47
Uma vida!

Banco de Sangue Dom Bosco

Embed Size (px)

DESCRIPTION

História dos 50 anos do Banco de Sangue na cidade de Maringá, norte paranaense

Citation preview

Page 1: Banco de Sangue Dom Bosco

Uma vida!

Page 2: Banco de Sangue Dom Bosco

Reportagem e editoração: Graziele FredericoArtes gráficas: João Henrique Ferreira Porto

Page 3: Banco de Sangue Dom Bosco

Vez por outra é bom desenrolar a memória e sacudir tudo aquilo que nela ficou acumulado.Obrigada a todos os que remexeram nas lembranças e contaram tão belas histórias da família Dom Bosco.

Boa leitura!

Page 4: Banco de Sangue Dom Bosco
Page 5: Banco de Sangue Dom Bosco

A construção de um sonho

Ele, Dr. Walter Ferreira, médico formado pedia-tra na Faculdade de Me-dicina do Rio de Janeiro. Ela, Célia Mori Ferreira, professora primária. O casal se aventuraria para a construção de um Banco de Sangue em Maringá. A cidade exa-lava um futuro promis-sor e os dois jovens mui-ta coragem. “Aprendi a ajudá-lo com o Banco de Sangue. Ajudei efetiva-mente até mais ou me-nos 1965 e faria tudo de novo, se fosse preciso. Era o sonho dele, e foi o meu também”, analisa D. Célia.

Maringá era ainda uma adolescente de 11 anos quando o Banco de Sangue Dom Bosco foi fundado. Só a Av. Brasil era revestida de parale-lepípedos. Ainda assim era como se não fosse, tal a lama que chegava das ruas vizinhas. “Eu nunca esqueço que gostava de sentar no murinho da nossa casa e ficar vendo os carros atolarem de tanta terra que tinha. Era terra, terra e terra. Aí os tratores vinham para desatolar o carro e ficavam presos no barro também” relembra Amélia Cris-tina Mori Ferreira, filha do fundador do Banco de Sangue.

No mesmo ano começava a construção da nova Igreja Nossa Senhora da Glória, conheci-da por todos como Catedral. No Brasil a Bossa Nova surgia no violão de João Gilberto e nas no-tas de Tom Jobim com a música Chega de Sau-dade. Em 1958 os tempos estavam mudando, era o princípio da história do primeiro banco de san-gue no interior paranaense, o Dom Bosco, que naquele tempo era apenas o Banco de Sangue Dr. Walter.

O empreendimento poderia ser de risco uma vez que a hemoterapia no Brasil ainda engati-nhava. A transfusão entre humanos nasceu com a descoberta dos grupos sangüíneos por Karl Landsteiner, em 1900. No Brasil, em 1879 foi produzido o primeiro trabalho científico da área: a tese de doutorado de José Vieira Marcondes, filho do Barão de Taubaté na Universidade de Medicina do Rio de Janeiro. Ele descrevia experiên-cias realizadas até aquela época sobre a transfusão de sangue e discutia se a melhor transfusão seria a do animal para o homem ou entre os seres humanos. Os primeiros cirurgiões brasileiros que se utilizaram da prática de transfusão sangüínea foram Brandão Filho e Armando Aguinaga, no Rio de Janeiro.

Page 6: Banco de Sangue Dom Bosco

O BS,em 1960 localizado em frente a casa da família Ferreira. Na foto, a pose é das garotas Regina e Amélia

Em 1933 foi fundado o Serviço de Transfusão de Sangue (STF), o primeiro do país, no Rio de Janeiro. Na década de 40 a hemoterapia tor-nou-se especialidade médica em São Paulo e Rio de Janeiro. Seria inau-gurado também o banco de sangue no Instituto Fernandes Figueira, Rio de Janeiro. Eles atendiam além do hospital carioca, as frentes de batalha, enviando plasma humano para colaboração das tropas em combate na Segunda Guerra Mundial. O fato mais importante para a área vem com o I Congresso Paulista de Hemoterapia, em 1949. Ali lançaram-se as bases para a Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH), ofi-cialmente criada em 1950.

Dr. Walter Ferreira, médico formado pediatra exerceu sua especiali-dade por sete anos em Ourinhos - SP, e ainda lá começou a armazenar sangue para transfusão. O interior paulista era uma região antiga, com um quadro médico consolidado e na visão do jovem Dr. Walter Ferreira talvez uma cidade monótona para as suas aspirações profissionais.

O Paraná entrou na vida dos Ferreira pela indicação do colega Dr. Michel Phillipe, que havia cursado medicina no Rio de Janeiro no mes-mo período de Dr. Walter. Sempre que passava por Ourinhos, Dr. Michel contava ao amigo o quanto estava impressionado com o progresso da jovem Maringá.

Em um dos muitos convites feitos, Dr. Walter resolveu conhecer a cidade e deparou-se com aquilo que esperava para sua vida profissional: um lugar completamente novo onde pudesse começar do zero. A aven-tura de mudar-se para Maringá foi aceita prontamente pela esposa Célia Mori Ferreira. Ao ouvir a proposta do marido, ela respondeu apenas: “va-mos!”.

Page 7: Banco de Sangue Dom Bosco

As primeiras paredes dessa história eram de madeira e formavam um único cômodo ao lado da casa da família Ferreira. Ao chegar do interior paulista eles moraram por um ano na atual Av. Arthur Thomas, em frente ao hospital Santa Lúcia. Dr. Walter daria plantão e trabalharia por algum tempo também nesse hospital, antes de assumir o seu objetivo: o Banco de Sangue.

Trazidos de Ourinhos, Dr. Walter alojou naquele cômodo uma maca e os instrumentos para a doação e transfusão. O material para esterilização era preparado pelo casal. “Primeiro lavávamos todos os vidros na soda, depois fervíamos e por fim colocávamos tudo na estufa. As agulhas eram lavadas uma por uma” conta D. Célia.

No início de 1960 o Banco de Sangue mudava-se para a Av. Abolição, exatamente na frente do atual endereço da empresa. Dr. Walter encontrou à venda uma casa que era grande e contava com um pequeno consultório na frente. “Os doadores vinham até a cerca de casa e nós, ainda crianças, íamos chamar o pai para atendê-los”, relembra Regina Célia Mori Ferrei-ra, filha mais velha do casal.

Sem as facilidades da telefonia móvel o médico e sua esposa ficavam cotidianamente de plantão ao lado do telefone. “Nossa maior dificuldade naquele início foi justamente por ele trabalhar sozinho, eu ficava escravi-zada ao lado do telefone. Se ele saia para atender eu tinha que ficar atenta para dar o recado quando ele voltasse, e ele praticamente não podia nun-ca viajar”, analisa a esposa.

O trabalho de transfusão na época consistia basicamente na tipagem sangüínea: “Meu pai saia de casa levando uma bolsa com dois frascos de sangue de cada tipo. Quando chegava no hospital, tipava o doente, pif – três gotinhas de reagente na amostra de sangue -, pegava aquele vidro com o sangue compatível. Já naquela época ele retipava o sangue, e transfundia”, explica Dr. Walter Luiz Mori Ferreira, filho mais novo do fundador do Dom Bosco.

Com pouco mais de 15 anos de trabalho em Maringá o espaço do Banco de Sangue tornou-se pequeno para a movimentação exigida pelos hospitais da região. Eram atendidos só em Maringá 12 hospitais: Hospital Modelo, Santa Casa de Misericórdia de Maringá, Hospital Santa Cruz, Hospital Santa Helena, Hospital Brasilia, Hospital Santa Rita, Hospital Maringá, Hospital Nossa Senhora Aparecida, Hospital São Francisco,

Page 8: Banco de Sangue Dom Bosco

Hospital Santa Lúcia, Hospital São Vicente e Hospital São Marcos. No começo da década de 70 entraram para a equipe do Banco de

Sangue Francisco Veracil do Nascimento e Ana Vila Marques. Francisco ficou responsável pelos exames laboratoriais e D. Ana pela coleta.

As instalações eram pequenas para o número de atendimentos feitos pelo Banco de Sangue. Ana recebia os doadores e ali mesmo preenchia uma ficha com o nome e endereço deles. O controle básico servia para dois fins: o primeiro era impedir que a mesma pessoa doasse mais de uma vez em um curto prazo. A segunda, para buscar os doadores Rh negativos quando o estoque estivesse muito baixo. Ainda assim, o procedimento não impedia que alguns tivessem uma ou mais fichas cadastrais. Mui-tos deles imploravam a D. Ana que os deixasse doar para receber algum dinheiro.“Muita gente vinha pedir para pegar o dinheiro e ficar devendo pelo próximo mês, ou então vinham na hora do almoço para que outra pessoa atendesse eles”, relata Ana, explicando que na época a doação era gratificada.

Na lei da oferta e procura, se o sangue fosse Rh negativo o preço do frasco corresponderia ao dobro de um fator Rh positivo. Hoje isso equi-valeria hoje a cinco e dez reais, aproximadamente.

O ano de 1972 entrou para a história do Banco de Sangue pela con-quista de seu fundador como especialista hemoterapeuta. Junto com o título, Dr. Walter tornou-se também sócio efetivo da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH).

