezoito anos incompletos. No primeiro minuto do dia em que faz dezoito anos, passa a ser penalmente imputável. Até então, é considerado inimputável por idade.

Tanto criança quanto adolescente comete ato infracional. A diferença é que a criança não responde processo pela prática de ato infracional. A criança que praticar ato infracional está sujeita a medidas de proteção, que não têm nenhum cunho protetivo (artigo 101, I a VIII, ECA2). Além disso, as medidas de proteção podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, nos termos do artigo 99, ECA.

Artigo 99, Lei 8.069/90. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo.

Quais são os critérios que o juiz deve utilizar para escolher qual a medida de proteção cabível?

São os critérios que constam do artigo 100, ECA (alterado pela Lei 12.010/2009).

Artigo 100, Lei 8.069/90. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.Parágrafo único.  São também princípios que regem a aplicação das medidas: (Inserido pela Lei 12.010/2009)I - condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal;II - proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares;III - responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais;IV - interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;V - privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;VI - intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;

1 O ECA foi alterado pelas Leis 12.010/2009 (“lei da adoção”) e 12.015/2009 (“lei dos crimes contra a dignidade sexual”). Embora o Professor não tenha mencionado isso, vou colocar as devidas alterações no texto da aula. Vale dizer que a Lei 12.010/2009 entra em vigor no dia 03 de novembro de 2009; e a Lei 12.015/2009 está em vigor desde o dia 07 de agosto de 2009.2 O correto seria artigo 101, I a IX, com a devida alteração dada pela Lei 12.010/2009.

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VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente;VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada;IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente;X - prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta;XI - obrigatoriedade da informação: a criança e o adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, seus pais ou responsável devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei.

O juiz terá que verificar dentre as medidas protetivas qual a que tem o caráter pedagógico mais forte e qual a que mantém o vínculo familiar e comunitário mais eficaz. A intenção do ECA não é punir, jamais, uma criança por ato infracional.

O adolescente que comete ato infracional está sujeito a responder processo por ato infracional; ou seja, é responsabilizado pelo ato infracional e pode sofrer:

Medidas sócio-educativas (artigos 112 a 122, ECA) E Medidas de proteção (artigo 101, ECA).

Na concepção do ECA, mesmo o adolescente precisa de proteção.

2 Aplicação do ECA aos maiores de 18 anos

As medidas sócio-educativas podem ser aplicadas aos maiores de 18 anos?

Aplica-se o disposto no artigo 2.º, parágrafo único, ECA.

Artigo 2.º, parágrafo único, Lei 8.069/90. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

As medidas sócio-educativas do ECA podem ser aplicadas a pessoas entre 18 e 21 anos que tenham praticado ato infracional durante a adolescência. Considera-se a idade do menor na data da conduta criminosa (leia-se na data da ação ou omissão), ainda que a consumação ocorra depois do adolescente ter completado 18 anos (artigo 104, parágrafo único, ECA). Adota-se a teoria da atividade (tanto no ECA quanto no CP3).

Artigo 104, Lei 8.069/90. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.

A finalidade do artigo 2.º, parágrafo único do ECA é evitar a impunidade daquele que cometeu ato infracional na iminência de completar dezoito anos.

O artigo 2.º, parágrafo único, ECA, não foi tacitamente revogado pelo CC/2002, que reduziu a maioridade civil absoluta para 18 anos?

Segundo posição pacífica do STJ, o artigo 2.º, parágrafo único, ECA não foi tacitamente revogado pelo CC.

3 Inteligência do artigo 4.º, CP.

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Quais das medidas sócio-educativas podem ser aplicadas nos termos do artigo 2.º, parágrafo único, ECA?

De todas as medidas previstas (artigos 112 a 122, ECA), para alguns autores, a única que poderia ser aplicada é a internação, ante a expressão “excepcionalmente” que consta do artigo 2.º, parágrafo único. Contudo, o STJ firmou jurisprudência no sentido de que qualquer medida sócio-educativa pode ser aplicada ao maior de 18 anos que tenha cometido ato infracional na adolescência.

3 Conceito de ato infracional

É o ato que corresponde a um crime ou a uma contravenção penal (artigo 103, ECA).

Artigo 103, Lei 8.069/90. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Se a conduta do adolescente não corresponder nem a um crime e nem a uma contravenção, a conduta é atípica; em outras palavras, não é ato infracional. Assim, o princípio da legalidade, também se aplica aos atos infracionais.

Se o ato infracional corresponder a um crime de ação pública condicionada ou de ação privada, é necessária a representação contra o adolescente?

Não, isto é irrelevante! O MP pode (e deve) agir de ofício. Por exemplo, o adolescente ameaçou a vítima. O promotor não precisa de representação ou queixa para agir, deverá agir de ofício.

É possível aplicar o princípio da insignificância em ato infracional?

