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NewsLab - edição 63 - 2004 152 Betalactamases de Espectro Ampliado (ESBL): um Importante Mecanismo de Resistência Bacteriana e sua Detecção no Laboratório Clínico Manuel Alves de Sousa Junior 1,2, Edvana dos Santos Ferreira 1 , Gildásio Carvalho da Conceição 2,3 1 - Universidade Católica de Salvador - UCSal 2 - Laboratório de Análises Clínicas da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Salvador (APAE - SSA) 3 - Hospital Universitário Professor Edgard Santos - UFBA Artigo Introdução Introdução D iversos mecanismos emer- gentes de resistência aos antimicrobianos foram recente- mente descritos e alguns deles são de difícil detecção pelas me- todologias laboratoriais de roti- na. Embora exista uma grande variedade de mecanismos de re- sistência aos antibióticos beta- lactâmicos, um dos mecanismos mais importantes é a produção de betalactamases, que são en- zimas capazes de hidrolizar o anel betalactâmico de penicili- nas, cefalosporinas e outros an- timicrobianos relacionados, tor- nando-os inativos. Entre estes destacamos a produção de be- talactamases de espectro ampli- ado (Extended-Spectrum Beta- lactamase = ESBL) principal- mente em algumas espécies de bactérias Gram-negativas (1). A primeira referência à resis- tência antibiótica surgiu nos anos As betalactamases formam um grande grupo de enzimas que são capazes de hidrolizar o anel betalactâmico de penicili- nas, cefalosporinas e monobactâmicos (antibióticos betalactâmicos). Dentre as betalactamases, destacam-se as betalactama- ses de espectro ampliado (Extended-Spectrum Betalactamase - ESBL). A produção de ESBL é mediada por plasmídeos que conferem ampla resistência aos antimicrobianos que contém o anel betalactâmico em sua estrutura e agem neste anel betalac- tâmico rompendo-o e inativando assim, o antibiótico. Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae são as espécies bacterianas mais comumente encontradas produzindo ESBL, a detecção destas enzimas já foi observada em diversas outras espécies de Enterobacteriaceae e Pseudomonadaceae. Pacientes com infecções por enterobactérias produtoras de ESBL não devem ser medicados com antibióticos betalactâmicos, o que acarretaria em falha terapêutica e agravamento do quadro infeccioso. A detecção presuntiva de ESBL não acarreta custos adicionais ao laboratório, visto que os antimicrobianos necessários para tal detecção podem compor o conjunto de discos utilizados na rotina laboratorial em antibiogramas. O trabalho do laboratório de microbiologia é imprescindível na detecção das enterobactérias produtoras de ESBL. A detecção precoce destas bactérias multirresistentes é de suma importância para se instaurar o tratamento adequado e as medidas de isolamento dos pacientes, necessárias para se evitar a disseminação destes patógenos em surtos comunitários e nosocomiais. Palavras-chaves: ESBL, resistência bacteriana, betalactamases Resumo

Betalactamases de Espectro Ampliado (ESBL): um … · 152 NewsLab - edição 63 - 2004 Betalactamases de Espectro Ampliado (ESBL): um Importante Mecanismo de Resistência Bacteriana

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NewsLab - edição 63 - 2004152

Betalactamases de Espectro Ampliado (ESBL):um Importante Mecanismo de Resistência

Bacteriana e sua Detecção no Laboratório ClínicoManuel Alves de Sousa Junior1,2, Edvana dos Santos Ferreira1, Gildásio Carvalho da Conceição2,3

1 - Universidade Católica de Salvador - UCSal2 - Laboratório de Análises Clínicas da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Salvador (APAE - SSA)

3 - Hospital Universitário Professor Edgard Santos - UFBA

Artigo

IntroduçãoIntrodução

D iversos mecanismos emer-

gentes de resistência aos

antimicrobianos foram recente-

mente descritos e alguns deles

são de difícil detecção pelas me-

todologias laboratoriais de roti-

na. Embora exista uma grande

variedade de mecanismos de re-

sistência aos antibióticos beta-

lactâmicos, um dos mecanismos

mais importantes é a produção

de betalactamases, que são en-

zimas capazes de hidrolizar o

anel betalactâmico de penicili-

nas, cefalosporinas e outros an-

timicrobianos relacionados, tor-

nando-os inativos. Entre estes

destacamos a produção de be-

talactamases de espectro ampli-

ado (Extended-Spectrum Beta-

lactamase = ESBL) principal-

mente em algumas espécies de

bactérias Gram-negativas (1).

A primeira referência à resis-

tência antibiótica surgiu nos anos

As betalactamases formam um grande grupo de enzimas que são capazes de hidrolizar o anel betalactâmico de penicili-nas, cefalosporinas e monobactâmicos (antibióticos betalactâmicos). Dentre as betalactamases, destacam-se as betalactama-ses de espectro ampliado (Extended-Spectrum Betalactamase - ESBL). A produção de ESBL é mediada por plasmídeos queconferem ampla resistência aos antimicrobianos que contém o anel betalactâmico em sua estrutura e agem neste anel betalac-tâmico rompendo-o e inativando assim, o antibiótico. Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae são as espécies bacterianasmais comumente encontradas produzindo ESBL, a detecção destas enzimas já foi observada em diversas outras espécies deEnterobacteriaceae e Pseudomonadaceae. Pacientes com infecções por enterobactérias produtoras de ESBL não devem sermedicados com antibióticos betalactâmicos, o que acarretaria em falha terapêutica e agravamento do quadro infeccioso. Adetecção presuntiva de ESBL não acarreta custos adicionais ao laboratório, visto que os antimicrobianos necessários para taldetecção podem compor o conjunto de discos utilizados na rotina laboratorial em antibiogramas. O trabalho do laboratóriode microbiologia é imprescindível na detecção das enterobactérias produtoras de ESBL. A detecção precoce destas bactériasmultirresistentes é de suma importância para se instaurar o tratamento adequado e as medidas de isolamento dos pacientes,necessárias para se evitar a disseminação destes patógenos em surtos comunitários e nosocomiais.