A tecnologia que sempre acompanhara o Dom Bosco chegaria nesse ano com a montagem do laboratório de sorologia. Dr. Walter equipou-o de tal forma que fosse possível realizar os exames: Machado Guerreiro pelo método de fixação de complemento para a doença de Chagas, An-tígeno Austrália por eletroforese para Hepatite B e exame de VDRL para Sífilis. Pensando na melhor implantação das técnicas, Francisco foi en-viado para um treinamento de 30 dias no Banco de Sangue Higienópolis, em São Paulo.

Os avanços e o alto índice de atendimento tornaram imprescindí-vel um novo prédio. Mais uma vez a família trouxe o grande apoio na construção desse sonho: “Nós já tínhamos uma boa casa e eu sabia que ele precisava de mais espaço para trabalhar. Mesmo com muitos colegas achando arriscado o investimento eu fui totalmente a favor. Incentivava

Page 9: Banco de Sangue Dom Bosco

muito que ele fizesse logo uma boa construção”, enfatiza a senhora Fer-reira. Regina conta também que muita gente via o novo prédio do Banco de Sangue como um verdadeiro elefante branco.

O jovem médico ficou encantando com o progresso futuro da nova cidade

Page 10: Banco de Sangue Dom Bosco
Page 11: Banco de Sangue Dom Bosco

A primeira equipe

Cícero e LourdesCícero Barros de Lis-boa e Lourdes Battalini foram um dos primeiros funcionários do Banco de Sangue. O alagoano está há 35 anos no Dom Bosco, Lourdes 32. Os dois viveram de perto muitas histórias desses 50 anos. O fundador foi para ambos um segun-do pai, a admiração por Dr. Walter tanto como homem quanto médico é evidente: “Ele tinha muita visão das coisas. Ele dizia pra mim : ‘oh Lourdes, vai chegar uma época que vai ter computa-dor em todas essas salas’ e isso se tornou verdade”, conta Lourdes.

Em 1974 a festa de inauguração do Banco de Sangue reuniu médicos e políticos importantes da cidade. Um episódio marcante da data foi o susto que todos levaram quando de repente che-gam ao fim os deliciosos salgadinhos feitos por D. Iva. Como seria possível que aquelas gosto-suras acabassem? De fato, eles eram o segundo fator mais impressionante do evento, o primeiro ficava por conta instalações do único Banco de Sangue da cidade. O novo prédio com 250m2 tra-duzia o momento próspero na hemoterapia.

Voltando a festa, foi preciso que se compras-sem mais pães e patê para enganar os esfome-ados convidados. Tudo sob controle, o mistério dos salgadinhos desaparecidos seria desvendado algumas semanas mais tarde. O porta-malas do carro do Dr. Walter começou a exalar um cheiro muito desagradável. Ao abrir o carro, lá estavam todas obras primas de D. Iva. Só que dessa vez apodrecidos. Sim, alguém foi buscá-los e esque-ceu de avisar os anfitriões.

Pouco tempo antes da inauguração esta história já contava com mais três novos personagens: Dr. José Oliveira Maciel, Cícero de Barros Lis-boa e Lourdes Batallini. “Quando fiquei sabendo pela minha irmã que eles precisavam de alguém para limpeza, vim falar com Dr. Walter e já trouxe até minha marmita. Eu tinha fé que iria ficar”, conta Lourdes, contratada no dia 8 de janeiro de 1974. Naquele mesmo dia a nova fun-cionária ganhou rodo e vassoura de D. Célia para que começasse as arru-mações. Era preciso que se preparasse, pois em poucos meses a empresa estaria de mudança. Cícero entrou ainda em novembro de 1973 e recebeu do chefe uma missão um pouco diferente: ele teria 30 dias para aprender com Francisco todos os exames que eram feitos no Banco de Sangue. O jovem rapaz de 27 anos aceitou o desafio. “Eu não sabia nada nessa área, a única coisa que sabia até ali era puncionar”.

Page 12: Banco de Sangue Dom Bosco

Francisco foi designado o professor do novo membro da equipe Dom Bosco. O problema foi que o antigo funcionário viu ali uma forma de ganhar algum dinheiro, e acabou deixando o aluno em situação apertada. No final do mês a promissória de Francisco correspondeu ao dobro do valor pago a Cícero pelo período de treinamento. Mesmo assim o rapaz cumpriu sua parte no negócio e foi contratado com o certificado de que aprendera naquele curto prazo todas as técnicas da sorologia na época. “Foi uma coisa que me marcou muito ter que pagar para ser treinado, o Dr.Walter nem sabia disso, mas era a minha chance”, relata Cícero, que anos mais tarde se tornaria o professor de quase todos os outros novos funcionários.

O primeiro médico da equipe é gaúcho de Porto Alegre e ao passar a lua de mel no Paraná, mal imaginava que voltaria ao Rio Grande do Sul só para arrumar as malas da mudança: “Depois de Foz do Iguaçu eu e minha esposa passamos em Maringá e eu me encantei com a cidade. Comecei a conhecer o lugar e conversar com alguns colegas da área pen-sando já na possibilidade de morar aqui. E então Dr. Walter me ofereceu a oportunidade de trabalhar com ele no Banco de Sangue”. Dr. Maciel atenderia nos hospitais dos anos de 1974 a 1977.

Nos idos de 1970 Dr. Walter contava além do Banco de Sangue com uma criação de coelhos no Jardim Alvorada e a manutenção de um car-neiro, que vivia na casa da mãe de Francisco. Era a matéria-prima neces-sária para produção do soro do exame Machado Guerreiro para doença de Chagas. Para tirar o sangue do coelho o processo era delicado, usava-se uma agulha 25x7 bem pontiaguda e coletava-se 10mL de sangue. O ani-mal ficava meio molenga, mas com um pouco de massagem ele era rea-nimado e voltava ao normal. Na segunda vez que o jovem Cícero assistiu o procedimento, Francisco passou a missão da coleta de amostra para ele: “Nossa, eu fiquei muito nervoso. O senhor que cuidava dos coelhinhos dizia que eu não sabia nada, que ia matar o bichinho. Francisco também ficou ali atrás de mim, de olho. Era muita pressão, tanta que acabei mes-mo matando o coelhinho”, confessa Cícero, hoje já aos risos. Acrescenta ainda que era preciso acertar exatamente o coração e de uma única vez, caso contrário o bicho não resistiria.

O Banco de Sangue atendia nesse período uma média de 10 a 15 doa-dores por dia. Muitos mendigos, bêbados e homens chamados saqueiros

Page 13: Banco de Sangue Dom Bosco

compareciam mais de uma vez por mês. Em alguns casos, porém, quando o estado de saúde não os permitia, ou o estoque estava suficientemente bom era difícil convencê-los a ir embora. Cícero conta que mais de uma vez presenciou e participou de discussões: “Um dia eu estava tirando sangue de um rapaz e aí chegou outro mais alterado e falou que era para eu ir logo, porque ele estava com pressa. Quando eu acabei de tirar a agu-lha do braço do rapaz, ele levantou e foi bater no outro que tinha chegado e estava ali incomodando. Foi um festival de socos e pontapés. Depois de passada a briga fui lá agradecer ao rapaz, afinal ele me livrou de não ter que brigar”.

Pensando na precária saúde dos doadores e no perfil inadequado que tinham, em 1979 a Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH), presidida por Celso Carlos de Campos Guerra liderou a Cam-panha de Doação Voluntária, para que fosse extinta a remuneração. A conquista se deu em junho de 1980 com a adesão dos hemoterapeutas deixando de oferecer a gratificação. A campanha ganhou apoio da im-prensa e das mais diversas associações médicas, garantindo que o país transformasse o índice de 80% de doadores remunerados em 100% de doação voluntária, sem maiores danos para os estoques dos serviços e os atendimentos nos hospitais.

Page 14: Banco de Sangue Dom Bosco

As bolsas plásticas seriam adquiridas por Dr. Walter no início dos anos 80, o que no Brasil ainda era uma inovação. Ele traria algumas bol-sas da França e da Alemanha adaptando o alto custo da tecnologia às con-dições financeiras do Banco de Sangue. Para isso, mesclou a utilização de frascos de vidros e bolsas. Na época o Dom Bosco contava com uma centrífuga para a preparação de plaquetas e crio, mesmo que a demanda ainda fosse rara. Com tais recursos era o único serviço habilitado para atender hemofílicos. No período a maioria das transfusões ainda se dava sob a forma de sangue total.

O primeiro médico da turma, Dr. José Oliveira Maciel, deixaria a família Dom Bosco, em 1977, para seguir carreira em Cascavel. Em seu lugar entraria um senhor que até hoje é motivo de admiração para a em-presa: Dr. Francisco Alexandre Araújo. “Eu estava no cafezinho do Santa Rita [hospital] esperando o atendimento do meu filho, quando o Dr. Wal-ter veio conversar comigo e me chamou para trabalhar com ele”, conta Dr. Alexandre. Na época ele e Dr. Walter dividiam os plantões de atendi-mento para os hospitais. O primeiro trabalhava nas segundas, quartas e sextas. O segundo ficava com as terças, quintas e sábados. Os domingos eram revezados quinzenalmente.