Segundo o STJ e o STF, é perfeitamente possível aplicar o princípio da insignificância em ato infracional (STF, HC 96.520/RS, o princípio foi aplicado de ofício neste julgado de 24 de março de 2009).

4 Apuração de ato infracional

4.1 Fase policial

Nenhuma criança ou adolescente pode ser apreendido (segundo termos do ECA) se não estiver em flagrante de ato infracional, ou se não houver ordem judicial de apreensão. Aplica-se ao adolescente a mesma regra que se aplica aos maiores de idade (que só podem ser presos em flagrante delito ou se houver ordem de prisão). É a combinação dos artigos 106 e 171, ECA.

Artigo 106, Lei 8.069/90. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos.

Artigo 171, Lei 8.069/90. O adolescente apreendido por força de ordem judicial será, desde logo, encaminhado à autoridade judiciária.

O mandado de busca e apreensão equivale ao mandado de prisão expedido contra os adultos. A apreensão do adolescente fora das hipóteses caracteriza o crime do artigo 230, ECA (não é crime de abuso de autoridade!!!).

Artigo 230, Lei 8.069/90. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente:Pena - detenção de seis meses a dois anos.Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais.

Muitos crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade, quando praticados contra criança e adolescente configuram delitos previstos no ECA (aplicação do princípio da especialidade).

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4.1.1 Situação de flagrância de ato infracional

Se o adolescente é apreendido em situação de flagrância de ato infracional, qual é a providência policial a ser adotada?

a) O adolescente será imediatamente encaminhado à autoridade policial ou delegacia policial especializada, para que seja formalizada a apreensão do adolescente. Como o Delegado formalizará?

Se for ato infracional cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, o Delegado necessariamente terá que lavrar um auto de apreensão de adolescente (artigo 173, caput, ECA).

Se for ato infracional cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, o Delegado tem duas opções: ou lavra o auto de apreensão do adolescente ou substituiu o auto de apreensão por um boletim de ocorrência circunstanciada (não é termo circunstanciado!) – artigo 173, parágrafo único, ECA. É o caso do ato infracional tráfico.

Artigo 173, Lei 8.069/90. Em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, a autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos arts. 106, parágrafo único, e 107, deverá:I - lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente;II - apreender o produto e os instrumentos da infração;III - requisitar os exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração.Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante [de ato infracional cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa], a lavratura do auto poderá [fica a critério do Delegado] ser substituída por boletim de ocorrência circunstanciada.

b) Encerrada a formalização da apreensão, o Delegado tem duas opções: liberar o adolescente (que é a regra) aos pais ou responsáveis sob termo de compromisso de apresentá-lo no mesmo dia ou no primeiro dia útil seguinte ao Ministério Público (artigo 174, 1.ª parte, ECA); ou mantê-lo apreendido (não liberar o adolescente), visto que a apreensão está formalizada, pouco importando se fez Boletim de Ocorrência ou não. O Delegado poderá manter o adolescente apreendido pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, para garantia de sua segurança ou para garantia da ordem pública.

Artigo 174, Lei 8.069/90. Comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública.

Se a autoridade policial decidir pela não liberação do adolescente porque entende que o ato infracional é grave e causou repercussão social, tem três opções:

Apresentar imediatamente o adolescente ao MP, com cópia do auto de apreensão ou do boletim de ocorrência circunstanciada (artigo 175, caput, ECA).

Não havendo promotor, o Delegado encaminhará o adolescente à entidade de atendimento (por exemplo, Conselho Tutelar), a qual ficará encarregada de apresentar o adolescente ao promotor em 24 horas (artigo 175, §1.º, ECA).

Quando não há entidade de atendimento, o próprio Delegado apresentará o adolescente ao MP em 24 horas, devendo manter o adolescente, neste período, em repartição (dependência) separada dos maiores (artigo 175, §2.º, ECA).

Artigo 175, Lei 8.069/90. Em caso de não liberação, a autoridade policial encaminhará, desde logo, o adolescente ao representante do Ministério Público, juntamente com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência.§1.º Sendo impossível a apresentação imediata, a autoridade policial encaminhará o adolescente à entidade de atendimento, que fará a apresentação ao representante do Ministério Público no prazo de vinte e quatro horas.

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§2.º Nas localidades onde não houver entidade de atendimento, a apresentação far-se-á pela autoridade policial. À falta de repartição policial especializada, o adolescente aguardará a apresentação em dependência separada da destinada a maiores, não podendo, em qualquer hipótese, exceder o prazo referido no parágrafo anterior.

4.1.2 Situação de não flagrância do ato infracional

Como o Delegado investiga um ato infracional em que não há flagrante?

Por exemplo, a vítima vai até a Delegacia e noticia a prática de ato infracional ocorrido dias antes, como o furto de uma bicleta.

Nestes casos, o Delegado praticará os atos investigatórios e encaminhará ao promotor um relatório de investigações (não há instauração de inquérito policial), conforme o disposto no artigo 177, ECA.