Palavras-chaves: ESBL, resistência bacteriana, betalactamases

Resumo

153NewsLab - edição 63 - 2004

40 com as penicilinas, tendo res-

surgido com o advento dos no-

vos antibióticos nos anos 50 e

60. Atualmente, o mecanismo de

resistência causa enormes pro-

blemas terapêuticos com impli-

cações de saúde pública (2). As

betalactamases são produzidas

por bactérias Gram-positivas e

Gram-negativas. As bactérias

Gram-negativas apresentam um

número extraordinário de beta-

lactamases, sobretudo cromos-

sômicas e plasmidiais.

Há evidências de que as enzi-

mas que inativam os antibióticos

betalactâmicos eram produzidas

pelas bactérias muito antes da

introdução e aperfeiçoamento

destes antibióticos no uso clíni-

co. O uso amplo e, às vezes, in-

discriminado destes antimicrobi-

anos certamente auxiliou na dis-

seminação da resistência, mas

não se pode responsabilizar a uti-

lização clínica pelo aparecimento

das betalactamases (3).

Em 1983 foram detectados na

Alemanha (Frankfurt) os primei-

ros isolados clínicos de Klebsie-

lla pneumoniae e Escherichia coli

resistentes às cefalosporinas de

terceira geração. Desde então,

têm sido descritas em todo mun-

do numerosas enzimas dos tipos

TEM e SHV com este fenótipo de

resistência (4).

Muitas bactérias apresentam

também pequenas moléculas de

DNA circular conhecidas como

plasmídeos, que são indepen-

dentes do DNA cromossômico e

carregam genes que não são es-

senciais para a vida. Possuem a

propriedade de serem transferi-

dos de uma bactéria para outra

(conjugação) levando caracterís-

ticas genéticas até então inexis-

tentes na célula receptora. Mui-

tas vezes, os plasmídeos carre-

gam genes que conferem à bac-

téria resistência a antibióticos.

Essa é uma característica gené-

tica muito importante para a bac-

téria, pois permite sua sobrevi-

vência mesmo na presença de

uma substância nociva (5).

As ESBL hidrolizam as cefa-

losporinas (exceto as cefamici-

nas) e os monobactâmicos, não

hidrolizando, entretanto os car-

bapenêmicos. A ação hidrolíti-

ca destas enzimas é bloqueada

pelos inibidores de betalacta-

mase (ácido clavulânico, sul-

bactam e tazobactam).

Um dos principais problemas

causados por estas enzimas é de-

corrente do fato de sua produção

ser induzida durante a terapêuti-

ca antimicrobiana. Dessa manei-

ra, quando a amostra bacteriana

é detectada pelo laboratório de

microbiologia, ela é aparentemen-

te sensível às cefalosporinas de

terceira geração e penicilinas de

amplo espectro, porém, durante

o tratamento pode ocorrer indu-

ção da produção de grandes quan-

tidades de enzimas e o paciente

começar a evoluir mal, ocorrendo

"recidiva" da infecção. Uma nova

amostra da bactéria é isolada e

esta poderá se mostrar resisten-

te a um antimicrobiano (utilizado

para o tratamento) para o qual a

bactéria era inicialmente sensível,

podendo até ser interpretado

como erro laboratorial quando da

avaliação da primeira amostra (6)

Quando produzem estas en-

zimas, os organismos tornam-se

altamente efetivos pela inativa-

ção de diversos antibióticos be-

talactâmicos. Assim, os Clínicos

devem se familiarizar com o sig-

NewsLab - edição 63 - 2004154

nificado clínico destas enzimas e

estratégias potenciais para pro-

cedimentos com este crescente

problema (7).

É de suma importância avaliar

a freqüência de bactérias produ-

toras de ESBL para que se possa

estabelecer como rotina no labo-

ratório de microbiologia clínica a

inclusão dos antibióticos nos tes-

tes de susceptibilidade aos antimi-

crobianos que auxiliam em tal iden-

tificação como ceftriaxona, cefta-

zidima, cefotaxima, cefpodoxima,

aztreonam, tobramicina, ciproflo-

xacina e os discos que possuem

os inibidores associados como

amoxicilina/ácido clavulânico, sul-

bactam/ampicilina ou ticarcilina/

ácido clavulânico. Esta seleção

pode ajudar ao Clínico, evitando

ocorrência de falha terapêutica.

Os objetivos deste trabalho são

abordar a importância da detecção

de ESBL em laboratórios de micro-

biologia clínica, evidenciar as pos-

síveis falhas terapêuticas de diver-

sos antimicrobianos em pacientes

com infecções por bactérias pro-

dutoras de ESBL e demonstrar que

a sua detecção pode e deve ser

uma prática rotineira em labora-

tórios de microbiologia clínica.

Genética Bacteriana

As bactérias possuem um úni-

co cromossomo circular, disperso

pelo citoplasma, composto de DNA

(cadeia dupla) que contém a qua-

se totalidade das informações,

incluindo as indispensáveis à vida

da célula (8).

Os plasmídeos replicam-se in-

dependentes do cromossomo,

carregam genes que não são es-

senciais para a vida das bactéri-

as e podem ser transferidos, de

vez em quando por conjugação,

de uma bactéria para outra. A

transferência de fragmentos de

DNA cromossômico e de plasmí-

deos é altamente disseminada

nos procariotos, sendo uma das

causas da notável diversidade

genética observada nas bactéri-

as (3). O problema da resistên-

cia se agrava, pois a transferên-

cia de plasmídeos ocorre entre

células bacterianas de uma mes-

ma população e entre as bactéri-

as de diferentes gêneros (10).

Muitas vezes carregam genes que

conferem à bactéria resistência

aos antibióticos, como por exem-

plo o gene que codifica alguma

ESBL (5) (Figura 1).

