12
Bolivianos seguram cartazes do presidente Evo Morales em Patacamaya, a 100 quilômetros de La Paz Manifestante exibe a bandeira de Honduras em ato que reuniu 10 mil pessoas convocadas por sindicatos do país e que bloqueou as principais ruas de Tegucigalpa no dia 23 de julho Depois da saída de im- portantes grupos, como o PCdoB, o Psol e o PSTU, a CUT, maior central do país, realizará um congres- so que deve ser marcado por um inédito consenso em torno de uma chapa e de uma candidatura, a do atual presidente Artur Henrique. A crise e as elei- ções de 2010 devem dar a tônica dos debates que acontecem entre os dias 3 e 7 de agosto. Pág. 3 Com unidade, CUT realiza o 10º Congresso São Paulo, de 30 de julho a 5 de agosto de 2009 www.brasildefato.com.br Ano 7 • Número 335 Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional R$ 2,50 ISSN 1978-5134 Hondurenhos têm direito a pegar em armas contra o golpe, diz Zelaya Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, advertiu que “se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar presidentes reformistas, então os povos também têm direito de voltar a buscar soluções nesse caminho. Segundo ele, as elites de seu país executaram o golpe de Estado, em 28 de junho, porque temiam as mudanças promovidas por sua gestão, entre elas, o aumento do salário mínimo e a busca por uma maior participação popular nas decisões. Enquanto isso, as forças de segurança do governo golpista violam os direitos humanos dos manifestantes que se dirigem à fronteira com a Nicarágua para esperar o retorno de Zelaya, como relata a enviada Claudia Jardim. Págs. 2 e 9 As fábricas ocupadas por seus próprios operários, como a Cipla e a Interfibra, mostram que a autogestão é uma solução viável para enfrentar a precariedade no emprego. Também é o caso da Flaskô, indústria de materiais plásticos lo- calizada em Sumaré (SP). Mas as ações de execução de dívidas dos antigos do- nos penhoram máquinas e equipamentos, o que invia- biliza o funcionamento da unidade. Pág. 4 Trabalhadores lutam para manter Flaskô produzindo Com direita dividida, Evo deve se reeleger Ainda faltam cinco me- ses para as eleições boli- vianas, mas tudo indica que a direita não conse- guirá construir a unidade necessária para fazer frente à candidatura de Evo Morales. De acordo com César Navarro, líder da bancada do Movimento ao Socialismo, esse ce- nário resulta da derrota recente, não só política, mas ideológica e moral, da oposição. Pág. 10 AFOGANDO EM NÚMEROS Os países ricos, que produzem anualmente mais de 400 milhões de toneladas de lixo, estão buscando nos pobres um lugar para depositar seus dejetos. Desde janeiro de 2008, o Brasil já recebeu 223 mil toneladas. Com esse total, seria possível encher 9.695 caminhões como os que fazem a coleta de resíduos em São Paulo, os quais, frente a frente, formariam uma fila de 84 quilômetros. Rio: cultura concentrada barra arte periférica e de crítica social A 1ª Conferência Interna- cional de Teatro do Opri- mido ocorreu no final de julho. A imprensa não deu visibilidade ao evento. Para o militante artístico Geo Brito, um boicote. Fosse só este, estaria tudo bem; mas tal boicote perpassa também a concentração de financiamentos e de equi- pamentos culturais. Pág. 8 ABN/ABI Avigdor Lieberman pas- sou por Brasil, Argentina, Peru e Colômbia na última semana de julho. Aqui, procurou o apoio contra o Irã. A chancelaria brasilei- ra reafirmou que pretende manter boas relações di- plomáticas e comerciais com o país persa e cobrou o fim do crescimento dos assentamentos ilegais na Cisjordânia. Pág. 12 Chanceler de Israel vem a AL em missão contra o Irã No dia 25 de julho, um acordo assinado entre Bra- sil e Paraguai deixou o país vizinho mais perto de seus objetivos. Duas das seis reivindicações históricas foram atendidas. O Brasil passará a pagar três vezes mais pela eletricidade do Paraguai, que, em 2023, poderá vender a energia a outros interessados no mer- cado brasileiro. Pág. 11 Paraguai obtém avanços em acordo sobre Itaipu Espetáculo do grupo Crescer e Viver JLQ/ABI Ierê Ferreira Divulgação

BDF_335

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, advertiu que “se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar presidentes reformistas, então os povos também têm direito de voltar a buscar soluções nesse caminho” . Segundo ele, as elites de seu país executaram o golpe de Estado, em 28 de junho, porque temiam as mudanças AFOGANDO EM NÚMEROS 9.695 caminhões como os formariam uma fila de 84 quilômetros. ABN/ABI ISSN 1978-5134

Citation preview

Page 1: BDF_335

Bolivianos seguram cartazes do presidente Evo Morales em Patacamaya, a 100 quilômetros de La Paz

Manifestante exibe a bandeira de Honduras em ato que reuniu 10 mil pessoas convocadas por sindicatos do país e que bloqueou as principais ruas de Tegucigalpa no dia 23 de julho

Depois da saída de im-portantes grupos, como o PCdoB, o Psol e o PSTU, a CUT, maior central do país, realizará um congres-so que deve ser marcado por um inédito consenso em torno de uma chapa e de uma candidatura, a do atual presidente Artur Henrique. A crise e as elei-ções de 2010 devem dar a tônica dos debates que acontecem entre os dias 3 e 7 de agosto. Pág. 3

Com unidade,CUT realiza o10º Congresso

São Paulo, de 30 de julho a 5 de agosto de 2009 www.brasildefato.com.brAno 7 • Número 335

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional R$ 2,50

ISSN 1978-5134

Hondurenhos têm direito a pegar em armas contra o golpe, diz ZelayaEm entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, advertiu que “se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar presidentes reformistas, então os povos também têm direito de voltar a buscar soluções nesse caminho”. Segundo ele, as elites de seu país executaram o golpe de Estado, em 28 de junho, porque temiam as mudanças

promovidas por sua gestão, entre elas, o aumento do salário mínimo e a busca por uma maior participação popular nas decisões. Enquanto isso, as forças de segurança do governo golpista violam os direitos humanos dos manifestantes que se dirigem à fronteiracom a Nicarágua para esperar o retorno de Zelaya, como relata a enviada Claudia Jardim. Págs. 2 e 9

As fábricas ocupadas por seus próprios operários, como a Cipla e a Interfibra, mostram que a autogestão é uma solução viável para enfrentar a precariedade no emprego. Também é o caso da Flaskô, indústria de materiais plásticos lo-calizada em Sumaré (SP). Mas as ações de execução de dívidas dos antigos do-nos penhoram máquinas e equipamentos, o que invia-biliza o funcionamento da unidade. Pág. 4

Trabalhadoreslutam para manter Flaskô produzindo

Com direita dividida, Evo deve se reelegerAinda faltam cinco me-

ses para as eleições boli-vianas, mas tudo indica que a direita não conse-guirá construir a unidade

necessária para fazer frente à candidatura de Evo Morales. De acordo com César Navarro, líder da bancada do Movimento

ao Socialismo, esse ce-nário resulta da derrota recente, não só política, mas ideológica e moral, da oposição. Pág. 10

AFOGANDO EM NÚMEROS

Os países ricos, que produzem anualmente mais

de 400 milhões de toneladas de lixo, estão

buscando nos pobres um lugar para depositar

seus dejetos. Desde janeiro de 2008, o

Brasil já recebeu 223 mil toneladas.

Com esse total, seria possível encher

9.695 caminhões como os

que fazem a coleta de resíduos

em São Paulo, os quais, frente a frente,

formariam uma fila de 84 quilômetros.

Rio: cultura concentrada barraarte periférica e de crítica social

A 1ª Conferência Interna-cional de Teatro do Opri-mido ocorreu no final de julho. A imprensa não deu visibilidade ao evento. Para o militante artístico Geo

Brito, um boicote. Fosse só este, estaria tudo bem; mas tal boicote perpassa também a concentração de financiamentos e de equi-pamentos culturais. Pág. 8

ABN/ABI

Avigdor Lieberman pas-sou por Brasil, Argentina, Peru e Colômbia na última semana de julho. Aqui, procurou o apoio contra o Irã. A chancelaria brasilei-ra reafirmou que pretende manter boas relações di-plomáticas e comerciais com o país persa e cobrou o fim do crescimento dos assentamentos ilegais na Cisjordânia. Pág. 12

Chanceler deIsrael vem aAL em missãocontra o Irã

No dia 25 de julho, um acordo assinado entre Bra-sil e Paraguai deixou o país vizinho mais perto de seus objetivos. Duas das seis reivindicações históricas foram atendidas. O Brasil passará a pagar três vezes mais pela eletricidade do Paraguai, que, em 2023, poderá vender a energia a outros interessados no mer-cado brasileiro. Pág. 11

Paraguai obtém avanços em acordo sobre Itaipu

Espetáculo do grupo Crescer e Viver

JLQ/ABIIerê Ferreira

Div

ulga

ção

Page 2: BDF_335

Honduras, a luta de classes no continente

COM PERPLEXIDADE e indignação os familiares de mortos e desaparecidos po-líticos tomaram conhecimento do decreto presidencial que cria o Comitê Interinsti-tucional de Supervisão das Atividades do Grupo de Trabalho criado pelo Ministério da Defesa que busca localizar e identifi car os corpos dos guerrilheiros na região do Araguaia. Esse comitê sancionado pelo pre-sidente da República através de decreto em 17 de julho de 2009 tem como objetivo fi s-calizar as atividades do Grupo de Trabalho acima mencionado. Apesar da composição do Comitê e do Grupo de Trabalho contar com a participação de diferentes pessoas e entidades, a estrutura e a forma de fun-cionamento continuam as mesmas, já que ambos são coordenados pelo Ministro da Defesa. Essa nova composição, a nosso ver, em nada garante a transparência das inves-tigações, pois estranhamente é o próprio Ministério da Defesa que coordena e fi scali-za suas próprias investigações, além de não incluir a presença do Ministério Público Federal.

Embora o governo diga que tais medidas visem à execução da sentença na Justiça Federal, transitada e julgada em dezembro de 2007, o que realmente o move é a ne-cessidade de responder à Corte Interameri-cana de Direitos Humanos, que deverá em breve julgar o Brasil pelos delitos cometi-dos no combate à Guerrilha do Araguaia.

A ação aberta por iniciativa de 22 fa-miliares representando 25 desaparecidos tramita na Justiça Federal desde 1982, e por interposição de recursos protelatórios da União a sentença só foi promulgada em 2003.

Diante da morosidade da Justiça brasilei-ra, os familiares fi zeram em 1995 uma peti-ção à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que a aceitou em 2001.

A juíza dra. Solange Salgado, responsá-vel pelo caso no Brasil, em sua sentença de 2003 intimou o governo brasileiro a esclarecer as circunstâncias e a localização dos restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia. Nessa época, além de entrar com outros recursos, um decreto do presidente criou a Comissão Interministerial, consti-tuída pelos ministros da Casa Civil, Justiça, Defesa, Secretaria Especial de Direitos Hu-manos e os comandantes militares das três forças, mas o relatório de conclusão dos trabalhos não esclareceu nada do que foi pedido na sentença.

Dessa forma, a Comissão Interamericana da OEA considerou como crime continuado o fato do governo brasileiro não ter tomado as providências cabíveis para a elucidação de tais violações, e em 26 de março de 2009 encaminhou o caso à Corte.

Embora a ação na Justiça estivesse aguardando a execução desde dezembro de 2007, só depois do encaminhamento do caso à Corte o ministério da Defesa tomou providências, através de da portaria 567/DF, que criou o chamado Grupo de Tra-balho Tocantins. Tanto na criação da Co-missão Interministerial como desse grupo de trabalho, foi desrespeitada a Comissão Especial da Lei 9.140 – que tem como ob-jetivos o esclarecimento das circunstâncias das mortes e desaparecimentos políticos e a localização dos restos mortais.

A portaria do Ministério da Defesa re-gula a criação de um Grupo de Trabalho que conta com a atribuição principal de coordenar e executar todas as atividades necessárias para a localização, coleta e

identifi cação dos “corpos dos guerrilheiros e militares mortos no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia”. A compo-sição do novo órgão é fundamentalmente militar, fi cando o Exército responsável pela coordenação dos trabalhos.

O Grupo não é composto por nenhum representante do Poder Judiciário ou Mi-nistério Público, nem se submete à direção ou rigoroso controle de qualquer autorida-de jurisdicional.

Após reunião com o Ministro da Defesa, e comprovado o caráter eminentemente mi-litar do Grupo de Trabalho encarregado de coordenar as escavações e identifi cação dos restos mortais de seus entes queridos, os familiares das vítimas rejeitaram qualquer participação no projeto e expressaram seu repúdio à iniciativa ministerial que deixa sob o controle militar todas as atividades de investigação e identifi cação de corpos. Esse repúdio foi formalizado por escrito em um documento elaborado pelos familia-res que estiveram presentes na reunião, e protocolado junto ao Ministério da Defesa e à presidência da República, além de ter sido entregue, em mãos, ao presidente da República.

A localização, coleta e identifi cação dos restos mortais das vítimas dos desapareci-dos no Araguaia são tarefas cruciais para a investigação penal dos fatos, por constituí-rem prova essencial dos delitos de desapa-recimento forçado, tortura e execução ex-trajudicial, além de consolo aos familiares das vítimas.

Entendemos também que a coleta de provas que supõe a localização e identifi ca-ção dos restos mortais constituem uma ati-vidade típica de instrução judicial dos fatos criminosos alegados nesse processo, e essa investigação penal deve satisfazer todos os requisitos estabelecidos na legislação brasi-leira, em particular os requisitos de efetivi-dade, independência e imparcialidade.

A presença de membros do Judiciário na qualidade de observadores no Grupo de Trabalho não pode ser considerada, sob qualquer circunstância, uma direção ou controle de autoridades judiciais sobre o mesmo, uma vez que estes não estarão atu-ando sob sua autoridade judicial.

Pressionado, o presidente da República publicou o decreto que cria o Comitê In-terinstitucional de Supervisão das Ativi-

dades do Grupo de Trabalho constituído pela Portaria no 567/MD, de 29 de abril de 2009, do ministro de Estado da Defe-sa. Este decreto diz em seu artigo 3º que o Comitê Interinstitucional de Supervisão será presidido pelo Ministro de Estado da Defesa.

Diante disto, consideramos que todos os argumentos acima apresentados continu-am válidos, além do fato de que, na primei-ra etapa do trabalho, devido ao que já foi exposto, provas podem ter sido irremedia-velmente perdidas.

Por todas essas argumentações, exigimos que qualquer grupo de trabalho que venha a ser criado:

1. Tenha a participação obrigatória do Ministério Público Federal e possa contar com a participação de todos os familiares envolvidos no caso que quei-ram dele participar;

2. Utilize toda a documentação e de-poimentos que foram acumulados ao longo dos últimos 30 anos através das várias caravanas realizadas pelos fa-miliares e entidades na região do Ara-guaia, assim como toda a documenta-ção recolhida em 2001 pelo Ministério Público Federal na região;

3. Solicite judicialmente os documentos que se encontram em poder de mi-litares e ex-membros do aparato de repressão – já declarados por eles pu-blicamente;

4. Ouça a população local e considere seus depoimentos como documentos ofi -ciais;

5. Convoque judicialmente para presta-rem depoimento todos os militares e civis envolvidos na repressão à guerri-lha do Araguaia;

6. Abra ao público todos os arquivos da ditadura, de forma ampla, geral e irres-trita.

Exigimos, portanto, que toda a sociedade brasileira saiba onde, como, quando e por quem foram praticados tais crimes.

Amélia Telles e Criméia Schmidt são da Comissão de Familiares de Mortos e

Desaparecidos Políticos.

debate Amélia Telles e Criméia Schmidt

Perplexidade e indignaçãocrônica Elaine Tavares

A CRISE CAPITALISTA está en-grenando mudanças na forma das classes sociais se comportarem, no mundo, nos Estados Unidos e no continente latino-americano.

Do ponto de vista econômico, os interesses do grande capital imperialista, sediado nos Estados Unidos e na Europa, estão se mo-vendo em várias direções em rela-ção ao nosso continente. Primeiro, estão reafi rmando nosso papel na redivisão internacional da pro-dução e nos reservando o papel, apenas, de exportadores de maté-rias-primas agrícolas, minerais e de energia (e ainda tem gente que acha isso progresso!). Segundo, retomaram a iniciativa de aplicar seu capital fi nanceiro, volátil, em ativos de recursos naturais, para se protegerem e terem uma po-sição privilegiada quando vier o novo ciclo de expansão do capital, obtendo altas taxas de lucros com essas reservas. Se associando às grandes empresas brasileiras, argentinas e mexicanas, para que elas possam exercer um papel subimperialista de controle dos mercados e de exploração da mão-de-obra barata.

Do ponto de vista político, há também mudanças no cenário dos últimos meses. Barack Obama conseguiu se eleger, primeiro na convenção democrata e depois nas eleições gerais, como parte das consequências da crise econômica sobre a ampla maioria do povo estadunidense, que quer e precisa de mudanças. Mas o governo dos Estados Unidos não tem mais a hegemonia política mundial, ape-sar de ser a maior potência militar e econômica do planeta. Por isso, o Pentágono trata de priorizar agora os pontos mais nevrálgicos, como a situação do Oriente Médio e a política com a China, que detém 2 trilhões de dólares em caixa. E o continente latino-americano está em segundo plano.

Diante deste vazio de diretrizes e de prioridade para seu pátio tra-seiro, as forças do capital imperial,

articuladas com o complexo indus-trial-militar, se moveram por conta própria.