Artigo 177, Lei 8.069/90. Se, afastada a hipótese de flagrante, houver indícios de participação de adolescente na prática de ato infracional, a autoridade policial encaminhará ao representante do Ministério Público relatório das investigações e demais documentos.

Qual é o prazo que o Delegado tem para terminar as investigações do ato infracional?

O ECA não diz qual é o prazo. Sendo assim, consoante a doutrina, por analogia, aplica-se o prazo previsto para a conclusão de inquérito policial quando o réu for solto: trinta dias. A doutrina faz tal afirmação por conta do disposto no artigo 152, ECA (alterado pela Lei 12.010/2009).

Artigo 152, Lei 8.069/90. Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente [no que for compatível].Parágrafo único.  É assegurada, sob pena de responsabilidade, prioridade absoluta na tramitação dos processos e procedimentos previstos nesta Lei, assim como na execução dos atos e diligências judiciais a eles referentes (Parágrafo único inserido pela Lei 12.010/2009)

4.2 Fase pré-processual

Diante de qualquer hipótese (liberação ou não-liberação do adolescente), os autos chegarão às mãos do representante do Ministério Público. Chegando às suas mãos, o promotor de justiça realiza uma fase pré-processual.

O MP realiza uma oitiva informal, ouvindo o adolescente, e se possível seus pais ou responsáveis; vítima e testemunhas (artigo 179, ECA).

Artigo 179, Lei 8.069/90. Apresentado o adolescente, o representante do Ministério Público, no mesmo dia e à vista do auto de apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial, devidamente autuados pelo cartório judicial e com informação sobre os antecedentes do adolescente, procederá imediata e informalmente à sua oitiva e, em sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas.Parágrafo único. Em caso de não apresentação, o representante do Ministério Público notificará os pais ou responsável para apresentação do adolescente, podendo requisitar o concurso das polícias civil e militar.

A oitiva poderá ser formal, ou seja, reduzida a termo, se o promotor assim desejar. Não haverá nenhuma nulidade ou irregularidade: trata-se apenas de excesso de cautela pelo representante do MP.

Se o promotor não faz a oitiva informal e oferece imediatamente representação contra o adolescente (que equivale à denúncia na ação penal), há nulidade?

Segundo o STJ, em julgado do dia 03 de março de 2009, a ausência de oitiva informal do menor não gera nulidade do processo se o MP já dispunha de elementos suficientes para formar sua convicção e oferecer a representação.

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Imagine que o promotor faz a audiência de oitiva informal, porém sem a presença de seus pais ou representantes e sem o acompanhamento de um defensor técnico. Isto é possível?

Segundo o STJ, em decisões do final de 2008, a ausência de responsáveis e de defensor técnico durante a oitiva informal de adolescente gera apenas nulidade relativa, dependente de demonstração de efetivo prejuízo.

Cumprida a fase pré-processual, ou seja, realizada a oitiva informal, o promotor de justiça terá três opções (artigo 180, ECA):

Propor o arquivamento dos documentos e peças. Conceder remissão. Oferecer representação em face do adolescente.

4.2.1 Propositura de arquivamento

O promotor pede o arquivamento do inquérito policial quando não há elementos para oferecer a denúncia (iniciar a ação penal). No ECA é a mesma coisa: o promotor promoverá o arquivamento quando não houver elementos mínimos que comprovem a responsabilidade do adolescente (não há elementos para responsabilizar o adolescente pelo ato infracional). Por exemplo, a conduta do adolescente é atípica ou o ato infracional já está prescrito.

O arquivamento depende de homologação do juiz (como no Processo Penal). Se no Processo Penal o juiz discordar do arquivamento, aplicará o artigo 29, CPP e remeterá os autos ao Procurador Geral de Justiça. A mesma coisa ocorre aqui no ECA: se o juiz discordar da promoção de arquivamento, remeterá os autos para decisão do PGJ (artigo 181, ECA).

Artigo 181, Lei 8.069/90. Promovido o arquivamento dos autos ou concedida a remissão pelo representante do Ministério Público, mediante termo fundamentado, que conterá o resumo dos fatos, os autos serão conclusos à autoridade judiciária para homologação.§1.º Homologado o arquivamento ou a remissão, a autoridade judiciária determinará, conforme o caso, o cumprimento da medida [só terá cumprimento de medida sócio-educativa se for remissão-transação].§2.º Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar.

4.2.2 Concessão de remissão

A remissão é uma forma de exclusão do processo (artigo 188, ECA).

Artigo 188, Lei 8.069/90. A remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo, poderá ser aplicada em qualquer fase do procedimento, antes da sentença.

Existem dois tipos de remissão:

A remissão-perdão, chamada assim pela doutrina, é aquela desacompanhada de qualquer medida sócio-educativa. Esta espécie de remissão será concedida na hipótese do artigo 126, ECA.