Uma conseqüência dos even-

tos genéticos ligados à transfe-

rência plasmidial tem sido obser-

vada na rápida propagação de re-

sistência a antibióticos transmi-

tida por plasmídeos em popula-

ções bacterianas após uso indis-

criminado dos antibióticos em

ambientes comunitários e hospi-

talares (11, 12).

As bactérias podem transferir

material genético de uma para

outra por meio de quatro meca-

nismos: conjugação, transforma-

ção, transdução e transposição

(13). A conjugação é um proces-

so de transferência de genes que

requer o contato célula-célula, di-

ferindo dos demais processos;

onde na transformação ocorre

captação de DNA solúvel no meio

por células doadoras, na trans-

dução ocorre transferência gené-

Figura 1 - Microfotografia eletrônica de duas Escherichia coli em processode conjugação

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tica com auxílio dos bacteriófa-

gos e na transposição, os genes

são transferidos dentro de uma

mesma célula por intermédio dos

transposons (DNA). Estes seg-

mentos podem "saltar" ou auto-

transferirem-se de uma molécu-

la de DNA (plasmídeo, cromos-

somo) para outra (plasmídeo,

cromossomo, fago) (9,10).

Antimicrobianos

São produtos naturais de fun-

gos e bactérias ou sintéticos pro-

duzidos em laboratórios, capazes

de impedir o crescimento de mi-

croorganismos ou mesmo destruí-

los. Algumas drogas antimicrobia-

nas são bactericidas (matam mi-

croorganismos), enquanto outras

são bacteriostáticas (inibem a sua

multiplicação). Em pacientes com

o sistema imune funcionando em

condições adequadas, ambas as

classes de drogas são efetivas e

agem como auxiliares ao sistema

eliminando a infecção. O principal

objetivo do uso de um antimicro-

biano é o de prevenir ou tratar uma

infecção, diminuindo ou eliminan-

do os organismos patogênicos e se

possível, preservando os germes

da microbiota normal.

É improvável que um único

agente quimioterápico possa

apresentar todas as qualidades

necessárias para utilização no

tratamento eficaz de infecções

microbianas. Portanto, podem-se

fazer comparações entre os

agentes disponíveis para seleci-

onar o mais apropriado para o

tratamento (9).

A ação antimicrobiana é dire-

cionada contra alvos peculiares

nos microorganismos (estruturas

e/ou vias metabólicas), ausentes

no organismo humano. Este efei-

to minimiza o efeito tóxico das

drogas antimicrobianas para a

espécie humana. Pode ser atra-

vés da inibição da síntese de pa-

rede celular, inibição da membra-

na celular, inibição da síntese pro-

téica ou através da inibição da sín-

tese de ácidos nucléicos (13).

Os antibióticos betalactâmicos

constituem uma grande família de

diferentes grupos de compostos

contendo um anel betalactâmico

em sua estrutura (12). As penici-

linas e cefalosporinas (betalactâ-

micos) afetam a síntese dos com-

ponentes do peptideoglicano ini-

bindo uma etapa particular, em

que ligações cruzadas são forma-

das entre as cadeias de peptideo-

glicano, este fato permite uma

falha na sustentabilidade da pa-

rede celular (9). Os betalactâmi-

cos agem ligando-se às proteínas

carreadoras de penicilina na pa-

rede celular bacteriana. A resis-

tência a estes agentes geralmen-

te envolve processos que interfe-

rem na atuação destas proteínas.

Resistência Bacteriana

A resistência a antimicrobia-

nos tem aumentado rapidamen-

te nos últimos anos no Brasil eFigura 2 - Núcleo central dos antibióticos betalactâmicos

157NewsLab - edição 63 - 2004

NewsLab - edição 63 - 2004158

no mundo, gerando uma neces-

sidade crescente do conhecimen-

to do perfil de sensibilidade das

bactérias que mais freqüente-

mente causam infecções e do

modo de disseminação da resis-

tência (15). Muitas bactérias

possuem resistência intrínseca a

vários grupos de antibióticos, po-

rém o problema da resistência

aos antimicrobianos é colocado

quando as bactérias sofrem mu-

tações, originando formas resis-

tentes (2).

Os mecanismos genéticos que

codificam a resistência bacteria-

na se exteriorizam por seis prin-

cipais mecanismos bioquímicos

de ação: inativação enzimática da

droga, alteração da permeabili-

dade bacteriana à droga, altera-

ção de sistemas de transporte na

célula, retirada ativa da droga do

meio intracelular, alteração do re-

ceptor à droga e modificação do

sistema metabólico ativo para a

droga e síntese das vias meta-

bólicas alternativas (13). Todos

estes mecanismos citados podem

ser reunidos em três grupos: ina-

tivação enzimática, alteração do

sítio de ação do antibiótico e al-

teração do transporte do antibió-

tico através do invólucro bacteri-

ano. Um quarto mecanismo, caso

específico de resistência as sul-

fonamidas e trimetropim, se re-

laciona à capacidade da célula

bacteriana de evitar a rota me-

tabólica inibida por estes antibi-

óticos (16).

A inibição ou inativação enzi-

mática produzida pelos microor-

ganismos é provavelmente o prin-

cipal mecanismo molecular de re-

sistência microbiana. Foi inicial-

mente descrita por Abraham e

Chaim, em 1940, que demonstra-

ram em extratos de Escherichia

coli uma enzima capaz de inati-

var a ação da penicilina, provo-

cando a sua abertura por hidróli-

se e transformando o antibiótico

em produto inativo. Com a intro-

dução das cefalosporinas na dé-

cada de 60, o termo cefalospori-

nase passou a ser empregado

para designar as enzimas que hi-

drolisavam este grupo de antibió-

ticos betalactâmicos (13).

