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RESPONSABILIDADE E SENSIBILIDADE SOCIAL José Carlos Barbieri – FGV/EAESP-POI Jorge Cajazeira – Suzano Papel e Celulose e Internacional Organization for Standardization (ISO) INTRODUÇÃO Quando o protocolo IP 1 e a Arpanet, rede de computadores ligada à defesa americana e precursora da Internet, despontaram como uma tendência irresistível de conectar a humanidade por meio de uma rede gigantesca de computadores, diversos pensadores, entre eles Porter (2001), Rodger e Young (1.998), falaram da perda do sentido de comunidade, da ausência do contato com os clientes, ademais, alardearam a sensação de alienação geral da juventude e minimizaram a propriedade imaterial como fonte de receitas. Ledo engano. A avalanche de idéias e informações presentes na rede e a diversidade de aplicações sobre essa plataforma surpreendem os críticos em magnitude e intensidade, levando vozes que passavam antes despercebidas a ganharem um aparato amplificador por meio de blogs, vídeos, redes sociais e corporativas. A Internet aumentou o poder dos indivíduos colando em xeque o controle das informações outrora nas mãos do governo e empresas, como bem lembram Friedman (2007) e Stewart (2002). Com efeito, o acesso às informações e a capacidade de multiplicá-las a partir de um toque no ícone “encaminhar” no e-mail abriram espaço para que indivíduos não pertencentes à classe dos ricos, bem-educados e poderosos pudessem efetivamente influenciar uma empresa, uma comunidade, uma nação e, em alguns casos, o mundo todo. Foi assim que Chung Wu, um simples corretor da UBS PaineWebber em Houston, enviou um e-mail para 73 clientes de investimentos dizendo que a Enron estava com problemas e advertia-os a venderem suas cotas, o resto da historia é amplamente conhecida: durante o ano de 2001, as ações da Enron caíram de US$ 86 para US$ 0,30. Em outubro, teve inicio uma investigação nos procedimentos contábeis e em parceiros da Enron. Em novembro, a Enron admitiu oficialmente ter exagerado os ganhos da empresa em US$ 57 milhões desde 1997. A Enron 2 decretou falência em dezembro de 2001. Casos similares ao da Enron em que balanços maquiados colocaram investidores e executivos em xeque-mate com a Internet ganham cores e nuanças jamais vistas. Caso semelhante pode ser visto com a WorldCom que reduziu o montante de dinheiro que possuía em reserva (para cobrir as dívidas e obrigações que a empresa tinha adquirido) em US$ 2,8 bilhões e colocou este dinheiro em uma linha de rendimento em sua declaração financeira anual. Para uma empresa que chegou a dominar a indústria das informações, dominando 50% de todo o tráfego de Internet dos Estados Unidos e 50% de todos os e-mails da rede mundial foi um golpe fatal. Com o vazamento da notícia surgem boatos encaminhados por incontáveis e-mails sobre uma cortina de banheiro de US$ 6 mil, uma cesta de lixo de US$ 2 mil e uma festa de aniversário de US$ 2 milhões para a esposa do diretor-executivo da empresa que teria se apropriado de fundos da empresa para fins particulares. A WorldCom não resistiu e faliu. Problemas com balanços falsos são as pontas de icebergs que colocam na berlinda a comunicação institucional de uma organização, com suas publicações de diversos tipos, desde as econômicas, passando pelas socioambientais chegando aos informes de caráter geral. De fato, nenhuma outra área estratégica de uma organização foi tão impactada, questionada e colocada à prova que as comunicações institucionais, quer internamente, quer externamente, e esse é o ponto central deste artigo. 1 A unidade básica de dados a ser transferida na Internet. 2 Para saber mais sobre o caso da Enron ver o sítio < http://empresasefinancas.hsw.uol.com.br/fraudes- contabeis2.htm>.

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RESPONSABILIDADE E SENSIBILIDADE SOCIAL

José Carlos Barbieri – FGV/EAESP-POI Jorge Cajazeira – Suzano Papel e Celulose e

Internacional Organization for Standardization (ISO)

INTRODUÇÃO

Quando o protocolo IP1 e a Arpanet, rede de computadores ligada à defesa americana e precursora da Internet, despontaram como uma tendência irresistível de conectar a humanidade por meio de uma rede gigantesca de computadores, diversos pensadores, entre eles Porter (2001), Rodger e Young (1.998), falaram da perda do sentido de comunidade, da ausência do contato com os clientes, ademais, alardearam a sensação de alienação geral da juventude e minimizaram a propriedade imaterial como fonte de receitas. Ledo engano. A avalanche de idéias e informações presentes na rede e a diversidade de aplicações sobre essa plataforma surpreendem os críticos em magnitude e intensidade, levando vozes que passavam antes despercebidas a ganharem um aparato amplificador por meio de blogs, vídeos, redes sociais e corporativas. A Internet aumentou o poder dos indivíduos colando em xeque o controle das informações outrora nas mãos do governo e empresas, como bem lembram Friedman (2007) e Stewart (2002).

Com efeito, o acesso às informações e a capacidade de multiplicá-las a partir de um toque no ícone “encaminhar” no e-mail abriram espaço para que indivíduos não pertencentes à classe dos ricos, bem-educados e poderosos pudessem efetivamente influenciar uma empresa, uma comunidade, uma nação e, em alguns casos, o mundo todo. Foi assim que Chung Wu, um simples corretor da UBS PaineWebber em Houston, enviou um e-mail para 73 clientes de investimentos dizendo que a Enron estava com problemas e advertia-os a venderem suas cotas, o resto da historia é amplamente conhecida: durante o ano de 2001, as ações da Enron caíram de US$ 86 para US$ 0,30. Em outubro, teve inicio uma investigação nos procedimentos contábeis e em parceiros da Enron. Em novembro, a Enron admitiu oficialmente ter exagerado os ganhos da empresa em US$ 57 milhões desde 1997. A Enron2 decretou falência em dezembro de 2001.

Casos similares ao da Enron em que balanços maquiados colocaram investidores e executivos em xeque-mate com a Internet ganham cores e nuanças jamais vistas. Caso semelhante pode ser visto com a WorldCom que reduziu o montante de dinheiro que possuía em reserva (para cobrir as dívidas e obrigações que a empresa tinha adquirido) em US$ 2,8 bilhões e colocou este dinheiro em uma linha de rendimento em sua declaração financeira anual. Para uma empresa que chegou a dominar a indústria das informações, dominando 50% de todo o tráfego de Internet dos Estados Unidos e 50% de todos os e-mails da rede mundial foi um golpe fatal. Com o vazamento da notícia surgem boatos encaminhados por incontáveis e-mails sobre uma cortina de banheiro de US$ 6 mil, uma cesta de lixo de US$ 2 mil e uma festa de aniversário de US$ 2 milhões para a esposa do diretor-executivo da empresa que teria se apropriado de fundos da empresa para fins particulares. A WorldCom não resistiu e faliu.

Problemas com balanços falsos são as pontas de icebergs que colocam na berlinda a comunicação institucional de uma organização, com suas publicações de diversos tipos, desde as econômicas, passando pelas socioambientais chegando aos informes de caráter geral. De fato, nenhuma outra área estratégica de uma organização foi tão impactada, questionada e colocada à prova que as comunicações institucionais, quer internamente, quer externamente, e esse é o ponto central deste artigo.

