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Legião de Mamon BIOSOFIA Para uma nova compreensão da Vida, do Universo e do Homem. O SOM E O NÚMERO O Som Criador Todas as Escrituras Sagradas, de Oriente a Ocidente, se referem a um Som inicial, fazedor de Mundos. No Ocidente, a versão bíblica nos diz que “No princípio era o Verbo, e o

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Legião de Mamon

BIOSOFIA

Para uma nova compreensão da Vida, do Universo e do

Homem.

O SOM E O NÚMERO

O Som Criador

Todas as Escrituras Sagradas, de Oriente a Ocidente, se referem a um

Som inicial, fazedor de Mundos. No Ocidente, a versão bíblica nos diz

que “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo

era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram

feitas por meio dele” (João, 1:1-3).

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Igualmente nas Cosmogonias mais orientais, o som (sabda, em

sânscrito) é o construtor da Manifestação (Sabda Brahman). No sistema

Vedantino, esse Som criador ou Palavra é Vâch. E mais a Ocidente, os

Gregos antigos tinham o designativo Logos para este mesmo conceito.

Contudo, Verbo, vocábulo de etimologia latina, é um termo sumamente

feliz para significar, precisamente, esse acto da Criação.

Gramaticalmente, Verbo é uma palavra com a qual afirmamos a

existência de uma acção, de um estado ou de uma qualidade que

atribuímos ao sujeito. É, pois, algo como uma extensão (activa) do (de

um) sujeito. Infere-se, daí, que o sujeito permanece abstracto e

imanifestado sem essa acção, que então o representa e torna manifesto.

Assim, de facto, o Verbo é a primeira expressão da Manifestação e o que

permite que ela se desenvolva.

O Verbo, neste sentido místico, metafísico, veio a antropomorfizar-se e a

integrar a tríade de figuras deíficas da Tradição Cristã – as três

“Pessoas” da Trindade (ou Unidade trina, de três aspectos) “Pai, Filho e

Espírito Santo” – fazendo-se corresponder ao “Filho” ou “Cristo”.

O mesmo sucedera nas outras culturas e, assim, segundo a alegoria do

Padma Purâna: “No princípio, Mahâ-Vishnu (o Grande Vishnu)(1),

desejoso de criar o mundo, converteu-se em três: criador, conservador e

destruidor. A fim de produzir este mundo, o Espírito supremo fez

emanar Brahmâ do lado direito do seu corpo; em seguida, a fim de

conservar o universo, produziu do seu lado esquerdo o deus Vishnu; e,

por fim, para destruir o mundo, do meio do seu corpo produziu o eterno

Shiva”(2), (3).

O equivalente deste Verbo, em sânscrito, é Vâch, que já mencionámos.

Vâch é a expressão concreta da Ideação Divina e, por conseguinte, a

“Palavra”. Figurativamente é também Sarasvatî, a consorte ou aspecto

feminino de Brahmâ, a deusa da Sabedoria e da eloquência. Nesta

conformidade, por sua vez, Sarasvatî é idêntica à Sophia dos Gnósticos

(é ela, nas diversas acepções, o Logos feminino, a Sabedoria Divina

personificada, a Virgem Celestial…). Diz o Mahâbhârata: “Vâch é a

celestial Sarasvatî produzida dos céus”, “uma palavra derivada do

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Brahmâ sem fala”.

No sistema vedantino, o Som que origina, permeia e sustenta todo o

Universo desdobra-se em 4 níveis, do mais subtil ao mais grosseiro e

material: 1º - Parâ ou Parasabda [parâ = transcendente, supremo, e

sabda = som], o Som Causal e insonoro; de Parabrahman, além do

Númeno e de todos os Númenos; 2º - Pasyantî, o próprio Logos; 3º -

Madhyamâ, a luz de Isvara (a luz do Logos)(4); a Duração, a

Permanência, a Eternidade; 4º - Vaikharî, a linguagem pronunciada ou

articulada; o som material e o Cosmos que conhecemos; o último estado

de densificação do Som causal.

O termo grego Lógos reveste o significado de “palavra”, “razão”, e os

antigos filósofos usaram-no no sentido de “Razão divina organizadora do

Mundo”. O seu equivalente latino é, pois, ratio (razão), oratio, verbum –

palavra, linguagem, expressão do pensamento. Por seu turno, os

semitas usaram o termo que lhes corresponde na sua respectiva língua

– “memra” –, neste caso como referente a Jeová, ou revelador da sua

presença. Nos Targums (as versões aramaicas do Velho Testamento), a

Memra (’imrah ou ’emrah) figura constantemente como a manifestação

do Poder divino, ou como Mensageiro divino em lugar do próprio Deus.

Nos Targums da Caldeia, esta Palavra de Jeová representa-o, falando e

actuando: “E eles ouviram a Palavra [Memra] de Deus caminhando no

Jardim [do Éden] na brisa da tarde e Adão e sua mulher esconderam-se

da presença da Palavra [Memra] de Deus, por entre as árvores do

Jardim…”. A Memra partilha a natureza de Deus e, ao mesmo tempo, é

o seu mensageiro.(5)

S. João aplicou o termo Logos a Cristo, o revelador do Pai, a imagem

visível do Deus invisível (posto que a Palavra é a exteriorização do

Pensamento – Divino e Universal, como também o individual).

O Som insonoro, o Som potencial

No Princípio, foi o Som que dividiu a Unidade, que produziu o dois ou

dualidade (6). E foi a dualidade que deu início à Consciência reflexa ou

de relação.

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A consciência (assim entendida) só existe no mundo fenoménico,

porquanto a consciência é uma efusão produzida por fricção. O Um é

designado “Nada” ou “Parâ” porque, não tendo onde se refletir (onde se

confrontar), não é essa consciência – de modo inapreensível para nós,

transcende-a, e simplesmente É, sem apêndices nem atributos (7).

Todo o Universo manifestado e todos os fenómenos são cadeias e

“arranjos peculiares” de vibrações. E é o Universo que é Consciência –

consciência precisamente originada pela efusão, pelo atrito, pela

estimulação da infinidade de vibrações. Tais vibrações são os Filhos

monádicos desse Um, seus desdobramentos incessantes… o Um

desdobra-se nos múltiplos.

A Sinfonia do Universo

O termo ‘logos’ igualmente “tomou o seu lugar na linguagem musical

grega, referindo a medida da cítara ou da lira (i.e., os trastos ou

travessões) onde a corda deveria ser pisada de modo a produzir uma

nota definida’(8)”. Este parece-nos um facto muito sugestivo. Os sons

puros (as 7 notas musicais, ou o que elas representam), que integram a

escala diatónica, são, na sua matriz, contenções de arquétipos que no

curso da Manifestação se desprendem e combinam infinitamente. E

esse Grande Septenário harmónico (matemático) é o que sustenta e

viabiliza a Manifestação dos mundos, a Lei do Ritmo operando por

detrás.

É dito que a escala musical hindu terá evoluído de 3 notas apenas (9)

para a escala de 7. Essas 3 notas detinham a chave da vocalização do

AUM, sendo que este Mantra, o mais sagrado de todos os mantras,

sintetiza e representa o poder da Trindade. As três letras do AUM

correspondem ao “Fogo Triplo”, respectivamente Agni ou Abhimânim

(Fogo ígneo) – ‘A’; Varuna ou Vishnu (Fogo aquoso, Águas do Espaço ou

Akasha) – ‘U’; Marut (Fogo aéreo, Espírito de Vida) – ‘M’.

Sendo o AUM o emblema da Trindade na Unidade, as 3 letras de que se

compõe representam ainda os três aspectos do Ser Supremo – Brahman

-, ou seja, o de Criador (Brahmâ – ‘A’), o de Conservador (Vishnu – ‘U’),

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e o de Destruidor/Renovador (Shiva – ‘M’). E assim, também,

naturalmente, Âtma, Buddhi e Manas.

Depois, as três evoluíram para sete, Sa – Ra – Ga – Ma – Pa – Dha – Na

(ou Ni-sa)(10), a escala sendo dividida em 22 intervalos ou srutis. O

sruti, ou intervalo micro-tonal, é a mais pequena diferença tonal entre

dois sons que pode ser distinguida pelo ouvido humano.

Cada uma das 7 notas musicais representa cada um dos 7 Rishis (os 7

Filhos Nascidos da Mente de Brahmâ) que transmitiram o conhecimento

sagrado à Humanidade. Diz a lenda que são os animadores (os espíritos)

das 7 estrelas da Ursa Maior, os quais, descendo à terra em forma de

cisnes, ancoraram no lago Mânasa-Sarovara (nos Himalaias) e aí

comunicaram o conteúdo dos Vedas aos mais merecedores entre os

humanos. As notas musicais, no seu substracto, são pois, cada uma

delas, uma potência – um som – subtil e sintético que, desdobrando-se

infinitamente, e concretizando-se em linguagem, constitui os Vedas e

todo o escol de conhecimento superior e sagrado.

A Revelação – As Escrituras Sagradas

Tomemos, de novo, o termo Sruti (literalmente em sânscrito, “o que é

ouvido”). Sruti (11) é um cânon de textos sagrados hindus. Não data de

um período estrito mas atravessa a história inteira do Hinduísmo,

começando com alguns dos textos sagrados mais antigos conhecidos,

estendendo-se aos mais recentes Upanishads. É dito que o Sruti não

tem autor humano; que é um registo divino dos “sons cósmicos da

Verdade”, ouvidos pelos santos Rishis em profunda meditação.

Considera-se que o Sruti é composto pelos 4 Vedas: o Rig-Veda (o

Cântico da Sabedoria), o mais antigo dos Vedas e o mais importante

conjuntamente com o Sâma-Veda (dele se diz que surgiu da boca do

próprio Brahmâ); o Yajur-Veda (Sabedoria do Sacrifício), o segundo em

antiguidade; o Sâma-Veda (a Escritura ou Shâstra da Paz), o Veda do

canto (no mais alto sentido da potência da música); e o mais recente, o

Atharva-Veda (Sabedoria dos Mantrams ou Fórmulas Mágicas).

Segundo reza o Ocultismo, os Vedas foram ensinados oralmente pelo

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espaço de milhares de anos e, só depois, copiados nas margens do lago

Mânasa-Sarovara.

O Som e o Número

O Som e o Número caminham enlaçados. Com efeito, os Antigos

postulavam que o Universo fora feito segundo os preceitos de razão e

medida. Acreditavam que uma Trindade Divina fora a matriz e o motor

que criara o Mundo. Essa Trindade, pressuposto comum e fundamental

de todas ou quase as religiões, era mais precisamente uma Unidade-

trina, a Unidade sob três aspectos distintos – criação/expansão;

sustentação/equilíbrio; destruição/interiorização/recolhimento.

Naturalmente, essa mesma matriz estava simbolizada na figura

geométrica do triângulo.