Artigo 126, Lei 8.069/90. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão [ou seja, antes de oferecida a representação, que dá início à ação sócio-educativa] , como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.

Imagine que o adolescente cometeu furto porque seus pais estão desempregados, mas nunca deu “problema” e freqüenta a escola. Por questões de política sócio-educativa, o promotor, nesta hipótese, poderá propor a remissão.

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A remissão-transação, assim chamada pela doutrina, é aquela acompanhada da proposta de aplicação de uma medida sócio-educativa não restritiva de liberdade (artigo 181, ECA). O promotor poderá propor a remissão, acompanhada de qualquer medida sócio-educativa exceto duas: regime de semiliberdade e internação. Estas são as únicas medidas restritivas de liberdade.

Nos dois casos anteriores (remissão-perdão e remissão-transação), depende-se de homologação judicial para a produção de efeitos. Se o juiz discordar da remissão, não há a homologação, devendo o magistrado remeter a questão ao PGJ (artigo 181, ECA).

Atenção! Se o juiz discordar do pedido de remissão e o PGJ manter a remissão, o juiz deverá homologar. Em última análise, quem decide pela remissão é o próprio Ministério Público.

O juiz pode homologar a remissão-perdão, extinguindo o processo, e cumulá-la com uma medida sócio-educativa, exceto a semiliberdade e a internação?

Pode, consoante decisões do STJ e STF. O juiz quando homologa a remissão-perdão, poderá sim cumulá-la com uma medida sócio-educativa. Isto porque, segundo argumentos do STJ e do STF, há previsão expressa no artigo 127, ECA; e a medida sócio-educativa não significa reconhecimento de responsabilidade pelo ato infracional.

Recentemente o STF reconheceu a constitucionalidade do artigo 127, ECA (RE 248.018, Relator Min. Joaquim Barbosa, 26 de junho de 2008). Há uma tese que seria inconstitucional porque a aplicação da medida sócio-educativa seria feita sem a observância da ampla defesa, contraditório e devido processo legal. O STF afirmou que a medida sócio-educativa visa à proteção do adolescente.

Artigo 127, Lei 8.069/90. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei [qualquer das medidas sócio-educativas], exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação.

O juiz pode conceder a remissão com aplicação da medida sócio-educativa sem a oitiva do menor ou do MP?

Não. Para que o juiz possa conceder a remissão com a medida sócio-educativa, deve, previamente, ouvir o menor infrator e o representante do MP, sob pena de nulidade (REsp 1.025.004/RS, de 25 de setembro de 2008).

Depois de iniciado o processo (imagine que a remissão não tenha sido concedida), a remissão poderá sim ser concedida. A remissão pode ser concedida a qualquer momento do processo, pelo juiz, como forma de exclusão ou suspensão do processo.

4.2.3 Oferecimento de representação em face do adolescente

Quando não for caso de arquivamento e nem de remissão, o promotor oferecerá representação em face do adolescente (se fosse no processo penal, ofereceria denúncia). Oferecida e recebida a representação, inicia-se a ação sócio-educativa em face do adolescente (não se fala em ação penal). Inicia-se, portanto, contra o adolescente o procedimento para a aplicação de medida sócio-educativa ou medida de proteção.

A representação pode ser oferecida de forma oral ou escrita, e deve conter os requisitos do artigo 182, §1.º, ECA.

Artigo 182, Lei 8.069/90. Se, por qualquer razão, o representante do Ministério Público não promover o arquivamento ou conceder a remissão, oferecerá representação à autoridade judiciária, propondo a instauração de procedimento para aplicação da medida sócio-educativa que se afigurar a mais adequada.§1.º A representação será oferecida por petição, que conterá o breve resumo dos fatos e a classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada pela autoridade judiciária.§2.º A representação independe de prova pré-constituída da autoria e materialidade.

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O promotor deve indicar a qual crime ou contravenção corresponde o ato infracional narrado. O ECA não prevê o número de testemunhas que o MP deverá apresentar. Segundo a doutrina, aplica-se por analogia o número de oito testemunhas do processo penal.

4.3 Fase processual

Oferecida a representação, se o juiz receber, designará uma audiência denominada audiência de apresentação do adolescente. A seqüência dos atos procedimentais é:

Oferecimento da representação. Recebimento da representação. Audiência de apresentação de adolescente (artigos 184 a 186, ECA). Audiência em continuação.

Tanto o adolescente, como seus pais ou responsáveis, serão citados da ação e notificados a comparecer a esta audiência. Na falta dos pais ou responsáveis, o juiz deverá nomear curador especial para acompanhar o adolescente na audiência.

Se na audiência não comparecer os pais, e o juiz não nomear o curador, mas havendo defensor público acompanhando o adolescente, não há nulidade. Segundo decisão do STJ, a presença do defensor técnico na audiência de apresentação do adolescente supre a ausência dos pais ou responsáveis e do curador; porque o defensor técnico acumula as funções de defensor e curador.