Ainda não se fazia triagens com os doadores nos bancos de sangue, e a burocracia exigida para a segurança era muito menor, mas o período foi de muita correria, nas palavras de Dr. Alexandre. “Chegávamos aqui para atender um hospital, às vezes ainda às oito horas da noite, mas se tinha doador na porta querendo doar e o estoque estivesse baixo, a gente atendia o doador e nem terminava já tocava o telefone de outro hospital fazendo pedido de sangue”, relembra o médico.

Passados 25 anos de prestação de serviço à Maringá e região, Dr. Walter Ferreira transforma o seu Banco de Sangue oficialmente na em-presa jurídica Serviço de Hemoterapia Dom Bosco. A mudança ocorria alguns anos antes da virada na hemoterapia: a descoberta do primeiro caso da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS).

Page 15: Banco de Sangue Dom Bosco

Amélia, Dr. Walter, D. Célia, Regina e Dr. Walter Luiz posando em frente ao carrão, o famoso Galaxie

Exemplo a ser seguido, Dr. Alexandre completa 50 anos de medicina em 2008

Page 16: Banco de Sangue Dom Bosco
Page 17: Banco de Sangue Dom Bosco

A descoberta da AIDSDr. Alexandre

Quando o Informativo Dom Bosco entrevis-tou Dr. Alexandre, o médico ganhou diver-sos adjetivos: corajoso, responsável,exemplo de vida saudável. Para defini-lo, nada foi mais exato do que fazer dele o retrato da humildade. Dr. Walter Luiz, garante que conseguiu enfrentar todas as mudanças e de-safios porque pode con-tar com grandes ami-gos, entre eles o apoio e trabalho constante de Dr. Alexandre. Depois de 31 anos dedicados ao Dom Bosco, esse jovem senhor de 82 anos asse-gura que sua vida seria totalmente diferente sem o Banco de Sangue: “Ah isso aqui é minha vida, como sempre mo-rei perto consegui fazer meu serviço e cuidar da minha família, minhas duas prioridades”.

A primeira transmissão de AIDS descrita, ocorreu no ano de 1981, no estado de San Fran-cisco, EUA. Um comissário de bordo mantinha um relacionamento sexual com um francês e ambos infectados disseminaram o vírus pelas saunas da cidade. Assim conta Dr. Jacob Rosen-blit, médico da SBHH em uma entrevista conce-dida a revista Hemo.

Na época ficou constatado no Brasil um índice de 2% da doença sendo transmitida por transfusão sangüínea. Os profissionais que traba-lhavam na área pouco refletiam sobre a possível contaminação, o medo não fazia parte das suas rotinas. “A gente nem pensava nisso, se cuidava no básico, mas ainda tinha pouca gente contami-nada”, explica Cícero.

O exame para detecção do vírus HIV entrou na sorologia do Dom Bosco em março de 1987. “O governo nem pagava ainda, mas nós fazía-mos. O Dr. Walter era um médico muito envolvi-do na profissão e sempre muito atualizado”, re-lembra Dr. Alexandre. Os exames de Hepatite B, também modificados no mesmo período para o método Elisa e o teste de HIV foram implantados sem o pagamento pelo serviço prestado.

A Conferência Internacional sobre a AIDS no final de 1987, questionava o problema mais pelo viés social do que médico. “As campanhas devem proteger os direitos humanos dos pacientes, impedindo a discri-minação e o isolamento dos portadores do vírus”, explicava o documen-to final. No mesmo ano, especialistas da Universidade da Nova Jersey detectaram o primeiro paciente norte-americano com um novo tipo de vírus, tratava-se do HIV-2. A descoberta confirmou as hipóteses da exis-tência de uma variação do HIV.

Page 18: Banco de Sangue Dom Bosco

O que se percebeu com a descoberta da AIDS foi a transformação da hemoterapia em uma atividade muito visada. Começaram aí as fiscaliza-ções. “Vinha tanta gente olhar como funcionava o Banco de Sangue que era difícil até para eles andarem por aqui. E o mais complicado é que não havia uma preparação. Eles não tinham conhecimento da área, às vezes um vinha e dizia que faltava colocar uma pia num determinado local. Depois outro fiscal falava que ali não podia ser colocado nada, porque era foco de infecção. Muitos entendiam das leis, mas não eram da área de saúde”, conta Regina.

Em janeiro de 1988 Dr. Walter foi entrevistado pelo O Jornal marin-gaense sobre as declarações do Ministro da Saúde na época, Borges da Silveira, relativas a maior rigidez implantada nas fiscalizações dentro dos bancos de sangue: “Vejo com bons olhos as medidas que visam garantir a melhor qualidade do sangue e não temo as punições, já que estamos há algum tempo dentro das normas estabelecidas”. Na mesma reportagem Dr. Walter comentava que a grande dificuldade era o medo de alguns do-adores de serem infectados com a doença. Em seguida o médico explica que a hipótese era infundada, pois os materiais utilizados para a coleta já eram todos descartáveis. Mal sabia ele que poucos meses depois sua ins-tituição seria envolvida num grave escândalo com um bebê supostamente soropositivo.

No dia 5 de março de 1988 é exibida a manchete : “Criança contrai AIDS em transfusão em Maringá”, no jornal O Diário do Norte do Para-ná. A chamada de capa começava descrevendo que o bebê contaminado por uma transfusão de sangue no hospital Santa Casa de Misericórdia em Maringá, estaria agora a mercê da sorte. A mãe Christianne Pontes e Dechiche apresentou o número da doação recebida pelo bebê no dia 07 de dezembro de 1986, unidade hemoterápica 6088. Christianne garantiu ter certeza que seu filho havia sido contaminado pela transfusão do Dom Bosco. A reportagem contava que a senhora de 30 anos, profissional dos meios de comunicação, teria levado seu filho Jorel para o hospital com a intenção de corrigir um problema de anemia. A mãe relatou que segundos depois de ter tomado o sangue a criança começou a apresentar sintomas estranhos. Não percebendo a melhora de seu filho, Dechiche levou-o para tratamento em Santos. Lá, no Instituto Adolfo Lutz, foram realizados exames e ficou constatado HIV positivo para Jorel.

Page 19: Banco de Sangue Dom Bosco

Entrevista concedida por Dr. Walter Ferreira ao O Jornal no dia 21 de Janeiro de 1988. Na época o Ministro da Saú-de, Borges da Silveira, pro-metia retalhação às institui-ções que não se adequassem as novas normas. Dr.Walter mostrava tranquilidade com relação ao assunto.

Apesar das manchetes exibirem a acusação de que a transfusão tinha contaminado Jorel, um mês depois exames comprovaram que ele não era soropositivo.

Na época o pai da criança posicionou-se a fa-vor do Dom Bosco, contra as acusações de sua ex-mulher

Page 20: Banco de Sangue Dom Bosco

Ao ver a notícia Dr. Walter recorreu aos registros rapidamente para conferir o que estava acontecendo. Ao verificar, encontraram o doador da bolsa enviada à Jorel Dechiche. Sendo um doador freqüente, meses de-pois ele havia voltado ao Banco de Sangue e em atendimentos posterio-res a março de 87 seus exames constavam como HIV negativo. Mesmo assim Cícero ficou encarregado de procurar o rapaz e coletar uma nova amostra para maior segurança: “Quando cheguei na casa do doador, ele estava trabalhando e eu falei primeiro com a esposa dele. Expliquei que estávamos repetindo os exames dos doadores mais antigos, que era algo de rotina. Ele concordou em coletar uma nova amostra e foi o que fize-mos. Naquela noite trabalhei até mais tarde para fazer os exames dele e não deu nada mesmo”.

Para que não se questionasse a possibilidade de Jorel ter sido infecta-do pela mãe, Christianne apresentou no jornal um exame dela, e do filho mais velho constatando HIV negativo. “O curioso na época, é que os dois exames – o negativo e o positivo – possuíam o mesmo valor de cutt-off, mesmo sendo feitos em dias diferentes”, relembra Regina.

Três dias depois Christianne voltou aos jornais pedindo ajuda finan-ceira para o tratamento de seu filho. Ela divulgou o número de uma conta no banco Bamerindus para que a sociedade sensibilizada contribuísse. As autoridades sanitárias da cidade iniciaram uma investigação supondo que a contaminação poderia ter ocorrido ou pela transfusão ou má esteri-lização dos materiais usados na Santa Casa de Misericórdia.

A senhora Dechiche acusou também o radialista Heraldo Farias de ter recebido doações para Jorel em seu programa, no valor de Cr$ 60mil e não ter repassado mais de Cr$ 5mil a ela. O espaço das reportagens eram exclusivamente dedicados a mãe da criança. Nem o radialista, nem o Hospital Santa Casa e ainda menos o proprietário do Dom Bosco tinha espaço para esclarecer seu lado nos fatos.

O escândalo perduraria por mais um mês, chegando ao ápice com a declaração do Secretário de Saúde do estado, Delcino Tavares, enfatizan-do que caso fosse comprovada a culpa do Banco de Sangue Dom Bosco este seria devidamente punido, podendo inclusive ser fechado.

A imprensa incendiou a imagem de 30 anos de serviços prestados sem sequer conversar e publicar as provas de Dr. Walter. Eram divulga-dos apenas os exames apresentados por Christianne.