Para os antigos hindus, a matriz trinitária original cunhou e impregna

tudo o que existe, sendo o seu padrão director. Para os gregos, e

designadamente para Platão, três eram os triângulos que estariam na

base constitutiva dos arquétipos dos 4 Elementos, sendo estes quatro os

tijolos arquitectónicos de que fez uso o Grande Arqueu (o Demiurgo) na

Obra da Criação.

É sabido, mas mal compreendido, que na Antiguidade todos estes

conhecimentos matemáticos e muitos outros se regiam pela regra do

segredo. Refira-se que a Aritmética, a Geometria, a Música e a

Astronomia eram precisamente as ciências obrigatórias dos pitagóricos

(designadas Quadrivium) e consideradas os “quatro últimos Caminhos

das Sabedoria”. Na verdade, a regra do segredo tinha como fundamento

a percepção de que a Matemática sagrada veiculava um imenso Poder,

revelando as Leis Ocultas da Natureza e da Psique individual e

colectiva, sendo por isso imperativo preservá-la da posse dos profanos…

(12). É assim que as Cidades-Estado da Caldeia tiveram à frente dos

seus governos Reis-Sacerdotes (ou Reis-Magos) detentores desses

arcanos, bem como a linhagem “divina” dos primitivos faraós os utilizou

para fundar o seu reino.

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Muitos desses conhecimentos dos antigos, com efeito, parecem ter sido

verdadeiramente extraordinários. É o caso do Schem Hamaphoras.

Schem era uma fórmula de poder que insuflava vida ou o “pleroma”.

Jesus foi acusado pelos judeus de ter roubado este nome do Templo,

valendo-se de artes mágicas, e de empregá-lo para a produção dos seus

milagres.

Assim, o Tratado da Sinceridade do Rabino Moisés Takko (séc. XIII) diz:

“… E todos estes magos do Egipto, que haviam criado esses seres

[‘artificiais’], estudavam junto dos dáimones [génios] (13) ou por meio

de uma espécie de arte mágica, a Ordem das Esferas… e criavam o que

queriam. Pois bem, os Rabinos, que deles aprenderam e conheciam os

Mistérios, podiam criar um homem ou um bezerro: pegavam em terra…

pronunciavam sobre ela o ‘Schem’, e o ser era criado.

(…) Já no século X, corre a lenda da criação de homúnculos com recurso

à Séphèr Iétzirah mediante “grandezas geométricas” expressas em

letras retiradas dos Schem Hamaphoras (os nomes divinos do triângulo

sefirótico(14))”(15). Homúnculos são pequenos seres, réplicas ou

projecções da anatomia e psiquismo humanos, criados pelo homem por

meio de métodos espagíricos. Estes seres receberam também o nome de

Golem, herdado das lendas cabalísticas. Golem é uma derivação da

palavra “gelem”, que significa “matéria prima”. Na Bíblia, é empreque

no sentido de “embrião”, “pré-homem”, “substância incompleta”. O

salmo 139:16 usa a palavra “gal’mi”, significando “a minha substância

ainda informe”.

“(…) Da fase babilónica data, aliás, a obra “Schim Koma” (Medida da

estatura de Deus, tratando sobre medidas, formas precisas do corpo e

do rosto divinos…), mas o livro mais notável desta época é o Séphèr

Iétzirah (Livro da Criação), escrito em hebraico (na Síria,

provavelmente) cerca do século VI ou VII. (…) A influência gnóstica e

neopitagórica é patente: Deus criou o mundo por intermédio das dez

Potências ou Verbos chamadas Séphiroths e as vinte e duas letras do

alfabeto hebraico”(16).

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A imitação da obra de Deus – a Criação

O poder do uso da Palavra é um facto incontornável. A Palavra (o som)

sabiamente direccionada (alicerçada e dirigida pelo Conhecimento

Oculto) é um extraordinário veículo de poder, inclusive o poder de

animação, tanto a seres naturais quanto a seres artificiais.

Segundo a crença judaica, do mesmo modo que Deus criou o universo e

o homem a partir do substrato (da alma) das vinte e duas letras

hebraicas, os homens podem replicar o acto criador se conhecerem as

combinações adequadas. Nas palavras do filósofo e cabalista Augustín

Izquierdo, citadas na obra O Ritmo do Tempo, de Patrick Mimran: “… ao

princípio, a criação do Golem parece que apenas tinha um carácter

ritualista: acontecia como a coroação do estudo da Séphèr Iétzirah

empreendido por um grupo de pessoas. O ser artificial assim criado não

tinha nenhum objectivo prático. A sua realização destinava-se a pôr em

evidência o poder das palavras sagradas; o ser criado, a partir do barro,

era imediatamente destruído.

Só mais tarde surge o Golem como um ser independente, a que se

atribuem funções utilitárias, e que pode representar um perigo para os

que o rodeiam. Da lenda à ficção literaria, designadamente ao

Romantismo alemão, foi um passo…”.

Lê-se na Doutrina Secreta, de Helena Blavatsky: “Os homúnculos de

Paracelso são um facto na Alquimia e, muito provavelmente, sê-lo-ão na

Química”. E, em Ísis sem Véu, escreveu a mesma autora: “Existem

relatos circunstanciados da produção de alguns homúnculos, entre

outros os do famoso conde Kueffstein, camareiro da imperatriz Maria

Tereza, da Áustria. Este conde e o abade Geloni fecharam-se num

laboratório de convento na Calábria e, durante cinco semanas, dia e

noite, estiveram trabalhando com fornos acesos. Ao fim desse tempo,

conseguiram criar nada menos que dez homúnculos. O modus operandi

é descrito por Paracelso no seu tratado De Natura Rerum.”

O Espaço Vivente

Efetivamente, a Natureza é o grande Laboratório da Vida manifestada.

Nele fervilha a Consciência. O homem é um aprendiz de feiticeiro,

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mesmo nos seus mais ínfimos empreendimentos. Tateamos no aparente

invisível para sorvermos, gota a gota, algo da grande Sabedoria, porque

sabemos que ela ali se encontra. A evolução é uma imitação progressiva

de Deus.

Nesse aparente vazio, o Akasha, a Alma Universal, encontramos o

alimento espiritual que dá o ser a tudo o que é – do mais ínfimo grão de

pó ao deva mais grandioso, da pequena flor campestre ao sábio mais

elevado, das estrelas às galáxias… Nele estão ou rudimentos (os

princípios) de todas as coisas que são, que foram e que hão-de vir. Nele

estão os números de tudo o que é. Como dizia Platão, no Timeu, “a Alma

do Mundo é a matriz a partir da qual a composição de todas as

proporções matemáticas é repercutida no Mundo Sensível por acção da

inefável providência de Deus”.

Esta mesma realidade os Pitagóricos reverenciaram e simbolizaram na

figura fundamental da Tetraktys. “O diagrama de pontos da Tetraktis foi

para os membros da Confraria Pitgórica um símbolo esotérico tão

importante como o pentagrama, que era a sua ‘contra-senha’ secreta.

Evocando a Tetraktis, os membros prestavam juramento solene de não

divulgar nunca os seus segredos matemáticos. Jâmblico reproduziu a

fórmula do juramento: ‘Não, juro por Aquele que transmitiu a Tetraktys

à nossa alma, em Quem se encontra a fonte e a raiz da eterna

Natureza’. E estes são os termos da oração pitagórica dirigida à

Tetraktys: ‘Abençoa-nos, Número Divino, tu que engendraste os deuses

e os homens! Oh, santa, santa Tetraktys, tu que encerras a raiz e a fonte

do fluxo eterno da criação! Pois o número divino se inicia pela unidade

pura e profunda, e alcança em seguida o Quatro sagrado; depois

engendra a mãe de tudo, que une tudo, o primogénito, o que não se

desvia jamais, que não se cansa jamais, o Dez sagrado que detém a

chave de todas as coisas.” (17)

“Os resultados do estudo dos intervalos musicais foram as matemáticas

pitagóricas, especialmente a teoria das proporções, posteriormente

desenvolvida por Platão. Com efeito, os gregos não comparavam as

frequências vibratórias das cordas, que eles não haviam medido, e sim

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os seus comprimentos, o que equivalia ao mesmo (frequências e

comprimentos são inversamente proporcionais); a teoria resultante dos

intervalos musicais e das suas proporções podia depois transferir-se

directamente ao estudo de proporções entre quaisquer magnitudes

lineares. Voltamos a encontrar aqui a Tetraktys e uma das razões da sua

importância no facto de que a progressão 1, 2, 3, 4 traduz as principais

relações dos intervalos da gama diatónica: o de 4 a 2 ou de 2 a 1 a

oitava, o de 3 a 2 a quinta, e a presença do número 5 = 3 + 2 ou

Pêntada, sublinhando a importância da quinta da qual deriva a gama

diatónica pitagórica. Cabe, pois, dizer, com Delatte que: ‘A Tetraktys é o

conjunto dos quatro números cujas relações representam os acordes

musicais essenciais’”(18).

Por outro lado, a Tetraktys encontra uma curiosa equivalência com o

esquema da Árvore da Vida (o Ootz Chim hebraico) ou Árvore das dez

Sephiroth (de sephira = número) uma vez que esta evoca o

desdobramento da Década, do Um do Absoluto ao 10 da Manifestação.

Segundo o já referido Séphèr Iétzirah (Livro da Criação): “Dez são os

números saídos do Nada, e não o número nove; dez e não o número

onze. Compreende esta grande sabedoria, entende este conhecimento,

investiga-o, reflecte sobre ele, torna-o evidente, e reconduz o Criador ao

seu Trono”.

Assim se desdobra em Quatro Planos ou Mundos a Trindade ou Tríade

superior.

A Tetraktys, compreende, ainda, três triângulos menores, simbolizando

os níveis do Ser, 1+2, 1+3, 1+4, nestas cifras se contendo a chave do

triângulo da Criação, o famoso Triângulo Perfeito (ou Triângulo Áureo),

dito “de Pitágoras”, de proporção 3, 4, 5. Contudo, os Egipcios, já

anteriormente o haviam eleito como o triângulo da perfeição. Conta-nos

Plutarco, na sua De Iside et Osiride: … os Egípcios representavam a

natureza do Todo Universal como o mais belo triângulo. (…) Esse

triângulo apresenta a parte vertical, como tendo três comprimentos,

uma parte de base de quatro comprimentos e uma hipotenusa de cinco

comprimentos (…). Poderá comparar-se a linha vertical ao elemento

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masculino, a linha de base ao feminino, e a hipotenusa ao que deles

nasceu, e assim, ter-se Osíris como a origem, Ísis como a concepção, e

Hórus como o nascimento [ou o Filho]”. Com efeito, também para os

Pitagóricos, os números 3, 4 e 5 – cuja soma é 12 (o número das

Hierarquias Criadoras) – teriam presidido à formação do Cosmos e da

Criação (19).