Betalactamases

As betalactamases constituem

um grupo heterogêneo de enzimas

capazes de inativar as penicilinas,

cefalosporinas e por vezes os mo-

nobactâmicos. Estas enzimas são

freqüentemente produzidas por

bactérias Gram-positivas e Gram-

negativas, aeróbias e anaeróbias,

e lizam o anel betalactâmico por

hidroxilação irreversível da liga-

ção amida, com inativação do an-

tibiótico. Embora o resultado final

de sua ação seja o mesmo, a ati-

vidade enzimática é variável de

acordo com o tipo de betalacta-

mase produzida e os diversos

substratos existentes. Existe uma

variação em especificidade de

substrato entre as betalactama-

ses: algumas hidroxilam preferen-

cialmente as penicilinas, outras

têm atração pelas cefalosporinas

e algumas enzimas inativam am-

bas as classes de antibióticos. Em

alguns patógenos, verifica-se a

produção de diferentes tipos de

betalactamases, onde diferentes

cepas podem produzir diferentes

enzimas, ou uma única cepa pode

produzir mais de um tipo de enzi-

ma.

Os betalactâmicos são libera-

dos em condições naturais pelos

microorganismos produtores e

são os resultados de um proces-

so evolutivo e da pressão seleti-

va que favorecem os produtores

de antibióticos. O uso amplo e

indiscriminado destes agentes

certamente auxiliou na dissemi-

nação da resistência, mas não

provocou o aparecimento destas

enzimas. (3).

A produção destas enzimas por

determinadas bactérias explica a

sua permanência em um foco in-

feccioso quando o antibiótico uti-

lizado é um betalactâmico. Além

disso, pode interferir na sobrevi-

vência de outros microorganis-

mos, sensíveis ao antibiótico,

quando o germe produtor faz par-

te de uma flora bacteriana mista.

Pode ocorrer quando, em uma

amigdalite tratada com penicilina,

o Streptococcus do grupo A (sen-

sível ao antibiótico) permanece

ativo mesmo após o tratamento,

devido à produção de betalacta-

mases por bactérias que fazem

parte da microbiota oral como es-

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NewsLab - edição 63 - 2004160

tafilococos, moraxelas ou bacté-

rias anaeróbias (13).

Os inibidores de betalactama-

ses são compostos que se asse-

melham o suficiente aos antibió-

ticos betalactâmicos para unirem-

se às betalactamases, de forma

reversível ou irreversível, para

proteger os antibióticos da des-

truição. Não é surpreendente que

estes compostos, que podem re-

alizar o mesmo funcionamento dos

antibióticos betalactâmicos, tam-

bém possuam uma atividade an-

tibacteriana limitada por si mes-

mos. Os três inibidores de beta-

lactamases que têm sido aplica-

dos na medicina clínica são o áci-

do clavulânico, o sulbactam e o

tazobactam. Possuem efeitos con-

tra penicilinas produzidas por Sta-

phylococcus e têm eficácia variá-

vel contra as enzimas cromossô-

micas ou plasmidiais das bactéri-

as Gram-negativas. O ácido cla-

vulânico e o tazobactam são su-

periores ao sulbactam em ativi-

dade contra as betalactamases

transmitidas por plasmídeos de

microorganismos Gram-negati-

vos, inibindo as ESBL. Algumas

enzimas de amplo espectro são

resistentes à atividade dos três

compostos (17).

Vários fatores determinam a

eficácia de combinações de inibi-

dores, antibióticos, enzimas e ce-

pas bacterianas específicas. Es-

tes fatores incluem a magnitude

com que os antibióticos ou os ini-

bidores induzem a atividade das

betalactamases, a quantidade de

enzima produzida, e a eficácia do

inibidor contra o tipo específico

de betalactamase produzida. En-

tre as betalactamases de amplo

espectro, algumas são bloquea-

das por diferentes inibidores e

outras não são afetadas pela sua

presença (17).

ESBL (Extended-Spectrum

BetaLactamase)

As ESBL constituem um grupo

de enzimas derivadas das beta-

lactamases clássicas TEM-1, TEM-

2 e SHV-1 (6). Estas enzimas con-

ferem resistência às cefalospori-

nas de amplo espectro, penicili-

nas e monobactans (aztreonam),

sendo que essas amostras perma-

necem sensíveis às cefamicinas e

carbapenêmicos. Outra caracterís-

tica fenotípica importante é que

essas enzimas são sensíveis à

ação dos inibidores de betalacta-

mases, como sulbactam, ácido

clavulânico e tazobactam. As en-

zimas foram denominadas de

ESBL devido ao fato da maioria

dessas enzimas serem codificadas

por genes localizados em plasmí-

deos, que geralmente carregam

genes de resistência a outros an-

timicrobianos, tais como amino-

glicosídeos, trimetropim, sulfona-

midas, tetraciclinas e cloranfeni-

col. As cepas produtoras de ESBL

são geralmente multirresistentes.

A produção de betalactamases

é o principal mecanismo de resis-

tência das bactérias Gram-nega-

tivas. O grau de resistência irá

depender da quantidade de enzi-

ma produzida, da habilidade des-

sa enzima em hidrolisar o antimi-

crobiano em questão (potência) e

da velocidade com que o betalac-

tâmico penetra pela membrana

externa da bactéria (permeabili-

dade da membrana).

A superprodução de enzimas

induzíveis cromossômicas ou

plasmidiais pode inativar antibi-

óticos como o imipenem ou as ce-

falosporinas de terceira geração

que eram resistentes à degrada-

ção por quantidades normais de

enzimas. As ESBL inativam mui-

tas das cefalosporinas de tercei-

ra geração, enquanto que os car-

bapenêmicos são relativamente

resistentes a estas enzimas ver-

sáteis. As bactérias Gram-nega-

tivas têm estado suficientemen-

te cheias de recursos como a pro-

dução de betalactamases que

inativam antibióticos em forma

específica, como o imipenem, que

são resistentes à ação da maior

parte das outras enzimas (17).

