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    Augusto Pires Ordine

    MUSICALIZAO DE ADULTOS POR MEIO DA ATIVIDADE CORALAnlise comparativa de algumas prticas correntes

    Monografia apresentada ao Curso de LicenciaturaPlena em Educao Artstica Habilitao em Msicada UNI-RIO, como requisito para obteno do grau delicenciado em msica, sob a orientao do Prof. Dr.Jos Nunes Fernandes.

    Rio de Janeiro2005

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    ORDINE, A. P. Musicalizao de adultos por meio da atividade coral: anlise comparativa dealgumas prticas correntes. 2005. Monografia de fim de curso de Licenciatura plena emeducao artstica, habilitao em msica. Centro de Letras e Artes, Universidade Federal doEstado do Rio de Janeiro.

    RESUMO

    A presente monografia tem como objetivo analisar as prticas envolvendo musicalizao de corosadultos amadores, notadamente em empresas, onde o foco da atividade no tcnico-profissionalizante, mas antes recreativo e teraputico. Aps anlise de bibliografia referente aosprocessos de ensino de canto, bem como do ato de cantar em si, foram realizadas entrevistas comtrs maestros atuantes no mercado carioca de corais. As perguntas feitas referem-se a aspectosrelevantes da prtica coral, envolvendo a formao de cada um dos regentes entrevistados, bemcomo a qualificao da atividade como educativa, alm de questes envolvendo repertrio,arranjos, gestual do maestro, uso de instrumentos acompanhadores, uso de partitura e associaocom sentimentos. O objetivo da entrevista foi estabelecer comparao entre as respostas, a fim desintetizar determinadas prticas, investigando a possibilidade de tornar o processo demusicalizao mais consciente e ativo por parte dos coralistas. Da comparao das respostasforam aferidos certos elementos importantes para o sucesso da atividade.

    PALAVRAS-CHAVE: musicalizao atravs da atividade coral, coros adultos amadores

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    SUMRIO

    INTRODUO................................................................................................................................4

    CAPTULO 1 MUSICALIZAO DE COROS ADULTOS AMADORES ABORDAGEM

    INICIAL, OBJETIVOS, METODOLOGIA,

    JUSTIFICATIVA..................................................................................................7

    CAPTULO 2 O CANTO E SEU APRENDIZADO ASPECTOS

    TCNICOS.......................................................................................................11

    CAPTULO 3 ANLISE E COMPARAO DAS ENTREVISTAS ......................................15

    CONCLUSO...............................................................................................................................23

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...........................................................................................24

    ANEXO 1 TRANSCRIO DAS ENTREVISTAS

    REALIZADAS..........................................................................................................25

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    INTRODUO

    Minha iniciao musical comeou informalmente em casa. Eu e meu irmo fomos presenteados

    em certa comemorao com um teclado eltrico de duas oitavas da marca Hering, cujas teclas

    eram numeradas. Um livro acompanhava o brinquedo, contendo partituras de canes infantis

    e/ou natalinas (provavelmente o mercado do produto deveria aumentar no Natal), e sobre as notas

    estavam os nmeros correspondentes s teclas, possibilitando que a criana alfabetizada (mas

    no-musicalizada) tocasse as melodias. Aps certo tempo, comecei a escrever minhas prprias

    canes, rabiscadas em esparsos pedaos de papel cheios de nmeros, e sempre ampliando minha

    curiosidade sobre msica. A busca por explicaes (afinal, por que existia um D maior e outro

    menor, o que era bemol, entre outras) me inspirou a estudar, primeiro por conta prpria em

    livros da casa de minha av, passando pelo aprendizado de violo por conta prpria (com o

    auxlio das revistas com cifras e posies de mo desenhadas, que muito mostram e pouco

    explicam, em geral), at que finalmente convenci minha me a procurar uma escola de msica,

    quando contava quatorze anos. Aos quinze estava matriculado na Escola de Msica Villa-Lobos,

    no centro do Rio de Janeiro, onde iniciei o estudo formal de teoria, leitura e escrita musical. Logo

    no primeiro semestre, entre as matrias obrigatrias, os alunos tinham que freqentar o coral. Ali

    comeou efetivamente meu processo de musicalizao formal, com a regente Ana Maria

    Gonzlez mostrando na prtica tudo que descobramos e tentvamos aplicar nas outras aulas. O

    coral nessa poca (entre 1992 e 1995) teve vida agitada: acompanhvamos os festivais de banda

    que aconteciam no interior, com concertos em vrias cidades do Estado do Rio de Janeiro, alm

    de apresentaes em salas importantes, como Ceclia Meirelles ou Teatro Municipal. Tudo isso

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    com resultado musical interessante, ao menos para meus ouvidos na poca. No mesmo perodo

    continuei estudando violo por conta prpria, e piano com professores da escola de msica. Logo

    comecei a acompanhar a regente em outros ensaios, de corais de empresa, onde cantava por

    prazer; avaliando hoje, contudo, vejo que funcionava como uma espcie de monitor, cantando

    certo as linhas e inconscientemente ajudando no processo de musicalizao daquelas pessoas

    envolvidas.

    O vestibular e a necessidade de me entregar a uma atividade produtiva e reconhecida

    desviaram meu curso da msica por cerca de dois anos, quando segui apenas com o violo

    enquanto estudava Direito. Porm, a experincia que eu apresentava, alm da leitura adquirida,

    acabaram me conduzindo para trabalhos ligados msica vocal muitos deles remunerados.

    Aliado a isso, a curiosidade sobre os assuntos musicais, bem como o desejo de maior

    especializao tcnica, me conduziram a prestar vestibular para licenciatura na Uni-Rio. Mais

    adiante, quando comearam a surgir trabalhos fixos na rea, comecei estudos de regncia (com

    Carlos Alberto Figueiredo, na Pro Arte) e canto (com alguns professores, tanto populares como

    lricos), especializando ainda mais meus conhecimentos sobre o assunto. Hoje estou prestes a me

    graduar em licenciatura e regncia, e trabalho como monitor e assistente de maestro em alguns

    corais de empresa do Rio de Janeiro, alm de cantar em alguns gruposa cappella atuantes no

    meio coral-vocal carioca. Dedico-me tambm a escrever arranjos, no s para os grupos em que

    canto como tambm por encomenda.

    Tema diretamente ligado a alguns de meus trabalhos principais a musicalizao de adultos por

    meio da atividade coral. Por conta disso, na presente monografia pretendi investigar alguns

    aspectos desse assunto. No captulo 1 o leitor encontrar a problematizao do tema, bem como

    referncia aos aspectos metodolgicos, objetivos, justificativas, etc. No captulo 2 esto alguns

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    aspectos tcnicos, que se por um lado no fazem referncia diretamente atividade coral, por

    outro so pertinentes ao ato de cantar e aprender a cantar, bem como ao ato de musicalizao. No

    captulo 3 est a fonte principal de material deste trabalho: entrevistas com alguns dos mais

    destacados maestros atuantes do Rio de Janeiro (no todos, por razes bvias: uma monografia,

    no uma enciclopdia). L esto algumas prticas, idias e mesmo dvidas desses profissionais

    que se entregam a essa atividade. Por fim, no captulo 4, uma sntese e concluso do exposto.

    Importa ressaltar que, por ser uma monografia de fim de curso, este trabalho possui os limites

    formais que tal modelo impe. Possui ainda os limites materiais da minha prpria experincia,

    que conjugados s respostas da pesquisa pretendem acrescentar propostas para a atividade coral.

    Aos maestros que aceitaram dar seu depoimento to graciosa e amigavelmente, meu

    agradecimento.

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    CAPTULO 1 - MUSICALIZAO DE COROS ADULTOS AMADORES ABORDAGEM

    INICIAL, OBJETIVOS, METODOLOGIA, JUSTIFICATIVA

    Viver num pas que possui deficincias educacionais to profundas como o nosso, implica voltar

    nossos olhos para os atrasos impostos por decises erradas do passado. A crtica no pretende,

    contudo, apontar culpados histricos e absolver o presente, mas sim identificar hoje quais so os

    problemas principais em termos prticos na educao musical. Brasileiros viajando no exterior

    impressionam-se com a habilidade musical dos estrangeiros na capacidade de ler msica, por

    exemplo, ato singelo se comparado a toda uma educao musical que ns no temos. da

    observao de que boa parte da populao brasileira analfabeta musical, no sentido do

    desconhecimento tcnico e no em termos de apuro esttico, que surge a necessidade de correr

    atrs do tempo perdido e prover ferramentas para os indivduos, ampliando o nvel de

    informao mnima das pessoas. Conforme a mestra Violeta H. de Gainza (1988), em seu livro

    Estudos de Psicopedagogia Musical, musicalizar tornar um indivduo sensvel e receptivo ao

    fenmeno sonoro, promovendo nele, ao mesmo tempo, respostas de ndole musical. Depois de

    iniciado em msica, o homem por meio dela ultrapassaria barreiras expressivas, sensveis e

    psicolgicas no nvel mental.

    Dito isto, importa ressaltar que o pblico principal atual para um futuro mais informado so as

    crianas; com certeza elas so imprescindveis. Contudo, se os adultos no se imiscurem no

    processo, nunca ficar plenamente compreendida a necessidade da educao musical. Para que

    aprender notas, smbolos? Tal postura reitera nossa eterna vocao para o talento, assim mesmo

    entre aspas, pois nunca o estudo entra em cogitao, relegando a prtica musical em princpio

    queles que levam jeito para a coisa.

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    A atividade de cantar em conjunto possui um sem-nmero de fatores positivos de iniciao

    musical. A voz e o corpo so instrumentos democrticos e independentes da classe social ou

    econmica, cujo desenvolvimento guiado conduz internalizao de importantes conceitos

    musicais.