1 A unidade básica de dados a ser transferida na Internet. 2 Para saber mais sobre o caso da Enron ver o sítio < http://empresasefinancas.hsw.uol.com.br/fraudes-contabeis2.htm>.

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As tecnologias de informação e comunicação não teriam o efeito impactante sobre a vida das empresas, como comentado acima, sem outros movimentos sociais que confluem para os entendimentos de responsabilidade social empresarial ampliada, como se verá a seguir. Um desses movimentos concerne ao processo de democratização. A disponibilidade dessas tecnologias por si apenas não é suficiente, pois o seu acesso pode ficar restrito a certos tipos de usos, como ocorrem em diversos países submetidos a governos ditatoriais. Um exemplo desse comportamento é apresentado por Bambauer (2005) com base num estudo feito pela Organização Não-Governamental OpenNet Initiative (ONI - Iniciativa Rede Aberta) denominado Internet Filtering in China in 2004-2005: A Country Study (Filtragem da Internet na China durante 2004-2005:Um Estudo Nacional. A ONI, que é formada por pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, da Escola de Direito de Harvard nos EUA e da Universidade de Cambridge, procurou determinar o grau em que a China filtrava sítios cujos tópicos o governo chinês considera sensíveis e descobriu que o governo desse país faz isso de forma extensa (, p.3). Ademais, aponta o estudo, entre os assuntos freqüentemente bloqueados incluem: pornografia, independência de Taiwan e do Tibet, Dalai Lama, incidente da Praça da Paz Celestial, partidos políticos de oposição e movimentos anticomunistas. Ou seja, as comunicações são controladas e dirigidas, pois possivelmente não haja nada mais temível para os governantes desse país e seus simpatizantes que a liberdade de expressão.

A área de comunicações empresariais tem impulso a partir de 1970 com o predomínio das assessorias de imprensa. No Brasil, Nassar (2007) explica esse fenômeno a partir do forte crescimento econômico do país, divulgado como “milagre brasileiro” pela ditadura e pela realização de obras monumentais como a Ponte Rio-Niteroi, Transamazônica e Itaipu. Pós-governo militar aparece a primeira tentativa de disciplinar a atividade de comunicação sob a égide da ética e das boas práticas afinadas com a liberdade de expressão. Surge, em 1986, editado pela Federação Nacional de Jornalistas Profissionais um documento focado na autonomia da assessoria de imprensa, ainda que um documento sindical com linguagem politizada e de confrontação com a ditadura militar (NASSAR, 2007, p.81). Essa fase se caracteriza por uma visão unilateral da comunicação organizacional, na qual os seus dirigentes decidem com exclusividade o que e a quem comunicar.

Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 incluiu entre os direitos e garantias individuais a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (Art. 5º, IX). Assegurou também a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (Art. 5º, XIV). Vale mencionar que esses ditames constitucionais fazem parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos adotados pela Assembléia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1.948. Como estabelece a Declaração em seu Artigo XIX,

toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

A Nike sentiu o peso desse direito afetando a sua competitividade. Após uma trajetória de sucesso ininterrupto, suas Ações caíram de US$ 76,00 em 1997 para US$ 42,00 em 1998 quando veio à público denúncias de que a empresa se beneficiava de condições de trabalho desumanos na Indonésia, Vietnã, China etc. As denuncias não vieram dos trabalhadores desses países, onde a liberdade de expressão e de defesa dos trabalhadores encontravam-se cerceadas por regimes autoritários, mas de pessoas e organizações em outros países que se sentiam indignados com as condições desses trabalhadores (CUSMAN, 2004). Esse caso mostrou a importância das opiniões de diferentes pessoas e organizações viabilizadas pela liberdade de expressão e tornada acessível pelas tecnologias de informação e comunicação sobre os destinos das empresas. Depois que as denuncias afetaram os resultados econômico-financeiros, a Nike passou a exigir de seus fornecedores se adequassem às normas de trabalho de acordo com as convenções da OIT –

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Organização Internacional do Trabalho em todas as fábricas que produziam produtos com sua marca (CUSMAN, 2004).

Os exemplos apresentados referem-se a empresas com resultados afetados negativamente pelos estragos causados por denuncias a respeito das suas práticas administrativas e operacionais. Casos como esses já se tornaram freqüentes, mas o contrário também ocorre, muitas empresas se valorizam perante consumidores, investidores, autoridades locai, trabalhadores, acadêmicos, ativistas ambientais e outros públicos devido a práticas consideradas corretas. Também nesses casos a comunicação desempenha um papel importante e para isso muitos esforços estão sendo realizados, como alguns serão apresentados oportunamente. Exemplos positivos podem ser verificados em empresas como a Suzano e a CPFL, todas essas organizações são exemplos de sustentabilidade pelo ranque da revista EXAME em 2008, além disso, figuram na relação de Melhores e Maiores pelo critério financeiro dessa mesma revista e são vencedoras do Prêmio Nacional da Qualidade, que mantém critério sociais, ambientais e financeiros para eleger as vencedoras.

Todos estes fatos estão relacionados com as mudanças no ambiente de negócio estimulados dois movimentos sociais contemporâneos, o movimento da responsabilidade social empresarial e o do desenvolvimento sustentável. Ambos se beneficiam dos avanços da tecnologia de informação e têm no processo de democratização um dos seus pilares mais importante. E ambos estimulam uma nova sensibilidade social em relação às empresas e seus impactos que requerem novas estratégias e instrumentos de comunicação.

A RESPONSABILIDADE SOCIAL COMO UM REQUISITO AOS NEGÓCIOS

Responsabilidade social empresarial é uma expressão com diversos significados conforme o entendimento que se tem a respeito do papel da empresa. Com o propósito de simplificar, pode-se considerar dois posicionamentos muito diferentes entre si; um que privilegia os aspectos econômico-financeiros e outro que o associa ao movimento do desenvolvimento sustentável. O primeiro pode ser exemplificado pela abordagem de Friedman (1.970) conhecida pelo lema: a responsabilidade social da empresa é gerar lucros dentro da lei3. Como mostram os autores desse capítulo em outra obra, esse entendimento está fortemente centrado nas obrigações dos dirigentes das empresas perante os acionistas e sua argumentação enfatiza a necessidade de atender as expectativas dos agentes dentro dos limites legais4. De acordo com essa abordagem, a comunicação da empresa visa os acionistas atuais e potenciais e tem na legislação os seus parâmetros, por exemplo, a Lei das Sociedades Anônima5, as resoluções e normas do Conselho Nacional de Contabilidade, instruções e outros atos normativos da Comissão de Valores Mobiliários, entre outras. Esta abordagem tem sido cada vez mais contestada diante de novas demandas sociais e da constatação do enorme poder das empresas, principalmente as multinacionais, que afetam a vida das pessoas, das regiões, dos países e do próprio planeta.

