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SEMINÁRIO NACIONAL “BRINQUEDOTECA: A IMPORTÂNCIA DO BRINQUEDO NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO” Anais do Seminário realizado no Auditório Interlegis - Senado Federal - pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados no dia 10 de agosto de 2005. Centro de Documentação e Informação Coordenação de Publicações BRASÍLIA - 2006

Brinquedoteca Lei

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  • SEMINRIO NACIONAL

    BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    Anais do Seminrio realizado no Auditrio Interlegis - Senado Federal - pela Comisso de Legislao Participativa da Cmara dos Deputados no dia 10 de agosto de 2005.

    Centro de Documentao e Informao

    Coordenao de Publicaes

    BRASLIA - 2006

  • Ao Parlamentarn. 338

    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)Coordenao de Biblioteca. Seo de Catalogao.

    Seminrio Nacional Brinquedoteca: a Importncia do Brinquedo na Sade e na Educao (2005 : Braslia, DF).

    Seminrio Nacional Brinquedoteca: a Importncia do Brinquedo na Sade e na Educao. Braslia: Cmara dos Deputados, Coordenao de Publicaes, 2006.

    132 p. (Srie ao parlamentar ; n. 338)

    Anais do Seminrio realizado no Auditrio Interlegis - Senado Federal pela Comisso de Legislao Participativa da Cmara dos Deputados no dia 10 de agosto de 2005.

    ISBN 85-7365-474-01. Brinquedoteca, congresso, Brasil. 2. Educao da criana, congresso, Brasil.

    3. Sade infantil, congresso, Brasil. 4. Polticas pblicas, Brasil. I. Ttulo. II. Srie.

    CDU 371.695(81)(061.3)

    ISBN 85-7365-474-0

    Capa: Akimi WatanabeProjeto grfico e diagramao: Ricardo Cayres

    Cmara dos DeputadosCentro de Documentao e Informao - CEDICoordenao de PublicaesAnexo II - Trreo - Praa dos Trs PoderesBraslia - DF CEP 70160-900Telefone: (61) 3216-5802 Fax: (61) [email protected]

    DIRETORIA LEGISLATIVADiretor AFRSIO VIEIRA LIMA FILHO

    CENTRO DE DOCUMENTAO E INFORMAO - CEDIDiretor JORGE HENRIQUE CARTAXO

    Diretor de Publicaes PEDRO NOLETO

    DEPARTAMENTO DE COMISSESDiretor SILVIO AVELINO DA SILVA

  • Sumrio

    Membros da Comisso de Legislao Participativa CLP ................5Quadro Tcnico CLP ....................................................................................6Apresentao ....................................................................................................7Abertura ........................................................................................................... 11Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade1 Mesa de Debate: ..................................................................................... 39A Brinquedoteca no Processo Educacional2 Mesa de Debate: ..................................................................................... 67A Brinquedoteca na Promoo da Sade3 Mesa de Debate: ..................................................................................... 85Experincias no Uso de BrinquedotecasExpositores ...................................................................................................118Participantes ................................................................................................119Siglrio ...........................................................................................................129Anexo ..............................................................................................................132

  • 5MEMBROS DA COMISSO DELEGISLAO PARTICIPATIVA - CLP

    52 Legislatura - 3 Sesso Legislativa - 2005

    PRESIDENTE: FTIMA BEZERRA (PT)

    1 VICE-PRESIDENTE: LEONARDO MONTEIRO (PT)

    2 VICE-PRESIDENTE: SELMA SCHONS (PT)

    3 VICE-PRESIDENTE: LUIZA ERUNDINA (PSB)

    TITULARES SUPLENTESPT

    FTIMA BEZERRA - RN IVO JOS - MG - VAGA DO PPSLEONARDO MONTEIRO - MGSELMA SCHONS - PR

    ANA GUERRA - MGVADINHO BAIO - MG

    PMDBALBRICO FILHO* - MAALMERINDA DE CARVALHO - RJWILSON SANTIAGO - PB

    OLAVO CALHEIROS - AL

    BLOCO PFL, PRONAVILMAR ROCHA - GO LAURA CARNEIRO - RJ

    PSDBANTENOR NASPOLINI - CE

    PPENIVALDO RIBEIRO - PBJOO LEO - BA

    PTBPASTOR REINALDO - RS

    PLJAIME MARTINS - MG

    PPS(DEPUTADO DO PT OCUPA A VAGA)

    PSBLUIZA ERUNDINA - SP

    PSOLJOO ALFREDO - CE

    * Membro da Comisso aps a realizao do Seminrio

  • 6QUADRO TCNICO - CLP

    Ruy dos Santos Siqueira

    Mirna de Castela Carvalho Pessoa

    Amilcar Amaral Couto

    Gilmar de Morais Bezerra

    Mauro Cunha Batista de Deus

    Eliana Teixeira Gaia

    Hrica Pimentel Brito de Souza

    Gilvan Mendes da Silva

    Carlos Domingos Bimbato

    Ana Ktia Martins Bertholdo

    Akimi Watanabe

    Admar Pires dos Santos

    Eliana Navarro Garcia

    Inaldo Barbosa Marinho Jnior

    Jos Humberto de Almeida

    Severino Carrera da Silva

    Carlos Des Essarts

    George Marcos de Aquino Freitas

    Jos Augusto Barbosa de Pinho

    Mrcia Abreu da Silva

    Maria Aparecida Pres de Abreu

    Maria de Jesus Amorim Farias

    Marilda Vale da Silva

    Maurcio Alves Dias

  • Apresentao

    7

    A realizao do Seminrio Nacional sobre Brinquedoteca: A Im-

    portncia do Brinquedo na Sade e na Educao, em 10 de agosto

    de 2005, sob a coordenao da Comisso de Legislao Participativa

    da Cmara dos Deputados, foi um momento oportuno e singular

    para o Parlamento Brasileiro, tendo em vista esta temtica estar cada

    vez mais presente nas aes multidisciplinares das polticas pblicas

    e gestes governamentais relativas criana.

    A discusso sobre o papel da brinquedoteca no processo de for-

    mao integral das crianas j ultrapassou os limites da fundamenta-

    o terica e vem apresentando resultados surpreendentes nos pro-

    cessos pedaggico e teraputico.

    O debate revelou, de forma objetiva, aquilo que muitos educado-

    res e profissionais da sade vm debatendo: a brincadeira no um

    mero passatempo. Ao contrrio, todo ato de brincar e de envolver-se

    com o brinquedo traz para a criana elementos simblicos e pedag-

    gicos, elementos que podem ser libertrios e curativos.

    A brinquedoteca tornou-se mais que depsito ou cantinho de

    brinquedos. Transformou-se num espao de estimulao e desenvol-

    vimento humano; num local onde as atividades vo se incorporando

    ao processo de desenvolvimento integral da criana e, por que no

  • 8 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    pensar, do adulto, que por imposio do disciplinamento cultural,

    perdeu seu estado ldico e o sentido do brincar.

    As palestras apresentadas pelos expositores nos induzem a con-

    cluir que a implantao de brinquedotecas nos espaos pblicos

    deveria ser uma das metas prioritrias de governantes municipais,

    estaduais e federal.

    Como educadora, estou convicta de que urge a necessidade de

    recuperarmos o ato natural de brincar como contraponto ao proces-

    so de industrializao e at mesmo de midiatizao do brinquedo,

    que no decorrer do tempo vem tentando suplementar os potenciais

    criativo, espontneo e ldico, to determinantes na infncia do ser

    humano.

    A despeito do nosso raciocnio, entendo que promover uma po-

    ltica de implementao de brinquedoteca no Pas tornou-se impres-

    cindvel, uma vez que a vida moderna (e urbana) nos aponta uma

    tendncia, em escala crescente, de um processo de privatizao do

    lazer pblico, restrito na maioria das vezes a uma pequena parcela da

    sociedade brasileira.

    Brincar no pode ser uma atividade humana considerada supr-

    flua, mas um direito da criana. Brincar coisa sria, pois na brinca-

    deira o ser humano se constri, se elabora e se forma.

