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LIBERALIZAÇÃO DO SECTOR POSTAL Principais questões concorrenciais - Julho de 2010 - Autoridade da Concorrência

Autoridade da Concorrência · Directivas Postais comunitárias, a extensão da área reservada deverá ser progressivamente reduzida com vista à total liberalização. 9. Neste

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Page 1: Autoridade da Concorrência · Directivas Postais comunitárias, a extensão da área reservada deverá ser progressivamente reduzida com vista à total liberalização. 9. Neste

LIBERALIZAÇÃO DO SECTOR POSTAL

Principais questões concorrenciais

- Julho de 2010 -

Autoridade da Concorrência

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ÍNDICE

Sumário executivo ...................................................................................................... 3

1. Introdução .......................................................................................................... 6

2. Caracterização do sector ...................................................................................... 8

2.1. Introdução ................................................................................................... 8

2.2. Segmentação do mercado .............................................................................. 8

2.3. Cadeia de valor ............................................................................................. 9

2.4. Processo de liberalização .............................................................................. 11

2.5. Caracterização do sector: conclusões ............................................................. 14

3. Mercado português ............................................................................................ 15

3.1. Introdução ................................................................................................. 15

3.2. Área liberalizada vs. Área reservada .............................................................. 15

3.3. Estrutura de mercado .................................................................................. 18

3.4. Preços e qualidade de serviço ....................................................................... 21

3.5. Mercado português: conclusões ..................................................................... 22

4. Condicionalismos à entrada e à expansão ............................................................. 24

4.1. Introdução ................................................................................................. 24

4.2. Condicionalismos legais ................................................................................ 24

4.3. Condicionalismos naturais ............................................................................ 28

4.4. Condicionalismos à entrada e à expansão: conclusões ..................................... 32

5. Comportamentos anti-concorrenciais ................................................................... 35

5.1. Introdução ................................................................................................. 35

5.2. Tipificação de comportamentos ..................................................................... 35

5.3. Prática decisória da Comissão Europeia .......................................................... 37

5.4. Prática decisória das ANC ............................................................................. 42

5.5. Comportamentos anti-concorrenciais: conclusões ............................................ 44

6. Conclusões e recomendações .............................................................................. 46

Bibliografia ............................................................................................................... 50

Anexo I – Glossário ................................................................................................... 51

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Tráfego postal por área e serviço (2009) ....................................................... 18

Gráfico 2: Tráfego postal por área e por serviço, em milhares de itens (2007-2009) ......... 18

Gráfico 3: Tráfego postal liberalizado por destino (2009) ............................................... 18

Gráfico 4: Tráfego postal liberalizado por destino, em milhares de itens (2007-2009) ........ 18

Gráfico 5: Capitação postal (2004-2009) ..................................................................... 19

Gráfico 6: Prestadores de serviços postais em actividade (2002-2009) ............................ 19

Gráfico 7: Mercado liberalizado de tráfego postal por destino: quotas de mercado dos CTT (2008-2010) ............................................................................................................ 20

Gráfico 8: Mercado liberalizado de tráfego postal por serviço: quotas de mercado dos CTT (2008-2010) ............................................................................................................ 20

Gráfico 9: Índice da evolução de preços (2006-2008) .................................................... 21

Gráfico 10: Indicador global de qualidade (2006-2008) ................................................. 22

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1: Serviços abrangidos pela área reservada na UE27 ........................................... 17

Tabela 2: Serviços postais isentos de IVA na UE27 ........................................................ 27

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Cadeia de valor tradicional ............................................................................. 9

Figura 2: Nova cadeia de valor ................................................................................... 10

Figura 3: Segmentação actual do mercado por área liberalizada e área reservada ............. 17

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SUMÁRIO EXECUTIVO

1. O presente documento de orientação tem por objecto avaliar a situação concorrencial

do sector postal em Portugal e identificar os principais condicionalismos enfrentados

pelos prestadores de serviços postais alternativos ao incumbente.

2. A proximidade da data de conclusão do processo de liberalização do sector postal,

iniciado no final dos anos 90 do século XX, poderá implicar um aumento das questões

de natureza concorrencial neste sector, à semelhança do verificado em outras

indústrias de rede. Este facto motivou a Autoridade da Concorrência (AdC), seis meses

antes da abertura total do mercado postal prevista na terceira Directiva Postal, a

publicar o presente documento de orientação.

3. A liberalização do sector postal em Portugal, tem vindo a traduzir-se na progressiva

restrição do lote de serviços constante da área reservada, embora o âmbito da mesma

seja ainda muito abrangente no contexto europeu.

4. Relativamente aos preços dos principais serviços postais incluídos no âmbito do Serviço

Universal (SU), estes têm vindo a reduzir-se em Portugal, por via da intervenção

regulamentar, comparando favoravelmente com a média comunitária. Ainda assim, a

procura de serviços postais no nosso país diminuiu nos últimos anos, em resultado da

crise económica e da crescente substituição destes serviços por meios electrónicos

alternativos de envios de correspondência e publicidade.

5. Por outro lado, os CTT – Correios de Portugal S.A. (CTT) mantêm uma posição de

liderança na maior parte dos segmentos de mercado dos serviços postais abertos à

concorrência, com quotas em volume superiores a 90%. Os serviços de correio

expresso, que representam cerca de 2% do tráfego postal total e aproximadamente

25% das receitas totais do sector, constituem a excepção a este cenário.

6. Esta posição de liderança por parte dos CTT resulta do facto de uma parte significativa

dos segmentos de mercado de serviços postais se caracterizar por uma fraca

contestabilidade, em face da existência de elevados condicionalismos à entrada e à

expansão.

7. O primeiro conjunto destes condicionalismos relaciona-se com questões legais,

nomeadamente a existência de uma área reservada, os processos de licenciamento,

com o acesso à rede, o tratamento fiscal diferenciado, os requisitos da obrigação de SU

e a incerteza regulatória.

8. A adopção de regras de abertura dos mercados à concorrência tem permitido atenuar

parte destes condicionalismos à entrada e à expansão. Com efeito, de acordo com as

Directivas Postais comunitárias, a extensão da área reservada deverá ser

progressivamente reduzida com vista à total liberalização.

9. Neste contexto, e tendo como objectivo a promoção da concorrência e do bem-estar

dos consumidores, a AdC recomenda:

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(i) que o serviço postal seja assegurado, sempre que possível, por mecanismos de

mercado, incluindo procedimentos concursais, nas regiões em que tal for viável;

(ii) que o processo de selecção do prestador de SU seja transparente e desenhado

de modo a incluir o maior número de candidatos habilitados a efectuar esta

prestação;

(iii) que o acesso aos elementos de rede da infra-estrutura postal seja assegurado,

em condições transparentes e não discriminatórias, a todos os prestadores

concorrentes aos CTT, o mesmo se aplicando ao nível da interoperabilidade entre

redes; e

(iv) que se garanta a existência de um level playing field através da revisão das

regras fiscais aplicáveis, em particular, no que concerne à isenção de IVA.

10. Um segundo conjunto de condicionalismos relaciona-se com características intrínsecas

destes mercados (condicionalismos naturais), prevendo-se a sua persistência mesmo

após a plena liberalização do sector.

11. Os condicionalismos naturais à entrada e à expansão do lado da procura resultam da

possível existência de efeitos de reputação, efeitos de carteira ou portfolio, custos de

mudança e de contrapoder negocial dos compradores.

12. Neste caso, e no que ao mercado português diz respeito, destacam-se os efeitos de

reputação e de carteira ou portfolio, na medida em que os CTT, por operarem no

mercado há mais tempo e beneficiarem da confiança dos seus clientes, detêm uma

vantagem competitiva significativa face aos prestadores concorrentes.

13. Do lado da oferta, os condicionalismos naturais à entrada e à expansão relacionam-se

com os custos afundados, as economias de escala, as economias de densidade, as

economias de gama e os efeitos de rede.

14. As economias de densidade, resultantes de uma maior concentração geográfica do

tráfego postal em certas áreas, são das mais relevantes, condicionando a

contestabilidade de determinados segmentos de mercado (i.e. em áreas de menor

densidade populacional, logo de menor tráfego postal).

15. Em face dos condicionalismos à entrada e à expansão presentes neste sector, os

entrantes tenderão a adoptar estratégias focadas em nichos de mercado ou na

captação de grandes clientes empresariais. É ainda expectável que os entrantes se

concentrem na oferta de serviços com custos fixos reduzidos ou no desenvolvimento de

determinados serviços da nova cadeia de valor dos serviços postais. As zonas urbanas

de Lisboa e Porto, por serem as áreas de maior densidade de tráfego postal, são

aquelas em que mais facilmente os entrantes prestarão serviços em toda a cadeia de

valor.

16. A provável entrada no mercado de novos prestadores de serviços postais, com a

progressiva liberalização do sector, pode potenciar a adopção de comportamentos anti-

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concorrenciais. Com efeito, nos últimos anos, foram adoptadas decisões condenatórias,

tanto por parte da Comissão Europeia como das Autoridades Nacionais de Concorrência

(ANC) dos diversos Estados-Membros.

17. As práticas restritivas de concorrência mais usuais correspondem à discriminação de

preços e/ou de qualidade (e.g. aplicação de descontos de quantidade e/ou fidelização),

à adopção de preços predatórios ou de preços excessivos, ao esmagamento de

margens, a recusas de acesso e ao tying. As práticas de discriminação podem revelar-

se especialmente gravosas, sendo importante garantir o acesso de forma não

discriminatória a preços e outras condições da oferta.

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1. INTRODUÇÃO

18. O sector postal é um sector relevante da economia, afectando a competitividade de

outros sectores de actividade económica. Este sector, isoladamente, é responsável por

receitas que representam cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) da União

Europeia (UE) e emprega, aproximadamente, 2 milhões de pessoas1.

19. Os serviços postais têm estado sujeitos a um processo gradual de liberalização, que

teve início no final dos anos 90 do século XX e que deverá estar concluído, na maioria

dos Estados-Membros da UE, no início de 2011.

20. Com a progressiva abertura do mercado à concorrência, e com o crescimento do

número de concorrentes, é expectável que surjam várias questões de natureza

concorrencial, à semelhança do verificado em outras indústrias de rede, tal como as

comunicações electrónicas.

21. Neste sentido, o objectivo do presente relatório, realizado ao abrigo dos poderes de

supervisão da Autoridade da Concorrência (AdC), consiste em avaliar a situação

concorrencial actual do sector postal em Portugal e identificar os principais

condicionalismos à concorrência que os prestadores de serviços postais alternativos ao

incumbente poderão enfrentar.

22. Para o efeito, foi consultado o ICP-Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-

ANACOM), tendo os comentários do regulador sectorial sido tidos em consideração na

elaboração do relatório.

23. Este relatório encontra-se, assim, estruturado em cinco principais áreas de análise. A

primeira apresenta um enquadramento geral do sector, em termos da sua

segmentação por produtos ou serviços, da sua cadeia de valor e do processo de

liberalização (cf. secção 2).

24. A segunda área de estudo é referente ao mercado português, em termos da sua

evolução, segmentação por área reservada e área liberalizada, estrutura da oferta e

nível de preços (cf. secção 3).

25. Em terceiro lugar, são analisados os principais condicionalismos concorrenciais,

designadamente os condicionalismos à entrada e à expansão que um potencial

concorrente terá que enfrentar, distinguindo entre os condicionalismos legais e os

condicionalismos naturais (cf. secção 4).

26. Os comportamentos anti-concorrenciais típicos e que têm sido avaliados pela Comissão

Europeia e por Autoridades Nacionais da Concorrência (ANC) dos diversos Estados-

Membros constituem a quarta área de estudo (cf. secção 5).

1 Cf. WIK (2009a). Note-se que apesar do rácio do valor das receitas relativamente ao PIB não ser o indicador ideal para avaliar do peso do sector postal na economia, ainda assim permite dar uma ideia da sua importância.

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27. Por fim, são apresentadas as conclusões, incluindo a identificação de um conjunto de

factores que poderão suscitar uma actuação no sentido de promover a existência de

um level playing field que contribua para o desenvolvimento de uma concorrência mais

efectiva no sector postal (cf. secção 6).

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2. CARACTERIZAÇÃO DO SECTOR

2.1. Introdução

28. Os serviços postais constituem um instrumento essencial para a comunicação e o

comércio, não apenas numa vertente económica, mas igualmente social. A importância

destes serviços continua a ser evidente, não obstante uma cada vez maior utilização

das comunicações electrónicas.

29. Nas secções seguintes procede-se, em primeiro lugar, à identificação dos diferentes

segmentos da oferta de serviços postais, seguida da descrição da cadeia de valor

tradicional e da nova cadeia de valor do sector postal e, em último lugar, apresentam-

se as etapas do processo de liberalização deste sector.

2.2. Segmentação do mercado

30. A oferta de serviços postais pode ser segmentada de acordo com várias dimensões,

salientando-se a segmentação por tipo de cliente, por produto, por necessidade, por

volume e frequência e, em último lugar, por área geográfica2.

31. No que concerne à segmentação por tipo de cliente, a mesma reflecte diferenças no

tipo de serviços procurados por clientes empresariais e clientes residenciais. Neste

sentido, identificam-se os seguintes possíveis segmentos de mercado: Business to

Business (B2B), Business to Consumer (B2C), Consumer to Business (C2B) e Consumer

to Consumer (C2C).

32. Refira-se que o segmento B2X (B2C e B2B) é responsável por uma parte significativa

do tráfego postal, tendo o seu peso vindo a crescer nos últimos anos (e.g. em Portugal,

em 2003, cerca de 90% do tráfego postal respeitava a estes clientes3).

33. Por outro lado, o mercado postal pode ser segmentado em função dos produtos

oferecidos: correspondência; publicidade endereçada (direct mail); encomendas; livros,

catálogos, jornais e publicações periódicas; correspondência não endereçada; e correio

expresso.

34. Em particular, a correspondência inclui as comunicações escritas num suporte físico de

qualquer natureza e destinadas a serem transportadas e entregues no endereço

indicado no próprio objecto ou no seu invólucro.

35. Já o correio expresso caracteriza-se pela aceitação, tratamento, transporte e

distribuição, com celeridade acrescida, de envios de correspondências e encomendas

postais, diferenciando-se dos demais serviços postais pela realização, entre outros

eventualmente contratados com os clientes, dos seguintes serviços suplementares:

prazo de entrega pré-definido e registo de envios; garantia de responsabilidade do

prestador autorizado, mediante seguro ou outro meio de ressarcimento dos prejuízos

2 Determinados autores consideram, adicionalmente, uma segmentação por tipo de garantia de entrega, distinguindo entre correio registado e correio não registado. 3 Cf. Accenture (2006).

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causados; e controlo do percurso dos envios pelo circuito operacional do prestador

autorizado, identificando o estado do envio.

36. As necessidades dos clientes permitem, igualmente, identificar diversos segmentos de

prestação de serviços postais, nomeadamente, comunicação (ao qual se encontram

associadas as correspondências), transporte (em geral de encomendas), publicidade

(endereçada e não endereçada) e outros (jornais, cartões festivos, etc.).