Como mostra Grajew (2009), das 100 maiores economias do mundo, mais da metade já são empresas. As empresas movimentam enormes recursos enormes; financiam campanhas políticas e, portanto, influenciam as políticas publicas; e influenciam os hábitos e costumes de um modo impressionante. Com efeito, a mídia e o setor de anunciantes, segundo esse autor, estão quase que totalmente nas mãos das empresas6. A publicidade e outras formas de comunicação das empresas constituem uma das forças mais poderosas que moldam os hábitos, os costumes e os pensamentos das pessoas no mundo todo. Quanto daquilo que pensamos, gostamos ou detestamos não foram inculcados em nós pelas comunicações empresariais? Outros 3 FRIEDMAN, 1970. 4 BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009. 5 BRASIL, Lei 6.404 de 15/12/1.976 6 GRAJEW, Oded, 2009.

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questionamentos sobre as empresas referem-se ao seu legado ambiental, posto que estão entre os maiores usuários de recursos naturais e os maiores lançadores de poluentes. Grande parte do que as pessoas usam e consomem contém substâncias perigosas e seu processo produtivo degrada o meio ambiente físico, biológico e social. Questões como essas suscitam novos entendimentos sobre a responsabilidade social das empresas que vão além da maximização dos interesses dos acionistas e proprietários. Um desses entendimentos, que será comentado a seguir, tem como idéia central a necessidade de tornar as empresas parceiras do desenvolvimento sustentável7.

A acumulação de graves problemas sociais e ambientais evidenciadas de forma dramática a partir dos anos 1960 trouxe novos questionamentos a respeito dos processos de desenvolvimento econômico e suas relações com o meio ambiente. A origem recente do movimento pelo desenvolvimento sustentável deve-se à atuações da ONU e suas agências, como a UNESCO, FAO e PNUD. O programa Homem e Biosfera da UNESCO de 1971 e a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano realizado em Estocolmo em 1972 podem ser considerados marcos desse movimento. A Declaração de Estocolmo proclama a que a proteção ao meio ambiente é uma condição fundamental que afeta o bem estar dos povos e o desenvolvimento do mundo inteiro8. A idéia de que desenvolvimento e meio ambiente são indissociáveis, presente na Declaração, passou a ser uma das idéias central do movimento pelo desenvolvimento sustentável, embora ainda não era conhecido por essa expressão.

A origem dessa expressão é incerta. Há menção de que a expressão desenvolvimento sustentável surge pela primeira vez em 1.980 no documento denominado World Conservation Strategy9. A expressão ficou conhecida com o famoso Relatório Brundtand de 1987, elaborado Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), instituído pela Assembléia Geral da ONU em 1983 e presidido por Gro Harlen Brundtand, que havia sido Ministra do Meio Ambiente da Noruega. Nesse relatório desenvolvimento sustentável é definido como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem as suas próprias necessidades 10 . Nessa definição há uma combinação de questões sociais, atender as necessidades básicas dos humanos atuais, com questões ambientais, não prejudicar a capacidade das próximas gerações de atenderem suas necessidades e que se atende cuidando do meio ambiente para que os recursos naturais não sejam exauridos ou detonados. Dentro dessa perspectiva as responsabilidades dos humanos e, por conseguinte, das empresas, é de natureza socioambiental, embora por tradição ainda continue a ser nomeada apenas de responsabilidade social.

Em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, foram aprovados diversos documentos oficiais com o objetivo de operacionalizar esse conceito, como a Convenção Quadro Sobre Mudanças Climáticas, Convenção sobre Biodiversidade, Declaração do Rio e Agenda 21, nos quais estão presentes diversas questões relativas à prestação de informações11 . Um dos 40 capítulos da Agenda 21, o último, mas nem por isso menos importante, é dedicado às informações para a tomada de decisão. A recomendação não se restringe a necessidade de informação, mas de colaboração e transparência, pois afinal elas referem-se a questões que interessam a todos, pois objetivam debelar as crises que ameaçam o Planeta e todos os seres vivos. Embora endereçados para governos de diferentes níveis (nacional, regional e local), as recomendações da Agenda 21 são extensíveis às empresas, consideradas parceiras do desenvolvimento sustentável e para o qual foi redigido um capítulo 30. Um das áreas programas é a promoção da responsabilidade empresarial com o objetivo de estimular o

7 Outros entendimentos sobre responsabilidade social empresarial podem ser vistos em Barbieri; Cajazeira (2009). 8 Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, Estocolmo 1.972, proclamação. 9 Documento produzido pela IUCN e WWF por solicitação do PNUMA. Mais informação, ver Barbieri, 2007. 10 CMMAD; 1.988- pg. 46. 11 Alguns exemplos: o princípio 19 da Declaração do Rio de Janeiro, o artigo 17 da Convenção da Biodiversidade e e artigo 4º da Convenção do Clima.

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conceito de vigilância no manejo e utilização de recursos naturais e aumentar o número de empresas apóiem e implementem políticas de desenvolvimento sustentável12.

Para tornar operacional o conceito de desenvolvimento sustentável no âmbito das empresas, uma estratégia viável e amplamente usada é considerá-lo como uma combinação de três dimensões da sustentabilidade: as dimensões econômica, social e ambiental. A dimensão econômica envolve a obtenção de resultados para os acionistas, como lucratividade, crescimento, valorização das ações, redução de riscos, entre outros, bem como para sociedade, por exemplo, empregos gerados, impostos arrecadados, custos sociais evitados pela internalização de problemas ambientais, práticas leais de concorrência. Entre as ações típicas da dimensão ambiental estão as reduções de materiais e energia por unidade produzida, reduções das emissões de poluentes, substituição de componentes tóxicos, reuso e recuperação de materiais. Não-discriminação no trabalho, combate à corrupção, valorização dos direitos humanos e política de beneficio, alguns exemplos de ações relacionadas com a dimensão social. Essas dimensões não raro se sobrepõem, por exemplo, a seleção de fornecedores de materiais e serviços, tipicamente uma atividade econômica, passa a ser também componente das dimensões sociais e ambientais ao premiar as empresas com práticas sustentáveis.

A rigor, só as questões que tenham sido tratadas sob as três dimensões seriam efetivamente ações coerentes com o desenvolvimento sustentável. O atendimento a essas dimensões passa a ser uma responsabilidade empresarial que, como dito acima, é uma responsabilidade socioambiental. Assim, a responsabilidade socioambiental da empresa passa a ser meio para alcançar o desenvolvimento sustentável, melhor dito, um modo de gestão da empresa que procura atender as dimensões da sustentabilidade que lhe são pertinentes. Essas idéias estão presentes, por exemplo, na definição de responsabilidade social do Instituto Ethos:

forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais.13

Varias normas de gestão da responsabilidade social adotam essa idéia. Conforme a norma brasileira NBR 16001, a responsabilidade social é a relação ética e transparente da organização com todas as suas partes interessadas, visando o desenvolvimento sustentável. Esta norma de gestão estabelece os requisitos mínimos relativos a um sistema da gestão da responsabilidade social, permitindo à organização formular e implementar uma política e objetivos que levem em conta os requisitos legais e outros, seus compromissos éticos e sua preocupação com a promoção da cidadania e a promoção do desenvolvimento sustentável 14 . Para a norma francesa de responsabilidade social SD 21000 responsabilidade social é a integração voluntária das preocupações sociais e ambientais da empresa em suas atividades comerciais e suas relações com as partes interessadas (stakeholders). E complementa esclarecendo que essa responsabilidade não se esgota apenas no atendimento às normas legais a que a empresa está sujeita, mas a empresa deve ir além e investir mais em capital humano, capital natural e nas relações com as partes interessadas15.

