Autoria Singular e Colectiva Nas Infracções Contra o Ambiente e as Relações de Consumo, Autor Lecey, Eládio

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AUTORIA SINGULAR E COLETIVANAS INFRAES CONTRA O AMBIENTEE AS RELAES DE CONSUMO *1.1. Os delitos contra o ambiente e as relaes de consumo apresentam semelhanas e caractersticas comuns a repercutirem principalmente no tema da autoria e do concurso de agentes.Ambas so infraes de massa, contra a coletividade, atentando contra interesses coletivos e difusos no mais das vezes.Possuem, no dizer de JOS HENRIQUE PIERANGELLI, carter pluri-ofensivo que "obrigaria ao rompimento com princpios e regras assentes no direito penal liberal (Escritos Jurdicos Penais, "A Constituio e a Responsabilidade Penal das Pessoas Jurdicas", RT, 1992, pg. 180).Como ser oportunamente destacado (ao tratarmos da responsabilizao dos dirigentes da pessoa jurdica) os bens juridicamente tutelados pelas normas incriminadoras ambientais e consumeristas no so, apenas, os bens individuais, como a segurana, a sade e a vida das pessoas.O Direito Penal do Consumidor, ao contrrio do Direito Penal Comum, como o Cdigo Penal, protege, no o consumidor em si, mas a relao jurdica de consumo (CDC, artigo 61), que um "bem jurdico autnomo, supraindividual (depassa a pessoa do consumidor individual)". (ANTNIO HERMAN BENJAMIN, "O Direito Penal do Consumidor: Captulo do Direito Penal Econmico", Revista Direito do Consumidor, 1/111).No Direito Penal Ambiental (que incrimina no s o colocar em risco direto a vida, a sade dos indivduos, mas a perpetuao da espcie humana basta destacar os efeitos radiativos de poluio ambiental de que podem decorrer danos genticos com a propagao e generalizao a ameaar as condies de procriao, o bem tutelado, alm da vida, sade e perpetuao da espcie humana, a prpria natureza. Como destaca NESTOR JOS FORSTER, o homem nasce, vive e cresce dentro da natureza, de modo que o meio ambiente tem seu valor e como tal (meio ambiente da espcie humana) deve ser preservado e objeto de tutela ("Por um Cdigo Ecolgico", RT, 522//29), a justificar a incriminao de ofensa ao prprio ambiente como bem de extrema relevncia jurdica.Assim, ditas infraes atentam contra as prprias relaes de consumo e o ambiente, como bens supraindividuais a transcenderem a tutela dos indivduos.Perigo abstrato (por vezes perigo concreto ou dano tambm) existe pessoa, ao indivduo (sade, vida, incolumidade fsica, etc.). Mas, concretamente, h dano s relaes de consumo e ao ambiente. Podem ser tidas, assim, como infraes de dano.1.2. Peculiaridade quanto ao sujeito ativoOutra similitude:A maioria das infraes contra as relaes de consumo e das contra o ambiente so praticadas pela e atravs da pessoa jurdica.As mais expressivas ofensas s relaes de consumo e os mais graves atentados ao ambiente so causados pelos entes coletivos, pelas empresas, pelas pessoas jurdicas.2. Dificuldades na identificao e na responsabilizao do sujeito ativoPela circunstncia de serem cometidos no mbito e pelas pessoas jurdicas, surge, na grande maioria, extrema dificuldade na apurao do ou dos sujeitos ativos de tais delitos, sejam autores, co-autores ou partcipes.Quando se trata de autoria singular ou coletiva fora da complexidade da pessoa jurdica, no h dificuldade. Basta atentarmos s normas gerais e s teorias que explicam o concurso de agentes e suas formas, seja a formal-objectiva (da tipicidade), seja a final-objetiva (do domnio do fato).A complexidade dos interesses em jogo na estrutura das empresas pode levar irresponsabilidade organizada dos indivduos. Surge a dificuldade em identificar o(s) indivduo(s) responsvel(eis) na pessoa coletiva. Afinal, quem o responsvel? O gerente? O scio? O diretor? O funcionrio?Como bem observa ANTNIO BENJAMIN, a "diluio de muitas condutas, com frequncia no interior dos grandes conglomerados industriais e comerciais traz dificuldade na persecuo penal. Dita diluio da responsabilidade no raro buscada deliberadamente com a utilizao de mecanismos colegiados de deciso (obra citada, pgs. 108 e 125).Conhecidas de todos ns, operadores do Direito, tais dificuldades na individualizao dos sujeitos ativos em razo das complexas estruturas das pessoas jurdicas.Fundo nos calam as observaes de HANS KERNER expostas no II Colquio Hispano-Alemo sobre a Reforma Penal (Madrid, 1984), no sentido de que s restam condenados os chamados "peixes midos", somente caindo na rede meros funcionrios subalternos, de modo que a justia no tem conseguido acercar-se da verdade, diante da grave criminalidade contra o meio ambiente ("Experincias criminolgicas con las recientes reformas para la lucha contra la criminalidad econmica en la Republica Federal de Alemanha", em Reforma Penal, ed. espanhola, pgs. 148/9).Na busca de solues, cremos indispensvel se apresenta pensar e repensar o Direito Penal tradicional, atentando s peculiaridades do Direito Penal Ambiental e do Direito Penal do Consumidor.3. Autoria. Co-autoria. ParticipaoPermito-me, rapidamente, pensando o Direito Penal, lembrar as conhecidas teorias a explicarem as formas do concurso eventual de pessoas no crime.A Nova Parte Geral do Cdigo Penal veio consagrar a reserva da denominao "co-autoria" no mais ao gnero concurso de agentes, mas a uma das suas espcies, de modo a no se poder t-la como sinnimo de co-delinquncia. Ao crime pode-se concorrer como autor, co-autor ou partcipe.Autor o sujeito principal do delito. Co-autoria existe quando h mais de um autor e participao a forma acessria, ou seja, o partcipe colabora, dolosamente (j que inexiste participao culposa) na ao do autor, do agente principal.Assim, tudo gira em torno do autor, de modo que de sua conceituao chegamos s demais formas.Para explicar a autoria, tradicionalmente, se apresentam trs teorias, mais conhecidas como a extensiva, a restrita e a do domnio do fato.3.1. Teoria extensivaA primeira, adotando um critrio material-objetivo, tambm conhecida como teoria subjectiva-causal, decorre da adoo, em matria de causalidade, da teoria da equivalncia das condies. Autor, assim, todo aquele que contribui para o crime, seja o executando diretamente, realizando a figura tpica, seja trazendo qualquer contribuio ao resultado. Presente a relevncia causal de sua conduta e havendo liame subjetivo, tratar-se-, sempre, de autoria, pouco importando a forma de concorrncia.Na realidade, dita teoria no distingue autor de partcipe, a no ser no sentido de que a participao seria uma forma atenuada de autoria, o que mereceu crtica de ZAFFARONI (Manual de Derecho Penal, pg. 429), no sentido de que no seria possvel participao nos crimes prprios e nos de mo prpria. Isso porque no poderia ser partcipe quem no tem requisito para ser autor, quando aqueles delitos especiais (prprios e de mo prpria) exigem qualidade especial no sujeito ativo (exs.: no poderia ser instigador de corrupo passiva o que convence o amigo funcionrio pblico a que aceite vantagem; no seria partcipe de auto-aborto o farmacutico que fornecesse abortivo mulher).3.2. Teoria RestritaOu teoria da tipicidade. Partindo, de um critrio formal-objetivo, explica a autoria como a realizao da figura tpica. Autor, pois, o sujeito do verbo nuclear do tipo. No furto, o que pega e subtrai a coisa alheia. O partcipe, no adentrando no verbo tpico, materialmente concorre e se imiscui no processo da causalidade fsica, sem realizar a conduta descrita no tipo, mas a facilitando (cmplice), ou concorre moralmente, provocando a conduta do autor (instigador).Embora ainda adotada largamente, sofre tambm crtica tal teoria porque no explica a autoria mediata (a conduta daquele que instiga e realiza o tipo se valendo de outro que realiza a conduta sem vontade livre) onde a ao considerada de quem no realiza de "per si", mas por interposta pessoa, a figura descrita no tipo.Dita teoria omite, como bem aponta ROXIN, a "estruturao do trans-curso do sucesso" ("Sobre la Autoria Y Participacin en Derecho Penal, em Problemas Actuales de las Ciencias Penales Y la Filosofia del Derecho). Olvida, justamente, o domnio finalstico