37. Em termos do volume e da frequência, distinguem-se os seguintes segmentos: correio

em quantidade (bulk mail) e envio individual de correio. O correio em quantidade

agrupa vários objectos postais num único envio (e.g. publicidade endereçada), ao

contrário do envio individual de correio.

38. Por fim, geograficamente os serviços postais podem ser segmentados em correio

nacional e internacional. O correio nacional pode, adicionalmente, ser segmentado de

acordo com a densidade populacional, distinguindo-se os centros urbanos dos extra-

urbanos. Por outro lado, o correio internacional divide-se em internacional de entrada4

e internacional de saída5.

2.3. Cadeia de valor

39. Tradicionalmente, a oferta de serviços postais pressupõe as actividades de aceitação,

tratamento, transporte e distribuição de envios postais, tal como pode ser observado

na cadeia de valor constante da Figura 1. Estas actividades podem, igualmente, ser

encaradas como possíveis segmentos de mercado6.

Figura 1: Cadeia de valor tradicional

40. A actividade de aceitação (ou recolha) traduz o conjunto de operações relativas à

admissão dos envios postais numa rede postal, nomeadamente a recolha de envios

postais nos respectivos pontos de acesso. Os pontos de acesso correspondem a locais

físicos que incluem os marcos e as caixas de correio à disposição do público, quer na

via pública, quer nas instalações do prestador (i.e. estações e postos de correios), onde

os clientes podem depositar os envios postais.

41. O tratamento (ou triagem) consiste na preparação dos envios postais, nas instalações

do prestador, para o seu transporte até ao centro de distribuição da área a que se

destinam. Neste caso, pode distinguir-se a actividade de tratamento de envios postais

na origem e no destino.

4 Correio internacional de entrada corresponde a correio com origem num terceiro país e destinado a Portugal. 5 Correio internacional de saída corresponde a correio com origem em Portugal e destinado a um terceiro país. 6 Cf. Comissão Europeia, Comunicação 98/C39/02 relativa à aplicação das regras de concorrência ao sector postal e à apreciação de certas medidas estatais referentes aos serviços postais, Jornal Oficial C 39 de 06.02.1998.

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42. O transporte de envios postais pressupõe a deslocação destes, por meios técnicos

adequados, desde o ponto de acesso à rede postal até ao centro de distribuição da área

a que se destinam.

43. Por fim, a actividade de distribuição corresponde ao conjunto de operações realizadas,

desde a divisão dos envios postais no centro de distribuição da área a que se destinam

até à entrega aos seus destinatários, nomeadamente, em caixas de correio, apartados

postais7, postos e estações de correios e entrega em mão.

44. A cadeia de valor tradicional do sector postal tem vindo, no entanto, a expandir-se a

actividades a montante e a jusante em face das novas necessidades dos clientes, da

evolução tecnológica e das dinâmicas concorrenciais dos sectores adjacentes.

45. Neste sentido, na Figura 2, apresenta-se a nova cadeia de valor do sector postal que

reflecte um novo modelo de negócio, mais vocacionado para os clientes. Deste modo,

para além das actividades tradicionais supramencionadas (em destaque na Figura 2), a

nova cadeia de valor inclui, a montante, a segmentação de mercado e de cliente, a

definição de conteúdos e a produção, e, a jusante, o tratamento de respostas, a

logística e o processamento de pagamentos.

Figura 2: Nova cadeia de valor

46. As actividades a montante reflectem uma aposta no desenvolvimento de bases de

dados que permitem a segmentação do mercado, assim como na melhoria do processo

de sorting, na optimização da distribuição, na criação de conteúdos em cooperação com

a indústria de publicidade, e também nas actividades de pré-envio (pre-mailing), como

a impressão e a envelopagem e a dinamização do correio híbrido8.

47. Já as actividades a jusante traduzem o desenvolvimento de serviços de valor

acrescentado (e.g. caixa electrónica postal), a organização do processo de devoluções,

a ligação ao comércio electrónico, incluindo a logística de operações de serviços

originados na Internet e a completa integração do serviço postal e financeiro.

48. Saliente-se, por último, que a difusão da utilização da Internet, com o consequente

desenvolvimento do e-commerce e do e-government, tem tido um impacto significativo

sobre a procura e oferta de serviços postais. Por um lado, o comércio electrónico

penaliza os serviços postais, uma vez que, naturalmente, se verificam reduções de

procura nos segmentos C2X (C2C e C2B) e B2C (e.g. envio electrónico de facturas,

7 Os apartados postais correspondem a caixas de correio privativas de um indivíduo ou empresa numa estação postal 8 O correio híbrido corresponde ao envio de uma carta por correio electrónico para um prestador de serviços postais que imprime, envelopa e distribui essa carta.

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extractos bancários, entre outros). Por outro lado, o comércio electrónico gera uma

procura acrescida de serviços postais, na medida em que funciona como um

complemento natural às transacções iniciadas electronicamente (e.g. entrega de

encomendas em resultado de compras realizadas na Internet).

2.4. Processo de liberalização

49. A oferta de serviços postais foi realizada, numa fase inicial, num regime de monopólio,

tendo conhecido uma liberalização mais tardia na UE quando comparado, por exemplo,

com os sectores das comunicações electrónicas ou da energia. Estes monopólios, quase

sempre públicos, eram frequentemente considerados pouco eficientes, por oferecerem

serviços considerados de menor qualidade e por nem sempre estarem suficientemente

orientados para as necessidades dos consumidores.

50. A publicação pela Comissão Europeia, em 1992, do “Livro Verde Postal”, precedeu a

adopção de um quadro comunitário de liberalização dos serviços postais da UE. Este

Livro Verde estimulou a discussão da política postal no contexto da UE, identificando o

risco deste sector não estar a aproveitar as oportunidades proporcionadas pelo

crescimento dos mercados de comunicações e transportes. Por outro lado, a Comissão

reconheceu que o desenvolvimento do sector postal podia ser condicionado pelo

crescimento de outros mercados de comunicações adjacentes.

51. Neste contexto, o Livro Verde lançou as bases para a definição de um quadro

regulamentar que assegurasse o papel dos serviços postais num mercado interno em

transformação, tendo igualmente a preocupação de garantir a prestação de um serviço

postal universal eficiente com cobertura nacional em cada Estado-Membro e a preços

razoáveis.

52. A reforma do sector postal teve, então, início com a Directiva 97/67/CE9 (igualmente

denominada primeira Directiva Postal) que, posteriormente, foi alterada pela Directiva

2002/39/CE10 e pela Directiva 2008/6/CE11 (segunda e terceira Directivas Postais,

respectivamente).

53. Esta reforma visava, por um lado, garantir o serviço postal universal e aumentar a

qualidade de serviço do mesmo e, por outro lado, construir um mercado interno de

serviços postais através da abertura gradual à concorrência dos mercados nacionais e

transfronteiriços.

9 Directiva 97/67/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa às regras comuns para o desenvolvimento do mercado interno dos serviços postais comunitários e a melhoria da qualidade de serviço, de 15.12.1997, publicada no Jornal Oficial n.º L15, de 21.01.1998. 10 Directiva 2002/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, que altera a Directiva 97/67/CE no que respeita à prossecução da abertura à concorrência dos serviços postais da Comunidade, de 10.06.2002, publicada no Jornal Oficial n.º L176, de 05.07.2002. 11 Directiva 2008/6/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, que altera a Directiva 97/67/CE no respeitante à plena realização do mercado interno dos serviços postais da Comunidade, de 20.02.2008, publicada no Jornal Oficial n.º L52, de 27.02.2008.

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54. Neste sentido, a concorrência é vista como um mecanismo essencial à criação de

incentivos que promovam a eficiência e a qualidade dos serviços postais, tendo em

consideração que são as necessidades dos consumidores que devem presidir à

determinação dos serviços oferecidos. A excepção a esta dinâmica concorrencial de

mercado é a prestação do serviço postal universal, para o qual se reconhece a

necessidade de regulação, na medida que o mesmo pode não traduzir um modelo de

negócio economicamente viável.

55. A primeira Directiva Postal definiu, desta forma, o âmbito e os requisitos mínimos para

a prestação do serviço postal universal, assim como as primeiras etapas da abertura

gradual à concorrência dos mercados postais, fixando limites máximos de peso e de

preço dos serviços abrangidos pelo Serviço Universal (SU).

56. Por outro lado, esta Directiva estabeleceu os princípios tarifários e de transparência

contabilística para a prestação do SU, definiu os mínimos de qualidade de serviço,

identificou standards de harmonização técnica e obrigou à criação de reguladores

independentes.

57. A discricionariedade dos Estados-Membros para fazer face às particularidades nacionais

foi igualmente tida em consideração na Directiva, sendo estes, em última análise, os

responsáveis pela determinação dos requisitos necessários à prestação do SU e pela

definição de medidas regulatórias que traduzissem o estabelecido na primeira Directiva

Postal.

58. A segunda Directiva postal surge em 2002, após a adopção da Estratégia de Lisboa

pelos Estados-Membros, reforçando a abertura do sector postal à concorrência ao

diminuir o âmbito da área reservada12, e fixando um calendário para a realização

progressiva da liberalização.

59. Assim, foram estabelecidas duas etapas, a primeira referente à liberalização da oferta

de cartas com peso superior a 100 gramas (ou cujo valor de franquia fosse igual ou

superior a três vezes a tarifa de uma carta normal) e que devia estar concluída até 1

de Janeiro de 2003 e a segunda etapa sujeitando à concorrência as cartas de peso

superior a 50 gramas (ou cujo valor de franquia fosse igual ou superior a duas vezes e

meia a tarifa de uma carta normal) e que tinha como data limite o dia 1 de Janeiro de

200613.

60. Esta segunda Directiva teve por enfoque a definição de um conjunto de regras que

garantissem um level playing field nos mercados nacionais e transfronteiriços,

especialmente relacionadas com a aplicação de tarifas transparentes e não

discriminatórias pelos incumbentes de serviços postais.

12 Área que compreende os serviços prestados em regime de exclusividade pelo prestador de serviço universal. Cf. §81 para identificação dos serviços constantes da área reservada em Portugal. 13 Note-se que em Portugal a franquia de referência corresponde ao preço do escalão de peso até às 20 gramas de uma carta de correio azul nacional.

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61. Por fim, a terceira Directiva Postal fixou como data limite para a abertura total do

mercado postal o dia 31 de Dezembro de 2010 para a maioria dos Estados-Membros

incluindo Portugal (95% do mercado postal da UE em termos de tráfego) e o dia 31 de

Dezembro de 2012 para os restantes Estados-Membros. Esta Directiva, para além de

eliminar a área reservada, suprime quaisquer direitos exclusivos ou especiais para o

estabelecimento e a prestação de serviços postais.

62. Deste modo, ficou estabelecido um calendário para a criação do mercado interno de

serviços postais, com a abolição da área reservada, ao mesmo tempo que se garantiu a

continuação da provisão do SU, com a fixação de regras relativas ao financiamento do

mesmo.

63. Dos 27 Estados-Membros da UE, 6 já liberalizaram plenamente a prestação de serviços

postais, nomeadamente, a Finlândia (1991), a Suécia (1992), o Reino Unido (2006), a

Alemanha (2008), os Países Baixos (2009) e a Estónia (2009). Outros 6 Estados-

Membros, designadamente, a Espanha, a Itália, a Bulgária, a República Checa, a

Roménia e a Eslovénia, já abriram à concorrência uma parte significativa dos mercados

postais.

64. Os restantes 15 Estados-Membros, nos quais se inclui Portugal, apenas liberalizaram

parcialmente a oferta de serviços postais, reduzindo os limites de peso e de preço para

a definição da área reservada. O Chipre, a República Checa, a Grécia, a Hungria, a

Letónia, a Lituânia, o Luxemburgo, Malta, a Polónia, a Roménia e a Eslováquia podem

beneficiar de uma derrogação até 31 de Dezembro de 2012 para completar a total

abertura dos mercados à concorrência.

65. Apesar do processo de liberalização não ter ainda sido concluído em todos os Estados-

Membros, do mesmo têm resultado benefícios para os consumidores. Com efeito, de

acordo com vários estudos realizados14, aumentou a eficiência na prestação de serviços

postais, assim como a qualidade de serviço a estes associada.

66. Por outro lado, não obstante a progressiva liberalização dos mercados, de acordo com

um estudo para a Comissão Europeia15 os preços mantiveram-se estáveis e acessíveis,

tendo, inclusivamente, em alguns segmentos de mercado, decrescido em resultado da

concorrência entre os vários prestadores. Acresce que a oferta de serviços postais

passou a ser mais diversificada, em resposta às necessidades dos clientes (cf. Figura 2

- Nova cadeia de valor dos serviços postais supra).

67. Estes benefícios foram atingidos sem que para isso tenha sido sacrificada a prestação

do serviço postal universal, tendo a regulação garantido a acessibilidade dos

consumidores aos serviços postais em todos os Estados-Membros. Refira-se,

inclusivamente, que em alguns países, e.g. em Portugal, as tradicionais estações de

correio foram substituídas por outlets postais que comercializam um conjunto de

14 Cf., por exemplo, WIK (2009a). 15 Cf. WIK (2009a)

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serviços mais vasto e com um horário de atendimento alargado. Por outro lado, no

nosso país, após uma tendência de redução, desde o segundo semestre de 2008 que se

verifica um aumento do número total de estabelecimento postais16.

68. De salientar, no entanto, que os prestadores incumbentes continuam a deter uma

posição significativa nos respectivos mercados nacionais, inclusivamente nos Estados-

Membros que já concluíram o processo de liberalização, constituindo o serviço de

correio expresso a excepção a este cenário.

2.5. Caracterização do sector: conclusões

69. Os serviços postais constituem um instrumento essencial para a comunicação e o

comércio, sendo que a sua importância continua a ser evidente, não obstante uma

cada vez maior utilização das comunicações electrónicas.

70. A oferta destes serviços pode ser segmentada por tipo de cliente (empresariais ou

residenciais), por produto (correspondência, publicidade endereçada, encomendas,

livros, catálogos, jornais e publicações periódicas, correspondência não endereçada e

correio expresso), por necessidade (comunicação, transporte, publicidade e outros),

por volume e frequência (correio em quantidade e envio individual de correio) e, em

último lugar, por área geográfica (nacional e internacional).

71. A cadeia de valor tradicional do sector postal inclui as actividades de aceitação,

tratamento, transporte e distribuição de envios postais. Esta cadeia de valor tem vindo,

no entanto, a expandir-se a actividades a montante (incluindo a segmentação de

mercado e de cliente, a definição de conteúdos e a produção) e a jusante (onde se

integram o tratamento de respostas, a logística e o processamento de pagamentos),

em face das novas necessidades dos clientes, da evolução tecnológica e das dinâmicas

concorrenciais dos sectores adjacentes.

72. Também a difusão da utilização da Internet, com o consequente desenvolvimento do e-

commerce e do e-government, tem tido um impacto significativo e crescente sobre a

procura e oferta de serviços postais.