A Figura 1 ilustra a combinação balanceada dos objetivos do desenvolvimento sustentável, que os franceses denominam developpment durable: eficiência econômica, equidade social e preservação do meio ambiente. A idéia é que essas três dimensões estejam presentes e

12 Agenda 21, Capítulo 30, item 30.18.

13 INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL. Processos gerenciais: Responsabilidade Social Empresarial, junho de 2005, p. 25. 14 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16001:2004 – Responsabilidade social – sistema de gestão – requisitos, 30/11/2004. 15 ASSOCIATON FRANÇAISE DE NORMALISATION (AFNOR). SD 21000. Deloppment durable –

responsabilité societale des entrepreses: guide pour la prise en compte des enjeux du deloppment durable dans la enterprise et le management de l’entreprise. Paris, AFNOR, maio de 2003, Annexe A, definicion 8.

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que corresponde à área de interseção dos três círculos cada um representando uma delas. Interseções parciais que envolvam apenas duas dimensões não atendem os requisitos de responsabilidade de uma empresa sustentável ou atendem de modo parcial e não duradouro. Por exemplo, a combinação da dimensão econômica com a ambiental torna o empreendimento viável do ponto de vista operacional e financeiro, mas isso não garante que as demandas sociais sejam atendidas. As atividades pertencentes apenas às dimensões sociais e ambientais contribuem para a qualidade de vida das pessoas, mas esta não se sustenta no longo prazo sem a dimensão econômica.

Figura 1: Objetivos do desenvolvimento sustentável

Fonte: AFNOR, 2003. SD 21000, p.8.

Ambiental/natureza

Sustentável

Social/societal

habitável

Econômico

Viável

Eqüitativo

Modelo de Sustentabilidade Empresarial

O modelo denominado Triple Bottom Line ou modelo dos Três Resultados Líquidos desponta como um dos mais importantes para operacionalizar os requisitos da sustentabilidade conforme colocado na seção anterior. Esse modelo tem sua origem na obra de John Elkington, conhecido consultor de empresa e dirigente da SustainAbility, empresa de consultoria dedicada ao tema da sustentabilidade. O seu modelo tem como base a necessidade de obtenção de resultados positivos líquidos nas três dimensões comentadas, que ele denomina de linha dos pilares da sustentabilidade O modelo considera que a sociedade depende da economia e esta do ecossistema global, formando as três linhas de pilares, como mostra a Figura 2a. Eles não são pilares estáveis devido às pressões sociais, econômicas, políticas e ambientais o que os colocam em um fluxo constante que, à semelhança das plataformas continentais, se movimentam de modo independente, como exemplificado pela Figura 2b. Os verdadeiros desafios, segundo o autor, encontram-se entre as linhas dos pilares onde surgem os efeitos sociais, econômicos e ambientais decorrentes dessas pressões de modo análogos aos tremores e terremotos que surgem à medida que as plataformas se movimentam umas em relação às outras. Ou seja, as entrelinhas representam sobreposições dos componentes que integram cada um dos pilares ou dimensões da

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sustentabilidade, como ilustra a Figura 2c com exemplos de duas entrelinhas16. Por exemplo, reduzir resíduos na fonte, uma prática típica de eco-eficiência, pertence tanto à dimensão econômicas, porque representa maior aproveitamento dos insumos adquiridos e redução dos custos da disposição final, quanto à dimensão ambiental, porque reduz as pressões sobre as fontes de recursos naturais e sobre a capacidade do meio ambiente de assimilar poluentes, o que contribui positivamente para melhorar a qualidade ambiental.

Figura 2: O Modelo Triple Bottom Line

Fonte: Elkington, 2001, pgs. 76, 77, 82 e 97.

1 Linha do pilar social

Linha do pilar econômico2

3 Linha do pilar ambiental

a1 Linha do pilar social

Linha do pilar econômico2

3 Linha do pilar ambiental

b

c

• Obrigações ambientais e valor para osacionistas

• Ecoeficiência• Economia e contabilidade ambiental• etc

Entrelinha econômico-ambiental• Impactos sociais de investimentos• Comércio justo• Ética empresarial• Direitos humanos e das minorias• etc

Entrelinha econômico-social 1

2

3

Como todo modelo de gestão este também tem seus problemas e não faltam críticas e ceticismos. Um deles refere-se à necessidade de interpretar a dimensão econômica de modo amplo e não da forma como habitualmente é feita e retratada nos demonstrativos contábeis convencionais. Como as empresas em geral apresentam algumas ações sociais e ambientais, tais como doações à comunidade e controle da poluição por força da legislação, não faltam motivos para as oportunistas propagarem urbi et orbi sua adesão ao movimento pelo desenvolvimento sustentável. É preciso ter cautela com o modelo, pois exige mudanças profundas, ou revoluções como denomina Elkington, sobre sete temas, a saber: mercado, valores, tecnologia do ciclo de vida, governança, parcerias, tempo e transparência. Essa última está diretamente relacionada com o tema central desse Capítulo. A revolução significa transitar de um paradigma fechado para um aberto, na qual as idéias, prioridades, comprometimentos e demais questões da empresa estarão sendo crescentemente submetidas e analisadas em âmbito internacional 17 . O caso da Nike supracitado é um exemplo desse fato, as práticas dessa empresa foram analisadas e julgadas por diferentes pessoas e grupos em diversos países. Mas não é só para as grandes empresas com atuação no mercado internacional que ocorrem as exigências por maior transparência. Pequenas e médias empresas com atuações restritas em num país ou num local acabam sendo pressionadas por diferentes públicos como decorrência da ampliação dos espaços da cidadania proporcionados pela consolidação das instituições democráticas e pela ampliação do acesso às informações, como mencionado no início desse Capítulo.

16 ELKINGTON, John, 2001, pgs. 75-101. 17 ELKINGTON, 2001, p. 3 a 14.

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A transparência não é algo tranqüilo para as empresas, como alerta Elkinton, pois elas ficam sujeitas a críticas severas e demolidoras18. Não é por outra razão que todas as normas de gestão contemplam requisitos ou recomendações para as comunicações da empresa, como será mostrado na próxima seção. A comunicação como uma forma de prover transparência tem uma dupla finalidade, uma está ligada ao atendimento das pressões comentadas, outra, é uma forma de auscultar o ambiente com vistas a identificar ameaças e oportunidades, para usar termos tipos da área de estratégia empresarial. Conforme Savit; Weber (2006), a auto-avaliação da empresa não deve basear-se apenas no que a empresa diz, deve pesquisar a realidade que em geral não aparece nos seus relatórios19. Para que a comunicação cumpra essas duas funções, ela deve basear-se no compartilhamento de informações com as diferentes partes interessadas na empresa com vistas à obtenção dos resultados líquidos nas três dimensões da sustentabilidade. É no nível estratégico que a comunicação deve ser pensada como fazem as normas de gestão que a seguir serão apresentadas.

A Comunicação nas Normas de Gestão.