Page 21: Banco de Sangue Dom Bosco

No dia 10 de abril, um mês depois do início das denúncias, saem os resultados realizados pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, sob a responsabilidade do Dr. Roberto Teixeira, constando como nega-tivos os exames anti-HIV para o doador Henrique José da Cruz e para o bebê Jorel Dechiche. O presidente da Associação dos Hospitais do Para-ná da Regional de Maringá, médico Dr. Salim Haddad foi encarregado de divulgar a notícia na imprensa e comunicar Dr. Walter Ferreira sobre os resultados e a comprovação da inocência de sua instituição. Um dia depois outra nota no jornal divulgava os exames negativos e o pronun-ciamento do diretor do Dom Bosco. Ele dizia apenas que na sua opinião houve uma certa precipitação na divulgação do caso.

A Sociedade Médica relatando a total integridade do proprietário do Banco de Sangue durante todos os anos de serviço prestado, homena-geou Dr. Walter com um churrasco e uma placa de congratulações pela ética profissional e a firmeza mantida durante o escândalo. “Essas coisas são complicadas. Porque depois que você joga a sujeira no ventilador, consertar não é fácil. Mesmo assim meu pai fez questão de ir à festa”, relembra Regina.

A homenagem realizada pela Sociedade Médica ressaltou a integridade de Dr. Walter

Page 22: Banco de Sangue Dom Bosco
Page 23: Banco de Sangue Dom Bosco

O cotidiano de uma famíliaClaudir e D. Maria

Claudir Ghelere e Maria de Souza Teodoro, os dois sempre prestaram serviços diferentes para o Banco de Sangue. Ele é o eletricista oficial da empresa, o nosso pro-fessor Pardal. Ela, a co-zinheira que por alguns anos deixou os funcio-nários mais mimados. O apreço a família Ferreira também é comparável. D. Maria ainda guarda fotos dos filhos da Regi-na em sua casa, Claudir criou seus filhos dentro da família Dom Bosco, hoje eles são parte das crianças que cresceram aqui.

O que dizer de um banco de sangue com uma horta no quintal? E os bons churrasquinhos fei-tos no sábado após o meio dia? Isso sem contar com os motoristas premiados do Dom Bosco, que depois de aprenderem a dirigir vão para trás, quando a intenção era ir para frente.

O trânsito de Maringá tornava-se um pouco mais arriscado quando D. Ana e tempos depois Terezinha resolveram aprender a dirigir. A pri-meira ainda relembra das gargalhadas de Dr. Walter na porta do Banco de Sangue vendo-a arrancar com o carro aos solavancos e logo em seguida começar a andar para trás. Sim, ela tinha engatado marcha-ré, enquanto a intenção óbvia era apenas seguir em frente a caminho de casa. D. Ana foi o marco da direção na década de 70, os anos 80 contaram com outro personagem: Terezinha Fritzen contracenando com seu fus-ca verde amassado. Os colegas do Dom Bosco certo dia resolveram testar se ela pararia ou não, caso barulhos estranhos começassem a ocorrer com um carrinho já tão envelhecido. Supimpa! Acertaram em cheio os que apostaram na alterna-tiva não para a resposta. Apesar de andar quilômetros a fio com várias la-tinhas amarradas embaixo de seu automóvel, a motorista seguiu contente o caminho de casa, descobrindo só mais tarde a armação dos amigos.

A horta da família Dom Bosco tinha ameixa, fruta do conde, banana ouro, limão (galego e taiti), pitanga, um pé de jaca, goiaba e um pé de abacate que infelizmente nunca deu frutos.

As jacas ficavam próximas ao muro que dividia o Banco de Sangue com o prédio do INAMPS. Quando as frutas amadureciam o cheiro era tanto que seria quase uma maldade recusar as frutas aos funcionários vizinhos. Eles sempre acabavam ganhando os perfumados produtos da horta.

Como o fundador do Banco de Sangue adorava banana ouro, essas eram cultivadas com todo o cuidado e para a felicidade da família

Page 24: Banco de Sangue Dom Bosco

Ferreira, as mudas do pé de banana do Dom Bosco foram replantados no sítio do Dr. Alexandre. Assim, anos mais tarde, quando o quintal foi transformado em vestiário, área de lazer e estacionamento, as bananas ouro puderam novamente ser replantadas nas propriedades Ferreira, ago-ra no sítio de Regina.

Devoto de Dom Bosco, Dr. Walter sempre que tentava a sorte na loteria deixava os bilhetes embaixo do santo, para caso o ente celestial resolvesse dar uma ajuda. “Nós sempre brincávamos que íamos pegar os bilhetes dele dali, porque ele sempre deixava largado embaixo do santo, para ver se dava mais sorte”, comenta Terezinha acrescentando que al-gumas vezes o protetor do médico realmente o favoreceu com algumas dezenas premiadas. Nada muito grande.

Para o risoto de jaca, certa vez apareceram duas visitas, funcionárias de outro serviço próximo ao Banco de Sangue. Elas entraram, sentaram-se a mesa e pediram um pouco de risoto. Como a Lourdes e D. Maria já as conhecia e lembravam de como nenhuma delas gostava de jaca, deixa-ram que se servissem à vontade: “Depois de já terem comido mais de um prato, uma delas resolve me perguntar se o prato era com peito de frango. Eu comecei a rir e disse que sim, era de frango com fios de jaca”, conta ainda aos risos Lourdes completando que na mesma hora as visitantes começaram a querer vomitar o delicioso risoto.

A comida sempre foi um bom motivo para a reunião da equipe e tam-bém o motivo pelo qual ficou conhecida uma personagem risonha e festi-va desses 50 anos de história: Maria de Souza Teodoro, ou simplesmente D. Maria. É com graça que conta como eram bons os grandes sacos de laranja chegados da fazenda. Esses rendiam litros de suco para todos os funcionários. Ou o leite que Dr. Walter deixava diretamente na casa dela. “Naquele tempo éramos uma família mesmo. A confiança era tanta que no dia em que meu filho faleceu, meu salário tinha ficado inteiro guarda-do dentro do armário aqui. Eu deixei e sabia que nada iria acontecer”.

As dificuldades do dia-dia se misturavam com o lado profissional. “O Dr. Walter não deixava passar nada. Ele percebia quando a gente não estava bem. Sempre que passei por problemas eu me abria. Primeiro ele olhava pra gente e perguntava: ‘Que foi dona Ana, a senhora não está muito animada hoje hein, o que está acontecendo?’ aí era difícil não con-tar, e logo eu acaba me abrindo e ele passava horas dando conselhos

Page 25: Banco de Sangue Dom Bosco

dele pra gente”, relata D. Ana, uma das primeiras funcionárias do Banco de Sangue.

Confiança e amizade talvez fossem as características mais marcantes na relação entre patrão e empregados daquele período. Adiantamento de férias e 13º salário foram feitos para quase todos os funcionários, desde que o motivo fosse justo: a compra de uma casa, uma lambreta, um car-ro, uma bicicleta, uma máquina de lavar roupa ou uma linha telefônica. Quando problemas pessoais do mais variados tipos pesaram na vida de alguns, eles fizeram do Dom Bosco um lar improvisado. E para os que aqui não se mudaram, ficou a certeza de que usufruíram do trabalho no Banco de Sangue para escapar das preocupações e decepções reservadas pelo destino.

A família Ferreira e a equipe do Dom Bosco estavam sempre reuni-dos. Isto ficava evidente quando D. Maria ia cuidar dos filhos da Regina, ou quando Carolina, a primeira neta do Dr. Walter, falou “Urde, urde”, deixando a Lourdes a mulher mais realizada, contando para todos que esta teria sido uma das primeiras palavras da garotinha. Terezinha ainda relembra que Bruno, outro neto do Dr. Walter, logo que entrava na recep-ção fazia questão de acender todas as luzes do quadro com nomes dos hospitais. Francisco, o mais velho dos funcionários, conta que às vezes era motorista dos familiares: “Era uma honra tirar o Galaxie da gara-gem”, carro esse que foi orgulho do médico e de toda a família.

Quando questionado a alguns funcionários o que representava o Ban-co de Sangue na história deles, a resposta foi unânime: “Tudo!”. A maio-ria modificou a vida a partir da experiência vivida dentro do Dom Bosco. Francisco conta que tentara suicídio poucas semanas antes de ser contra-tado, D. Ana superou o trauma da perda de um filho, Lourdes relembra que ainda antes de trabalhar na empresa, avistou a construção e disse a si mesma que se conseguisse emprego ali, poderia deixar a vida de empre-gada doméstica e vir definitivamente morar na cidade. Assim aconteceu com tantos outros que foram se agregando aos churrasco, antes elabora-dos para cinco ou seis funcionários e hoje para mais de 30 pessoas.