do fato, que preconizado pela terceira teoria.3.3. Teoria Final-ObjetivaAdota um critrio objetivo-subjetivo, explicando a autoria mediata e a autoria intelectual, existente, por exemplo, na conduta do chefe de organizao mafiosa que ordena aos seus asseclas a eliminao do chefe doutro grupo.O autor, ento, aquele que, sem executar de mo prpria a figura tpica, detem o poder de deciso sobre se e como o crime vai ocorrer (JOHANNES WESSELS, Direito Penal, Parte Geral, ed. 1976, pg. 120).Esta teoria, fortemente ligada ao finalismo, vem recebendo cada vez maior adeso de parte da doutrina e, principalmente nos crimes de que tratamos, praticados no interior da pessoa jurdica, pode explicar a punio de seus dirigentes, na maioria das vezes em concurso.4. Busca de solues s dificuldades em matria de responsabilizao nas infraes praticadas por intermdio da pessoa jurdica4.1. Responsabilizao do dirigenteO artigo 75 do CDC disciplina o concurso de agentes nos delitos contra as relaes de consumo. Aps trazer a regra geral do artigo 29 do Cdigo Penal ("quem de qualquer modo concorre ao crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade"), explicita a responsabilidade do diretor, administrador ou gerente da pessoa jurdica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposio venda ou manuteno em depsito de produtos ou a oferta e prestao de servios nas condies proibidas pelo Cdigo.Severas crticas sofreu o dispositivo, taxado de "suprfluo", inadequado", "heresia", "prolixo" e de "cartola de mgico", como refere ANTNIO CEZAR LIMA DA FONSECA (Direito Penal do Consumidor, ed. 1996, pg. 58).Desnecessrio seria o dispositivo do CDC, no entendimento do citado Procurador de Justia do Rio Grande do Sul por repetir a norma geral do artigo 29 do Cdigo Penal, aplicvel s leis especiais por fora do artigo 12 do estatuto repressivo.Outros o acusam de prever responsabilidade objetiva dos dirigentes.Como se sabe, responsabilidade objetiva h quando algum penalizado sem que tivesse agido com dolo ou culpa, ou sem culpabilidade, decorrendo a condenao to somente da causalidade material.H quem sustente impor-se uma interpretao restritiva do artigo 75. do CDC para que no haja responsabilizao objetiva.Autores, como DAMSIO DE JESUS e ALBERTO ZACHARIAS TORON entendem que a Lei 8137/90, que tambm tipifica infraes contra as relaes de consumo, publicada e que entrou em vigor no perodo de vacatio legis do Cdigo de Defesa do Consumidor, teria, dita lei especial, revogado a segunda parte do artigo 75 do CDC. que o artigo 11 da Lei 8137/90, depois de repetir a regra do artigo 29, "caput", do Cdigo penal, assim como o faz o artigo 75 do CDC, incluiu a expresso "inclusive por meio da pessoa jurdica". Deste modo, no mais prevaleceria a parte final do citado artigo 75.Penso, no entanto, estarem em vigor as trs normas sobre co-delinquncia, porque inexiste antagonismo entre elas.A regra geral a do Cdigo Penal, decorrente, em termos de causalidade, da teoria da equivalncia das condies. Qualquer contribuio ao resultado considerada causa. No entanto, se a causalidade no pode variar, por fora daquela teoria, a culpabilidade de cada agente e h de ser medida no caso concreto, distintamente para cada concorrente. Ademais, no s a relevncia causal requisito do concurso, sendo indispensvel o liame subjectivo entre os concorrentes, entendido como a conscincia de contribuio ao delito. o corolrio do direito penal da culpa que abomina a responsabilidade objetiva.A co-delinquncia expressa-se, sabidamente, sob duas formas: a autoria e a participao. Na primeira existe adequao tpica direta. O autor realiza (objetiva e subjetivamente) a totalidade da conduta tpica, dominando-a finalisticamente, seja realizando-a de "per si", seja se valendo de outrem que no realiza conduta (no age), coagindo-o fisicamente. o autor direto, imediato.Tambm autor, mas indireto, ser aquele que, embora no execute diretamente a conduta tpica, a domina ou co-domina finalisticamente, embora realizada de forma direta por outro com vontade