Esta audiência não se realiza sem a presença do adolescente. Se o adolescente não for localizado para a audiência, o juiz suspende o processo e expede mandado de busca e apreensão do adolescente (que equivale ao mandado de prisão preventiva no processo penal). A audiência só será realizada quando o adolescente for localizado.

Se o adolescente estiver internado provisoriamente, o juiz requisitará sua apresentação em juízo.

Quais são os atos praticados na audiência de apresentação do adolescente? O que o juiz pode fazer?

Ouvir o adolescente e seus pais ou responsáveis. Solicitar, se entender necessário, parecer de equipe técnica (ou seja, um estudo sobre o perfil do

adolescente, geralmente feito por psicólogos ou assistentes sociais). Conceder a remissão, se assim entender cabível, ouvindo o MP.

É possível a figura do assistente de acusação no procedimento do ECA? A vítima pode se habilitar como assistente de acusação?

Segundo o STJ, não é admitido assistente de acusação no procedimento do ECA (STJ, REsp 1.044.203/RS, de 19 de fevereiro de 2009).

Imagine que o adolescente, quando da audiência de apresentação, confessa a prática do ato infracional. O que acontece? Geralmente, na prática, a defesa desistia da produção de provas. O STJ vetou isso (súmula 342, STJ).

Súmula 342, STJ. No procedimento para aplicação de medida sócio-educativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.

A desistência da produção de outras provas viola o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Segundo o STJ, a defesa não pode dispor do direito de defesa. A defesa técnica é um direito irrenunciável (ao contrário da defesa técnica).

Se o adolescente confessa o ato infracional, é possível reconhecer a atenuante da confissão espontânea?

O STJ já decidiu que não se aplica a atenuante da confissão espontânea no procedimento do ECA (HC 102.158/DF).

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Após a audiência de apresentação do adolescente, o procedimento seguirá (mesmo que o adolescente confesse a prática de ato infracional); se o juiz conceder a remissão, o processo extinguirá. Se o juiz não conceder a remissão, marcará uma audiência em continuação, que na verdade é uma audiência de instrução e julgamento.

Antes dessa audiência de instrução e julgamento, abre-se prazo para oferecimento de defesa prévia, no prazo de três dias contados na audiência de apresentação. É neste momento que a defesa poderá arrolar suas testemunhas, até oito (consoante a doutrina, visto que o ECA não prevê o número máximo de testemunhas).

Quais são os atos praticados na audiência em continuação?

Serão praticados atos de instrução e julgamento: oitiva de testemunhas de acusação e de defesa, nesta ordem (a inversão na ordem acarreta nulidade relativa e não absoluta); debates (20 minutos para cada parte, prorrogáveis por mais dez a critério do juiz) e sentença (artigo 186, ECA).

Artigo 186, Lei 8.069/90. Comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável, a autoridade judiciária procederá à oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional qualificado.§1.º Se a autoridade judiciária entender adequada a remissão, ouvirá o representante do Ministério Público, proferindo decisão.§2.º Sendo o fato grave, passível de aplicação de medida de internação ou colocação em regime de semi-liberdade [são as duas medidas sócio-educativas restritivas de liberdade], a autoridade judiciária, verificando que o adolescente não possui advogado constituído, nomeará defensor, designando, desde logo, audiência em continuação, podendo determinar a realização de diligências e estudo do caso.§3.º O advogado constituído ou o defensor nomeado, no prazo de três dias contado da audiência de apresentação, oferecerá defesa prévia e rol de testemunhas.§4.º Na audiência em continuação, ouvidas as testemunhas arroladas na representação e na defesa prévia, cumpridas as diligências e juntado o relatório da equipe interprofissional, será dada a palavra ao representante do Ministério Público e ao defensor, sucessivamente, pelo tempo de vinte minutos para cada um, prorrogável por mais dez, a critério da autoridade judiciária, que em seguida proferirá decisão.

A leitura do artigo 186, §2.º, ECA leva ao entendimento de que o juiz só é obrigado a nomear defensor ao adolescente que não contratou advogado quando a prática do ato infracional enseja medidas de semiliberdade ou internação. Este não é o entendimento correto. Deve haver uma interpretação deste dispositivo em conjunto com os artigos 207 e 111, ECA.

Em suma, nenhum adolescente poderá ser processado sem defesa técnica. Apesar do artigo 186, §2.º, ECA, dispor que o juiz só é obrigado a nomear defensor para o adolescente sem advogado se o ato infracional que ele praticou estiver sujeito à internação ou regime de semiliberdade, o artigo 207, ECA, combinado com o artigo 111, III, ECA, afirma que nenhum adolescente pode ser processado sem defensor.