O primeiro relato de cepas

produtoras de ESBL ocorreu em

Frankfurt, na Alemanha em

1983, onde enzimas do tipo SHV

foram isoladas de Klebsiella

pneumoniae e Escherichia coli. A

análise destas cepas demonstrou

posteriormente que a resistên-

cia devia-se à produção de uma

betalactamase plasmidial trans-

ferível, derivada de SHV-1, sen-

do denominada SHV-2. Desde

161NewsLab - edição 63 - 2004

NewsLab - edição 63 - 2004162

então, têm sido descritas em

todo mundo numerosas enzimas

dos tipos TEM e SHV com este

fenótipo de resistência.

Cepas de Klebsiella spp e Es-

cherichia coli são as bactérias

mais comuns produtoras de ESBL,

porém já foram detectadas em

diversas espécies de Enterobac-

teriaceae e em Pseudomonas ae-

ruginosa. Atualmente existem

mais de 150 ESBL descritas, das

quais mais de 90 são do tipo TEM

e mais de 25 dos tipos SHV e OXA

(14). As enterobactérias produ-

toras de ESBL têm sido isoladas

com maior freqüência em amos-

tras procedentes de pacientes

hospitalizados, porém também

podem ser encontradas em

amostras de origem comunitária.

Estes isolamentos podem apare-

cer de forma esporádica, sem

relação epidemiológica ou dar lu-

gar a surtos nosocomiais.

O tubo digestivo atua como

reservatório potencial destes

microorganismos multirresis-

tentes. Além disso, é o habitat

adequado para que a resistên-

cia se transmita a outras espé-

cies bacterianas (4).

O aparecimento de surtos no-

socomiais devido a estes micro-

organismos depende tanto das

condições ambientais (elevado

consumo de cefalosporinas de ter-

ceira geração, manipulação dos

pacientes, etc.) como das carac-

terísticas especiais do microorga-

nismo (fatores de virulência, ade-

rência, etc). Além do consumo de

antibióticos de amplo espectro,

outros fatores de risco são impor-

tantes para adquirir infecção/co-

lonização como a cateterização

arterial e/ou urinária (6).

É importante conhecer o me-

canismo de resistência para que

ocorra a determinação fenotípica

e genotípica do microorganismo,

para posterior relevância epidemi-

ológica do surto. Além de eviden-

ciar se é a mesma cepa que está

causando determinado surto ou se

são cepas diferentes do mesmo

microorganismo.

Detecção de ESBL

A detecção destas enzimas em

isolados de E. coli e Klebsiella pne-

moniae é problemática devido à

variabilidade fenotípica dos tipos

enzimáticos, pois as expressões

guardam estreita correlação com os

mecanismos de ação dos antibióti-

cos. Alguns métodos têm sido pro-

postos, baseados no fato da pro-

dução de ESBL ser afetada pelos

inibidores de betalactamases, como

o método da fita E-teste (fita du-

pla), o método da dupla difusão em

ágar ou método de aproximação de

disco, o método da adição de ácido

clavulânico ao disco de ceftazidima

e o método automatizado.

Apesar da aparente sensibilida-

de in vitro a vários antimicrobia-

nos, pacientes com infecções por

cepas produtoras de ESBL podem

não responder à terapia com beta-

lactâmicos e monobactâmicos. Os

carbapenêmicos, imipenem e me-

ropenem, são opções terapêuticas

indicadas para o tratamento de in-

fecções por cepas produtoras des-

sas enzimas. Geralmente estas

amostras exibem co-resistência às

quinolonas e aminoglicosídeos, por-

tanto, o uso destes agentes deve

ser baseado no antibiograma.

Mutações na cadeia de amino-

ácidos podem ser responsáveis

pela falha na detecção dessas en-

zimas porque alteram a capaci-

dade ou a velocidade de hidróli-

se de oximino-betalactâmicos. As

ESBL derivadas da enzima TEM e

com apenas uma substituição na

cadeia de aminoácidos (TEM-7 ou

TEM-12) apresentam baixo poder

de hidrólise deste grupo de anti-

bióticos, podendo não ser detec-

tadas em testes laboratoriais.

Outras, como aquelas derivadas

das enzimas TEM-3, TEM-26,

SHV-2 e SHV-4, exibem alto po-

der de hidrólise de betalactâmi-

cos. Por esta razão o betalactâ-

mico que será hidrolisado de

maneira mais eficaz varia muito

dependendo da enzima (6).

Segundo o NCCLS, para as ce-

pas com testes positivos para

ESBL no laboratório de microbio-

logia clínica, devem ser reporta-

das no laudo como resistentes

aos antibióticos betalactâmicos e

às combinações de betalactama-

ses com inibidores de betalacta-

mases (mesmo que sensíveis in

vitro). Além disso, deve ser

acrescentada uma observação re-

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NewsLab - edição 63 - 2004164

Método Teste de Triagem Teste Confirmatório

Inóculo econdiçõesdeincubação

De acordo com as recomendações da padronização do teste de difusão

Recomendações doControle de Qualidade

E.coli ATCC 25922

K. pneumoniae ATCC 700603Cefpodoxima 9-16mmCeftazidima 10-18mmAztreonam 9-17mmCefotaxima 17-25mmCeftriaxona 16-24mm

E. coli = um aumento de ≤ 2mm nohalo do antibiótico testado sozinhocomparado com a zona de inibiçãoquando combinado com ácidoclavulânico

K. pneumoniaeAumento de ≥ 5mm no halo daceftazidimaAumento de ≥ 3mm no halo dacefotaxima

Meio de Cultura ágar Mueller Hinton ágar Mueller Hinton

Concentração do discode Antibiótico

Cefpodoxima 10µg ouCeftazidima 30µg ouAztreonam 30µg ouCefotaxima 30µg ouCeftriaxona 30µgO uso de mais de um agenteantimicrobiano para a triagemaumenta a sensibilidade de detecção