73. Este sector tem estado sujeito a um processo gradual de liberalização que deverá estar

concluído, na maioria dos Estados-Membros, até 31 de Dezembro de 2010. Dos 27

Estados-Membros da UE, 6 já liberalizaram plenamente a prestação de serviços postais,

enquanto os restantes 21 Estados-Membros, nos quais se inclui Portugal, apenas

liberalizaram parcialmente a oferta de serviços postais.

16 Cf. ICP-ANACOM, Rede de estabelecimentos postais relativos aos CTT – Correios de Portugal, S.A., no final do ano 2009, disponível em: http://www.anacom.pt/streaming/relatorio_rede_postal2009.pdf?contentId=1025104&field=ATTACHED_FILE.

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3. MERCADO PORTUGUÊS

3.1. Introdução

74. De acordo com a Lei de Bases dos Serviços Postais (Lei n.º 102/99, de 26 de Julho), o

sector postal em Portugal engloba todas as entidades e actividades relacionadas com o

estabelecimento, a gestão e a exploração de serviços postais no território nacional,

bem como os serviços internacionais com origem ou destino no território nacional.

75. Inicialmente, estes serviços eram prestados em regime de monopólio no nosso país e

em conjunto com os serviços de telecomunicações, por entidades que vieram, mais

tarde, a dar origem aos actuais CTT – Correios de Portugal S.A. (CTT). Mais

recentemente, em resultado da adopção do quadro comunitário de liberalização do

sector postal, a oferta destes serviços tem vindo a ser progressivamente aberta à

concorrência.

76. A regulação sectorial, no que aos mercados postais diz respeito, é bastante

abrangente, fruto do processo de liberalização previsto nas Directivas Postais ter sido

tardio, sendo o ICP-ANACOM a entidade responsável, entre outras actividades, pela

emissão de licenças e autorizações, pela fiscalização da qualidade e do preço dos

serviços postais abrangidos pelo SU, e pela fiscalização do cumprimento, por parte dos

operadores de serviços postais, das disposições legais e regulamentares relativas à

actividade, bem como pela aplicação das respectivas sanções em caso de

incumprimento.

77. O sector postal representava, no ano de 2008, aproximadamente 0,7% do PIB

português, gerando receitas de 1.082 milhões de euros, e empregava cerca 0,33% da

população activa, i.e., 17.131 trabalhadores17.

78. Em seguida, apresenta-se uma descrição do sector postal em Portugal em termos da

sua segmentação por área reservada e área liberalizada, analisando-se, por outro lado,

a estrutura de mercado e o nível de preços e qualidade de serviço.

3.2. Área liberalizada vs. Área reservada

79. No nosso país, a prestação do serviço postal universal18 foi concessionada pelo Estado

Português aos CTT, empresa com 100% de capitais públicos, por um período de 30

anos, nos termos das Bases de Concessão anexas ao Decreto-Lei n.º 448/99, de 4 de

Novembro e posteriormente alteradas pelo Decreto-Lei n.º 116/2003, de 12 de Junho,

e pelo Decreto-Lei n.º 112/2006, de 9 de Junho.

17 Cf. ICP-ANACOM, Anuário do Sector das Comunicações em Portugal, 2009, disponível em: http://www.anacom.pt/streaming/anuario_Sector_Comunicacoes_2009.pdf?contentId=993022&field=ATTACHED_FILE. 18 De acordo com o artigo 5.º da Lei de Bases dos Serviços Postais, o serviço postal universal corresponde à oferta permanente de serviços postais com qualidade especificada, prestados em todos os pontos do território nacional, a preços acessíveis a todos os utilizadores, visando a satisfação das necessidades de comunicação da população e das actividades económicas e sociais.

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80. A concessão tem por objecto o estabelecimento, a gestão e a exploração da rede postal

pública, a prestação de serviços e actividades reservados e a prestação de serviços

postais não reservados, mas que integram o serviço postal universal.

81. No que concerne aos serviços e actividades reservados, restringidos em 2006 em linha

com a Directiva 2002/39/EC, os CTT prestam os seguintes serviços:

(i) serviço postal de envios de correspondência, incluindo a publicidade endereçada,

quer seja ou não efectuado por distribuição acelerada, cujo preço seja inferior a

duas vezes e meia a tarifa pública de um envio de correspondência do primeiro

escalão de peso da categoria normalizada mais rápida, desde que o seu peso

seja inferior a 50 g, no âmbito nacional e internacional;

(ii) serviço postal de envios de correspondência registada e de correspondência com

valor declarado, incluindo os serviços de citação via postal e notificações penais,

dentro dos mesmos limites de preço e peso referidos na alínea anterior, no

âmbito nacional e internacional;

(iii) emissão e venda de selos e outros valores postais;

(iv) emissão de vales postais; e, finalmente,

(v) colocação, na via pública, de marcos e caixas de correio destinados à recolha de

envios postais.

82. Por outro lado, existem ainda serviços que, embora não reservados, integram o serviço

postal universal, nomeadamente:

(i) serviço postal de envios de correspondência, incluindo a publicidade endereçada,

quer seja ou não efectuado por distribuição acelerada, cujo preço seja igual ou

superior a duas vezes e meia a tarifa pública de um envio de correspondência do

primeiro escalão de peso da categoria normalizada mais rápida, desde que o seu

peso seja igual ou superior a 50 g e inferior a 2 kg, no âmbito nacional e

internacional;

(ii) serviço postal de envios de livros, catálogos, jornais e outras publicações

periódicas, até 2 kg de peso;

(iii) serviço de encomendas postais até 20 kg de peso; e, por último,

(iv) serviço postal de envios registados e de envios com valor declarado, incluindo os

serviços de citação e notificação judiciais por via postal não abrangidos nos

limites de preço e peso anteriormente mencionados.

83. Os serviços da área não reservada e que não são abrangidos pelo serviço postal

universal correspondem aos constantes dos pontos seguintes:

(i) correio expresso;

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(ii) exploração de centros de trocas de documentos19; e, por fim,

(iii) outros serviços, que se enquadrem na definição de serviço postal e que não

estejam abrangidos pelo SU, nomeadamente os que a evolução tecnológica

permite prestar e que se diferenciam dos serviços tradicionais.

84. A Figura 3 sumariza a segmentação supra referida, distinguindo entre serviços

constantes do SU e serviços fora do âmbito do SU e, do conjunto dos primeiros, entre

serviços constantes da área reservada e serviços não reservados.

Figura 3: Segmentação actual do mercado por área liberalizada e área reservada

85. Comparando Portugal com os restantes Estados-Membros da UE, constata-se, na

Tabela 1, que o nosso país se encontra no grupo dos Estados-Membros para os quais o

âmbito da área reservada é mais abrangente.

Tabela 1: Serviços abrangidos pela área reservada na UE2720

Países

Liberalização total Alemanha, Finlândia, Países Baixos, Suécia, Estónia, Reino Unido e Espanha21

Correspondência Bulgária, Rep. Checa, Roménia e Eslovénia

Correspondência e Internacional de saída

Itália

Correspondência e Publicidade endereçada

Bélgica, Dinamarca, França, Irlanda e Lituânia

Correspondência, Internacional de saída e Publicidade endereçada

Chipre, Grécia, Hungria, Luxemburgo, Letónia, Malta, Polónia e Portugal

Fonte: WIK (2009b).

86. De acordo com o Gráfico 1, no terceiro trimestre de 2009, cerca de 22% do tráfego

postal em Portugal pertencia à área liberalizada e cerca de 78% correspondia à área

reservada. Acresce que o correio expresso representava 2% do total de tráfego (9% da

área liberalizada) e o correio não enquadrado naquela categoria representava 20%.

19 Locais onde os utilizadores podem proceder à auto-distribuição através de uma troca mútua de envios postais, dispondo de caixas próprias, devendo os utilizadores, para esse efeito, formar um grupo de aderentes, mediante a assinatura desse serviço. 20 Informação não disponível para a Eslováquia e Áustria. 21 Em Espanha, apesar de não estar concluído o processo de liberalização, os serviços postais intra-cidade já não estão incluídos na área reservada.

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87. No Gráfico 2 verifica-se que o tráfego postal diminuiu 6% entre 2007 e 2009, o que

resultou de uma queda de 4% no tráfego da área reservada e de 13% do tráfego da

área liberalizada. As causas para este decréscimo poderão ser o abrandamento da

actividade económica e a continuação da substituição por outras tecnologias de

comunicação. A excepção a esta evolução de queda foi o correio expresso que, no

mesmo período, aumentou 33%, possivelmente também em resultado do aumento da

concorrência neste segmento.

Gráfico 1: Tráfego postal por área e serviço (2009)

Gráfico 2: Tráfego postal por área e por serviço, em milhares de itens (2007-2009)

78%

20%

2%

Área reservadaÁrea Liberalizada: Não enq. na categ. ExpressoÁrea Liberalizada: Expresso

950747 955953 915769

270072 250392 227448

17751 1980723653

0

200000

400000

600000

800000

1000000

1200000

1400000

2007 2008 2009

Área Liberalizada: ExpressoÁrea Liberalizada: Não enq. na categ. ExpressoÁrea reservada

Fonte: ICP-ANACOM. Fonte: ICP-ANACOM.

88. Analisando o tráfego postal liberalizado por destino, observa-se, no Gráfico 3, que a

grande maioria dos objectos distribuídos durante o ano de 2009 tinha como destino o

mercado nacional, i.e. 92%. Segundo o Gráfico 4, o tráfego liberalizado registou, entre

2007 e 2009, um decréscimo para ambos os destinos (12% para o tráfego nacional e

20% para o tráfego internacional).

Gráfico 3: Tráfego postal liberalizado por destino (2009)

Gráfico 4: Tráfego postal liberalizado por destino, em milhares de itens (2007-2009)

93%8%

Nacional Internacional (de saída)

264610 250296 232482

2321219902

18619

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

2007 2008 2009

Internacional (de saída) Nacional Fonte: ICP-ANACOM. Fonte: ICP-ANACOM.

3.3. Estrutura de mercado

89. A procura de serviços postais em Portugal, seguindo uma tendência mais geral, tem

vindo a diminuir nos últimos anos. Tal resulta evidente do decréscimo da capitação

postal no nosso país, sendo que, no período entre 2004 e 2009, o número de envios

postais anuais por habitante diminuiu cerca de 10% para os 109,8 (cf. Gráfico 5). Em

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2007, Portugal ocupava a 13.ª posição entre os 27 Estados-Membros da UE em termos

deste indicador que, neste caso, exclui as encomendas e o correio expresso22.

Gráfico 5: Capitação postal (2004-2009)

122,3 121,9

115,6116,9

115,5

109,8

109

112

115

118

121

124

2004 2005 2006 2007 2008 2009 Fonte: ICP-ANACOM.

90. Com efeito, vários factores afectaram negativamente a procura de serviços postais,

nomeadamente a crescente substituição destes serviços por meios electrónicos

alternativos de envios de correspondência e publicidade, reforçada pelo

desenvolvimento tecnológico e pelo aumento da penetração da banda larga. A recente

crise económica contribui, igualmente, para esta evolução.

91. No que concerne à oferta de serviços postais, refira-se que, no final de 2009, existiam

51 empresas em actividade na prestação de serviços de correio expresso, 40 das quais

em regime de franchising, e 9 na prestação de outros serviços liberalizados (cf. Gráfico

6). No período entre 2002 e 2009, o número total de prestadores em actividade

aumentou consideravelmente de 10 para 60, com especial destaque para o ano de

2005, em que se verificou a entrada de 24 entidades franchisadas de uma empresa

multinacional.

Gráfico 6: Prestadores de serviços postais em actividade (2002-2009)

7 11 10

36 38 41

54 51

33 3

57

9

99

0

10

20

30

40

50

60

70

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Serviços não enquadrados na categoria decorreio expresso

Serviços de correio expresso

Fonte: ICP-ANACOM.

22 Cf. WIK (2009a).

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92. Em termos da estrutura da oferta e no que à área liberalizada diz respeito, a quota dos

CTT traduzia-se, no inicio de 2010, em 89% para o tráfego nacional, a 82% para o

tráfego internacional de saída e a 75% para o internacional de entrada (cf. Gráfico 7).

A quota referente ao tráfego nacional e internacional de saída encontrava-se em

quebra face ao final de 2008, em consequência do nível de concorrência mais intenso

nestes segmentos.

Gráfico 7: Mercado liberalizado de tráfego postal por destino: quotas de mercado dos CTT (2008-2010)

92%91% 90%

89%90%

89%

83% 85%82%

84%82% 82%

81%

79%77%

75%

78%

75%

70%

75%

80%

85%

90%

95%

4T08 1T09 2T09 3T09 4T09 1T10Nacional Internacional de saída Internacional de entrada

Fonte: ICP-ANACOM.

93. Da análise das quotas por tipo de serviço, segundo o Gráfico 8, no inicio de 2010, os

CTT eram responsáveis por 38% do correio expresso e de 94% dos restantes serviços

liberalizados. A concorrência observada no segmento de correio expresso, traduzida

numa quota de mercado conjunta dos prestadores concorrentes superior a 50%,

resulta possivelmente deste segmento ter sido um dos primeiros a ser liberalizado e

das economias de custos terem aqui um papel menos relevante.

Gráfico 8: Mercado liberalizado de tráfego postal por serviço: quotas de mercado dos CTT (2008-2010)

45% 43% 42% 42% 42%38%

96% 95% 95% 94% 95% 94%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

4T08 1T09 2T09 3T09 4T09 1T10Expresso Não enq. Na cat. Expresso Fonte: ICP-ANACOM.

94. Neste sentido, a posição de liderança dos CTT nos vários segmentos de mercado é

ainda evidente, sendo o correio expresso a única excepção a este cenário.

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3.4. Preços e qualidade de serviço

95. No que aos preços diz respeito, refira-se, em primeiro lugar, que a fixação dos mesmos

para os serviços que integram o SU, de acordo com as Bases de Concessão e com a Lei

de Bases dos Serviços Postais, alteradas pelo já referido Decreto-Lei n.º 116/2003, de

12 de Junho e pelo Decreto-Lei n.º 112/2006 de 09 de Junho, deve respeitar os

princípios da acessibilidade a todos os utilizadores, da orientação para os custos, da

transparência e da não discriminação e da uniformidade na aplicação do regime

tarifário, sendo as regras para a formação dos mesmos definidas por convénio entre a

entidade reguladora e o prestador de SU.

96. O último Convénio de Preços estabelecido entre o ICP-ANACOM e os CTT remonta a 10

de Julho de 2008, e aplica uma regra de Price Cap para a evolução dos mesmos no que

ao cabaz de serviços reservados que integram o SU diz respeito23. Assim, a variação

média ponderada dos preços, em 2008, não podia exceder, em termos nominais, os

(IPC+FCIPC)-0,3% e os (IPC+FCIPC)-0,4% nos anos de 2009 e de 201024.

97. Para o correio normal, o preço da tarifa base (carta de 20 gramas nacional), em 2008,

situava-se nos 31 cêntimos de euro, tendo diminuído, em termos reais, 3,6% face a

2006. A tarifa base do correio azul nacional correspondia, em 2008, a 47 cêntimos de

euro, tendo esta diminuído, em termos reais, 3,1% desde 2006.