    A imagem do canto coral pode ser, contudo, diversa. A professora Maura Penna (1990), na parte

    III de seu livro Reavaliaes e buscas em musicalizao, apresenta crticas ao discurso que ala

    o cantar em grupo como forma privilegiada de musicalizao. Os benefcios advindos de tal

    atividade, como desenvolvimento da audio e percepo, socializao e outros, so refutados

    pela autora pela observao da prtica, em que os resultados demonstram m utilizao da voz e

    produto musical mal-feito. Para a autora, o coral caberia na escola especializada, e de forma

    facultativa. Realmente nossa tradio (lembrando Villa-Lobos e o canto orfenico), alm de

    constituir passado recente, continha imposies de repertrio, disciplina excessiva, um

    alargamento exagerado do pblico alvo. No porque a voz o instrumento presente em quase

    todos os indivduos que todos devam cantar. Contudo, um trabalho bem feito e guiado por um

    professor competente, sem presses polticas de musicalizao em massa e sem obrigatoriedade

    de abarcar toda uma coletividade (de uma escola, por exemplo), certamente trar bons resultados,

    como demonstram os diversos coros que se pode ouvir com resultados artsticos interessantes.

    Alm disso, o resultado geral e individual da simples exposio ao canto produz melhora

    significativa em termos de percepo musical, afinao, desenvolvimento do ouvido harmnico

    alm do meldico (conforme se ver a seguir).

    Por tudo isso, converte-se o canto coral em ferramenta apropriada para a musicalizao de

    adultos no musicalizados ou semi musicalizados entendidos estes ltimos como indivduos

    capazes de apreciar, porm no de produzir, criar. Some-se ainda o fato de que a atividade em

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    grupo traz conhecidos benefcios: aprendizado exemplificado, prtica associada com indivduos

    no mesmo nvel musical e aprendizado entre indivduos de nvel musical distinto, propiciando

    crescimento conjunto, entre outros.

    Apresentada ento a necessidade de educao musical, bem como a atividade coral como

    ferramenta factvel para musicalizao, cumpre-nos problematizar a questo a fim de justificar o

    trabalho de investigao. Da observao de trabalhos ao longo do tempo, possvel perceber que

    a atividade coral conduz a um processo de musicalizao informal. talvez a nica atividade

    musical onde o leigo recebe j no primeiro dia uma partitura nas mos, mesmo sem

    conhecimento tcnico-musical nenhum. Corais adultos amadores so exemplos de teoria

    constantemente aplicada prtica, mas o aprendizado normalmente passivo, no sentido de que

    as pessoas no criam conscincia da atividade que executam, elas muitas vezes apenas executam.

    O objetivo da investigao desta monografia dirigiu-se no intuito de verificar a existncia de um

    ponto onde as pessoas possam adquirir autonomia para se movimentarem musicalmente; uma

    prtica capaz de prover adultos no musicalizados de ferramentas que lhes permitam auto-

    suficincia no desenvolvimento da atividade musical. Tais ferramentas no impem que o ensaio

    do coral se transforme numa aula de percepo musical, ou numa aula de canto em grupo.

    Tambm no significa que as pessoas devam se profissionalizar, tendo-se em vista que para

    muitas a atividade secundria e tem carter recreativo, ou mesmo teraputico. A tentativa de

    ampliar as possibilidades de resposta das pessoas, as alternativas de navegao dentro da

    atividade, as opes de buscar mais informao tendo uma base melhor.

    O presente trabalho pretende juntar-se a outras tentativas de acrescentar informaes ao tema. A

    opo metodolgica consistiu na construo de um questionrio dirigido a alguns regentes

    atuantes no mercado, a fim de observar suas prticas mais correntes, elaborando uma comparao

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    e sntese no final que espero acrescentar elementos de discusso ao assunto. Para que as

    opinies no se percam sem referencial terico, importa repassar alguns elementos tcnicos,

    referentes ao canto e seu aprendizado, presentes no captulo a seguir.

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    CAPTULO 2 - O CANTO E SEU APRENDIZADO ASPECTOS TCNICOS

    O ensino de canto visto por muitos professores - da rea ou no como ferramenta propiciadora

    de desenvolvimento do potencial do ser humano, para alm da pura tcnica vocal. Ware (1998)

    cita o fato de como alunos guiados por professores competentes, dinmicos e holisticamente

    orientados tendem a experimentar desenvolvimento pessoal junto com melhoria vocal. Por isso,

    muitos pedagogos acreditam que o estudo da voz dos melhores cursos de desenvolvimento

    pessoal que um indivduo pode ter. Alm disso, uma atividade em que o indivduo normalmente

    seu melhor professor, sendo o mtodo de tentativa e erro (guiado por um professor) a melhor

    maneira de se atingir bons resultados. A tendncia esperada com o passar do tempo que

    aumente a conscincia e responsabilidade do aluno conforme diminui o papel do professor.

    Entretanto, o ato de cantar representa um processo psicomotor que envolve uma complexa

    coordenao de msculos, cartilagens, tecidos, respirao, percepo, memria, entre outras

    coisas. Para algumas pessoas, tal processo ocorre naturalmente, quase que inconscientemente

    o indivduo canta bem e pronto. Para outras, contudo, o assunto parecer sempre nebuloso, e o

    ato de cantar quase sempre um mistrio.

    Duas partes merecem ser separadas aqui: de um lado a tcnica vocal, de outro a teoria musical.

    Ambas so ferramentas para a produo do fenmeno sonoro, mas devem ser separadas

    didaticamente - a tcnica vocal mais ligada ao processo psicomotor do canto, e a teoria musical

    relacionada parte psicolgica, de raciocnio e entendimento. No processo coral, as duas partes

    esto envolvidas e embaralhadas, porque ambas se expressam no resultado final: o canto coletivo.

    Alguns alunos tm dificuldades de tcnica vocal (fsicas e/ou psicolgicas) e deficincias de

    teoria musical que por vezes os impedem de produzir os sons que desejam. Saliente-se que as

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    deficincias de teoria musical no significam apenas no saber ler msica, mas sim na prtica

    desconhecer conceitos como pulso, altura, durao do som e diviso do tempo - habilidades que

    parecem adquiridas naturalmente por alguns, mas que na verdade representam processos

    intelectivos j realizados por algumas pessoas e por outras no.

    No estudo dos problemas e questes que envolvem o ato de cantar, podem-se relacionar certos

    parmetros de produo sonora. Phillips (1996) refere-se a problemas que envolvem:

    1) a percepo da altura, ou seja, a decodificao da afinao;

    2) a memria tonal, que representa a lembrana das notas e da afinao;

    3) a coordenao vocal.

    Com relao percepo equivocada da altura, encontram-se causas fsicas ou psicolgicas. As

    fsicas so encontradas em menor intensidade e so resolvidas ou melhoradas pelo uso de

    aparelhos auditivos, de qualquer maneira sempre com orientao mdica. As psicolgicas podem

    ter uma srie de fatores, entre as quais o autor cita a ateno afinao, o modo de ensinar, entre

    outras.

    No que se refere memria tonal, o estudante deve ser capaz de lembrar o que ouviu.

    Normalmente os alunos deficientes neste quesito o so tambm na percepo da altura. A

    memria tonal parece ser afetada pela idade e pela quantidade de material a ser lembrado num

    dado momento - crianas e pessoas idosas, por processos distintos, costumam ter a memria

    diminuda, e sabido tambm que a memria tonal decresce conforme o comprimento de padres

    a serem lembrados cresce. Alm disso, da mesma maneira que percebemos o sentido do discurso

    pelo conjunto de palavras numa frase, entendemos o discurso musical pelo conjunto das notas.

    Para ampliar a memria tonal, jogos como repetio de padres so bem-vindos. Cantar sem

    receber a afinao antes tambm bom, pois obriga o estudante a pensar na altura antes. Importa

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    ressaltar ainda a importncia da repetio de pequenos trechos para o aprendizado, antes de

    montar-se o resultado final.

    Finalmente, no que tange coordenao vocal, cumpre lembrar que cantar uma habilidade

    psicomotora no s o som precisa ser percebido psicologicamente, como tambm necessita ser

    produzido vocalmente. O processo fsico envolve a coordenao das pregas vocais (localizadas

    na laringe), respirao, ressonadores (faringe e boca, por exemplo) e articuladores (lngua, dentes,

    mandbula e lbios, por exemplo). Os primeiros estudos sobre correo de afinao mostravam

    que os problemas apontavam para deficincias de percepo e memria tonal. Contudo, estudos

    posteriores demonstraram que alunos que praticavam mais a parte mecnica apresentavam

    melhorias, como aumento da tessitura, por exemplo, sugerindo que a origem do problema da

    afinao poderia envolver controle vocal.

    Phillips (1996) afirma ainda que aprender desenvolvimento de habilidades trata-se de aquisio

    de domnio psicomotor domnio este que procede diretamente da atividade mental. O

    aprendizado musical apia-se bastante no aprendizado psicomotor, que combinado resposta

    psicolgica resulta num tipo de performance. Passo a passo, o autor estabelece quatro degraus

    para ensinar um processo psicomotor:

    1) o professor oferece um modelo ou estmulo;

    2) o estudante percebe e decodifica o modelo;

    3) o estudante imita o modelo;

    4) o estudante analisa seu prprio esforo.

    Dentro deste processo de aprendizado, impende destacar a importncia do aspecto emocional -

    por exemplo, meninos que no querem cantar porque acham que se trata de atividade feminina.

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    Ou seja, desinteresse e pouco esforo nas tentativas de realizao por razes no ligadas

    diretamente psicomotricidade envolvida.

    Essa parte relativa psicomotricidade inerente ao ato de cantar oferece classificaes que

    clarificam o processo e solues para problemas. No contexto desta monografia, coros adultos

    no musicalizados ou informalmente musicalizados, vamos observar contudo uma prxis que

    se abstm de julgamentos relativos ao ato de cantar e afinao. Outros valores bsicos so

    oferecidos e suavemente exigidos dos cantores, tendo-se em vista a busca pelo entretenimento

    que faz parte da atividade neste contexto. Como mencionado por muitos profissionais da rea, o

    objetivo no criar dor de cabea para ningum, muito pelo contrrio. Por conta disso, o padro

    de exigncia adotado costuma depender muito da resposta dos cantores, podendo ser alto ou

    baixo em funo tambm da capacidade do maestro de estimular as pessoas.