Toda a imprensa registrou que o golpe militar em Honduras não foi apenas uma demonstração de paranoia da oligarquia local, que dirige há séculos o país mais pobre da América Central. Nem muito menos que Manuel Zelaya, eleito por um dos partidos da oligarquia, houvesse se convertido ao “co-munismo” por obra do “Espirito Santo”.

O golpe foi planejado pelos fal-cões que atuam nas bases militares estadunidenses, como o embaixa-dor dos Estados Unidos em Hon-duras, um cubano de nascimento que já havia atuado em serviços sujos antes, nas Filipinas, Iugoslá-via e Venezuela. As reuniões pre-paratórias ao golpe aconteceram na embaixada estadunidense. E,

pior, sem fazer parte da política do Pentágono de Obama.

Quais são os objetivos do golpe? Primeiro, frear o avanço da inte-gração da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), que já tinha Nicarágua e Honduras, e com a vitória da Frente Fara-bundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) em El Salvador teria a hegemonia de toda a re-gião centro-americana. Segundo, combater a hegemonia política da Venezuela na região e a liderança e infl uência do presidente Hugo Chávez. Terceiro, colocar um muro de contenção militar, na América Latina, como forma de recompor o poder perdido com o desmonte da base de Manta, no Equador. Daí também seu deslocamento para a Colômbia. E daí também terem acionado o governo marionete de Alvaro Uribe, da Colômbia, para

que ao mesmo tempo voltasse a fa-zer provocações contra o Equador e contra a Venezuela, insinuando, de novo, que esses governos locais têm ligações com as Farc. E, quarto objetivo, imporiam limites a mu-danças da política internacional do presidente Obama, desmoralizan-do-o perante a comunidade latino-americana.

E, assim, completaria-se a es-tratégia das forças do capital e da direita imperial. Controlariam os países da América Central e Caribe, por manual militar e por infl uências nos governos. E, na América do Sul, exerceriam a in-fl uência pelos investimentos, suas empresas e o dólar.

Opor-se e derrotar o golpe mili-tar em Honduras é uma necessi-dade de todas as forças populares e progressistas que anseiam mu-danças no continente. A derrota do povo hondurenho seria uma derrota para todo o continente latino-americano, pois recoloca uma nova correlação de forças na região. Por isso, toda solidarieda-de e mobilização de apoio à resis-tência hondurenha é necessária e urgente.

de 30 de julho a 5 de agosto de 20092

editorial

Joel Silva/ Folha Imagem

O interinoDIZ O RUBEM Alves que as pessoas engravidam é pelo ouvido. E creio nisso, afi nal, somos um país oral. A educação – vide voto do presidente do STF, Gilmar Mendes, sobre o diploma de jor-nalista – não está ao alcance de qualquer um. Ela é relegada aos fi lhos da elite, estes sim precisam estudar e aprender. Os demais só precisam da escola funcional, que dá o mínimo de competên-cia para girar a máquina do capital. Por isso, a televisão é que acaba sendo a “universidade” das gentes.

Triste destino esse. Afi nal, nada mais servil e mancomunado com a classe dominante do que a televisão. É ali, na telinha, que se expressa a ide-ologia do sistema capitalista, calcado na opres-são. Espaço de meias-verdades e grandes menti-ras. Lugar das bocas-alugadas, dos jornalistas a soldo da elite nacional entreguista. Claro que há exceções, mas isso só confi rma a regra. Então, para a maioria, que se informa pelo tubo de luz, resta a de-formação, a universidade ao revés.

Nestes dias em que o mundo acompanha o golpe de Estado em Honduras, pode-se perce-ber como o discurso vai mudando. Na primei-ra semana era o golpe e havia a condenação mundial. Não havia como não anunciar. Mas, ainda assim, os motivos do confl ito fi cavam per-didos mesmo no meio das dezenas de notícias desconectadas. Assim, ao fi nal do telejornal, permanece apenas a sensação de que algo está passando em Honduras, mas não se sabe bem o quê. O certo é que é culpa de Hugo Chávez, o “monstro” venezuelano que quer ressuscitar o comunismo.

Neste sábado (25 de julho) chegamos ao pa-roxismo do deboche. A CNN em espanhol, que transmite via cabo para toda a América Latina, desde o começo da quartelada em Honduras tem claramente apoiado os golpistas. Eles são as es-trelas, são os entrevistados e a vozes que falam por Honduras. Tudo bem, até aí nenhuma novi-dade já que a CNN é o braço midiático dos Esta-dos Unidos na América Latina. Mas, desde hoje, a empresa que transmite direto de Atlanta, ainda que em espanhol, começou a chamar o governo de Micheletti de “governo interino”. Ora, esta é um pouco demais. Já não é golpe, já não é quar-telada, é só um governo interino de transição. Mas de transição a quê?

O que é pior é que as redes brasileiras, acostu-madas a “chupar” tudo da matriz estadunidense, também começaram a reproduzir esse “eufemis-mo”, e os espectadores já estão sendo informados de que o “governo interino de Honduras está tendo de mandar o exército contra o povo porque o presidente irresponsável, Manuel Zelaya, quer entrar no país”. Ou seja, o roteiro foi todo altera-do. Zelaya é o responsável pelas mortes e prisões. Hugo Chávez é o mentor de tudo e o exército hon-durenho, golpista, é “obrigado” a oprimir um po-vo que só quer ver respeitada a sua Constituição. Já Micheletti é o “interino”. Bem , Noam Chomski já desvelou esse bem urdido sistema de propagan-da ideológica que é a mídia.

E no meio desse turbilhão de mentiras e dis-cursos distorcidos, o povo, ouvinte, vai engravi-dando e dando à luz monstros informacionais, deturpados e disformes. A história vai mudando e a verdade vai se esfumaçando. Só fi ca o dis-curso dominante de apoio ao golpe, contra Chá-vez e contra o direito das gentes hondurenhas de ter uma vida melhor. Os repórteres falam que o governo “interino” de Honduras só quer fazer justiça e prender Zelaya. Seu crime: querer fazer uma consulta popular. Ninguém diz isso. E la nave vá. Minha esperança é que aquela gente simples que vejo na tela da Telesur possa resistir, sacar os golpistas do poder e restituir a verdade dos fatos.

Elaine Tavares é jornalista - www.eteia.blogspot.com

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Luís Brasilino • Subeditor: Igor Ojeda • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio

Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: FolhaGráfi ca • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou [email protected] • Para anunciar: (11) 2131-0800

Militares coordenam a busca de ossadas de guerrilheiros do Araguaia

Page 3: BDF_335

10º Concut: amenização das disputas internas refl ete fragmentação do movimento sindical

de 30 de julho a 5 de agosto de 2009 3

brasil

Valter Campanato/ABr

Renato Godoy de Toledoda Redação

SOB O LEMA “Desenvolvi-mento com Trabalho, Renda e Direitos”, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) chega ao seu 10º Congresso Nacio-nal (Concut) diante de um fa-to inédito. As acirradas dispu-tas internas que marcaram a história da entidade parecem ter se arrefecido e tudo indica que entre os dias 3 e 7 de agos-to, em São Paulo (SP), haverá uma chapa única na qual todas as forças políticas da central devem aglutinar-se em torno da reeleição do atual presiden-te, o eletricitário Artur Henri-que da Silva Santos.

O consenso em si é consi-derado louvável pelos dirigen-tes cutistas, mas a causa des-sa unidade não é motivo de co-memoração entre os sindica-listas. A amenização das dis-putas internas é consequên-cia direta da fragmentação do movimento sindical. Esse pro-cesso foi iniciado já no governo Fernando Collor (1990-1992), com a criação da Força Sin-dical, e reforçou-se no gover-no Luiz Inácio Lula da Silva, quando importantes grupos de esquerda romperam com a CUT para formar suas próprias organizações. É o caso do PS-TU, PCB e do Psol, que cons-troem a Conlutas e a Intersin-dical, e do PCdoB, que era a segunda maior força cutista, criando a CTB.

Nesse novo cenário, a luta interna da CUT refl ete as dis-putas que acontecem dentro do PT, já que a ampla maio-ria dos dirigentes remanes-centes é militante ou simpati-zante do partido. Tal como no PT, a Articulação Sindical for-ma um campo majoritário que dirige a entidade desde a sua fundação, em 1984. De acordo com cálculos dos seus dirigen-tes, a representação da cor-rente chega a até 80% do to-tal de delegados que devem ir ao Concut.

Nesse congresso, a corrente majoritária deve chegar mais coesa do que em 2006, quando havia uma dissidência interna e apresentou dois candidatos à presidência, o vitorioso Artur

CUT realiza seu 10º Congresso Nacional com unidade inédita

Henrique e o ex-presidente da central João Felício. Além des-ses dois candidatos, o 9º Con-cut contou com candidaturas impulsionadas por grupos que abandonaram a central.

O 10º Concut deve eleger nova diretoria e elaborar quais serão as diretrizes da entidade para o próximo período de três anos. A primeira tarefa da cen-tral pós-congresso deve ser a convocação das entidades afi -liadas para a jornada nacional de lutas contra a crise, no dia 14 de agosto, junto aos movi-mentos sociais.

Crise em pautaPor sinal, a crise mundial e

seus impactos no mundo do trabalho deve ser um tema que permeará as discussões do congresso cutista. Em en-trevista divulgada pela asses-soria de imprensa da central, o presidente Artur Henrique afi rma que a entidade soube enfrentar a crise desde o iní-cio e critica a visão concilia-tória de outras organizações sindicais.

“Tivemos uma reação for-te logo no início da crise, por-que outras centrais sindicais começaram a cair no canto da sereia de alguns empresários, especialmente do presidente da Fiesp [Paulo Skaf], de que era necessário fazer acordos de fl exibilização dos direitos tra-balhistas para enfrentar a cri-se. Nós saímos a campo ime-diatamente”, analisa o sindi-calista.

De acordo com o dirigen-te cutista, o primeiro passo da central foi identifi car os res-

ponsáveis pela crise em nível nacional. “Desde o início des-sa crise, a CUT vem colocando com muita propriedade e com muita energia qual é sua ori-gem e quem são os responsá-veis por ela: os tucanos e os de-mocratas que implementaram aqui no Brasil as políticas neo-liberais, adotadas em diver-sos países do mundo a partir do Consenso de Washington”, aponta.

No momento de crise, tor-na-se fundamental disputar o modelo de desenvolvimento, impondo uma agenda favorá-vel aos trabalhadores. É o que diz a secretária nacional da mulher trabalhadora, Rosane da Silva, membro da corren-te CUT Socialista e Democrá-tica (CSD).

“Temos que sair desse con-gresso e fazer a disputa da he-gemonia e do modelo de de-senvolvimento dessa socieda-de. A CUT pode ser uma im-portante ferramenta nessa disputa. No interior da nossa central, o eixo principal da lu-ta deve ser a disputa por ou-tro modelo de sociedade”, ex-plica Silva.

da Redação

Apesar de provavelmen-te estarem juntos numa mes-ma chapa, as correntes mino-ritárias da CUT apresentam di-vergências com relações a al-gumas condutas da Articulação Sindical, que dirige a entidade desde sua fundação.

Uma das críticas mais re-correntes refere-se à postura da entidade diante dos gover-nos. “Nós [da CSD] temos di-vergências na concepção de co-mo uma central deve se postar junto aos governos, sempre de-fendemos autonomia perante partidos políticos. Não é por-que temos um governo nosso, dos trabalhadores, que não po-demos fazer um enfrentamen-to duro. Nós temos que ir mui-to mais para o enfrentamento, justamente por ser um governo

Mesmo com chapa única, minoritários apontam diferenças

do partido em que militamos. Se esse governo não avançar em temas que consideramos fundamentais, não podemos esperar que um governo de di-reita o faça”, defende Rosane da Silva, da corrente CUT So-cialista e Democrática.

De acordo com Silva, a úni-ca maneira de avançar em pon-tos fundamentais para a classe trabalhadora é a mobilização. “Só conseguiremos conquis-tas com o povo na rua. E algu-mas correntes acham que, para os avanços, as negociações são o bastante”, diz.

Para o diretor da CUT, Jú-lio Turra, da corrente O Traba-lho, a Articulação Sindical, por vezes, confunde os papéis en-

tre governo e movimento so-cial. “Em termos sindicais, so-mos intransigentes na defesa da autonomia sindical, essa é a principal diferença entre nós e eles”, considera.

A Articulação de Esquerda aponta que falta à direção ma-joritária maior empenho em al-gumas lutas para transformar a sociedade. Em outras palavras, a corrente afi rma que a dire-ção tem que cumprir a carta de princípios da CUT que prevê a transformação social.

“O socialismo está nos prin-cípios da CUT, mas não es-tá na prática real. Não somos os únicos que querem cons-truir o socialismo, mas acha-mos que há alguns vacilos em momentos importantes. O so-cialismo neste século não será pelo assalto ao poder, mas por meio de lutas, como por exem-plo a da reestatização. Existem campanhas que a CUT tem ca-pacidade de fazer, como a re-estatização da Vale, da Em-braer. A pressão por isso se-ria muito forte, diante do nos-so tamanho”, avalia Expedito Solenei, membro da Articula-ção de Esquerda e secretário nacional de políticas sociais da central. (RGT)

da Redação

A Central Única dos Tra-balhadores, mesmo com um caráter petista mais evi-dente, não deverá ratifi car o apoio incondicional à can-didatura de Dilma Rous-seff em seu 10º Congres-so. Ainda que a central não saia com candidato defi nido de seu encontro, é eviden-te que se posicionará em fa-vor da candidatura indicada pelo PT. A central foi impor-tante cabo eleitoral de Lula nas cinco campanhas dispu-tadas pelo atual presidente.

Ofi cialmente, o que deve acontecer é a formulação de uma plataforma dos traba-lhadores a ser apresentada à candidatura da situação. “Estamos produzindo nossa plataforma da classe traba-lhadora para as eleições de 2010, a partir dos debates com nossas bases, em todo o país. Nós temos lado nessa

Apoio a Dilma é natural, mas não será defi nido no congresso

disputa, e não teremos dúvi-da em colocar nosso bloco na rua, quem sabe para ele-ger a primeira mulher à pre-sidência da República”, si-naliza Artur Henrique, pre-sidente da entidade.

Projeto democráticoArtur defende a importân-

cia da continuidade do pro-jeto levado pelo atual go-verno em contraposição a um governo do PSDB-DEM. “Nós vamos ter um retro-cesso com a eleição de um tucano ou teremos a conti-nuidade de um projeto de-mocrático popular que não precisa apenas continuar, mas avançar. Não uma sim-ples continuidade, mas um avanço em relação à plata-forma da classe trabalhado-ra, com mais poder popular e mais intervenção do cida-dão nas decisões nacionais. Nossos adversários, ou ini-migos, nessas eleições com certeza serão o DEM, o ex-PFL, e o PSDB”, prevê.

Rosane da Silva, secretá-ria nacional da mulher tra-balhadora e membro da corrente CUT Socialista e Democrática (CSD), tam-bém prefere ressaltar a im-portância de um projeto, em vez de um nome. “No nosso país existem dois projetos:

um do Serra, do PSDB e do DEM e outro dirigido pelo PT. A plataforma da CUT tem que avançar no projeto democrático-popular e não queremos que uma pessoa represente isso. Mas temos muita clareza de que a fi -gura que pode avançar nes-se sentido, no momento, é a companheira Dilma. Po-rém, não temos o poder de dizer, na CUT, quem deve ser o candidato do campo democrático-popular”, de-fi ne. (RGT)

Quem é quem na CUTCerca de 2.500 delegados de 27 estados foram eleitos para o 10º Congresso da CUT. O evento ocorre entre os dias 3 e 7 de agosto no Expo Center Norte, em São Paulo (SP). Confi ra abaixo informações sobre as correntes internas da central.

Articulação Sindical: conta com cerca de 80% dos delegados. Dirige a entidade desde a fundação e deve reeleger o presidente Artur Henrique. É vinculada à corrente majoritária do PT, Construindo um Novo Brasil. Atualmente, ocupa os principais cargos diretivos da entidade, como presidência, vice-presidência e secretaria-geral.

CUT Socialista e Democrática (CSD): detém cerca de 10% dos delegados e é basicamente composta por militantes da corrente petista Democracia Socialista (DS), que hoje integra o campo Mensagem ao Partido. Ocupa a secretaria da mulher trabalhadora.

Articulação Esquerda: é a terceira força da CUT e dirige algumas regionais, como a de Sergipe. É o braço sindical da corrente petista de mesmo nome. Dirige a secretaria de políticas sociais.

O Trabalho: corrente trotskista que também atua dentro do PT. Tem um diretor, mas não possui pasta.

Tendência Marxista: grupo da esquerda petista. Possui uma diretoria sem pasta, além da coordenadoria de meio ambiente.

MOVIMENTO SINDICAL Consenso, no entanto, é fruto da saída de grupos como PCdoB, Psol e PSTU

No momento de crise, torna-se fundamental disputar o modelo de desenvolvimento, impondo uma agenda favorável aos trabalhadores

Falta de ênfase no socialismo e relação com governo são pontos mais lembrados

“O socialismo está nos princípios da CUT, mas não está na prática real”, avalia Expedito Solenei

Tendência é que central formule plataforma dos trabalhadores para 2010

“Nós temos lado nessa disputa, e não teremos dúvida em colocar nosso bloco na rua, quem sabe para eleger a primeira mulher à presidência da República”, sinaliza Artur Henrique

Page 4: BDF_335

Na Flaskô, resistência para manter a fábrica funcionando

de 30 de julho a 5 de agosto de 20094

brasil

Trabalhador em atividade na Flaskô: tratamento “diferenciado” por parte da Justiça

João Zinclar

Reginaldo Cruzde Campinas (SP)

NO ÚLTIMO DIA 17 de ju-lho, trabalhadores da Flaskô, fábrica de materiais plásticos localizada no município de Sumaré, interior de São Pau-lo, realizaram um protesto em frente à Procuradoria Seccio-nal do Ministério da Fazenda, no centro de Campinas (SP). Eles reivindicavam a suspen-são das ações de execução das dívidas, que ultrapassam R$ 80 milhões, herdadas dos an-tigos donos da empresa – a fa-mília Batschauer. Com as exe-cuções, estão sendo penhora-dos máquinas e equipamen-tos, o que inviabiliza a conti-nuidade do funcionamento da unidade.