Ao contrário do esperado, devido à necessidade de agilidade e criatividade a área de comunicações é fortemente normalizada. Na Internacional Organization for Standardization (ISO), até 2007, existiam 168 normas relativas ao escopo comunicações e diversos exemplos podem ser citados: desde toda a padronização para interfaces e protocolos que permitem trocas de e-mail regidas pela ISO 18092 até a gestão de banco de imagens para redes de comunicação regida pela norma ISO 15052. No Brasil, as normas mais vendidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) são as utilizadas para a comunicação de trabalhos técnicos20. Ainda no Brasil, a TV digital só entrou no ar após a confecção da norma NBR 15606-3, de 11/2007, que trata da codificação de dados e especificações para transmissão da televisão digital terrestre.

Tais normas são aplicáveis ao campo da tecnologia, da troca de dados, na manutenção de acervos e na gestão das informações e não cobrem questões éticas e sociais que afetam os executivos de um modo geral e em particular os que cuidam das comunicações das suas empresas, a saber, a transparência e accountability21 . Devido à transversalidade desses dois temas a solução encontrada pelos normalizadores foi a inserção dos requisitos para a comunicação socialmente responsável no âmbito das normas de sistemas gerenciais, conhecido no âmbito da normalização pela sigla MSS (do inglês Management System Standards). Essas normas se caracterizam por estabelecerem sistemas genéricos de gerenciamento visando à implantação de uma política para o assunto a que a norma se refere, por meio de objetivos e metas, e que levem em conta o ciclo da melhoria contínua que consiste em planejar, executar, verificar e melhorar, de acordo com o conhecido ciclo PDCA 22 , que será comentado oportunamente.

Diversas normas gerenciais foram criadas para necessidade específicas da sociedade, conforme ilustra o Quadro 1. Todas contemplam disposições sobre as comunicações da organização. Nesse Capítulo serão consideradas as três normas constantes na Figura 3, pelo fato de representarem a evolução no tratamento desse tema no âmbito das normas de gestão e pela influência marcante que tiveram sobre as demais. O mesmo vale para os padrões GRI que serão comentados oportunamente.

18 ELKINGTON, 2001, p. 173-4. 19 SAVIT; WEBER, 2006, pg. 136. 20 NBR 6023: informação e documentação – referências – elaboração, 2002; NBR 10520: informação e documentação – citações em documentos – apresentação, 2000; NBR 14724: informação e documentação – trabalhos acadêmicos – apresentação, 2002. 21 Termo inglês de difícil tradução para línguas latinas. A palavra accountability significa a obrigação de prestar contas dos resultados conseguidos em função da posição que o indivíduo assume e do poder que detém. 22 Em inglês o ciclo da melhoria contínua é conhecido como PDCA (Plan, Do, Check, Action).

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Quadro 1 – Normas Gerenciais mais relevantes

Padrão Data

última versão

Entidade – local da sua sede

Escopo

ISO 14001 2004 Gestão ambiental com foco em declaração de conformidade ISO 14004 2004 Guia para implantação de Sistemas Gerenciais Ambientais ISO 9001 2008 Gestão para Qualidade com foco em declaração de conformidade ISO 9004 2000 Guia para implantação de Sistemas Gerenciais para Qualidade

ISO 13485 2003 Gestão da Qualidade em Equipamentos Médicos com foco em declaração de conformidade

ISO 16949 2002 Gestão da Qualidade para indústria automotiva com foco em declaração de conformidade

ISO 14063 2006

ISO – Genebra

Comunicaçao ambiental

OHSAS 18001 2007 Diversas

entidades23 -Londres

Gestão da Saúde & Segurança Ocupacional com foco em declaração de conformidade

SA 8000 2008 SAI – Nova Iorque

Gestão da Responsabilidade Social com foco em declaração de conformidade

AA1000AS

AA 1000 APS

2008 Par de normas gerenciais que visa a garantia de declarações de desempenho sustentáveis com ênfase na melhoria contínua. Não visa certificação de terceira parte.

AA1000 SES 2005

AccountAbility -

Londres

Norma gerencial para a condução de diálogos com os stakeholders.

NBR 16001 2004 ABNT – Rio de Janeiro

Gestão da Responsabilidade Social com foco em declaração de conformidade

Figura 3: Evolução das Comunicações nas Normas Internacionais de Gestão

Fonte: elaborado pelos autores com base nas normas citadas.

ISO 14001 ISO 14063 GRI ISO 26000

Modelo com foco triplosocial, ambiental e econômico

Prescrição de indicadores

Modelo com foco triplosocial, ambiental e econômico

Prescrição de indicadores

Foco reativo-pró-ativo, ênfase no atendimento aos

requisitos legais e aos requisitos subscritos

voluntariamente

Foco reativo-pró-ativo, ênfase no atendimento aos

requisitos legais e aos requisitos subscritos

voluntariamente

Modelo pró-ativo com base no PDCA,

foco naquestão ambiental

Modelo pró-ativo com base no PDCA,

foco naquestão ambiental

Modelo integrador combase no triple bottom line

Não prescritivo

Modelo integrador combase no triple bottom line

Não prescritivo

Internacionalmente, a ISO 14001 versão 1996 é o primeiro documento de caráter normativo a citar a necessidade da comunicação abordar os aspectos ambientais como estratégia de atendimento às partes interessadas. Essa norma apresenta os requisitos de um sistema de gestão ambiental para qualquer tipo de organização e de qualquer setor. Um desses requisitos é a comunicação da organização com relação aos seus aspectos ambientais e à condução do seu sistema de gestão. Quanto à comunicação interna, a norma estabelece que a organização deve estabelecer, implementar e manter procedimentos para comunicação entre vários níveis e

23 Entre elas: Bureau Veritas Quality International, Det Norske Veritas e entidades de normalização de alguns países, como o British Standards Institution (BSI) do Reino Unido.

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funções da organização, bem como para o recebimento, documentação e resposta às comunicações feitas pelas partes interessadas externas. Quanto à comunicação externa, naquela época havia dúvidas sobre a real demanda por instrumentos de comunicação com o público, como o balanço social24, por isso, a norma tangencia essa questão e estabelece que a organização deve decidir se vai ou não comunicar seus aspectos ambientais significativos à sociedade, devendo registrar essa decisão. A versão de 2004 da ISO 14001 vai além e especifica que, caso decida comunicar, a organização deve estabelecer e implementar métodos para efetuar a comunicação externa, recomendando levar em conta os pontos de vista e considerações de todas as partes interessadas. A comunicação com sociedade pode-se dar mediante relatórios anuais, boletins informativos, páginas na Internet e reuniões na comunidade. Como se vê, a ISO 14001, que foi pioneira no tratamento desse tema, trata a comunicação de modo reativo na medida em que esta visa responder às demandas da sociedade sem conter a idéia de antecipar-se aos problemas socioambientais.