    Os valores pedaggico, psicolgico e teraputico adquiridos pe-

    las crianas mediante a vivncia com o ldico incontestvel, prin-

    cipalmente quando se sabe que o envolvimento com os brinquedos

    criativos um bom investimento da sociedade em termos de poltica

    educacional e de sade pblica.

    As pesquisas so irrefutveis sobre os benefcios que os brin-

    quedos trazem para o processo pedaggico e teraputico das nossas

    crianas. O corpo profissional da rea de educao e sade que viven-

    cia essa realidade tem a oportunidade de desconstruir seus valores

    existenciais a partir de suas prprias experincias com as crianas.

  • Apresentao 9

    Em um pas como o Brasil, de profundas desigualdades sociais,

    a instalao de brinquedotecas abre novas fronteiras e perspectivas

    s crianas pobres, permitindo que tenham acesso a brinquedos e a

    espaos para brincar.

    No tenho a menor dvida de que brincar um conhecer a si

    mesmo e aos outros. De que brincar dialogar e partilhar; curar a

    alma e o corpo ferido; criar e tambm recriar.

    Sendo um ato que subverte a lgica de uma sociedade cartesiana

    e que mexe com a imaginao e criao humana, infelizmente, ainda

    h setores dominantes das sociedades modernas que tentam restrin-

    gir s nossas crianas o direito de brincar, dada a sua potencialidade

    de ultrapassar as barreiras da vida programada, sobretudo monitora-

    da pela ideologia do disciplinamento do corpo e do tempo.

    Assim, quando se incorporam os brinquedos e as brincadeiras na

    cotidianidade da vida de nossas crianas, pode-se afirmar que o ato

    de brincar promove o processo de humanizao da vida e preserva a

    identidade cultural da sociedade.

    A realizao deste Seminrio propiciou ao Colegiado desta Co-

    misso um bom momento para reflexo acerca da importncia de se

    brincar e do papel da brinquedoteca como instrumento importante

    na formao da personalidade humana.

    Deputada Ftima BezerraPresidente da Comisso de Legislao Participativa

  • 11

    O SR. APRESENTADOR - Tem incio neste momento a cerim-

    nia de abertura do Seminrio Nacional Brinquedoteca: a Importncia

    do Brinquedo na Sade e na Educao, uma realizao da Comisso

    de Legislao Participativa da Cmara dos Deputados.

    O evento reunir especialistas e entidades para debater a utiliza-

    o da pedagogia e terapia do brinquedo no cotidiano do aprendiza-

    do, bem como a humanizao dos mtodos de tratamento da sade.

    Registramos a presena e colaborao do Sr. Fernando An-

    tnio de Almeida, da Tiquinho Brinquedos Inteligentes, que dis-

    ponibilizou, sem nus, os brinquedos para a exposio durante

    o evento; e do Dr. Cludio Ricardo Chaves Morais, participante

    da Associao dos Voluntrios do Hospital da Universidade de

    Da esquerda para a direita: Dr. Druzio Viegas, Deputada Luiza Erundina (3a Vice-Presidente), Deputado Leonardo Monteiro (1o Vice-Presidente) e Profa. Nylse Helena da Silva Cunha

    Foto

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    AberturaPainel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade

  • 12 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    Braslia, que far um relato de sua experincia no SOS Alegria, no

    encerramento deste evento.

    Neste momento, anunciamos a composio da Mesa de Hon-

    ra: o Exmo. Sr. Deputado Leonardo Monteiro, 1 Vice-Presidente da

    Comisso de Legislao Participativa da Cmara dos Deputados,

    representando neste ato a Exma. Sra. Deputada Ftima Bezerra, Pre-

    sidente da Comisso; a Exma. Sra. Deputada Luiza Erundina, 3 Vice-

    Presidente da Comisso de Legislao Participativa da Cmara dos

    Deputados e idealizadora deste evento; a Profa. Nylse Helena da Silva

    Cunha, Presidente da Associao Brasileira de Brinquedotecas; o Sr.

    Druzio Viegas, Prof. Titular de Pediatria e Puericultura da Faculda-

    de de Medicina da Fundao do ABC.

    Convidamos todos para, de p, ouvirmos o Hino Nacional.

    O SR. APRESENTADOR - Este seminrio tem como obje-

    tivo discutir o tema sob seus vrios ngulos e a troca de ex-

    perincias entre especialistas das diferentes reas de atuao

    interessados no uso da brinquedoteca como instrumento de

    desenvolvimento humano e de formao de conscincia ldica

    como atitude existencial.

    Para abrir oficialmente este evento, concedo a palavra ao Exmo.

    Sr. Deputado Leonardo Monteiro.

    O SR. PRESIDENTE (Deputado Leonardo Monteiro) - Sado a

    Deputada Luiza Erundina, 3 Vice-Presidente da Comisso de Legis-

    lao Participativa; o Deputado Antenor Naspolini, membro desta

    Comisso; a Profa. Arlete Leo; e os nossos palestrantes, Sra. Nylse

    Helena Cunha, representante da Associao Brasileira de Brinque-

    dotecas, Dr. Druzio Viegas, Prof. Titular de Pediatria da Faculdade

    de Medicina do ABC. Sado tambm todos os delegados e delegadas

    presentes neste seminrio.

    Para ns motivo de alegria e orgulho, na condio de Deputa-

    do, um dos Vice-Presidentes desta Comisso, participar deste impor-

    tante seminrio, que superou as expectativas da Comisso. Estamos

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 13

    com dificuldade de espao em razo de tantas atividades realizadas

    no Congresso nesses dias. Nosso auditrio ficou pequeno. Ainda

    bem que tivemos a correspondncia to importante de vocs todos

    que esto participando deste seminrio. Fiquem vontade, mesmo

    os que esto sentados no cho ou de p. Que possamos aproveitar

    bem o nosso seminrio.

    Antes da minha breve reflexo sobre a temtica deste seminrio,

    A Importncia do Brinquedo na Educao e na Sade, gostaria de

    justificar a ausncia da nossa Presidenta, Deputada Ftima Bezerra,

    afastada por determinao mdica at o dia 16 deste ms pela impe-

    riosa necessidade de repouso.

    A Deputada Ftima Bezerra, juntamente com a Deputada Luiza

    Erundina, que foi uma das instituidoras desta Comisso, tem contri-

    budo muito para a valorizao deste rgo.

    Estava comentando, antes da abertura de nosso seminrio, que

    esta uma das Comisses mais novas, mais recentes da Cmara dos

    Deputados, mas ela tem um trabalho importante, que justamente o

    de fazer a interlocuo do Poder Legislativo com a sociedade civil.

    Parabenizo a Deputada Luiza Erundina pela brilhante e instiga-

    dora iniciativa de promover este evento sobre a importncia da brin-

    quedoteca na educao e na sade.

    A Comisso de Legislao Participativa, compreendendo a rele-

    vncia temtica do evento, envidou todos os esforos para possibili-

    tar a realizao deste seminrio.

    Aos participantes e palestrantes, externo nossa satisfao de t-

    los nessa parceria, ciente de que a presena de todos a certeza de

    que a Comisso, mais uma vez, acertou em escolher este tema, numa

    clara demonstrao de querer estar em permanente sintonia com os

    anseios e as demandas da sociedade civil.

    Imbudos dessa compreenso institucional e poltica que abri-

    mos os trabalhos deste seminrio, sabedores que a insero dos brin-

    quedos e jogos na formao do intelecto e na alimentao da alma

  • 14 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    humana uma exigncia evidenciada no mundo em estado de reela-

    borao, no mundo que inutilmente tentou justificar as suas comple-

    xidades atravs dos dogmas cientficos e experimentalistas.

    Estou convicto de que expressiva parcela da sociedade brasi-

    leira vem buscando compreender a importncia da pedagogia dos

    brinquedos na formao educacional e da ludoterapia na restaura-

    o da sade humana. So exemplos de que os objetos simples da

    vida, como um bom brinquedo educativo ou criativas peas teatrais,

    podem propiciar uma grande revoluo nos valores humanos, to

    necessrios para a preservao da espcie e do respeito humano. No

    tenho a menor dvida de que o momento de desconstruo do nosso

    prprio percurso histrico e existencial vem nos obrigando a rever

    os postulados que outrora abandonamos em nome de uma moder-

    nidade racional, tcnica e fria.