Ações semelhantes já ocor-reram em outras empresas do mesmo grupo, o que as le-varam à intervenção judicial ocorrida em 31 de maio de 2007. Naquele dia, policiais federais fortemente armados invadiram a Cipla e a Interfi -bra, localizadas em Joinville (SC). Eles cumpriam um man-dado de intervenção concedi-do pelo Poder Judiciário, a pe-dido do INSS, por conta da dí-vida milionária dessas empre-sas com o órgão, que se arras-tava há anos.

Dívidas com o INSS são co-muns. Na lista dos maiores devedores estão empresas e bancos bem conhecidos por sua alta lucratividade. O que não é comum é a “Justiça” de-cretar intervenção a pedido de um órgão governamental. Longe disso. Mesmo devendo, muitas empresas conseguem créditos generosos de institui-ções fi nanceiras estatais, co-mo o Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por que en-tão foi decretada a interven-ção na Cipla e na Interfi bra? Porque ocorrem constantes ações de execução e penhora de máquinas e equipamentos da Flaskô? Este é outro ponto incomum que envolve as em-presas que pertenciam à famí-lia Batschauer: as três foram ocupadas por seus próprios trabalhadores.

PrecariedadeEssa história começa em

2002, durante a campanha que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela pri-meira vez. Os trabalhadores da Cipla e da Interfi bra esta-vam há três meses sem salá-rios e não tinham o Fundo de Garantia por Tempo de Servi-ço (FGTS) depositado. Passa-vam por todo tipo de difi cul-

dades. Conforme relato dos trabalhadores, a Interfi bra estava com a produção para-da há meses, e o fechamento da Cipla era questão de tem-po. Não havia alternativa a não ser a greve. Nesse perío-do, durante um comício reali-zado em Florianópolis, os tra-balhadores foram pedir apoio ao então candidato a presi-dente da República pelo Par-tido dos Trabalhadores. Lula prometeu-lhes o apoio.

Animados com a perspecti-va de mudança no cenário po-lítico do país, os trabalhadores da Cipla e da Interfi bra tive-ram uma atitude ousada: ocu-param as fábricas e passaram a controlar a produção, reivin-dicando que o governo assu-misse o controle das empresas através da estatização. Meses depois, em junho de 2003, os trabalhadores da Flaskô, que viviam em igual situa-ção, tomaram a mesma atitu-de, apoiados por seus compa-nheiros catarinenses que vol-tavam de uma caravana à Bra-sília. Nascia o Movimento de Fábricas Ocupadas.

Em 2003, após várias ma-nifestações, os trabalhado-res conseguiram uma audiên-cia com o presidente Lula, que determinou a criação de uma comissão para avaliar econo-micamente as empresas. “Ao fi nal dos trabalhos, essa co-missão deu parecer afi rmando que as empresas eram viáveis se o governo assumisse o con-trole”, conta Waldeci Bueno da Silva, membro da Comis-são de Fábrica da Flaskô. Ape-sar desse parecer, nada foi fei-to. Enquanto isso, as fábricas ocupadas pelos trabalhadores sofriam grande pressão, prin-cipalmente com ações de co-brança das dívidas através do Poder Judiciário.

“Mau” exemploMesmo com as difi culdades

e a falta de apoio do governo, a experiência conquistou im-portantes avanços, o que inco-modou muito os setores em-presariais. “Com novos méto-dos de produção, as empresas voltaram a ter um crescimen-to gradativo, colocando em dia os salários dos funcioná-rios”, observa Waldeci.

Bandeiras históricas como a redução da jornada de tra-balho sem redução de salá-rio, respeito às trabalhadoras gestantes, implementação das comissões de fábrica, melhora no ambiente de trabalho e de-cisões tomadas em assembleia começaram a se tornar reali-dade. “Durante um ano, reali-zamos um estudo sobre o im-pacto da redução da jornada e concluímos que isso era be-néfi co para a empresa e para o trabalhador, já que aumen-ta o grau de satisfação e a pro-dutividade”, comentou Carlos Castro, da Comissão de Tra-balhadores da Cipla, em de-poimento ao documentário Fábricas Ocupadas, produzi-do por Flávio Damiani. Assim, a partir de 2006, a jornada de trabalho passou a ser de seis horas diárias e 30 horas se-manais. “Isso provocou os tra-balhadores de outras empre-sas, que passaram a questio-nar: se nas fábricas ocupadas conseguiram reduzir a jorna-da, por que eles também não poderiam? Esse exemplo tam-bém incomodou muito o em-presariado”, observou.

Ameaça à “democracia”Em 2005, o Movimento de

Fábricas Ocupadas ajudou a organizar o 1º Encontro Lati-no-americano de Fábricas Re-cuperadas pelos Trabalhado-

res, realizado na Venezuela. Nesse encontro, o presiden-te Hugo Chávez manifestou apoio à luta no Brasil e fi rmou convênio para fornecimento de matéria-prima para essas empresas, que, em troca, de-senvolveram um projeto de construção de casas popula-res, utilizando material plás-tico como base.

O coordenador nacional do Movimento de Fábricas Ocu-padas, Serge Goulart, em de-poimento ao documentá-rio Fábricas Ocupadas, con-ta como o projeto foi reali-zado: “Desenvolvemos jun-to à Petrocasa [empresa es-tatal venezuelana] um proje-to que constrói casas de PVC a 1/3 do preço convencional. São casas seguras, confortá-veis e que podem ser construí-das em 10 dias”, explica. “Se o governo brasileiro tivesse in-teresse, poderíamos desenvol-ver esse projeto para o progra-ma Minha Casa, Minha Vida. Sairia bem mais barato do que dar dinheiro às grandes em-preiteiras”, completa Walde-ci Bueno.

Redução da jornada de tra-balho sem redução de salário, ganho de produtividade e fa-turamento, salários pagos em dia e, ainda por cima, convê-nio com Hugo Chávez. Foi de-mais para os setores do em-presariado, que, com apoio da imprensa corporativa, au-mentaram a pressão sobre o governo para intervir nas fá-bricas ocupadas.

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, em ja-neiro de 2007, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, disse que não era aceitável a ingerência de Chá-vez no parque fabril brasilei-ro. O presidente da Associação Brasileira das Indústrias Plás-ticas (Abiplast), Merheg Ca-chum, afi rmou que era preciso repudiar o controle das fábri-cas pelos trabalhadores antes que se tornasse prática cotidia-na, o que, para ele, confi gurava uma ameaça à democracia.

de Campinas (SP)

Quando assumiram o con-trole das fábricas, os traba-lhadores das empresas da fa-mília Batschauer foram res-ponsabilizados pelo enorme passivo de dívidas deixadas pelos proprietários. Assim, sob o pretexto de cobrar o pagamento dessas dívidas, o governo federal, através do INSS, pediu, e o Poder Judi-ciário concedeu a interven-ção na Cipla e na Interfi bra, pondo fi m à experiência de gestão dos trabalhadores na-quelas empresas.

Desde a ação, em maio de 2007, houve mais de 400 de-missões, e todas as conquis-tas que os trabalhadores ob-tiveram no período que a fá-brica foi ocupada foram re-vertidas. De acordo com Ale-xandre Mandl, advogado da Flaskô, a jornada de trabalho voltou às 44 horas semanais e o interventor fez um relató-rio dizendo que a empresa é inviável e deve ser fechada. “Foram colocados vigias nas empresas e os trabalhadores não podem mais nem con-versar entre si. Foi implan-tado um clima de terror nas fábricas”, diz o advogado. “O interessante é que o in-terventor nomeado, que era assessor dos antigos donos das empresas, a família Bats-chauer, não pagou um centa-vo da dívida que alegou vir cobrar. Mas recebe um sa-lário de R$ 80 mil por mês”, observa Waldeci Bueno da Silva, membro da Comissão de Fábrica da Flaskô.

De acordo com o advo-gado da Flaskô, o Ministé-rio Público está investigan-do o calote. “Quando as em-presas estavam sob o contro-le dos trabalhadores, propo-mos negociar o pagamen-to da dívida com uma parte

LUTA Fábricas ocupadas por seus próprios operários mostram que a autogestão é uma solução viável para enfrentar a precariedade no emprego

Os trabalhadores no controle da produção

do faturamento, como é feito em outras empresas. Com a intervenção, sob alegação de cobrar dívidas, o pagamen-to não está acontecendo e a fábrica vai ser fechada. Isso prova que foi uma ação polí-tica contra a organização dos trabalhadores”, diz Alexan-dre Mandl.

Flaskô ainda resisteCom 58 funcionários, a

Flaskô sobrevive a duras pe-nas. Além das ações de exe-cução das dívidas e penhora de máquinas e equipamen-tos, há as cobranças da conta de energia elétrica, água, im-postos e pagamentos a for-necedores. Também há difi -culdade em obter matérias-primas. “Dependíamos da Cipla para obter matéria-pri-ma, e não tem mais o forne-cimento da Venezuela. Hoje só temos o material que nos-sos clientes nos fornecem”, explica Waldeci Bueno. “So-brevivemos graças à solida-riedade e à convicção dos trabalhadores. A questão é

política, e não jurídica. Que-rem nos sufocar até inviabili-zar nossa existência. Mas va-mos resistir”, diz.

A resistência é para man-ter a fábrica em funciona-mento e garantir emprego. Muitos trabalhadores estão nessa luta desde o início e não estão dispostos a abri-rem mão de suas conquis-tas. O operador de máqui-nas Arionaldo de Menezes, 53 anos, 20 deles trabalhan-do na Flaskô, relata a dife-rença entre a atual realidade e a da época dos antigos do-nos. “Apesar da situação di-fícil que estamos passando, não tenho dúvida de que me-lhorou muito. Antes a gen-te trabalhava sob o chicote, em condições ruins, recebia os salários atrasados e viví-amos sob ameaça de demis-são. Depois que ocupamos a fábrica, tem transparência, conseguimos manter nosso emprego, dá para sustentar a família”, conta o operário, pai de três fi lhos.

Opinião semelhante tem Manoel Porto de Carvalho, o Manu, 43 anos, também ope-rador de máquina e membro do Conselho de Fábrica da Flaskô, onde trabalha há oi-to anos. “A gente sofria pres-são psicológica, fi cava meses sem receber”, lembra. “Ago-ra trabalhamos mais conten-tes, conseguimos manter a empresa em funcionamento e mantivemos o nosso em-prego. Mas estaríamos me-lhores se tivéssemos apoio para investir. Tem hora que temos que usar toda nossa criatividade e fazer milagre para manter as máquinas funcionando”, reclama.

Apoio da comunidadeA Flaskô está localizada

no Parque dos Bandeiran-tes, próximo à divisa en-tre Sumaré e Campinas, às margens da rodovia Anhan-guera. É um típico bairro daperiferia das regiões me-tropolitanas, com carência de serviços públicos. Desde que a fábrica foi ocupada, a relação da empresa com a comunidade tem sido estrei-ta. “A associação dos mora-dores usa uma parte do nos-so refeitório para reuniões e para atividades culturais e de formação”, diz Walde-ci Bueno. “Também temos um poço artesiano aqui na empresa e fornecemos água a toda a população”, conta. O Parque dos Bandeirantes, assim como todo o municí-pio de Sumaré, tem sérios problemas de abastecimen-to de água.

Ao lado da empresa, que ocupa uma grande área, par-te do terreno foi ocupada por famílias sem-teto, com o apoio dos trabalhadores da Flaskô. Mais uma ameaça à “democracia” patronal. (RC)

Fábrica ocupada resiste no interior de São PauloTrabalhadores da Flaskô, localizada em Sumaré, lutam contra ações de execução das dívidas e penhora de máquinas e equipamentos

Mesmo devendo, muitas empresas conseguem créditos generosos de instituições fi nanceiras estatais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por que então foi decretada a intervenção na Cipla e na Interfi bra?

“Isso provocou os trabalhadores de outras empresas, que passaram a questionar: se nas fábricas ocupadas conseguiram reduzir a jornada, por que eles também não poderiam? Esse exemplo também incomodou muito o empresariado”, observou trabalhador da Cipla

“Sobrevivemos graças à solidariedade e à convicção dos trabalhadores. A questão é política, e não jurídica. Querem nos sufocar até inviabilizar nossa existência. Mas vamos resistir”

João Zinclar

Page 5: BDF_335

PARANÁ

de 30 de julho a 5 de agosto de 2009 5

brasil

Trabalhadores realizam protesto na BR-386, no Rio Grande do Sul

Maria Rosa Junges

Nara Roxode Porto Alegre (RS)

CENTENAS DE CRUZES fin-cadas no canteiro central da BR-386 (Rodovia Tabaí/Canoas) mostraram a indig-nação dos trabalhadores pe-troquímicos contra as mais de 400 demissões que já fo-ram realizadas pela Braskem desde a incorporação da Co-pesul e Ipiranga Petroquími-ca, em 2007. A essas demis-sões se somam outras que se-rão realizadas durante agosto na Petroquímica Triunfo, re-centemente incorporada pe-la Braskem, que, por sua vez, é controlada pela Odebrecht. As cruzes foram colocadas no local durante uma manifesta-ção realizada pela categoria na manhã do dia 23 de julho. Esse ato foi mais um dos vá-rios realizados pelos trabalha-dores desde que iniciaram, em 2005, as tratativas de troca de ativos da Petrobras e Braskem envolvendo o polo gaúcho.

Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Petroquímicas de Triunfo/RS (Sindipolo), Carlos Eitor Machado Ro-drigues, a manifestação teve o objetivo de chamar a aten-ção da sociedade para as de-missões sistemáticas promo-vidas pela Braskem no polo e pressionar o governo federal a agir para que não haja mais demissões. “Essa empresa foi altamente benefi ciada pelo governo, via Petrobras, fi can-do com 75% da petroquímica brasileira. Por isso o gover-no também deve ser respon-sabilizado pelas demissões que vêm ocorrendo”, diz o sindicalista.

A ação da Braskem no Rio Grande do Sul é a mesma que foi adotada pela empre-sa quando assumiu o polo de Camaçari, na Bahia. Lá, a empresa demitiu cerca de 2 mil funcionários e vem ata-cando diversos direitos dos trabalhadores.

Braskem: demissões, dinheiropúblico e ataques aos trabalhadoresSINDICATO Categoria se mobiliza contra mais de 400 demissões já realizadas pela Braskem em polo petroquímico gaúcho

Gestão perversa“As demissões são só uma

das faces dos graves proble-mas que chegam junto com a gestão Braskem”, diz Ro-drigues, reforçando que esta é a marca da gestão da em-preiteira Odebrecht. Segundo ele, a categoria também está indignada com os sucessivos ataques dessa empresa a di-reitos consolidados e à preca-rização da segurança e do tra-balho em geral nas plantas. “Ela não consegue ver que es-tá colocando em risco a vida dos trabalhadores, das pró-prias plantas e até as comu-

nidades circunvizinhas. As pessoas estão trabalhando no seu limite. Falta pessoal para atender emergências opera-cionais ou ambientais”. En-tre os demitidos, estão mui-tos trabalhadores que atua-vam nesses setores.

Entre os ataques a direitos, Rodrigues destaca o anúncio já feito pela Braskem de liqui-dação do patrocínio ao Plano Petros de Previdência Com-plementar da antiga Copesul. “Os trabalhadores estão há 20, 30 anos pagando um Pla-no de Previdência e agora, co-mo já fez na Bahia, quer unila-

Pedro Carranode Curitiba (PR)

Entre os dias 7 e 27 de ju-lho, operários das obras de ampliação e manutenção das plantas da Refi naria Getúlio Vargas (Repar, pertencente à Petrobras) e da fábrica Fos-fértil (produtora de fertili-zantes controlada pela trans-nacional Bunge) cruzaram os braços em protesto contra as condições precárias de tra-balho e por garantias sociais. Eram cerca de 10 mil traba-lhadores, em obra fi nancia-da pelo Programa de Acele-ração do Crescimento (PAC) e da qual participam mais de 30 empreiteiras terceirizadas, entre as quais megaconstru-toras como Camargo Corrêa e grupo Odebrecht.

Muitos operários são origi-nários de diferentes estados, a maioria no momento está ins-talada na cidade de Araucária (região metropolitana de Curi-tiba), onde vive em alojamen-tos insalubres. No dia 23 de ju-lho, mesmo em meio à chuva, barro e frio cortante, eles rea-

Sindicatos envolvidosParticiparam da mobilização: Sindipetro PR/SC, Sintrapav, SindiVigilantes, Sintracon, Sindimont e Sindiquímica.

Seis sindicatos e trabalhadores terceirizados realizam paralisação conjuntaNa região metropolitana de Curitiba, cerca de 10 mil operários protestaram contra as obras de manutenção e ampliação da Repar e Fosfértil

la assembleia na manhã do dia 27.