livre (autor ou co-autor pela teoria final-objetiva) ou, ainda, aquele que realiza a conduta se valendo de outro que realiza a conduta sem vontade livre como ocorre por exemplo na coao moral irressistvel (autor mediato).J o partcipe apenas coopera (dolosamente) na conduta do autor. Como no autor, inexiste adequao tpica direta. Somente possvel punir-se a participao por fora de adequao tpica indireta.As normas da parte especial do Cdigo Penal e as das leis especiais, que descrevem os tipos, no incidem diretamente sobre a conduta do partcipe. indispensvel a norma da parte geral, no caso, do artigo 29, "caput", do Cdigo Penal, por fora da qual que haver incidncia da norma tipificadora (parte especial) sobre a conduta daquele que apenas concorre, ou seja, do partcipe. Trata-se, assim, de norma de extenso da tipicidade.Sabidamente, outra norma de extenso tpica a de tentativa que tambm amplia a tipicidade, como a participao.Extenso da tipicidade encontramos, em matria ambiental, no Cdigo de Caa (Lei 5197/67, alterada pela Lei 7653/88) e no Cdigo Florestal (Lei 4771/65) que, em seus artigos 30 e 29, respectivamente, preveem a incidncia das penalidades sobre os "arrendatrios, parceiros, posseiros, gerentes, administradores, diretores, promitentes compradores ou proprietrios das reas florestais, desde que praticadas por prepostos ou subordinados e no interesse dos preponentes ou dos superiores hierrquicos".Em matria de crime de consumo, os artigos 75 do CDC e 11 da Lei 8137//90 tambm contm regras de extenso da tipicidade.Em suas primeiras partes, ditos dispositivos legais reproduziram a norma de extenso do "caput" do artigo 29 do Cdigo Penal. Atingem qualquer concorrente, inclusive o dirigente.O artigo 11 da Lei 8137/90 explicitou, em sua segunda parte, a concorrncia por meio da pessoa jurdica e a parte final do artigo 75 do CDC trouxe outra norma de extenso dos tipos para o dirigente da pessoa coletiva que tenha contribudo casualmente atravs das condutas ali explicitadas, de promoo, permisso, aprovao do fornecimento, da oferta, exposio venda ou manuteno em depsito de produtos ou da oferta e prestao de servios nas condies proibidas pelas regras do Cdigo, de tal sorte que venham concorrer aos crimes contra as relaes de consumo.Aqui, ento, explicitada a ampliao da tipicidade. A concorrncia no ser pela conduta de realizar diretamente as figuras descritas nos tipos (nos verbos nucleares) dos crimes contra as relaes de consumo, nem genericamente por qualquer concorrncia. Ser atravs doutras aes determinadas no artigo 75, parte final, que, por contribuirem aos tipos especiais, constituem ampliao tpica.Poder-se-ia, como forte segmento da doutrina, entender desnecessrias as previses do artigo 11 da Lei 8137/90 e do artigo 75 do CDC porque, da aplicao do princpio geral do Cdigo Penal em matria de concurso de pessoas (artigo 29, "caput") poder-se-ia chegar ampliao da tipicidade igualmente. Todavia, a explicitao nos dois casos, tendo em vista a prtica das infraes no seio da pessoa jurdica, prtica peculiar e que traz dificuldade na apurao da responsabilidade como j observado, melhor orientar o intrprete, tendo sua razo de ser.Com efeito, tais regras de extenso tpica procuram resolver a dificuldade na identificao dos sujeitos ativos em delitos praticados por meio da pessoa coletiva onde muitas vezes buscada a diluio da responsabilidade na complexa estrutura da empresa, no emaranhado de decises conjuntas, acabando, no mais das vezes, como j destacado ao incio, por cair na rede da punibilidade to s o funcionrio subalterno, o "peixe mido", aquele que executa as deliberaes dos dirigentes.No fcil a soluo do conflito que pode decorrer da aplicabilidade das regras de extenso com preocupao to s na causalidade, conflito entre a responsabilidade objetiva e o liame subjetivo que se faz indispensvel responsabilizao dos agentes em matria penal.Quanto ao requisito da relevncia causal, aquelas condutas descritas na parte final do artigo 75 do Cdigo do Consumidor e o concorrer por meio