Uma significativa melhoria desse conceito foi desenvolvida ainda no âmbito da série 14000 com a criação em 2006 da norma ISO 14063. Essa norma, cuja representação esquemática está na Figura 4, inseriu dois conceitos fundamentais à visão atual das comunicações institucionais25. Fortemente inspirada no modelo de gestão da qualidade da ISO 9001:2000, a ISO 14063 introduz a idéia da comunicação como um processo com foco nos grupos de interesse (stakeholders) do mesmo modo que na norma da qualidade o processo de qualidade é focado na satisfação dos clientes. Em outras palavras, a comunicação ambiental é concebida como um processo de compartilhamento de informações para construir confiança, credibilidade e parcerias, ampliar a consciência sobre problemas ambientais e orientar a tomada de decisão. Um segundo conceito é o entendimento de que a comunicação é um processo de desdobramento estratégico a partir de uma política e de princípios. A política de comunicação deve enunciar com clareza as seguintes questões: o compromisso de envolver-se em diálogo com as partes interessadas; o compromisso de divulgar as informações sobre o desempenho ambiental da organização; a importância da comunicação ambiental interna e externa para a organização; o compromisso de implementar a política e de prover os recursos que forem necessários; e o compromisso de endereçar a comunicação para as questões ambientais chave.

Transparência, relevância, credibilidade, responsibilidade e simplicidade são os princípios da comunicação segundo a norma ISO 14063 e refletem adequadamente a visão expandida de responsabilidade social. Essa maneira de desagregar a comunicação permite o encadeamento processual das atividades estruturadas em um modelo típico do ciclo PDCA constituído pelas seguintes fases: identificação das partes interessadas e escopo, definição de objetivos e responsabilidades, execução do processo de comunicações e análise e melhoria pela alta administração.

Ocorre que as normas da série ISO 14000 não contemplam, por questões de escopo definido pelo TMB 26 , os requisitos sociais demandados no modelo triple-bottom-line e comentado anteriormente. Por isso, novos modelos foram criados a partir de 2004 para as comunicações socioambientais, entre eles o mais popular e aceito internacionalmente é o modelo do Global Reporting Initiatives (GRI), ONG de origem holandesa com atenção estratégica voltada à prestação de contas de uma organização à sociedade e que cunhou o termo “relatório de sustentabilidade”. O modelo preconizado pelo GRI, que representa um avanço na evolução da comunicação como um atributo da responsabilidade social, busca conferir legitimidade à comunicação do desempenho das organizações nas três dimensões da sustentabilidade

24 O Balanço Social é um instrumento de comunicação sobre as ações de responsabilidade social das empresas que teve seu grande impulso a partir da experiência francesa que o tornou obrigatório por lei para as empresas com mais de 300 empregados. No Brasil, o sociólogo Herbet de Souza, o Betinho foi um dos seus maiores promotores. Mais informações ver em www.balancosocial.org.br . 25 ISO 14063 – Environmental management – environmental communication – Guidelines e examples. 26 TMB – Technical Management Board, órgão máximo da ISO na área técnica.

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mencionadas na seção anterior, no mesmo padrão que os relatórios contábeis conferem aos relatórios econômico-financeiro das companhias de capital aberto. Elkington (2004) considera que os padrões de relatórios GRI constituem um dos maiores símbolos da revolução no âmbito da transparência, uma das sete revoluções requeridas pelo modelo do triple bottom line, comentado na seção anterior27.

Figura 4: inter-relações e fluxo da comunicação ambiental

Fonte: Figura 1 da ISO 14063 (tradução nossa).

ORGANIZAÇÃO

Outros princípios, políticas e estratégias Política ambiental

Política de comunicação ambiental

Estratégia de Comunicação Ambiental

Estabelecimento

de objetivosIdentificação das

partes interessadasConsiderações sobre recursos

Atividades de Comunicação Ambiental

Planejamento- análise da situação.- definição de objetivos.- identificação das partes

interessadas.- definição do escopo

geográfico.- identificação da

informação.

Seleção de abordagens e instrumentos

- definir responsabilidades.

- rastrear os interesses das partes interessadas

- planejar crises e emergências

Desempenho- coletar e

avaliar dados- conduzir as

atividades de comunicação

- registrar e responder às parte

Avaliação

Revisão pela alta administração da condução e dos planos

Partes interes-sadas

Grupos de interesse selecio-nados

Princí-pios de comu-nicação

ambi-ental

Segundo o GRI (2008), um relatório de sustentabilidade deve prover uma visão balanceada e realista do desempenho da sustentabilidade de uma organização, incluindo-se os pontos positivos e negativos. Com efeito, o desempenho da organização pode ser melhorado na medida que o relatório é baseado em indicadores comparáveis o que viabiliza o benchmarking com as melhores práticas observadas. Além disso, o modelo do GRI entende que a confecção de um relatório de sustentabilidade deve ser baseada em um processo cujas entradas são reflexões estratégicas que uma organização deve efetuar antes de relatar o seu desempenho. Para isso, o GRI apresenta dois guias para definir conteúdo (o que comunicar) e garantir a qualidade das informações (podem-se utilizar auditorias de terceira parte para garantia de isenção). Princípios são apresentados para que as organizações reflitam sobre a definição do conteúdo e o escopo do relatório como mostrado na Figura 5.

Após análise dos guias e princípios, o GRI prescreve que o relatório deve conter o perfil organizacional, os procedimentos e crenças do modelo gerencial e os indicadores de desempenho 27 ELKINGTON, John, 2004, pg. 4.

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estratificados em econômico, meio ambiente, trabalho decente, direitos humanos, sociedade e responsabilidade pelo produto conforme ilustra o Quadro 2. Com relação aos indicadores note-se que o GRI classifica-os por relevância em nucleares (cores) ou adicionais (add) visando determinar o grau de aplicação aos critérios por parte das empresas. Assim, os relatórios podem ser ranqueados em A, B e C, sendo C para quem declarar apenas 10 indicadores distribuídos nos campos social, ambiental e econômico, e C para quem declarar todos os indicadores nucleares e explicando as omissões. Se houver a validação externa dos dados e conclusões do relatório, via auditoria independente, adiciona-se a sinal + ao grau de aplicação, por exemplo: A+, B+ e C+. No banco de dados do GRI, em 2008 havia 48 relatórios de sustentabilidade de empresas listadas, entre elas: Banco Real (A+), Bradesco (A+), Banco do Brasil (B), CPFL (A), Natura (A+), Vale do Rio Doce (B+) e Petrobras (A+).

Figura 5 – Processo para construção do relatório de sustentabilidade conforme GRI (2008)

Guia parainir

onteúdodefc

Guia parainir

onteúdodefc

Princípiosa definir

onteúdoparc

Princípiosa definir

onteúdoparc

Guia pararantiaalidade

GaQu

Guia pararantiaalidade

GaQu

Princípiosa definir

scopopare

Princípiosa definir

scopo

Entradas

pare

Perfil:Estratégia egovernança

Perfil:Estratégia egovernança

PadrãoGerencialPadrãoGerencial

IndicadoresDesempenhoIndicadoresDesempenho

Saídas

Econômico

Meio Ambiente

TrabalhoDecente

Direitos Humanos

Sociedade

ResponsabilidadeProduto

Fonte: Elaboração própria com base em GLOBAL REPORTING INITIATIVES (GRI). Sustainability Reporting Guidelines. Versão 3.0. 2006.

O padrão gerencial GRI é um importante instrumento de relato do desempenho à sociedade e serve como ferramenta de melhoria do desempenho socioambiental. Porém, não indica caminhos e tampouco estabelece “como” fazer. Para isso, um outro instrumento foi desenvolvido sob os auspícios da ISO, a norma ISO 26000 – Diretrizes para a Responsabilidade Social.