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    CAPTULO 3 ANLISE E COMPARAO DAS ENTREVISTAS

    Com o intuito de investigar a prtica cotidiana, tanto em termos de anlise de arranjos, ou anlise

    de repertrio, quanto em termos de discusso de suas especificidades, fez-se a opo

    metodolgica, neste trabalho, de realizar entrevistas. Investigar o que alguns profissionais

    atuantes neste momento pensam a respeito de sua atividade, como avaliam sua atuao, que

    ferramentas utilizam - e da comparao das prticas, chegar a algumas concluses. As questes

    foram propostas a trs regentes trabalhando no momento com coros adultos de amadores Paulo

    Malaguti Pauleira, Zeca Rodrigues e Malu Cooper. Grande parte dos coros em que eles

    trabalham constitui-se em ambientes de trabalho, mas alguns representam iniciativas

    independentes. A escolha dos maestros levou em conta a proximidade com o entrevistador, a

    facilidade de obteno de material, bem como o sucesso que eles experimentam em seus

    trabalhos. Apesar da entrevista ter se restringido a trs maestros, isso significa mais de dez coros

    trabalhados.

    As questes aventadas para a entrevista s se mantiveram quando suas presenas fossem

    justificadas, em termos de relevncia com o objetivo proposto. So elas, com suas justificativas:

    1 - Qual a sua formao?

    Para alm da bvia necessidade de conhecer as qualificaes do profissional, importante

    conhecer a formao porque muito do que aprendemos vem da imitao da experincia pessoal

    anterior de aprendizado. Os regentes entrevistados foram direcionados no sentido de separar o

    ensino recebido em formal e informal, na tentativa de vislumbrar tal separao em sua prpria

    atuao. Alm disso, quanto mais tempo de experincia profissional, mais surgem exemplos de

    aprendizado prtico com a transformao do conhecimento do prprio maestro.

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    2 - Voc considera o ensaio uma aula, voc considera coral educativo?

    Alguns maestros apresentam formao no direcionada para a docncia, e importa investigar at

    que ponto a conscincia e a intencionalidade interferem positivamente no processo de mudana

    do padro qualitativo musical nas pessoas, mudana esta proporcionada pela atividade coral. Ou

    seja, saber se aquele profissional atuante se considera um professor, e sua atuao na prtica.

    3 - O instrumento normalmente temperado, a voz no. O uso de voz guia (tocada ou gravada)

    ou harmonia, usar instrumentos para passar voz, qual sua prtica/ avaliao nisso?

    Esta questo se justifica para mostrar a forma de abordagem dos maestros no ponto que

    representa a grande dificuldade da atividade, pois toca diretamente a questo da afinao. Esta

    representa elemento imprescindvel para realizao da atividade, e a tcnica vocal contempornea

    parece quase em sua totalidade rendida ao uso de instrumentos, cuja representao de

    possibilidades e timbres musicais possui especificidades e caractersticas prprias no

    necessariamente encontradas na voz. relevante saber at que ponto os instrumentos ajudam a

    afinao. Sobreira (2002), ao citar classificao de cantores desafinados, entende que alguns tipos

    podem ter no acompanhamento instrumental um empecilho; por exemplo, desafinados que no

    percebem seus erros, ou ainda o caso de cantores que no ouvem inteligivelmente a harmonia,

    caso em que o instrumento acompanhador pode provocar a desafinao. Outro aspecto importante

    do uso de instrumentos a influncia que eles exercem sobre as melodias. Paz (2002) refere-se

    importncia dos instrumentos na formao do universo referencial meldico, ao citar caso do

    folclore gacho relativo a transformao de melodias em virtude da gaita, instrumento incapaz de

    cromatismos e restrito aos acordes do I, IV e V graus da escala maior.

    4 - Repertrio - popular ou erudito, a escolha dos coralistas ou do maestro, fale sobre o assunto.

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    Quase um lugar comum na sala de aula, a questo do repertrio importante porque assinala a

    influncia dos cantores, do maestro, de eventuais responsveis e coordenadores de coral a

    respeito do que ser cantado. No caso do coro de empresa, a influncia da expectativa com o

    resultado do trabalho associada imagem da empresa, e o papel do regente como responsvel por

    levar e ensinar a msica.

    5 - Influncia do gestual do maestro na didtica, e influncia do movimento corporal dos

    cantores no aprendizado. importante a associao?

    Este ponto possui dois aspectos envolvendo a questo do movimento. O primeiro deles representa

    um aprofundamento da pesquisa relativa formao do regente, no que diz respeito

    especializao tcnica com regncia. Procura traar a relevncia dada pelos profissionais a este

    aspecto, e determinar sua rea de influncia dentro da atividade. O segundo aspecto desloca o

    foco da questo do movimento, tirando-o do regente para os cantores, dentro da perspectiva de

    que o ato de cantar envolve o corpo como um todo. Conforme Coelho (1994), trata-se de

    conceituar a voz como resultado sonoro-cultural, proveniente de um corpo fisicamente sadio e

    psicologicamente equilibrado.

    6 - Deve haver associao com sentimentos na atividade, o coro deve ser alegre, triste,

    educativo, srio?

    Esta questo envolve o prprio objetivo da atividade, seu carter recreativo, teraputico,

    educativo musical. Mais ainda, diz respeito expresso artstica a ser incentivada, ao elemento

    emocional presente nas pessoas e na atividade.

    7 - Qual tipo de arranjo deve ser trabalhado, de maneira que as pessoas apreendam a

    informao musical, adquiram uma noo dos parmetros musicais, altura, timbre, ritmo, etc?

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    O arranjo consubstanciado na partitura representa a parte tcnica, de teoria musical, que chega at

    os cantores. Importa saber restries para amadores, dificuldades e facilitadores. Dos trs

    regentes entrevistados, dois so conhecidos arranjadores do meio vocal carioca, mas a parte isso

    os trs escrevem para seus grupos. Existe uma prtica comum de regentes aproveitarem arranjos

    j escritos e levarem para seus grupos, s vezes sem muita considerao no que tange a

    especificidades do arranjo, como tessitura, por exemplo. Esta questo aproveita que no caso tem-

    se regentes arranjadores para pesquisar sua prtica na escrita e tambm nos arranjos levados para

    o coral, com relatos de alguns aspectos de tcnica de arranjo envolvidos no processo de ensinar

    uma msica para amadores.

    8 - Voc acha importante a partitura?

    Esta questo se impe pela prtica cotidiana do coro, em que leigos e pessoas no musicalizadas

    so confrontados pela partitura. uma situao curiosa ter um coro de mais de vinte pessoas que

    no lem e todas com partitura na mo, quase uma musicalizao a fora, porm inconsciente.

    Como matria prima fundamental de muitos ensaios de coro, a partitura, como concretizao do

    arranjo de uma msica do repertrio, um smbolo que merece discusso mesmo num meio no

    profissional, como baluarte tcnico dentro atividade aplicada a leigos.

    O procedimento nas entrevistas foi sempre igual: visitei os regentes em ambiente domstico,

    gravei suas respostas e depois as transcrevi. A transcrio foi enviada para eles para eventuais

    correes, reavaliaes, etc. Foi mantido o carter informal da resposta oral, a fim de manter a

    fidelidade ao procedimento seguido. As entrevistas esto no anexo 1, na ordem cronolgica em

    que foram realizadas, com as perguntas repetidas a fim de facilitar a leitura.

    Analisando comparativamente as respostas dos maestros, percebemos tanto pontos em comum

    quanto propostas divergentes.

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    Com relao formao, percebe-se que existe um alto grau de informalidade na aquisio de

    conhecimentos. Embora os entrevistados sejam detentores de currculos experientes, com muitos

    trabalhos e cursos ao longo do tempo, a parte referente titulao acadmica no ocupa espao

    considervel, sendo que Malu Cooper e Zeca Rodrigues investem atualmente em estudo formal

    de regncia com vistas a aprimoramento tcnico. Parece ento que o trabalho de msico, dada a

    sua incerteza, vai provocar a procura por aquisio de conhecimentos a partir de seu surgimento.

    De qualquer maneira, combinando a formao dos regentes com algumas de suas outras respostas

    mais referentes parte tcnica, v-se que tal formao mais focada na experincia contribui no

    cotidiano dos ensaios, onde prevalece a informalidade, como se percebe no comentrio de Malu

    Cooper: j aconteceu deles ficarem to entusiasmados com o que estavam vendo na partitura

    que pediam aulas de teoria, mas essa no a proposta inicial e nem todas as pessoas vo ter a

    mesma reao, conforme Zeca: ... aproveito a coisa dos graus nas msicas trabalhadas, tipo a

    msica tal comea no cinco, enfim, muitos cantores voam, mas um ou dois pegam, voc comea

    a dar uma noo para os caras.

    Com relao considerao da atividade como educativa, os entrevistados foram unnimes em

    admitir o perfil educacional. A aplicao da teoria na prtica, mesmo que as pessoas no estejam

    recebendo a teoria formalmente, foi um aspecto importante assinalado. A princpio a pergunta

    referia-se apenas a questes musicais, mas as respostas foram mais abrangentes, ampliando o

    termo educativo. Tem um outro lado da questo educativa, no s musical, que de trabalhar o

    coletivo, trabalhar com o outro, generosidade, coletividade, pacincia... (Malu Cooper). Isso se

    enquadra no perfil mais holstico que os entrevistados demonstraram ter, no sentido de entender a

    atividade coral no s como musical, mas quase como humanitria, envolvendo no s o fazer

    artstico como tambm a mudana pessoal por meio da prtica coletiva.

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    Na parte referente ao uso de instrumentos acompanhadores, observamos algumas opinies

    parecidas e prticas nem tanto. No ensaio todos usam instrumentos para passar as vozes,

    notadamente o teclado. Mas as prticas mudam conforme o regente: cantar junto com o teclado

    tocando a melodia (todos), cantar junto mas s com a harmonia (Paulo Malaguti), gravar as vozes

    e mandar por e-mail (Zeca Rodrigues), usar monitores de naipe cantando junto o tempo inteiro

    (Paulo Malaguti), so variadas as formas de ensinar melodias. Mas todos salientaram a

    importncia do instrumento acompanhador mesmo que no o tempo inteiro na aquisio da

    afinao, mesmo que depois esta conquista seja mantida e ampliada com treinamentos a cappella.