Ceftazidima 30µgCeftazidima/ác. clavulânico 30/10µgE cefotaxima 30µg cefotaxima/ác.clavulânico 30/10µgO teste confirmatório deverá serfeito com ambos antibióticos,sozinho e combinado com ác.clavulânico

Resultados Cefpodoxima ≤ 22mmCeftazidima ≤ 22mmAztreonam ≤ 27mmCefotaxima ≤ 27mmCeftriaxona ≤ 25mm= suspeita de produção de ESBL

Um aumento de ≥ 5mm no diâmetropara qualquer agente antimicrobianotestado em combinação com o ácidoclavulânico comparado com oagente sozinho = produção de ESBL

Tabela I - Teste para a detecção de ESBL em Klebsiella pneumoniae, K. oxytoca e Escherichia coli segundo o NCCLS

latando que os testes laboratori-

ais sugerem a produção de ESBL,

para que se tomem as medidas

epidemiológicas adequadas e evi-

tar que estas drogas sejam utili-

zadas no tratamento (Tabela 1).

Os testes disponíveis para de-

tectar cepas produtoras destas

enzimas possuem limitações devi-

do à possibilidade das já mencio-

nadas mutações. Interpretações

adequadas dos testes de suscep-

tibilidade antimicrobiana são im-

prescindíveis na detecção deste

mecanismo de resistência (18).

Discos de tobramicina e ciproflo-

xacina devem ser incluídos nos

testes de detecção, pois geralmen-

te as amostras bacterianas produ-

toras de ESBL também são resis-

tentes a estes antibióticos (4).

165NewsLab - edição 63 - 2004

Método E-Teste

O método E-teste utiliza uma

fita plástica que contém concen-

trações crescentes do agente em

estudo numa placa de Mueller Hin-

ton semeada com o inóculo bacte-

riano padronizado com a escala 0,5

de MacFarland. Neste caso, em um

dos lados da fita existe ceftazidi-

ma, e do outro ceftazidima associ-

ada a uma concentração fixa de

2µg/mL de ácido clavulânico. A

bactéria será considerada produ-

tora de ESBL quando a leitura apre-

sentar uma diminuição de pelo me-

nos duas diluições logarítmicas

(quando a razão entre os dois bre-

akpoints for igual ou maior que 8)

da ceftazidima/ácido clavulânico

em relação ao MIC (Concentração

Inibitória Mínima) da ceftazidima.

O método se baseia no aumento

da sensibilidade em presença do

ácido clavulânico, como recomen-

da o NCCLS para testes confirma-

tórios de presença de ESBL. Esta

técnica é de fácil realização; en-

tretanto, pode gerar resultados

confusos se usada isoladamente,

pois neste caso será testada so-

mente uma droga (Figura 4).

Método da dupla difusão ou mé-

todo da aproximação de disco

A identificação de amostras pro-

dutoras de ESBL pode ser feita

mediante a sinergia de duplo dis-

co. Realiza-se a difusão em ágar

utilizando uma placa de ágar Mue-

ller Hinton inoculada com uma sus-

pensão bacteriana ajustada com o

padrão 0,5 da escala de MacFar-

land; logo após colocam-se os dis-

cos com carga padronizada de

Figura 3

Figura 5 - Presença de "ghost-zone"

Figura 4

NewsLab - edição 63 - 2004166

aztreonam e cefalosporinas de ter-

ceira geração como cefotaxima,

ceftazidima, ceftriaxona; dispostos

a uma distância de 20mm de dis-

cos de amoxicilina / ác. clavulâni-

co. É considerada sinergia positiva

(e, portanto, detecta-se a produ-

ção de ESBL), quando se observa

uma ampliação do halo de inibição

em alguma das cefalosporinas ou

do aztreonam ou o aparecimento

de uma terceira zona irregular de

inibição (conhecida como ghost-

zone) entre o disco composto e o

disco de uma das drogas betalac-

tâmicas. Esta técnica é de fácil re-

alização e acessível a qualquer la-

boratório de microbiologia clínica.

Este método é o mais utilizado na

rotina laboratorial pelo baixo cus-

to, fácil acesso à metodologia e pelo

tempo de obtenção dos resultados.

Para cepas isoladas que demons-

tram zonas de inibição grandes, o

disco deve ser colocado a 30mm

de distância e para cepas isoladas

com zona de inibição menores, uma

distância menor deve ser utilizada

(20mm). A determinação desta dis-

tância constitui a maior dificuldade

do método (Figuras 3 e 5).

Método da adição do ácido cla-

vulânico ao disco de ceftazidima

Este método baseia-se na com-

paração do tamanho do halo forma-

do em torno dos discos de ceftazidi-

ma (30µg) com o halo do disco de

ácido clavulânico/ceftazidima (10µg/

30µg). Um aumento maior ou igual

a 5mm no halo de inibição do disco

composto em comparação com o

halo do disco sem ácido clavulânico,

indica bactéria produtora de ESBL.

Método automatizado

Alguns painéis de microdiluição

estão disponíveis, comercializados

principalmente para os sistemas

MicroScan (Dade Behring) e Vi-

tek (bioMériux). A análise feno-

típica da bactéria por este método

proporciona uma padronização e

rapidez, o que garante boa con-

sistência nos resultados em detri-

mento aos testes em discos, com

resultados após 18-24 horas. To-

davia, o método automatizado tem

algumas desvantagens quando

comparado com difusão em ágar,

porque certas bactérias não cres-

cem ou o fazem pobremente após

4-5 horas de incubação (Proteus

sp, Morganella sp, Providencia sp,

Yersinia sp e outras). Outro ponto

seria a dificuldade em detectar o

baixo nível de expressão deste

mecanismo de resistência. Alguns

complexos fenotípicos resultantes

de combinações destes mecanis-

mos são pobremente diferenciados

pelo método automatizado (18).