Fruto de um processo exaustivo de discussão internacional, entre setembro de 2002 e 2004, a ISO 26000 incorpora diversas inovações na maneira de construção de uma norma, por exemplo, a divisão das delegações nacionais por categorias de stakeholders (governo, ONG, indústria, consumidores, trabalhadores e prestadores de serviço) e a co-liderança na presidência e secretaria compartilhada entre um país desenvolvido (Suécia), que detém a secretaria principal, e um país em desenvolvimento (Brasil) que detém a presidência28. Atualmente a norma está em estágio CD (committee draft), o que significa na escala de maturidade de construção de uma norma ISO que o documento já está maduro o suficiente para se submeter ao primeiro escrutínio internacional.

28 CAJAZEIRA, J.E.R..; BARBIERI, J.C, 2006.

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Quadro 2: Categorias, aspectos abordados e exemplo de indicadores requeridos pelo GRI Tipo Categoria de

Indicador Aspecto

abordado Número

indicadores Exemplo de Indicadores requisitados core add

Valor econômico gerado x Desempenho Econômico Valor de incentivos governamentais recebidos x

Relação salários pagos relação ao mercado x Presença Mercado Relação gerentes recrutados na região x Econômico EC

Econômico Indireto

9

Descrição impacto econômico indireto x

Material Materiais usados por peso ou volume x

Energia Energia poupada por eficiência ou projeto x Água Percentual e valor total de água reaproveitada x Biodiversidade Habitats protegidos ou regenerados x Emissões, efluentes e resíduos.

Emissões totais de gases do efeito estufa em peso x

Produtos e Serviços Iniciativas para mitigar aspectos e impactos ambientais x

Legal Total de multas e penalidades por infração ambiental – x

Meio Ambiente EN

Transporte

30

Impactos ambientais significativas no transporte de produtos x

Empregados Turnover total por gênero e localidade x Relacionamento Gestão-Trabalhadores

% dos empregados cobertos por acordos trabalhistas negociados com o sindicado x

Saúde e Segurança Taxa de gravidade, taxa de freqüência e fatalidades x

Treinamento % dos empregados submetidos a avaliações de desempenho e carreira. x

Práticas Trabalhistas e Trabalho Decente LA

Diversidade

14

Relação salário homem – mulher x Fornecedores % de contratos com cláusulas de direitos humanos x

Não-discriminação Total de casos de discriminação registrados e ações tomadas x

Livre Barganha Operações identificadas na qual o direito à livre barganha esteja em risco x

Trabalho infantil Ações tomadas para eliminar o trabalho infantil x Trabalho forçado Ações tomadas para eliminar o trabalho forçado x Segurança % pessoal segurança treinado em direitos humanos x

Direitos Humanos HR

Direitos Povos Indígenas

9

Incidentes ou violações dos direitos dos povos indígenas x

Comunidade Programas e práticas para gerenciamento dos impactos de uma operação (mobilização e desmobilização) x

Corrupção Ações corretivas tomadas em incidentes com corrupção x Política Pública Posicionamento e participação em políticas públicas x Competidores Número ações judiciais por práticas anticompetitivas x

Social SO

Adequação

8

Multas e sansões por não-conformidade legais x

Saúde e Segurança Estágios do ciclo de vida em que os produtos ou serviços são avaliados quanto a Saúde & Segurança x

Etiquetagem Mensuração da satisfação dos clientes x

Marketing Programas para aderir a certificações e selos incluindo promoções, anúncios e patrocínios x

Confidencialidade Reclamações relativa a falha nos dados confidenciais dos clienres x

Responsabi-lidade pelo produto PR

Adequação

9

Número ações judiciais por problemas nos produtos x Fonte: Elaboração própria com base em GLOBAL REPORTING INITIATIVES (GRI). Sustainability Reporting

Guidelines. Versão 3.0. 2006.

A norma ISO 26000 traz diretrizes sobre os princípios intrínsecos à responsabilidade social, as questões que a constituem e as maneiras para implementar a responsabilidade social em uma organização. A norma aplica-se a organizações de todos os tipos, incluindo organizações governamentais e não-governamentais e também comerciais, uma vez que toda organização tem um impacto na sociedade e no meio ambiente. Sua finalidade é auxiliar uma organização a atingir a confiança mútua junto a seus stakeholders por meio da melhoria de seu desempenho

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referente à responsabilidade social. Ela não é uma norma de sistema de gestão, como a norma brasileira NBR 16001, e como tal não tem propósitos de uso para a avaliação da conformidade e nem a certificação.

A ISO 26000 está estruturada em sete capítulos conforme ilustra a Figura 6 e segue uma lógica na qual sete princípios da responsabilidade social orientam temas centrais que uma organização deve integrar à sua gestão, a saber: governança, direitos humano, meio ambiente, práticas do trabalho, práticas leias de operação, consumidores, envolvimento e desenvolvimento comunitário e expectativas dos stakeholders colocadas em prática. A implementação da responsabilidade é feita por meio da integração desses temas na gestão global da organização, dando novos significados e direcionamentos às políticas, aos sistemas, procedimentos e relacionamentos em andamento ou projetados. Para implementar esses temas, a organização deve seguir um modelo integrador, como mostra o item 7 dessa figura, na qual a comunicação sobre a responsabilidade social é uma parte essencial.

Figura 6; Estrutura Simplificada da norma ISO 26000

Fonte: elaboração própria com base na ISO TMB/WG 26000, 2008. Obs.: RS = responsabilidade social.

Termos e Definições:(24 definições)

Escopo:aplica-se a todas as organizações;

não é um norma gerencial para certificação.

Entendendo a Responsabilidade Social.

1 2

3

Reconhecendoa Responsabilidade Social

Identificação eEngajamento de stakeholders

Governança

Direitos HumanosPráticas de trabalhoMeio ambientePráticas leais de operaçõesConsumidoresEnvolvimento e desenvolvimento comunitário

Expectativas e ações decorrentes

4 5

6

7

Anexo Iniciativas para a Responsabilidade Social

Integrando a Responsabilidade Social na Organização

RelacionamentoOrganizacional

com a RS

Compreendendoa RS na

Organização

Comunicação

Melhorando aCredibilidade

Análise eMelhoria

Práticas eIniciativas

Voluntárias

Integrando a Responsabilidade Social na Organização

Sete Princípios

Accountability

Transparência

ComportamentoÉtico

Respeito aosinteresses dosStakeholders

Respeito às Leise Regulamentos

Respeito às normasInternacionaisde comportamento

Respeito aosDireitos Humanos

Temas centrais

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O tópico da comunicação sobre a responsabilidade social abrange quatro fases como mostra a Figura 7. O papel da comunicação dá ênfase para a transparência sincera, ética e precisa, bem como responsiva às solicitações e necessidades aceitáveis dos stakeholders sem revelar informações protegidas. As características da comunicação estão alinhadas aos princípios de comunicação da ISO 14063 e GRI como mostra o Quadro 3. Note-se que em essência os princípios desses dois instrumentos de gestão não conflitam e reforçam a necessidade da transparência estar apoiada na precisão e qualidade das informações prestadas.

Figura 7 – Padrão de comunicação para Responsabilidade Social pela ISO CD 26000

Fonte: elaboração própria com base na ISO TMB/WG 26000, 2008.