Na última audiência, tam-bém foram abordados pon-tos pendentes, tais como o pagamento dos dias para-dos, quando a patronal pro-pôs a restituição dos mesmos. A medida vai se dar a partir do cumprimento de um teto de horas paralisadas. “O pa-gamento dos dias parados é uma questão estratégica para movimentos futuros”, infor-ma Renato.Revolta e indignação

Em caráter de denúncia, no dia 23, os trabalhadores pro-testavam contra o direito a so-mente um dia de folga após 90 dias de trabalho, situação inviável para a maioria deles rever a família. Muitos deles, como o operário Sávio, deixa-ram o Nordeste para trabalhar na obra e traziam a experiên-cia de outras greves. Ele esta-va revoltado com a atual situa-ção, ainda mais quando veícu-los buscaram furar os pique-tes, atropelando os grevistas. “Agora vamos até o fi m pelos nossos direitos, estamos re-voltados com essa situação”, comentava.

Após dias de mobilização, oclima era de tensão entre osterceirizados, devido à demo-ra do empresariado em for-necer uma resposta. Com asnegociações do dia 23, os tra-balhadores que moram entre200 km e 500 km do local detrabalho terão um dia de fol-ga para visitar a família. De500 km a 1.000 km, serãodois dias; e três dias para osque moram há mais de 1.000km do local de trabalho. Emtodas as situações, as passa-gens rodoviárias serão pa-gas pela empresa, mas ape-nas para operários alojados,de acordo com informaçõesda CUT.

Ao longo da greve, entre areação da Repar e emprei-teiras terceirizadas contra omovimento, a principal me-dida foi a aplicação de inter-dito proibitório, com multadiária de R$ 50 mil contra ossindicatos envolvidos, alémda permissão para funcio-nários não aderentes à gre-ve entrarem no local de tra-balho. Os piquetes dos traba-lhadores, porém, barrarama entrada de carros no localdas obras.

teralmente acabar com o Pla-no”. Nesse sentido, Rodrigues informa que já existem diver-sas ações na Justiça, tanto de grupos de trabalhadores co-mo do próprio sindicato, ten-tando garantir que a empresa não possa retirar a sua parte do patrocínio.

Rasgando o acordoRecentemente, o sindi-

cato também teve que en-trar na Justiça para garan-tir o cumprimento de cláu-sulas do acordo coletivo, que está em plena vigência. Pela Braskem, diz o sindicalista, o acordo seria rasgado. “Foi preciso que a Justiça determi-nasse o cumprimento do acor-do para que os trabalhadores tivessem seus direitos garanti-dos”, lembra. Também há re-sistências da Braskem em pa-gar horas-extras, excessos de casos de assédio moral, alte-

rações na assistência médica, entre outras questões.

Omissão do governoOs trabalhadores também

responsabilizam o governo fe-deral pelas demissões. “A mi-nistra Dilma Rousseff, além de Chefe da Casa Civil, tam-bém é presidente do Conse-lho de Administração da Pe-trobras, que é dona de 30% da Braskem, e entendemos que o governo tem obrigação de evi-tar as demissões. Mas o que vimos até agora é a conivência com as atitudes da Braskem”, acusa Rodrigues.

Ele lembra que a ministra esteve no Rio Grande do Sul quando a Braskem lançou a pedra fundamental da plan-ta de “eteno verde”, atenden-do a um convite da empresa, mas nunca recebeu os traba-lhadores, apesar dos insisten-tes pedidos de audiência. “Is-

so mostra o descaso do gover-no com os trabalhadores e, até prova contrária, o seu aval pa-ra essas demissões”, criticou o sindicalista.

Mentiras deslavadasQuando foi anunciada a

compra do Grupo Ipiran-ga, quando a Braskem fi cou com o controle da Copesul e da Ipiranga Petroquímica, os presidentes da Braskem, à época José Carlos Grubisi-ch, e da Petrobras, José Sér-gio Gabrielli, garantiram na imprensa e, mais tarde, em diversas audiências públicas, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e na Câma-ra Federal e no Senado, que não ocorreriam demissões. Seriam feitos investimentos da ordem de bilhões e have-ria geração de novos empre-gos. “Uma mentira deslavada, que está gravada no Legisla-tivo estadual e no Congresso. Até agora, o único anúncio foi da planta de ‘eteno verde’, que será construída com recursos públicos e cujos empregos se-rão temporários, uma vez que se darão somente durante a obra”, critica Rodrigues.

Os petroquímicos preten-dem levar a situação das de-missões no polo aos poderes Legislativo estadual e nacio-nal em novas audiências públi-cas. Também irão denunciar à sociedade, através da impren-sa e outros mecanismos, as de-missões e a situação dos tra-balhadores do polo. Além dis-so, estão articulando para que as compras da Copesul e Ipi-ranga e, mais recentemente, da Petroquímica Triunfo pela Braskem sejam tratadas den-tro da CPI da Petrobras. “Já que o Cade [Conselho Admi-nistrativo de Defesa Econômi-ca] entendeu que 75% de um setor nas mãos de uma úni-ca empresa não é concentra-ção, queremos saber se os be-nefícios que foram dados pela Petrobras ao grupo Odebrecht não confi guram privilégios”, diz o presidente do Sindicato.

lizaram piquetes em frente aos portões da Repar, em dia deci-sivo de audiência entre o Tri-bunal Regional do Trabalho (TRT) e os seis sindicatos en-volvidos na mobilização e co-missão patronal composta por 31 empreiteiras terceirizadas que executam as obras e de-têm 85% da mão-de-obra ter-ceirizada das obras da Repar. O restante dos trabalhadores ainda deve pressionar suas empresas para aderir ao acor-do da comissão patronal.

Após quatro audiências e 20 dias de greve, a mobilização chegou ao fi m com a aceitação da contraproposta patronal feita em assembleia dos traba-lhadores. A Repar é responsá-vel pelo refi no de 10% do pe-tróleo brasileiro, e a tendência é aumentar nos próximos anos o número de operários tercei-rizados nas obras de amplia-ção. A maioria dos trabalha-dores não está sindicalizada, devido ao caráter temporário e precário da atividade. Por ou-tro lado, muitos trazem dife-rentes experiências organiza-tivas. “Foi um verdadeiro cal-do cultural”, analisa Silvaney

Bernardi, presidente do Sin-dipetro PR/SC, envolvido nas mobilizações.

Durante a greve, a coorde-nação foi da Central Única dos Trabalhadores (CUT), ao la-do de seis sindicatos fi liados, de acordo com os setores en-volvidos nas obras (vigilantes, construção civil, montagem industrial, indústria e constru-ção pesada), além dos sindica-tos Sindipetro PR/SC e Sin-diquímica, ligados aos traba-lhadores da planta da Petro-bras e Fosfértil. Os petrolei-ros não chegaram a paralisar as atividades, acompanhando a mobilização em “estado de greve e caráter permanente de assembleia, contra preca-rização de trabalho na Petro-bras”, de acordo com informa-ções da CUT.

Ainda no segundo semestre de 2008, os sindicatos perce-beram a situação dos operá-rios terceirizados nas obras, a disparidade de direitos sociais entre os diferentes setores e então propuseram pauta uni-fi cada. “A mobilização foi fru-to de planejamento de um ano e de uma realidade dos traba-lhadores. A motivação da gre-ve era muito forte, havia uma necessidade, uma angústia. Os trabalhadores estavam sim-plesmente trabalhando pela sobrevivência, perdendo direi-tos e benefícios”, analisa Silva-ney Bernardi.

Demandas Entre as reivindicações dos

trabalhadores, que envolvem necessidades básicas, foi cons-truída a pauta do movimento. Após a quarta audiência (dia 23), a patronal acenou para o reajuste salarial de 10%; pi-so salarial de R$ 726, ajuda de custo e cesta básica para to-dos no total de R$ 150; parti-cipação nos lucros e resultados (PLR) de um salário-base; ho-ras-extras de 60% e 120%; ces-ta natalina de R$ 100; garan-tia no emprego de 45 dias após o fi nal da greve; seguro de vi-da e plano de saúde; entre ou-tros pontos.

“A contraproposta foi bem recebida pelos trabalhadores e pelos dirigentes sindicais, que a avaliam como um bom acordo coletivo”, informa Re-nato Gonçalves da Silva, ope-rário de montagem e militan-te da Intersindical. O acor-do coletivo foi ratifi cado pe-

“As demissões são só uma das faces dos graves problemas que chegam junto com a gestão Braskem”, diz Rodrigues, presidente do Sindipolo

“Os trabalhadores estavam simplesmente trabalhando pela sobrevivência, perdendo direitos e benefícios”

Page 6: BDF_335

Frei Sérgio Görgen, ex-deputado estadual (2003-2006) pelo Partido dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul, é frade franciscano e integrante da Via Campesina.

Quem é

de 30 de julho a 5 de agosto de 20096

brasil

Outra segurançaDevem acontecer no início de

agosto vários encontros estaduais preparatórios do Primeiro Encontro Nacional Popular pela Vida e por Outra Segurança Pública, que será realizado de 13 a 16 de agosto, em Salvador (BA). Organizado por de-zenas de entidades articuladas pelo “Tribunal Popular: o Estado Brasi-leiro no Banco dos Réus”, o objetivo é debater e organizar lutas contra a criminalização e encarceramento de negros e pobres no Brasil.

Suprema violaçãoO respeitado jornalista Rui Mar-

tins, que vive há muitos anos em Berna, na Suíça, escreveu excelente artigo sobre o caso do italiano Cesa-re Battisti, que recebeu asilo político no Brasil por decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, há oito meses, mas continua preso em Brasília por interferência do Supremo Tribunal Federal. Para ele, “a prisão de Ce-sare Battisti ao arrepio dos direitos humanos é hoje uma vergonha inter-nacional”.

Protesto jornalísticoJornalistas do Espírito Santo rea-

lizaram, na última semana, manifes-tação de protesto contra a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, no Tribu-nal de Justiça do Estado. Os mani-festantes abriram uma faixa com os dizeres “Ministro, saia às ruas: o Brasil quer jornalista com diploma”, para lembrar que a retirada da exi-gência do diploma pelo STF é um retrocesso profi ssional.

Disparidade tributáriaAs entidades empresariais vivem

denunciando, com ajuda da mídia de direita, o excesso dos impostos no Brasil. Estudioso do assunto, o presidente do IPEA, Márcio Poch-mann, declarou para a revista Caros Amigos: “Os ricos vivem aqui muito melhor que a classe média e os ricos nos Estados Unidos e na Europa, porque aqui os ricos não pagam im-postos”. Está aí: só falta tributar os mais ricos.

Quinta colunaSob o título “Hip Hop do bem em

solidariedade ao Haiti”, grupos de hip hop e rap do Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão, Piauí, Ceará e Paraná lançaram manifesto em que denunciam a ação de entidades liga-das ao povo pobre das favelas apoia-das pela Rede Globo e pelo governo para justifi car a ocupação do Haiti por tropas da ONU. Eles reafi rmam total solidariedade ao povo haitiano pela sua autodeterminação.

Desarmamento jáCresce em todo o Brasil a articu-

lação da Marcha Mundial pela Paz e a Não-Violência, organizada pelo Movimento Humanista. Como parte da mobilização da marcha, serão realizadas atividades em inúmeras cidades do Brasil e do mundo, no dia 6 de agosto, para lembrar a primeira bomba atômica lançada pelos Esta-dos Unidos em Hiroshima. Em São Paulo haverá um ato, às 14 horas, na Assembleia Legislativa do Estado.

Politicamente erradoMais interessadas no faturamen-

to do que em qualquer outra coisa, as empresas de comunicação – em especial emissoras de rádio e tele-visão – costumam abrir espaço e promover os jornalistas levianos e os humoristas preconceituosos, prin-cipalmente quando ridicularizam os pobres, os trabalhadores, os negros, as mulheres e as pessoas de esquer-da. Os engraçadinhos são sempre muito festejados pela direita!

Atentado anunciadoReconhecido por seringueiros e

ambientalistas como um dos prin-cipais líderes populares do Acre, o seringueiro Osmarino Amâncio Ro-drigues está sofrendo ameaças cons-tantes devido a sua luta em defesa da Reserva Extrativista Chico Mendes. Ele já teve a sua casa, no seringal Humaitá, invadida e destruída, mas a polícia não descobriu os autores do atentado. “Voltei a sentir medo no Acre”, diz Osmarino.

Aliança ameríndia Primeiro índio com mestrado em

Antropologia, pela Universidade de Brasília, Gersem Baniwa acredita numa nova consciência ameríndia continental. Em entrevista para o boletim IHU-Online, ele afi rmou: “Já se foi o tempo em que os esta-dos nacionais podiam ignorar e ne-gar os povos indígenas, que avança-ram em seus direitos e cidadania, e que possuem uma nova consciência política da qual não estão dispostos a abrir mão”.

fatos em focoHamilton Octavio de Souza

Agricultor exibe caju cultivado em agrofl oresta

Fernanda Oliveira

Aline Scarsode São Paulo (SP)

O CÓDIGO FLORESTAL brasilei-ro ganhou três novas instruções normativas que favorecem a agri-cultura familiar. A partir de agora, pode-se somar as Áreas de Prote-ção Permanente (APPs) – que são as margens de rios e encostas de morros – com as de Reserva Le-gal. Isso aumentará a área na qual as plantações são permitidas, con-tribuindo para o desenvolvimento das atividades do pequeno produ-tor. A segunda mudança é a sim-plifi cação e a gratuidade do reco-nhecimento de Reserva Legal de pequenas propriedades, processo caro e que, atualmente, pode levar anos para ser concluído. Por fi m, as mudanças possibilitam o plan-tio e a condução de espécies fl ores-tais frutíferas, nativas ou exóticas como recomposição e recuperação das APPs e de reservas legais.

A reunião que acertou os acordos foi realizada no dia 23 de julho e contou com a presença dos minis-tros Carlos Minc (Meio Ambien-te) e Guilherme Cassel (Desenvol-vimento Agrário) e de represen-tantes de movimentos sociais, co-mo a Via Campesina, a Confede-ração Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Fede-ração dos Trabalhadores na Agri-cultura (Fetraf).

Em entrevista, o integrante da Via frei Sérgio Görgen conta so-bre o encontro que, segundo ele, fechou acordos “históricos” para a agricultura familiar.

Como você avalia a discussão feita na reunião?Frei Sérgio Görgen – Essa reu-nião selou um acordo entre as or-ganizações que representam a agricultura familiar e os assenta-dos. Estávamos junto com o Mi-nistério [do Meio Ambiente] para fazer uma avaliação das medidas que devem ser adotadas para que o Código Florestal seja devidamen-

te adaptado para ser cumprido. E o ministro atendeu, praticamente, ao conjunto de nossas reivindica-ções, de que é preciso facilitar pa-ra que os agricultores possam fa-zer a preservação da Reserva Le-gal. Fazemos uma afi rmação, nós, os movimentos sociais, e os gover-nos, com seus dois ministérios, de que é perfeitamente possível – não só possível, como necessário – que a produção de alimentos nesse pa-ís esteja conjugada com a preserva-ção ambiental.

O que muda para o pequeno agricultor somar Áreas de Proteção Permanente (APP) com a Reserva Legal?

Muitas vezes, fazer preservação permanente implica para o peque-no agricultor em [um comprometi-mento de] 20% da sua área. Então, se eu tiver 20% de área de preser-vação permanente, não preciso fa-zer mais 20% de reserva legal pa-ra fi car somente com 60% da área para produzir. Por exemplo, numa área de dez hectares, somente seis poderiam ser cultivados de forma intensiva. Agora isso estará regu-lamentado, fazendo com que o Có-digo seja cumprido de forma inte-ligente, as áreas [sejam] preserva-das e o agricultor possa continuar tendo sua atividade agrícola e pe-cuária nas pequenas propriedades de maneira tranquila.

O que mais muda no Código com as instruções normativas do ministro Minc?

As adequações são para que os agricultores possam fazer estas du-as coisas ao mesmo tempo: produ-zir e preservar. Uma outra [altera-ção] é reconhecer as agrofl orestas. Como se faz uma combinação en-tre agricultura e fl oresta, é neces-sário reconhecer essa combinação como Reserva Legal. Uma outra adequação é que o agricultor pos-sa retirar madeira. Ele não pode re-tirar toda [a fl oresta], mas madei-ra para lenha, para pequenas cons-truções etc. Esse acordo é histórico porque mostra que o meio ambien-te e a produção não são inimigos. Mostrou que o nosso projeto de reforma agrária é um projeto que respeita o meio ambiente.

Pode-se dizer que houve uma reavaliação mais favorável do Código Florestal aos pequenos agricultores?

Não pode ser diferente, porque o Código Florestal não é repressivo. Ele estimula que as áreas de pre-servação sejam áreas de uso, uso li-mitado. Elas não são unidades de conservação. E é esse uso com li-mites que nós deixamos muito cla-ro que a agricultura familiar e cam-

ponesa são capazes de fazer. Nosso projeto de agricultura camponesa e familiar é um projeto que olha para o conjunto da população, garantin-do a produção de alimentos.

O ministro Minc defendeu o tratamento diferenciado para os pequenos agricultores na Lei Ambiental. Como os latifundiários devem encarar isso?

A Lei Ambiental precisa ser cum-prida. Se o latifúndio não consegue fazer, ao mesmo tempo, produção e cumprimento da legislação am-biental, nos avise. O governo desa-propria, faz reforma agrária. E, na reforma agrária, fazemos as duas coisas, sem nenhum problema. E se tiver alguma coisa que tiver que ir ao Congresso, tem que avaliar muito bem, porque o Congresso Nacional é um ambiente hostil pa-ra os pequenos agricultores, hostil para qualquer mudança que favo-reça os pequenos. O nosso medo é de que destruam simplesmente o Código Florestal, porque eles não querem cumprir nenhum compro-misso ambiental. Eles querem li-cença para derrubar, licença para devastar e licença para destruir. E isso a gente não concorda.

A expansão do agronegócio sempre esteve na linha contrária a da preservação ambiental. De que forma isso se expressou ao longo dos anos no Código Florestal?