da pessoa jurdica, na qualidade de dirigente, por certo constituem contribuio ao crime de modo a revelar condio com qualidade de causa.O diretor, o administrador, o gerente, participando das decises conjuntas no seio da pessoa jurdica, colaborou ao delito. De suas deliberaes, por exemplo, partem as condutas de colocar no mercado de consumo produtos imprprios (artigo 7, IX, Lei 8137/90) ou produtos com omisso sobre a nocividade ou periculosidade (artigo 63, do CDC).J pela prpria participao na deciso conjunta que levou realizao da conduta incriminada constitui concorrncia. Por vezes, esta deliberao do dirigente poder assumir tal relevncia de modo a no mais constituir mera participao, mas a revelar o domnio finalstico do fato, configurando autntica autoria (ou co-autoria) pela teoria final-objetiva.A parte final do artigo 75 do CDC, por sua vez, prev, por extenso tpica, outras formas de concorrncia ao delito, promovendo, permitindo ou aprovando o fornecimento, oferta, exposio venda ou manuteno em depsito de produtos ou a oferta e prestao de servios em condies proibidas, o que vem a contribuir aos crimes contra as relaes de consumo, como j observado.Relevncia causal h em tais comportamentos que, efectivamente, contribuem aos delitos. Reconhecer concorrncia no implica em responsabilizao objetiva, eis que, uma condenao criminal no pode ser embasada to s na causalidade material.Os tipos descrevem condutas causais que devem, no entanto, decorrer de dolo (a regra) ou de culpa (excepo de ser explicitada pela norma incriminadora) a ligarem subjetivamente os autores ou partcipes (estes por fora de norma de adequao tpica indireta) ao delito e aos co-delinquentes (no caso de concurso).O mesmo ocorre com a norma do artigo 75 do CDC, parte final, que descreve as condutas causais, assim como o fazem as normas da Parte Especial do Cdigo Penal e qualquer norma incriminadora. S que a tipicidade por extenso no dispositivo do CDC, enquanto na Parte Especial do Cdigo Penal a adequao tpica direta.s condutas causais, para que haja tipicidade, deve se agregar o elemento subjetivo, como j observado, e, em se tratando de concurso de agentes, liame subjetivo entre eles deve haver. Dito liame no significa, necessariamente, acordo prvio, ajuste, bastando a conscincia de contribuio. Conscincia que ao menos deve existir no partcipe.O dirigente da pessoa jurdica, nas decises conjuntas, j revela participao, concorrendo subjetivamente s infraes como j observado.Esclarecedor se mostra aqui um retorno natureza jurdica das infraes contra as relaes de consumo (e tambm contra o ambiente), questo magnificamente examinada por DAMSIO DE JESUS ("Nova Viso da Natureza dos Crimes Contra as Relaes de Consumo", RT, 696/303).Como destaca o renomado Professor, a moderna realidade social, com o desenvolvimento da tcnica da produo em massa, trouxe novos interesses jurdicos ligados economia de mercado, o que tambm repercutiu no Direito penal que ficou perplexo. Estava a dogmtica penal acostumada a tratar de interesses jurdicos tangveis, como a vida e a incolumidade fsica, "normalmente relacionados a um indivduo, e cujas leses so facilmente perceptveis" (obra citada, pg. 304). Com o progresso surgiram novos interesses e relaes. Eventuais condutas ilcitas de fornecedores podem violar, alm de bens jurdicos individuais, interesses gerais da sociedade que se consubstanciam em normas reguladoras de produo, circulao e distribuio de bens (J. MARQUES BORGES, Direito Penal Econmico e Defesa do Consumidor, Lisboa, Rei dos Livros, 1987, pg. 52).Ditas condutas lesam interesses coletivos ou difusos que no esto vinculados diretamente pessoa humana (que pode individualmente tambm ser atingida, mas no sempre, necessariamente); atingem interesses da ordem econmica.Deste modo, o sujeito passivo principal a coletividade. Porque o interesse coletivo ou difuso, no h um sujeito determinado, ao contrrio do que ocorre na maior parte dos crimes (como o homicdio e a leso corporal) em que h determinao do sujeito passivo (nos