Artigo 207, Lei 8.069/90. Nenhum adolescente a quem se atribua a prática de ato infracional, ainda que ausente ou foragido, será processado sem defensor.§1.º Se o adolescente não tiver defensor, ser-lhe-á nomeado pelo juiz, ressalvado o direito de, a todo tempo, constituir outro de sua preferência.§2.º A ausência do defensor não determinará o adiamento de nenhum ato do processo, devendo o juiz nomear substituto, ainda que provisoriamente, ou para o só efeito do ato.§3.º Será dispensada a outorga de mandato, quando se tratar de defensor nomeado ou, sido constituído, tiver sido indicado por ocasião de ato formal com a presença da autoridade judiciária.

Artigo 111, Lei 8.069/90. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias: (...)III - defesa técnica por advogado (...)

Em qualquer processo de apuração de ato infracional, deve existir defesa técnica.

4.3.1 Sentença

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A sentença determina o fim do procedimento em primeira instância. A sentença pode ser:

a) De improcedência da representação, que equivaleria a uma sentença absolutória, quando das hipóteses do artigo 189, I a IV, ECA.

Artigo 189, Lei 8.069/90. A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na sentença:I - estar provada a inexistência do fato;II - não haver prova da existência do fato;III - não constituir o fato ato infracional;IV - não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional.Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, estando o adolescente internado, será imediatamente colocado em liberdade.

b) De procedência da representação, que equivaleria a uma sentença condenatória. Neste caso, o juiz pode aplicar as medidas sócio-educativas do ECA (artigo 112) e também as medidas de proteção do ECA (artigo 101).

5 Medidas sócio-educativas (artigos 112 a 125, ECA)

As medidas sócio-educativas podem ser aplicadas cumulativamente no caso de concurso de ato infracional, consoante decisão do STJ (HC 99.5605/RJ, de 07 de julho de 2009). São medidas sócio-educativas:

Artigo 112, Lei 8.069/90. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:I - advertência;II - obrigação de reparar o dano;III - prestação de serviços à comunidade;IV - liberdade assistida;V - inserção em regime de semi-liberdade;VI - internação em estabelecimento educacional;VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI [são as medidas de proteção].§1.º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.§2.º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.§3.º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

5.1 Advertência (artigos 112, I e 115, ECA)

É uma admoestação verbal reduzida a termo e assinada.

Artigo 115, Lei 8.069/90. A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.

Para a aplicação desta medida, basta apenas a prova da materialidade e apenas indícios de autoria e participação (artigo 114, parágrafo único, ECA). Atenção! Para a aplicação de qualquer outra medida sócio-educativa é necessário prova de autoria e prova de materialidade (artigo 114, caput, ECA).

Artigo 114, Lei 8.069/90. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.

5.2 Obrigação de reparar o dano (artigos 112, II e 116, ECA)

Ela pode ser aplicada nos atos infracionais com reflexos patrimoniais, como, por exemplo, ato infracional de furto. A reparação significa a restituição da coisa, ressarcimento do dano (se a coisa não puder ser restituída), ou outra forma de compensação.

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Artigo 116, Lei 8.069/90. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.

5.3 Prestação de serviços à comunidade (artigos 112, III e 117, ECA)

O prazo máximo desta medida é de seis meses. A prestação de serviços à comunidade significa tarefas gratuitas em escolas, hospitais, entidades assistenciais etc. A jornada semanal máxima da prestação de serviços à comunidade é de no máximo oito horas, em sábados, domingos ou feriados ou dia útil em horário que não prejudique a freqüência ao trabalho ou a escola.

Artigo 117, Lei 8.069/90. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho.

5.4 Liberdade assistida (artigos 112, IV, 118 e 119, ECA)

Ela é decretada pelo prazo mínimo de seis meses. O juiz aplicará esta medida nos casos em que o adolescente necessitar de acompanhamento, auxílio e orientação. Por exemplo, adolescente começou a praticar crimes de porte ilegal de drogas para consumo pessoal porque os pais estão se separando.

Como é liberdade assistida, o juiz designará um orientador para acompanhar o adolescente e adotar as medidas previstas no artigo 119, ECA.

Artigo 118, Lei 8.069/90. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.§1.º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.§2.º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.

Artigo 119, Lei 8.069/90. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:I - promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;II - supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;IV - apresentar relatório do caso.

5.5 Regime de semiliberdade (artigos 112, V e 120, ECA)

É a internação em estabelecimento adequado com atividades externas e freqüência obrigatória à escola. Por isso que é “semiliberdade”.

Artigo 120, Lei 8.069/90. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.§1.º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.§2.º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.

Esta medida pode ser aplicada como medida sócio-educativa inicial ou como progressão da internação para a liberdade.

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Segundo julgados do STJ (RHC 25.248/PI, de 27 de abril de 2009), a medida de semiliberdade pode ser aplicada como medida inicial desde que a decisão judicial seja fundamentada de forma idônea. Isto significa demonstrar a necessidade concreta da medida desde o início. Vale dizer, no ECA vigora o princípio da excepcionalidade da restrição da liberdade do menor.

A medida de semiliberdade não tem prazo determinado (é decretada por prazo indeterminado).