A primeira redação do Código Florestal é de 1933. O governo Ge-túlio Vargas, na sua expansão de-senvolvimentista, estimulou a mi-gração de agricultores do Sul para o Norte e estimulou a migração de agricultores do Nordeste e Sudes-te em direção ao Oeste. O Códi-go visava minimamente a preser-var as matas dessa onda migrató-ria. O que não ocorreu. O desma-tamento foi geral. Já em 1965, os militares fi zeram uma ampla mu-dança para estimular a invasão da Amazônia pelos agricultores do Sul e do Nordeste. Uma nova mudan-ça foi pressionada pelos prepara-tivos adotados para a realização da ECO-92 e aconteceu, três anos antes, em 1989. Havia uma pres-

Acordos “históricos” paraos pequenos agricultores

MEIO AMBIENTE Mudanças no Código Florestal incorporam concepção dos camponeses de preservar e produzir

Módulo fi scal – Terreno sufi ciente para a sobrevivência de uma família. A área varia de município para município, podendo atingir no máximo 100 hec-tares. A lei nº 8.629 estabelece que são minifúndios as posses com até 1 mó-dulo fi scal; pequenas propriedades pos-suem de 1 a 4 módulos; as médias têm entre 4 e 15; e as grandes, mais de 15.

Para entender

Agora isso estará regulamentado, fazendo com que o Código seja cumprido de forma inteligente

Nosso projeto de agricultura camponesa e familiar é um projeto que olha para o conjunto da população, garantindo a produção de alimentos

são internacional muito forte e uma grande entrada das multina-cionais e do agronegócio na Ama-zônia. Então, era uma tentativa de mostrar para o mundo que o Bra-sil iria preservar a Amazônia, o que não ocorreu porque o Código não foi respeitado e nenhum governo o fez respeitar. Já a última mudan-ça, em 2001, foi para permitir que grandes empreendimentos, como barragens e estradas, pudessem ser feitos sem grandes preocupa-ções com a derrubada da mata que tivesse no entorno. Essas mudan-ças ocorreram não para cumprir o Código Florestal, mas para dar sa-tisfação a um setor da sociedade. Agora, é preciso o cumprimento de fato. Por isso, ele tem que sofrer al-gumas adaptações.

Há outras alterações necessárias a serem feitas no Código para que ele realmente cumpra com a sua função de preservar o meio ambiente?

As regulamentações que nós vi-mos com o Ministério [do Meio Ambiente] giram em torno de uns 30 pontos que teriam que ser ade-quados, mais do que alterados. Nós somos contra a destruição do Có-digo Florestal porque ele é impor-tante. Por exemplo, ele diz que pe-quena propriedade é de até 30 hec-tares. A Lei de Agricultura Fami-liar diz que pequena proprieda-de é de até quatro módulos fi scais. Nós queremos que seja até quatro módulos porque esse é um avan-ço que está já especifi cado em ou-tra lei. E isso signifi cará, com certe-za, o reconhecimento de um núme-ro maior de agricultores, que estão dentro da caracterização da agri-cultura familiar, como pequeno agricultor. (Radioagência NP)

Nós somos contra a destruição do Código Florestal porque ele é importante

Danilo Augusto

Page 7: BDF_335

de 30 de julho a 5 de agosto de 2009 7

Page 8: BDF_335

de 30 de julho a 5 de agosto de 20098

cultura

Cena de espetáculo do projeto circense Crescer e Viver: qualidade para disputar mercado

Ierê Ferreira

AP* Descrição Equipamentos Culturais População População /

Eq. Cultural

1 Centro, região portuária e proximidades 186 268.280 1.142,4

2 Zona sul sociológica 235 997.478 4.244,6

3 Zona norte 42 2.353.590 56.037,9

4 Barra da Tijuca e Jacarepaguá 31 682.051 22.001,6

5 Restante da zona oeste 19 1.556.505 81.921,3*AP = Área de Planejamento

Fonte: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP), dados de 2008.

Leandro Uchoasdo Rio de Janeiro (RJ)

A CIDADE AINDA é frequen-temente apontada como a ca-pital cultural do país. Não sem razão. Embora a pro-dução cultural carioca tenha entrado em sutil desacelera-ção desde que o Rio de Janei-ro deixou de ser, em 1960, a capital política – algo que evidentemente não é a úni-ca causa do empobrecimen-to cultural –, a cidade ainda concentra algumas das mais ricas manifestações artísticas nacionais e, comumente na vanguarda, permanece pro-jetando, ano após ano, novi-dades ao farto cardápio cul-tural brasileiro. Entretanto, o que pouco se comenta é que a cultura, no Rio de Janei-ro, reproduz em grau maior a grave concentração de renda. Além dos equipamentos cul-turais estarem, rigorosamen-te, concentrados na área ri-ca da cidade, os mecanismos de fi nanciamento privilegiam uma concepção elitista de cultura e pouco contemplam manifestações de conteúdo crítico.

Apesar desse contexto, um exército de artistas produz uma cultura refi nada, mas com recursos escassos e pou-ca visibilidade. Davy Alexan-drisky, coordenador do Cam-pus Avançado, em Niterói, chama essas manifestações de cultura invisível. “Você acredita que em Japeri [Bai-xada Fluminense] existe uma galera fazendo ópera? Con-trariam toda a lógica”, re-vela.

Sua organização já produ-ziu dois vídeos sobre a invi-sibilidade de manifestações culturais. Cultura na Calça-da fala das fórmulas que es-critores independentes criam para, quase sem ajuda es-tatal, sobreviver. O segun-do, Cultura na Bandeja, tra-ta de músicos reconhecidos nacionalmente obrigados a tocar em bares nos fi nais de semana. Em fase de produ-ção, o terceiro vídeo, Cultu-ra nos Pincéis e Cinzéis, vai abordar a difi culdade dos ar-tistas plásticos. “Esses são os que mais sofrem, porque não existe mais galeria. Tem que criar evento”, resume.

Desigualdade espacialDavy explica que o fi nan-

ciamento não é o único pro-blema. Os principais espaços também fi cam comprometi-dos com os grandes projetos assumidos por grandes em-presas.

As áreas ricas da cidade são muito bem providas. Se-gundo dados de 2008 do Ins-tituto Municipal de Urbanis-mo Pereira Passos (IPP), na região central do Rio existem 186 equipamentos culturais (144 apenas no centro). Na zona sul sociológica, de Bo-tafogo ao Leblon, incluindo Tijuca e Vila Isabel, existem 235. Enquanto isso, na zona norte inteira, há apenas 42. E na zona oeste está o pior quadro: há 50 equipamen-tos, porém 31 deles apenas nos dois bairros ricos, Barra da Tijuca e em Jacarepaguá (vide tabela).

Tome-se como exemplo os cinemas. O bairro de Botafo-go é dotado de 22 salas com 3.923 lugares. Com uma po-pulação que, segundo o Ins-tituto Brasileiro de Geogra-fi a e Estatística (IBGE), seria de 78.259 (dados de 2000). Existe, portanto, uma sala de

A cultura invisível do Rio de Janeiro

ALTERNATIVAS Manifestações artísticas periféricas encontram enormes barreiras para ganhar difusão e visibilidade na região metropolitana fl uminense, especialmente as de postura de crítica social

cinema para cada 20 habitan-tes no bairro. Do outro lado da cidade, na área AP-5 (toda a zona oeste menos Barra da Tijuca e Jacarepaguá), exis-tem apenas seis salas de ci-nema localizadas em Campo Grande, com capacidade pa-ra 1.298 pessoas, sendo que a população da região é de 1.556.505. Teríamos, portan-to, uma sala para cada 1.199 moradores, índice 60 vezes menor que em Botafogo.

“As salas de cinema mais próximas da periferia são as do Shopping Nova Amé-rica. E lá passam fi lmes que não interessam à gente”, co-menta Leon Diniz. Professor de Geografi a, em 2001 ele se uniu a Felícia Krumholz, do Grupo Estação, e represen-tantes de projetos na Man-gueira. Um domingo por mês, promovem uma sessão no Odeon, seguida de debate. O projeto se chama “Domin-go é dia de Cinema”. Com R$ 2, estudantes de pré-vestibu-lar comunitário e militantes de movimentos sociais par-ticipam das projeções. Es-pécie de curso de realidade brasileira por meio do Cine-ma, o evento lota o Odeon, principal cinema do centro. O projeto tem apenas peque-nos apoios da Petrobras e do Estação.

FinanciamentoPor razões políticas e cul-

turais, a concentração se dá também nas iniciativas de fi -nanciamento. Historicamen-te, Estado e empresas privile-giam iniciativas de produção cultural elitistas, com algumas exceções. “Da mesma maneira que se critica a Lei Rouanet [de incentivo à cultura], por-que as empresas só querem a Claudia Raia e a Ivete San-galo, a prefeitura também vi-sa esses nomes quando faz um evento. Eles é que vão dar visi-bilidade”, explica Davy.

A boate Fundição Progres-so tem um braço chamado Centro Interativo de Circo (CIC), destinado a promover a cultura de rua, com ênfase no hip-hop e no grafi te. Lo-calizado na Lapa, enfrenta a resistência conservadora, se-gundo a qual a atividade se-ria um incentivo ao crime e à vagabundagem. Por conse-quência, surge a difi culdade em captar recursos. “O CIC só tem o apoio da Petrobras, e é muito pequeno. Gostaría-mos de ter mais apoio gover-namental, porque fazemos um trabalho de redução da violência urbana através da capacitação”, diz a integran-te Mônica Xavier.

O melhor exemplo da ab-surda destinação de recursos

à cultura veio na última ges-tão de César Maia (DEM). O ex-prefeito começou a cons-truir na Barra da Tijuca a Ci-dade da Música Roberto Ma-rinho. Inicialmente orçada em R$ 80 milhões, não sai-rá por menos de R$ 460 mi-lhões. Desenhada por um ar-quiteto francês, ocupando 22 mil m² com salas de concer-to, óperas e balés, o proje-to pretendia ser “o maior e mais sofi sticado complexo artístico do mundo”. A títu-lo de comparação, com ape-nas 0,02% desse valor, o pro-jeto circense Crescer e Vi-ver, em escolas públicas de São Gonçalo e que resgatava a proposta de Darcy Ribeiro de ensino integral com ativi-dades artísticas, não teria si-do suspenso.

Pontos de culturaOriundo da cidade da Bai-

xada, o Crescer e Viver tem hoje sede na Praça 11, re-gião central da capital. Com-põe seus espetáculos circen-ses com artistas do subúrbio ou da Baixada, além de pro-fi ssionais de projeção. “Tem que ter qualidade para a gen-te disputar mercado. Não queremos que o público ve-nha assistir porque temos jo-vens pobres e da favela. Isso não é mercado, e sim explo-ração de um estigma fabri-cado. Queremos que o pú-blico venha assistir porque é bom”, afi rma Vinicius Dau-mas, fundador do circo. “Os jovens de comunidades têm muito talento e outro diálo-go com a construção cênica. Passamos a ser um local de construção de novos para-digmas”, completa.

A criação dos pontos de cultura pelo Ministério da Cultura é vista com entusias-mo por grande parte dos ati-vistas culturais. O programa sustenta a ideia de que o Es-tado não deve criar política cultural a partir dele próprio, mas da sociedade civil, in-centivando as manifestações que surgem naturalmente no país. “O movimento dos pon-tos de cultura rompe com-pletamente com a lógica de mercado. Dá poder”, comen-ta Davy. “O Brasil fi cou anos na política de balcão. O Mi-nistério da Cultura nunca es-teve tão próximo das pesso-as que fazem arte e cultura. Mas a gente não tem que sol-tar fogos. Esse é apenas o pa-pel do Estado”, alerta Vini-cius. A principal reivindica-ção do Fórum dos Pontos de Cultura é a de que deixem de ser política de governo e se transformem em política de Estado.

do Rio de Janeiro (RJ)

Em 1986, o dramaturgo brasileiro Augusto Boal cria-va, no Rio de Janeiro, o Te-atro do Oprimido. Inspirado na prática do teatrólogo rus-so Stanilavski e na pedagogia de Paulo Freire, Boal inven-tava uma metodologia que visava utilizar-se da prática teatral para a refl exão de se-tores sociais marginalizados de suas condições de opres-são. Mais de duas décadas depois, o Teatro do Oprimi-do é praticado em, pelo me-nos, 70 países. Com apoio das Nações Unidas, sua téc-nica é utilizada, por exem-plo, para o fortalecimento da resistência pacífi ca pales-tina no confl ito asiático e pa-ra conscientização dos me-canismos de proliferação do vírus da Aids na África. No Brasil, é praticado em comu-nidades, assentamentos, es-colas, hospitais psiquiátricos e presídios.

Entre os dias 20 e 26 de ju-lho, foi realizada no Rio a 1ª Conferência Internacional de Teatro do Oprimido. De Nepal a Porto Rico, 52 repre-sentantes de 25 países, dos cinco continentes, estiveram presentes, além de 16 esta-dos brasileiros. Ocuparam três dos principais espaços culturais da cidade. Entre di-versas personalidades, este-ve presente o ministro da Se-cretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi.

A dramaturgia que libertaCÊNICAS 1ª Conferência Internacional de Teatro do Oprimido trouxe ao Rio ministros, secretários e as práticas da metodologia em 25 países e 16 estados. Grande mídia ignorou

“Os jovens de comunidades têm muito talento e outro diálogo com a construção cênica. Passamos a ser um local de construção de novos paradigmas”, conta Vinicius Daumas, fundador do projeto circense Crescer e Viver

Para a imprensa local, não foi um evento importante. Exceto pequenas notas, ne-nhuma referência foi fei-ta nos grandes veículos ca-riocas.

“A gente tem uma enor-me projeção em movimen-tos sociais, mas na mídia não. O Boal teve que mor-rer [no dia 2 de maio] pa-ra aparecer dois minutos no Jornal Nacional. Temos um trabalho político, o boicote não é à toa”, disse Geo Bri-to, curinga do Centro Tea-tro do Oprimido (CTO). O evento começou a ser pla-nejado em 2008, quando Boal ainda era vivo. Após a morte do dramaturgo e en-saísta, as atividades foram redesenhadas.

Evento revolucionárioDurante o seminário, o

moçambicano Alvim Cos-sa, que há oito anos lideraa principal experiência afri-cana de Teatro do Oprimi-do, considerou o evento re-volucionário. “Este é o en-contro de várias experiên-cias de Teatro do Oprimi-do, em diferentes realida-des, com diferentes aplica-ções e visões”, disse. Segun-do Alvim, praticar o Teatrodo Oprimido em seu país équase um milagre. “60% doorçamento de Moçambiquevem de fora. Não temos fi -nanciamento nem para áre-as elementares, como saú-de”, conta. Um dia depois, oex-militar israelense ChenAlon, que pratica a meto-dologia pela Combatentespela Paz, exibiu um mapada atuação nos territóriose denunciou que “a ocu-pação israelense não deixaos artistas se locomoveremnormalmente”.

Os dois últimos dias do evento, sempre lotado, ser-viram para análise dos di-ferentes modelos de aplica-ção. Propostas elaboradas serão levadas a Belém, em julho de 2010, onde se rea-lizará o Congresso Mundial da Associação Internacional de Drama/Teatro e Educa-ção. Basicamente, a metodo-logia consiste em trazer pa-ra o teatro a temática basea-da nos problemas vividos pe-la plateia. O objetivo é provo-car refl exão e ação no local. Também se estimula a par-ticipação da audiência. “É a arte como libertação”, resu-me Geo. Menos de dois me-ses antes de sua morte, Au-gusto Boal havia sido no-meado embaixador mundial do teatro pela Unesco. Em 2008, foi indicado ao Prê-mio Nobel da Paz. (LU)

O Boal teve que morrer para aparecer dois minutos no Jornal Nacional. Temos um trabalho político, o boicote não é à toa”, disse Geo Brito, do Centro Teatro do Oprimido (CTO)

Page 9: BDF_335

Apoiador de Zelaya em meio a dezenas de soldados em El Paraíso

de 30 de julho a 5 de agosto de 2009 9

américa latina

Manifestantes caminharam quilômetros para chegar à fronteira

Reprodução

Claudia Jardim enviada a El Paraíso e

Las Manos (Honduras)

HÁ UM MÊS, os hondure-nhos se preparavam para participar de uma consulta popular não vinculante que poderia abrir caminho para a instalação de uma Assem-bleia Constituinte. Um gol-pe de Estado contra o pre-sidente Manuel Zelaya, no entanto, mudou a progra-mação do domingo 28 de junho. Desde então, o país centro-americano está sub-merso na mais profunda crise das últimas décadas. Em 24 de junho, o anuncia-do “regresso apoteótico” do mandatário, expulso do pa-ís, foi barrado. A multidão que Zelaya pretendia reu-nir na fronteira com a Nica-rágua foi impedida de tran-sitar pelas rodovias hondu-renhas. No dia “marcado”, o governo golpista surpreen-deu os manifestantes ao an-tecipar o toque de recolher para a partir das 12 horas, e não mais a partir das 23 ho-ras, como estava estabeleci-do desde o golpe. A medida abriu caminho para uma sé-rie de “violações aos direitos humanos”, de acordo com uma comissão internacional encarregada de avaliar a cri-se em Honduras.

Dirigente presoA camponesa Vicenta

Bautista, de 53 anos, deci-diu madrugar com a famí-lia para participar da mani-festação na fronteira. Não foi possível. “Caminhamos uns oito quilômetros, quan-do o Exército nos prendeu. Eu expliquei que só queria ver o presidente”, afi rma, enquanto as lágrimas es-corriam pelo rosto marca-do pelo trabalho no cam-po. “Chamaram-nos de va-gabundos”.