    Os diletos participantes sabem muito bem que esse negcio de

    brinquedo e teatralidade no espaamento educacional e mdico eram

    impensveis no universo dogmtico da racionalidade tcnica que dan-

    tes arvora-se o direito de determinar ou legitimar o que era vlido ou

    no para a humanidade. Novos tempos nos vm revelando que essa ra-

    cionalidade tcnica no logrou xito, tampouco teve elementos teri-

    cos plausveis para compreender ou sistematizar a rica e determinada

    dimenso que as representaes ldicas podem produzir no incons-

    ciente e esprito humano. Brinquedo era apenas objeto de inveno e

    criao das indstrias, em que geralmente os pais acreditavam ser ape-

    nas objetos caricatos e inofensivos, esquecendo-se de que, atravs da

    aparncia, esses entes encantados e sedutores ocupavam um mundo

    estranho, idealizado e intencionalizado pelos seus criadores, um mun-

    do pronto, determinado e definido em papis sociais e ideolgicos.

    Brinquedo era objeto meramente de consumo em datas especiais.

    A retomada dessa temtica tornou-se imperativa e urgente.

    Estimular a difuso das atividades ludopedaggicas uma ques-

    to de sobrevivncia do nosso ethos e da nossa condio humana.

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 15

    Temos a conscincia de que as sucessivas reformas educacionais

    neste Pas e de polticas pblicas at pouco tempo voltadas para

    a depreciao das artes, da criatividade humana e do ldico no

    processo educacional tornaram-se responsveis pela desumani-

    zao da escola, da educao e das estruturas institucionais que

    compem o tecido social brasileiro.

    visvel que a educao moderna enveredou pelo caminho da

    mecanizao do saber, colocando a tcnica, o pensamento nico e a

    exigncia profissional acima do esprito humanista. A educao atual

    e a formao da pessoa em sua totalidade humana acabou rendendo-

    se s exigncias ilimitadas e desumanizadoras do mercado. Brincar,

    alegrar, musicalizar e teatralizar deveriam fazer parte dos primeiros

    mandamentos do estatuto do ser humano. O ser humano que no

    brinca e tampouco se envolve com o ldico despido de humanida-

    de espontnea e criativa, tornando-se figura programada por servi-

    do voluntria e mecnica.

    Nunca antes estivemos a exigir o retorno dos brinquedos e do l-

    dico na esfera da objetividade e da subjetividade humanas. Sabemos

    que brincar e jogar so atos indispensveis sade fsica, emocional

    e intelectual. Atravs deles desenvolvemos a linguagem, o pensamen-

    to, a socializao, a iniciativa e a auto-estima, sem falar do item mais

    importante: a criatividade. por essas razes que a sociedade capi-

    talista e de consumo programada para coordenar o ato de brincar

    e de jogar, pois a atividade ldica campo frtil para a criatividade e

    os atos de subverso da ordem estabelecida.

    Senhoras e senhores, a realizao do Seminrio Nacional Brin-

    quedoteca: a Importncia do Brinquedo na Sade e na Educao ser

    importante marco para o Parlamento brasileiro pensar na insero,

    num futuro breve, de atividades ludoteraputicas no processo de for-

    mao educacional do povo brasileiro.

    Encerro a minha exposio citando as palavras da Sra. Juscimara

    Dias Rodrigues, professora de ensino fundamental de Belo Horizon-

  • 16 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    te: A recreao est para o homem assim como o alimento est para o

    seu organismo. Os jogos tonificam a alma, do sade fsica, promovem

    a auto-expresso e a alegria de viver.

    Desejo a todos que aproveitem bem este seminrio sobre brinque-

    doteca. Embora seja um tema novo, o grande nmero de participantes

    nesta cerimnia de abertura demonstra sua grande importncia.

    Neste momento, passo a coordenao dos trabalhos Deputada

    Luiza Erundina, amiga e companheira, 3 Vice-Presidenta da Comis-

    so de Legislao Participativa e autora do requerimento de realiza-

    o deste seminrio.

    Muito obrigado. Bom dia a todos.

    A SRA. COORDENADORA (Deputada Luiza Erundina) - Bom

    dia a todos.

    Sado os integrantes da Mesa, cuja presena orgulha a todos e

    gera grande expectativa sobre os resultados deste evento.

    Sado o Dr. Drazio Viegas; a Profa. Nylse Helena da Silva Cunha;

    e os demais palestrantes que j chegaram outros esto para chegar ,

    agradecendo-lhes a presena.

    E peo desculpas pelo incmodo de no dispormos de cadeiras

    para todos os presentes. Por um lado, um sacrifcio; mas, por outro

    lado, um sinal de que o tema interessa a todos. Embora estejam

    fazendo esse sacrifcio, V.Sas. trazem sem dvida alguma a sua con-

    tribuio e a sua experincia para que socializemos o que j se cons-

    truiu em torno dessa temtica.

    Queria agradecer tambm equipe da Comisso de Legislao

    Participativa, que carregou o piano, ou seja, criou todas as condies

    para que houvesse aqui hoje esse nvel de organizao. Agradecemos

    e reconhecemos a contribuio da referida equipe que, junto com a

    do meu gabinete, so protagonistas deste evento, que exigiu tempo

    para preparao e organizao. Sem isso, certamente estaramos a

    dever aos participantes do evento.

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 17

    Quero tambm agradecer ao INTERLEGIS, especialmente sua

    coordenadora, Dra. Dalva Dutra, que est sendo tolerante conosco,

    porque h aqui regras rgidas para o uso dos espaos, mas ela est

    sendo compreensiva e flexvel no necessrio cumprimento dessas

    normas. Agradecemos, portanto, por seu intermdio, ao INTERLE-

    GIS por nos ceder este espao com toda sua infra-estrutura, para que

    pudssemos realizar este evento.

    Antes de passar a palavra aos nossos convidados, quero dizer

    que este evento marca dois grandes acontecimentos. Primeiro, a

    Comisso de Legislao Participativa, o espao da cidadania po-

    ltica na Cmara dos Deputados, o espao do povo, da sociedade

    civil organizada, uma janela ou uma porta entre a sociedade civil

    e o Poder Legislativo e ela s ter eficcia e efetividade em suas

    finalidades se for apropriada por essa sociedade civil organizada ,

    est fazendo aniversrio.

    Neste ms de agosto de 2005, celebramos os 4 anos da Comis-

    so, que sofre resistncia por parte de alguns colegas Parlamentares,

    que, por no terem compreenso de que a democracia envolve duas

    dimenses a representao e a participao direta , se sentem

    quase perdendo poder na medida em que esse espao ocupado e

    apropriado pela sociedade civil. Isso porque, por intermdio des-

    ta Comisso, a sociedade pode apresentar sugestes de projetos de

    lei e at emendas ao Oramento, para obter recursos pblicos para

    programas sociais por ela dirigidos. Este, portanto, um impor-

    tante espao conquistado pela sociedade civil. E temos de celebrar

    esses 4 anos de vida da Comisso.

    O segundo fato que registro a aprovao e a sano da Lei n

    11.104, de 20051, aprovada pela Cmara dos Deputados e pelo Sena-

    do Federal e sancionada pelo Presidente da Repblica. Essa lei obriga

    os hospitais pblicos e privados que tenham servios de internao

    peditrica a instalarem brinquedotecas para as crianas neles inter-

    nadas. Essa tambm uma conquista da sociedade, especialmente

    1 Anexo.

  • 18 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    das nossas crianas, com vistas humanizao da ateno sade,

    promoo da sade dessas crianas, sobretudo em momentos trau-

    mticos, como aquele em que uma criana sai do seu ambiente

    familiar para ficar internada numa unidade de sade. Certamente

    esse espao ldico significa um elemento de humanizao para essas

    crianas, que so a razo de ser da nossa existncia, por serem elas

    aqueles que, em breve, sero os construtores desta Nao.