Page 26: Banco de Sangue Dom Bosco

O quintal do Dom Bosco sempre foi a sala perfeita para as melhores reuniões

Dr. Walter e Carolina, sua primeira neta

Dr. Walter trazia da fazenda litros de leite que tanto eram servi-dos aos doadores como doados para D. Maria

Page 27: Banco de Sangue Dom Bosco

A década das mudançasDr. Walter Luiz e Regina

A direção do Banco de Sangue caiu nas mãos de-les no susto. Aqueles que não viviam o contexto do Dom Bosco imagina-ram que preocupações familiares e escolhas pes-soais poderiam levar ao fechamento da empresa. Não foi o que aconteceu. Ambos assumiram e, nas palavras de Dr. Alexan-dre, “vestiram mesmo a camisa”. As mudanças drásticas na hemoterapia chegaram e foram im-plantadas. A equipe cres-ceu e com ela os desafios. Os funcionários, sempre tidos como amigos, hoje relatam o orgulho de trabalhar na instituição também construída pelos dois filhos de Dr. Walter Ferreira.

Virada dos anos 90, o que estaria guardado para o Dom Bosco na última década do sécu-lo XX? A preparação do que viria chegou pela Lei Federal 7.649 de janeiro de 1988, exigindo que os doadores passassem por triagem médi-ca antes da coleta do sangue. E um ano depois a exigência de um profissional graduado bio-químico como responsável pelo laboratório de sorologia. Na época a triagem ficou por conta do Dr. Alexandre. que deixara os atendimentos nos hospitais sob encargo de Cícero e Clau-dir Ghelere, este integrava a equipe há pouco mais de um ano. A contratação do bioquímico, a princípio não foi concretizada bem ao gosto do Dr. Walter: “Ele me disse que queria um ho-mem como responsável pelo laboratório. Pri-meiro para caso precisasse que o profissional trabalhasse fora de hora, segundo porque uma mulher poderia engravidar, e como só teria um bioquímico, não haveria ninguém para ficar no seu lugar se isso viesse a acontecer. Eu só res-pondi que queria muito o emprego e quanto a gravidez, ele não precisava se preocupar, eu já não podia mais ter filhos”, conta Marisa Dodorico, a bioquímica então contratada.

A busca pela qualidade nos serviços de hemoterapia estava só come-çando, mas uma surpresa muito maior tomaria conta do Dom Bosco em pouco tempo: a doença do seu fundador. “Foi uma reviravolta na minha vida. Naqueles anos, entre 1990 e 1992, seis meses depois do meu ca-samento eu fiz o primeiro diagnóstico do meu pai. Nesses dois anos eu me casei, meu pai teve câncer, minha irmã se separou com três filhos pequenos, minha filha nasceu, meu pai morreu e eu larguei minha espe-cialidade. Assumi uma fazenda e uma empresa que eu não entendia nada de nenhum dos dois. Eu era um garoto de 30 anos de idade. Quase fiquei louco”, conta Dr. Walter Luiz, filho mais novo do fundador do Dom

Page 28: Banco de Sangue Dom Bosco

Bosco que já era formado em medicina na especialidade de cirurgião gástrico.

O diagnóstico de Dr. Walter abalou todos os funcionários. Nas pala-vras dos entrevistados a definição mais precisa foi o choque ao receberem a notícia. “Acho que pessoalmente a maior dificuldade nesses 50 anos de Banco de Sangue, foi a doença do Dr. Walter. Porque as mudanças sempre geram uma certa rejeição de imediato, mas passa. A doença dele não, foi um susto e uma perda. O doutor para mim não era um patrão, era um amigo”, analisa Cícero. Acrescenta ainda que logo após a morte de Dr. Walter houve alguma resistência nos hospitais com a possível trans-formação na administração e prestação de serviços, visto que Dr. Walter Ferreira era há muito tempo um médico conhecido e muito bem visto dentro da área.

Regina já trabalhava dentro do Dom Bosco, nas suas palavras “me-tendo o bedelho”, estudando as legislações e inovações da área. E ainda doente, Dr. Walter passava ao filho todas as medidas administrativas e decisões que deveriam ser tomadas caso ele assumisse mesmo o cargo de diretor do Banco de Sangue.

“Eu sempre falei para o Dr. Walter Luiz seguir a especialidade de he-matologia. Mas ele nem queria saber disso. Para minha grande surpresa, quando ele assumiu o lugar do pai, ao lado da Regina, ele vestiu a camisa e não parou mais. Eu achava que ele não iria se adaptar ao ritmo do Ban-co de Sangue. Hoje fico impressionado de como isso aqui cresceu. Nem sei como ele conseguiu aprender tanta coisa e tão rápido. Sem dúvidas, Dr. Walter Luiz foi um divisor na história do Dom Bosco, depois dele só fizemos por crescer e crescer muito”, conta Dr. Alexandre, que vê no atual diretor uma capacidade muito grande de aprendizagem.

Dr. Walter Luiz explica que não quis seguir a carreira de hematolo-gista primeiro porque a área nunca lhe agradou de fato: “Eu não posso gostar de uma especialidade que todo mundo vai sofrer muito, com gran-des chances de morte”, depois porque ainda jovem pensava em traçar sua própria história, desvinculado dos grandes feitos já conquistados por seu pai até ali. Mas, como acrescentou Regina, eles haviam nascido dentro do Banco de Sangue, aí começaram a tomar conta do negócio e as coisas foram engrenando, meio no automático mesmo.

Mal havia sido estruturada a nova direção e as exigências na

Page 29: Banco de Sangue Dom Bosco

hemoterapia os pegariam de calças curtas. Com a Portaria 1376 do Mi-nistério da Saúde de novembro de 1993, surgiram inúmeras exigências visando a melhoria na segurança e qualidade da sorologia e dos atendi-mentos transfusionais. Os patrões, Regina e Dr. Walter Luiz convocaram toda a equipe para explicar o que eram as novas regras e dar alguma dimensão do que teria de ser feito para a adaptação as normas.

Primeiro a tipagem sangüínea passou a ser feita em tubos, não mais nas lâminas: “Eu e Dr. Walter passamos um dia todo no banco de sangue de Londrina, conhecendo o serviço. Ao voltar para o Dom Bosco tivemos que implantar as técnicas quase que imediatamente à rotina”, conta Ma-risa que viveria muito de perto todas as revoluções trazidas pela Portaria MS-GM 1376.

Os testes da Pesquisa de Anticorpo Irregular (PAI) e as Provas Cruza-das também começaram a ser feitos nesse período. Junto com os exames foram montadas três agências transfusionais nos hospitais Santa Casa, Paraná e Santa Rita.

A sorologia contaria com cinco exames novos: anti HBc para Hepa-tite B, HCV para Hepatite C, HTLV para Leucemia/ Linfoma de Célu-las T do adulto (rara doença linfoproliferativa) e Paraparesia Espastica Tropical (mielopatia), ALT/TGP para problemas hepáticos e um segundo método para Doença de Chagas. A automatização também estava come-çando. “O primeiro aparelho pipetava as amostras, mas não fazia tudo sozinho, nós é que tínhamos que ir comandando as etapas manualmente”, explica Marisa.

A produção de hemocomponentes aumentara pois as transfusões de sangue total passaram de 80% no início dos anos 80, para uma média de 10% a 20% na década de 90. O volume de trabalho tornou-se maior, foi então o período de explosão de crescimento na equipe Dom Bosco.

Na parte administrativa, diversas modificações também foram rea-lizadas. Dr. Walter Luiz trazia um novo molde de gestão dos negócios, personificado na contratação de Marcos Rogério Afonso dos Santos, para o setor de recursos humanos.

No mesmo período, é bom lembrar, o governo também trazia outras exigências. Primeiro tornou-se obrigatório pela Resolução Estadual Co-legiada nº 61/89 o envio a Secretaria de Saúde do Boletim Diário de Do-ação de Sangue (BDDS) e o Boletim Mensal de Transfusão de Sangue

Page 30: Banco de Sangue Dom Bosco

(BMTS). O primeiro gerou a notificação ao estado do Paraná com o código de rejeição de doadores: o cadastro definitivamente impedidos, o CDI. Os serviços de recepção, faturamento, cadastro e administrativo que antes eram feitos apenas por um funcionário com a ajuda de Dr. Walter transformou-se em um setor sobrecarregado que em pouco tempo seria subdividido.

Outras duas novidades advindas com a MS-MG 1376 foram o Manu-al de Operações Padronizadas (MOP) e a adaptação de uma área exclusi-va para o lanche dos doador. Este contou com a contratação de mais uma funcionária específica para o novo setor. Aquele nasceu às 2 horas da ma-drugada, entre telefonemas tensos de Dr. Walter Luiz, preocupado com o curto prazo que tinham para a revisão e impressão do documento.

A Portaria Federal nº 121 de 24 de novembro de 1995 implementou um rígido roteiro de inspeção e fiscalização em bancos de sangue, o qual assustou todos os serviços na época. O receio de como seriam avaliadas as modificações feitas pelo Banco de Sangue deixaram toda a equipe ansiosa a espera do que seria a famosa inspeção federal. E quando ela chegou, já no ano de 1996, veio na figura de uma baiana que a princí-pio deixou todos aterrorizados, mas que saiu do Dom Bosco vendendo tranqüilidade. Claro que exigências foram feitas e prazos de adequações estabelecidos, mas nada tão dramático perto de tudo que fora encaminha-do até ali. Naquele mês os funcionários ganharam uma bonificação pelo esforço e serviço prestado para que todos os questionamentos da vistoria pudessem ser cumpridos. “Para nós aquilo já foi considerado sucesso absoluto, perto do que imaginávamos”, ressalta Marisa.