Desvantagens na realização

destas técnicas

• A hiperprodução de betalac-

tamase cromossômica por Proteus

vulgaris, Proteus penneri ou Citro-

bacter koseri (que é uma cefuro-

ximase inibida pelo ácido clavulâ-

nico), pode resultar em uma am-

pliação do halo com a cefuroxima,

cefotaxima e ceftriaxona. A hiper-

produção desta enzima confere

resistência a estas drogas, perma-

necendo a bactéria sensível à cef-

tazidima e ao aztreonam (6)

• A hiperprodução de betalac-

tamase K-1 por K. oxytoca pro-

duz ampliação do halo com a ce-

furoxima, ceftriaxona, aztreonam

e cefotaxima, mas nunca com a

ceftazidima. A hiperprodução de

betalactamases confere resistên-

cia a estas drogas, mas não à cef-

tazidima. Portanto, para diferen-

ciar uma cepa de K. oxytoca hi-

perprodutora de K-1 de uma pro-

dutora de ESBL deve-se realizar

sempre o método de determina-

ção do MIC da ceftazidima, obser-

vando se este valor se reduz na

presença de ácido clavulânico (6)

• A hiperprodução de SHV-1 por

K. pneumoniae, causada pela pre-

sença de múltiplas cópias do plas-

mídeo que as codifica, também

pode ocasionar um fenótipo com-

pátivel com a produção de ESBL.

Nestes casos, há uma aumento dos

MICs da ceftazidima (4-8µg/mL) e

do aztreonam (1-2µg/mL), afetan-

do escassamente os MICs da ce-

fotaxima e ceftriaxona (6)

• A produção de L-2 por Steno-

trophomonas maltophila resulta

em sinergia positiva com aztreo-

nam devido à ação hidrolítica des-

ta enzima sobre o aztreonam, sen-

do inibida pelo ácido clavulânico.

Portanto, não devemos confundir

este tipo de resistência com a pro-

vável produção de ESBL (6)

167NewsLab - edição 63 - 2004

NewsLab - edição 63 - 2004168

Discussão

Prevenção e tratamento

As medidas básicas de preven-

ção do aparecimento da resistên-

cia bacteriana e disseminação de

cepas resistentes consistem na

adoção de medidas higiênicas, de

desinfecção, no reforço das técni-

cas assépticas e no isolamento dos

doentes afetados (2).

Para o controle de surtos oca-

sionados por cepas produtoras de

ESBL têm sido aplicadas medidas

como a restrição do consumo de

cefalosporinas de terceira gera-

ção, isolamento dos pacientes co-

lonizados e/ou infectados e edu-

cação das pessoas que trabalham

diretamente com os pacientes

quanto ao cuidado com a mani-

pulação destes e a correta lava-

gem das mãos (6). O problema

do tratamento das infecções cau-

sadas por cepas de bactérias que

produzem ESBL é universal e ocor-

re principalmente em hospitais

que utilizam de maneira indiscri-

minada as cefalosporinas de am-

plo espectro de ação.

O tratamento de pacientes com

infecções causadas por cepas que

produzem ESBL fica limitado a

poucos agentes de amplo espec-

tro de ação, os quais poderão tam-

bém falhar diante de microorga-

nismos que produzem múltiplas

betalactamases, que associadas

produzem múltipla resistência.

Somente alguns antibióticos

betalactâmicos conservam sua

atividade frente às enterobacté-

rias produtoras de ESBL. Os car-

bapenêmicos são os antibióticos

mais efetivos, estas drogas são

muito resistentes à hidrólise por

este tipo de enzima. O uso de

antibióticos carbapenêmicos de-

veria ser moderado, pois tem sido

descrito um aumento da resistên-

cia a estas drogas.

A duração da permanência no

hospital (Enfermaria ou Unidade

de Tratamento Intensivo - UTI) é

um fator primordial, porque,

quanto maior a estadia, mais gra-

ve a doença, mais intensos os pro-

cedimentos invasivos e a adminis-

tração de antibióticos.

É essencial que o laboratório

de microbiologia clínica esteja

preparado para a detecção des-

tes mecanismos de resistência

que têm surgido principalmente

em surtos nosocomiais.

Discussão

Vários trabalhos de prevalência

de ESBL relatam porcentagens de

microorganismos produtores de

ESBL para todas as Enterobacteri-

aceae e algumas Pseudomonada-

ceae em diversas partes do mun-

do. As bactérias isoladas com mai-

or freqüência na produção de ESBL

são cepas do gênero Klebsiella se-

guidas por isolados de Escherichia

coli. Alguns autores apresentam

porcentagens maiores de outras

enterobactérias do que em Klebsi-

ella spp, porém devem ser casos

isolados de surtos ou trabalhos em

que o número de amostras foi pe-

queno, o que aumenta a porcen-

tagem final, como Pagani et al que

utilizaram apenas 70 cepas encon-

trando 48% de Proteus mirabilis

como produtoras de ESBL e Otkum

et al, que encontraram 30% de

cepas de Salmonella typhimurium

produtoras de ESBL de um total de

75 cepas isoladas.

O teste de aproximação de dis-

cos é o mais utilizado para realizar

a detecção de ESBL, pois não acar-

reta custos adicionais ao laborató-

rio visto que os antimicrobianos

envolvidos neste método podem ser

incluídos no antibiograma rotineiro

para microorganismos Gram-nega-

tivos. Assim, a detecção por este

método pode e deve ser realizada

em qualquer laboratório de micro-

biologia clínica mesmo não sendo

em ambiente hospitalar, porém al-

guns aspectos devem ser enfatiza-

dos apesar da facilidade de reali-

zação na rotina laboratorial. A de-

terminação da distância entre os

discos deve ser feita de maneira a

permitir a visualização do aumento

ou distorção dos halos. Se a amos-

tra formar halos grandes, a distân-

cia deve ser aumentada, entretan-

to se os halos forem menores deve-

se diminuir a distância dos discos

para visualizar o efeito da ghost-

zone, essa variação da distância

dificulta a realização do teste, pois

deve ser adequada para cada

amostra. O NCCLS recomenda a

distância de 20mm centro-centro.