    Sei que me estendi alm do limite, mas estou to feliz com a rea-

    lizao deste evento, que no poderia deixar de marcar o meu nimo

    quanto a este seminrio.

    Agradeo Profa. Nylse Helena, uma grande idealista e militante

    dessa rea, educadora que tem levado aos mais distantes recantos do

    Pas a idia maravilhosa do brinquedo e do ldico como importante

    dado da existncia de cada um de ns. Agradeo igualmente ao Dr.

    Druzio Viegas, professor da Faculdade de Medicina do ABC, grande

    mdico pediatra e educador. E todos que vem a ateno mdica e

    a ateno pedaggica numa dimenso tambm humana e social so

    tambm educadores.

    Agradeo, ento, ao Dr. Druzio e registro minha certeza de que

    teremos uma grande reunio com a contribuio desses convidados

    que nos honram com sua presena.

    Para concluir, quero dizer que a Lei n 11.104, de 2005, foi resul-

    tado de iniciativa nossa, por inspirao da assistente social Ada Mu-

    nimos, que inclusive ser uma das nossas palestrantes. Como disse,

    foi a Dra. Ada, assistente social que trabalha num hospital pblico

    de So Paulo, quem me inspirou a apresentar o projeto. Portanto,

    dela tambm o mrito deste evento em que celebramos a entrada em

    vigor da Lei n 11.104, de 2005.

    Concedo a palavra Profa. Nylse Helena da Silva Cunha, que ter

    20 minutos para sua interveno. Em seguida, ouviremos o Dr. Dru-

    zio Viegas e passaremos fase de debates.

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 19

    A SRA. NYLSE HELENA DA SILVA CUNHA - Bom dia a

    todos. Desculpem-me o atraso, mas sair de So Paulo e chegar

    em Braslia difcil. Houve atraso no vo, mas aqui chegamos e

    estamos satisfeitos.

    Em primeiro lugar, agradeo aos Srs. Deputados pela forma com

    que esto recebendo a Associao Brasileira de Brinquedotecas, em

    especial, a Deputada Luiza Erundina, por ser quem e por ter vis-

    lumbrado a importncia do brincar na vida dos seres humanos.

    Graas perspiccia da Deputada Luiza Erundina, os hospitais

    hoje tm brinquedotecas e quem trabalha com as crianas mdicos,

    enfermeiras e a prpria famlia tem pelo menos o conforto de ver a

    criana mais feliz e recuperando-se mais rapidamente.

    Peo a vocs que olhem por um momento alguns slides que

    vou apresentar.2

    Observem essas crianas e vejam o que est acontecendo.

    Adoro esta foto e a tenho exibido muitas vezes. Olhando essa

    criana, imediatamente pensamos: quem esta criana? um cien-

    tista que est fazendo a sua pesquisa, uma criana que merece respei-

    to pelo seu interesse e por tudo o que poder vir a ser.

    Toda criana merece ter garantido o seu direito de brincar. Brin-

    cando, elas esto prestando ateno, esto concentradas, desenvol-

    vendo habilidades, raciocinando, trabalhando o prazer sem necessi-

    dade de castigo ou de prmios. Esto desenvolvendo o hbito de se

    ocupar de forma adequada.

    O brincar fundamental, porque, como dizia Piaget, a recom-

    pensa da ao deve estar na prpria ao, no prazer de execut-la.

    Essa frase capaz de mudar o mundo. Se fizermos as coisas pelo

    simples prazer de faz-las, estaremos fazendo com o corao, com o

    sentimento de alegria por estar executando determinada atividade.

    o que acontece com o brincar, e por isso to importante. O brincar

    ensina criana essa relao.

    2 Segue-se exibio de slides. Imagens no disponveis.

  • 20 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    Toda criana no s merece brincar, mas tambm precisa, tem

    necessidade de faz-lo. Porm, nem todas as crianas brincam, por-

    que precisam trabalhar, estudar, conseguir notas altas ou porque so

    tratadas como adultos em miniatura, porque no podem atrapalhar

    os adultos ou porque no tm com o que brincar, enfim, porque a

    vida roubou-lhes a infncia.

    Hoje, a criana tem dificuldades de conseguir um espao e um

    tempo para brincar, no importa qual seja sua classe social. Quando

    a criana est na pr-escola, a preocupao da me que j comece a

    se preparar para o vestibular.

    Por tudo isso, foi necessrio criar a brinquedoteca. A brinque-

    doteca o espao mgico criado para dar oportunidade s crianas

    de brincar de forma enriquecedora, de mergulharem em seus brin-

    quedos sem adultos para atrapalhar. L existem muitos brinquedos,

    muita magia e criatividade. E as brinquedistas so adultos, mas

    adultos iluminados pela criana viva dentro de cada uma. E elas es-

    to trabalhando em brinquedotecas prontas a favorecer e enriquecer

    o brincar da criana.

    Os objetivos da brinquedoteca so muitos. Primeiro, proporcio-

    nar oportunidade para que as crianas possam brincar sem cobrana

    de desempenho. Na brinquedoteca ningum cobra da criana que

    ela tenha que fazer isso ou aquilo. No h expectativa para que ela

    faa determinada coisa, mas simplesmente que ela possa brincar sem

    sentir que est atrapalhando ou perdendo tempo, porque naquele es-

    pao a obrigao dela s brincar.

    Segundo, estimular o desenvolvimento da capacidade de concen-

    trar a ateno e de construir uma vida interior rica.

    Como vimos naquelas fotos que inicialmente apresentei, as

    crianas esto concentradas. Se perguntarmos a qualquer professor

    o maior problema das crianas, ele certamente apontar a falta de

    ateno. Ainda h o agravante de que nossa sociedade cheia de est-

    mulos e tudo ocorre de forma acelerada, at mesmo os desenhos ani-

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 21

    mados. Nessa corrida, nessa acelerao, no h tempo para se prestar

    ateno. Cria-se o hbito de passarmos de modo suprfluo por tudo.

    Temos que olhar apressadamente tudo essa a norma do mundo

    moderno. Assim, no se desenvolve uma vida interior.

    Quando uma criana est brincando, quando ela mergulha pro-

    fundamente em uma atividade, ela cria vida interior. s vezes a cha-

    mamos, como a me o faz muitas vezes, e ela responde: Mas eu no

    acabei ainda. No que ela esteja fazendo uma tarefa, alguma coisa

    que tenha de acabar. Ela no acabou ainda foi de imaginar, de criar,

    de viver aquele momento importante para ela. Aquele tempo est

    dando a ela dimenso interior de profundidade, est desenvolven-

    do sua criatividade. E se a criana tiver essa dimenso interior rica,

    quando for adolescente no precisar de drogas nem de bebidas para

    preencher seu tempo. Ela ter maneiras de manifestar sua emoo,

    de liberar seus sentimentos, sem precisar de algo artificial para lhe

    provocar esse estado de esprito.

    A brinquedoteca tambm tem o objetivo de estimular a operati-

    vidade da criana. L tem muita coisa para fazer. Ento, ela estimu-

    lada a operar. Isso tambm favorece seu equilbrio emocional, por-

    que ela vai fazer o que tem vontade, o que sente necessidade de fazer.

    Com isso estar conseguindo se equilibrar. Muitas vezes as pessoas

    perguntam: Mas ento a brinquedoteca como uma clnica? No,

    ela no como uma clnica, mas um espao em que a relao com

    a criana correta. E quando a relao com a criana correta, de

    respeito, torna-se totalmente teraputica. Por isso a brinquedoteca

    consegue resultados teraputicos.

    A brinquedoteca d oportunidade para a manifestao de po-

    tencialidades. Em poca de inteligncias mltiplas, ns sabemos que

    a criana precisa de oportunidades para manifestar suas tendncias.

    Ela precisa de estimulao bem variada para encontrar o que ela gos-

    ta de fazer, para desenvolver o potencial que Deus lhe deu e que ela

    precisa expressar, para desenvolver a inteligncia, a criatividade e a

  • 22 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    sociabilidade. Desenvolver a inteligncia direito de todo ser huma-

    no, mas ela tem muito a ver tambm com fatores ambientais.