Newton, um pontífice da Sabedoria dos Antigos

A despeito do seu grande e incontestável valor, Isaac Newton pouco

mais fez do que (meritoriamente, sublinhamos) ressuscitar e interpretar

a Ciência dos Antigos. Todo o seu trabalho foi fundado no estudo

minucioso do legado daquyeles sábios. No Manuscrito de Portsmouth,

conservado pela Royal Society de Londres, diz ele: “‘Que a matéria

consiste de átomos era uma muito antiga crença. Este era o

ensinamento de uma multidão de filósofos que precederam Aristóteles,

nomeadamente Epicuro, Demócrito, Ecfanto, Empédocles, Xenócrates,

Asclépidos, Diodoro, Metrodoro de Quios, Pitágoras e, previamente a

estes, Moschus o Fenício, de quem Estrabão declara ser mais velho do

que a guerra de Tróia. Pelo que eu penso do mesmo modo, fundado

nessa mística filosofia que chegou aos gregos do Egipto e da Fenícia,

porquanto átomos são por vezes designados mónadas, pelos místicos.

Porque os mistérios dos números. bem como do restante dos hieroglifos

se inserem na mística filosofia” Newton prossegue dizendo que são

estas ‘sementes imutáveis’ que asseguram que ‘as espécies e os

objectos estejam conservados na perpetuidade’.

(…) Por que proporção a gravidade decresce por distanciamento dos

Planetas, os antigos não deixaram suficientes indicações. Contudo, a ela

parecem ter aludido através da música das esferas celestes,

designadamente o Sol mais os seis Planetas, Mercúrio, Vénus, Terra,

Marte, Júpiter, Saturno, relacionando-a com Apolo e a sua Lira de sete

cordas (20) e medindo o intervalo das esferas em função do intervalo

dos tons musicais. Assim, eles alegavam que ‘sete tons’ foram trazidos à

existência, a cujo conjunto chamaram o diapasão da harmonia, e que

Saturno foi movido pelo som [phthong] Dório (21), ou seja, o grave (-

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pesaroso), e os restantes planetas por mais agudos [como Plínio relata,

de acordo com Pitágoras], e que o Sol vibra, faz soar, as cordas (22).

Por esta razão, Macróbio diz: ‘a Lira de sete cordas de Apolo provê o

entendimento dos movimentos de todas as esferas celestes acima das

quais a Natureza colocou o Sol como regente’. E Proclo, [no seu

Memorandum] sobre o Timeu de Platão: ‘… O número sete, eles

dedicaram a Apolo como aquele que abarca todas as sinfonias e, assim,

eles costumavam chamá-lo Deus o Hebdoma’getes, o que significava

Príncipe do número Sete. Semelhantemente, na Preparação do

Evangelho, de Eusébio, o Sol é chamado pelo oráculo de Apolo, o rei da

harmonia dos sete sons. Mas, por meio deste símbolo, eles indicavam

que o Sol, pela sua própria força de tensão, age sobre os Planetas

naquela proporção harmónica das distâncias, segundo a qual a força de

tensão actua sobre cordas de diferentes comprimentos, ou seja,

inversamente na razão dobrada das distâncias. Pois a força pela qual

uma mesma tensão actua numa mesma corda de diferentes

comprimentos é a recíproca do quadrado do comprimento da corda. (…)

já que Pitágoras, como Macróbio admite, esticou intestinos de carneiros

e tendões de bois, neles pendurando variados pesos e, a partir daqui,

estabeleceu as proporções da Celeste Harmonia”. De forma muito clara,

num testemunho de Conduitt, seu amigo e biógrafo, Newton confirma a

sua plena rendição à sabedoria de Pitágoras e revela, inequivocamente,

a fonte das suas inspirações: “‘… e eu pensei que a música das esferas

de Pitágoras tinha a intenção de tipificar a gravidade e que, assim como

ele faz os sons e as notas dependerem da medida das cordas, assim a

gravidade depende da densidade da matéria…’”(23).

Janelas para o infinito…

Também a Ciência moderna tende a regressar ao Pitagorismo. Com

efeito, em múltiplas áreas vem ela debruçando-se, com nova atenção e

respeito, para elementos e factos, legados pelos Antigos, que antes

desprezava como sendo parte de uma mística inconsistente, própria da

“infância” da humanidade.

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No âmbito da Geometria, uma exploração recém encetada são os

fractais, complexos modelos gráficos “com implicações inestimáveis em

domínios tão diversos como a compressão de imagens, a arte visual, a

música, até aplicações financeiras…(24)”. Tais modelos, frequentemente

de uma estética belíssima, constituem poderosas janelas que nos

revelam um mundo de possibilidades arrebatadoras, orientando-nos

para universos insondados cujas fronteiras, à semelhança das velhas

mandalas, apenas místicos e ioguis haviam logrado transpor e

contemplar. Para o vulgo, é hoje mais acessível perspectivar a coerência

de um Universo em que o Infinitamente Pequeno (25) é réplica perfeita

do Infinitamente Grande… e verificar o alcance do velho axioma “Como

Em cima, assim Abaixo”.

Na actualidade, deleitamo-nos com estes maravilhosos fractais, que nos

acenam com sugestivas promessas… No entanto, os seus protótipos

pitagóricos e platónicos ainda permanecem como os mais reveladores,

designadamente o assim chamado “Triângulo Sublime”, tão caro a

Pitágoras, de que aqui nos socorremos. Neste triângulo, o factor 1,618 –

dito “Número de Ouro” ou “Divina Proporção” (26) – é o elemento

director (Ver Diagrama 4).

O Triângulo Isósceles dito “Sublime” e a sua espiral logarítmica

de pulsação radial 1,618.

Entre os primitivos hindus, figurativamente, o 3 [através de Brahmâ, o

Construtor] projecta-se nas 4 direcções do Espaço [plasmando o

Septenário cósmico] e dá origem às 12 Hierarquias Criadoras (27).

Na figura podemos apreciar como, tendo como ponto de partida um

minúsculo triângulo, desabrocham e se foram construindo mais

triângulos, idênticos ao primeiro – mantendo sempre a “razão áurea”

entre os seus lados (já que a base do primeiro se converte na base do

seguinte, e assim sucessivamente…). Podemos entrever a espiral – que

cresce e se delineia, por entre os vértices dos triângulos sucessivos

(28). Esta é a famosa espiral de Fibonacci, que se verifica ser uma

chave ordenadora e multiconstrutora na arquitectura da Natureza.

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Sobre ela, já nos detivemos em anteriores ocasiões em artigos de

edições anteriores desta Revista (29).

Este triângulo é o instrumento-modular que integra o “Pentagrama

Estrelado” ou Estrela de 5 Pontas pitagórica. Por outro lado, a sua base

é o lado de um decágono (D) inscrito num círculo que, por seu turno,

tem por raio (E) o seu lado maior, o que compreende e revela, de novo,

a “Divina Proporção”, E/D=1,618. Para os pitagóricos, o “Número de

Ouro” rege a chamada “Harmonia das Esferas”, em cujos fundamentos

a ciência renascentista, em especial Johannes Kepler, ancorou,

reabilitando a antiga ciência da mecânica celeste.

O Triângulo Sublime é o símbolo da Evolução humana – do homem para

Deus, do homem rumo à sua condição divina.

A espiral

A espiral assenta numa estrutura trinitária (no início da Manifestação, o

primeiro impulso terá gerado o triângulo). Na alegoria do Rig-Veda,

Vishnu é descrito cruzando aos saltos as sete regiões do Universo em

três passadas [configurando o primeiro impulso trinitário] e permeando

todas as coisas com a essência dos seus raios de luz.

Vishnu (o símbolo do curso da Manifestação) é a personificação da

qualidade Sattva (30) (Sattva tem numerosas acepções: estabilidade,

duração, equilíbrio, ritmo…). Nesta conformidade, outra imagem

iconográfica representa-o descansando sobre a serpente Ananta (“sem

fim”), símbolo da eternidade (31). Deve-se notar que a serpente é

também a espiral – do tempo e do espaço infinitos.

No que a este último concerne, a Física admite e reconhece, hoje, a

propriedade ondulatória do espaço. Assim, o próprio som se propaga em

sentido espiralado: a sua viagem é “ondulatória”. De novo, Vishnu [a

Voz do Pai, Brahmâ] é representado exibindo numa das mãos uma

concha; a concha – a espiral – que contém a potência (e esquema

virtual) do Manvantara.

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Diz-se em A Doutrina Secreta que “o Akasha é o Espaço Universal em

que está imanente a Ideação eterna (…) e do qual procede o Logos, ou

seja, o ‘Verbo’ ou ‘linguagem’ no seu sentido místico” (32). O Akasha é o

upadhi (i.e., o veículo, a forma externa, manifestada) da Mente Divina e

é, sob outro aspecto, Kundalinî – assim, de novo, a imagem serpentina…

Curiosa, no mínimo sugestiva, é a própria constituição do sistema

auditivo. No ouvido interno, a cóclea é uma espiral (muito semlhante a

uma concha de caracol ou do náutilo) constituída por um tubo ósseo

enrolado sobre si próprio. Este tubo é, por sua vez, estrutural e

funcionalmente trino (tri-seccionado e trifásico). A própria anatomia

externa do aparelho auditivo humano conforma uma estrutura

espiralada, o pavilhão (as orelhas).

No Universo físico, as formas – quaisquer formas – não são aleatórias. A

sua configuração obedece a padrões internos de ressonância

(relembremos que o Akasha é o continente dos arquétipos de todas as

coisas e de todas as possibilidades). A Geometria não é mais do que a

forma visível do alinhamento de números… No incomensurável universo

dos números, cada função, cada propósito, na Natureza, configura uma

série restrita, específica, de números. Um ser organizado (uma pedra,

um animal, um homem…) é, pois, um aglomerado vastíssimo de

complexos desses números. Na imensa variedade de espécies animais

existentes, por muito que aparentemente divirjam entre si, não é

decerto fortuito que (por exemplo) praticamente todos tenham os olhos,

o nariz, a boca, os ouvidos, na mesma disposição relativa; a cabeça num

extremo do corpo; os órgãos respiratórios, de nutrição, de reprodução,

dispostos equivalentemente, etc.. Na vida orgânica, tudo o que tenha

um ou mais elos comuns, propósitos similares, percursos evolutivos

partilhados, parece ser regido por definidas leis estruturantes

(morfológicas, psicológicas, funcionais, etc) igualmente comuns.

Entretanto, a dissemelhança existe – é absolutamente necessária – neste

universo em que os contrastes geram consciência; mas estas

assimetrias vivem dentro de grandes Simetrias, cujo acorde, lenta mas

inexoravelmente, as conduz, as afina, as eleva a patamares superiores

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de consciência comungante, a novas identidades comuns. O ritmo está

para o tempo assim como a simetria está para o espaço, e nesta grande

Sinfonia Cósmica tudo converge para o UM.

Passo por passo, as Grandes Simetrias percorrem um caminho de

progressiva descristalização, porquanto, acreditamos, a verdadeira

Harmonia não tem forma…

Isabel Nunes Governo

Vice-Presidente do Centro Lusitano de Unificação Cultural

—————————

1) Em alguns dos Purânas, como este, Vishnu é o Supremo Deus.