    Conforme Paulo Malaguti, referindo-se ao canto a cappella, ... para os coralistas... [trata-se de]

    ...um estranhamento mais profundo. Mas para passar as vozes, para passar os arranjos, eu fao

    uso o teclado. No caso da manuteno de canes a cappella, a questo da tcnica vocal aparece

    marcante: ... cantar sem acompanhamento passa muito pela questo da tcnica vocal tambm,

    para que a pessoa saiba manusear bem esse instrumento que o corpo dela, que a voz dela

    (Malu Cooper).

    A questo do repertrio demonstrou o predomnio existente do popular sobre o erudito. Embora

    em algum momento todos os entrevistados tenham tido ou ainda tenham - contato com msica

    erudita, o pronunciamento unnime foi no sentido de mais liberdade para usar o repertrio

    popular - alm da proximidade com o pblico alvo. Zeca Rodrigues e Paulo Malaguti trabalham

    um pouco com repertrio erudito, mas em grupos especficos. Com relao escolha do

    repertrio, opinies divergentes parte aceitando sugestes com mais liberalidade, outra parte

    com menos, mas todos com o limite determinado pelo gosto pessoal. difcil aceitar trabalhar

    uma msica de que no se gosta. Vejamos a fala de Malu Cooper: Se as pessoas resolverem

    fazer uma msica que eu tenho pavor eu no consigo, no tem como fazer a msica de uma forma

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    legal, ainda mais se tiver que fazer arranjo. E a questo da originalidade como elemento

    importante tambm foi explicitada tanto por Paulo Malaguti (Procuro uma msica que fique boa

    para coro, para vozes e que nunca tenha sido feita antes, normalmente a escolha se baseia nisso)

    quanto por Zeca Rodrigues (Algumas coisas massificadas demais, eu prefiro no fazer, mais

    legal fazer as coisas que no tocam, at uma opo mais cultural, de incentivo.).

    No que concerne ao movimento aplicado prtica vocal, o gestual do maestro e o movimento

    como agente facilitador do aprendizado dos coralistas, as respostas foram no sentido da

    importncia do gesto para a assimilao de conceitos. Os regentes entrevistados investem no

    treinamento dos coralistas.

    Eu gosto de exercitar o coro, no TCE, por exemplo, s vezes pego uma nota s e vou regendo,

    fao variao de dinmica,stacatto, chamo algum para ficar de regente... (Zeca Rodrigues).

    Para que eles entendam e respondam de forma inteligvel s diferentes nuances que o gesto pode

    traduzir em diferentes momentos. Tal gesto no , necessariamente, o mais tcnico possvel, mas

    ser o mais apropriado, o mais musical possvel na comunicao entre o regente e os coralistas.

    No que tange associao com sentimentos, foi explicitado o aspecto recreativo mas tambm

    humanstico da atividade. O trato com as emoes das pessoas, o equilbrio que a atividade

    coletiva exige, e ao mesmo tempo a seriedade que perpassa todo o trabalho Como afirma Zeca

    Rodrigues: ...chega no final do ensaio todos saem felizes, com a sensao de aproveitamento do

    tempo, com diverso e aprendendo algo, fizemos um trabalho. A dificuldade desse aspecto

    reside no fato de o regente precisar se transformar em animador, piadista, condutor, terapeuta,

    msico, platia ( conforme Malu Cooper, Voc est lidando com a emoo de vrias pessoas,

    com as suas prprias, mas sempre com um objetivo muito claro, que fazer canto coral, fazer

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    msica dessa forma.). A dinmica do ensaio e do trabalho como um todo vai depender muito

    dessa versatilidade que o maestro tem que apresentar.

    Com relao aos arranjos, foi interessante observar o surgimento de novos trabalhos, especficos

    para os grupos, o que enfatiza o aspecto educativo-musical por meio das melodias escritas, por

    exemplo, para aquele naipe particular, ou para aquele grupo que tem s um naipe de homens,

    ainda que momentaneamente. Paulo Malaguti e Malu Cooper comentaram dificuldades parecidas,

    relativas ao ensino de vozes paralelas para iniciantes, difcil fazer aquela tercinha, nem todo

    mundo tem (...) essa compreenso. (Paulo Malaguti) e foi citada tambm a importncia de

    estabelecer limites para o uso inteligente da tessitura dos naipes. Os trs regentes entrevistados

    escrevem para seus grupos. importante que o msico mais prximo daquelas pessoas, que as

    conhece melhor, realmente trabalhe especificamente para aquelas vozes, a fim de promover o

    melhor resultado possvel, combatendo o hbito por vezes pernicioso de pegar partituras sem uma

    anlise mais profunda e sem adaptaes necessrias e usar no prprio coro.

    Finalmente, com relao ao uso da partitura, a resposta foi unnime, todos usam e consideram

    importante (Paulo Malaguti: Muito importante ter partitura, o coralista vai criar referncias para

    aprender.; Malu Cooper: Acho fundamental, tem o lado educativo da educao musical...;

    Zeca Rodrigues: Acho muito importante ter a partitura, pois os cantores vo fazer associaes

    bvias mesmo que no saibam exatamente o que est acontecendo, por intuio.). relevante

    citar aqui novamente essa caracterstica peculiar da atividade coral: o indivduo chega sem saber

    nada de msica e recebe nas mos uma partitura para cantar. Mas a prtica conduz superao de

    medos e barreiras, e finalmente familiarizao com conceitos, ainda que no verbalizados. Os

    regentes entrevistados trabalham com a partitura como ferramenta, normalmente primeiro com a

    letra at chegar questo dos movimentos ascendentes e descendentes, padres rtmicos, etc.

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    CONCLUSO

    A atividade coral efetiva na exposio dos indivduos participantes a elementos de teoria

    musical. Essa uma realidade inerente ao processo, contudo ainda um pouco inconsciente no que

    diz respeito s ferramentas para transformar tal exposio em aprendizado aprendizado este

    entendido como mudana qualitativa em termos de conhecimento e nas possibilidades de

    transform-lo ativamente. A distncia entre a teoria e a prtica, entre os caminhos propostos nos

    livros e a realidade ainda razovel. Conforme se observa nas prticas dos maestros

    entrevistados neste trabalho, a construo dos conceitos que vo guiar a prtica feita

    cotidianamente, mudando em funo da experincia particular. Contudo, a partir do conjunto das

    experincias particulares, pode-se estabelecer uma prxis comum atividade coral neste

    momento destes profissionais. O uso constante da partitura, a preocupao com o treinamento

    mais efetivo dos cantores, bem como as ferramentas que o computador proporciona

    principalmente com relao a programas de edio de partituras, que tambm tocam a msica

    fazem crer que cada vez mais ser ampliada a escala de conhecimentos dos cantores, favorecendo

    com certeza o trabalho de educao musical das pessoas envolvidas. Quanto maior o nmero de

    conceitos e conhecimentos internalizados, maiores com certeza as ferramentas de navegao pelo

    universo musical, franqueando maior a autonomia a estes indivduos.

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    6 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    WARE, C.Basics of vocal pedagogy : the foundations and process of singing. Minnesota:McGraw-Hill, 1998.PHILLIPS, K. H.Teaching kids to sing . New York: Schirmer Books, 1996.SOBREIRA, S.Desafinao Vocal . Rio de Janeiro, Enfoc Fashion grfica editora LTDA, 2002.PAZ, E. A.O modalismo na msica brasileira . Braslia: Editora Musimed, 2002.COELHO, H. W.Tcnica vocal para coros . 4ed. So Leopoldo, RS: Sinodal, 1994.GAINZA, V. H.Estudos de Psicopedagogia Musical . So Paulo: Summus, 1988.PENNA, M.Reavaliaes e buscas em musicalizao . So Paulo: Loyola, 1990.

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    ANEXO 1 TRANSCRIO DAS ENTREVISTAS REALIZADAS

    Transcrio da entrevista com Paulo Malaguti, realizada em 01/12/2005.

    1 - Qual a sua formao?

    Iniciei estudos de piano aos 6, 7 anos at uns 13 anos, piano clssico, formal, bem ortodoxo, de

    uma certa forma, e isso que me abriu o primeiro caminho pra msica. Mas num dado momento eu

    cansei da aula e da professora, dona Belmira Frazo e coincidentemente comecei a ir ao piano pra

    tirar coisa de ouvido, vi certas pessoas tocando de ouvido, aquilo me fascinou, tocando

    especialmente Beatles, msica popular, que eu gostava muito, e a resolvi assim, fui procurar o

    piano dentro dessa perspectiva. Minha me me levou pra Pro Arte, pra estudar com o Homero

    (Magalhes), e na Pro Arte encontrei meus mestres bsicos. Comecei estudando instrumento com

    o Homero Magalhes, pianista e professor de piano, especializado em msica erudita, acho que

    Beethoven, mas ele se prontificou a me ensinar jazz, pq ele tinha um livro que achou que poderia

    me ensinar. Na verdade ele me ensinou no o jazz, mas a msica, me abriu as portas do meu

    ouvido, elogiava muito minha percepo, que era muito aguada, ele achava, me encaminhou pro

    coral e passei a ter aula de teoria primeiro com a Felcia Wang e depois com o Carlos Alberto

    Figueiredo, que virou meu mestre, meu amigo. Com o Carlos Alberto, e atravs do coro se abriu

    um mundo da msica pra mim, de amigos, de pessoas interessantes, era um coro muito dinmico

    regido pelo Jaquinho Morelembaum, a gente teve uma trajetria brilhante, dentro de uma postura

    que eu adoto at hoje de cantar msica popular, msica erudita, tudo com postura informal, vozes

    brancas, mas tinha uma atitude que eu at aprendi com o Jaquinho provavelmente e eu cultivo

    isso at hoje nos meus coros. Mas essas coisas me abriram o caminho da msica. Ento

    formalmente Carlos Alberto Figueiredo me ensinou teoria, percepo e algumas noes de

    regncia, fiz alguns pequenos cursos com o Koellreuter, fiz algumas outras coisas na Pro Arte,