5.6 Internação (artigos 112, VI, 121 a 125, ECA)

A internação só pode ser aplicada nas hipóteses taxativamente previstas nos incisos I a III do artigo 122, ECA.

Artigo 121, Lei 8.069/90. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.§1.º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.§2.º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.§3.º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.§4.º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.§5.º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.§6.º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.

Artigo 122, Lei 8.069/90. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa [por exemplo, roubo, estupro, extorsão etc.];II - por reiteração [não significa reincidência] no cometimento de outras infrações graves;III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta [por exemplo, descumprimento da semiliberdade].§1.º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses.§2.º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.

Segundo jurisprudência firmada do STJ, reiteração não significa reincidência. Assim, ela exige no mínimo a prática de três atos infracionais graves.

Imagine que o adolescente comete um ato infracional de tráfico transnacional de drogas pela primeira vez (500 kg de cocaína da Bolívia). O juiz pode aplicar internação?

Não! Isso porque não foi ato infracional cometido com violência ou grave ameaça, não houve reiteração no cometimento de outras infrações e não houve descumprimento de outra medida. O tráfico transnacional não se encaixa nas hipóteses do artigo 122, ECA!

A internação é medida breve e excepcional que não deve ser aplicada se houver outra medida mais adequada (artigos 121, caput e 122, §2.º, ECA). Nas hipóteses do artigo 122, o juiz não é obrigado a aplicar a internação: somente se não há outra medida mais adequada e menos gravosa ao infrator.

Prazo da internação

Nas hipóteses do artigo 122, I e II, ECA, a internação é decretada por prazo indeterminado, não podendo ultrapassar três anos e tem de ser revista a cada seis meses pelo menos.

Na hipótese do artigo 122, III, ECA, a medida de internação não pode ser superior a três meses.

Imagine o seguinte caso: o menor cometeu uma lesão dolosa leve, que é ato infracional cometido com violência. O juiz aplicou internação ao adolescente. Porém segundo o STJ, neste caso, deveria ser aplicada uma medida menos gravosa e mais adequada ao infrator, ante o princípio da excepcionalidade da restrição de liberdade do menor.

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Como visto anteriormente, no caso de concurso de atos infracionais, podem ser aplicadas várias medidas sócio-educativas. Contudo, o prazo máximo de três anos da internação é contado para cada ato infracional isoladamente (STJ, HC 99.565/RJ, de 07 de maio de 2009).

Por exemplo, o menor, de 15 anos, está respondendo por dois atos infracionais de roubo, e o juiz aplica medida de internação para os dois atos infracionais. Por quanto tempo ele pode ficar internado? Até 21 anos (máximo de três anos para um roubo e máximo de três anos para o outro roubo). E se for três roubos? Poderá ficar internado quantos anos? Até 21 anos somente, porque aqui ocorrerá a chamada liberação compulsória (artigo 121, §5.º, ECA).

O adolescente pode cumprir a medida de internação em cadeia pública, ou seja, em seção separada dos maiores, mas em cadeia pública? Não pode. O STJ já decidiu que a medida de internação não pode ser cumprida em nenhuma hipótese em cadeia pública ou estabelecimento para maiores, mesmo que em dependência ou ala separada dos maiores (aplicação do artigo 123, ECA).

Artigo 123, Lei 8.069/90. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas.

Aos 21 anos cessa a medida de internação. Não existe nenhuma medida para manter o adolescente internado?

Segundo o STJ, aos vinte e um anos cessa compulsoriamente a internação, não podendo o adolescente permanecer internado sob o argumento de que está recebendo tratamento psicológico ou psiquiátrico. Cessada a internação, se houver a necessidade de tratamento de tal espécie, deverá o MP adotar as medidas civis cabíveis (decisão de abril de 2009).

Além das medidas sócio-educativas, o juiz poderá aplicar as medidas de proteção do artigo 101, I a VI, ECA. Em outras palavras, não pode sofrer as medidas de proteção do artigo 101, VII e VIII4.

O MP pode aplicar medida sócio-educativa?

Não! Aplicação do disposto na Súmula 108, STJ. Somente o juiz pode aplicar medida sócio-educativa ao adolescente. O que o MP pode propor é remissão com medida sócio-educativa, mas isto depende de homologação judicial.

Súmula 108, STJ. A aplicação de medidas sócio-educativa ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.

6 Execução das medidas sócio-educativas

As medidas sócio-educativas aplicadas na sentença são fungíveis. Isto significa que durante a sua execução podem ser substituídas umas pelas outras. Há, portanto, progressão de medida sócio-educativa, que é a substituição de uma medida sócio-educativa mais grave por uma mais branda. Por exemplo, o juiz substitui a internação pela semiliberdade.

Existe, por outro lado, a regressão de medida sócio-educativa, que significa a substituição de uma medida sócio-educativa mais branda por outra mais severa. Mas atenção: a regressão só pode acontecer após prévia oitiva do infrator, sob pena da decisão de regressão ser nula. Aplicação da Súmula 265, STJ.