2) Nos Vedas, inicialmente, essa trindade era composta por Vâyu, Sûrya

ou Savitri, e Agni, que mais tarde se fizeram correrponder,

respectivamente, a Brahmâ, Vishnu e Shiva. E no Pancavimsa Brahmana

é dito, numa sugestiva exposição do acto divino da Criação, muito

semelhante, aliás, à versão Judaico-Cristã: “… Quando as Águas ficaram

maduras [na sua sazão] para a concepção, Vâyu pôs-se em movimento

sobre a sua superfície. E eis que nelas surgiu uma coisa belíssima:

Mitra-Varuna contemplou-se a si próprio, e nelas viu-se a si mesmo,

reflectido [paryapasyat]”.

3) Podemos ler no Glossário Teosófico, de Helena Blavatsky: … Vishnu é

o Prajâpati (criador) e supremo deus. Como tal, reúne em si três

condições: 1ª, a de Brahmâ, o Criador activo; 2ª, a do próprio Vishnu, o

Conservador, e 3ª, a de Shiva ou Rudra, o poder destruidor.

4) Segundo Megasthenes, “os Brachmanes da Índia (precursores dos

Brahmanes) afirmavam que Deus é luz, mas não aquela luz que vemos

com os olhos, não aquela que o sol esplende, mas que era a [energia da]

Palavra; porém, que por este termo não queriam significar a linguagem

articulada mas sim a linguagem da Razão, pela qual os mistérios ocultos

do Conhecimento são entendíveis ao homem sábio”.

Diz a Tradição esotérica que os Brachmanes foram os primeiros

filósofos, teólogos e legisladores desta nossa civilização ária. Deles, e

dos seus Conhecimentos Ocultos, os gregos derivaram o Orfismo e

respectivos Mistérios – não sendo Orpheu outro senão Arjuna. Todos os

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preceitos de inofensividade e vida puríssima predicados por Orfeu eram

os mesmos abraçados pelos Brachmanes. Igualmente de acordo com

Megasthenes, estes santos homens “abstinham-se em absoluto dos

sacrifícios animais e de comer qualquer carne animal, subsistindo

apenas de frutos, que não retiravam das árvores mas esperavam que

caíssem no solo; e que unicamente da água do rio Tagabena

[hipoteticamente o Tungabahadra]. Andavam com muito pouca roupa e

diziam que o corpo físico havia sido dado por Deus para revestir a

alma…”.

5) Os targumistas foram ainda mais longe e estenderam o significado

deste termo referindo-o ao Messias que havia de chegar.

6) “Vâch é a personificação mística da linguagem e o Logos feminino,

sendo uno com Brahmâ, que a criou de uma metade do seu corpo, que

dividiu em duas partes” (Glossário Teosófico).

7) Cusiosamente, dizia Clemente de Alexandria: “o Filho [ Verbo] é a

Consciência de Deus. O Pai só vê o mundo conforme este é reflectido no

Filho”.

8 ) Josephus Lusitanus, in “Sophia e as Musas”, Biosofia nº 4.

9) Originalmente o Sâma-Veda era cantado em padrões musicais bem

definidos, sendo que, nos seus hinos, eram utilizadas apenas 3 notas.

10) Esta antiquíssima notação passou dos brâmanes da Índia para os

persas, e destes para os árabes e para algumas tribos nómadas, como a

dos ciganos. Na Grécia Antiga, Pitágoras, considerado o Pai da Escala

Diatónica de 7 tons no Ocidente, terá colhido esse ensinamento nos

Mistérios dos Brachmanes da Índia, Mistérios esses que tendiam,

sobretudo, à instrução da classe sacerdotal. Sustenta a Maçonaria que

foram os Brachmanes quem legou aos egípcios o conteúdo dos seus

Ritos e Mistérios. Na Índia, Pitágoras ficou a ser chamado

Yavanâchâria, “o Mestre Jónio”. Por volta do ano 1000 da nossa era,

Guido Darezzo, um monge italiano, recuperou e rebaptizou aquela

notação septenária (a partir das iniciais de uma litania cantada em latim

pelas crianças do coro da Igreja) na forma que nós conhecemos: Ut

(depois Dó) – Ré – Mi – Fá – Sol – Lá – San (depois Si).

11) A designação Sruti distinguiu os Hinos Védicos e, posteriormente,

também os Brahmanas, de todos as outras obras que, sendo embora

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consideradas sagradas e fazendo autoridade para o pensamento hindu,

se admite terem sido concebidas por autores humanos. As Leis de

Manu, por exemplo, não são Revelação; não são Sruti, mas apenas

Smriti, Recolecção ou Tradição. Os Brahamanas foram escritos em

sânscrito védico e o período da sua composição é geralmente chamado

de idade ou período Brahmânico. Eles são essencialmente comentários

dos Vedas, explicitando o ritual védico. Cada Brahmana é associado com

um dos quatro Vedas e, na tradição desse Veda, com uma shakha ou

escola particular.

12) “O último dos faraós indígenas, Nectanebo (360-350 A.C.) foi,

segundo a tradição grega, o mais versado em ciências ocultas e o mago

mais poderoso entre todos os soberanos do Egipto. Os malefícios

mediante figuras de cera, a criação de seres vivos artificiais,

desempenharam um importante papel nos ensaios mágicos do seu

círculo íntimo. O emprego das figurinhas Ushabti, duplos do morto, etc,

está (mas, aqui, como magia benéfica) aparentado com estas práticas; a

técnica da criação de homunculi pela insuflação de pneuma e inserção

de uma palavra mágica escrita no boneco de argila passou tal e qual à

Cabala hebraica por meio do Séphèr Iétzirah ou Livro da Criação, e

constituiu a origem das lendas de criação de homúnculos na Idade

Média, especialmente de todo o ciclo do Golem de Praga” (El Número

de Oro, I-II, de Matila C. Ghika, Editorial Poseidon).

13) No passado, por vezes esta designação “Dáimones” tinha mesmo o

sentido de os Chitkala ou Pitris do esoterismo hindu, noutras o de Devas

ou da Essência elemental superior. O “génio” (ou dáimon) de Sócrates

era tido como o seu “Eu-superior”. No Banquete, Platão assim se

expressa: “Prenchendo o intervalo que separa o homem de Deus, os

Dáimones unem-no ao grande Todo. É deles que procede toda a ciência

divinatória, toda a arte sacerdotal dos sacrifícios, das iniciações, dos

encantamentos, de toda a alta Magia e de toda a Goécia”.

14) O Triângulo sefirótico é uma década triangular, em escala

ascendente, composta de 10 nomes divinos. É a decomposição mágica

do Tetragrama inexpressável, o Schem Hamaphoras (ou Schem ha

mephorasch, literalmente, “o nome divino inexpressável”), IHVH,

condensação da força oculta divina, que os profanos pronunciam Ia Hvé

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H ou Ié Ho Va H.

15) El Número de Oro, de Matila C. Ghyka, Editorial Poseidon, Buenos

Aires, 1968.

16) Idem.

17) Philosophie et mystique du nombre, de Matila C. Ghyka, Editions

Payot & Rivages, 1952.

18) Idem.

19) Relativamente a esta trilogia, “3, 4 e 5”, também Vitruvius, o mais

célebre arquitecto da Roma antiga, defendia que a arquitectura dos

templos deveria tomar por base a analogia com um corpo humano

perfeitamente proporcionado, o qual é harmónico em todas as suas

partes. Nesses termos, ele considerava que o comprimento de um

templo deveria ser o dobro da sua largura, e as proporções do vestíbulo

aberto e da câmara fechada interna deveriam guardar a relação 3 – 4 –

5, sendo 3 a profundidade do vestíbulo, 4 a largura, e 5 a profundidade

da câmara.

20) A Lira da alegoria de Apolo não é outra que a de Orfeu, a célebre

Phorminx, a qual, depois da sua morte, foi levada para o grande Templo

da Apolo, onde permaneceu por largo tempo universalmente admirada.

Diz a fábula que um certo dia foi roubada por Neanthus, com a

cumplicidade de um sacerdote. Quando este quis tocá-la para obter os

mesmos maravilhosos prodígios que Orfeu, dela só conseguiu extrair

sons horrorosamente dissonantes. Foi, então, atacado e despedaçado

por cães selvagens que ficaram enraivecidos pelo efeito de tais sons de

pesadelo. Com este episódio os fabulistas quiseram significar que

quando o Conhecimento sagrado cai nas mãos dos profanos e é

prevertido, o mal destrói-se a si próprio e àqueles que o perpetraram.

Sobre a phorminx, disse Helena Blavatsky ser o “Mistério séptulo da

iniciação”.

21) Muito sugestivamente é este termo aqui empregue: phthong (som,

palavra verbalizada), de phthalein, pronunciar, criar som pela palavra.

O mesmo acontece com o termo Dório, na acepção de “o dom de Deus”

(da raiz grega doron, que significa “dom”).

22) Ver a alusão, acima, à origem do termo “logos”, para os trastos das

cordas dos instrumentos musicais.

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23) In “The Pipes of Pan”, de J. E. McGuire e P. M. Ratta

24) “… Enquanto a geometria euclidiana trabalha com objectos que

existem num número inteiro de dimensões (a linha, numa dimensão; a

elipse, em duas dimensões; a esfera, em três dimensões, etc.), a

geometria fractal está relacionada com objectos (fractais) que existem

em dimensões fraccionárias. Um fractal é uma figura geométrica

irregular, gerada por um algoritmo matemático simples e que, para

além de ter dimensão fraccionária, tem outra importante propriedade:

as imagens muito ampliadas dos fractais são essencialmente

indistinguíveis da versão não ampliada. Ou seja, o fractal é invariante

relativamente à escala, propriedade conhecida por auto-semelhança.

Como se conclui, essa propriedade da invariância de escala permite

conhecer a estrutura do todo pela ampliação da parte e mesmo tomar

essa parte como unidade de construção do objecto global, embora, à

primeira vista, parecesse que não, pelo facto de a unidade de

construção ser muito mais simples do que a figura final. A geometria

fractal põe, assim, em interacção, numa harmonia que era difícil de

adivinhar, o carácter imprevisível e aleatório de um resultado, e a

ordem e simplicidade do algoritmo que o gera! Além disso, mostra que o

simples pode, afinal, gerar o complexo!” (Liliana Ferreira, “Enigmas da

Ciência”, Biosofia nº 20).

25) No âmbito do infinitamente pequeno, novos ramos da ciência, novas

tecnologias revolucionárias, despontam agora. É o caso das

Nanociências, nas quais se estima que para cima de 20 000 cientistas

estejam hoje directamente envolvidos em projectos de pesquisa, e um

número igualmente significativo em diversificados empreendimentos,

cujo denominador comum é produzir e controlar, à escala atómica,

novos materiais artificiais sintéticos. Foram já desenvolvidos

dispositivos tão minúsculos como uniões magnéticas, caixas e sistemas

de convexidade quânticos, transístores nos quais se pode controlar o

movimento de electrões um a um… No campo da Biologia, as promessas

são infindáveis, como, aliás, se poderá inferir pelas conquistas já

realizadas em torno do ADN. Novas espécies começam agora a ser

produzidas (o que inicia, paralelamente, o levantamento de novas

questões bioétcas), como, no Japão, um sapo totalmente transparente,

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com a finalidade de facilitar o estudo e a observação do crescimento de

tumores.nsi (Notes and Records of the Royal Society of London, Vol. 21,

Nº 2).