exemplos, o homem). bem verdade que o consumidor por vezes surge tambm como sujeito passivo, quando a conduta ilcita contra as relaes de consumo atinge diretamente o consumidor. Neste caso, ser ele sujeito passivo secundrio (por exemplo: venda de mercadoria imprpria artigo 7, IX, Lei 8137/90).A norma de consumo, tutelando diretamente as relaes de consumo, reflexamente tambm protege interesses individuais, como a vida e a incolumidade fsica.Relativamente ao objeto jurdico, outro trao peculiar das infraes de consumo, que no pertence o objeto ao sujeito passivo como na maioria dos casos nos delitos tradicionais (p. ex.: furto, roubo). Geralmente, como bem destaca DAMSIO, o objeto material pertence ao prprio sujeito ativo do delito, o produtor ou fornecedor (ex.: exposio venda de produto imprprio ao consumo).O objeto jurdico principal de tais infraes a relao de consumo. Os interesses individuais, como a vida e a sade que tambm podem ser atingidos, surgem como objetividade jurdica secundria.Por isso, tais infraes no so de perigo abstrato ou concreto como o primeiro entendimento surgido edio do Cdigo de Defesa do Consumidor.Perigo (por vezes dano tambm) pode existir pessoa, ao indivduo (sade, vida). Mas, concretamente, h dano s relaes de consumo, como j se observou ao incio deste trabalho."O que abstrato vista dos bens jurdicos pessoais, concreto em relao a bens jurdicos coletivos. No direito penal econmico, o que, dirigido ao patrimnio individual, perigo abstrato, pode atingir, efetivamente, o funcionamento do sistema social" (TUPINAMB PINTO DE AZEVEDO, em texto indito citado por ANTNIO HERMAN BENJAMIN, "o Direito Penal do Consumidor: Captulo do Direito Penal Econmico", Revista Direito do Consumidor, 1/112).Como bem conclui o Professor DAMSIO, as infraes em exame so de leso, de dano mesmo. No de dano ou de leso no sentido tradicional, de ofensa atingindo o objeto material da infrao, mas sim, lesionando o interesse jurdico. Nos crimes contra as relaes de consumo sempre h leso, dano, ao interesse jurdico tutelado que se trata, justamente, das relaes de consumo.A leso ou perigo de leso aos interesses individuais, como a sade e a incolumidade fsica, que podem restar atingidos ou postos em perigo, no essencial caracterizao do crime contra as relaes de consumo que exige, por seu turno, dano a estas relaes, como objetividade jurdica principal da tutela. Como no exemplo de DAMSIO, na infrao de colocao de produto imprprio, com a simples exposio de tal produto na prateleira do estabelecimento, perigo abstrato haver, em se considerando os consumidores. Adquirida a mercadoria, perigo concreto existir. Leso, todavia, h com a simples conduta de colocao no mercado daquele produto porque ferido o respeito que deve existir nas relaes de consumo como decorrncia do princpio bsico da boa-f que deve nortear as relaes. Houve, pois, dano, ao bem jurdico tutelado, s relaes de consumo, dispensada qualquer averiguao de dano ou perigo aos interesses individuais.Precisada tal natureza como de dano s relaes de consumo, conclua-se que o dirigente da pessoa jurdica, estabelecido e atuante no mercado de consumo, tem a conscincia de atingir, de lesionar as relaes de consumo com aquelas condutas tipificadoras de crimes a que contribui. Poder-se- perquirir a respeito da conscincia de atentar contra os bens jurdicos secundrios, como a vida e a sade que reflexamente podero ser atingidas, conscincia que por vezes pode no restar evidenciada. Todavia, conscincia ter ele de atentar contra as relaes de consumo, ou seja, contra a objetividade jurdica principal.Portanto, pela peculiar caracterstica destas infraes, podemos encontrar o elemento subjetivo, a conscincia de contribuir ao delito, no dirigente da pessoa coletiva atravs da qual vem a ser cometidas.Desta forma, podemos encontrar a concorrncia no s causal, mas subjetiva do dirigente, tanto nas infraes contra as relaes de consumo, como nas ambientais, pela similitude entre as mesmas quanto aos bens tutelados, no s os interesses individuais, mas