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    mas formalmente eu s fui estudar mesmo nos Estados Unidos, no ano de 86 eu fui pra l e fiz

    um curso chamado Third Stream, hoje chamado Contemporary Improvisation. Third Stream um

    negcio inventado por um grande compositor americano, musicista, historiador, um cara muito

    importante pra cultura americana chamado Gunther Schuller, um cara que tem vrios livros sobre

    msica afro americana, sobre jazz, sobre essas origens disso, mas ele tambm compositor de

    msica contempornea, tocou em alguns discos do Miles Davis, tocava em orquestra, ento ele

    gravitava num meio termo entre msica erudita e popular e inventou essa Third Stream, acho que

    s na New England ensinava isso. Era onde eu sentia que me situava, eu atravs de coro e

    regncia tive contato com a msica clssica, erudita, os perodos todos, os grandes compositores,

    mas eu tinha fascnio pela msica popular, e tinha vivncia atravs dos meus trabalhos e da

    minha paixo. L pude me dedicar ao piano, tenho impresso que a maior contribuio do meu

    estudo nos EUA foi no instrumento, me dediquei mais composio, fui pra l por causa da

    composio, por causa disso, mas curiosamente o tipo de estudo l era muito, muito baseado na

    percepo, coisa que j cultivava mas ali foi que, com o incentivo, com aquele formato, eu pude

    ir fundo tanto no instrumento quanto na composio atravs da percepo, que significa ouvir

    msicas de vrias culturas, vrias coisas e copiar aquilo e transformar aquilo atravs do

    instrumento, da composio. Tive um pouco de regncia tambm l, na parte de coral o coro da

    escola era muito careta, muito formal, muito lrico, aquilo me incomodou muito, na verdade foi

    por um lado legal porque minha parte de instrumentista e de compositor foi trabalhada. Acho que

    minha formao fica por a.

    2 - Voc considera o ensaio uma aula, voc considera coral educativo?

    Considero, considero completamente, eu acho coral falei isso mil vezes pras pessoas que

    trabalham comigo, no chamo de alunos porque no so exatamente alunos mas eu acho coral a

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    prtica da teoria, o cara que estuda teoria e vai cantar no coral v ali na frente dele tudo que ele

    aprendeu, e vai praticar aquilo. Acho que no existe aprendizado melhor do que esse, ali ao vivo.

    Tanto a entonao, a afinao, o solfejo, quanto o ritmo, a prpria harmonia, essas coisas todas o

    coro fornece. Acho que todo msico deveria fazer coral, todo msico deveria cantar, fazer uso da

    voz e no meu estudo na New England tnhamos todos que cantar as melodias, todo mundo, o

    baterista, o flautista, pianista, o que fosse, antes de passar pro instrumento tinha que cantar uma

    msica japonesa, uma indiana, etc. Para o ouvido no tem coisa mais forte do que isso, a

    percepo, cantar, uma vez que voc canta, assobia uma melodia, aquilo fica introjetado de uma

    maneira que no sai mais, e acho que o coral engloba todas essas questes.

    3 - O instrumento normalmente temperado, a voz no. O uso de voz guia (tocada ou gravada)

    ou harmonia, usar instrumentos para passar voz, qual sua prtica/ avaliao nisso?

    Tem um estudo maravilhoso sobre isso de um brasileiro que mora na Inglaterra, falando das

    diferenas do temperamento da voz humana e dos instrumentos, do teclado por exemplo - a

    sugesto dele era no usar instrumentos temperados para passar voz. Acontece que uma

    ferramenta muito, muito eficiente para o leigo, eu volta e meia [na prtica coral] tenho que tocar a

    harmonia junto, apesar de eu ser at dos poucos desses corais de empresa que se mantm fazendo

    corais a cappella. Todos os lugares que a gente vai todos os corais tm acompanhamento

    harmnico, mas os meus coros no. Tem um que possui pianista, mas os outros todos eu

    mantenho a cappella, uma coisa meio purista minha, acho bonito, uma coisa de certa forma

    herica (risos). Mas acho bonito coro a cappella, as vozes sem influncia externa, embora para os

    coralistas seja um estranhamento mais profundo. Mas para passar as vozes, para passar os

    arranjos, eu fao uso o teclado.

    4 Repertrio - popular ou erudito, a escolha dos coralistas ou do maestro, fale sobre o assunto.

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    Bom, eu me considero especialista em msica popular, at mais especialista ainda em msica

    popular para coral, para vozes. Eu trabalho com isso h muito anos (cerca de 30 anos), lidando

    com o Cu da Boca, ou com coral amador, agora com o Arranco, enfim... Eu procuro escolher

    dentro da msica popular elementos originais, procuro ser original na escolha, porque ns vemos

    muitos clichs. Procuro uma msica que fique boa para coro, para vozes e que nunca tenha sido

    feita antes, normalmente a escolha se baseia nisso. Acho difcil, por exemplo, cantar alemo com

    coro amador, alis com coro profissional tambm, brasileiro cantando alemo difcil, aquele

    repertrio maravilhoso dos romnicos, ou Bach, o Barroco, ou Mozart em alemo, enfim, a

    questo da lngua uma complicao. E tambm a msica popular permite que eu faa os meus

    prprios arranjos para os meus coros, um conhecimento, uma ferramenta. difcil encontrar um

    arranjo bem escrito, simples de ser cantado e de msica popular. So ento vrias as coisas em

    que eu acabei me especializando optando por msica popular, no s a escolha das msicas, mas

    tambm o fazer os arranjos para o coro que estou trabalhando - isso d uma personalidade para o

    coro, uma coisa que foi feita para eles, afinal eu conheo para quem estou escrevendo. E tambm

    bem escrito, contraponto bem feito, e simples de ser cantado, isso o mais difcil de ser feito -

    por isso minha opo por popular. At tenho um coro que estou pensando em cantar peas

    eruditas, mas voltado a sua pergunta, para as pessoas, para o leigo em geral, muito mais simples

    cantar msica popular, cantar as canes que eles conhecem, isso cria uma cumplicidade, uma

    empatia imediata, e realmente tenho feito mais uso disso que da msica erudita, que tem muitas

    barreiras a serem transpostas pelo leigo.

    5 - Influncia do gestual do maestro na didtica, e influncia do movimento corporal dos

    cantores no aprendizado. importante a associao?

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    Sem dvida, o regente tem que transpirar musicalidade para as pessoas. Acabei de ver um

    exemplo negativo disso [nomes em sigilo por questes ticas], um trabalho maravilhoso que fica

    no plano didtico, acaba a msica e esta no foi transmitida com o vigor, com a riqueza, com a

    beleza que tem por causa da regncia. Acabei de passar por isso e cheguei a essa concluso. E a

    regncia, nesse mbito amador, inclui o ensaio, a conversa, como voc canta o que vai ouvir, e eu

    percebi na regncia da maestrina que dirige este grupo uma coisa muito dura, ou como a gente

    diz na prtica, sem suingue. Tratava-se de um repertrio que eu particularmente conheo muito

    bem, e acabou sendo chato, didtico, pessoas tocando coisas muito difceis e a msica no passa,

    acredito eu por causa da regncia. Voc tem que transpirar msica por meio da regncia, no s

    ritmo, s melodia, tudo, o cara tem que extrair msica das pessoas. Claro que num ensaio as

    pessoas vo se acostumando com a sua regncia, mas acho que elas ficam preparadas para serem

    dirigidas por voc. No mbito amador, voc prepara as pessoas no convvio para responderem ao

    combinado entre voc e elas. Acho regncia algo muito pessoal, mas tambm eu no tenho muita

    tcnica, no estudei muito especificamente para isso, vou bastante na intuio e na musicalidade.

    Mas uma discusso, para mim, se o maestro deve preparar o coro para responder a qualquer

    regente, se automaticamente um coro com um regente mais preparado tecnicamente fica com

    resposta melhor, mais universal.

    6 - Deve haver associao com sentimentos na atividade, o coro deve ser alegre, triste,

    educativo, srio?

    Estou passando por essa questo agora, com o coral do Cenpes, da Petrobrs, onde a impresso

    que eu tenho que a empresa tem essa tradio de coro grande, lrico, com orquestra, esse

    modelo que existe l e do qual eu discordo porque no a minha onda. Tenho muita dificuldade

    de convenc-los a abraar a msica popular, fazer aquilo com graa, com leveza, com humor,

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    ento o que eu procuro isso. s vezes a instituio exige coisas, por isso eu cito a Petrobrs,

    eles so ligados a muito projetos de msica erudita, formal, que s vezes possui uma postura mais

    endurecida, mais sria, e eu procuro promover essa seriedade inclusive no repertrio popular,

    mas a atitude no deve ser essa na hora de interpretar. Em algumas instncias isso mais fcil, na

    Fiocruz, por exemplo, onde tenho a cumplicidade da minha coordenadora, da prpria instituio,

    sempre conseguimos fazer essa medida que eu acredito ser minha contribuio: de informalidade,

    canto de msica popular com seriedade, mas apresentado com leveza, simpatia, bom humor, mas

    isso no tira a seriedade. Isso o mais difcil de convencer as pessoas, um preconceito, como se

    samba no fosse msica sria, essas coisas, Vincius de Moraes no um poeta srio, ainda essa

    questo da fronteira entre popular e erudito. O erudito vem com uma carga de seriedade, o peso

    da tradio, o popular no levado a srio, essas coisas incrivelmente ainda existem. Isso uma

    questo muitas vezes para a diretoria, que bancou, pagou pelo trabalho do coro, e tem uma

    expectativa que passa pela questo da seriedade do trabalho, passa por esses preconceitos.

    7 - Qual tipo de arranjo deve ser trabalhado, de maneira que as pessoas apreendam a

    informao musical, adquiram uma noo dos parmetros musicais, altura, timbre, ritmo, etc?

    Na verdade quando eu fao um arranjo eu no penso didaticamente dessa forma, aqui eles vo

    aprender isso, ali aquilo, eu penso no resultado artstico final, que seja bonito dentro do que

    possvel para as pessoas executarem. Quem sofre nessa hora so tenores e contraltos, vozes de

    meio que tm que preencher a harmonia, e eu trabalho muito a melodia dessas pessoas, melodias

    por graus conjuntos, coisas que sejam cantveis. Nem sempre se acerta, s vezes voc acha que

    fez e na verdade no, meio misterioso porque certas linhas colam e outras no. Acho que estou

    com bastante experincia com isso, acho que erro menos agora fazendo arranjo para essas

    pessoas. Por exemplo: vozes paralelas muito difcil. Isso aprendi com as crianas, coro infantil.