Diante do universo de exigências da Portaria MS-GM 1376 o espaço do prédio inaugurado ainda em 1974 por Dr. Walter tornara-se insufi-ciente. Foram feitas primeiro algumas possíveis adaptações: a garagem transformada em sala de fracionamento e a antiga cozinha dos funcioná-rios em laboratório de Imuno; as geladeiras e frezzers foram instaladas no corredor.

Com a finalidade de adequar definitivamente todos os setores que foram criados, começou em 1996 a construção das novas instalações, as quais ganhariam o espaço de 1700m2. O prédio seguiria a Resolução da Diretoria Colegia (RDC) nº50, específica para área de saúde com capítu-lo exclusivo sobre bancos de sangue.

Page 31: Banco de Sangue Dom Bosco

Caminhando na mesma velocidade das mudanças hemoterápicas, chegou ao Dom Bosco nesse período os primeiros sinais de informati-zação. Os computadores vieram sempre da casa da Regina: “Primeiro eu tive um TK-2000 era aquele de fitinha cassete, que nunca funcionou direito. Depois eu comprei o XT, o primeiro computador de mesa. Quan-do eu comprava o novo, sempre trazia o velho para cá”. No começo a informática no Dom Bosco resumia-se a um programa de cadastro dos doadores. Logo em seguida foi instalado um banco de dados da família do DOS, chamado DB3, ele cadastrava guias dos hospitais e diversos re-gistros usados no faturamento. “Não chega a ser um programa do Windo-ws, é um banco de dados onde eu ia cadastrando e fazendo o índice que eu queria”, explica Regina enfatizando que o programa continua em uso nos dias atuais, já que o Hemote (instalado em 1997) ainda não consegue assimilar essas informações.

A diretora conta ainda que a rede de computadores nasceu devido ao uso do DB3: “Primeiro foi instalado um computador na recepção, depois eu instalei uma máquina para mim que ficava na sala do meu pai e des-ses dois computadores foi que fizemos a primeira rede”. No período da construção o setor administrativo foi deslocado para o outro lado da rua, e com ele a rede. Com o jeitinho brasileiro, foi feito um gato e passado os fios junto com os fios da linha telefônica, permitindo que o processo de informatização fosse concretizado mesmo com o deslocamento do setor.

Ainda no prédio antigo todos levariam um susto numa bela noite de sábado. Wilson, plantonista no atendimento aos hospitais, havia saído do quarto para fumar, quando de repente avistou uma onda de fuma-ça saindo do laboratório de Imuno: ocorreu um curto circuito em um homogeinizador de plaquetas, mais conhecido como plaquetamix, que conseguiu espalhar a fumaça pelo corredor do Dom Bosco. Ao constatar o fogo Wilson correu ao quintal, quebrou a janela de acesso a sala e com uma mangueira apagou o foco de incêndio. Só depois telefonou aos bombeiros e em seguida, ao Dr. Walter Luiz. O chefe imediatamente con-vidou todos os funcionários para em espírito de equiper limpar e arrumar novamente o Dom Bosco, já que a rotina de atendimento na poderia ser interrompida.

Com metade das novas instalações concluídas outras adaptações fo-ram feitas para o atendimento ao doador, e mais funcionários iam

Page 32: Banco de Sangue Dom Bosco

As novas instalações enquadraram o Dom Bosco aos altos níveis de qualidade

As bancadas do laboratório de sorologia eram pequenas para tamanha exi-gência em tão pouco tempo. Foi alojada uma mesa na sala para que as bio-químicas pudes-sem ter espaço para trabalhar

iam aderindo à equipe. Em 1992 eram apenas sete, estes passaram à 25 início de 1997.

“Foram três anos de processo intenso de transformação. Eram inú-meras mudanças nas normas técnicas, exigidas pelo Ministério da Saúde. Foram exigências de primeiro mundo que ainda não cabia no país, mas a gente fez. Eu não tive medo de investir porque eu tinha me capitalizado bem, o SUS começou a pagar 25% dos atrasados de dois anos. Tivemos essa sorte, acabei construindo e gastando 30% da reserva que eu tinha” resume Dr. Walter Luiz sobre conturbado período de adaptação e conso-lidação da nova diretoria no Dom Bosco.

Page 33: Banco de Sangue Dom Bosco

O D´OLHO sacudiu a rotina do Banco de Sangue

Acreditação na qualidadeAs atualidades, quan-

do pensadas dentro de uma história de 50 anos, ficam por conta daqueles fatos registrados na últi-ma década. Resgatando no arquivo recente um editorial do Informativo Dom Bosco resumiu em algumas palavras o que eram as tais atualidades: “Fala-se em desenvolvimento de novas técnicas laboratoriais, novos instrumentos, novos protocolos. O Banco de Sangue vem acompanhando todas essas novidades até chegar onde estamos. Ao pararmos para refletir a história, vemos que não foi todo esse desenvol-vimento que fez com que o Dom Bosco se tornasse uma instituição de respeito e qualidade, mas sim a união e o esforço de uma equipe que o acompanhou em toda sua história e fez bom uso dessas novas técnicas”.

Maria Soledade, Ivanilde, Dorival, Juliano, Alexandra, Wilson, Elo-ísa, Celso, Aparecida de Fátima, Suely, Edson, Fátima Regina, Marcos, Vilminha, Junimar, Cecília, Silmara, José Aparecido, Luiz Carlos e Dra Angélica foram os primeiros nomes da nova equipe do Dom Bosco. Des-ses, alguns sairiam e outros surgiriam. A família definitivamente cresceu e a casa do Banco de Sangue ganhou ares de pensionato: cada um tinha setor e atividades rigidamente estabelecidos.

Um dos espelhos mais precisos da modernidade foi sem dúvida a in-formatização total da instituição. A rede de computadores nascida ainda com o programa DB3 foi estendida a toda cadeia de produção do Banco de Sangue com o advento do HEMOTE. A principio o mais complicado era ensinar pessoas que no máximo tinham feito curso de datilografia para maquinas de escrever a usar o corpo estranho, chamado mouse. Jogos interativos foram instalados para que os funcionários pudessem se adaptar ao novo colega de trabalho - o computador. Inclusive a chefia teve lá suas dificuldades. Para compensar a agilidade de Regina, Dr. Wal-ter Luiz até hoje ainda pega milhos no teclado, para a diversão de todos.

Page 34: Banco de Sangue Dom Bosco

Anos mais tarde seria criado o programa de Controle de Almoxarifa-do, BSSystem pelo agora não mais menino, Juliano Lemos que entrou no Dom Bosco com 16 anos: “Sonhava em trabalhar num banco, deu certo vim parar em um Banco mesmo, só que de sangue”.

As mudanças técnicas vieram com as novas leis e deram outra cara ao Dom Bosco: agora o primeiro Serviço de Hemoterapia do interior para-naense contava com um prédio grande, moderno, com sistema informa-tizado de atendimento, laboratórios para sorologia, imunohematologia, controle de qualidade de hemocompentes e atendimento transfusional, além de três agências nos hospitais da cidade. O setor de triagem ganhou duas novas salas, a coleta foi equipada com seis cadeiras específicas para doação de sangue e as três novas salas do fracionamento e estoque das hemácias, plaquetas, plasma e crioprecipitado. No segundo andar o setor administrativo - financeiro e a diretoria receberam espaço suficiente para distribuição das novas funções.

Lourdes, uma das mais antigas funcionárias comenta: “Mudou mui-to, antes não tinha classificação de setor. Se chegava doador e ninguém podia atender eu já atendia”. As redistribuições de funções fizeram parte das novas exigências de qualidade, e seria impossível adequar-se tanto e em tão pouco tempo sem a devida organização. Os tempos realmente estavam mudados, mesmo Dorival Gimenez que aderiu a equipe já em 1993 sentia os efeitos: “A empresa cresceu bastante depois de dez anos que estou aqui [analisa em 2003]. É um bom lugar para se trabalhar e há muita segurança. A parte técnica melhorou muito, mas perdemos a união do grupo, talvez pelo número grande de funcionários com interesses di-ferentes”. Saudosismos à parte, Marisa completa dizendo que desde o início dos anos 90 todos se ajudavam, mas cada um já tinha suas respon-sabilidades e setor definidos.

Um resultado da evolução técnica foi o controle de qualidade de he-mocomponentes. O início das atividades se deu ainda em 1994 e 1995 mas até hoje o desenvolvimento dos testes não pára, há sempre atua-lizações. A princípio eram verificadas apenas se hemácias e plaquetas estavam dentro das condições estabelecidas pelo Ministério da Saúde. A partir de 2002 a inspeção se estendeu também aos plasmas, crioprecipi-tados e controle microbiológico.

Externamente o Dom Bosco também passou a ser avaliado pelos

Page 35: Banco de Sangue Dom Bosco

Controles de Qualidade da Sorologia realizado inicialmente pela PA-NEL em 1996, e no setor de Imunohemtalogia pela Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH) em 1998. Atualmente além des-sas duas certificações há a avaliação do estado do Paraná e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Completando dez anos do escândalo que falsamente envolveu o Ban-co de Sangue num caso de contaminação de HIV no bebê Jorel, chega a rotina sorológica do Dom Bosco um segundo método para exames da doença de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). A Portaria Federal nº4888 de novembro de 1998 tornou obrigatória a realização de dois testes para a detecção da doença.