Papel da comunicação

Características da comunicação

Comunicando o desempenho

Diálogo com stakeholders

• Compreensão• Responsibilidade• Precisão• Balanceamento• Atualização• Disponibilidade

• Planejando a comunicação da responsabilidade social

• Tipos possíveis de comunicação da responsabilidade social

• Melhoria do escopo e da freqüência• Ajuste de prioridades• Identificação das melhores práticas

• Demonstrar acoutantability e transparência• Acessar os requisitos legais• Demonstrar adequação aos compromissos assumidos• Aumentar a conscientização interna e externamente relativos às estratégias • Disponibilizar informações sobre impactos dos produto, serviços e atividades

Quadro 3: Princípios da comunicação pelas normas ISO 14063, GRI (G3) e ISO 26000

ISO 14063:2006 GRI (G3) 2007 ISO CD 26000 Transparência Balanceamento Balanceamento Relevância Precisão Precisão Credibilidade Confiança Disponibilidade Responsividade Comparatividade Responsividade Simplicidade Simplicidade Simplicidade Temporalidade Temporalidade

Fonte: Elaboração própria.

. Para a comunicação propriamente dita, a norma fornece guia sobre as principais formas de comunicação de desempenho à sociedade, destacando o tipo de informação a ser disponibilizada. Exemplos:

• informações sobre questões pertinentes à responsabilidade social que possam apresentar impactos significativos ou influenciar substancialmente as avaliações ou decisões dos stakeholders sobre a organização;

• informações sobre o desempenho das questões principais designadas como expectativas fundamentais da sociedade e dos stakeholders da organização, a menos que tais questões não sejam significativas para uma organização e seus stakeholders;

• informações sobre orientações, estratégias, objetivos, metas, indicadores, questões, práticas, desempenho, principais preocupações dos stakeholders e aspectos importantes pertinentes à responsabilidade social das atividades, bens e serviços;

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• informações que demonstram a conformidade com quaisquer comprometimentos externos com a responsabilidade social e respectivas diretrizes de relato às quais a organização subscreve.

Completando o ciclo da comunicação, a norma recomenda que todo o processo de comunicação seja submetido aos diálogos estruturais com as partes interessadas. O engajamento das partes requer diálogos com elas, o que as tornam participantes do processo de comunicação e não usuárias apenas. O diálogo permite melhorar o escopo das comunicações, rever a freqüência e ajustar as prioridades. As partes podem ser envolvidas nos processos de verificação das informações e declarações da organização sobre o seu desempenho nos temas de responsabilidade social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A responsabilidade social das empresas entendida como um meio para contribuir como o desenvolvimento sustentável estabelece novos requerimentos para a comunicação empresarial. Para isso, ela deve ser concebida e planejada como uma atividade estratégica com forte comprometimento da alta administração. Os objetivos a serem alcançados vão além da prestação de contas para as diferentes partes interessadas na empresa, tais como os acionistas, trabalhadores, consumidores, fornecedores, autoridades governamentais, comunidade do entorno, associações de ativistas. A comunicação que se processa por meio de diálogo com as partes interessadas constitui uma etapa importante do processo de planejamento estratégico, pois identifica ameaças e oportunidades nas dimensões econômicas, sociais e ambientais da sustentabilidade. Para isso é necessário desenvolver uma nova sensibilidade para com as demandas das partes interessadas.

A transparência é um termo recorrente nos documentos e propostas do movimento pelo desenvolvimento sustentável, como a Agenda 21, o modelo triple bottom line e as normas de gestão citadas e o esquema da GRA. Transparência não significa livro aberto, na qual todas as informações estejam disponíveis para qualquer interessado. A competitividade das empresas, um aspecto da dimensão econômica da sustentabilidade, depende de informações confidenciais, por exemplo, as que são geradas em processos de desenvolvimento de novos produtos, de estudos sobre novos mercados e captação de recursos, sendo que muitas têm aparo legal como certas modalidades de propriedade intelectual e certas informações estratégicas para a empresa, cuja revelação prematura pode tumultuar o ambiente de negócio. Por exemplo, o plano de expansão da Suzano Papel Celulose S.A. no Maranhão e Piauí só foi divulgado quando todo o projeto de viabilidade havia sido concluído. A divulgação prematura poderia incorrer no aumento das ações da companhia de maneira especulativa sem o necessário respaldo por parte do Conselho de Administração da empresa.

A norma ISO 26000 faz ressalva a este tipo de informação que ela denomina informações proprietárias e ressalta que a empresa deve ser transparente nas decisões e atividades que geram impactos em pessoas, grupos sociais e comunidades, devendo estar disponíveis para estes e em linguagem acessível ao nível de compreensão das partes afetadas. As informações proprietárias também geram tais impactos. Manter em sigilo as informações proprietárias e ao mesmo tempo assegurar credibilidade perante as partes interessadas, eis ai um problema monumental para a qual não há receitas prontas.

Esse enorme desafio pode ser adequadamente resolvido da seguinte forma. A transparência deve apoiar-se num compromisso público da alta administração e no diálogo com as partes interessadas, como recomenda os instrumentos comentados na seção anterior. As atividades e operações em andamento que geram impactos conhecidos devem ser objetos dos diálogos com as partes afetadas. O mesmo vale para as atividades projetadas e que dependem de autorizações ou licenças para funcionarem. As atividades e decisões pretendidas que geram

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impactos não conhecidos podem ser mantidas em sigilo, mas não devem ser implementadas antes de ampliar os conhecimentos, conforme estabelece o princípio da precaução contemplado na Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento29. Por esse princípio nenhuma ação será tomada havendo indícios de ameaças às partes interessadas. Embora na Declaração esse princípio é endereçado aos governos e aos impactos ambientais, nada impede, pelo contrário, é desejável que as empresas também o adotem e para impactos nas três dimensões da sustentabilidade. A empresa deve deixar claro, por meio de compromisso público da alta administração, que esse princípio será observado diante de incertezas quanto aos impactos das atividades ou decisões pretendidas. Isso dará credibilidade para o que a empresa informa e legitimidade para manter em sigilo as informações proprietárias além daquela amparada pela legislação.

A comunicação unilateral, na qual a empresa decide com exclusividade o que o público deve saber a respeito dos seus produtos e serviços, suas operações e seus impactos econômicos, sociais e ambientais, já faz parte da história e com certeza não retornará jamais. A responsabilidade social empresarial ampliada, conforme mostrado nesse texto, requer uma comunicação baseada em diálogos com as partes interessadas, o que exige uma nova sensibilidade por partes dos dirigentes para com as suas demandas, expectativas e temores, bem como coragem para divulgar o que não anda bem ou teve desempenho abaixo do esperado, os pontos positivos e negativos como recomendam as normas e padrões citados acima. Como advertem Savit; Weber (2006), relatórios de sustentabilidade elaborados corretamente apresentam boas e más notícias, pois nenhuma empresa consegue fazer corretamente tudo o tempo todo 30 . Relatórios que só apresentam boas notícias estão certamente maquiando a realidade, não convencem e acabam detonando a credibilidade da empresa.

REFERÊNCIAS

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29 Declaração do Rio de Janeiro Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, princípio 15: para proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. 30 SAVIT; WEBER, 2006, pg. 136.

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