Gráfico 9: Índice da evolução de preços (2006-2008)

100

97,5

96,4

100

97,796,9

94

96

98

100

102

2006 2007 2008

Correio normal nacional Correio azul nacional Fonte: ICP-ANACOM.

98. Relativamente aos 27 Estados-Membros da UE, o preço fixado em Portugal para o

correio normal nacional estava, em 2008, 30,5% abaixo da média dos restantes

Estados-Membros, enquanto o preço do correio azul nacional era inferior à média em

2%25.

23 De salientar que se encontra em discussão um projecto de alteração ao Convénio de Preços na sequência da deliberação do ICP-ANACOM, de 06.05.2010. 24 IPC: Índice de Preços ao Consumidor, i.e., inflação esperada para cada ano. FCIPC: Factor de correcção do IPC. 25 Cf. ICP-ANACOM, Situação das Comunicações, 2009, disponível em: http://www.anacom.pt/streaming/situacaocomunicacoes2008.pdf?contentId=955461&field=ATTACHED_FILE. Salientem-se, neste contexto, as limitações decorrentes das comparações realizadas em preços nominais.

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99. No que concerne ao correio internacional, o preço do correio normal em Portugal

situava-se 5,5% abaixo da média comunitária excluindo o nosso país, sendo o preço do

correio azul 6,5% inferior à média26.

100. Em matéria de qualidade de serviço, a 10 de Julho de 2008, foi igualmente celebrado,

entre os CTT e o ICP-ANACOM, o Convénio de Qualidade do Serviço Postal Universal

que fixa os parâmetros e níveis mínimos de qualidade de serviço associados à

prestação do serviço postal universal pelos CTT27.

101. O Indicador Global de Qualidade de Serviço (IG) definido neste âmbito situou-se, em

2006, abaixo do mínimo fixado de 100, tendo, em 2007 e 2008, apresentado valores

semelhantes e acima do nível mínimo.

Gráfico 10: Indicador global de qualidade (2006-2008)

0

40

80

120

160

200

2006 2007 2008

Fonte: ICP-ANACOM.

102. Também um estudo de 2008 relativo ao segmento residencial evidencia o aumento do

nível de satisfação dos utilizadores entre 2006 e 2008 relativamente à qualidade dos

serviços postais28.

3.5. Mercado português: conclusões

103. A implementação do quadro regulamentar europeu no sector postal tem vindo a

traduzir-se na progressiva restrição do lote de serviços constante da área reservada no

nosso país. Não obstante, Portugal é ainda um dos países para os quais o âmbito desta

área é mais abrangente, sendo que apenas cerca de 22% do tráfego postal pertence à

área liberalizada.

26 Cf. ICP-ANACOM, Situação das Comunicações, 2009, disponível em: http://www.anacom.pt/streaming/situacaocomunicacoes2008.pdf?contentId=955461&field=ATTACHED_FILE. 27 No Convénio de Qualidade estão definidos indicadores de qualidade de serviço (IQS) para (i) demoras de encaminhamento do correio normal, correio azul, jornais e publicações periódicas, correio transfronteiriço intracomunitário e encomendas, (ii) extravios de correio normal e azul, e (iii) tempo em fila de espera nos estabelecimentos postais. Para cada IQS está definido um nível mínimo e um nível objectivo de qualidade de serviço. O nível objectivo corresponde à qualidade que se pretende que os CTT demonstrem em cada ano, e o nível mínimo corresponde à qualidade mínima que os CTT devem cumprir. O Convénio de Qualidade define também um Indicador Global de Qualidade de Serviço (IG), o qual é calculado em função dos níveis de qualidade de serviço atingidos pelos CTT para os anteriormente referidos IQS. Estes indicadores são reportados pelos CTT ao ICP-ANACOM, procedendo esta Autoridade á sua verificação através de auditorias anuais. 28 Cf. ICP-ANACOM, Inquérito ao consumo dos serviços postais - População Residencial, 2009, disponível em: http://www.anacom.pt/streaming/sintese_ICSP_08_vfinal.pdf?contentId=959215&field=ATTACHED_FILE.

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104. A procura de serviços postais em Portugal, medida pela capitação postal, tem vindo a

diminuir nos últimos anos, seguindo uma tendência mais geral. Não obstante, o

número de prestadores em actividade aumentou significativamente.

105. Os CTT mantêm uma posição de indiscutível liderança na maior parte dos segmentos

de mercado dos serviços postais abertos à concorrência, com excepção do verificado

para os serviços de correio expresso que representam 2% do tráfego postal total em

2009 e 25% das receitas totais em 200529, nos quais os prestadores alternativos

detêm uma quota de mercado conjunta superior a 50%.

106. Os preços dos principais serviços postais incluídos no âmbito do SU em Portugal têm

vindo a reduzir-se por via regulatória, comparando favoravelmente com a média

comunitária. A descida dos preços não se tem, no entanto, reflectido num decréscimo

da qualidade de serviço.

29 Cf. Accenture (2006).

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4. CONDICIONALISMOS À ENTRADA E À EXPANSÃO

4.1. Introdução

107. A intensidade da concorrência nos mercados de serviços postais é determinada, entre

outros factores, pela contestabilidade dos mesmos, dependendo esta da existência e

intensidade dos condicionalismos à entrada e à expansão. Estes condicionalismos são

de natureza diversa, podendo ser segmentados entre condicionalismos naturais e

condicionalismos legais, seguindo a classificação empregue pela Ecorys (2005)30.

108. Os condicionalismos legais resultam da regulamentação do sector, estando

dependentes do comportamento dos reguladores e legisladores. Já os condicionalismos

naturais estão relacionados com a estrutura da procura e com o modelo produtivo do

sector resultando, assim, de características intrínsecas do mercado.

4.2. Condicionalismos legais

109. Os condicionalismos legais à entrada e à expansão têm sido particularmente relevantes

neste sector, uma vez que o processo de liberalização teve apenas início no final da

década de 90 do século XX e ainda não se encontra totalmente concluído na maioria

dos Estados-Membros da UE.

110. Os principais condicionalismos legais à entrada e à expansão resultam, em primeiro

lugar, e conforme referido anteriormente, da existência de uma área reservada para

um determinado conjunto de serviços postais. Por outro lado, também os processos de

licenciamento, as questões de acesso à rede, o tratamento fiscal diferenciado, os

requisitos da obrigação de SU e a eventual incerteza regulatória constituem

condicionalismos legais à entrada e à expansão.

Âmbito da área reservada

111. No que concerne à existência de uma área reservada, refira-se que ao incumbente,

antigo monopolista, foi reservada a oferta exclusiva de um conjunto de serviços que

tem vindo a ser progressivamente aberto à concorrência.

112. Este leque alargado de serviços determina que este prestador detenha uma vantagem

competitiva face aos seus concorrentes, na medida em que consegue oferecer soluções

de negócio integradas e de natureza abrangente, mais valorizadas pelos clientes de

serviços postais, em particular pelos clientes empresariais.

113. Quando um entrante inicia actividade neste sector, a viabilidade da sua estratégia de

negócio pode, assim, ser fortemente condicionada pela incapacidade para oferecer um

portfolio diversificado de serviços, já que alguns clientes preferem concentrar as suas

aquisições num único prestador.

30 Este estudo distingue, ainda, os condicionalismos estratégicos à entrada e à expansão que resultam do comportamento dos prestadores. Estes serão analisados na secção 5.2 quando se proceder à tipificação dos possíveis comportamentos anti-concorrenciais.

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114. Em Portugal, conforme referido anteriormente, o âmbito da área reservada é ainda

significativo, representando cerca de 78% do tráfego postal (cf. Tabela 1 e Gráfico 1

supra).

115. A progressiva liberalização do sector, ao diminuir a extensão da área reservada, tem

vindo a facilitar a criação de condições para que os entrantes ofereçam soluções mais

atractivas aos seus potenciais clientes, facilitando, deste modo, quer a entrada no

mercado, quer a expansão.

Processo de licenciamento

116. O processo de licenciamento dos prestadores de serviços postais pode constituir outro

condicionalismo legal à entrada, uma vez que a exigência dos requisitos para atribuição

de uma licença (e.g. requisitos de cobertura, frequência da entrega, entre outros) pode

ser considerada elevada para um prestador em início de actividade ou que opte pela

prossecução de uma estratégia de focalização em nichos de mercado. Também os

prazos associados à obtenção de licenças ou de autorizações podem condicionar a

entrada no mercado, caso sejam excessivamente longos.

117. Em Portugal, alterações nos requisitos de licenciamento têm facilitado a entrada de

prestadores na oferta de serviços pertencentes à área não reservada31 nomeadamente,

através da redução dos valores cobrados e da definição de regimes regulamentares

diferenciados, sendo o regime de autorização menos exigente que o regime de licença

no que respeita aos requisitos para o acesso à actividade e à imposição de

obrigações32. Mais recentemente ambos os regimes de acesso à actividade foram

aligeirados33.

118. A emissão de uma licença, ou a renovação da mesma, para a prestação de serviço

postal universal por um período de 15 anos determina o pagamento de 10.000 euros

ou de 1.500 euros, respectivamente, enquanto a atribuição de autorizações gerais

determina, actualmente, o pagamento de 700 euros, face aos 2.000 euros cobrados no

passado.

119. Este regime obriga ainda ao pagamento anual de 6.000 euros anuais pelo exercício das

actividades sujeitas a licença, sendo que no caso das actividades dependentes de

autorização geral os valores cobrados são agora diferenciados em função das receitas

dos prestadores. Assim, ao invés dos 3.000 euros anuais anteriormente pagos, um

prestador de serviços postais não despenderá qualquer montante se as suas receitas

31 Cf. Decreto-Lei n.º 150/2001, de 07.05.2001. 32 Para um prestador usufruir de uma licença necessita de revestir a natureza de sociedade comercial, cujo objecto social inclua o exercício da actividade de prestação de serviços postais; de dispor de meios técnicos e humanos adequados ao cumprimento das obrigações inerentes à actividade e aos requisitos essenciais e de contabilidade actualizada e regularmente organizada; e de não ser devedor ao Estado e à Segurança Social. Já para poder obter uma autorização, um prestador necessita apenas de se configurar como uma pessoa singular matriculada como comerciante em nome individual ou uma sociedade comercial, cujo objecto social inclua o exercício da actividade de prestação de serviços postais, devendo ainda de dispor de meios técnicos e humanos adequados ao cumprimento dos requisitos essenciais. 33 Cf. Decreto-Lei n.º 116/2003, de 12.06.2003.

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no ano anterior forem inferiores a 100.000 euros e pagará 2.500 euros caso as suas

receitas excedam este limite.

Acesso à rede

120. Também o acesso a elementos da rede postal pode ser considerado um

condicionalismo legal à entrada e à expansão, nomeadamente, a impossibilidade de

acesso a apartados postais localizados nas estações de correio do incumbente. Por

outro lado, se o acesso aos edifícios para entrega de correspondência não estiver

legalmente previsto, os entrantes poderão encontrar dificuldades ao desenvolvimento

da sua actividade. Com a plena liberalização do mercado, o acesso à rede é susceptível

de se tornar uma das mais relevantes questões do sector.

121. Nos termos do Contrato de Concessão, os CTT são obrigados a garantir acesso à rede

pública postal, em condições de igualdade e não discriminação. Acresce que, segundo o

Decreto-Lei n.º 150/2001, de 7 de Maio, que define o regime de acesso e exercício da

actividade de prestador de serviços postais explorados em concorrência, as entidades

autorizadas à prestação de serviços postais têm o direito de aceder à rede postal

pública em condições transparentes e não discriminatórias, mediante condições a

acordar com a concessionária do serviço postal universal.

122. De salientar que, competindo ao ICP-ANACOM, ao abrigo do supramencionado Decreto-

Lei, resolver litígios surgidos entre os CTT e os demais prestadores relativamente ao

acesso à rede postal pública, até à data não foi requerida a intervenção desta

Autoridade.

123. Por outro lado, o Regulamento do Serviço Receptáculos Postais, aprovado pelo Decreto

Regulamentar n.º 8/90, de 06 de Abril, com as alterações que lhe forma introduzidas

pelo Decreto Regulamentar n.º 21/98, de 04 de Setembro, estabelece, inter alia,

regras de instalação, utilização e conservação de receptáculos postais para entrega de

correspondência.

Tratamento fiscal

124. Um dos mais significativos condicionalismos legais à entrada e à expansão no sector

postal corresponde ao tratamento fiscal diferenciado resultante da aplicação do

Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).

125. Tradicionalmente, a oferta de serviços postais pelo prestador de SU não está sujeita à

cobrança de IVA, não podendo, por este motivo, esta empresa deduzir o imposto pago

aquando da aquisição dos factores de produção34. Com efeito, a isenção da aplicação

do IVA é uma das contrapartidas atribuídas ao prestador de SU pelas obrigações a que

este está sujeito na sua actividade.

34 Note-se que sendo a prestação de serviços postais uma actividade maioritariamente dependente de mão-de-obra, o peso do IVA nos custos é reduzido.

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126. Em resultado desta isenção fiscal concedida ao prestador de SU, os prestadores

concorrentes, ao serem obrigados a incluir o IVA nos seus preços finais, têm que

praticar preços mais elevados para auferir da mesma margem ou, alternativamente,

praticarem os mesmos preços, mas beneficiando de uma margem menor.

127. Este tratamento fiscal diferenciado não introduz distorções quando os clientes finais

podem deduzir o IVA, mas é gravoso quando não é possível efectuar essa dedução,

conferindo ao prestador de SU uma vantagem competitiva no que aos serviços não

reservados do âmbito do SU diz respeito.

128. Refira-se que a Comissão Europeia já demonstrou preocupações face a estas diferenças

de tratamento fiscal, tendo, em 2003, apresentado uma proposta ao Parlamento e ao

Conselho Europeu com o objectivo de uniformizar a aplicação do IVA a todos os

prestadores de serviços postais, pedido a que estas duas instituições não deram,

contudo, provimento35.

129. Portugal, segundo a Tabela 2, isenta de IVA os serviços postais abrangidos pelo SU, tal

como a maioria dos Estados-Membros. Contudo, dada a extensão do âmbito do SU no

nosso país, esta diferença fiscal é favorável aos CTT.

Tabela 2: Serviços postais isentos de IVA na UE2736

Países

Todos os serviços postais Itália, Malta, Polónia, Reino Unido

Todos os serviços universais

Bélgica, Rep. Checa, Alemanha, Dinamarca, Estónia, Grécia, Hungria, Irlanda, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal,

Roménia e Eslováquia

Área reservada Espanha

Correspondência França, Lituânia

Nenhum Finlândia, Letónia, Suécia, Eslovénia

Fonte: WIK (2009b).

130. Para além da isenção da cobrança de IVA, determinados países possuem ainda

legislação que concede tratamento fiscal preferencial ao prestador de SU em termos de

taxas aduaneiras, sistema de encargos terminais (i.e., remuneração devida pelo

transporte, tratamento e distribuição do correio internacional proveniente de outros

países), entre outros, facto que constitui, igualmente, uma desvantagem para os

entrantes.