Súmula 265, STJ. É necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se a regressão da medida sócio-educativa.

A aplicação da regressão sem oitiva do menor gera uma decisão nula.

7 Medida cautelar de internação provisória

4 E também inciso IX, ante a nova redação do artigo 101, ECA, dada pela Lei 12.010/2009.

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A internação como medida sócio-educativa é aquela aplicada na sentença. Todavia, ela pode ser tida como medida cautelar (a única que o juiz poderá aplicar durante o procedimento de ato infracional é a internação provisória). Equivale à prisão preventiva no processo penal.

Não existe, vale dizer, prazo máximo para a prisão preventiva no processo penal. A internação provisória tem prazo máximo de 45 dias (artigo 108, ECA). Isto significa que o procedimento sócio-educativo deverá terminar em quarenta e cinco dias.

Artigo 108, Lei 8.069/90. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.

Salienta-se, novamente, que a internação provisória não pode ser cumprida em estabelecimentos prisionais, mas em estabelecimentos adequados para menores. Na prática, ocorre um problema: e se na cidade não tem um estabelecimento adequado?

Neste caso, o adolescente deve ser transferido para o estabelecimento de menores da cidade mais próxima, onde haja; podendo permanecer em delegacia ou repartição policial por até cinco dias para aguardar a transferência, sob pena de responsabilidade (artigo 185, ECA).

Artigo 185, Lei 8.069/90. A internação [inclusive a provisória], decretada ou mantida pela autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional.§1.º Inexistindo na comarca entidade com as características definidas no art. 123, o adolescente deverá ser imediatamente transferido para a localidade mais próxima.§2.º Sendo impossível a pronta transferência, o adolescente aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo máximo de cinco dias, sob pena de responsabilidade.

Se ultrapassar cinco dias, a ordem judicial torna-se ilegal e não poderá ser cumprida.

O prazo de 45 dias de internação provisória pode ser ultrapassado?

Decretada a prisão preventiva, o processo deve encerrar num prazo razoável. Muitas vezes, o excesso de prazo na prisão preventiva é justificado ante a complexidade do processo ou demora da defesa. Pode em alguma hipótese o prazo de internação provisória ultrapassar 45 dias, por exemplo, se o processo for complexo? Não. A jurisprudência do STJ afirma que o prazo de internação provisória em nenhuma hipótese pode ultrapassar 45 dias, por vedação expressa do artigo 108, ECA.

8 Prescrição de ato infracional

Existe ou não prescrição de ato infracional?

O ECA não tem nenhuma regra sobre prescrição de ato infracional. Diante disso, formaram-se duas correntes:

1.ª corrente : não existe prescrição de ato infracional, primeiro porque o ECA não prevê; e segundo porque medida sócio-educativa não é pena (como o próprio nome diz, é medida sócio-educativa). Não há que se falar em prescrição, visto que a finalidade não é punir e sim educar. Esta corrente é amplamente minoritária.

2.ª corrente : existe prescrição de ato infracional, porque embora a medida sócio-educativa não seja pena, no sentido técnico da palavra, ela tem caráter retributivo e repressivo (leia-se caráter punitivo). Aplica-se ao caso a Súmula 338, STJ.

Súmula 338, STJ. A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas.

O entendimento do STJ e do STF (STF, HC 88.788, Relator Min. Joaquim Barbosa, de 27 de junho de 2008) é que existe prescrição em ato infracional (a medida sócio-educativa prescreve). Como que se aplica a prescrição no ECA? Utilizando-se as regras sobre prescrição do CP. Portanto, a regra é a seguinte:

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A prescrição da pretensão punitiva do ato infracional regula-se pelo máximo da pena cominada ao crime ou contravenção penal ao qual corresponde o ato infracional. Por exemplo, um ato infracional de furto simples. A pena máxima do furto é de quatro anos. E a prescrição será de quatro anos.

A prescrição da pretensão executória regula-se pelo prazo da medida sócio-educativa aplicada na sentença.

E se a medida sócio-educativa for aplicada por prazo indeterminado na sentença? Como calcular a prescrição da pretensão executória? Com base no prazo máximo de internação, que é de três anos.

Em ambos os casos, tanto na prescrição da pretensão punitiva quanto na prescrição da pretensão executória, os prazos são reduzidos pela metade, ante a disposição do artigo 115, CP.

Artigo 115, CP. Redução dos prazos de prescrição. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.

Por exemplo, se a medida sócio-educativa for aplicada pelo prazo de seis meses, prescreve em um ano (prescreveria em dois anos, mas o prazo deve ser reduzido pela metade).

9 Recursos no procedimento de ato infracional

Utilizam-se os recursos previstos na lei processual civil e não lei processual penal. O professor vai falar disso na próxima aula.

AULA 02 – 12 de setembro de 2009

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