26) Leonardo Da Vinci baptizou-a por “Secção Áurea”, e dela fez uso

sistemático na sua arte. Kepler, no seu escrito Mysterium

Cosmographicum, chamou-a “a Jóia da Geometria”… Trata-se de uma

constante real algébrica irracional com o valor arredondado a três casas

decimais de 1,618. Este número está intimamente envolvido com os

processos do crescimento. Phi (e não Pi [π], quociente da divisão do

comprimento de uma circunferência pela medida do seu respectivo

diâmetro), como é designado o “número de ouro”, está presente na

arquitectura estrutural de múltiplos organismos marinhos (conchas, por

exemplo, do nautilus, da architectonia nobilis, do hippopus hippopus),

dos seres humanos (o tamanho e a proporção entre si de determinados

ossos do esqueleto), do mundo vegetal (na disposição das folhas e talos

de numerosas plantas, bem como na configuração de corolas de

flores…), etc, etc. No âmbito da Astronomia, para além de se patentear

no posicionamento relativo dos corpos do sistema solar, estamos

convictos de que igualmente determina o tipo de espiral descrita pelo

sol no seu movimento sideral.

27) Neste passo, a figura do Dodecaedro – o mais sagrado de todos os

poliedros e que integra todos os outros 4 – é o paradigma da Quinta-

Essência (o Akasha), mãe dos arquétipos dos 4 Elementos. Considerado

por Platão como o símbolo da Harmonia Universal, representa a

amplificação, a três dimensões, da simetria pentagonal e da potência da

“Secção Dourada”. Para ele, o 12 é o número radical do Espaço; o

Dodecaedro é o número estrutural do Universo. Entre os Pitagóricos, a

alusão e mesmo a pronúncia do nome do Dodecaedro fora do seu círculo

interno, eram rigorosamente interditos. Muito se poderia acrescentar

sobre esta figura extraordinária. Não caberia, porém, no âmbito restrito

deste artigo.

28) Registe-se que os comprimentos dos lados de cada dois triângulos

sucessivos se dispõem sempre na razão áurea.

29) Nomeadamente, os nºs 7, 9 e 10.

30) No equilíbrio da Manifestação, constituído pelos três Gunas (Rajas,

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Sattva e Tamas), Brahmâ simboliza a qualidade Rajas (actividade, o

arranque, o que espoleta a Manifestação), e Shiva a qualidade Tamas

(contra’acção, recolhimento).

31) Ananta, exotericamente também um epíteto de Vishnu, representa,

do ponto de vista esotérico, o upadhi de Vishnu (seu veículo).

32) Com efeito, a propriedade característica do Akasha é o Som.

para uma nova compreensão da Vida, do Universo e do

Homem.

COMO SOMOS FEITOS…

COMO SOMOS FEITOS…

“A alma humana é como um lago que se comunica com o mar por meio

de um canal submerso; embora aparentemente o lago esteja cercado

por terra, o seu nível de água

baixa ou se eleva com as marés, por obra dessa conexão oculta. Ocorre

o mesmo com

a consciência humana: existe uma conexão subterrânea entre as almas

individuais e a

alma do mundo, e essa comunicação se processa profundamente,

confinada nos

escaninhos mais primitivos da consciência…” (Dion Fortune)

As palavras de Dion Fortune acima citadas constituem uma narrativa

pictórica sumamente feliz para retratar a nossa ligação com o Divino,

em termos não só essenciais e de identidade mas, também, funcionais.

Somos feitos à imagem e semelhança do Divino – Carne da Sua Carne

[Substância] e Sangue do Seu Sangue [Vida]. Temos potencialmente em

nós todo o Organismo Cósmico (1) – tal como é figurado na simbologia

fundamental das diversas filosofias e cosmogonias de todas as latitudes

e de todas as eras.

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——————————

1) Por muito assombro que esta noção possa provocar, temos impresso

em nós o Propósito ou Plano Divino, de que somos co-obreiros (ou

construtores-maçons…). Temos impressas em nós a Rota e a Missão

cosmológicas, o Funcionamento e as Leis que governam os Mundos,

todos os Mundos que existem uns nos seios de outros…

Natureza Holística do Universo

Tudo se repercute, tudo se comunica no Universo. Num grupo, o avanço

evolutivo (uma habilidade) conquistado por uma unidade de vida é uma

conquista patrimonial efectiva do Todo e transfere-se geneticamente

para esse mesmo Todo. Esta, por incrível que possa parecer, é uma

evidência cada vez mais assumida por grande números de

investigadores.

Num trabalho do biólogo Rupert Sheldrake sobre o que chamou de

“ressonâncias mórficas”, citado por Sylvia Cranston (2), podemos ler o

seguinte: “… Foi solicitado a diferentes grupos de pessoas na América

do Norte e na Inglaterra que aprendessem três canções de embalar

japonesas, de curta extensão, uma delas bem conhecida há várias

gerações por crianças japonesas. As outras duas canções foram

compostas de modo que se parecessem com a primeira, mas eram

desconhecidas no Japão. A canção tradicional resultou mais fácil de

aprender. Outros testes usando palavras estrangeiras, metade reais e

metade alteradas, foram dadas a pessoas que não conheciam a língua.

Novamente, as palavras reais foram mais fáceis de aprender. Foram

feitas experiências semelhantes com o código Morse e no teclado de

uma máquina de escrever, dois padrões aceites e estabelecidos de modo

generalizado há mais de uma centena de anos. Em ambos os casos, as

correlações e sequências já estabelecidas foram mais fáceis de aprender

do que as outras que haviam sido criadas…”.

De igual modo, verifica-se, sem margem para dúvidas, e de modo

generalizado, que as novas gerações – inclusive as crianças pequenas,

que ainda não sabem ler “instruções” – têm claramente uma maior

aptidão (em relação à anterior) para tudo o que diga respeito à

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informática, a jogos de computadores, ao funcionamento de telemóveis

e quaisquer maquinarias electrónicas. Tal se deve, presumivelmente, à

recente conquista gradual, mas efectiva e massiva, destas tecnologias,

dos seus funcionamentos e dos seus conceitos. Uma aprendizagem

inovadora de muitos é incorporada subjectivamente pela constituição

genética da vaga dos que lhes seguem temporalmente.

———————–

2) … no seu livro “Helena Blavatsky - A Vida e a Influência

Extraordinária da Fundadora do Movimento Teosófico Moderno”,

Editora Teosófica, Brasília, 1997. Rupert Sheldrake foi o descobridor

dos campos morfogenéticos.

Estas exposições, se bem que representativas e de enorme relevância,

referem apenas aspectos que se processam horizontalmente, num

mesmo Plano de existência. No Cosmo, não obstante, essas

transferências de energia e de significados percutem-se entre o Macro

(o Universo) e o Microcosmo (o Homem), bem como entre diferentes

Planos.

“O Todo contém a parte e a Parte contém o todo”, diz uma consagrada

fórmula ocultista. O homem – o Microcosmo – é o reflexo e a réplica do

Macrocosmo, com os seus Planos (e subplanos) septenários. Também o

homem possui sete princípios ou corpos, cada um deles focalizado e da

mesma substância-vida de cada um dos Planos do septenário cósmico.

Os três superiores constituem a “contraparte divina” no homem, a

Trindade imperecível, dita espiritual, Âtman (Espírito), Buddhi

(Sabedoria Intuitiva) e Manas (Mente; neste caso, a natureza superior

de Manas, a Mente Abstracta). Os outros quatro, que conformam o

chamado “Quaternário inferior”, são de natureza (mais) material e

corruptíveis (3). Este Quaternário constitui a nossa, assim chamada,

“Personalidade”, e é composto dos princípios Sthûla-sharîra (o corpo

físico); Linga-sharîra (duplo-etérico ou duplo-astral, o corpo das causas

formativas, que modela, energiza e sustém o corpo físico. Configura

uma espécie de estrutura reticular electromagnética que vivifica e

provê coesão às partículas físicas constituintes) e o Prâna, que ele

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veicula; Kâma-rûpa (corpo dos desejos, instintos e paixões animais);

Manas inferior (veículo da mente intelectiva, concreta).

—————–

3) Em todas as culturas (e no inconsciente colectivo da humanidade), o

quaternário (o 4) é o símbolo, por excelência, da matéria.

No homem encarnado, esse quaternário está replicado, sintetizado e

representado no 7º (a contar de cima; 1º a contar de baixo) dos chakras,

o Mûladhâra (chakra Fundamental, ou da Raiz). Os chakras são centros

de força que afloram no duplo-etérico/astral e proporcionam a ponte

entre o veículo físico do homem e os seus veículos (e respectivos

Planos) superiores. O nome sânscrito “chakra”, que significa “roda” ou

“disco”, é por vezes substituído por “lótus”, pois, na verdade, eles se

assemelham a corolas de flores, com diferente número de pétalas

conforme o chakra, e com um pedúnculo que radica no tronco ou eixo

espiritual: o Sushumnâ. O Sushumnâ é o eixo vivificante de todo o ser

encarnado e compreende e percorre o conduto espinal (que lhe

corresponde no Plano Físico). É ladeado, à direita, pelo nadî (conduto)

de energia positiva Pingalâ, e, à esquerda, pelo conduto de energia

negativa Idâ. Cada chakra tem correspondência com cada um dos

Princípios do Septenário.

Para os estritos efeitos que nos ocupam neste estudo, falaremos, em

particular, e somente, do chakra Fundamental. Este, como já dissemos,

representa e sintetiza as qualidades e atributos (bem como as

conquistas evolutivas do Homem-colectivo, a Humanidade) da

personalidade reencarnante – o Quaternário inferior. É por isso que

possui 4 pétalas, que mais não são do que (cada uma delas) uma

concentração energética provinda de cada um dos Planos do

Quaternário inferior, com a sua peculiar “nota-chave”. Essas “notas-

chave” são os modos como a energia “vibra” e “ressoa” na passagem da

energia Kundalinî,, quando esta percorre ascendentemente o Sushumnâ

(disto, falaremos adiante) e, nessa conformidade, encontram

representação em determinadas letras (sons) que, na língua sânscrita,

se dizem Vam, Sham, Sham e Sam.

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No Universo Manifestado a Consciência Divina assume dois pólos ou

aspectos: Shiva, o aspecto positivo, e Shakti, o aspecto negativo (4).