Preocupado em evitar episódios como o escândalo de 88, o novo di-retor instaurou em 1999 uma Comissão de Administração de Risco. Foi contratada uma equipe de advogados para realizar treinamentos e contri-buir na elaboração de novos registros que começavam a ser produzidos, como por exemplo a Declaração de Entrega de Resultado aos doadores ou o Termo de Consentimento para Doação de Sangue.

Nesse período também foi instituído através da Resolução da Dire-toria Colegiada (RDC) nº29 um formulário a ser encaminhado para a direção do estado do Paraná contendo as estatísticas sobre todos os ser-viços realizados pelo Banco de Sangue. “Nós enviamos até hoje [2008] os números referentes ao total e tipo de doadores, a quantidade de he-mocomponentes produzidos, as reações transfusionais, se aconteceram ou não e porque. Também mandamos o total de transfusões e descartes, além dos motivos porque os produtos não foram utilizados”, explica a bioquímica Marisa.

Ainda no mesmo ano começava o processo de Educação Continuada. Era de fato a modernidade chegando: o Curso da Telelab estava inserido dentro do conceito de educação à distância. Em seguida viriam os trei-namentos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) do qual resultou a Cartilha do Funcionário, o Código de Ética e o Regimento Interno.

A Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH) tam-bém passou a embasar treinamentos teóricos realizados no Dom Bosco, assim como a PANEL. A atualização dos procedimentos sempre foi uma filosofia do fundador Dr. Walter Ferreira, seus filhos só continuaram a jornada. Desde 1996 representantes do Banco de Sangue estiveram

Page 36: Banco de Sangue Dom Bosco

presentes em todos os Congressos Brasileiros de Hemoterapia e outros eventos importantes da área.

Relembrando os treinamentos e adaptações, constatou-se que um dos mais marcantes foi o D´OLHO: Descarte, Organização, Limpeza, Hi-giene e Ordem mantida. Em 2002, o Dom Bosco virou de cabeça para baixo com faxinas, descartes, vistorias, etiquetas nos armários e todo um jeito diferente de organizar mesas, salas e setores. A diretora da empresa, Regina Ferreira, talvez tenha sido uma das mais traumatizadas com todo o acervo descartado pela revolução do D´OLHO. Os funcionários recor-dam o quão difícil era convencê-la a jogar seus papéis no lixo. O museu dos 50 anos de história, entretanto, agradece a resistência.

No mesmo ano a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) foi instaurada. Devido ao número de funcionários o Ministério do Traba-lho exigia que a empresa realizasse reuniões mensais com planejamento para as orientações da equipe sobre procedimentos de risco no ambien-te de trabalho. Em 2003 a CIPA organizou a primeira Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho (SIPAT) trazendo palestrantes de diversas áreas para o evento. Ainda antes do final do ano começou a vigorar no Dom Bosco um Programa de Gerenciamento de Resídu-os de Serviços de Saúde (PGRSS). A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 33 designou os geradores como responsáveis pelo destino do lixo que produziam. A prefeitura se eximia dos cuidados com os resíduos hospitalares e as instituições de saúde tiveram que terceirizar o serviço. Adequando-se a esse sistema de recolhimento dos lixos, foi também im-plantado um programa de reciclagem no Banco de Sangue. A venda des-se material reaproveitável já rendeu aos funcionários uma sanduicheira, panetones no Natal e algumas festinhas.

A busca pela qualidade atualmente pode ser definida pelo Programa de Acreditação Compulsória da Associação Brasileira de Bancos de San-gue (ABBS). O Dom Bosco deu início a esse processo com as auditorias realizadas em 2002, 2004 e 2007. O roteiro de inspeção seguido pela ABBS teve como seu antecessor, no Banco de Sangue, os formulários da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH). Em 1999, usando esses documentos como base foi realizada a primeira auditoria interna da instituição.

Nos anos 2000 a equipe Dom Bosco ganhou outros nomes: Léia,

Page 37: Banco de Sangue Dom Bosco

Dirce, Vilma Fernandes, Rosângela, Élide, Angelina, Valmor, Lais Stoc-co, Milian, Everton, Marly, Simone, Janete Pereira, Janete Jordão, Dr. Francismar, Nilsa, Tattiana, Cleunice, Rachel, Silvana, Aparecida Volpi-ni, Lucas, Eliana, Aparecida Batista, Renata, Angélica, Jhonatan, Maria da Glória, Dra Renata, Ligia, Olívia, Rafael, Aparecida de Lourdes e Lais Croti. Ivanilde Dias da Silva, que trabalha há 15 anos na empresa comen-ta que: “Cada momento traz boas lembranças. A fase no atendimento na recepção foi muito gostosa. A participação em coletas externas e inclu-sive o tratamento de choque de ser treinada pela patroa Regina. Não tem como esquecer dos s e z corrigidos. Acho que hoje vivemos uma fase diferente, éramos 10 funcionários o vínculo era muito maior”.

Algumas festas ganharam vida no ano 2000, uma delas até hoje co-memorada é o Arraial do BS: a Festa Junina que todos os anos reúne a equipe e seus familiares para brincadeiras, teatros e sempre muitas risa-das.

Analisando os 50 anos de história do Dom Bosco, Dr. Walter Luiz resume como uma mudança foi brutal, porque isso aconteceu também na especialidade de Hemoterapia: “A SBHH tem apenas 55 anos, é tudo recente”. Olhando para o Banco de Sangue, Dr. Alexandre relembra o crescimento significativo da empresa. A atual supervisora técnica enten-de que hoje há quase 100% de qualidade. “A empresa é 95% perfeita, os 5% ficam por conta do estímulo necessário para as mudanças que ainda virão. Para que possamos nos sentir sempre desafiados, mesmo num ser-viço onde a rotina é predominante, como aqui no Banco de Sangue”, en-fatiza Marisa. A diretora Regina Ferreira ao pensar nas cinco décadas res-ponde: “Sobre os 50 anos, quando eu penso..só vem meu pai mesmo”.

Page 38: Banco de Sangue Dom Bosco
Page 39: Banco de Sangue Dom Bosco

Dr. Walter Ferreira, um dos pioneiros na área da hemoterapia parana-ense, nasceu na cidade de Pirajú, interior de São Paulo, formou-se médi-co na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e encantado por Maringá, fundou aqui seu Banco de Sangue.

Nos 34 anos dedicados ao Dom Bosco o médico agregou aos seus três filhos, Regina, Amélia e Walter Luiz, outros tantos que eram con-tratados como funcionários, mas entre uma conversa, uma piada e um conselho davam ao chefe o estatuto de pai. “Dr. Walter foi um segundo pai para mim. Ele não me deu só um emprego, me deu uma chance, me acolheu e me ajudou muito”, relembra Lourdes emocionada. Cícero re-pete o gesto e as palavras. O médico Dr. Alexandre dividiu por muitos anos os plantões com o fundador do Dom Bosco para ele, desde sempre Dr. Walter foi um grande amigo, “desde as primeiras conversas ainda no corredor do Hospital Santa Rita”.

A companheira na aventura de montar um banco de sangue em Ma-ringá, D. Célia conta não se arrepender de nada vivido ao lado dele: “Tí-nhamos cinco anos de casados quando viemos pra cá. Foi um começo

A simplicidade de um médico

Page 40: Banco de Sangue Dom Bosco

difícil, mas eu faria tudo de novo. Ele gostava muito do que fazia, era o sonho dele e foi o meu também”.

No início Dr. Walter atendia sozinho todos os hospitais da cidade. “Eu nunca esqueço dele levantando no meio da noite com aquela bolsa para levar os frascos de sangue. Isso acontecia sempre”, comenta Amé-lia, uma das filhas do casal. A irmã mais velha, Regina, relembra que o pai muitas vezes largava o almoço pela metade para atender aos pedidos nos hospitais: “Até no clube o pessoal sabia que ele poderia deixar todo mundo na mão caso alguém dos hospitais ligasse”. O caçula Walter Luiz completa: “Meu pai trabalhava sozinho dia e noite. Poucas vezes na vida ele me levou no colégio, no cinema ou no clube”. Para quem imaginar o médico como um homem totalmente voltado para a vida profissional a senhora Ferreira explica: “Ele gostava muito do que fazia, mas tinha verdadeira paixão pelos filhos”.

Brincalhão, camarada, observador, certinho, honesto e humano foram só algumas das muitas características citadas sobre o fundador do Dom Bosco. “O Doutor era alguém muito disposto a ajudar. Não me lembro de nada que ele realmente tenha me negado. Até para pedir aumento, chega-va a ser engraçado. Eu entrava na sala já dizendo que tinha um assunto chato para conversar. Ele não respondia, só abaixava um pouco os óculos e ficava me olhando meio que por cima, aí pedia para eu falar. Quando eu pedia o aumento ele, sério, não me dava a resposta na hora, dizia que pri-meiro tinha que pensar. Uns dias depois ele vinha me dizer que aceitava a proposta”, recorda Cícero, que dividiu o trabalho no Banco de Sangue durante 19 anos com Dr. Walter.