Requisitos para a prestação do SU

131. Os requisitos relacionados com a prestação do SU podem ainda constituir um

condicionalismo legal à entrada e à expansão no mercado. Com a liberalização poderão

passar a existir vários prestadores candidatos à prestação do SU. Contudo, pelo facto

da prestação deste exigir parâmetros específicos de cobertura da rede (nacional) e de

35 Cf. WIK (2009b). 36 Informação não disponível para a Áustria, Bulgária e Chipre.

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entrega da correspondência (diária), nem todas as empresas poderão estar habilitadas

à sua prestação.

132. Por outro lado, o prestador de SU, ao beneficiar de direitos especiais relacionados, por

exemplo, com a localização dos pontos de aceitação e a operação de veículos, e de um

efeito de reconhecimento da marca, possui, naturalmente, uma vantagem competitiva

que pode desincentivar a entrada de outros prestadores no mercado.

133. Pelo contrário, a exigência de tarifação uniforme ao prestador de SU, i.e., a ausência

de diferenciação geográfica dos preços, pode tornar a entrada de outros prestadores

mais atractiva em determinadas zonas, designadamente naquelas mais densamente

povoadas e cujos custos de entrega de correspondência são mais reduzidos,

potenciando o cream skimming do mercado37.

134. Já o modelo de financiamento do SU, que ainda não foi adoptado, caso dependa da

contribuição dos vários prestadores em actividade, pode igualmente constituir um

condicionalismo à entrada e à expansão no mercado.

Incerteza regulatória

135. Um último tipo de condicionalismo legal à entrada e à expansão está relacionado com a

incerteza regulatória adveniente do processo gradual de liberalização.

136. A indefinição das condições em que essa liberalização se realizará, assim como da

resposta dos reguladores em termos da imposição de obrigações regulamentares (e.g.

obrigações de acesso à rede do incumbente, nomeadamente pontos de acesso, preços

e condições) aumenta o risco associado à entrada no mercado.

137. Acresce que os condicionalismos legais referidos anteriormente podem ser potenciados

pela incerteza regulatória quanto à forma como serão abordados pelo legislador e/ou

pelo regulador.

4.3. Condicionalismos naturais

138. Os condicionalismos naturais à entrada e à expansão nos mercados de serviços postais,

ao contrário dos condicionalismos legais, persistirão para além da liberalização do

sector, uma vez que estão relacionados com características intrínsecas destes

mercados

139. Os condicionalismos naturais à entrada e à expansão podem resultar de factores

relacionados quer com a procura, quer com a oferta. Do lado da procura, identificam-se

os seguintes condicionalismos naturais à entrada e à expansão: efeitos de reputação,

efeitos de carteira ou portfolio, custos de mudança e contrapoder negocial dos

compradores. Os custos afundados, as economias de escala, as economias de

densidade, as economias de gama e os efeitos de rede correspondem aos

condicionalismos naturais à entrada e à expansão relacionados com a oferta.

37 O cream skimming consiste numa prática através da qual uma empresa focaliza a sua estratégia de negócios apenas nos segmentos mais rentáveis do mercado ou naqueles de menor custo.

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Efeitos reputação

140. No que concerne aos efeitos de reputação, uma relação contratual de médio ou longo

prazo com um determinado prestador pode determinar a existência de uma ligação de

confiança entre este e um cliente. A dificuldade de quebra desta ligação pode constituir

um condicionalismo para os entrantes, uma vez que o prestador incumbente

desenvolveu todo um historial de relação com os seus clientes.

141. No caso português, refira-se que os CTT foram considerados em vários anos

consecutivos a instituição de maior confiança dos portugueses38, gozando, neste

sentido, de uma vantagem competitiva face aos seus concorrentes. Não obstante,

alguns prestadores alternativos, nomeadamente de serviços de correio expresso, não

estão tão expostos a esta desvantagem por estarem associados a grupos

internacionais.

142. Por outro lado, tendo em consideração que a qualidade de serviço percepcionada pelos

clientes relativamente a um determinado prestador contribui para estabelecer a

reputação deste, o facto dos serviços postais corresponderem a experience goods39,

pode traduzir-se numa desvantagem competitiva para os entrantes.

143. Com efeito, o receio relativo à eventual perda de qualidade de serviço com a mudança

de prestador (do incumbente para o entrante) pode constituir um condicionalismo à

entrada e à expansão no mercado, num sector em que, por exemplo, os prazos de

entrega podem ser determinantes para o cliente.

Efeito de carteira ou portfolio

144. Uma segunda categoria de condicionalismo natural à entrada e à expansão prende-se

com o efeito de carteira ou portfolio, na medida em que podem existir incentivos à

concentração, pelos clientes, da aquisição de diversos serviços num só prestador.

Assim, os clientes empresariais preferem muitas vezes a aquisição de todos os serviços

a um prestador à possibilidade de fazerem shopping around, a qual consome tempo e

recursos, e adquirirem os vários serviços a prestadores distintos.

145. Com efeito, de acordo com um estudo do ICP-ANACOM, as empresas inquiridas

indicaram preferência pela utilização de um único prestador para distribuição dos seus

envios postais40.

146. Para fazer face ao efeito de carteira ou portfolio e poder captar grandes clientes

empresariais que adquirem um vasto conjunto de serviços, os entrantes são

38 Cf. ICP-ANACOM, Estudo sobre o consumo empresarial de serviços postais, 2008, disponível em: http://www.anacom.pt/streaming/20080530_ecesp_relatorio_final.pdf?contentId=600482&field=ATTACHED_FILE; assim como Estudo marcas de confiança – Selecções dos Readers Digest, edições várias. 39 Experience goods são bens cujas características são difíceis de observar a priori, podendo apenas ser verificadas após a sua aquisição. Por exemplo, previamente ao envio de correspondência, o cliente desconhece se o prestador alternativo cumprirá o tempo fixado para a entrega de uma encomenda postal. 40 Cf. ICP-ANACOM, Estudo sobre o consumo empresarial de serviços postais, 2008, disponível em: http://www.anacom.pt/streaming/20080530_ecesp_relatorio_final.pdf?contentId=600482&field=ATTACHED_FILE.

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pressionados para oferecer uma gama alargada de produtos, o que pode limitar o

desenvolvimento da concorrência ao condicionar estratégias de entrada focadas em

determinados nichos de mercado.

147. O efeito de carteira ou portfolio é tanto mais relevante no sector postal, uma vez que

os clientes empresariais são responsáveis por uma parte significativa das receitas (e.g.

em Portugal cerca do 90% do tráfego postal tem origem nestes clientes41) e em face da

existência de uma área reservada que restringe oferta de determinados serviços por

parte dos entrantes.

Custos de pesquisa e de mudança

148. Também a existência de custos de pesquisa e de mudança podem constituir um

importante condicionalismo natural à entrada e à expansão. Os custos de pesquisa

traduzem-se no conjunto de custos suportados pelo cliente no processo de identificação

e compreensão das características das diversas ofertas disponíveis no mercado. Já os

custos de mudança são incorridos pelo cliente sempre que este opte por aderir aos

serviços de um novo prestador.

149. Perante a existência destes custos, mais dificilmente os clientes passarão a contratar

serviços a prestadores concorrentes. Para tal, será necessário que o prestador pratique

um preço suficientemente reduzido face ao preço do incumbente, de modo a

compensar os custos de mudança.

150. Em mercados maduros ou em fase de declínio, como é o caso da oferta de serviços

postais tradicionais (cf. secção 3.3), os custos de mudança são particularmente

relevantes, uma vez que mais dificilmente um entrante consegue conquistar novos

clientes sem ser por transferência de outros prestadores.

151. Ainda assim, neste sector, os custos de mudança não parecem ser particularmente

elevados, com excepção dos enfrentados pelos grandes clientes que adquirem um

portfolio alargado de serviços, desenvolvendo com o seu prestador uma lógica de

partilha de tarefas (soluções à medida) cuja replicação poderá não ser facilmente

exequível42.

Contrapoder negocial dos compradores

152. Um último condicionalismo natural à entrada e à expansão relacionado com a procura

corresponde à existência de contrapoder negocial dos compradores. Com efeito, os

prestadores de serviços postais poderão estar dependentes de um reduzido conjunto de

grandes clientes que garantem uma parte significativa das receitas, em particular no

segmento de mercado B2X.

41 Cf. Accenture (2006). 42 Cf., por exemplo, Berger (2004) que estuda e quantifica os custos de mudança no Reino Unido.

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153. A entrada no mercado é, naturalmente, condicionada pela capacidade de captação

destes clientes que têm uma posição que lhes permite exigir condições de preço e de

serviço diferenciadas.

154. Note-se, contudo, que este contrapoder negocial é fortemente limitado se apenas um

conjunto reduzido de serviços for prestado em regime de concorrência.

Custos afundados

155. Do lado da oferta, um primeiro condicionalismo natural à entrada e à expansão

corresponde à existência de custos afundados. A oferta de serviços postais exige

investimentos na rede de aceitação, na rede de tratamento, na rede de transporte e na

rede de distribuição (cf. Figura 1 supra). Embora existam custos afundados

relacionados com o desenvolvimento das redes de aceitação e de tratamento, os outros

investimentos necessários (e.g. força de trabalho, edifícios e meios de transportes) não

são específicos do sector postal.

156. Não obstante, os investimentos relacionados com a prestação do serviço postal

universal, por via dos requisitos mínimos exigidos, por exemplo, em termos de

cobertura e frequência da entrega, são elevados e, muitas vezes, não necessários à

prestação de outros serviços postais.

157. A opção por um modelo de negócio baseado na utilização de pontos de acesso ou de

distribuição já existentes, próprios ou de terceiros, neste último caso através da

celebração de acordos, permite minorar as dificuldades advenientes da existência de

custos afundados.

Economias de escala

158. Acresce como condicionalismo natural à entrada e à expansão a existência de

economias de escala. No sector postal, a existência de economias de escala resulta do

decréscimo de custos médios associado a um aumento da dimensão da rede postal

proporcional ao aumento do volume de tráfego. A dimensão da rede postal depende do

número de pontos de aceitação de correspondência, de estações de tratamento, de

rotas de transporte e de pontos de entrega.

159. As economias de escala não parecem, contudo e tal como seria expectável, ser

determinantes para a oferta de serviços postais, uma vez que esta não se caracteriza

por exigir elevados custos fixos43. Neste sentido, mais facilmente um entrante

consegue usufruir das mesmas vantagens em termos da redução de custos que o

incumbente.

Economias de densidade

160. Por outro lado, também a existência de economias de densidade constitui um

condicionalismo natural à entrada e à expansão relevante no sector postal44. Estas

43 Cf. NERA (2004). 44 Cf. NERA (2004).

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economias distinguem-se das economias de escala por reflectirem reduções nos custos

médios associadas ao aumento de tráfego postal mantendo a mesma dimensão da

rede.

161. Tendo em consideração que muitas das rotas operadas pelos prestadores de serviços

postais se caracterizam por estarem abaixo da sua capacidade, um aumento de tráfego

não se traduz necessariamente num aumento dos custos totais de transporte.

162. Deste modo, uma rede de menor dimensão, embora não beneficie de economias de

escala, pode, ainda assim, tirar partido das economias de densidade, desde que

concentre a maioria das suas operações em rotas com volume de tráfego elevado.

163. A geografia de um determinado país é, deste modo, relevante, uma vez que em áreas

com elevada densidade populacional e com um relevo pouco acidentado, os custos

médios serão, naturalmente, mais reduzidos.

164. Em Portugal, a concentração de tráfego postal nas regiões metropolitanas de Lisboa e

do Porto é elevada, sendo, como tal, regiões em que os prestadores mais facilmente

conseguem beneficiar das economias de densidade e obter níveis de rendibilidade mais

elevados. Pelo contrário, em áreas do interior do território português pode ser difícil,

até mesmo para o incumbente, alcançar economias de custos relacionadas com a

densidade pelo facto do volume de tráfego ser reduzido, daí resultando a necessidade

de SU.

Economias de gama

165. Como condicionalismo natural à entrada e à expansão podem ainda ser apontadas as

economias de gama. Estas economias traduzem reduções nos custos médios em

resultado do fornecimento conjunto de serviços postais sobre uma mesma rede.

Dificilmente um entrante, que actue num segmento de mercado específico da área não

reservada, conseguirá replicar as economias de gama do incumbente que oferece um

portfolio alargado de serviços.

166. Por outro lado, é possível beneficiar de eventuais economias de gama em caso de

partilha de actividades associadas aos novos serviços com actividades associadas a

serviços que já são prestados pelos entrantes.

Efeitos de rede

167. Por fim, refiram-se os efeitos de rede como condicionalismo natural à entrada e à

expansão. Os efeitos de rede determinam que um serviço seja mais valorizado quanto

maior o número de clientes que dele beneficia, o que torna a entrada em pequena

escala difícil. No que respeita ao sector postal, estes efeitos são, contudo, limitados.

4.4. Condicionalismos à entrada e à expansão: conclusões

168. A contestabilidade dos mercados de serviços postais é condicionada pela existência de

condicionalismos à entrada e à expansão, podendo os mesmos configurar

condicionalismos naturais ou legais.

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169. Em resultado do mais tardio processo de liberalização, os condicionalismos legais à

entrada e à expansão assumem ainda um papel relevante neste sector, relacionando-

se, nomeadamente, com a existência de uma área reservada, com os processos de

licenciamento, com as questões de acesso à rede, com o tratamento fiscal diferenciado,

com os requisitos da obrigação de SU e com a incerteza regulatória.

170. A adopção de regras de abertura dos mercados à concorrência tem permitido atenuar

grande parte destes condicionalismos à entrada e à expansão e, em particular, aqueles

que se apresentam mais gravosos para o desenvolvimento de uma concorrência

efectiva. Deste modo, o âmbito da área reservada em Portugal tem vindo a ser

progressivamente restrito, o acesso à rede pública postal é assegurado por via

legislativa e os processos de licenciamento simplificados e adequados à realidade do

mercado português e das empresas.

171. Pelo contrário, o condicionalismo à entrada e à expansão relativo ao tratamento fiscal

diferenciado e, em especial, a isenção de IVA pelos prestadores de SU, tem persistido e

constitui actualmente um factor de desvantagem competitiva para os prestadores

alternativos e potenciais entrantes que carece de actuação.

172. No que concerne aos condicionalismos naturais à entrada e à expansão, os mesmos

persistirão após a plena liberalização do sector, uma vez que estão relacionados com

características intrínsecas destes mercados. Refiram-se, neste contexto,

condicionalismos relacionados quer com a procura, quer com a oferta de serviços

postais.

173. Do lado da procura, identificam-se os seguintes condicionalismos naturais à entrada e à

expansão: efeitos de reputação, efeitos de carteira ou portfolio, custos de mudança e

contrapoder negocial dos compradores.

174. Os efeitos de reputação e de portfolio constituem grandes desafios para os prestadores

alternativos aos CTT, uma vez que esta empresa, por operar há mais tempo no

mercado português, beneficia da confiança dos clientes e fornece uma gama alargada

de serviços.