Shakti, o pólo negativo e dinâmico, é a Grande Mãe do Universo, por ela

tudo vindo à existência. Nos seres humanos, essa Energia universal

particularizada recebe o nome de Kundalinî; no entanto, este vocábulo

tem frequentemente o sentido cósmico (da Shakti). Kundalinî, a fonte da

geração e da regeneração, pode também, numa certa perspectiva, ser

identificada com a Mente Universal. Com efeito, é a Mente que está na

raiz da Forma.

Assim, no centro do chakra Fundamental radica, adormecida, a

serpente cósmica Kundalinî. Através de práticas adequadas (de que são

depositários Grandes Sábios, que as preservam da leviandade de

simples curiosos incautos) e/ou da natural e consequente expansão da

consciência que se produz no homem virtuoso e “espiritualizado” –, essa

expansão pressiona para cima e corresponde ao despertar da serpente

adormecida, que irrompe e se ergue pelo eixo espiritual Sushumnâ até

alcançar o “lótus das mil pétalas”. Desde a mais remota ancestralidade,

nas representações pictóricas do chakra Mûladhâra, figura, então, o

Svayambhû, o lingam de Shiva, com a serpente em seu redor, enroscada

três vezes e meia, numa alusão à segunda metade, ou metade evolutiva

da Manifestação Septenária (composta de Involução, ou descida do

Espírito na Matéria, e Evolução, ou subida da Matéria ao Espírito) (5).

Mûladhâra reúne todas as potências recolhidas dos Planos superiores,

que se constituem em impulso para a grande Ascensão espiritual. É,

deste modo, o centro que possibilita a regeneração ou 2º nascimento.

————————-

4) Shiva e a sua Shakti, a Luz e a sua própria sombra (anverso ou

contra-imagem, abhâsa), que Aquela reabsorve, no final dos tempos,

promovendo-se a Grande Unidade.

5) Svayambhû é o Espírito Universal. É um termo que significa o auto-

gerado.

É também um epíteto de Brahmâ, bem como um símbolo de todo o Deus

ou Potência Criadora. Assim, Sarasvati é a shakti de Brahmâ (de onde

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proveio o nome patronímico de Abraão, com sua esposa Sara). Sarasvati

é a energia, emanada de Brahmâ, que criou os mundos.

Kundalinî fez-se corresponder, em muitos mitos e deambulações

imagéticas das religiões exotéricas, como tentadora (portadora do fruto

proibido da Sabedoria), no mito hebraico-cristão do livro do Genesis;

como a redentora, na concepção gnóstica (a serpente com as “7 vogais”

sobre a sua cabeça…); como as numerosas ctónicas-fertilizadadoras,

celtas, escandinavas, eslavas, mediterrâneas, ameríndias, orientais…

(em simbiose e indistinção, por vezes, com as celestes-fecundantes: na

China, por exemplo, profundamente enraizada na mitologia popular, a

energia da vida é figurada na baba do dragão-serpente (6) que fecunda

as mulheres). No mito hebraico, ela eleva-se, sinuosa, percorrendo (em

espiral) o tronco da árvore [o tronco da árvore humana, i.e., o

Sushumnâ] até chegar à cabeça do homem para lhe segredar promessas

de “Sabedoria” e “Vida Eterna” [ascendendo ao Sahasrâra, o chakra

coronal, o radioso lótus das mil pétalas, como promessa viva de

“Consciência e Vida Eterna”].

O chakra Fundamental (símbolo do corpo terrestre e da “personalidade,

quádrupla”) reflecte o estado de harmonização de todos os

componentes da “personalidade” encarnante – e apenas quando este

“chão” se torna digno, a semente do Espírito pode brotar e elevar-se nos

céus (ao Sahasrâra). A terra do filósofo, regada pelo alento solar (de

Pingalâ) e pelo alento lunar (de Idâ) tornou-se um terreno fértil, onde os

elementos (Terra, Água, Ar e Fogo) se volveram harmónicos, e em que a

árvore Bo (7) deu os seus frutos iluminados.

——————

6) A palavra dragão foi herdada do grego “drako”, que significa

serpente.

7) A Árvore Bo foi a árvore sob a qual, segundo a tradição, Buda atingiu

a iluminação.

Os Tijolos da Matéria Física

No lótus Mûladhâra está indelevel e latentemente registada, impressa,

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a memória do percurso da Humanidade (não nos esqueçamos que o

homem não é apenas o seu corpo físico, o corpo que se vê…).

Entretanto, esta realidade subjectiva transfere-se e coagula-se na

componente física do ser humano. Todo o património de aquisições

biológicas – morfológicas, funcionais, psicológicas e mentais – da

Humanidade está registado no seu “Código Genético”. A estrutura

fundamental desse registo, no Plano Físico, é o ADN – a molécula básica

da vida biológica – com os seus quatro pilares de construção: Guanina,

Citosina, Timina e Adenina.(8). Cada um destes pilares constituintes

traz consigo uma semente subjectiva e uma missão impulsionadora que

produz definidos e específicos efeitos no Plano Físico. Cada um é

portador de prolíficos códigos – como se fossem finíssimos e

multicoloridos fios que, de forma exímia e combinada, conformarão o

grande Painel animado que representa cada existência física, pleno de

imagens e significados. De forma integrada, eles dotarão cada ser que

nasce de específicas habilidades e qualidades potenciais. Cada um deles

e o seu conjunto propenderão o seu psiquismo, o seu temperamento, a

sua natureza intelectual, as suas características físicas (9).

———————-

Estas, são bases nitrogenadas que se aliam, cada uma delas, a uma

molécula de desoxirribose (açúcar) e a um ácido fosfórico para formar

um nucleotídeo, principal base das cadeias polinucleotídeas que, por

sua vez, formam o ADN (ácido desoxirribonucléico). É a ordenação

dessas bases nitrogenadas que define a informação genética de que o

ADN é portador. Os maiores dos genes possuem 100.000 pares de letras

mas, em média, eles agrupam cerca de 40.000 pares.

9) Com efeito, cada célula do homem (e dos demais seres vivos)

transporta dentro de si uma incomensurável “biblioteca” – o ADN. Esta

biblioteca possui cerca de 30.000 “livros” – os genes –, cada um deles

replicando as informações necessárias para a preservação das

características da espécie e para a definição das características

individuais, bem como para o pleno funcionamento biológico. O ser

humano comporta no seu organismo biológico cerca de100 trilhões de

células.

Page 29: BIOSOFIA

Na verdade, as letras Vam, Sham, Sham e Sam são apenas símbolos, as

formas grosseiras de uma realidade mais subtil a que se denomina

Mâtrikâ. Sob essa conformação grosseira, elas são o som positivo,

Shabda, detentor de potencialidade criadora (10). Elas encontram ainda

correspondência com os 4 elementos filosóficos: Fogo, Ar, Água e Terra.

——————-

10) É dito, ainda, que as letras Vam, Sham, Sham e Sam são a essência

e as sementes espirituais dos 4 Vedas - Vam, do Rig-Veda; Sham, do

Yajus-Veda; Sham, do Sâma-Veda, e Sam, do Atharva-Veda -, bem como

das 4 Yugas: Satya, Tretâ, Dvapâra e Kali. “Veda”, no seu sentido

original, é a ideação divina no tocante à criação dos mundos, cujos

conteúdos foram parcialmente revelados aos Grandes Rishis do passado

e incarnados nos 4 Vedas.

Por outro lado, e agora no sistema Cabalístico hebraico, todas as

atribuições místicas quádruplas fazem-se corresponder às 4 letras do

Tetragrammaton, Yod, Hé, Vau, Hé, o Nome Sagrado que usualmente se

traduz por Jeová, e, ainda, aos “Quatro Mundos Cabalísticos” (Atziluth,

Briah, Yetzirah, Assiah), com toda a inerente riqueza de correlação de

significados e qualidades potenciais.

Como já dissemos, outra síntese representativa que se configura no

chakra Mûladhâra (ao qual corresponde a Sephirah Malkuth) é a do

“Quaternário inferior” (a que correspondem as 4 Sephiroth inferiores:

Yesod, Netzach, Hod e Malkuth), e dele constitui o ponto focal.

E, no Islão, a Palavra Criadora (a equação cósmica divina) é Kalimat

Allah. As quatro consoantes deste mantra – K, L, M, T – simbolizam a

manifestação quaternária da Unidade primeira, sendo esta expressa na

tríade de vogais A, I, A (em que se oculta o nome inefável de ALLAH).

No Plano Físico, estas unidades primárias constituintes (funcionando

como pontos focais de energias específicas) devem, necessariamente,

estar imbuídas dos impulsos fundamentais, geradores e multiplicadores

de definidas qualidades. Certas qualidades agrupam-se formando “pares

complementares” ou “pares funcionais”, cujas unidades são

essencialmente representativas de: Energia-Força (Função) / Forma

Page 30: BIOSOFIA

(Morfologia); Anabolismo/Catabolismo. Deste modo, se combinam e

fazem corresponder:

Vam – Sham = Guanina – Citosina;

Sham – Sam = Timina –Adenina.

Subindo a Escada Espiralada – o Movimento Ondulatório do

Espaço

O modo de movimento que subjaz a toda a Manifestação é espiralado.

Não existem rectas no Universo – apenas curvas, que integram espirais.

Esse Movimento Subjectivo Cósmico, Impulso radical ou Alento Divino

(o Espírito Santo, da teologia judaico-cristã), que é a matriz de toda a

evolução tanto nos seus aspectos subjectivos como objectivos, marca e

define a orgânica cosmológica (astronómica), as rotas espirais de todos

os astros e galáxias. No Microcosmo, no homem (designadamente), a

expressão básica de vida confirma e alinha-se nesta predisposição

espiral – a matriz da vida biológica é a celebrizada “escada helicoidal”,

o ADN. Com efeito, a molécula do ADN apresenta-se como uma escada

torcida sobre si mesma. Os degraus desta escada são os pares de bases

nitrogenadas guanina + citosina, timina + adenina.

O ADN, na sua estrutura, afigura-se a um andaime objectivo, que se

desenvolve e se escora progressivamente na estrutura íntima da

Substância subjectiva (da Vida/Consciência Universal). No correr deste

prodigioso andaime biológico, nós encontramos, pontilhados, os

mesmos marcos simbólicos, veículos da mesma vitalidade e prenhes dos

mesmos e profundos significados. Afigura-se-nos que o Propósito da

Vida não pode deixar de nele estar implícito e progressivamente

assinalável, à medida que nos elevamos nos degraus da

Vida/Consciência. O universo é holístico, por natureza. Os seus fios

invisíveis vão, de facto, tornando-se paulatinamente aparentes, à

medida que vamos cumprindo e concretizando na Forma esse Macro

Propósito Divino – como num decalque. “Oculto numa bolota, existe um

carvalho com suas bolotas, e, oculto em cada uma destas, existe um

carvalho com as suas bolotas”, afirmava o cabalista MacGregor

Page 31: BIOSOFIA

Mathers. Numa Maré ascendente, o Oceano da Vida, Divina e Universal

(por obra dos seus actores, as miríades de seres que povoam a

Manifestação Objectiva dos Mundos) é iluminado progressivamente

(evolutivamente) pela Consciência, nela se subsumindo.