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    difcil fazer aquela tercinha, nem todo mundo tem essa possibilidade, essa compreenso. Mais

    fcil trabalhar coisas muito independentes, duas ou trs coisas muito diferentes e independentes

    mas que juntas compem o ritmo e a harmonia da cano. Isso sempre funciona, fcil, pra mim

    difcil pegar uma melodia para soprano e harmonizar a quatro vozes paralelas, isso para tenor e

    contralto muito ruim. Tem que ter algum l no meio que tenha esse dom, porque um dom,

    essa compreenso; claro que voc pode treinar isso, mas no fim das contas umas pessoas tm e

    outras no. Esse treino, de cantar voz do meio, por exemplo, no ensaio, e no ensaio no d para

    fazer isso, ali no calor da batalha. Pela minha experincia tem que ter algum ali no meio

    liderando o naipe, seno no funciona. O uso de monitor um investimento muito bom, para os

    coralistas bom porque facilita, para o maestro tambm, um alvio para as pessoas irem junto

    com algum que est fazendo certo.

    8 - Voc acha importante a partitura?

    Muito importante ter partitura, o coralista vai criar referncias para aprender. Como eu falei, a

    teoria na prtica o coral, e isso significa tambm decifrar os signos da partitura. Ele vai comear

    atravs da letra que est escrita embaixo da bolinha, e conforme o talento, a inteligncia da

    pessoa, vai-se expandindo aquilo e vai comeando a compreender os compassos, os intervalos.

    Aquilo um negcio genial, est pronto faz 200 anos, sei l, num formato que no tem melhor.

    Isso eu falo sempre pra eles, uma oportunidade de se orientar, no sair solfejando, mas muita

    gente passou sim a se orientar pela partitura, muito importante estar ali com ela na frente, mesmo

    que seja para largar depois, mas comear com ela.

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    Transcrio da entrevista gravada com Zeca Rodrigues em 02/12/2005 .

    1 - Qual a sua formao?

    Formalmente eu comecei a estudar violo popular aos 15 anos. Deveria ter comeado antes, tive

    uma chance mas no comecei. Informalmente sempre gostei de msica, ouvindo, e tal. Logo

    depois do violo, ali pelos 17, entrei para a Pro Arte para estudar baixo, e comecei a ter os

    primeiros contatos com teoria musical, estudei com o Breno, e a aos poucos fui me

    aprofundando mais na histria. Aos 22 anos, acho, estava entrando na UNI-RIO, cursei

    licenciatura l, um pouco antes tambm estava cantando em coral e formei banda tocava baixo

    e cantava. Era uma banda de rock, inicialmente, mas depois da UNI-RIO fui ampliando estilos,

    gostando de MPB, e por a foi. Na Pro Arte, um tempo mais tarde, comecei a dar aulas

    substituindo o Vicente Ribeiro, depois virei professor mesmo, dava aulas particulares de violo,

    terminei UNI-RIO, no momento estudo regncia com o Carlos Alberto na Pro Arte. Com o

    trabalho de reger coral, comecei na faixa dos 30 anos, mas sem saber direito muito da histria.

    Depois aprofundei no curso de regncia e j me sinto melhor para fazer o trabalho. Como cantor

    eu comecei na atividade coral com uns 18, 19 anos, mas comecei antes a cantar na banda de rock.

    Com 19 anos eu entrei no coro da Santa rsula, e foi l que eu conheci muita gente que tambm

    tava comeando, o Andr Protsio, o Murilo Sierra, a Letcia Dias, que depois foram criar o

    Equale. Cantei umas trs vezes no Calope, entrando e saindo, e tambm no Coro de Cmera da

    Pro Arte. Atualmente estou regendo os corais dos tribunais do Municpio e do Estado, o coro do

    Country Club de Nova Iguau, o coral jovem da Pro Arte, um coro de terceira idade chamado

    Coral Seresta, independente. Divido com a Glucia Henriques todos esse trabalhos menos o

    Seresta, onde eu estou sozinho.

    2 - Voc considera o ensaio uma aula, voc considera coral educativo?

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    Com certeza, as duas respostas so positivas. At um dos tribunais quando sai o pagamento na

    nota vem discriminado pagamento das aulas, quer dizer aulas de msica. Em geral a maioria

    dessas estruturas so altamente educativas, no s para os cantores como para ns tambm. um

    aprendizado imenso de timing, o que fazer nos diferentes momentos, o momento da piada, por

    exemplo. s vezes gosto de fazer exerccios rtmicos, ou meldico-harmnicos, para eles

    incorporarem melhor as informaes que eles vo ter dentro das msicas, dos arranjos. s vezes

    no vale a pena chegar do nada e passar a msica, porque eles podem no conhecer uma

    linguagem, bacana at colocar uma msica para eles ouvirem, entenderem, usar o corpo para

    entender certas informaes musicais.

    3 - O instrumento normalmente temperado, a voz no. O uso de voz guia (tocada ou gravada)

    ou harmonia, usar instrumentos para passar voz, qual sua prtica/ avaliao nisso?

    Trabalho das mais diversas maneiras para ensinar as coisas para os cantores, s vezes usa at um

    midi no teclado, tocando uma melodia, muito mais fcil, vai l e d um play. Principalmente

    quando o tempo curto, no d tempo de ficar entrando em detalhes com as coisas. Mas a gente

    faz de diversas maneiras, s vezes passando emloopcantando para eles, aproveitando que somos

    dois. Com um muito mais difcil, demora de trs a quatro vezes mais, porque quando voc vai

    passar uma voz, depois outra, a primeira esquece, mais trabalhoso. Em duas vozes voc j passa

    direto, e eles j ouvem como a mistura das duas, trabalhando por trechos. Tambm gosto de

    usar o piano, qualquer instrumento na verdade, para eles irem aprendendo junto, mas o mais legal

    com certeza o canto, porque eles fixam exatamente do jeito que voc quer. Uma coisa que

    muito legal, um pouco mais trabalhosa, gravar um MP3 em casa, no computador, gravando com

    um MIDI atrs tocando a harmonia, e manda para eles pela Internet. Eles adoram, podem estudar

    em casa, e chegar no ensaio cantando. Gosto de deixar o momento de aprendizado, no ensaio, pro

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    meio, que mais concentrado, mas muito importante sentir o timing da coisa, quando v que

    eles esto cansados, parte para outra coisa. O primeiro que boceja voc j faz uma coisa diferente.

    4 - Repertrio - popular ou erudito, a escolha dos coralistas ou do maestro, fale sobre o assunto.

    Acho todo tipo de repertrio interessante, mas acho o popular mais minha praia. Gosto de

    trabalhar o erudito tambm, mas mais a praia da Glucia, por exemplo. Eu me viro na coisa do

    erudito, mas no minha seara. Mesmo assim eu adoro fazer, legal fazer um Bach, um Villa-

    Lobos. No fim de ano agora vamos fazer com o TCE o concerto de Brandemburgo III, de Bach,

    tudo sem letra, s com panana, panana. Mandei em MP3 para eles, partitura de seis pginas. No

    comeo assustou o pessoal, mas com o tempo e estudo j est praticamente montado. Quanto a

    sugestes das pessoas, eu gosto de aceitar, mas tudo tem limites, algumas coisas que no

    combinam muito comigo eu prefiro no fazer. Algumas coisas massificadas demais, eu prefiro

    no fazer, mais legal fazer as coisas que no tocam, at uma opo mais cultural, de incentivo.

    5 - Influncia do gestual do maestro na didtica, e influncia do movimento corporal dos

    cantores no aprendizado. importante a associao?

    O gestual tecnicamente falando, tempos, entradas, duraes, expresso, acho importantssimo

    trabalhar isso, para ficar cada vez mais seguro. No meio de uma msica, s vezes, eu abandono

    isso, porque voc precisa fazer as pessoas cantarem, e o como vai variar. No acredito na coisa

    puramente tcnica, mas a tcnica fundamental. um trabalho que eu gosto de desenvolver no

    coro, no comeo dos trabalhos o coro arredio, voc no consegue controlar muito, voc regido

    pelo coro. Eu gosto de exercitar o coro, no TCE, por exemplo, s vezes pego uma nota s e vou

    regendo, fao variao de dinmica, stacatto, chamo algum para ficar de regente, divertido.

    Hoje no final da temporada o coro est um aviozinho, eu diminuo, eles vo, s vezes coisas no

    trabalhadas no ensaio voc resolve na hora e eles vo. Gosto tambm de trabalhar as pessoas

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    danando, ou andando, pois a cultura rtmica nem todo mundo possui, apesar de toda a cultura

    rtmica do nosso pas. s vezes algumas pessoas no entendem uma idia sincopada, por

    exemplo.

    6 - Deve haver associao com sentimentos na atividade, o coro deve ser alegre, triste,

    educativo, srio?

    Tem que ter os dois lados, eu sou um cara srio tambm, mas tem que ter alegria, diverso, um

    lazer, principalmente na empresa, eles no l para sofrer, tem que curtir, brincar, mas realizando

    um trabalho musical, srio, seno no tem graa para mim tambm. Acho que tem que ter o

    timing da coisa, a hora de fazer a coisa mais sria, passar as melodias, deixar da melhor maneira,

    e fazer a piada na hora certa, para as pessoas rirem, aproveitar as piadas entre eles, o coro se

    divertindo. A chega no final do ensaio todos saem felizes, com a sensao de aproveitamento do

    tempo, com diverso e aprendendo algo, fizemos um trabalho. Lembro do final do ensaio do coro

    TCM, no incio, as pessoas aplaudiam no final do ensaio, um coro com astral timo, ento para

    qu puxar para o srio, j que o coro naturalmente tem astral para cima.

    7 - Qual tipo de arranjo deve ser trabalhado, de maneira que as pessoas apreendam a

    informao musical, adquiram uma noo dos parmetros musicais, altura, timbre, ritmo, etc?