Apenas com a roupa do corpo, vestido surrado e um lenço na cabeça, Vicenta, outras 15 mulheres, 12 me-nores de idade e mais de 50 homens passaram a noite na cadeia. “Não comemos na-da, nem água deram para a gente tomar”, conta. “Zelaya foi o único presidente que olhou para os pobres e nos ajudou com o bônus tecno-lógico [espécie de bolsa pa-ra o plantio equivalente a 78 dólares]”.

Nessa delegacia, também estava detido o dirigente da Via Campesina Rafael Ale-gría. Sua presença ali, po-rém, foi negada pelo dele-

gado de plantão. “Não veio para cá, não sei onde ele es-tá”. As mulheres e jovens detidos, no entanto, afi r-mavam que ele estava na cela com os homens. À re-velia dos policiais, a repor-tagem do Brasil de Fato comprovou que Alegría es-tava “escondido” entre os demais homens.

“O nome dele não consta-va no registro da delegacia. Diante da situação que es-tamos vivendo e pelas fre-quentes ameaças que ele tem recebido, não é exage-ro afi rmar que pretendiam desaparecê-lo”, avaliou o advogado Neptali Rodezno, que acompanhava a busca por presos políticos no mu-nicípio de Danlí, a 20 qui-lômetros da fronteira com a Nicarágua. Devido à pres-são de organizações de di-reitos humanos, os detidos foram soltos algumas horas depois.

Pelas montanhasAcompanhado por um

grupo de outros 45 indí-genas, Juan Fredy Martí-nez diz ter tido melhor sor-te, e comemorava ao chegar a território nicaraguense. “Caminhamos quatro dias e quatro noites pelas mon-tanhas, com o Exército atrás da gente”. Martínez con-ta que não comia, e a pou-ca água que tomavam era dos rios. “Mas valeu a pena. Conseguimos”.

Desidratado, com bolhas nos pés rachados, ele se jun-taria a outras centenas de pessoas que estão acampa-das em uma escola na zona fronteiriça. “Não estamos aqui defendendo Manuel Zelaya, e sim nosso direito de viver em um país demo-crático e de ter uma Cons-tituição feita por nós”, afi r-mou. “Os golpistas não sa-bem o favor que nos fi ze-ram. O golpe despertou todo mundo”, acrescentou.

Estima-se que cerca de 2 mil pessoas já tenham cru-zado a fronteira com a Nica-rágua. Zelaya, por enquan-to, continua realizando en-contros com seus simpati-zantes em território nicara-guense, e no momento não dá mostras de que tenta-rá regressar novamente à Honduras à força. Diante da pressão internacional – o governo dos EUA sus-pendeu, no dia 28 de julho, o visto de quatro funcioná-rios do governo Michelet-ti –, o congresso hondure-nho aceitou debater a apli-cação de uma anistia para o

presidente deposto. No caso de ser aprovada, Zelaya po-deria voltar a Honduras sem o risco de ser preso.

Cárcere a céu abertoA situação mais crítica

de confronto entre as For-ças Armadas e manifestan-tes ocorreu no município de El Paraíso, distante 12 qui-lômetros da fronteira entre Honduras e Nicarágua. Pe-gos pelo toque de recolher, que logo foi transformado em estado de sítio perma-nente, cerca de 2 mil pes-soas foram cercadas pelo Exército.

Ali, as pessoas não ti-nham o direito nem de ir à fronteira nem de regressar às suas casas, se fosse o ca-so. “Estamos sequestrados, não há comida, não temos água, querem nos elimi-nar”, lamentou María Sán-chez. Poucos minutos de-pois, começou o enfrenta-mento entre Exército e po-liciais contra os manifes-tantes. Uma pessoa foi fe-rida por um disparo e ou-tra se machucou enquan-to escapava das bombas de gás lacrimogêneo. Pouco a pouco, iam chegando no-vos manifestantes, aumen-tando a escassez de comida e água. Caiu a noite, e com ela, a chuva, que apagou a fogueira que aquecia os de-sagasalhados.

Na manhã do sábado, 25, os manifestantes descobri-ram que um de seus compa-nheiros havia sido morto na madrugada. Pedro Muñoz, de 24 anos. Com visíveis si-nais de tortura, o jovem foi morto com 34 facadas nas costas. “Vimos quando ele foi preso pela polícia. Nos disseram que ele estava na delegacia. Agora aparece morto”, afi rmou Andrés Sal-vador, um dos acampados. “Responsabilizamos o Exér-cito e a polícia por esse as-sassinato”. As autoridades, por sua vez, negam a auto-ria do crime.

FantasmasDesde a morte de Muñoz,

um velho fantasma da re-pressão nos anos de 1980, o ofi cial Billi Joya, voltou a rondar as mentes desses hondurenhos. Joya é o as-sessor de segurança de Ro-berto Micheletti, o presiden-te golpista. O advogado Nep-talí Rodezno, que pertence à Frente de Advogados contra o Golpe, conta que El Para-íso foi o “berço” dos “Con-tras” (grupo treinado pela CIA para combater a Revo-lução Sandinista, na Nicará-gua) e do esquadrão da mor-te 3-16. “Este é o método de repressão que Billi Joya usa: o terror”. Os manifestantes fi zeram um velório simbó-lico. Colocaram o corpo co-berto pela bandeira de Hon-duras na frente da barreira policial, aos gritos de “As-sassinos! Assassinos!”.

Na terça-feira, 28, a resis-tência em El Paraíso foi eli-minada. Na madrugada, o Exército disparou bombas de gás lacrimogêneo e cap-turou boa parte dos mani-festantes que ainda perma-neciam ali. Horas depois, parte desse grupo foi leva-da à capital Tegucigalpa em um caminhão fechado. Ou-tras dezenas de pessoas es-tão desaparecidas, de acor-do com organizações de di-reitos humanos. (CJ)

enviada a Las Manos (Honduras)

Cercado por guarda-costas, o presidente deposto de Hon-duras, Manuel Zelaya, cumpri-mentava com euforia um gru-po de hondurenhos que cru-zaram a fronteira com a Nica-rágua, local em que ele havia convocado seus simpatizan-tes para, juntos, reingressa-rem ao país depois de 26 dias de exílio.

A entrada triunfal programa-da por Zelaya foi minguada pe-lo governo golpista de Roberto Micheletti, que decretou esta-do de sítio nos estados cuja ro-dovia leva à fronteira, em uma tentativa de impedir a mobili-zação convocada pela Frente de Resistência ao Golpe.

Empenhados em receber o presidente deposto, porém, centenas de hondurenhos se aventuraram pelas montanhas do país para driblar a repres-são do Exército. Entre abraços e gritos de “urge Mel!” (algo como “apareça, Mel!”, apelido pelo qual é conhecido), a segu-rança do mandatário advertia sobre a presença de franco-ati-radores em uma colina.

Sem a multidão esperada, Zelaya não cruzou a frontei-ra. Se o fi zesse, “seria preso”, advertiu um coronel do Exér-cito hondurenho encarrega-do da vigilância da aduana. O presidente deposto aguardava a resposta de uma “negocia-ção” para que o Exército per-mitisse sua entrada. Não hou-ve acordo.

Sentado em um jipe rodea-do por simpatizantes, Manuel Zelaya conversou brevemente com o Brasil de Fato. Visi-velmente cansado e aparente-mente sem estratégia real pa-ra garantir seu retorno à pre-sidência, ele advertiu que “se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar pre-sidentes reformistas, então os povos também têm direito de voltar a buscar soluções nesse caminho”.

Brasil de Fato – O governo dos EUA criticou sua decisão de tentar voltar ao país sem um prévio acordo com o governo de fato. Qual sua opinião?Manuel Zelaya – Dei todas as tréguas. Fui extremamente tolerante, esperei e apoiei to-das as decisões tomadas pe-la comunidade internacional. Aceitei o que disse a secretá-ria de Estado [estadunidense, Hillary] Clinton. No entan-

Golpe completa um mês. Repressão tambémHONDURAS Na fronteira com a Nicarágua, manifestantes pró-Manuel Zelaya seguem sendo reprimidos pelos golpistas

“O temor às mudanças provocouo golpe”, diz Manuel ZelayaEm entrevista ao Brasil de Fato, presidente deposto de Honduras afi rma que o povo de seu país tem o direito de recorrer às armas para resistir ao golpe

Já não aceitam golpes de Esta-do, porque realmente são ile-gítimos, são um retrocesso, é a volta da força sobre a razão. É a volta da violência sobre as urnas. Isso provocou o golpe. O temor às mudanças, temor de que o povo se organize.

A imprensa hondurenha o compara com o presidente Hugo Chávez. Como o senhor defi ne seu governo?

De centro-esquerda. De cen-tro porque apoiamos o libera-lismo econômico, e de esquer-da porque apoiamos proces-sos sociais, socialistas. Bus-quei um meio-termo. Mesmo assim me declararam inimigo das elites econômicas, precisa-mente porque aumentei o salá-rio mínimo dos trabalhadores. Me parece injusto que me de-em um golpe de Estado porque estava fazendo uma consul-ta pública para ver qual era a tendência do povo em relação aos processos de participação cidadã. É ridículo o que acon-teceu, o mundo está rindo dos golpistas, ninguém reconhece suas ações.

Muitos consideram que os EUA adotaram uma postura dúbia nessa crise. Condenou o golpe, porém não aplicou sanções econômicas ao governo de fato de Roberto Micheletti. Qual a sua avaliação?

O governo de Barack Oba-ma tem sido congruente comuma diplomacia multilaterale deu demonstrações de que-rer resolver o problema. Masnão ocorre a mesma coisa emoutros grupos de poder dosEUA. Eles sim estão apoian-do o golpe, a velha guarda dosconservadores está apoiandoo golpe. Obama não. A secre-tária de Estado Hillary Clin-ton foi clara. Mas nos EUAhá muitos interesses políticose econômicos e há muita gen-te sectária, que querem imporsua ideologia.

O senhor busca retomar o poder, porém, até agora, Micheletti tem reiterado que não acatará a determinação da OEA de restituí-lo ao cargo. O que pode signifi car esse precedente para a América Central?

Este golpe mata a força da soberania popular. Isso abre um precedente no sentido de que, se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar presidentes reformistas, então os povos também têm direi-to de voltar a buscar soluções nesse caminho, coisa que não desejamos. Primeiro, dizem à população que há que votar e que a democracia é seu direi-to, e agora as armas voltam a atacar a democracia. Isso não se pode permitir. Há que lutar contra isso.

Com as Forças Armadas, Congresso e empresários sustentando o golpe, o que o senhor pretende fazer para recuperar o poder?

Me manter fi rme. (CJ)

to, os golpistas continuam re-primindo o povo, violando os direitos humanos da popula-ção, apropriando-se de recur-sos que não lhes pertencem, usurpando a soberania popu-lar, traindo os poderes do Es-tado. Me tiraram de casa em uma madrugada a balaços, amarrado. Nunca me acusa-ram formalmente em uma de-manda judicial, nunca fi ze-ram acusação anterior. Agora inventaram acusações contra mim, minha família e meus ministros. Os militares falam de democracias, mas quan-do alguém emite uma posi-ção contrária, é declarado co-munista, perseguem e dão um golpe de Estado. A elite hon-durenha é extremamente con-servadora.

O senhor não pôde entrar em Honduras como previsto. O que pretende fazer?

Mantenho o chamado ao po-vo hondurenho para que ve-nha à fronteira. [O Exérci-to impede que os manifestan-tes cheguem à zona fronteiri-ça]. São só 12 quilômetros en-tre El Paraíso [último pon-to de bloqueio do Exército] e Las Manos. As pessoas podem vir caminhando, a polícia não vai deter. E também há outras possibilidades. Tenho dois he-licópteros e posso aterrizar em qualquer lado.

Quais foram os fatores determinantes que desencadearam o golpe de Estado?

Honduras é a terceira eco-nomia mais pobre na Améri-ca Latina. De cada dez hondu-renhos, oito vivem na pobreza e três vivem em pobreza extre-ma. Acredito que uma socieda-de que vive assim há pelo me-nos um século deve ser anali-sada para a promoção de mu-danças. E essas mudanças es-tão relacionadas com a forma de estabelecer o sistema de go-verno. É evidente que as eli-tes econômicas, que são privi-legiadas por essa situação, pe-lo status quo, não querem es-sas mudanças. Então, a única maneira de promover mudan-ças em Honduras é ampliar os espaços de participação cida-dã, os processos de participa-ção social. Apontei isso e os oli-garcas me declararam inimigo da pátria; e começaram a cons-pirar contra mim. Aumentei o salário dos trabalhadores, ten-tei incorporar a reforma agrá-ria, abri as portas ao socialis-mo do Sul e isso foi considera-do um delito. Tudo isso contri-buiu para que a oligarquia eco-nômica – apoiada pelos velhos falcões de Washington, como Otto Reich e Robert Carmo-na, e alguns congressistas es-tadunidenses – começassem a conspiração que resultou no golpe. Mas se equivocaram. Pensaram que seria fácil como no século 20, quando em 48 horas os golpistas conseguiam dominar o povo. O povo agora já leva 28 dias nas ruas, recla-mando, dizendo que não acei-tam esse golpe. A comunidade internacional também mudou.

Reprodução

Page 10: BDF_335

de 30 de julho a 5 de agosto de 200910

américa latina

Evo avança pela esquerda: divididos, oposicionistas não têm força para formar uma frente única

Gonzalo Jallasi/Cambio

Vinicius Mansurcorrespondente em

La Paz (Bolívia)

AS ELEIÇÕES QUE definirão o próximo presidente da Bo-lívia, assim como senadores e deputados nacionais, estão previstas para acontecer em 6 de dezembro deste ano. O nome de Evo Morales há me-ses já está posto como a op-ção da situação para a dispu-ta. O que não está nada claro é como se apresentará a opo-sição. Por enquanto, seis no-mes aparecem como candi-datos (leia box nesta página), mas nenhum deles possui for-ça sufi ciente para comandar uma frente única contra o atu-al mandatário.

Mesmo para analistas polí-ticos mais conservadores, es-sa indefi nição não é uma táti-ca, senão uma mostra da in-competência política da di-reita (leia matéria nesta pá-gina). No entanto, de acor-do com César Navarro, o lí-der da bancada do Movimen-to ao Socialismo (MAS, o par-tido de Evo) na Câmara dos Deputados, esse cenário re-sulta da derrota recente, não só política, mas ideológica e moral, da oposição: “No re-ferendo revogatório [de agos-to de 2008], usaram o “não” ao presidente para se unirem. Como não puderam nos der-rotar, optaram por tomar ins-tituições públicas do país e

saqueá-las, como em Pando e Santa Cruz. Não conseguiram e contrataram um crimino-so de guerra [Eduardo Roz-sa Flores] para desenvolver o terrorismo. Em síntese, o que fi zeram foi apelar para a vio-lência social, racial e políti-ca como método de enfrenta-mento político. O que os une é o antievismo, não um pro-jeto alternativo de país. En-tão, atrás de quem eles vão?”, questiona.

Raiz históricaJá o analista político e atu-

al Diretor Geral de Normas de Gestão Pública do gover-no federal, Raúl Prada, acre-dita que a desorganização atu-al da direita no país é fruto de uma herança histórica. Se-gundo ele, a formalização da democracia liberal na Bolí-via passou por três momentos importantes. Ela começa com a Guerra Federal, em 1899, quando a vitória dos burgue-ses mineiros do oeste sobre os latifundiários do leste instala as eleições para escolha do go-verno nacional. Surgem par-tidos políticos, porém, vota-vam apenas homens donos de meios de produção.

A segunda etapa vem com a Revolução de 1952, que insti-tui um sistema partidário – mas com forte monopoliza-ção do partido revolucionário MNR – e abre as portas para o voto universal. Essa etapa du-ra até 1964, quando se insta-

lam ditaduras militares. De-pois de 1982, se inicia o perí-odo de institucionalização da democracia, quando se esta-belece uma normativa sobre o sistema partidário mais avan-çado, casado com a implanta-ção de políticas neoliberais.

“O que começa a acontecer já no fi nal da década de 1990 é a crise do modelo neoliberal e do processo de globalização. Aí, o sistema de partidos polí-ticos, que foi um meio para as

do correspondenteem La Paz (Bolívia)

Um dos analistas bolivianos do campo mais conservador que avalia que a direita do país mos-tra incompetência ao não conse-guir apresentar um nome de peso para disputar a presidência con-tra Evo Morales é o cientista polí-tico Carlos Toranzo, coordenador de projetos da Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES) da Bolívia, re-correntemente acionado pela mí-dia privada do país e autointitula-do como “criador de opinião para meios de comunicação nacionais e internacionais”.

Segundo ele, “é difícil falar da organização da oposição diante da sua inexistência”. O analista con-sidera Evo Morales um caudilho “a la Perón” e afi rma que o proces-so por ele conduzido caminha pa-ra o autoritarismo, gerando mui-tas ilusões naqueles que acredi-tam em revolução. Porém, admite que o país vive uma mudança so-cial transcendental e que o proces-so político vivido pela Bolívia en-tre 2000, quando ocorreu a Guer-ra da Água no departamento de Cochabamba, e 2005, ano em que Morales foi eleito presidente, des-montou o sistema partidário tra-dicional. O refl exo concreto des-se desmonte, de acordo com To-ranzo, está no fato de o Movimen-to ao Socialismo (MAS) ser o úni-co agrupamento político minima-mente estabilizado e com alcance nacional, enquanto a oposição se divide em um arquipélago de op-ções eleitorais.

O professor da Universidade Ca-tólica Boliviana (UCB) e ex-presi-dente da Corte Nacional Eleitoral boliviana, Salvador Romero Ballivi-án – outro frequentador assíduo do noticiário político da mídia comer-cial –, destaca que dezenas de líde-res já apresentaram seus nomes pa-ra a disputa porque buscam melho-rar suas cartas de negociação numa

futura conformação de alianças.Frente única?