Em termos espirituais, a subida da Kundalinî, desde o chakra

Mûladhâra até ao chakra Sahasrâra (no topo da cabeça), replica no

Microcosmo (o homem) o que a Evolução Colectiva (dos Mundos e da

Humanidade) consubstancia na Caminhada peregrina desde este Plano

mais inferior (o Universo Físico), percorrendo todo o Septenário em

sentido ascendente até à Reassunção final na Luz do Uno, no termo do

Manvantara. Na aura, ladeando o Sushumnâ (o eixo ou conduto

espiritual por onde se eleva a Kundalinî), de um e outro lado, correm

paralelamente dois outros circuitos. Por eles passam respectivamente

as correntes positiva (à direita), e negativa (à esquerda), as correntes

magnéticas designadas “do Sol” e “da Lua”(11). Na verdade, de forma

mais precisa, é todo um hemicilindro (um semitubo) direito que é

carregado positivamente, e todo um hemicilindro esquerdo que é

carregado negativamente. Este factor, importantíssimo, é transferido

para a sua correspondência material: existe uma espécie de tubo virtual

por dentro do qual corre a “dupla espiral” do ADN. Também este campo

tubular é carregado positivamente num dos lados, e negativamente no

outro. Nesta conformidade, os diferentes centros de energia (que as

bases ‘G’, ‘C’, ‘T’, ‘A’ representam) situados no correr de cada

extremidade da “dupla hélice” são ciclicamente actuados positiva e

negativamente. Disto deriva que uma dada “potência” essencialmente

negativa, quando se encontra na contraparte negativa do tubo, está, por

assim dizer, “potenciada” nos seus efeitos e consequências; e que,

quando se encontra na contraparte positiva, está “deprimida” – e vice-

versa. Por outro lado, na definição das codificações e instruções

genéticas, o seu posicionamento (das unidades de cada par), ora numa

dada orientação, ora na outra (invertidas), ao longo dos dois

“corrimãos” da escada, também as faz assumir uma actuação, ora

positiva, ora negativa, das suas qualidades, no cômputo integrado da

leitura global.

Page 32: BIOSOFIA

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11) Sushumnâ, e as correntes solar, Pingalâ (à direita) e lunar, Idâ (à

esquerda) das filosofias da Índia correspondem, respectivamente, ao

Pilar do Equilíbrio, ao Pilar da Misericórdia (ou da Compaixão) e ao

Pilar da Severidade (ou da Justiça) da Árvore da Vida (ou Árvore

Sephirótica), da Cabala hebraica. A filosofia chinesa igualmente

representa esta tríade fundamental: Yin e Yang são, respectivamente, os

princípios negativo e positivo do Universo e das unidades que o

constituem, e Tao (ou Caminho) é o centro de equilíbrio entre eles.

É precisamente o carácter eléctrico dual e alterno do Universo e da

Manifestação que produz o movimento espiral e efusivo, bem como os

movimentos de contracção e expansão.(12) Sem dualidade não haveria

Evolução. Sem dualidade não haveria Manifestação.

———————-

12) À imagem de um eterno Pêndulo Cósmico, a energia de fundo (o

Akasha) vibra e traça diferentes direcções, tornando-se ora positiva ora

negativa e determinando a grande Lei da atracção e repulsão. Esse

facto cria as linhas de força da própria substância (Prakriti). É o grande

dinamizador cósmico que anima e faz crescer tanto uma pedra como um

ser humano, e que está na origem misteriosa dos movimentos de sístole

e diástole do coração na vida física animal. Na verdade, o Akasha é

Kundalinî, visto por outro aspecto.

Como assumirmos a nossa Divindade?

No decurso das Idades, diversas foram as metodologias formuladas pela

Humanidade a fim de facilitar e guiar o destemido buscador no

desbravamento desse Caminho. Nos Antigos Mistérios das diversas

civilizações – Hindu, Egípcia, Hebraica, Grega… –, os candidatos à

Iniciação no “Conhecimento Sagrado” eram guiados para conquistar

“passo por passo”, “degrau por degrau”, os Altares (o septenário Altar)

do Espírito.

Para a Civilização ocidental, porém, um dos métodos mais habilitados e

poderosos, e que se mantém vivo até aos nossos dias, é o método

cabalístico hebreu. Quando entendido e devidamente vivenciado, ele

Page 33: BIOSOFIA

constitui um Guia rigoroso, de transcendente iluminação nos Caminhos

insondados entre os Véus da Grande Mãe.

A “Árvore da Vida” é um símbolo eloquente, animado e impregnado de

Vida (perdoe-se-nos a propositada redundância). Nele estão

representados o Macro e o Microcosmo, e por seu intermédio é-nos

fornecida a possibilidade de realizarmos as devidas pontes entre ambos

– o que, na prática, corresponde à transferência de fluxos definidos de

energia cognitiva –, por um processo efectivo de mapeamento dos

abstractos (e aparentemente vazios) Caminhos, para lá das fronteiras do

Mundo Físico.

A Meditação pelos Caminhos da Árvore

Para o místico investigador, este empreendimento não é uma aventura

inconsequente, sem regras nem condições: implica disciplina,

despojamento material (purificação, purgação) e uma empenhada

canalização de esforço e energia numa direcção aparentemente árida, e

não isenta de perigos. É um caminho solitário – não é necessário dizê-lo.

E é nessa solitude que o caminhante peregrino congrega energia,

progressivamente mais e mais energia qualificada e inteligente (que ele

próprio assimila e torna individualizada – cunhada pelo seu próprio

diapasão). Essa é a sua bagagem espiritual, que o legitima e lhe abre

sucessivamente as portas de cada etapa do Caminho Ascendente. É ela

a sua palavra-chave, a sua “palavra-de-ouro”, que leva os Guardiões a

franquearem-lhe cada Secreto Portal.

Isabel Nunes Governo

Vice-Presidente do Centro Lusitano de Unificação Cultural

O caminho para Felicidade

Page 34: BIOSOFIA

Para uma nova compreensão da Vida, do Universo e do

Homem

O CAMINHO DA FELICIDADE

“Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”

Sócrates (470 a.C. – 399 a. C.)

Auto-Conhecimento, Auto-Identificação, Auto-Realização e Auto-

Ajuda

Desde o primeiro momento em que o assunto do presente artigo ficou

definido, e, em particular, à medida que reflectíamos sobre ele e sobre o

modo como deveria ser abordado, mais e mais foi ficando óbvia a

necessidade de esclarecer, logo à partida, os conceitos de auto-

conhecimento e auto-identificação por um lado e de auto-realização e

auto-ajuda por outro, destrinçando-os claramente uns dos outros.

Porque neles, na sua investigação aprofundada, na correcta

compreensão daquilo que, de facto, significam e das suas diferenças, se

encontra uma achega importante para um melhor entendimento daquilo

em que consiste o Caminho da Felicidade, onde pode ser encontrado e,

como e quando, começar a ser percorrido.

Comecemos pelo primeiro par: auto-conhecimento e auto-identificação.

O Que Pensamos Ser … Que Afinal Não Somos

No nível humano, na esmagadora maioria dos casos, aquilo que cada

indivíduo pensa de si próprio, a que vamos chamar auto-identificação –

pois que é mesmo disso, e somente disso, afinal, do que se trata –, tem

pouco, ou nada, a ver com o tal auto-conhecimento (do ser) de que

falava Sócrates, aquele que dá acesso à ciência dos “deuses e do

universo”.

O que uma pessoa acha que é, a maneira como se percebe, aquilo com

que se auto identifica – apesar dos denominadores comuns que se

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constatam –, difere muito de caso para caso, de acordo com o nível de

consciência, cultura, sociedade e convicções da mente de cada um (1).

A diversidade é total. Uns consideram-se mais de acordo com o género

(homem ou mulher); outros sobretudo pela sua cor, nacionalidade,

crença, continente ou região de origem (branco, preto, português,

porto-riquenho, cristão, islâmico, agnóstico, europeu, asiático, nortenho

ou latino); alguns “honram” pai e mãe, uma profissão, uma dada moral,

um qualquer padrão social mais ou menos volátil no espaço e no tempo

ou mesmo uma certa ética mais fraternal e universalista (filho de e de,

médico, engenheiro, bom ou mau, poderoso ou fraco, organizado ou

não, perfeito ou inadequado). Isto ou aquilo, conforme se sintam mais

identificados, seguros ou engrandecidos.

A juntar a isto, todas estas disparidades são, ainda, amplamente

multiplicadas pelo facto de que mesmo a ideia que cada um tem de si

próprio pode mudar ao longo da vida (e muda constantemente, tantas

vezes quando menos se espera), à mercê das transformações que vão

ocorrendo. Como disse um grande instrutor dos nossos tempos: “um

desgosto, a perda do trabalho, um insulto, e a sua própria imagem,

aquilo a que você chama uma pessoa, muda profundamente” (2).

E essas coisas, tão diferentes, tão impermanentes e, quase sempre, tão

antagónicas não podem, evidentemente, dar acesso ao tal

conhecimento/sabedoria que desvela os segredos das divindades e dos

cosmos, a que se referia o filósofo. Não podem, pelas mesmas razões,

conter nenhuma veracidade plausível.

De facto, as concepções que cada um tem acerca de si próprio,

consequência de ideias puramente pessoais e ilusórias, não

correspondem minimamente à realidade:

• São, apenas, fruto de padrões sócio-culturais adquiridos, mentalmente

estruturantes, “impostos” à pessoa de maneira, regra geral, subtil e

inconsciente, que ficam visceralmente entranhadas e, por isso,

assumidas pela esmagadora maioria como verdades óbvias, ou mesmo

absolutas – que, na verdade, não são.

Page 36: BIOSOFIA

• São, além disso, transitórias, mutáveis, meramente subjectivas,

reflectindo aquilo que é a mente da personalidade em cada momento,

nomeadamente os seus conceitos e as suas memórias (3).

Sobre tal, testemunham, lapidarmente, as palavras do Senhor Buda ao

afirmar que: “Todas as coisas são precedidas pela mente, guiadas pela

mente e criadas pela mente. Tudo o que somos hoje é o resultado do

que temos pensado. O que pensamos hoje é o que seremos amanhã; a

nossa vida é uma criação da nossa mente” (4).

Quem somos Nós

Diz a Filosofia Perene que não somos nenhuma das coisas do eu inferior

com que nos identificamos e que, na medida dessa identificação, nos

controlam na íntegra, sobretudo através da mente, impedindo-nos de

perceber a nossa verdadeira natureza.

O ser ilimitado que é cada um de nós, a nossa verdadeira identidade,

aquele que nunca nasce e nunca morre, não pode ser percebido no nível

mental. E porque as palavras são da mente e não vão além dela, esse

ser (superior) só pode ser descrito em termos negativos, ou seja,

através daquilo que não é (e que, geralmente, julga que é) (5).