    O ritmo pode ser uma coisa muito elaborada ou no, s vezes as pessoas tm muita dificuldade

    rtmica. Meldica tambm, uma coisa cromtica,voicingsinternos de harmonia difcil, mas tem

    que treinar com as pessoas, mesmo uma coisa mais difcil, para provocar desafios. Acho que o

    maior cuidado para mim a coisa das regies, a tessitura. Para soprano, hoje, eu no escrevo no

    agudo acima de um r ou mi bemol 4, por exemplo. No so cantores, so amadores, no d para

    voc forar tanto, a no ser que seja um naipe excepcional. Baixo, por exemplo, tem pouco,

    escrevo no mximo at l 1 no grave, depois j vai ficando esquisito, isso pela minha experincia.

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    Tessitura ento o mais complicado. Agora com relao homofonia, contraponto, essas

    texturas todas, eu gosto de variar sempre, colocar instrumentos acompanhando, a cappella, a

    tcnica em si no empecilho para nada, legal variar para os cantores e para a gente. s vezes

    um detalhe num arranjo no d certo, a s mudar. s vezes at adaptar um arranjo de outra

    pessoa, mudar uma coisinha para funcionar melhor num certo momento.

    8 - Voc acha importante a partitura?

    Acho muito importante ter a partitura, pois os cantores vo fazer associaes bvias mesmo que

    no saibam exatamente o que est acontecendo, por intuio. A bolinha subiu, fica agudo, isso

    bvio, isso vai fazer com que o cara crie uma noo de aprendizado. J tentei fazer algumas

    experincias de leitura, brincando de graus, cantando por nmeros, cria uma noo melhor da

    questo escalar. Claro que se for um arranjo para a semana seguinte eu abro mo da partitura e

    entrego a letra, quando o arranjo muito simples. E aproveito a coisa dos graus nas msicas

    trabalhadas, tipo a msica tal comea no cinco, enfim, muitos cantores voam, mas um ou dois

    pegam, voc comea a dar uma noo para os caras. Na prxima vez que ele entrar na msica ele

    pensa na nota de outra maneira. Usar os graus muito bom, respeito muito o esquema de d

    mvel, mas na minha opinio usar os graus o melhor, isso facilita at a compreenso

    harmnica, montar os acordes cantando o arpejo desde a fundamental (um, trs, cinco, sete, dois

    ele canta os graus).

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    Transcrio da entrevista gravada com Malu Cooper em 20/12/2005.

    1 - Qual a sua formao?

    Em termos de canto coral a minha aquisio de informao comeou de forma absolutamente

    informal, a partir do momento que eu comecei cantando num coral. Eu j tinha um passado

    musical, minha me pianista, de qualquer modo eu fui musicalizada desde pequena, eu adorava

    msica mas no fazia parte disso. Assistia apresentaes de coro, morria de vontade de entrar

    mas no entrava, fui entrar burra velha, depois de formada em Letras, com 24 anos. Depois que

    eu entrei, seis meses depois comecei a fazer aulas de canto, porque fiquei completamente

    apaixonada por aquilo. Um ano depois comecei a estudar teoria, mas em aula particular, de uma

    forma no tradicional. Eu cantava no coro do Jlio e troquei aulas com ele fazendo monitoria

    num coro de empresa que ele regia. A fiquei completamente apaixonada, e depois de um tempo

    resolvi investir mesmo, entrar na faculdade, a princpio s para estudar de graa, nem queria me

    formar, mas a a coisa foi ficando sria e acabei fazendo a faculdade inteira, de licenciatura.

    Nesse meio tempo entre cantar no coro e entrar na faculdade, passou bastante tempo. Quando eu

    comecei a fazer aula de canto, fiz aulas por bastante tempo, depois de um tempo eu comecei a dar

    aulas de canto. Quando eu entrei na faculdade eu j dava aulas, e a minha faculdade foi muito

    direcionada para isso, ela no era nem direcionada para a questo de regncia coral, era direto

    para o ensino de canto. Eu gostava de dar aula, ento ia por a. E o meu conhecimento para dar

    aulas de canto era tambm informal, ento a faculdade ajudou mas eu tinha muita informao de

    coro que eu sabia como cantora, que eu observava de vrios grupos que participei antes de entrar

    na faculdade. A depois da faculdade fui instigada a procurar outras fontes formais, em cursos,

    aperfeioamentos, tambm em regncia, alm de canto. Considero importante entrar na faculdade

    no totalmente cru, ter vivncia na atividade coral, porque eu sabia que minha grande satisfao

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    era trabalhar com coro, seja fazendo tcnica vocal, seja regendo, como eu descobri depois. Essa

    prtica inicial como cantora em vrios grupos diferentes foi muito importante. Comecei cantando,

    depois profissionalmente como preparadora vocal e por ltimo como regente.

    2 - Voc considera o ensaio uma aula, voc considera coral educativo?

    Eu considero que coral seja educativo, por vrios motivos. Primeiro a questo da educao

    musical. Como a minha formao primeira foi de professora de canto antes mesmo de me formar

    regente coral, j comea pela prtica vocal, que sou sempre eu mesma que fao nos meus corais e

    acho importante como uma primeira abordagem musical, importante para que a pessoa saiba

    lidar bem com aquele instrumento que o prprio corpo e que isso vai ajud-la a cantar. A

    primeira abordagem musical dada a, e nisso estamos trabalhando no s questes de tcnica

    vocal, mas tambm questes de percepo, afinao, vendo por exemplo de que forma voc pode

    afinar melhor determinada nota, atravs da tcnica vocal, etc. Depois disso eu sempre trabalho

    com partitura, mesmo trabalhando com leigos. Muito deles falam para mim, mas eu no sei ler,

    mas no tem problema, pega a partitura, nem que voc v olhando s a letrinha, que est escrita

    ali embaixo. O tempo inteiro eu lido com eles usando o jargo musical, falo de compasso,

    anacruse, ritornelo, mesmo que eu tenha que explicar quinhentas vezes o que isso, mas

    importante eles se familiarizarem com isso. E a partir da eles mesmos comeam a procurar

    entender melhor a partitura, tipo Ah, por isso que volta para c!, e eu digo isso, exatamente, e

    em vrios grupos diferentes j aconteceu deles ficarem to entusiasmados com o que estavam

    vendo na partitura que pediam aulas de teoria, mas essa no a proposta inicial, no caso. A gente

    comea ento a fazer essa introduo musical tambm atravs da partitura, porque as pessoas tm

    muito medo de partitura, uma forma de desmitificar isso. Eu sempre falo para eles irem

    seguindo a letra, depois aos pouquinhos mostro a relao entre o movimento das notas subindo,

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    descendo e o movimento da melodia, e assim vai, uma forma legal da gente abordar. Aspectos

    rtmicos tambm so legais de ir falando, muitas vezes j parei um ensaio quando tem algum

    modelo rtmico simples, eu paro para mostrar a matemtica (explicar os valores das notas), paro

    para bater palma naquele ritmo. Claro que eu estou ensinando msica mas no formalmente, mas

    uma primeira abordagem pra tirar o medo das pessoas, empurrar as pessoas para fazerem mais a

    partir da. Tem um outro lado da questo educativa, no s musical, que de trabalhar o coletivo,

    trabalhar com o outro, generosidade, coletividade, pacincia de estar ao lado de uma pessoa que

    no afina e que voc tem que ouvir, e treinar o seu prprio ouvido tambm, lidar com vrios

    temperamentos diferentes, o cara que lder, o cara que chato, a pessoa atrasada, e voc tem

    que lidar com tudo isso. Numa empresa ento voc lida com essa diversidade e essas pessoas

    convivem no coro para um objetivo comum, cantar bonito, fazer um repertrio. E se possvel no

    coro, pode acontecer na empresa tambm.

    3 - O instrumento normalmente temperado, a voz no. O uso de voz guia (tocada ou gravada)

    ou harmonia, usar instrumentos para passar voz, qual sua prtica/ avaliao nisso?

    Eu trabalho como regente o tempo inteiro com teclado/piano acompanhando os alunos. S peguei

    coros iniciantes, verdade que tenho um grupo com oito anos de experincia mas eles eram

    iniciantes quando comeamos. Acho fundamental trabalhar com esse apoio harmnico, mas no

    gosto da idia de ficar presa a isso, o coro deve ser capaz de fazer coisas sem acompanhamento, a

    cappella, e para isso as pessoas devem ser treinadas. A eu volto parte de preparadora vocal:

    quando voc vai ensinar um instrumento para algum, a pessoa toca um violo, ela v a posio,

    faz ali e o violo toca para ela, no piano voc coloca os dedinhos e o som sai, e a voz? Como eu

    fao? preciso todo um comportamento, para que isso acontea, para que o som acontea bonito

    e bem embasado. Essa questo ento de cantar sem acompanhamento passa muito pela questo da

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    tcnica vocal tambm, para que a pessoa saiba manusear bem esse instrumento que o corpo

    dela, que a voz dela. Ento fundamental um trabalho de tcnica vocal bem feito para que a

    pessoa possa dominar a sua prpria voz. E mesmo nesse trabalho de tcnica vocal podemos fazer

    abordagem de afinao sem o apoio harmnico, ou com, se voc quiser colocar uma levada, por

    exemplo. Mas bom fazer sem para o coro no ficar dependente. Num coro, certa vez, eu estava

    trabalhando muito com teclado, e num ensaio sem ele eu quase cortei os pulsos, porque nada

    afinava, e eu vi que o erro era meu, porque eu tinha que trabalhar sem teclado de vez em quando

    com eles. A culpa no era deles, porque eles estavam usando o teclado de muleta. A partir da eu

    passei a ensaiar s vezes s pequenos trechos sem teclado, para eles acostumarem, mesmo que a

    msica v ser acompanhada numa apresentao, para eles terem a percepo da afinao, ou

    ento para batalhar e fazer algo a cappella. Na apresentao, em geral, eu trabalho com teclado e

    as msicas que foram ensaiadas a cappella, apresentamos sem acompanhamento.

    4 - Repertrio - popular ou erudito, a escolha dos coralistas ou do maestro, fale sobre o assunto.