    Como afirmou Lus Alberto Machado, autor de livro sobre o di-

    reito inteligncia ele exagera um pouco , a inteligncia uma

    questo social. At certo ponto mesmo. Preocupo-me muito com

    os brasileirinhos cuja infncia to pobre que no tm oportunida-

    de de conversar, de imaginar, de brincar; ficam s vezes parados em

    creches que no tm nada que os estimule, tm somente pessoas que

    cuidam, que do banho, alimentao e evitam que se machuquem,

    mas no cuidam da vida interior da criana, no pensam na sua inte-

    ligncia. As crianas que no so estimuladas na hora em que devem

    ser porque h um momento timo para essa estimulao mais

    tarde no tero condies de concorrer de igual para igual com ou-

    tras crianas que tiveram uma boa estimulao na idade adequada.

    triste pensarmos que essas crianas estaro perdendo oportunidade

    to importante. Mas mudar essa situao faz parte de um processo

    histrico lento.

    Atualmente j se est pensando em alimentar as crianas. Ali-

    mentar o corpo da criana fundamental, mas alimentar a inteli-

    gncia tambm muito importante. preciso alimentar a intelign-

    cia e a criatividade das crianas porque no sabemos onde ser seu

    futuro. No adianta dar a elas uma educao regional. No futuro,

    elas vo para que lugar? Uma criana nascida no campo poder, na

    idade adulta, arrumar emprego num grande centro e, ento, ter de

    ser criativa suficientemente para se adaptar a qualquer situao. No

    sabemos o quanto as coisas vo mudar. Portanto, temos de fazer com

    que as crianas sejam muito criativas para poderem se virar seja l

    em que sociedade for.

    A brinquedoteca oferece maior acesso a brinquedos, portanto,

    proporciona tambm maior nmero de experincias. As crianas

    tm aspectos to variados que se enriquecem o tempo todo. A brin-

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 23

    quedoteca proporciona oportunidade para que elas aprendam a jo-

    gar, a participar, a esperar a sua vez, a competir e a cooperar.

    A brinquedoteca valoriza os sentimentos afetivos e cultiva a

    sensibilidade, sem a expectativa de se atingir determinado conhe-

    cimento, o que acaba escravizando os seres humanos. Alis, o ser

    humano muitas vezes vtima de expectativas to fortes que muda

    a sua forma de ser para atingir determinado objetivo. E, muitas

    vezes, quando a criana no consegue acompanhar a expectativa

    da professora ou da famlia, ela se sente infeliz, seu autoconceito

    rebaixado. Na brinquedoteca, ao contrrio, no h esse tipo de

    cobrana. A sensibilidade cultivada, assim o amor aos objetos, aos

    bichinhos de pelcia. H a preocupao de se cuidar com afeto da

    criana e tambm dos objetos, porque assim se est aprendendo a

    ser cuidadoso. E isso muito importante.

    A brinquedoteca tambm contribui para enriquecer o relacio-

    namento entre as crianas e as suas famlias. Incentiva a valorizao

    do brinquedo como atividade promotora do desenvolvimento inte-

    lectual e social.

    Atualmente, em So Paulo, vemos o testemunho de professoras

    da Praia Grande cujo projeto de brinquedoteca atende a crianas com

    necessidades especiais e crianas excludas de modo geral. Essa brin-

    quedoteca est se transformando em algo que vi no Canad h muitos

    anos: centro de recursos e de apoio famlia. No Canad, as assistentes

    sociais ajudam as famlias de imigrantes a se integrarem sociedade.

    O papel da assistente social na brinquedoteca importante, uma

    vez que elas vo interpretar o mundo para aquela famlia que no

    tem viso mais ampla dos recursos que pode usar. Ento, a brinque-

    doteca pode ser um lugar onde acontece essa integrao.

    Alguns fatores contriburam para que as brinquedotecas se pro-

    pagassem rapidamente. Vou citar alguns. Em primeiro lugar, a di-

    vulgao de informaes sobre a importncia da estimulao para

    o desenvolvimento do crebro. Hoje a gente sabe da importncia

  • 24 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    da estimulao e estimular a criana oferecer oportunidade de

    brincar. Em segundo lugar, as pesquisas sobre o desenvolvimento da

    resilincia, essa capacidade de permanecer ntegro apesar das adver-

    sidades do ambiente. Desenvolver resilincia, no entanto, requer um

    bom autoconceito, e a brinquedoteca proporciona o desenvolvimen-

    to de um bom autoconceito.

    As teorias sobre as inteligncias mltiplas, a inteligncia emocio-

    nal e a importncia do autoconceito positivo, tudo isso vem enrique-

    cer e valorizar o trabalho que feito na brinquedoteca.

    O conceito de brinquedoteca como espao voltado para a opor-

    tunizao do brincar livre e espontneo, que proporcione s crianas

    oportunidades de agir sem o peso da expectativa, ajudou a desen-

    volver a brinquedoteca, e hoje podemos dizer que ela o smbolo

    de uma nova postura existencial. Ela representa uma mudana de

    paradigma. Essa mudana de paradigma est acontecendo. Estamos

    em plena nova era. E coitados daqueles que no tm a viso de captar

    essa mudana, a sua beleza e o que ela est nos oferecendo.

    Logo, mudana significa uma nova forma de aprender a aprender.

    As atividades ldicas tm sido utilizadas como meio, como estra-

    tgia. Ouvia-se falar que professoras usavam recursos ldicos jogos,

    brincadeiras como estratgia para alcanar um objetivo, mas im-

    portante que se compreenda que um brinquedo, uma fantasia de pa-

    lhao, uma brincadeira so apenas smbolos do ldico. A ludicidade

    no pode ser confundida com eles. A postura ldica uma maneira

    de sentir, de perceber e at de interpretar os fatos, o mundo e a vida de

    maneira geral. Essa postura ldica que se desenvolve na brinquedo-

    teca. E por qu? Porque, realmente, milnios de pregao de amor ao

    prximo baseado no sacrifcio, na observncia de doutrinas e dogmas

    ameaadores, assim como a crena em castigo para quem transgride as

    normas, para quem peca, nada disso tem tornado os homens melhores.

    O ser humano infeliz, aquele que se sacrifica, no espalha felicidade ao

    seu redor, porque no tem nada de bom para partilhar.

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 25

    hora de pensarmos em uma nova postura existencial baseada

    na felicidade e no amor. No no amor-sacrifcio, mas no amor que

    emana das pessoas que tm seu lado ldico preservado, amor que

    vem daquela pessoa capaz de se encantar.

    Como diz Bachelard, fundamental manter a capacidade de se

    encantar. Por isso, cuidado com o racionalismo, cuidado com os ob-

    jetivos, cuidado com as pessoas extremamente racionais. Coitadas

    delas: vo perder a capacidade de se encantar. Isto muito triste, por-

    que ns precisamos dessa capacidade.

    Felicidade e realizao pessoal so condies, ou melhor, estados

    de esprito dependentes do autoconceito. A sensao de estar satisfei-

    to consigo mesmo no depende tanto do volume das coisas realiza-

    das, mas sim da qualidade do sentimento que envolve.

    Eu fao muito isto: posso estar tensa por ter de fazer isso e aquilo,

    escrever isso e aquilo, mas de repente resolvo fazer uma florzinha bo-

    nita para enfeitar no sei o qu. Depois de feita, eu paro e digo: Puxa,

    mas ficou to linda! Essa satisfao de ter feito algo to bonito traz

    sade alma.

    O que nos d felicidade o sentimento que nos envolve. Por isso,

    no devemos trabalhar naquilo que no gostamos, seno seremos

    maus trabalhadores.

    A brinquedoteca faz a criana descobrir o que gosta de fazer. Na

    sociedade atual, difcil a criana ter jeito. Quantos no vo fazer

    vestibular e depois descobrem que no era nada daquilo que que-

    riam? Olhem quanto tempo perdido. Ns temos de fazer com que

    a criana descubra o que lhe d prazer, porque, realmente, essa a

    forma de ser feliz.

    A SRA. COORDENADORA (Deputada Luiza Erundina) - Pro-

    fessora, desculpe-me por interromper. Acabou o tempo.