175. Os prestadores ligados a grupos empresariais internacionais mais facilmente

ultrapassam esta desvantagem competitiva por estarem identificados com uma marca

de renome e por terem maior capacidade para oferecer um conjunto mais diversificado

de serviços.

176. Do lado da oferta, os custos afundados, as economias de escala, as economias de

densidade, as economias de gama e os efeitos de rede correspondem aos

condicionalismos naturais à entrada e à expansão.

177. De entre estes condicionalismos, as economias de densidade, resultantes de uma maior

concentração geográfica do tráfego postal, têm consequências significativas na

rendibilidade potencial dos prestadores, e, como tal, na contestabilidade dos

segmentos geográficos. Desta forma, a oferta de serviços postais a uma escala

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nacional por concorrentes dos CTT enfrenta barreiras muito elevadas, ao contrário de

ofertas locais e concentradas em fluxos geográficos intra ou inter-áreas metropolitanas.

178. Neste sentido, para o correio expresso, a densidade é menos crítica para os patamares

mínimos de rendibilidade, uma vez que é mais fácil atingir o ponto de break-even, o

que aliás é patente pela maior intensidade concorrencial observada neste segmento em

Portugal.

179. Em face dos condicionalismos à entrada e à expansão identificados, mais facilmente a

viabilidade económica dos entrantes será assegurada através do desenvolvimento de

estratégias focadas em nichos de mercado, nomeadamente na prestação de serviços de

gestão de arquivos, trocas de documentos e entregas no mesmo dia de expedição.

180. Por outro lado, a captação de grandes clientes empresariais que geram um elevado

volume de correio transaccional ou de publicidade endereçada pode, por si só,

assegurar a viabilidade da entrada no mercado, na medida em que não exige que um

prestador disponha de uma extensa rede de aceitação já que este pode recolher os

envios postais nas instalações dos seus clientes.

181. É ainda expectável que os entrantes se concentrem na oferta de serviços que não

exigem custos fixos muito elevados em áreas urbanas do nosso país ou no

desenvolvimento de determinados serviços da nova cadeia de valor, como sejam a

consolidação de correio e a prestação de serviços a montante e a jusante da cadeia de

valor tradicional.

182. Por último, do ponto de vista geográfico, as zonas urbanas de Lisboa e Porto, por

serem as áreas de maior densidade de tráfego postal, são aquelas em que mais

facilmente os entrantes prestarão serviços em toda a cadeia de valor. Registe-se que

cerca de 47% dos prestadores de serviços de correio expresso apenas actuam em

algumas zonas do território nacional45.

183. Apesar destas potenciais estratégias de entrada, poderá demorar alguns anos até que

algum prestador consiga pôr em causa a posição dominante dos CTT na maioria dos

segmentos de mercado, o que reforça a importância da aplicação da lei da concorrência

neste sector, para fazer face a eventuais comportamentos anti-competitivos, tal como

desenvolvido na secção seguinte.

45 Cf. ICP-ANACOM, Questionário anual das comunicações 2010.

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5. COMPORTAMENTOS ANTI-CONCORRENCIAIS

5.1. Introdução

184. O advento da liberalização num mercado e a consequente introdução de concorrência

pode gerar um conjunto de incentivos à adopção de comportamentos anti-

concorrenciais por parte de operadores incumbentes que anteriormente detinham o

monopólio da prestação de serviços. Estes operadores herdaram frequentemente

posições dominantes que lhes permitem agir, em larga medida, independentemente

dos seus concorrentes, clientes e fornecedores.

185. O sector dos serviços postais não é, neste sentido, uma excepção. Com efeito, os

prestadores dominantes de serviços postais poderão ter incentivos a adoptar

estratégias de definição de preços ou de outra natureza, com o objectivo de manter ou

aumentar o seu poder de mercado, através da criação de entraves ao desenvolvimento

da actividade por prestadores concorrentes ou mesmo à entrada destes no mercado.

186. Foi, aliás, este enquadramento que presidiu à publicação pela Comissão Europeia da

Comunicação relativa à aplicação das regras de concorrência ao sector postal e à

apreciação de certas medidas estatais referentes aos serviços postais46.

187. Nas secções seguintes identificam-se os comportamentos anti-concorrenciais mais

típicos, abordando-se a prática decisória da Comissão Europeia neste contexto, assim

como a prática decisória das ANC.

5.2. Tipificação de comportamentos

Subsidiação cruzada

188. Relativamente às estratégias relacionadas com a política de preços, refira-se, em

primeiro lugar, a prática pelo prestador dominante de subsidiação cruzada entre a área

reservada e a área não reservada, alavancando o seu poder de mercado da primeira

para a segunda área.

189. Esta prática permite que o prestador dominante impute aos serviços da área reservada

custos referentes à área não reservada. Deste modo, o prestador dominante oferece

preços mais reduzidos no que concerne aos serviços sujeitos a concorrência e mais

elevados nos restantes, compensando perdas de receita no que aos serviços não

reservados diz respeito.

Preços predatórios

190. No limite, a subsidiação cruzada permite que o prestador dominante pratique um preço

predatório na oferta de serviços não reservados, comprometendo a viabilidade do

46 Cf. Comunicação da Comissão relativa à aplicação das regras de concorrência ao sector postal e à apreciação de certas medidas estatais referentes aos serviços postais, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias n.º C39/02, de 06.02.1998.

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negócio dos prestadores concorrentes, tão ou mais eficientes, que podem mesmo ser

obrigados a abandonar o mercado.

191. Por preço predatório entende-se um preço que não remunera os custos variáveis

médios de produção, sendo a sua adopção mais provável em contextos em que o

segmento de mercado potencialmente afectado (serviços não reservados) é

relativamente mais reduzido comparativamente com o segmento de mercado (serviços

reservados) que beneficia de margens retalhistas elevadas.

Esmagamento de margens

192. Ainda no contexto das estratégias de preços anti-concorrenciais, refira-se o caso

específico de predação que pode ocorrer em mercados onde operam empresas

verticalmente integradas relativo ao esmagamento de margens.

193. Na medida em que estas empresas prestam serviços simultaneamente no mercado

retalhista, ao cliente final, e no mercado grossista, às empresas suas concorrentes,

podem fixar preços de modo a que o preço de retalho não seja suficiente para

remunerar os custos dos seus concorrentes igualmente eficientes, incluindo o preço

grossista do serviço.

Preços excessivos

194. Por outro lado, os preços excessivos também correspondem a uma prática anti-

concorrencial. As empresas em posição dominante podem fixar os preços

significativamente acima dos custos, incluindo a remuneração do capital investido, para

os serviços dificilmente replicáveis pelos seus concorrentes.

195. Esta prática tem como principal consequência a redução tanto do excedente do

consumidor como do excedente da economia como um todo e, consequentemente, do

bem-estar social.

Descontos não justificados

196. Também os descontos de quantidade, ao criarem incentivos à concentração das

aquisições de serviços postais num único prestador, permitem ao prestador dominante

reter (e mesmo conquistar) clientes e impedir os prestadores concorrentes de

atingirem uma dimensão que lhes permita tirar partido das economias de custos. Estes

descontos também podem ser concedidos em situações em que o cliente permanece

com o prestador por um longo período de tempo.

Discriminação de preços e/ou de qualidade

197. Uma outra prática anti-concorrencial susceptível de ser adoptada por empresas

verticalmente integradas traduz-se na discriminação de preços ou de qualidade. O

prestador dominante pode oferecer serviços a um preço mais reduzido ou com uma

maior qualidade à empresa retalhista do seu grupo económico, em detrimento das

empresas concorrentes. Esta prática permite que o prestador dominante seja

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identificado pelo cliente final como a empresa que oferece serviços a preços mais

reduzidos ou de melhor qualidade.

Tying

198. No que concerne a estratégias não relacionadas com os preços, aponte-se o bundling

na sua forma de tying. O tying caracteriza-se pela imposição de aquisição de um

serviço (o produto tying ou amarrador) na compra de um outro serviço (o produto tied

ou amarrado), quando, na ausência dessa imposição, o consumidor não optasse

necessariamente pela aquisição do produto amarrador.

199. Um exemplo desta prática no contexto do sector postal corresponde ao tying de

serviços da área reservada com outros da área não reservada, impedindo a replicação

da oferta por parte dos prestadores concorrentes.

Recusa de acesso

200. Por outro lado, podem existir incentivos para que o prestador dominante recuse o

acesso à sua rede, ou negoceie os termos desse mesmo acesso em condições

desfavoráveis, a empresas que ofereçam (ou pretendam oferecer) serviços nos

mercado retalhistas adjacentes e que são seus concorrentes nesses mercados. Este

problema abrange tanto as situações de recusa absoluta de negociação como a oferta

de produtos ou serviços em condições que não sejam razoáveis.

Outras práticas

201. Por fim, existe ainda um conjunto de subterfúgios utilizados pelos prestadores

dominantes e que visam prevenir ou limitar a entrada, nomeadamente, o recurso a

marcas e patentes pela utilização das quais os concorrentes são obrigados a pagar,

vendo, por esta via, os seus custos aumentados.

5.3. Prática decisória da Comissão Europeia

202. Após o ano 2000, a Comissão Europeia tem adoptado um conjunto de decisões

emblemáticas no que respeita à aplicação das regras de concorrência no sector postal,

assistindo-se a uma intensificação da prática decisória com a proximidade da data

limite para a plena liberalização do sector postal.

203. Na presente secção são abordadas decisões da Comissão relativas a acordos de preços,

abusos de posição dominante e operações de concentração de empresas.

Acordos de preços

204. Refira-se, em primeiro lugar, a decisão adoptada pela Comissão Europeia em 2003

num processo que ficou conhecido como REIMS II Renewal47. Nesta decisão, a

Comissão concedeu uma isenção adicional de cinco anos (até ao final de 2006) a um

acordo entre 17 prestadores de serviços postais europeus relativamente ao sistema de

47 Cf. Comissão Europeia, COMP/38.170 REIMS II Renewal, Decisão publicada no Jornal Oficial n.º L56/76, de 24.02.2004.

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encargos terminais. Este acordo de fixação de preços constituiria, de outra forma, uma

violação das regras de concorrência.

205. Esta isenção foi concedida pela Comissão Europeia pela primeira vez em 1999, tendo

esta instituição entendido que o acordo então celebrado por 16 prestadores de serviços

postais era indispensável, uma vez que historicamente esta remuneração não reflectia

os custos de entrega deste tipo de correio, causando distorções ao nível do tráfego

postal. Por outro lado, não existia, à data, informação exacta respeitante aos custos

incorridos pelos prestadores, já que os sistemas de contabilização dos mesmos

estavam ainda em desenvolvimento.

206. Na decisão de 2003, a Comissão Europeia exigiu, no entanto, que os entrantes nos

segmentos de mercado liberalizados de correio internacional de saída pudessem

usufruir dos termos de entrega previstos no REIMS II Renewal.

207. A reforma do antigo artigo 81.º do Tratado da União Europeia (TCE) determinou que

estes acordos não pudessem ser aprovados ex ante pela Comissão, ficando sujeitos a

controlo ex post pela Comissão e pelas ANC.

Abusos de posição dominante

208. No que concerne aos casos de abuso de posição dominante, destaca-se a decisão da

Comissão Europeia no caso United Parcel Service vs. Deutsche Post AG I48, em 2001.

Esta decisão foi adoptada na sequência de uma denúncia da United Parcel Service

(UPS) contra a Deutsche Post relacionada com a prática, por esta última, de

subsidiação cruzada entre os serviços de correspondência reservados e os serviços

liberalizados de encomendas postais prestados a empresas.

209. Alegava a UPS que, sem a subsidiação cruzada, a Deutsche Post não teria podido

financiar as perdas persistentes no segmento de mercado das encomendas postais

prestadas em concorrência com outras empresas, exigindo, como tal, a proibição das

vendas abaixo dos respectivos custos de produção e a separação estrutural entre a

prestação de serviços neste segmento de mercado e no sector reservado.

210. Caso contrário, para a UPS, uma empresa eficiente não podia competir com os preços

praticados pela Deutsche Post no sector dos serviços de encomendas postais prestados

em concorrência com outras empresas.

211. A Comissão condenou a Deutsche Post por dois tipos de abuso de posição dominante. O

primeiro referente à prática de preços predatórios no mercado liberalizado de serviços

de encomendas empresariais, considerando que esta empresa não recuperou através

do preço praticado os custos incrementais de produção durante cinco anos49.

48 Cf. Comissão Europeia, COMP/35.141 United Parcel Service/Deutsche Post AG, Decisão publicada no Jornal Oficial n.º L125/35, de 05.05.2001. 49 O custo incremental de um serviço corresponde ao custo adicional em que uma empresa incorre para fornecer esse mesmo serviço ou o custo em que a empresa não incorreria caso decidisse não o fornecer.

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212. Neste caso, a Comissão requereu à Deutsche Post que os lucros do serviço de

encomendas cobrissem, no mínimo, os respectivos custos incrementais de produção

deste serviço face aos custos de produção dos serviços da área reservada.

213. A Deutsche Post, por iniciativa própria, foi ao encontro das exigências da Comissão,

mediante a assunção de um compromisso de separação da prestação dos serviços de

encomendas postais da prestação dos serviços da área reservada, de modo a garantir

que as receitas destes últimos não fossem utilizadas para financiar os primeiros.

214. Neste contexto, Deutsche Post criou uma empresa juridicamente independente para o

fornecimento do serviço de encomendas postais a empresas. Esta nova empresa podia

adquirir os seus inputs, não apenas à Deutsche Post, mas a qualquer fornecedor. Caso

optasse por adquiri-los à Deutsche Post, esta última ficava obrigada a fornecê-los aos

entrantes ao mesmo preço e nas mesmas condições. Neste sentido, os incentivos para

fixar um preço retalhista abaixo de custo eram removidos.

215. A Comissão condenou ainda a Deutsche Post por abuso de posição dominante

relacionado com a aplicação de um sistema de descontos de fidelização. Esta empresa

concedeu descontos substanciais aos maiores clientes do serviço de encomendas no

período entre 1974 e 2000, na condição de que estes concentrassem na Deutsche Post

a totalidade, ou pelo menos uma proporção significativa, das suas aquisições. Estes

descontos impediam assim qualquer concorrente da Deutsche Post de atingir uma

dimensão mínima que viabilizasse a sua entrada no mercado.

216. A Deutsche Post, aquando da recepção da acusação da Comissão (“Statement of

Objections”), anunciou a cessação da aplicação, a título preventivo, do sistema de

descontos em causa. Por outro lado, a Deutsche Post comprometeu-se a assegurar,

através de um sistema de controlo prévio, que os contratos de serviços de encomendas

postais não conteriam quaisquer acordos de descontos contrários aos requisitos do

direito da concorrência.

217. Um segundo caso de abuso de posição dominante decidido pela Comissão Europeia foi

o British Post Office vs. Deutsche Post II50, em 2001. Neste caso, a British Post acusou

a Deutsche Post de recusar a distribuição de correio transfronteiriço proveniente do

Reino Unido e que tinha como destino a Alemanha, salvo se a British Post pagasse uma

sobretaxa correspondente à tarifa interna alemã deduzidos os encargos terminais.