    Eu trabalho normalmente com repertrio popular, eu me sinto muito mais vontade, seja na parte

    folclrica, seja na parte de msica popular brasileira essa ltima eu domino melhor. Meu

    contato com o repertrio erudito acontece muito atravs do Coro de Cmera Pro Arte, e outras

    experincias do passado, mas eu no consigo me identificar a ponto de reger um repertrio

    erudito. Ento optei pelo outro lado porque onde me sinto vontade, o que eu curto, o que eu

    gosto. A escolha das msicas passa por mim, as pessoas podem sugerir, abro mo at de algumas

    coisas um pouquinho, mas passa sempre por mim. Se as pessoas resolverem fazer uma msica

    que eu tenho pavor eu no consigo, no tem como fazer a msica de uma forma legal, ainda mais

    se tiver que fazer arranjo. Eu comeo a implicar com todos os arranjos que a msica tem, enfim,

    um problema meu com a msica, s vezes nem tem nada a ver com o arranjo. Ento passa sempre

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    por mim, e dependendo do coro a escolha do repertrio direcionada ou no. Se eu tenho um

    projeto com um coro que tem um tema, um show temtico, eu escolho as msicas que eu quero

    fazer, at com algumas sugestes que eles deram, algumas sugestes eu no coloco. Quando no

    tem um tema vai segundo o meu gosto mesmo.

    5 - Influncia do gestual do maestro na didtica, e influncia do movimento corporal dos

    cantores no aprendizado. importante a associao?

    Quando eu comecei a reger, foi paralelo ao meu aperfeioamento na regncia, foi quando eu

    procurei o Carlos Alberto Figueiredo, j tinha estudado um pouquinho na faculdade, mas queria

    me aperfeioar, etc. No incio meu gesto era absolutamente tacanho, era uma marcao de

    compassos, formatos, eu no sabia fazer nada, pedir nada, era tudo com a boca. Conforme eu fui

    me desenvolvendo, meu coro veio junto comigo, e aprendendo a ver no meu gestual o que eu

    queria. A dinmica, por exemplo, conforme eu aprendi a fazer na mo, o coro passou a

    acompanhar minha mo, e no s quando eu pedia falando. Acho um gestual limpo fundamental,

    a prpria postura do regente fundamental. s vezes me vejo recostada, cansada, e como posso

    pedir ao coro para cantar com vontade se eu mesma estou sem gs? s vezes sem falar nada, eu

    me aprumo e vejo as pessoas passarem a cantar melhor. Tem essa coisa do espelho que eu acho

    muito legal, voc v o coro ter a mesma postura do regente, e eu fico me policiando com isso.

    Acho o gesto tecnicamente preciso fundamental, no significa que ele seja rido, eu no consigo

    ser rida, me manter distante, o envolvimento que eu tenho com aquilo na minha frente vai passar

    pela minha mo, pelo meu gestual. Eu procuro que as informaes sejam as mais claras possveis,

    mesmo que eu no consiga ainda, mas eu trabalho para isso. Com relao ao gestual, movimento

    dos coralistas para que eles possam cantar determinada coisa, vem de novo a histria do canto. A

    gente no canto trabalha o tempo inteiro com imagem, se voc est trabalhando uma frase

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    descendente por exemplo voc imagina que est descendo uma ladeira escorregadia de salto alto,

    e se voc der um passo maior voc dana (cai), ento voc vai descendo com passinhos curtos,

    e a as pessoas cantam a frase descendente. Essas so as coisas faladas, mas os gestos ajudam

    bastante tambm, na questo corporal, de como a pessoa se coloca, s vezes ela no se d conta

    que quando vai fazer um salto grande, um salto de oitava, por exemplo, que aquele gesto vai

    ajudar. No momento que voc faz um trabalho de expanso de corpo, eles mesmos j percebem

    como certas notas chegam na altura por causa daquele gesto de expanso. Juntamos ento as duas

    coisas: a imagem com o gesto e estes com o som. Todos os recursos que a gente pode ter no

    sentido de tentar tornar o ato de cantar mais concreto a gente deve usar.

    6 - Deve haver associao com sentimentos na atividade, o coro deve ser alegre, triste,

    educativo, srio?

    Eu acho que cada grupo tem uma caracterstica, mas independente disso existe o que voc est se

    dispondo a fazer. Num coro de empresa, por exemplo, o intuito das pessoas ali dar uma

    relaxada, s vezes elas esto abrindo mo de almoo para estar ali, ou porque elas gostam muito

    de cantar, acham divertido, ento o lado diverso uma das linhas desse coro, sem perder a

    seriedade do trabalho. No ser sisudo, mas ter uma seriedade no trabalho, no sentido do

    objetivo de cantar, cantar legal, ser sempre procurado. Mas pode-se fazer isso sem colocar um

    peso no trabalho, eu no conseguiria ser pesada. Mas com toda a brincadeira, existe sempre o

    objetivo de fazer um trabalho legal, seno no precisava de maestro, bastava comprar uma

    mquina de karaok e botar a galera para cantar. Ao mesmo tempo, cada pessoa que procura um

    coral vai com um objetivo: fazer terapia, procurar novos amigos, gente que vai porque gosta de

    cantar, mas todos os relatos so sempre baseados na satisfao, no prazer. As pessoas dizem que

    a vida delas mudou, a minha prpria vida mudou quando eu entrei em coral, eu tenho plena

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    conscincia disso, mudou completamente. Quando as pessoas me falam sobre isso, sempre na

    questo do prazer que elas buscam e de tudo que elas encontraram ali, da satisfao, da

    realizao. s vezes tem cantores frustrados por experincias ruins na adolescncia, e cantar

    depois de adultos representa uma realizao pessoal importantssima. Acho que ns temos que

    levar em conta tudo isso, porque voc est trabalhando com emoo o tempo inteiro, agora uma

    coisa trabalhar com a emoo, outra se deixar levar pela emoo o tempo inteiro. Voc est

    lidando com a emoo de vrias pessoas, com as suas prprias, mas sempre com um objetivo

    muito claro, que fazer canto coral, fazer msica dessa forma. Voc lida com essas emoes mas

    no se deixa levar por elas, voc capaz de fazer um trabalho srio mesmo brincando,

    emocionando, voc no faz uma coisa rida.

    7 - Qual tipo de arranjo deve ser trabalhado, de maneira que as pessoas apreendam a

    informao musical, adquiram uma noo dos parmetros musicais, altura, timbre, ritmo, etc?

    Eu no me considero arranjadora, eu brinco que cometo alguns arranjos. Eu me arrisco porque

    acho legal fazer, mas fao coisas bem simples. Em primeiro lugar, para fazer um arranjo, eu

    penso naquele grupo especfico, a questo das tessituras, e vejo tambm o grau de dificuldade

    daquela msica, independente do arranjo, s vezes a melodia muito complicada e no adianta

    ficar abrindo muitas vozes. Alm disso, a prpria tessitura da melodia, para ver quem vai ficar

    com solo, etc. Essa questo de abertura de vozes vai depender do nvel do coro, os primeiros

    arranjos que eu fazia eram a duas ou trs vozes, duas vozes femininas e uma masculina, muito em

    funo da quantidade de naipes que eu tinha. Agora mais recentemente os coros esto maiores, e

    tenho colocado quatro vozes, mas s vezes nem vale a pena, porque dependendo do coro ainda

    complicado colocar essa densidade. Ento trabalho com muito contraponto, melodia, enquanto

    uma voz faz algo outra faz outra coisa inteiramente diferente, isso nos coros mais iniciantes. Essa

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    coisa de cantar paralelo muito complicado, para eles difcil entender isso, s vezes as

    contraltos esto cantando um intervalo abaixo de soprano a mesma letra e elas acham que esto

    cantando a mesma coisa que as sopranos. Ento prefiro escrever a melodia para uma voz

    enquanto as outras fazem s comentrios. Acho importante na hora de escolher um determinado

    arranjo tambm ver o som que o grupo tem, e ver para que tipo de msica se presta esse som.

    Colocar um grupo com som mais leve para cantar coisas grandiosas pode no funcionar, e isso

    importante na hora de escolher a msica e o arranjo, qual o perfil sonoro desse grupo trabalhado.

    8 - Voc acha importante a partitura?

    Acho fundamental, tem o lado educativo da educao musical, acho importante o uso e o no-uso

    dela. legal porque uma forma de aprendermos uma poro de coisas, mas ela no pode virar

    muleta, e com uma partitura na mo o cara no olha para o regente, voc tem que ficar pedindo

    para os cantores olharem para voc, mesmo que ele j saiba aquela msica de cor. Ento as

    apresentaes nunca so com partitura. E para isso, j que as pessoas ensaiaram tanto com a

    partitura, eu me planejo para fazer um trabalho de desapego da partitura, com certa antecedncia

    eu comeo a fazer trechos de cor, at chegar msica inteira, tirando a partitura, at para eles

    saberem onde esto errando ou onde tm dificuldade para poderem estudar. Alm disso os

    coralistas ficam sem saber o que fazer com as mos nas apresentaes, por causa desse apego,

    ento isso importante, tirar a partitura pela questo da postura. Alguns coralistas fazem partitura

    paralela, s com letra, mesmo que isso signifique escrever uma linha de baixo, por exemplo, com

    pom pom, seis vezes pom pom, o cara escreve isso e prefere isso. Eu no gosto, no incentivo,

    porm no posso proibir, no fico de bab de ningum, mas uma oportunidade que eles perdem,

    a escolha deles. Ento acho importante ter mas tambm no ter a partitura para no perder o

    contato com o regente. Se no o cantor no faz nada novo, s faz o que se acostumou a cantar nos

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    ensaios. s vezes eu inovo no ensaio para testar essa ateno, esse contato. E tambm porque

    sem partitura voc trabalha coisas importantes, como a memria, por exemplo, num coro de

    terceira idade isso muito importante. Eu comecei a usar o Encore com os coralistas, e foi

    fundamental pelas possibilidades que o programa oferece, de ouvir s a prpria voz, ouvir o

    conjunto, e alm da parte educativa, tem a parte de agilizar muito a questo do ensaio, a pessoa

    chega com a voz j aprendida e com uma idia geral do arranjo, isso ajuda muito.