Da enorme lista de possíveis can-didatos, tanto Toranzo como Balli-vián ressaltam seis nomes (leia box nesta página). Porém, acentuam que qualquer um deles só terá al-guma chance caso se unam numa grande frente.

Na última pesquisa divulgada pela Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), em junho, Evo aparece com 37,4% das intenções de voto, enquanto o segundo colo-cado, o ex-presidente Tuto Quiro-ga, tem 6,15%. Porém, o estudo in-dica que 57% da população ainda não se decidiu por um candidato, o que, segundo Ballivián, é um re-cado para a oposição: “Os resulta-dos muito tímidos dos candidatos de oposição e o alto índice de in-decisos mostram que o eleitorado assumiu o papel de espera, não se inclinando por nenhum, esperan-do ainda que se possa cristalizar um consenso ao redor de algum candidato. Em redes de internet, se nota um desejo muito grande de encontrar um candidato único de oposição. É uma mensagem aos líderes desses grupos”, analisa.

Ballivián destaca que, devido à forte polarização que vive a Bolí-via, os nichos de votação da oposi-ção já estão majoritariamente defi -nidos, independente do candidato: seus eleitores estão nas terras bai-xas orientais – nos departamen-tos (estados) de Pando, Beni, Santa Cruz e Tarija – e nas capitais, prin-cipalmente nos extratos médios e grupos favorecidos. Segundo o ana-lista, os empresários, por exemplo, apoiariam tranquilamente qual-quer um dos seis nomes da oposi-ção ao governo.

Largo espectroPorém, os candidatos não conse-

guem se entender. “Os líderes opo-sitores cobrem desde um espec-tro bem conservador até posições de centro-esquerda, e essa gama de matizes políticas difi culta uma aliança. Mas me parece que o maior problema deles não é quem vai ser o candidato à presidência, mas co-mo defi nirão as listas e candidatos parlamentares”, assinala o profes-sor da UCB.

Como a oposição sabe que é mui-to difícil ganhar as eleições presi-denciais, ela projeta o parlamen-to como sua principal trincheira na próxima legislatura. Porém, com a conformação de uma frente única, a disputa por uma vaga no Senado e na Câmara de Deputados se estrei-tam, e a conciliação de uma oposi-ção retalhada fi ca ainda mais com-plexa. Para Ballivián, os candidatos estão à espera de uma maior defi ni-ção nas pesquisas das próximas se-manas ou meses, de modo que al-gum deles possa emergir claramen-te acima do resto e, assim, ter poder de barganha para encabeçar uma frente e dirigir a lista parlamentar.

Na opinião de Toranzo, essa é mais uma prova da incapacidade política da oposição: “Com a dis-persão das candidaturas presiden-ciais, obviamente os votos para o parlamento vão se concentrar no MAS, que pode chegar a fazer dois terços da votação”. (VM)

do correspondenteem La Paz (Bolívia)

Victor Hugo Cár-denas: Ocupou a se-gunda posição nas pesquisas eleitorais durante a maior par-te do ano, sempre atrás de Evo Morales. É um dirigente indí-gena aymara, líder

do Movimento Revolucionário Tu-pac Katari de Libertação (MRTKL), que, na década de 1970, promoveu e conseguiu a autonomia do sindicalis-mo campesino frente aos governos. Porém, entre 1993 e 1997, durante o primeiro governo do neoliberal Gon-zalo Sánchez de Lozada, Cárdenas foi vice-presidente da República. Atual-mente, está sem partido.

Jorge Tuto Quiro-ga: Líder do partido Poder Democráti-co Social (Podemos), passou a ocupar a segunda posição nas pesquisas a partir de junho (6,15%, contra 37,4% de Morales).

Ele foi vice-presidente de Hugo Bán-zer, o ditador da Bolívia entre 1971 e 1978, mas eleito em 1997. De 2001 a 2002, Quiroga assumiu o primeiro posto da República, devido ao afas-tamento do presidente por proble-mas de saúde.

Manfred Reyes Villa: Possui for-mação militar e pas-sagem pela Esco-la das Américas em 1976. Na década de 1980, fez carreira empresarial nos Es-tados Unidos, diri-

gindo empresas como a Crawford Internacional Silver Spring e a Ma-revi Internacional. Foi prefeito da cidade de Cochabamba de 1993 a 2000 e, em 2006, virou governa-dor do departamento de mesmo no-me. Foi sacado do cargo no referen-do revogatório de agosto de 2008, após ter 64,1% dos votos contrários a sua gestão. Ainda está sem sigla para disputar as eleições.

A direita perdidaBOLÍVIA Oposição não se entende, fragmenta-se em dezenas de nomes e deixa caminho livre para a reeleição, em dezembro, do presidente Evo Morales

privatizações e capitalizações, perde legitimidade ao ser in-terpelado pelo povo bolivia-no em seis anos de luta social, de 2000 a 2005. O povo se re-bela diante do entreguismo às transnacionais, de sua elo-quente prática de corrupção e de suas políticas repressivas. Os partidos caem com o peso do modelo neoliberal. À bei-ra de uma guerra civil, de uma fragmentação do Estado, bem exemplifi cados pelo enfrenta-

mento entre polícia e exército, entra em crise não só o gover-no, mas o Estado liberal e co-lonial”, contextualiza Prada.

ParticipaçãoSegundo o analista, em con-

trapartida à desorganização atual da direita no país, o mo-vimento de transformação li-derado pelo MAS abre canais para novas eleições, entra no novo cenário com um presi-dente indígena, levanta a ban-deira da descolonização, da nacionalização de sua riqueza e tenta refundar o Estado com uma nova Constituição.

“Saímos da democracia re-presentativa para a democra-cia participativa, fruto da ação direta de massas, do movi-mento molecular das organi-zações sociais. O poder cons-tituinte se impõe sobre o po-

der constituído e incorpora à política as associações cida-dãs, as comunidades indíge-nas etc. Estabeleceu-se o vo-to uninominal [representação baseada na disposição terri-torial], a eleição dos poderes Executivos e Legislativos de-partamentais, municipais, in-dígenas. Antes, o governador era escolhido na antessala do presidente”.

Para César Navarro, do MAS, a oligarquia boliviana é incapaz de apresentar um pro-jeto que seja a antítese do pro-cesso revolucionário em cur-so, porque é incapaz de per-ceber, ou de admitir, que Evo não encabeça somente um go-verno, mas um novo ciclo es-tatal, cujo objetivo, através da construção do Estado plurina-cional, é a construção do so-cialismo comunitário.

Frente única é o desafi oNo entanto, líderes opositores se enquadram em um espectro que vai da extrema-direita à centro-esquerda, segundo analistas

Os possíveis nomes da oposiçãoÓscar Ortiz: Atual presiden-te do Senado, representando o departamento de Santa Cruz, onde se concen-tra a oposição mais ferrenha

a Evo. Foi eleito pelo Podemos, mas rompeu com a sigla no meio de seu mandato e fundou uma agrupação cidadã chamada Consenso Popular. Vem de tra-dição empresarial e foi gerente da Câmara de Indústria, Comér-cio, Serviços e Turismo de Santa Cruz. Atualmente, é um dos no-mes mais visíveis da oposição, mas poucos acreditam que um candidato de Santa Cruz possa emplacar em todo o país.

Samuel Do-ria Medina: É quem comanda o partido Frente Unidade Nacio-nal. Integrou as equipes do Ban-co Mundial e do Banco Interame-

ricano de Desenvolvimento em 1993. Muito conhecido na Bolí-via por seu sequestro, em 1995, pelo Movimento Revolucioná-rio Túpac Amaru (MRTA), e por ser dono da franquia de fast-food Burger King. Foi candidato a vi-ce-presidente em 1997 e a presi-dente em 2005, fi cando em ter-ceiro lugar. Em 2006, foi mem-bro da Assembleia Constituinte.

René Joaqui-no: De origem quéchua, é pre-feito da cida-de de Potosí há mais de uma dé-cada. Foi elei-to prefeito pela primeira vez em

1997, após a renúncia de Jorge Oropeza. Joaquino era do partido Eje Pachakuti. Em 1999, foi ree-leito, dessa vez pelo Partido So-cialista. Em 2004, ganhou outra vez a eleição, mas com uma agru-pação cidadã fundada por ele, a Aliança Social (AS). (VM)

Na última pesquisa divulgada pela Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), em junho, Evo aparece com 37,4% das intenções de voto, enquanto o segundo colocado, o ex-presidente Tuto Quiroga, tem 6,15%

De acordo com César Navarro, o líder da bancada do MAS na Câmara dos Deputados, esse cenário resulta da derrota recente, não só política, mas ideológica e moral, da oposição

Fot

os: A

BI

Page 11: BDF_335

de 30 de julho a 5 de agosto de 2009 11

américa latina

Os presidentes Lula e Fernando Lugo: melhor divisão do controle da hidrelétrica de Itaipu

APC

Daniel Cassolcorrespondente em

Assunção (Paraguai)

SE FOSSE FUTEBOL, pode-ria se dizer que o Paraguai ga-rantiu um empate com sabor de vitória. Pois a declaração “Construindo uma nova eta-pa na relação bilateral” – assi-nada no dia 25 de julho pelos presidentes Luiz Inácio Lu-la da Silva e Fernando Lugo, em Assunção, capital do Pa-raguai –, se bem não atendeu a plenitude das reivindicações paraguaias sobre a hidrelétri-ca de Itaipu, marcou o come-ço de uma relação mais igual entre os países no controle da binacional.

“Nesta declaração não há vencedores nem vencidos. Ga-nhamos todos, para o bem de nossos povos e da região”, fez questão de afi rmar o presi-dente paraguaio após a assi-natura do texto. O tom da fa-la de Lugo deu ideia da impor-tância do acordo para o Para-guai. “Em apenas dez meses, graças à vontade política deste governo e do presidente Lula, se avançou o que foi impossí-vel durante mais de 30 anos”, comemorou.

A declaração, considera-da “histórica” tanto por Lugo como por Lula, avançou na-queles pontos da negociação, iniciada em setembro do ano passado, sobre os quais paira-vam as divergências mais im-portantes: o preço justo pela cessão da energia paraguaia não utilizada ao Brasil e a pos-sibilidade de o Paraguai ven-der parte de sua energia no mercado brasileiro. Sobre es-te último ponto, os governos manifestaram apenas uma in-tenção, sem estabelecer as for-mas de como será implemen-tado.

Três vezes maisO Brasil pagará agora três

vezes mais pela energia não utilizada pelo Paraguai. Dos atuais 120 milhões de dóla-res, o país vizinho passará a receber cerca de 360 milhões de dólares por ano. Não che-ga aos 900 milhões de dólares anuais calculados pela Admi-nistração Nacional de Energia (ANDE, a estatal de energia paraguaia) como “justa com-pensação” pela exportação de energia, mas é um valor consi-derável que o governo preten-de aplicar em projetos de de-senvolvimento.

“Para nós, será de enorme importância ter recursos dis-poníveis para avançar no de-senvolvimento e na geração de emprego. É uma maneira de nos integrarmos de forma diferente ao Mercosul”, disse ao Brasil de Fato o vice-mi-nistro de Relações Exteriores do Paraguai, Jorge Lara Cas-tro. Além do aumento no va-lor, o Brasil anunciou que irá investir cerca de 450 milhões de dólares na construção de uma rede de transmissão e de uma subestação elétrica no Paraguai.

O acordo mais importante, porém, diz respeito à possi-bilidade de o Paraguai vender no mercado brasileiro parte dos seus 50% da energia pro-

duzida por Itaipu. Até agora, toda a produção não utilizada pelo país vizinho deveria ser vendida à Eletrobrás. O go-verno paraguaio exigia o reco-nhecimento de sua soberania sobre metade da energia pro-duzida pela hidrelétrica, en-quanto, no Brasil, se dizia que sua venda a outras empresas que não a Eletrobrás violaria o Tratado de Itaipu, assinado em 1973.

SoberaniaNa declaração assinada no

dia 25, os presidentes afi r-maram, além do reconheci-mento ao direito do país go-vernado por Lugo de vender sua eletricidade no mercado brasileiro, que os dois paí-ses “devem trabalhar juntos na busca de uma efetiva in-tegração energética regio-nal que contemple inclusive a possibilidade de que Para-guai e Brasil possam comer-cializar energia de Itaipu em outros mercados a partir de 2023”, ano em que o Tratado de Itaipu será revisado.

As celebrações na nação vi-zinha seguiram após a assi-natura da declaração. No dia 28, sindicatos e movimen-tos sociais realizaram um ato em frente à ANDE, com a pre-sença de Fernando Lugo, para comemorar a conquista, que consumiu décadas de estudo e trabalho de especialistas e militantes políticos. O acordo também representa um fôlego ao governo, que vinha fragili-zado, mas que agora cumpre uma de suas principais pro-messas de campanha.

Apesar da comemoração, os detalhes técnicos do acordo ainda precisam ser esclare-cidos. Os dois governos con-formarão um grupo de traba-lho que tem 60 dias para de-fi nir a melhor forma jurídi-ca e técnica de encaminhar as mudanças. A própria de-claração reconhece que uma proposta deverá ser remeti-da aos parlamentos de Brasil e Paraguai.

CongressosNo Brasil, uma das questões

que deve passar pelo Congres-so Nacional é o aumento no valor da compensação fi nan-ceira. A legislação sobre a co-mercialização de energia no mercado brasileiro também necessitaria de modifi cação para permitir tal ato. “Cada governo terá de consultar sua área jurídica para ver a me-lhor forma de implementa-ção”, disse o assessor especial do presidente Lula, Marco Au-rélio Garcia.

O vice-chanceler paraguaio acredita que não haverá di-fi culdades na aprovação pe-los congressos. “Como existe uma boa disposição e vonta-de, os congressos brasileiro e paraguaio representarão bem a vontade coletiva e o compro-misso com as relações de ami-zade entre os países”, afi rmou Jorge Lara Castro.

No entanto, no Brasil, o par-tido DEM já anunciou que po-derá tentar impedir, no Su-premo Tribunal Federal, o au-mento no valor repassado ao Paraguai. Já o governo bra-sileiro garantiu que o valor da energia para o consumi-dor fi nal não deve aumentar: segundo afi rmou, no dia 27, o ministro de Minas e Ener-gia, Edson Lobão, o pagamen-to deve ser feito através de um rearranjo nos juros da dívida contraída pelo Paraguai com a construção da Usina.

Melhorar as relaçõesA declaração conjunta tem,

ao todo, 31 pontos. Além de Itaipu, eles contemplam uma série de investimentos em in-fraestrutura que o Brasil pre-tende realizar no Paraguai. Entre eles, a construção de duas pontes na fronteira entre os países e de uma ferrovia li-gando Cascavel (PR) a Ciudad del Este.

No seu pronunciamento, o presidente brasileiro afi r-mou que os países maiores têm “obrigação de ajudar” o desenvolvimento de países menores. “Estamos tratando de melhorar as relações en-tre os países”, disse Lula. “Ao Brasil não interessa crescer e se desenvolver se seus parcei-ros não crescerem também”, completou.

Porém, ao anunciar investi-mentos em infraestrutura no Paraguai, Lula sinaliza com o modelo de desenvolvimen-to sustentado pelas grandes empreiteiras. No dia 24, as empresas brasileiras Camar-go Corrêa e Votorantim anun-ciaram a construção de uma fábrica de cimento na região metropolitana de Assunção, no valor de 100 milhões de dó-lares, anunciado como o maior investimento privado no pa-ís. No ato de assinatura da de-claração, Lula manifestou seu desejo de que o Paraguai se transforme numa “chance” e num “porto seguro” para in-vestimentos privados.

do correspondente em Assunção (Paraguai)

Desde o início das negociações, em setembro do ano passado, o Paraguai apresentou seis pontos de reivindicação sobre a Usina de Itai-pu, cuja gestão é compartilhada com o Bra-sil. Veja como fi caram os pontos após a assi-natura da declaração entre Lula e Lugo no úl-timo sábado:

1) Conclusão de obras faltantesFicou acertado que será construída uma su-bestação no Paraguai e serão realizadas obras de navegação no rio Paraná e um mirante no lado paraguaio, para potencializar o turismo.

2) Controle e transparênciaO Paraguai conseguiu inserir na declaração o reconhecimento de que sua Controladoria Ge-ral da República audite a dívida do país relati-va à construção da Usina.

3) Cogestão plenaO Paraguai terá maior participação na direção da binacional. Na declaração assinada pelos presidentes, fi cou reconhecida a necessidade de consolidar a cogestão plena.

4) Revisão da dívidaA Controladoria Geral da República do Pa-raguai começou este ano uma auditoria na dívida do país. Na declaração, o Paraguai limita-se a informar que está realizando a auditoria, “e sua intenção de transmitir su-as conclusões à parte brasileira”.

5) Preço justoO Fator Multiplicador, que calcula quan-to o Brasil paga ao Paraguai pela energia excedente, foi triplicado de 5,1 para 15,3. Com isso, o Paraguai passará a receber cer-ca de 360 milhões de dólares por ano, ca-so repasse todo seu excedente para o Bra-sil. Esse valor pode aumentar se o Para-guai conseguir melhores preços no mer-cado brasileiro.

6) Soberania hidrelétricaO Paraguai defendia o direito de vender ao Brasil e a outros países sua parte da ener-gia produzida por Itaipu. O Brasil reconhe-ceu a possibilidade de venda gradual no mercado brasileiro. A declaração assinada pelos presidentes sinalizou que Itaipu po-derá vender energia a outros países a par-tir de 2023, quando o tratado será revisa-do. (DC)

do correspondente emAssunção (Paraguai)

A 37ª Reunião do Conse-lho de Mercado Comum do Mercosul, realizada entre os dias 24 e 25 de junho, em Assunção, no Paraguai, ter-minou sem acordo nos prin-cipais temas relacionados à integração econômica entre os países do bloco. E com críticas dos movimentos so-ciais às saídas que vêm sen-do apontadas à crise fi nan-ceira.