218. Para a British Post, a Deutsche Post atrasava repetidamente a libertação do correio

interceptado, mesmo apesar de a empresa britânica ter concordado pagar a diferença

entre os encargos terminais devidos pela entrega do correio transfronteiriço e a tarifa

interna integral.

219. A Comissão Europeia considerou que a Deutsche Post abusou da sua posição

dominante no mercado de entrega de correio internacional de quatro formas. Em

50 Cf. Comissão Europeia, COMP/36.915 British Post/Deutsche Post II, Decisão publicada no Jornal Oficial n.º L331/40, de 15.12.2001.

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primeiro lugar, esse abuso de posição dominante era concretizado através de uma

prática de discriminação que se traduzia na aplicação de condições diferentes a

transacções equivalentes e que colocava em desvantagem competitiva outros parceiros

comerciais. Para a Comissão, mesmo que não existissem efeitos negativos substanciais

sobre estes parceiros comerciais, o comportamento da Deutsche Post tinha efeitos

negativos directos sobre os consumidores.

220. Em segundo lugar, entendeu a Comissão existir abuso de posição dominante através

da recusa de fornecimento (serviço de transporte e entrega) por parte da Deutsche

Post, excepto no caso de pagamento da sobretaxa, na medida em que as razões

invocadas para essa recusa eram injustificadas. Os efeitos negativos deste

comportamento abusivo foram, de acordo com a Comissão, reforçados pelo facto da

Deutsche Post ter atrasado a entrega por um período de tempo suficientemente longo

para enfraquecer substancialmente o impacto comercial das expedições.

221. Por outro lado, a Comissão concluiu pela existência de um abuso de posição dominante

relacionado com a prática de preços excessivos, por o preço praticado pela Deutsche

Post relativamente ao correio transfronteiriço de entrada exceder o valor económico do

mesmo em pelo menos 25%, não existindo uma justificação objectiva para tal do ponto

de vista dos custos de produção.

222. Por fim, a Comissão condenou a Deutsche Post por limitar o desenvolvimento do

mercado alemão de entrega de correio internacional e do mercado britânico de

expedição de correio para a Alemanha.

223. Durante o decurso do procedimento legal, a Deutsche Post comprometeu-se a cessar o

comportamento, designadamente a intercepção, sobretaxação e atraso na entrega de

correio internacional de qualquer tipo.

224. Um último caso de abuso de posição dominante a salientar é o Hays vs. La Poste Belge

& Key Mail51 de 2001. Em Abril de 2000, a Hays plc., um prestador privado, alegou

junto da Comissão que o incumbente belga pretendia eliminar a sua rede de

distribuição de serviços B2B a seguradoras que estava a operar desde 1982.

225. Para o efeito, a La Poste Belge estava a ligar as reduções de tarifas na área reservada

à subscrição de serviços pelas seguradoras na área não reservada B2B, discriminando

entre os seus clientes. Tornava-se, assim, impossível para a Hays concorrer no

mercado, uma vez que lhe era impossível replicar a oferta.

226. A Comissão entendeu que a La Poste Belge estava a abusar da sua posição dominante

através de uma prática de discriminação (entre clientes que lhe subscreviam ambos os

serviços e os que subscreviam os serviços não reservados à Hays), alavancando o seu

poder de mercado da área reservada para a área não reservada.

51 Cf. Comissão Europeia, Caso COMP/37.859 Hays/La Poste Belge & Key Mail, Decisão publicada no Jornal Oficial n.º L61/40, de 02.03.2002.

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Decisões de concentração de empresas

227. Em 2001, a Comissão Europeia decidiu uma operação de concentração entre os

incumbentes do Reino Unido (The Post Office; TPO), Países Baixos (TPG) e Singapura

(SPPL)52. Estas empresas pretendiam criar duas joint ventures, a primeira das quais

actuaria a nível mundial, com excepção da região Ásia-Pacífico, e a segunda operaria

sobre esta última região, ambas oferecendo serviços de expedição de correio

internacional e de entrega de encomendas.

228. Na análise desenvolvida, e numa primeira fase, a Comissão identificou um conjunto de

problemas de concorrência nos mercados do Reino Unido e dos Países Baixos, em face

da possível eliminação da concorrência entre os incumbentes que operavam em ambos

os mercados.

229. A investigação aprofundada da operação permitiu que a Comissão Europeia concluísse

que no Reino Unido não existira a criação ou reforço de uma posição dominante, uma

vez que, não obstante as elevadas quotas de mercado dos incumbentes, existia um

grande número de prestadores de serviços postais em actividade. Considerou,

adicionalmente, a Comissão que as barreiras à entrada neste mercado eram reduzidas,

sendo o mercado relativamente transparente (preços e descontos publicamente

disponíveis), o que desincentivava práticas discriminatórias.

230. Já no que concerne ao mercado dos Países Baixos, entendeu a Comissão que existia

um menor número de prestadores alternativos, sendo estes de dimensão reduzida,

com excepção do incumbente inglês. Este mercado caracterizava-se ainda por uma

reduzida transparência, o que poderia facilitar a adopção de práticas de discriminação

em favor da joint venture. Neste sentido, a operação proposta eliminaria a

concorrência entre o operador dominante (TPG) e o entrante com maior sucesso (TPO).

231. Os compromissos assumidos foram ao encontro das preocupações concorrenciais

manifestadas pela Comissão, comprometendo-se as partes a alienar o negócio de

correio internacional da TPG nos Países Baixos e que originalmente integraria a joint

venture. O desinvestimento foi efectuado com recurso a um up front buyer.

232. Mais recentemente, em 2009, foi notificada à Comissão Europeia uma operação de

concentração entre os incumbentes da Suécia (Posten) e da Dinamarca (Poste

Danmark)53.

233. Tendo em consideração que, ao invés do mercado sueco, cuja liberalização total tinha

sido efectuada em 1993, o mercado dinamarquês ainda não se encontrava totalmente

liberalizado, a Comissão analisou cuidadosamente o impacto desta operação sobre o

processo de liberalização neste último. Esta instituição europeia concluiu que a

operação proposta dificilmente aumentaria as barreiras à entrada ou impediria a

concorrência.

52 Cf. Comissão Europeia, Caso M.1915 – The Post Office/TPG/SPPL. 53 Cf. Comissão Europeia, Caso M.5152 – Posten AB/Post Danmark A/S.

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234. Não obstante, foram identificadas preocupações concorrenciais de natureza horizontal,

uma vez que existia uma sobreposição das actividades dos dois prestadores no

fornecimento de serviços de entrega de encomendas na Dinamarca.

235. Para fazer face às preocupações identificadas, as partes comprometeram-se a

desinvestir activos e a prescindir de clientes no segmento doméstico de encomendas

B2B na Dinamarca.

5.4. Prática decisória das ANC

236. Também as ANC dos vários Estados-Membros da UE adoptaram um conjunto de

decisões relativas a abusos de posição dominante com o objectivo de impedir a entrada

nos segmentos de mercado entretanto liberalizados ou visando aumentar o seu poder

de mercado. Naturalmente, os países em que a liberalização ocorreu mais cedo são

também aqueles que registam um maior número de decisões.

237. Estas decisões incidiram essencialmente sobre o seguinte tipo de práticas restritivas da

concorrência:

(i) Discriminação;

(ii) Preços predatórios e subsidiação cruzada;

(iii) Tying; e finalmente,

(iv) Acordos ou práticas concertadas.

238. As ANC decidiram igualmente processos de concentração de empresas neste sector.

Práticas de discriminação

239. No que concerne às práticas de discriminação, a ANC da Dinamarca analisou vários

casos relativos à ausência de transparência de preços e à prática de preços

discricionários pelo prestador dominante (Post Danmark), dos quais se destacam dois.

No primeiro caso, decidido em 2004, a discriminação era realizada pela Post Danmark

mediante a aplicação de um sistema de descontos de fidelização na entrega de

correspondência não endereçada, tendo sido aplicada uma coima que condenou o

operador por abuso de posição dominante54. Já em 2009, com base numa

argumentação idêntica, o prestador dominante foi condenado no mercado de

publicidade endereçada55.

240. Noutro processo, entendeu a ANC da Dinamarca, em 2007, que a discriminação

ocorrida no mercado de entrega de revistas resultava da falta de transparência de

preços e da existência de múltiplos preçários e descontos, sem que os mesmos fossem

justificados pela Post Danmark com base nos custos incorridos. A empresa foi obrigada

a alterar os seus preçários e sistemas de desconto56.

54 Cf. Decisão do Conselho da Concorrência Dinamarquês de 29.09.2004. 55 Cf. Decisão do Conselho da Concorrência Dinamarquês de 24.06.2009. 56 Cf. Decisão do Conselho da Concorrência Dinamarquês de 30.08.2007.

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241. Também na Alemanha e na Espanha, os prestadores dominantes cobravam preços

diferentes pelo acesso à rede. No caso alemão, decidido em 2005 pelo

Bundeskartellamt, o prestador dominante dominante recusou o acesso à rede e a

aplicação de descontos a empresas que se dedicavam a recolher correspondência de

terceiros, responsabilizando-se pela introdução da mesma na rede de distribuição do

prestador dominante, enquanto permitia o acesso à rede e concedia descontos a

clientes que entregavam eles próprios o seu correio nos pontos de acesso57. Em

Espanha, o prestador dominante discriminou entre vários editores58.

242. Ainda em relação a práticas discriminatórias, salientam-se dois casos analisados pela

ANC italiana, o primeiro referente à entrega de correio híbrido, concedendo o prestador

dominante (Post Italiane S.p.a.) tratamento preferencial à sua subsidiária, e fechando,

desta forma, o mercado aos concorrentes que imprimiam e remetiam a

correspondência por envelope de grandes empresas59. A segunda decisão da ANC

italiana considerava ter existido discriminação por parte do prestador dominante nos

acordos de subcontratação com os seus concorrentes, com vista aumentar o seu poder

de mercado em sectores liberalizados e em vias de liberalização60.

Preços predatórios e subsidiação

243. Quanto a preços predatórios e à subsidiação cruzada não existe um grande número de

decisões, tendo em consideração a maior dificuldade de aferição dos custos relevantes.

Saliente-se, a este propósito, uma denúncia analisada pela ANC da Suécia em que o

prestador dominante diferenciou preços geograficamente para responder à entrada no

mercado de um concorrente. A ANC da Suécia optou, contudo, por não prosseguir uma

investigação.

244. Em Espanha, na sequência de uma denúncia relativa à prática de preços predatórios

pelo prestador dominante (Correos) no segmento empresarial, este comprometeu-se

perante a ANC da Espanha a praticar preços acima dos custos61.

Práticas de tying

245. Em termos de práticas de tying, destaque-se o caso decidido pela ANC de Espanha, no

ano 2003. O prestador dominante Correos exigia entregar 10% do correio intra-cidades

dos prestadores de dimensão mais reduzida como contrapartida da concessão de

descontos relativos ao correio inter-cidades. Tendo a ANC espanhola decidido em favor

dos denunciantes, não foram, contudo, definidos os termos e as condições que

eliminariam este problema concorrencial62.

57 Cf. Decisão do Bundeskartellamt B9-55/03, de 11.02.2005. 58 Cf. Decisão do Tribunal de Defensa de la Competencia 584/074 – Prensa/Correos. 59 Cf. Decisão da Autorita’ Garante della Concorrenza e del Mercato N.A365 – Posta Elettronica Ibrida. 60 Cf. Decisão da Autorita’ Garante della Concorrenza e del Mercato N. A388 – Poste Italiane Concessionari Servizi Postali. 61 Cf. Decisão do Servicio de Defensa de La Competencia N. SDC 2458/03 - Correos-Asempre. 62 Cf. Decisão do Tribunal de Defensa de la Competencia 542/02 – Suresa-Correos, de 20.06.2003.

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246. Ainda em Espanha, a ANC considerou que o incumbente tinha abusado da sua posição

dominante no mercado reservado de serviços postais, com o objectivo de desincentivar

a entrada de concorrentes no mercado liberalizado, através da atribuição de descontos

significativos (até 80%) condicionados à contratação exclusiva à Correos de todos os

serviços postais63.

247. A ANC da Hungria identificou, igualmente, a existência de um abuso de posição

dominante semelhante ao descrito supra, condicionando a Magyar Posta a concessão

de descontos no mercado de produção de envios postais à entrega do correio normal

dos seus clientes64.

248. Casos semelhantes foram decididos pelas ANC da Áustria, no mercado de entrega

diária de jornais e revistas65, e da França, no que concerne aos grandes clientes

empresariais66.

Acordos e práticas concertadas

249. Por último, no que respeita a acordos e a práticas concertadas, apenas a ANC da

Hungria identificou e puniu a existência de um cartel, em que existiu um acordo de

“não agressão” entre dois prestadores de serviços postais67.

250. Com efeito, esta prática não parece ser muito comum no sector dos serviços postais,

uma vez que os mercados geográficos relevantes são nacionais e os incumbentes

continuam a deter posições dominantes nos mesmos.

Operações de concentração

251. Relativamente à análise de operações de concentração de empresas, salientem-se as

operações aprovadas pelas ANC dos Países Baixos e da Suécia68. Já na Alemanha, o

Bundeskartellamt proibiu a aquisição pelo incumbente de 24,8% da empresa Trans-o-

flex, uma vez que a mesma reforçaria a posição dominante deste69.

252. Também em Portugal foram decididas algumas operações de concentração de

empresas no sector postal, nomeadamente nos segmentos de encaminhamento ou da

preparação de correio e gestão de documentos, na sua vertente custódia física70.

5.5. Comportamentos anti-concorrenciais: conclusões

253. A progressiva introdução de concorrência nos mercados de serviços postais pode

potenciar a adopção de comportamentos anti-concorrenciais. De acordo com a prática

decisória da Comissão e das ANC dos diversos Estados-Membros, observa-se que os

63 Cf. Decisão do Tribunal de Defensa de la Competencia 568/03 – Asempre-Correos, de 15.09.2004. 64 Cf. Decisão da GVH Vj-174/2005 – Magyar Posta Zrt. 65 Cf. Decisão do Bundeswettbewerbsbehorde N 26KT 29, de 2005. 66 Cf. Decisão da Autorité de la Concurrence No. 4-D-65, de 30.11.2004. 67 Cf. Decisão da GVH Vj-140/2006 – Magyar Lapterjeszto/Magyar Posta. 68 Cf. Decisões da Nma 5994-Koninklijke TNT Post/Cendris BSC e 6576-Deutsche Post/Selekt Mail, e Decisão da Konkurrensverket Posten AB/Strålfors AB. 69 Cf. Decisão do Bundeskartellamt KVR 26/03. 70 Cf. decisões da AdC nos processos Ccent. n.º 53/2003, Ccent. n.º 28/2005, Ccent. n.º 34/2005 e Ccent. n.º 76/2005.

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comportamentos que mais frequentemente têm sido punidos relacionam-se com

abusos de posição dominante através de práticas de discriminação (e.g. aplicação de

descontos de quantidade e/ou fidelização), da adopção de preços predatórios ou de

preços excessivos, do esmagamento de margens, de recusas de acesso, e de práticas

de tying.