A interpretação é altamente subje-

tiva, uma vez que o aparecimento

169NewsLab - edição 63 - 2004

NewsLab - edição 63 - 2004170

de uma terceira zona de inibição

não pode ser quantificada.

O método de E-teste e a análise

automatizada requerem custos adi-

cionais ao laboratório, sendo então

realizados somente por laboratóri-

os de grande porte e centros de

referência. O método de adição de

ácido clavulânico ao disco de cefta-

zidima pode ser realizado em qual-

quer laboratório de microbiologia,

porém acarreta custos adicionais,

visto que este disco combinado não

está disponível pelo mercado para

a terapêutica e não é usualmente

utilizado pelos Clínicos.

Palasubramaniam & Parasakthi

em 2001 na Malásia compararam

os três métodos de identificação

presuntiva de ESBL (excluindo o

método automatizado) e concluí-

ram que o método E-teste com fita

dupla combinada mostrou-se mais

efetivo em todas as amostras de

Klebsiella pneumoniae resistentes

à ceftazidima analisadas.

Bedenic & Boras em 2001 na

Croácia concluíram em seu tra-

balho sobre os métodos de de-

tecção de ESBL que o método

de dupla-difusão necessita de

uma padronização mais rigoro-

sa do inóculo com a escala de

MacFarland do que os outros

métodos manuais, o que de-

monstra a importância do inó-

culo para o antibiograma.

Segundo Blatt em 2000, o sur-

gimento de resistência bacteriana

aos antimicrobianos é inevitável,

pela conservação das espécies, mas

o controle na utilização dos mes-

mos pode limitar o aparecimento

de cepas multirresistentes. Barbo-

sa et al em 1998, concordam com

esta afirmação dizendo que somen-

te a utilização indiscriminada dos

antibióticos não pode ser respon-

sabilizada pelas resistências emer-

gentes. Porém, Silva & Salvino em

2000, dizem que um longo período

de hospitalização e o uso abusivo

de cefalosporinas de terceira gera-

ção são fatores de risco primordi-

ais para a disseminação de surtos

por bactérias produtoras de ESBL;

o que demonstra a divergência de

autores a respeito do uso indiscri-

minado de antibióticos como res-

ponsável pela múltipla resistência.

O papel do laboratório de mi-

crobiologia clínica é de extrema

importância para o diagnóstico,

visto que é a partir da análise do

antibiograma que o Clínico deve

prescrever o antimicrobiano ao

paciente. Se o Clínico prescrever

um antibiótico betalactâmico para

o paciente portador de uma infec-

ção por bactéria produtora de ESBL

poderá acarretar em falha terapêu-

tica, seja por erro do laboratório

que pode não ter detectado a pro-

dução da enzima ou por equívoco

do Clínico ao indicar uma droga

dotada de anel betalactâmico. As-

sim, o paciente não vai responder

positivamente ao tratamento e

pode ocorrer agravamento da in-

fecção, pois com a diminuição da

flora bacteriana normal (que pode

se demonstrar sensível ao betalac-

tâmico), certamente ocorrerá uma

diminuição da competitividade com

a flora normal a depender do sítio

anatômico da infecção.

Como a produção de ESBL pode

ocorrer espontaneamente, há a pos-

sibilidade dessa produção se eviden-

ciar no decorrer do tratamento. En-

tão, o paciente que estaria respon-

dendo positivamente à uma infec-

ção por uma bactéria não produtora

de ESBL, passa a demonstrar um

agravamento do quadro infeccioso

e ocorre recidiva da infecção. Uma

nova amostra do material clínico

pode detectar a presença da produ-

ção de ESBL, o que pode ser inter-

pretado como erro laboratorial.

As drogas que a totalidade

dos autores recomendam para o

tratamento das infecções por

bactérias produtoras de ESBL são

os carbapenêmicos (imipenem e

meropenem), por estas drogas

não sofrerem hidrólise pela

ESBL. No entanto, Kocazeybec &

Arabaci em 2002 encontraram

89,7% e 95,1% de sensibilidade

in vitro para imipenem e mero-

penem, respectivamente, em

185 cepas isoladas de enterobac-

térias. Para as espécies de Kleb-

siella a sensibilidade foi de

98,4% para imipenem e 100%

para meropenem. Já em Pseu-

domonas aeruginosa a resistên-

cia foi de 21,6% para imipenem

e 10,8% para meropenem, o que

demonstra uma maior resistên-

cia para as cepas de Pseudomo-

nas aeruginosa. Esta resistência

171NewsLab - edição 63 - 2004

NewsLab - edição 63 - 2004172

vem ocorrendo devido à produ-

ção de carbapenamases simul-

taneamente à produção de ESBL.

Assim, as drogas de escolha para

o tratamento de bactérias pro-

dutoras de ESBL passam a ficar

vulneráveis e a demonstrar uma

resistência até então desconhe-

cida aos carbapenêmicos. Estes

dados alertam para a necessida-

de do uso racional dos antibióti-

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Correspondência para:

Manuel Alves de Sousa Junior

Associação de Pais e Amigos dos

Excepcionais de Salvador - APAE SSA

Centro Médico e Laboratorial.

Laboratório de Análises Clínicas

Setor de Microbiologia

Rua Rio Grande do Sul, 545

CEP: 41830-161. Salvador. BA

E-mail: [email protected]

cos carbapenêmicos para preve-

nir a aparição de novos microor-

ganismos multirresistentes.

Como observado nas estatísti-

cas, bactérias produtoras de ESBL

vêm sendo isoladas de surtos no-

socomiais no mundo inteiro. Sur-

tos comunitários também têm

ocorrido e mesmo sendo com uma

freqüência menor possuem impor-

tância epidemiológica.

173NewsLab - edição 63 - 2004

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