Entre os assuntos mais importantes, não houve acordo sobre o fi m da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) – hoje um produto é tributado duas ve-zes quando entra no Mer-cosul e é reexportado den-tro do bloco. Uruguai e Pa-raguai, “primos pobres” do bloco, reclamaram das me-didas protecionistas adota-das por Brasil e Argentina, e dos poucos avanços do Mer-cosul em termos de integra-ção econômica.

“Os países não estavam tão dispostos a nenhum ti-po de mobilização”, afi rmou o ministro da Economia do

os presidentes afi rmaram que o bloco não reconhece-rá nenhum governo que sur-ja de uma ruptura institu-cional.

Durante a reunião, a fa-la mais incisiva foi do pre-sidente boliviano, Evo Mo-rales: “Penso que é impor-tante condenarmos o gol-pe de Estado, mas qual é a origem do golpe em Hondu-ras? A origem é a presença militar norte-americana no país”, disse Evo, ressaltan-do que o presidente Barack Obama não estaria compro-metido com o golpe, “mas sim a estrutura do Império norte-americano”. O pre-sidente boliviano também afi rmou que os líderes lati-no-americanos têm “obri-gação” de acabar com a pre-sença de forças militares dos EUA nos países.

Para o colombiano Enri-que Daza, secretário-geral da Aliança Social Continen-tal, a posição dos presiden-tes é positiva na medida em que afi rma que o bloco não irá reconhecer o governo golpista. Mas faltam ações mais concretas.

“A posição do Mercosul e seus associados tem de posi-tivo a afi rmação de que não reconhece nenhum governo ilegítimo derivado de golpe. Mas não avança na proposta de sanções mais específi cas, como a ruptura de relações institucionais. Por outro la-do, o balanço que fazem da gestão de Óscar Arias [pre-sidente da Costa Rica, que atua como mediador] é ruim, pois serviu aos Esta-dos Unidos para deslegiti-mar a Organização dos Es-tados Americanos e dilatar a solução”, diz o colombia-no. (DC)

Paraguai conquista empate históricoITAIPU Declaração conjunta assinada pelos presidentes Lula e Fernando Lugo atende duas reivindicações históricas dos paraguaios em relação à usina binacional

Paraguai, Dionisio Borda. O embaixador brasileiro, Cel-so Amorim, minimizou as críticas à lentidão do Merco-sul. “Há uma crise no mun-do e isso acaba tornando as medidas de integração mais difíceis. Eu não creio que haja uma crise no Merco-sul”, disse.

Saídas “erradas”Desde a Cúpula dos Po-

vos, paralela ao encontro dos presidentes, vieram as críticas aos remédios con-tra a crise fi nanceira suge-ridos pelo Mercosul. “Trata-se de uma crise integral do capitalismo, que não é mo-mentânea e não vai se solu-cionar com a injeção massi-va de capitais”, disse o docu-mento fi nal do encontro dos movimentos sociais. “Há que se transformar o mode-lo de desenvolvimento para sair da crise. Isso quer dizer que temos que construir um projeto próprio, desde os povos da América Latina”, afi rmou o texto.

Uma das exigências é que o Banco do Sul seja consoli-dado como uma instituição de fi nanciamento a esses outros projetos de desenvol-

vimento. O secretário de in-tegração regional da Central de Trabalhadores da Argen-tina, Jorge González, aler-tou para os riscos de o no-vo banco ser utilizado pa-ra fi nanciar projetos como

o da Integração da Infraes-trutura Regional Sul-Ameri-cana (IRSA). “Não é possí-vel que os recursos fi nancei-ros dos nossos países sejam utilizados para o salvamento de bancos e empresas explo-radoras”, criticou.

HondurasTodos os presidentes e

embaixadores sul-america-nos que falaram na reunião da Cúpula do Mercosul con-denaram o golpe de Estado contra Manuel Zelaya, ocor-rido em Honduras em 28 de junho. Na declaração fi nal,

Como fi caram as 6 reivindicações do Paraguai

O Brasil pagará agora três vezes mais pela energia não utilizada pelo Paraguai. Dos atuais 120 milhões de dólares, o país vizinho passará a receber cerca de 360 milhões de dólares por ano

Na Cúpula do Mercosul, poucos avanços na integraçãoMovimentos sociais realizam encontro alternativo e criticam as saídas para a crise econômica apontadas pelos presidentes do continente

Para o colombiano Enrique Daza, secretário-geral da Aliança Social Continental, a posição dos presidentes é positiva na medida em que afi rma que o bloco não irá reconhecer o governo golpista de Honduras

Page 12: BDF_335

áfrica

de 30 de julho a 5 de agosto de 200912

internacional

Os chanceleres Avigdor Lieberman, de Israel, e Celso Amorim concedem entrevista após encontro no Itamaraty

Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr

Dafne Meloda Redação

NA ÚLTIMA SEMANA de ju-lho, o governo israelense do Likud (partido da direita ul-traconservadora) pôs em prá-tica uma força-tarefa no con-tinente americano para ten-tar criar e fortalecer alian-ças contra o Irã e, de quebra, justifi car sua postura em re-lação à Palestina. Enquanto o primeiro ministro Binya-min Netanyahu recebeu em Israel uma comissão de repre-sentantes do governo estadu-nidense, o chanceler Avigdor Lieberman reuniu-se com em-presários, diplomatas e chefes de Estado no Brasil, Argenti-na, Peru e Colômbia.

Quanto à viagem à América Latina, José Farhat, cientista político e membro do Conselho de Imprensa do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe), opi-na que “o esforço é parte da ta-refa de criminalizar o Irã como uma potência nuclear e colo-cá-lo como inimigo de todos”. A própria chancelaria de Isra-el e Lieberman confi rmaram, em inúmeras oportunidades, que esta era a real motivação da viagem. No Brasil, no dia 22 de julho, ao lado do chanceler brasileiro Celso Amorim e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o israelense afi rmou que “o Irã não é só a maior ameaça que existe para o Oriente Mé-dio, mas é, também, a maior ameaça que existe para todo o Golfo Pérsico”, pondo em risco a paz mundial.

BrasilNo Brasil, tudo indica que

as intenções israelenses fo-ram frustradas. Na coletiva de imprensa concedida por Lu-la, Amorim e Lieberman, as divergências fi caram claras. O israelense reafi rmou o pa-pel preponderante que o Bra-sil teria como mediador dos confl itos no Oriente Médio. “É um país que, tradicionalmen-te, tem fortes vínculos com o mundo árabe e boas relações com Israel. Pode ser um ne-gociador. Talvez, mais do que

Joyce Chimbide Juba (Sudão)

Quando as mulheres do sul do Sudão aceitaram a assina-tura do Acordo de Paz Abran-gente (APA), em 2005, sa-biam que a democracia real só poderia ser alcançada quando os direitos humanos fossem respeitados.

Trata-se de uma jovem de-mocracia que luta para se manter viva num cenário ca-racterizado por um frágil acor-do de paz. A guerra entre o sul e o norte do Sudão, que durou 22 anos, impôs o terror ao país e causou níveis inimagináveis de destruição, que levaram à morte de 2 milhões de pesso-as e ao deslocamento de 4 mi-lhões, segundo estimativas das Nações Unidas.

O APA, que acabou com o confl ito sangrento, reservou 25% dos cargos governamen-tais para as mulheres. Isso foi implementado – pelo menos em termos de números – pelo novo governo do sul do Sudão.

No entanto, as mulheres es-tão preocupadas com a possi-bilidade de suas conquis-

tas serem minadas devido às tensões e à crescente insegu-rança associadas às eleições, originalmente marcadas pa-ra junho, mas que agora fo-ram adiadas até fevereiro de 2010. A outra fonte de apre-ensão é o referendo, agenda-do para 2011, que irá decidir o futuro da relação entre o sul e o resto do país – uma das opções será a independência total. Do ponto de vista das mulheres, esses dois aconte-cimentos podem ser cruciais para a democracia.

Manter a esperançaJoy Raphael está confi ante.

É uma política eloquente do Estado de Equatoria Central e membro da União das Mulhe-res, movimento criado para li-dar com as difi culdades senti-das pelas mulheres nessa re-gião. Ela já declarou que seu nome irá aparecer nas cédulas de votação nas próximas elei-ções gerais.

“Não iremos conhecer o No-vo Sudão, um sonho para o qual [tanto] sangue foi der-ramado e muitas vidas per-didas, se as mulheres não se sentarem à mesa da liderança,

que ainda é, em larga medida, patriarcal”, diz. “As mulheres podem não ter estado presen-tes fi sicamente no campo de batalha, mas, à medida que a guerra continuava, perderam maridos e fi lhos e aprenderam a ser mãe e pai. Não tinham mais nada, a não ser a espe-rança”, completa.

Joy acredita que as mulhe-res sudanesas, como aconte-ce com as suas homólogas em todo o mundo, podem dar uma contribuição fundamental na política, através da introdução de uma abordagem sensível ao gênero.

“A liderança não vai apa-recer facilmente e, por is-so, é preciso que as mulhe-res sejam pró-ativas e se le-vantem, de forma a serem le-vadas a sério”, insiste Hellen Mursal, Ministra dos Assun-tos Sociais e de Gênero do Es-tado de Equatoria Central. As vozes dessas mulheres repre-sentam o espírito de muitas outras nos dez estados do sul do Sudão.

Obstáculos à liderança“A vida aqui é uma luta pela

sobrevivência, uma luta con-tínua num país caracterizado por uma economia deprimida devido à séria crise econômica global, cujo impacto já se sen-te entre nós”, explica Joy. O sul do Sudão tem um dos ín-dices de mortalidade materna mais elevados do mundo, com

1.700 mortes a cada 100 mil nascimentos, segundo relató-rio do governo sudanês.

O documento indica ainda que, entre as mulheres com idades compreendidas entre 15 e 24 anos, 84% não sabem ler nem escrever, o que torna inacessível muitas das infor-mações que podem emanci-par as mulheres. Além disso, o número de rapazes matricu-lados nas escolas primárias é três vezes superior ao núme-ro de mulheres, apesar destas serem aproximadamente 60% da população. Tudo isso repre-senta um desafi o adicional pa-ra as mulheres que lutam pa-ra ocupar seu lugar na lideran-ça do país.

Apesar de os 25% de repre-sentação feminina em todos os níveis do governo estarem sen-do respeitados de forma geral em termos numéricos, nem to-dos os estados do sul do Sudão conseguiram atingir este ob-jectivo. Em Equatoria Orien-tal, onde faltaram três mulhe-res eleitas para atingir o pata-

mar exigido, o problema é que não existe um número sufi -ciente de alfabetizadas para preencher os cargos.

Mas, mesmo nos seis esta-dos onde essa cota foi atingida, muitos defendem que ela está sendo usada como uma cortina de fumaça, no sentido de que as mulheres maleáveis são co-locadas em posições de poder, enquanto as que possuem um espírito mais independente continuam a ser impedidas de ocupar posições de liderança.

“É verdade que existem líde-res do sexo feminino na maior parte dos estados, mas a maio-ria foi colocada nessas posi-ções como parte de uma ope-ração de cosmética. Ainda não sabemos os critérios usa-dos para colocá-las em posi-ções-chave”, explica Kyampai-re Vervice, membro da União das Mulheres do Sul do Su-dão. “Parece que é mais uma questão de ‘quem se conhece’ do que ‘o que se sabe’, um pro-cesso de seleção corrupto que exclui as mulheres resolutas e

ainda as que se atrevem a ex-primir e defender as suas po-sições e o seu valor como líde-res”, protesta.

As mulheres precisam de apoio

O espaço concedido às mu-lheres sudanesas em posições de liderança nunca foi mais crucial do que agora, quando o país se encontra numa en-cruzilhada. A fi gura do antigo dr. John Garang, que liderou a guerra de guerrilha contra o Norte durante 21 anos, ainda domina o sul do Sudão.

“O Movimento de Liberta-ção do Povo do Sudão acredi-ta fi rmemente na emancipa-ção das mulheres”, afi rmou ele, numa conferência de do-adores na Noruega, em 2005. “95% das nossas mulheres não foram à escola e a melhor ma-neira de emancipá-las é atra-vés da educação. Precisamos de educação primária univer-sal para que, em 2015, todas as crianças no sul do Sudão este-jam na escola”.

Quando mencionou o refe-rendo sobre o futuro da região, Garang apelou ao povo do sul do Sudão que saísse às ruas e tomasse uma decisão. “Essa escolha não é reservada para que nós, as mulheres, simples-mente coloquemos homens na liderança através do nosso vo-to, mas sim para nos afi rmar-mos como líderes”, pondera Joy Raphael.

Mulheres se preparam para a políticaSUDÃO Após o fi m da guerra com o Norte, feministas da região sul do país lutam para garantir a presença do gênero na tomada de decisões

qualquer outro país, possa ten-tar convencer os iranianos a parar com seu programa nu-clear e convencer os palesti-nos a iniciar conversas diretas conosco. Estamos prontos pa-ra um diálogo imediatamen-te”, afi rmou.

Amorim reiterou que o país pretende continuar mantendo boas relações com o Irã e que não cancelarão a visita do pre-sidente Mahmoud Ahmadine-jad, marcada para a primeira semana de agosto. Além disso, questionaram o fato de que os assentamentos judaicos em territórios palestinos ocupa-dos continuam crescendo, so-bretudo na região Cisjordâ-nia. A exigência presente em diversos acordos de paz tem sido ignorada pelo governo do Likud, que justifi ca o au-mento como “crescimento na-tural”. Amorim declarou que

o entendimento do governo brasileiro é de que há cresci-mento. “[Liberman] disse que não tem havido aumento dos assentamentos, isso é discutí-vel. Acho que cresceram, e is-so é um fator que difi culta [a paz]”, disse.

DiplomaciaO chanceler brasileiro tam-

bém confi rmou a visita de Shi-mon Peres em novembro des-

te ano. “O Brasil tem uma po-lítica de diálogo. Você não dia-loga só com os países com os quais está de acordo sobre tu-do, senão não há conversa”, defendeu. Para José Farhat, a postura do Itamaraty também se justifi ca desde um ponto de vista econômico, já que nesse aspecto as relações que man-tém com os países árabes e o Irã são muito mais interes-santes. Por isso, difi cilmen-

te tomará uma postura enér-gica em relação aos confl itos no Oriente Médio que favore-ça Israel.

Além do mais, ainda que no plano do discurso, a atu-al administração israelense tem enfrentado difi culdades que não encontravam quan-do George W. Bush estava à frente dos EUA. O novo go-verno também tem questiona-do o crescimento dos assenta-mentos em territórios ocupa-dos. “Queremos ver uma in-terrupção dos assentamen-tos. Consideramos que isso é uma parte importante e es-sencial dos esforços para al-cançarmos um acordo de paz integral e a criação de um Es-tado palestino junto com um Estado judeu israelense”, as-sinalou a secretária de Estado Hillary Clinton, em encontro com Lieberman há um mês.

No novo encontro, em Isra-el, não houve avanços. Em re-lação ao Irã, os Estados Uni-dos também apostariam emuma saída diplomática, ao in-vés de uma militar.

TLCUma outra pauta tratada

por Lieberman na AméricaLatina foi o tratado de livrecomércio (TLC) entre o Mer-cosul e o Estado judeu, assi-nado em dezembro de 2007,mas ainda paralisado. Paraque entre em vigor, deve seraceito de forma unânime pe-los quatro países que com-põem o bloco: Brasil, Argenti-na, Paraguai e Uruguai.

Arlene Clemesha, profes-sora de História Árabe doDepartamento de Letras daUniversidade de São Pau-lo (USP), explica que Isra-el depende fortemente dosacordos bilaterais. “Eles têmum mercado interno ínfi moe precisam exportar”. O mes-mo não se pode dizer do Bra-sil. Ainda que tenha interes-se na tecnologia israelensenas áreas bélica e de infor-mática, o mercado israelensenão é signifi cativo para o pa-ís, por isso, um acordo teriamaior signifi cado político doque econômico. “Na minhaopinião, o Brasil não deveajudar a fortalecer economi-camente um Estado de ocu-pação militar que vem exer-cendo políticas que o pró-prio Lula qualifi cou de ‘geno-cida’”, defende a professora,referindo-se à forma como opresidente classifi cou o ata-que israelense à Gaza, no fi -nal de 2008.

A professora acredita quemuito provavelmente o TLCserá ratifi cado, porém ex-cluindo os produtos feitosnos assentamentos ilegais. “Aquestão é que essa exclusão éfi ctícia, na prática esses pro-dutos chegarão aqui”, avalia.Já José Farhat acredita quea pressão internacional e asboas relações econômicas, delonga data, com países árabesadiarão a decisão. “Além dis-so, acho que difi cilmente osgovernos acatarão”, fi naliza.

Israel vem à América Latinaem busca de apoio contra o IrãIMPERIALISMO Chanceler israelense condena país persa e sugere que Brasil deve mediar confl ito no Oriente Médio

“Na minha opinião, o Brasil não deve ajudar a fortalecer economicamente um Estado de ocupação militar que vem exercendo políticas que o próprio Lula qualifi cou de ‘genocida’”, defende Arlene Clemesha

“Não iremos conhecer o Novo Sudão, um sonho para o qual [tanto] sangue foi derramado e muitas vidas perdidas, se as mulheres não se sentarem à mesa da liderança, que ainda é, em larga medida, patriarcal”, diz Joy Raphael