254. Neste sector têm, igualmente, vindo a ser analisadas várias operações de concentração

ao nível nacional e europeu, em face da recente tendência para uma consolidação entre

prestadores de serviços postais.

255. Após a total liberalização do sector postal, prevê-se uma intensificação da aplicação da

lei da concorrência, complementado a regulação sectorial específica com o objectivo de

assegurar a existência de uma concorrência efectiva.

256. Note-se que, para além do sancionamento de práticas anti-concorrenciais e de decisões

em operações de concentração, a Comissão Europeia tem igualmente decidido sobre a

concessão de Auxílios de Estado no contexto do sector dos serviços postais,

nomeadamente relacionados com as compensações atribuídas aos prestadores de SU,

decisões estas que têm genericamente sido de aprovação. Após a implementação da

terceira Directiva Postal, a avaliação dos Auxílios de Estado implicará uma análise mais

rigorosa, tendo em conta os custos e benefícios do auxílio a conceder.

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6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

257. O sector postal é essencial para a comunicação e o comércio, não apenas numa

vertente económica, mas igualmente social.

258. A oferta de serviços postais pode ser segmentada por tipo de cliente (empresariais ou

residenciais), por produto (correspondência, publicidade endereçada, encomendas,

livros, catálogos, jornais e publicações periódicas, correspondência não endereçada e

correio expresso), por necessidade (comunicação, transporte, publicidade e outros),

por volume e frequência (correio em quantidade e envio individual de correio) e, em

último lugar, por área geográfica (nacional e internacional).

259. A cadeia de valor do sector postal inclui as actividades de aceitação, tratamento,

transporte e distribuição de envios postais. Esta cadeia de valor tradicional tem vindo,

no entanto, a expandir-se a actividades a montante (incluindo a segmentação de

mercado e de cliente, a definição de conteúdos e a produção) e a jusante (onde se

integram o tratamento de respostas, a logística e o processamento de pagamentos),

em face das novas necessidades dos clientes, da evolução tecnológica e das dinâmicas

concorrenciais dos sectores adjacentes.

260. Numa fase inicial, a prestação de serviços postais foi realizada num regime de

monopólio. No entanto, desde o final dos anos 90 do século XX, este sector tem

conhecido um processo gradual de liberalização.

261. Este processo de liberalização teve início com a primeira Directiva Postal, que

posteriormente foi alterada pela segunda e terceira Directivas Postais, visando, por um

lado, garantir a prestação do serviço postal universal e aumentar a qualidade do

mesmo e, por outro lado, construir um mercado interno de serviços postais através da

abertura gradual à concorrência dos mercados nacionais e transfronteiriços.

262. A terceira Directiva Postal fixou como data limite para a abertura total do mercado

postal o dia 31 de Dezembro de 2010 para a maioria dos Estados-Membros (onde se

inclui Portugal) e o dia 31 de Dezembro de 2012 para os restantes países da UE.

263. Apesar da liberalização deste sector, os preços dos serviços postais mantiveram-se

estáveis e acessíveis, tendo, inclusivamente, em alguns segmentos de mercado

decrescido, em resultado da concorrência entre os vários prestadores. Acresce que a

oferta de serviços postais passou a ser mais diversificada, em resposta às necessidades

dos clientes.

264. No que concerne ao mercado postal português, a implementação do quadro

regulamentar europeu tem vindo a traduzir-se na progressiva redução da área

reservada com a extinção desta até 31 de Dezembro de 2010. Não obstante, o âmbito

da área reservada ao prestador de SU, no caso aos CTT, é ainda abrangente,

envolvendo cerca de 78% do tráfego postal total.

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265. Os preços dos principais serviços postais incluídos no âmbito do SU têm vindo a

reduzir-se em Portugal por via da intervenção regulamentar, comparando estes

favoravelmente com a média comunitária. A descida dos preços não se tem reflectido

num decréscimo da qualidade de serviço.

266. Relativamente à estrutura do mercado, refira-se que a procura de serviços postais em

Portugal, seguindo uma tendência mais geral, tem vindo a diminuir nos últimos anos,

em resultado da crise económica e da crescente substituição destes serviços por meios

electrónicos alternativos de envios de correspondência e publicidade. Não obstante, o

número de prestadores em actividade aumentou significativamente.

267. Os CTT mantêm, contudo, uma posição muito forte na maior parte dos segmentos de

mercado dos serviços postais abertos à concorrência, com quotas superiores a 90%. Os

serviços de correio expresso, que representam cerca de 2% do tráfego postal total e

aproximadamente 25% das receitas totais, constituem a excepção a este cenário, dado

que os prestadores alternativos detêm uma quota de mercado conjunta superior a

50%.

268. Esta posição de liderança por parte dos CTT resulta do facto de uma parte significativa

dos segmentos de serviços postais se caracterizar por uma fraca contestabilidade, em

face da existência de condicionalismos à entrada e à expansão.

269. O primeiro conjunto destes condicionalismos relaciona-se com questões legais,

nomeadamente com a existência de uma área reservada, com os processos de

licenciamento, com o acesso à rede, com o tratamento fiscal diferenciado, com os

requisitos da obrigação de SU e com a incerteza regulatória.

270. A progressiva adopção de regras de abertura dos mercados à concorrência tem

permitido atenuar parte destes condicionalismos à entrada e à expansão. Por exemplo,

o âmbito da área reservada em Portugal tem vindo a ser progressivamente restrito, o

acesso à rede pública postal tem vindo a ser assegurado por via legislativa e os

processos de licenciamento simplificados e adequados à realidade do mercado

português e das empresas.

271. Já o tratamento fiscal diferenciado e, em especial, a isenção de IVA pelos prestadores

de SU tem persistido e pode constituir actualmente um factor de desvantagem

competitiva para os prestadores alternativos e potenciais entrantes que se reflecte ao

nível dos preços.

272. Um enquadramento regulamentar que confira certeza aos prestadores relativamente às

regras em que vão operar será essencial para incentivar a entrada no sector postal.

273. Um segundo conjunto de condicionalismos à entrada e à expansão resulta das

características intrínsecas destes mercados (condicionalismos naturais), prevendo-se a

sua persistência mesmo após a plena liberalização do sector. Refiram-se, neste

contexto, os condicionalismos relacionados quer com a procura, quer com a oferta de

serviços postais.

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274. Os condicionalismos naturais à entrada e à expansão do lado da procura resultam da

possível existência de efeitos de reputação, efeitos de carteira ou portfolio, custos de

mudança e de contrapoder negocial dos compradores.

275. Neste caso, e no que ao mercado português diz respeito, destacam-se os efeitos de

reputação e de portfolio, na medida em que os CTT, por operarem no mercado há mais

tempo e beneficiarem da confiança dos seus clientes, detêm uma vantagem

competitiva significativa face aos prestadores concorrentes.

276. Refira-se que os prestadores ligados a grupos empresariais internacionais podem não

sofrer tanto com esta desvantagem competitiva, uma vez que estão associados a

marcas de renome.

277. Do lado da oferta, os condicionalismos naturais à entrada e à expansão relacionam-se

com os custos afundados, as economias de escala, as economias de densidade, as

economias de gama e os efeitos de rede.

278. As economias de densidade, resultantes de uma maior concentração geográfica do

tráfego postal em certas áreas, são as mais relevantes, condicionando a

contestabilidade de determinados segmentos geográficos (i.e., em áreas de menor

densidade populacional, logo de menor tráfego postal). Assim, a oferta de serviços

postais numa escala nacional por concorrentes dos CTT enfrenta barreiras muito

elevadas, ao contrário de ofertas locais e concentradas em fluxos geográficos intra ou

inter-áreas metropolitanas.

279. Para o correio expresso, a densidade postal é menos crítica uma vez que é mais fácil

atingir o ponto de break-even, tal como é patente na maior intensidade concorrencial

observada neste segmento em Portugal.

280. Em face dos condicionalismos à entrada e à expansão presentes neste sector, os

entrantes tenderão a adoptar estratégias focadas em nichos de mercado ou na

captação de grandes clientes empresariais, já que estas não exigem a propriedade de

uma extensa rede de aceitação. É ainda expectável que os entrantes se concentrem na

oferta de serviços com custos fixos reduzidos ou no desenvolvimento de determinados

serviços da nova cadeia de valor dos serviços postais.

281. Por último, do ponto de vista geográfico, as zonas urbanas de Lisboa e Porto, por

serem as áreas de maior densidade de tráfego postal, são aquelas em que mais

facilmente os entrantes prestarão serviços em toda a cadeia de valor.

282. A provável entrada no mercado de novos prestadores de serviços postais, com a

progressiva liberalização do sector, poderá potenciar a adopção de comportamentos

anti-concorrenciais. Com efeito, nos últimos anos, têm-se observado decisões

condenatórias, tanto por parte da Comissão Europeia como das ANC dos diversos

Estados-Membros.

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283. As práticas restritivas de concorrência mais usuais correspondem à discriminação de

preços e/ou qualidade (e.g. aplicação de descontos de quantidade e/ou fidelização), à

adopção de preços predatórios ou de preços excessivos, ao esmagamento de margens,

a recusas de acesso e ao tying. As práticas de discriminação podem revelar-se

especialmente gravosas, sendo importante garantir o acesso de forma não

discriminatória a preços e outras condições da oferta.

284. Após a total liberalização do sector postal, prevê-se uma intensificação da aplicação da

lei da concorrência, complementado a regulação sectorial específica, com o objectivo de

assegurar a existência de uma concorrência mais efectiva conforme preconizado pela

terceira Directiva Postal por via da eliminação da área reservada que terá lugar até 31

de Dezembro de 2010.

285. Neste contexto, a AdC entende dever formular as seguintes recomendações:

(i) o serviço postal deve ser assegurado, sempre que possível, por mecanismos de

mercado, incluindo procedimento concursal, nas regiões em que tal for viável;

(ii) o processo de selecção do prestador de SU deve ser transparente e desenhado

de modo a incluir o maior número de candidatos habilitados a efectuar esta

prestação;

(iii) o acesso aos elementos de rede da infra-estrutura postal deve ser assegurado,

em condições transparentes e não discriminatórias, a todos os prestadores

concorrentes aos CTT, tal como previsto na terceira Directiva Postal e na

legislação nacional, o mesmo se aplicando ao nível da interoperabilidade entre

redes; e

(iv) a existência de um level playing field deve ser assegurada através da revisão das

regras fiscais, garantindo a aplicação do IVA de forma a gerar a menor distorção

de mercado possível71.

71 De acordo com WIK (2009b), no limite, tal poderá passar pela uniformização do tratamento fiscal, no que concerne ao IVA, a todos os operadores, optando-se, assim, por um meio alternativo de compensação ao prestador de SU.

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BIBLIOGRAFIA

Accenture, 2006, “Estudo sobre o Desenvolvimento da Concorrência no Mercado Postal Português, Junho a Setembro 2006”, relatório para o ICP-ANACOM. Berger, R., 2004, “Monitoring developments in the postal market – market survey”, relatório para a Postcomm, Roland Berger Strategy Consultants. ECORYS, 2005, “Development of competition in the European postal sector”, relatório para a Comissão Europeia. ECORYS, 2008, “Main developments in the postal sector (2006-2008)”, relatório para a Comissão Europeia. NERA, 2004, “Economics of Postal Services: Final Report”, Estudo para a Comissão Europeia. WIK, 2009a, “The Evolution of the European Postal Market since 1997”, relatório para a Comissão Europeia. WIK, 2009b, “The Role of Regulators in a More Competitive Postal Market”, relatório para a Comissão Europeia.

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ANEXO I – GLOSSÁRIO

Aceitação (ou recolha): conjunto de operações relativas à admissão dos envios postais

numa rede postal, nomeadamente a recolha de envios postais nos respectivos pontos de

acesso.

ANC: Autoridades Nacionais de Concorrência.

Apartado postal: caixa de correio privativa de um indivíduo ou empresa numa estação

postal.

Área reservada: compreende os serviços prestados em regime de exclusivo pelo prestador

de serviço universal.

B2B (Business to business): fluxo de tráfego em que tanto o remetente como o

destinatário são empresas.

B2C (Business to consumer): fluxo de tráfego em que o remetente é uma empresa e o

destinatário é um particular.

B2X (Business to Business + Consumer): fluxo de tráfego em que o remetente é uma

empresa, independentemente do destinatário.

C2B (Consumer to Business): fluxo de tráfego em que os remetentes são particulares e

os destinatários são empresas.

C2C (Consumer to Consumer): fluxo de tráfego entre particulares.

C2X (Consumer to Business + Consumer): fluxo de tráfego em que os remetentes são

particulares, independentemente do destinatário.

Capitação postal: número de envios postais por habitante.

Correio em quantidade (bulk mail): correio que agrupa vários objectos postais num único

envio (e.g. publicidade endereçada).

Correio expresso: caracteriza-se pela aceitação, tratamento, transporte e distribuição, com

celeridade acrescida, de envios de correspondências e encomendas postais, diferenciando-se

dos demais serviços postais pela realização, entre outros eventualmente contratados com os

clientes, dos seguintes serviços suplementares: prazo de entrega pré-definido e registo de

envios; garantia de responsabilidade do prestador autorizado, mediante seguro ou outro

meio de ressarcimento dos prejuízos causados; e controlo do percurso dos envios pelo

circuito operacional do prestador autorizado, identificando o estado do envio.

Correio híbrido: corresponde ao envio de uma carta por correio electrónico para um

prestador de serviços postais que imprime, envelopa e distribui essa carta.

Correio internacional de entrada: correio com origem num terceiro país e destinado a

Portugal.

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Correio internacional de saída: correio com origem em Portugal e destinado a um terceiro

país.

Correspondência: comunicações escritas num suporte físico de qualquer natureza e

destinadas a serem transportadas e entregues no endereço indicado no próprio objecto ou

no seu invólucro.

Distribuição: conjunto de operações realizadas, desde a divisão dos envios postais no

centro de distribuição da área a que se destinam até à entrega aos seus destinatários,

nomeadamente, em caixas de correio, apartados postais, postos e estações de correios e

entrega em mão.

Encargos terminais: remuneração devida pelo transporte, tratamento e distribuição do

correio internacional proveniente de outros países.

Experience goods: bens cujas características são difíceis de observar a priori, podendo

apenas ser verificadas após a sua aquisição.

Publicidade endereçada (Direct mail): comunicação constituída exclusivamente por

material publicitário, de marketing ou de divulgação e que consiste numa mensagem idêntica

para um número significativo de destinatários, excepto quanto ao nome, endereço ou outras

modificações que não alterem a natureza da mensagem.

Serviço universal: oferta permanente de serviços postais com qualidade especificada,

prestados em todos os pontos do território nacional, a preços acessíveis a todos os

utilizadores, visando a satisfação das necessidades de comunicação da população e das

actividades económicas e sociais.

Transporte: pressupõe a deslocação dos envios postais, por meios técnicos adequados,

desde o ponto de acesso à rede postal até ao centro de distribuição da área a que se

destinam.

Tratamento (ou triagem): preparação dos envios postais, nas instalações do prestador,

para o seu transporte até ao centro de distribuição da área a que se destinam.