    A SRA. NYLSE HELENA DA SILVA CUNHA - A brinque-

    doteca um espao qualificado, um espao especial que precisa

    de pessoas qualificadas. Uma sala cheia de lindos brinquedos no

  • 26 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    vira uma brinquedoteca, porque preciso a alma da brinquedis-

    ta. por isso que vamos depois pedir Deputada para usar de

    toda a sua energia e de todo o seu potencial na luta pela valoriza-

    o da profisso de brinquedista. Esse o prximo passo, e ns

    temos que chegar l.

    Ao terminar, deixo uma reflexo nua e crua. Que cada um de ns

    saia daqui pensando: ser que estamos dando s nossas crianas a

    oportunidade de que precisam para se tornarem cidados capazes de

    construir um mundo melhor? Vamos pensar nisso.

    A SRA. COORDENADORA (Deputada Luiza Erundina) - di-

    fcil controlar o tempo da professora, pelas coisas bonitas que ela

    fala.

    Agradeo Profa. Nylse por nos brindar com uma aula de filoso-

    fia existencial. Eu me senti a prpria criana aprendendo e vivendo o

    ldico, com as palavras dessa extraordinria mulher.

    Antes de passar a palavra ao Dr. Druzio, quero tranqilizar as

    pessoas que esto solicitando o material. Vai ser feita um publicao.

    Logo aps a realizao do seminrio, a Comisso de Legislao Par-

    ticipativa da Cmara dos Deputados vai encaminhar um pedido de

    publicao. Vamos produzir um texto sobre os temas aqui abordados

    e debatidos. Portanto, fiquem tranqilos, o material vai ser divulgado

    o mais rapidamente possvel.

    Passarei a palavra ao Dr. Druzio Viegas, que certamente muito tem

    a nos ensinar. Vou me controlar para no ter de controlar o senhor.

    Informo ainda que, durante a exposio do Druzio, aqueles que

    quiserem encaminhar questes aos componentes da Mesa devero se

    inscrever. A lista ser passada.

    Tem a palavra o Dr. Druzio Viegas.

    O SR. DRUZIO VIEGAS - Deputada Luiza Erundina, um

    enorme prazer estar presente neste seminrio.

    O meu tema brinquedoteca em hospital, brinquedoteca hospitalar.3

    3 Segue-se exibio de slides. Imagens no disponveis.

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 27

    A Lei n 11.104, de 2005, essencial para quem trabalha em hos-

    pital. Portanto, agradeo o esforo, a delicadeza e a viso que V.Exa.

    teve ao elaborar o projeto de lei sabemos que no foi fcil que deu

    origem a essa lei. Muito obrigado.

    A Sra. Nylse, companheira h muitos anos, est ao meu lado.

    Trabalho com brinquedoteca h 15 ou 20 anos. Tudo isso devo

    Nylse. Fui seu aluno, aprendi com ela ela muito mais nova do

    que eu, claro. Aprendi muito com ela e com minhas amigas que

    esto aqui na platia.

    Sou professor de Pediatria da Faculdade de Medicina do ABC,

    na Grande So Paulo. Sou o responsvel pelo Mdulo de Huma-

    nizao em Medicina. A situao complicada, porque, com o

    correr dos anos, com todos os avanos ocorridos na Medicina,

    ela se desumanizou. Essa a grande verdade. Pouca gente ficou

    interessada realmente em continuar praticando a Medicina como

    uma forma de ajuda, de carinho, que se chama humanizao. Isso

    fundamental.

    O meu tema brinquedoteca para criana hospitalizada. Tra-

    balho com alunos residentes e docentes. A faculdade grande, tem

    muita gente. Acho mais interessante formar mdicos com cabea di-

    ferente. Mudar um mdico depois de muito tempo formado no

    fcil, porque j tem suas idias. Com aluno e residente, diferente.

    O que fazemos no Mdulo de Humanizao? Fazemos psicodra-

    ma com vrios casos crnicos, por exemplo. Um aluno a me da

    criana, outro o pai, outro a criana, outro o mdico. Discute-se

    o caso, e cada um d sua opinio.

    Usamos filmes. Patch Adams, por exemplo, um filme de que

    gostamos muito, porque muito instigador. O Doutor da Alegria tra-

    balha muito conosco. Tenho muita amizade com o Wellington, quem

    coordena o projeto Doutor da Alegria. Encontrei com ele no aero-

    porto em So Paulo, quando ele ia para Curitiba. Queremos colocar

    os doutores e docentes para trabalhar com alunos e residentes.

  • 28 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    Trabalhamos tambm com msica, com histrias h o livro

    Viva e Deixe Viver , com artes plsticas e pintura, mas, de modo

    especial, com brinquedoteca. Esse o meu assunto de hoje.

    H diversos tipos de brinquedoteca, como a Profa. Nylse j citou.

    Pode ser brinquedoteca em escola, em hospital, em creche ou em

    qualquer ponto da cidade.

    Brinquedoteca em hospital diferente. A criana est doente, est

    internada. Acontece fato curioso. Reparei em todos esses anos que

    quem realmente toma conta da brinquedoteca e a planeja no hospi-

    tal no o mdico. Quem ? A brinquedista, a psicloga, a assistente

    social, a pedagoga, a voluntria. So vrias pessoas que trabalham. O

    mdico recebe a brinquedoteca como algo importante, mas parece

    que no est to ligada a ele.

    O mdico que tem uma brinquedoteca no hospital em que traba-

    lha fica muito interessado, porque reconhece o valor da brinquedo-

    teca. Os que no tm brinquedoteca onde trabalham imaginam: ser

    um lugar no hospital onde tem brinquedos? muito mais do que

    isso, como a Dra. Nylse explicou h pouco. Acontece que eles no se

    interessam tanto por isso.

    Ento, o que o mdico deve saber sobre brinquedoteca hospita-

    lar? Esse o nosso assunto de hoje.

    Vou mostrar aos senhores a Brinquedoteca Seninha, de So Pau-

    lo, no Instituto de Oncologia Peditrica da Universidade Federal de

    So Paulo o Grupo de Apoio ao Adolescente e Criana com Cn-

    cer, GRAACC.

    A Sra. Patrcia Pecoraro coordenadora, tambm aqui presente, e

    me cedeu esse importante material.

    Sou mdico pediatra, graas a Deus. Se morresse e nascesse de novo,

    iria ser mdico pediatra. Sinto-me muito bem e gosto do que eu fao.

    Que humanizao em pediatria? usar o conhecimento, atu-

    almente muito complicado, porque a evoluo cientfica foi muito

    grande entre o sculo passado e este sculo. A tecnologia foi muito

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 29

    desenvolvida e exige de ns constante atualizao. Devemos utilizar

    esse conhecimento com sensibilidade. Mdico que no tem sensibi-

    lidade no mdico. Vamos deixar bem claro: o cara pode ser exce-

    lente, ser um sujeito maravilhoso, pode conhecer milhares de coisas,

    mas se no sensvel, desculpem-me, no mdico. Pode exercer

    qualquer outra profisso, mas no a de mdico.

    O mdico tem de ter sensibilidade. O que sensibilidade? a

    maneira de saber aproximar-se do outro de modo que esse outro re-

    ceba essa aproximao como um bem, algo lindo, bonito. colocar-

    se na posio do outro, quando o outro, por exemplo, um doente,

    entend-lo. No caso de criana, gostar da criana, amar a criana ou

    o adolescente, ou seja, a criana de zero a 20 anos. Ento, gostar, sa-

    ber chegar, saber conversar com a criana, saber o tom de voz para

    poder falar com a criana sem intimid-la, no ser onipotente, no

    ser uma pessoa indiferente, ser uma pessoa carinhosa no momento

    certo e estar disponvel. Isso importante. muito comum ouvir: a

    criana tima, a me que chata. Mas tem muito mdico chato

    tambm. O problema que a me no chata; existe me chata. A

    me, geralmente, ansiosa. Se aprender a mexer com a ansiedade,

    pode-se entender muito bem as mes, os pais, os avs, os tios e assim

    por diante. Isso que fundamental.