Talvez seja justamente o lado humano e pai de todos os funcioná-rios que faziam do médico um ótimo chefe e profissional, um verdadeiro homem da medicina, não um senhor de negócios: “Meu pai era um cara muito simples, viveu para trabalhar e deu tudo que pode para os filhos”, analisa Dr. Walter Luiz.

A simplicidade do patrão está também nas lembranças de D. Maria: “Quando ele ia tomar café ele falava assim ‘Quer ver como é que pobre toma café, Maria?’ Aí ele molhava o pão dentro do café e comia”. A fun-cionária acrescenta que hoje Dr. Walter Luiz assumiu para ela também o papel de pai. “Eu falo pra ele, que ele vai ter que cuidar de mim até o final da minha vida, assim como o pai dele cuidou de uma lavadeira que eles

Page 41: Banco de Sangue Dom Bosco

tinham, também chamada Maria. Quando ela ficou doente era ele quem levava ela para todos os lugares”.

A senhora, hoje com mais 70 anos, recorda que Dr. Walter Ferreira dizia: ‘Maria para quem gostar dos meus netos, eu faço tudo.’ E ele fez mesmo”.

O amor pela família foi outro ponto da personalidade do médico des-crito por todos os entrevistados. O diálogo com os filhos era talvez uma das marcas da educação deixada por ele. “Foi o pai que nos ensinou a ter o valor da confiança, que hoje ainda nos permite estar unidos”, comenta Amélia. A esposa, D. Célia, diz que nunca ficou realmente enfezada com o marido: “Se alguma coisa me zangava ele já vinha me abraçando, agradando”, o que não queria dizer que as brincadeiras para provocar D. Célia não tiravam boas gargalhadas dos filhos.

Uma das traquinagens acontecia na hora das refeições: pai e filhos colocavam ao alcance das longas mangas e babados das roupas elegantes de D. Célia vidros de pimenta e qualquer outro objeto para ser derrubado. A atrapalhada mãe enquanto servia a todos sempre acabava se enroscan-do nas armadilhas o que lhes renderia uma ótima piada. Outra cena clás-sica dentro da família era a moda lançada pelo pai, quando D. Célia por algum motivo esquecesse de arrumar suas roupas. “Minha mãe era quem via toda a roupa dele. Ele não tinha mesmo muito bom gosto, mas sabia que certas coisas ficariam horríveis. Aí ele vestia só para provocar uma calça listrada com uma camisa xadrez, e às vezes até uma meia de cada cor. Saia do quarto, desfilava até a sala, colocava o pé em cima de uma cadeira, passava as mãos para ajeitar o topete mal feito e perguntava: ‘E aí, estou bem Célia?’ Era só gargalhada na casa toda.”, conta Amélia.

Apesar de chefe, o dono do Banco de Sangue também na empresa é lembrado por suas brincadeiras. Devoto de Dom Bosco o médico era motivo de piadas quando colocava seus bilhetes de loteria em baixo do santo. Pensando nesse lado religioso, hoje Dr. Walter é motivo de prece para uma das ex-funcionárias: “Elegi ele como meu antepassado. Nas horas das dificuldades sempre peço: ‘Dr.Walter é conosco, hein!’, quase sempre sou atendida”, conta Terezinha.

A devoção a Dom Bosco é herança familiar: “A minha avó, mãe do meu pai, já era devota de Dom Bosco. Ele tinha uma paixão muito grande pela mãe. Veja bem, o nome dela é Amélia, nome que foi herdado pela

Page 42: Banco de Sangue Dom Bosco

“Dr. Walter foi meu grande mestre. Com ele cresci mui-to tanto como pessoa quan-to como médico”, relata Dr.José Oliveira Maciel

D. Célia ao lado dos netos: João Henrique, Bruno, Heloisa, Raquel, Carolina Ana Luiza e André, no ano de 1994.

Page 43: Banco de Sangue Dom Bosco

minha irmã e que depois ele batizou nossa fazenda, a Santa Amélia”, explica Dr. Walter Luiz.

Até hoje a imagem do santo que ocupa lugar na sala da direção é o mesmo que pertencia a senhora Amélia Ferreira, mãe do fundador. A ou-tra imagem veio para o Banco de Sangue na inauguração em 1974: “Eu procurei essa imagem em toda São Paulo e acabei achando só em uma igreja, já num sábado à tarde. Tive que chamar o padre para vir abrir a igreja e pedi que ele me vendesse uma imagem de Dom Bosco. Expliquei toda a história de devoção do meu pai e da intenção de trazer o santinho aqui para Maringá. O padre ouviu tudo e me levou numa sala com várias imagens de Dom Bosco. Ele me mandou escolher uma, abençoou e me deu de presente”, relata Dr. Walter Luiz.

O atual diretor do Banco de Sangue herdou de seu pai as brincadeiras e o apreço pela medicina. A filha do meio, Amélia, guardou para si todo o amor e a curiosidade pelas pessoas das mais diversas culturas. Aos 18 anos a menina foi estudar em São Paulo no curso de Tradução e Intér-prete: “Ele sempre me dizia que eu estudava tanto, tanto e ‘coitadinha da Amélia vai ser professora’”, recorda Amélia. Para a primogênita ficou reservada a paixão pela novidade, pela tecnologia: “Ele tinha uma visão pra frente das coisas. Sempre acreditou muito na tecnologia. Ele adorava as novidades, ficava empolgado. Quando vinha coisas novas ele lia e estudava muito”, conta.

Nas lembranças de Regina ficou a imagem de um pai presente, que gostava de conversar: “Quando íamos andar a cavalo ele sempre conver-sava e ia dando aula pra gente. Ele explicava até de onde vinha o capim. Quando falava uma palavra ele falava que vinha do latim de tal coisa. Ele lia muito. Lia jornais, lia livros. Ele foi um pai presente porque trabalha-va ali do lado, então era perto. Acho que nunca gostou muito de criança pequenininha, mas gostava mesmo de conversar e ensinar a fazer arte. Ele quando ia por fogo nas folhas, lá no terreno sempre me chamava”.

Se o caçula da família fosse apontar algum erro de seu pai, garan-te que foi ter deixado ele, o filho, escolher a especialidade de cirurgião gástrico ao invés da carreira de hemoterapeuta: “Meu pai era um cara tão bom que ele não quis me forçar. Ele falava para minha mãe que não podia me obrigar a nada ‘Ele tem que fazer o que ele quer’, mas talvez ele estivesse certo também”.

Page 44: Banco de Sangue Dom Bosco

O amor e a admiração da família por um Walter Ferreira marido, pai e avô e pelo médico humano e ético é evidente. O mesmo carinho é visto por todos os funcionários e colegas de profissão. Às vésperas do Natal de 1992 a perda de um amigo tão querido por tantos, foi retratada numa Carta ao Leitor escrita pelo Dr. José Usan Torres Brandão e finalizando um pedaço dessa história fica aqui a homenagem:

“Naquela noite fui avisado da morte de Dr. Walter Ferreira, diretor do Banco de Sangue Dom Bosco. Embora já soubesse que seu estado de saúde era precário fiquei chocado e profundamente triste. Não pos-so esquecer desse querido amigo que na vida foi um homem tão ale-gre, tão ativo e profundamente humano. Uma existência carregada de tantas atividades, um grande exemplo de vida, um grande opositor da morte quando adentrava nos hospitais carregando sua pasta, com suas esperanças de vida no sangue que aplicava. Um sentimento profundo se abateu sobre todos nós, colegas de profissão; um sentimento de vazio, de impotência e de saudade acima de tudo. O Walter nos ensinava a sorrir, dando nos o exemplo de um profissionalismo limpo, correto e de amor ao próximo. Precisando do Walter, a qualquer hora do dia ou da noi-te, lá estava ele entrando num apartamento ou numa enfermaria, onde agonizava um doente rico, pobre ou mesmo indigente. A solidariedade era a mesma; o espírito de humanismo, aquele espírito que sonhávamos ter, quando fizemos o nosso juramento, hoje tão largamente esquecido. O sorriso do Walter, suas brincadeiras, suas tiradas quando tentávamos dialogar sobre as viradas da vida, são coisas que me fazem pensar e di-zer: “Será que existe algo mais além, quando por aqui é quase tudo tão fugaz?” Até breve, Walter...”

Page 45: Banco de Sangue Dom Bosco
Page 46: Banco de Sangue Dom Bosco
Page 47: Banco de Sangue Dom Bosco

Bibliografia

JUNQUEIRA, Pedro Clóvis - História da Hemoterapia no Brasil. Re-vista Brasileira de Hematologia e Hemoterapi, 2005

ROSENBLIT, Jacob - Entrevista. Hemo em Revista, ano 2 edição nº 3, 2008

INSTITUTO DE SAÚDE DO PARANÀ, Secretaria de Estado de Saúde, Legislações Sangue e Hemoderivados

ANVISA, Legislação em Vigilância Sanitária - Sangue e Hemoderiva-dos

Arquivo do Diário do Norte do Paraná- edições de 1987 e 1988

Arquivo do O Jornal - edições de 1987 e 1988

Informativo DOM BOSCO - edições de 2000 à 2007

Imagens cedidas dos arquivos pessoais