É através do entendimento daquilo que não somos, e com que,

geralmente, nos identificamos (e a que nos apegamos): o corpo, a mente

e seus objectos – percepções, conceitos, memórias, pensamentos,

desejos, emoções, medos, associações mentais – e da desidentificação

com eles, que despertaremos e chegaremos ao conhecimento dessa

verdadeira natureza que levará à efectiva compreensão dos “deuses e

do universo” (6).

Neste sentido atente-se ao que nos diz, embora de forma algo velada,

Helena Blavatsky, quase logo a abrir o seu livro A Voz do Silêncio:

“Aquele que quiser ouvir a voz do Nada, o Som sem som, e compreendê-

la, terá de aprender a natureza do Dharana. Tendo-se tornado

indiferente aos objectos da percepção, deve o aluno procurar o Raja dos

sentidos, o produtor de pensamentos, aquele que acorda a ilusão. A

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Mente é a grande assassina do Real. Que o discípulo mate o assassino”

(7).

E, sublinhe-se, é mesmo somente através da investigação da pessoa que

não somos, “dos seus motivos e do resultado das suas acções” (2) e da

desidentificação com ela, que é possível chegar à libertação dos desejos

e dos medos, ao auto-conhecimento, à auto-realização, à paz, à alegria e

à felicidade que buscamos incessantemente fora de nós, nos piores

sítios, quando, na verdade, só no ser real ela pode ser encontrada: aqui,

dentro de nós, onde, afinal, sempre esteve à nossa disposição. Em mais

nenhum sítio e de nenhum outro modo pode ser descoberta!

Sobre isto, assinala Helena Blavatsky, na sequência do texto acima

referido: “Porque quando para si mesmo a sua forma parece irreal,

como o parecem, ao acordar, todas as formas que ele vê em sonhos;

quando deixar de ouvir os muitos, poderá divisar o Um – o som interior

que mata o exterior. Então, e só então, abandonará ele a região de Asat,

o falso, para chegar ao reino de Sat, o verdadeiro” (7).

Auto realização e Auto Ajuda

Quanto às chamadas técnicas de auto-ajuda, ou mesmo as técnicas de

ajuda psicológica assistidas por terapeutas ou afins, não proporcionam,

nem nunca poderão proporcionar, ao contrário do que algumas vezes se

julga, nada de minimamente semelhante.

Sem embargo de poderem mitigar problemas de “inadequação” ou

situações de stress mais agudas, essas técnicas não têm coisa nenhuma

a ver com auto-realização. São (ainda) outro ponto de vista

completamente diferente.

Limitam-se a operar no âmbito da personalidade e dos seus assuntos –

onde a consciência que se vai tendo da realidade é previamente filtrada,

medida e pesada pelas nossas memórias e padrões que, assim, se

constituem no factor determinante do valor e da coloração que damos

aos factos (bom ou mau, certo ou errado, feio ou bonito, etc., etc., etc.).

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Aqui, neste fervilhar de ideias e conceitos, não se pode ouvir “a voz do

Nada”.

Aquilo que estas práticas de ajuda procuram (e podem) fazer (e estamos

a pensar no seu melhor), é alguma “harmonização” das tensões mais

insuportáveis que se estabeleçam entre os vários conceitos,

condicionamentos, desejos intensos, tendências e modelos que se

antagonizam ou incompatibilizam no seio de uma mesma personalidade

que a eles, de uma maneira ou doutra, foi afiliada, e que tornam difícil,

ou mesmo muito angustiante, a vida corrente do sujeito em que o

conflito se instala.

Nessa “harmonização”, no máximo, o que se pode encontrar (e não

negamos que possa ser muito), é a diminuição das ansiedades

constituídas e alguma estabilização da pessoa através do seu encontro

com uma nova “verdade” (mental e sócio-cultural) que a “reprograme”

de forma mais “coerente” e a preserve, dentro de limites que lhe sejam

psicologicamente aceitáveis, das contradições, das dúvidas e das

incertezas.

Só que estas “novas verdades”, mesmo que de um patamar superior,

são ainda do nível da personalidade (embora muitas vezes,

lamentavelmente, rotuladas de “esotéricas” ou mesmo “espirituais”) e

não pode haver estabilização permanente neste plano, onde a

“felicidade” se procura através do “prazer” do encontro com as “coisas”

de que se “gosta” e do evitar da “dor” do defrontar as “outras coisas” de

que se “não gosta” – incapazes que somos de, serenamente, “deixar que

chegue o que vem, e deixar ir o que se vai” (2).

A este tipo de “felicidade/prazer” sempre estiveram, estão e estarão

ligados os medos e os desejos que trazem consigo, inevitavelmente, o

sofrimento. Prazer e dor são uma parelha que jamais pode ser separada,

e a felicidade (que é espiritual) não pode ser encontrada nos assuntos

da personalidade.

O Caminho da Felicidade. Onde, Como e Quando

Page 39: BIOSOFIA

Onde

Procurar a felicidade no nível da pessoa, faz lembrar a anedota do

homem embriagado que procurava a moeda perdida debaixo do

candeeiro de iluminação pública: não fora ali que a tinha perdido, mas

só ali dispunha da luz que, julgava ele, lhe permitiria encontrá-la.

Esta estratégia não leva, evidentemente, a lado nenhum. Não é possível

encontrar a moeda no sítio onde ela não está. Não é possível encontrar

a felicidade na personalidade, nem através dos seus padrões mentais,

nem na satisfação dos seus desejos, nem em coisa nenhuma do seu

campo de acção. Só pode ser achada onde foi perdida, no nosso ser real,

que é paz e que é amor.

E para se encontrar esse ser, que é também consciência pura, eterna,

imutável e vazia de pressupostos, tem de se ir além da pessoa e “além

da mente que divide e cria os opostos [Kama-Manas], permitindo que

apareça uma `outra mente´ [Buddhi-Manas – a mente superior ao

serviço da Intuição] que una e harmonize” (2).

Como

E a maneira como se vai além da personalidade e do seu mundo, dizem

todos os Mestres e toda a Tradição, é através da desidentificação com

ela. Este é o único caminho para a evolução espiritual.

Ouçamos o grande instrutor que foi Sri Nisargadatta Maharaj, o que ele

diz e aconselha:

- “ O mundo real está além do alcance da mente; nós vemo-lo através da

rede dos nossos desejos, divididos entre dor e prazer, bom e mau,

interno e externo. Para ver o Universo como ele é, você precisa de ir

além da rede…Olhe a rede e as suas muitas

contradições. Você faz e desfaz a cada passo.

Você quer paz, amor, felicidade, e não pára

de criar dor, ódio e guerra. Você quer

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longevidade e abusa da alimentação, quer

amizade e explora os outros. Veja a sua rede

feita de tais contradições e elimine-as; o fato

de vê-las, fá-las-á desaparecer.”

- “Veja como funciona, observe os motivos e os resultados das suas

ações. Estude a prisão que construiu em seu redor, por inadvertência.

Ao conhecer o que você não é, chegará ao conhecimento de si próprio”

(2).

O que é essencial é aquela meia dúzia de práticas que se recomendam e

vemos sempre repetidas pelos mais sábios: Investigar-se,

incessantemente, a si próprio; observar os fatos, o como e o porquê das

emoções e dos pensamentos que com eles vêm e vão – e a artificialidade

das suas verdadeiras origens; ser, o mais possível, consciente e

desapegado; ser sério e persistente na busca; e ir, crescentemente,

inserindo os princípios na prática do dia a dia. O resto é com cada um e

tem que ir sendo descoberto pelo próprio. Escreveu Helena Blavatsky

que “O caminho é um para todos os meio de chegar à meta deve variar

de peregrino para peregrino” (8).

Não se esqueça de se investigar

Todo dia terá coisas para melhorar

Se você se acha sábio demais

Bom demais

Cheio de beleza, de certeza que esta sempre certo,

que muita sua fé, então está vazio, por que não

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pode ser, se estivesse realmente cheio, não teria

problema em evoluir.

Quando

No que respeita ao quando começar, estou convicto de que um processo

de desidentificação com a personalidade pode ser iniciado mais cedo do

que, geralmente, se imagina.

Pois se é verdade que a capacidade de desencadear um tal

procedimento depende, pelo menos em larguíssima medida, de uma

consciência mental bastante evoluída – onde se perceba, minimamente,

que, no nível da subjectividade em que vivemos, não há senão verdades

possíveis, que “a realidade” é uma construção mental, que “os

significados” dependem dos contextos, e que a cognição não deve

privilegiar excessivamente uma perspectiva única –, é também verdade

que, a partir do momento em que este tipo de consciência esteja

disponível, se tornará inútil e redundante procurar reforçar o grau de

compreensão mental das coisas, havendo que enveredar, em vez disso,

o mais rapidamente possível, pela desidentificação com a pessoa que

não se é – a tal única saída do plano da mente, em direcção ao estrato

superior do ser – e nesta tarefa concentrar todos os esforços.

Nesse sentido vai o alvitre que Helena Blavatsky nos faz: “E tendo

aprendido a tua Ajnana, abandona a Sala da Aprendizagem” (7) .

Consideremos seguir a sugestão!

Vítor Martins

———————————————————–

(1) – No texto, a palavra “mente” e suas derivadas são utilizadas no

sentido da expressão sânscrita “Kama-Manas”, que designa o conjunto

da mente e das emoções influenciando-se mutuamente. Este conjunto,

em que a Humanidade, em geral, está focalizada é, usualmente, dirigido

pela vertente emocional.

Page 42: BIOSOFIA

(2) – Sri Nisargadatta Maharaj (1897-1981) – Transcrito do livro “Eu

Sou Aquilo – Conversações com Sri Nisargadatta Maharaj” – Editora

Advaita, Brasil.

(3) – O mundo das pessoas é mental. É, como dissemos, falso, limitado,

relativo, mutável e tem, apenas, a realidade que a mente de cada um lhe

“emprestar”. Mas, apesar disso, em cada plano de consciência esse

mundo de ilusão acaba por se constituir, para todos os efeitos práticos,

numa verdadeira “realidade” para as pessoas que a ele pertencem e

dele partilham: a única “realidade” a que têm acesso enquanto se

mantiverem nesse nível de compreensão.

(4) – “Dhammapada (caminho da lei) ” – I-1

Este tratado de doutrina budista, atribuído ao próprio Senhor Buda,

está editado em língua portuguesa (do Brasil) pela Editora Pensamento,

em tradução e adaptação do Dr. Georges da Silva.

(5) – Fique, no entanto, claro que não podendo a nossa verdadeira

individualidade ser experienciada, percebida ou conceptualizada, sem

ela, por outro lado, não pode haver nem experiências, nem percepções,

nem conceitos.

(6) – Sendo que, o entendimento daquilo que se não é, vai acabar por

ser efectuado, ainda, no nível mental. É a mente que nos prende, é a

mente que nos liberta!

(7) – “A Voz do Silêncio” – Editora Assírio e Alvim, Lisboa (Primeiro

Fragmento).

(8) – Obra citada (Terceiro Fragmento).