    Ento, preciso ter muito cuidado e procurar solues. Quando a

    pessoa doente precisa do mdico e este no encontra soluo, hor-

    rvel, ela fica acuada. A pessoa quer uma soluo qualquer que seja.

    E a soluo em Medicina vou comentar sobre isso no final dessa

    palestra no sempre curar as pessoas, absolutamente; se possvel,

    curar, mas melhorar a qualidade de vida das pessoas fundamental.

    Do ponto de vista de pediatras, vou falar primeiro sobre dois as-

    pectos, o conhecimento e a sensibilidade, para que os senhores en-

    tendam bem do que estou falando. Vou falar depois sobre a brinque-

    doteca e o hospital, e o papel do mdico dentro da brinquedoteca.

  • 30 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    O pediatra atualmente pode ter conhecimento bom ou no. Isso

    interessante. Fala-se to mal dos mdicos hoje em dia, as escolas

    so ruins, formam-se tantos mdicos por ano etc. Como o pedia-

    tra? Esse trabalho relativo ao perfil do pediatra no Brasil. Foi feito

    em 2000, sob o ttulo Mdicos no Brasil, pelo Instituto Oswaldo Cruz,

    juntamente com o Conselho Federal de Medicina, o Ministrio da

    Sade, com a colaborao do Cadastro Nestl, que tem todos os pe-

    diatras registrados. Procuramos, ento, saber como so os pediatras

    atualmente no Brasil.

    Local de moradia: a maioria mora na capital (60,40%); sexo: a

    maioria dos pediatras so mulheres (59,80). O meu departamento,

    por exemplo, muito grande. Na Fundao ABC, ns somos 26 do-

    centes. Desses, cinco so homens, o restante so mulheres. E so mu-

    lheres com capacidade de trabalho excepcional, lugares excepcionais,

    doutorados, viajam o ano todo, publicam. Mesmo assim, interes-

    sante que neste trabalho foi identificado que um tero das mdicas

    peditricas se queixam de discriminao pelo fato de serem mulhe-

    res, o que uma pena. No h motivo nenhum para isso.

    Faixa etria: menor do que 50 anos, a grande maioria (89,91%).

    Quanto formao. A instituio pblica forma a maioria dos

    pediatras (64,91%). A instituio privada forma mais ou menos a

    metade (33,45%). Qualificao dos pediatras: 75% fizeram residn-

    cia mdica; com especializao em pediatria: 42%; especialistas em

    pediatria: 70%; participao em congressos nos ltimos 2 anos: qua-

    se 90%; assinatura em revista cientfica nacional: 81%; internacional:

    quase 30%; e acesso Internet: 76,43% pediatra a usa muito. Ento,

    geralmente o pediatra tem conhecimento, de modo geral. Pode ser,

    claro, que haja pediatra mal preparado, sem muito conhecimento,

    mas de modo geral so bem preparados.

    Ser que o pediatra, mesmo com conhecimento suficiente, sabe

    usar bem a sensibilidade? Sobre isso vou falar aos senhores.

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 31

    Meu assunto de hoje Criana Internada Brinquedoteca Hos-

    pitalar. Vou analisar de modo bem rpido, porque meu tempo cur-

    to, como ficam as crianas e os adolescentes internados.

    Razes de internao: quando a criana prematura, de baixo

    peso ou patolgica ao nascer, pode ficar semanas ou meses inter-

    nada. s vezes, quando o diagnstico mais complicado, porque a

    doena aguda, ou crnica, ou de repetio, a internao exigida

    tambm. Em situaes de cirurgia, h casos graves que vo para a

    UTI. E quais so os ndices de repeties com essa criana internada?

    O que acontece com ela? A Profa. Nylse j comentou com os senho-

    res, mas vou frisar alguns pontos.

    Certamente essa criana vai ficar muito ansiosa, pois ela est

    num ambiente diferente. Alguns hospitais so bonitos, outros so

    feios e frios; as pessoas, geralmente muito tcnicas, falam coisas

    esquisitas; a famlia muitas vezes no est presente, embora, hoje

    em dia, seja obrigada a ficar junto com a criana. Tudo isso faz com

    que a criana fique ansiosa, gera angstia, que vem acompanhada

    do medo. Medo do qu? Da dor que possa ser causada pela doen-

    a. Dor causada por injeo, por cateter, por alguma cirurgia, por

    procedimentos invasivos, e assim por diante. E h muita fantasia,

    dependendo da idade da criana.

    A criana de 2 a 3 anos tem muito medo, quando ficam inter-

    nadas, de estar sendo abandonada pelos pais, mesmo quando esses

    esto presentes; de 4 a 5 anos, ela pensa que foi internada para ser

    castigada; de 10 a 12 anos, ela apresenta sinais de dificuldade e de

    ansiedade em pensar na morte isso aparece muito.

    A separao da famlia, dos amigos, dos animais de estimao,

    dos brinquedos, da escola levam a criana a muitas dificuldades de

    adaptao no ambiente diferente. s vezes, a criana fica deprimida,

    o que muito grave, porque se torna triste, no dorme direito, fica

    aptica, recusa tratamento, no conversa isso complicado.

  • 32 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    Por outro lado, h outras que ficam agressivas, o que tambm com-

    plicado. No entanto, bom que seja agressiva, bom que ela xingue, re-

    clame, que no queira, porque, no final, isso mais ou menos saudvel.

    Quando a criana fica internada muito tempo, muitas vezes,

    acometida por uma doena chamada nanismo psicossocial, ela pra

    de crescer. Ou seja, por influncia de hormnio do hipotlamo, no

    crebro, a criana pra de crescer e de se desenvolver tambm. O es-

    tresse que ela sofre a leva ao amadurecimento emocional. lgico, a

    criana que est doente, internada, numa situao grave, com muito

    sofrimento, tende a amadurecer. A nossa inteno com a brinquedo-

    teca hospitalar que amadurea, se possvel, sem seqelas ou com

    menos seqelas possveis.

    Como podemos humanizar o atendimento criana ou ao ado-

    lescente no hospital? Existe, hoje em dia, direitos da criana e do ado-

    lescente hospitalizado. So excelentes, e ns procuramos cumpri-los

    o mais possvel, permitindo a entrada dos pais, por exemplo, na uni-

    dade natal, no berrio de alto risco, na UTI. A me acompanhante.

    A criana, ao ser internada, tem a me ao lado dela. Este um direito

    que ela tem. E excelente, pois a me ajuda muito na alimentao, no

    banho, na hora do choro da criana etc. Basta que a me seja orien-

    tada, ela no atrapalha. A criana deve ter bastante contato com os

    pais, visitas mais livres e freqentes. Uma boa relao mdico-pacien-

    te-famlia excepcional, importantssimo. E no s a ligao m-

    dico-paciente, mdico-criana ou adolescente, a ligao famlia

    tambm. A criana dessa forma no est sozinha, est ligada ao pai e

    me. Ento, preciso dar muita ateno famlia da criana. Isso

    fundamental. Deve-se evitar discusses clnicas perto do leito, porque

    a criana entende. Mesmo que seja uma coisa complicada, diferente, a

    criana acaba entendendo. Lugar de se discutir os casos separado.

    Deve-se utilizar tambm atividades ldicas. A entra o brin-

    car, a brinquedoteca, o espao para que a criana possa brincar

    no hospital. Existem inmeros tipos de brinquedotecas em hos-

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 33

    pitais. Houve em So Paulo, 2 anos seguidos, jornadas sobre brin-

    quedoteca hospitalar.

    Na primeira jornada foram mostrados casos de aes das brin-

    quedotecas junto Medicina. Foi lanado um guia de orientao

    para implantar e manter uma brinquedoteca. Temos alguns resu-

    mos. Se vocs quiserem alguns exemplares dos resumos, temos al-

    guns para vocs.

    A brinquedoteca tem de ter uma coordenadora, algum que lide

    com os usurios, algum que cuide da higienizao, e assim por dian-

    te. No Brasil, conheci muitas brinquedotecas, em vrios locais, mas

    nem sempre elas funcionam assim. Vai depender muito do local em

    que esto instaladas, da maneira pela qual as pessoas interpretam as

    crianas e suas possibilidades.