a tutela da coletividade e das prprias relaes de consumo e do meio ambiente.4.2. Criminalizao da pessoa jurdicaEm decorrncia de a grande maioria das infraes contra o ambiente e as relaes de consumo ocorrerem na complexidade da pessoa jurdica, recaindo, como observa MARCO ANTONIO ZANELLATO, a responsabilidade, ordinariamente, sobre funcionrios que agiram sob as ordens dos dirigentes e, temendo represlias, no os incriminam, surgiu a busca da criminalizao da pessoa jurdica.Sabidamente, duas teorias tratam da questo:a) pela da fico, criada por SAVIGNY, a pessoa jurdica fictcia, uma abstrao sendo incapaz de delinquir por lhe faltar vontade e ao. Os delitos que por seu meio vierem a ser praticados o so por seus representantes, ou seja, pelas pessoas naturais que so a realidade por trs da fico.b) a teoria da realidade, de OTTO GIERKE, afirma que a pessoa jurdica um ente real, tem existncia real, independente dos indivduos que a compem. Possue personalidade real e vontade prpria, capaz de ao e de praticar infraes penais.A da fico tem prevalecido, principalmente nos sistemas jurdicos de direito positivo.Grande e expressivo qualitativamente segmento da doutrina (basta citar, dentre outros, JOS HENRIQUE PIERANGELLI, RENE ARIEL DOTTI e LUIZ REGIS PRADO) que tem abordado a questo ambiental, posiciona-se pela impossibilidade de criminalizao da pessoa jurdica.Um dos argumentos, me parece, sem grande dificuldade de ser rebatido. o que concerne impossibilidade de sujeio pena corporal, a principal em matria criminal. Se, por bvio, tal pena de encarceramento no pode ser imposta pessoa moral, outras penas eficazmente podem ser aplicadas criminalmente, como as pecunirias, servios comunitrios, suspenso de atividades e at a dissoluo da empresa.Dificuldade maior est na conciliao com o conceito de fato punvel que exige como base a ao e tem, pelo entendimento majoritrio, como um dos seus elementos a culpabilidade.RENE ARIEL DOTTI observa que ao, "como elemento estrutural do crime ao (ou conduta) do homem ("Meio Ambiente e Proteco Penal", em Fascculos de Cincias Penais, 94, n. 4, pg. 21).S o homem capaz de vontade que integra a ao que vontade conscientemente dirigida a um fim para os finalistas. "Ao humana e exerccio de atividade final", (WELZEL, Derecho Penal Aleman, 2. edio castellana, pg. 50).Culpabilidade tampouco poderia ser encontrada na pessoa jurdica. S a pessoa humana tem capacidade genrica de entender e querer. A potencial conscincia da ilicitude, elemento da culpabilidade, atributo exclusivo do homem, da pessoa fsica. Impossvel encontrar-se numa empresa comercial, por exemplo, tal conscincia. Nem ser razovel, diz RENE ARIEL DOTTI, formular um juzo de reprovabilidade penal pelo desempenho de uma instituio financeira (obra citada, pg. 24).Assentado em tais princpios, o direito penal tradicional tem concludo que s pode ser sujeito ativo do delito a pessoa natural, nica capaz de vontade, de ao finalista e dotada de culpabilidade.Todavia, a complexidade da vida moderna, das relaes econmicas tem cada vez mais substitudo a pessoa individual pelas empresas ou grupos de empresas, atravs das quais tem sido praticadas as mais expressivas infraes, no plano econmico, das relaes de consumo e atentatrias ao meio ambiente.Cada vez mais os crimes tem sido cometidos por meio da pessoa jurdica. Punir-se to s a pessoa natural que atua no seu seio, burlaria o sistema penal, ou porque, muitas vezes, no se chegaria individualizao do sujeito ativo, ou porque, punindo-se apenas o indivduo, pouco importaria empresa ou grande consrcio de empresas, que um simples representante ou "homem de palha" sofresse as consequncias do delito, desde que, ela, pessoa jurdica, continuasse desfrutando dos efeitos de sua atividade delitiva (JUAN BUSTOS RAMIREZ, "Perspectivas Atuais do Direito Penal Econmico", Fascculos de Cincias Penais, vol. 4, n. 2, pg. 10).Assim, bem andou a Constituio de 1988 no estabelecer a responsabilidade da pessoa jurdica nas infraes criminais contra a ordem econmica, financeira e a economia popular, dentre elas as contra as relaes de consumo (artigo 173, 5.), assim como nas contra o meio ambiente (artigo 225, 3.).Para que haja tal responsabilizao criminal, no entanto, h que se repensar o Direito Penal, como observa JOS HENRIQUE PIERANGELLI (Escritos Jurdicos Penais, "A Constituio e a Responsabilidade Penal das Pessoas Jurdicas", RT, 1992, pg. 182)."Assim como surgiu uma dogmtica dos delitos de omisso diferente dos delitos de ao e uma dogmtica dos delitos culposos diferente dos delitos dolosos, tem que surgir agora uma dogmtica dos delitos com co-atuao da pessoa jurdica diferente daquela em que somente se d a interveno de uma pessoa natural" (JUAN BUSTOS RAMIREZ, obra citada, pgs. 11 e 12).No podemos ficar adstritos s regras do direito penal tradicional, impondo-se um redimensionamento de suas regras, vista da peculiaridade da pessoa jurdica como sujeito ativo do delito.No tocante capacidade de ao, a pessoa jurdica capaz de conduta no campo penal. Se pode contratar, o pode fazer fraudulentamente (JOO MARCELO ARAJO Jr. e MARINO BARBERO SANTOS, A Reforma Penal. Ilcitos Penais Econmicos, pg. 65).H que se redefinir o fato punvel e a culpabilidade.Pela maioria da doutrina, mesmo os finalistas, o fato punvel tem como seus elementos a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade. No entanto, como observa MIRABETE, a teoria finalista adotou a concepo normativa pura, de modo que a culpabilidade no tem o dolo e a culpa como elementos (ao contrrio da concepo psicolgica) e to s a potencial conscincia da ilicitude e a exigibilidade de outra conduta, sendo pressuposto a imputabilidade. Por isso, sustenta MIRABETE, pela teoria finalista, estando o dolo e a culpa j no tipo, o crime ser apenas o fato tpico e antijurdico. Culpabilidade apenas a reprovabilidade da conduta, podendo, assim, existir crime sem culpabilidade que no constitui elemento do fato punvel e to s pressuposto de aplicao da pena. (Manual de Direito Penal, vol. 1, 1. edio, pgs. 98 e 100). No mesmo sentido se posiciona DAMSIO DE JESUS (Direito Penal, 1. vol. 15. edio, pg. 398).Capaz de ao, pode a pessoa jurdica realizar crime, ao tpica e antijurdica.No tocante culpabilidade, h que se redefini-la em relao pessoa coletiva. possvel um juzo (que sempre externo) de reprovabilidade a respeito de uma empresa, no sentido de que poderia ter agido doutra forma.A pessoa natural distinta da pessoa jurdica. Assim, devem receber tratamento diferenciado.No se pode buscar na pessoa jurdica o que ela no pode ter, qual seja, a conscincia da ilicitude. Mas se pode encontrar uma conduta e chegar a um juzo de reprovao social e criminal sobre a ao da pessoa jurdica.Assim, distinto deve ser o conceito de culpabilidade com a relao pessoa fsica e a jurdica, no tendo como elemento, com relao ltima, a potencial conscincia da ilicitude, exigvel no tocante pessoa natural. Assim, diferentemente deve ser medida e conceituada a culpabilidade das distintas pessoas.Na pessoa jurdica, como a finalidade da pena no idntica modificao da vontade (ao juzo interno de reconhecimento do erro como ocorre em relao pessoa fsica) mas exemplaridade e retribuio, basta o juzo de reprovabilidade sem a conscincia da ilicitude (que s a pessoa humana pode ter) para que haja culpabilidade e imposio de pena. Possvel, assim, a criminalizao da pessoa jurdica, compatvel com um direito penal consentneo com o seu tempo de reclamo punio da criminalidade contra interesses coletivos e difusos, como as infraes contra as relaes de consumo e o meio ambiente.Repensemos, pois, o direito penal, adequando-o ao seu tempo.Eldio LeceyJuiz de AladaPresidente do Brasilcon1. Similitude entre os delitos ambientais e os contra as relaes de consumo

* Interveno nas 1.as Jornadas Luso-Brasileiras sobre Proteco Judiciria do Ambiente e do Consumidor, organizadas pelo Centro de Estudos Ambientais e de Defesa do Consumidor do Ministrio da Justia - CEJ e Escola Nacional de Magistratura do Brasil, em Lisboa, nos dias 19 a 22 de Junho de 1996.