    Vou mostrar aos senhores uma brinquedoteca modelo, que a do

    Grupo de Apoio ao Adolescente e Criana com Cncer GRAACC.

    claro que nem todas so e nem tm de ser iguais a ela, mas tm

    de ser o melhor possvel, dependendo dos recursos disponveis e da

    cabea de quem vai faz-la.

    Vou falar aqui em palhaos, pois eu lido muito l com o Dr. Alegria,

    mas reparei tambm, em cada lugar que vou, outros palhaos, pessoas

    que brincam com a criana e que tm a mentalidade linda. Existem

    teatros que so maravilhosos para que as crianas possam realizar-se

    com a fantasia. As histrias so tambm excepcionais. Quem que no

    gosta de ouvir uma histria gostosa, contada com muito carinho? Mui-

    tas vezes, quem conta a me, uma enfermeira, uma psicloga,

    uma brinquedista. Existem pessoas que sabem contar histrias.

    Eu tenho vrios amigos, um deles o Jonas Ribeiro. Vocs co-

    nhecem o Jonas, um grande contador de histrias. O Jonas fabu-

    loso, incrvel. Outro dia aconteceu algo curioso. Ele publicou um

    livro chamado Gestante da Fantasia. Uma histria da primeira ges-

    tao de uma criana que de vez em quando saa de dentro da me,

    brincava com o pai e a me, e depois voltava para dentro da me

  • 34 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    e a gravidez continuava. O negcio era a fantasia. O Jonas fez um

    negcio muito curioso. Quando acabou o livro eu no sabia que

    ele estava escrevendo , ele foi ao consultrio e disse: Dr. Druzio,

    me faz uma coisa, meu livro est pronto, s falta o ltimo captulo,

    escreva o ltimo captulo para mim. Eu disse: Mas como eu vou

    escrever? Voc que o autor da histria. E ele respondeu: Voc tra-

    balha com nascimento, ento escreva o ltimo captulo do livro. O

    Jonas uma cara assim.

    H outros tambm, como o Valdir, e muitas outras pessoas que

    fazem coisas lindas. Msica. H pessoas que trabalham muito bem

    com msica. Artes plsticas. Em So Paulo, h um grupo chamado

    Projeto Carmim, que trabalha com pinturas e faz exposies com

    pinturas de crianas para as crianas internadas.

    importante que haja uma equipe multidisciplinar. fundamen-

    tal. So pessoas que tm interesse, que vo aos hospitais, que gostam.

    Quem so? a brinquedista, a voluntria, a psicloga, a pedagoga, a

    psicomotricista, enfim, uma poro de gente. Geralmente, o mdico

    no est presente. Isso muito estranho. Hoje vou fazer uma crtica a

    esse mdico que no participa muito da brinquedoteca.

    Quais so as vantagens da brinquedoteca hospitalar? a vanta-

    gem mdica: brincar importante para auxiliar no diagnstico, nos

    procedimentos e tratamentos das crianas e adolescentes no ambu-

    latrio ou no hospital. Por qu? Tudo isso facilita. A criana apren-

    de a aplicar uma injeo, por exemplo, em um boneco. A criana se

    reveste de mdica, de enfermeira; ela faz de conta que mdica ou

    enfermeira. Na hora de examinar essa criana, h mais facilidade, a

    adeso muito melhor.

    A alegria, a satisfao de brincar preserva o desenvolvimento

    mental h pouco algum falou sobre Piaget , preservando os

    aspectos emocionais, cognitivos e sociais, criando autoconfiana

    na criana; passa um ambiente mais tranqilizador para a famlia

    e para os amigos; facilita o trabalho do mdico e h um maior

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 35

    preparo nos procedimentos, nas intervenes nessa criana.

    Quando a criana fica muito tempo internada, ela tem aulas com

    uma pedagoga para no ficar atrasada na escola. Isso funda-

    mental. Quando o adolescente fica muito tempo internado, ele se

    profissionaliza no hospital.

    Oficina de mes. O que isso? para as mes que ficam com

    suas crianas no hospital, para dar a elas a possibilidade de fazer al-

    guma coisa enquanto a criana est internada: croch, bordar, pintar,

    artes plsticas, cartes de Natal, um monte de coisas.

    Casa de apoio. um local onde pode ficar hospedada a famlia

    da criana ou a criana enquanto aguarda algum exame ou a alta.

    Isso muito comum. Se a criana vai fazer quimioterapia, por exem-

    plo, ela no precisa ficar internada, pode ficar no ambulatrio. Nesse

    caso, pode ficar na casa de apoio, faz o exame, o tratamento, e depois

    volta. Outra vantagem: a criana que brinca no local, faz novas ami-

    zades, surgem parcerias. A enfermeira, ou outra pessoa, na ausncia

    da me, acaba a substituindo, pois existe ateno e carinho. A relao

    mdico/paciente/famlia/equipe forma vnculos que ficam por mui-

    tos e muitos anos.

    Vou citar um fato curioso. Quando eu me refiro a vnculo com

    uma pessoa, lembro-me de um fato muito gozado. As pessoas me

    desculpam se eu cometo algum erro. A famlia me perdoa. s vezes,

    dizem: O caso complicado mesmo, Doutor. complicado nada, eu

    que errei, compreendeu? Mas a pessoa me desculpa, me perdoa.

    interessante a situao.

    A preparao para a alta hospitalar e para o retorno vida normal

    so comprovadas vantagens da brinquedoteca. Temos muitos depoi-

    mentos de quem trabalha em brinquedotecas, das crianas e das mes,

    teses de ps-graduao. Hoje em dia h muita coisa que mostra que

    a brinquedoteca realmente funciona, vale a pena, como a doutora

    comentou h pouco.

  • 36 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    Quero mostrar para vocs um material muito bonito do Instituto

    de Oncologia Peditrica da Universidade Federal de So Paulo, da

    Escola Ps-Medicina, do Grupo de Apoio s Crianas e Adolescentes

    com Cncer. Esse hospital trata de crianas e adolescentes com cn-

    cer. O hospital lindo, tem 11 andares. Grande parte do terceiro an-

    dar est destinado brinquedoteca. Ali tem casa de apoio, as crianas

    tm atendimento l dentro e fora de l. As crianas fazem programas,

    vo ao cinema, muitas coisas importantssimas.

    Aqui, por exemplo, vemos as crianas brincando. Veja a alegria

    que elas tm! Vejam aquela criancinha que mostramos no comeo.

    Formamos cantos na brinquedoteca. Conforme a idade da crian-

    a, h um canto para ela. Por exemplo, h o canto dos bebs, o das

    crianas de at 2, 3 anos, o canto do faz-de-conta, onde tem casinha

    e muitos brinquedos.

    Esse o Dr. Psiu, o contador de histrias.

    H livros e video games. Essa criancinha que est aqui no teatro

    uma princesa. Esse menino, olha a carinha dele, a carequinha! Ele

    est fazendo quimioterapia e ficou careca. Ento, o que acontece? A

    carinha desse menino mostra sua alegria. Ele est com cncer. Vejam

    a famlia toda. Esse menininho aqui, veja o jeitinho dele.

    Essa fotografia aqui no nossa, do Hospital Federal de Santa

    Catarina, mas um modelo muito bonito. Aqui uma vista geral de

    brinquedoteca. Como bonita, grande e bem colocada.

    Essa criancinha aqui no canto do faz-de-conta tem uma cozinha,

    est brincando numa casinha, tem a vida dela. Aqui com o brinque-

    dista, as crianas esto brincando com o carrinho. E assim por diante.

    assim que funciona.

    Tudo isso apresentado para a criana diferente, claro, a crian-

    a que est mal, ruim, est com cncer. Essa letargia aqui devida ao

    cncer. Olha a carinha dela. O que acontece? Vale a pena? claro que

    ela est investindo nisso da.

  • Abertura - Painel: O Papel do Brinquedo na Educao e na Sade 37

    Mas acontece um fato muito curioso. Geralmente os mdicos no

    conhecem muito isso. Eles no se interessam muito por brinquedote-

    ca somente por no conhecer. muito curioso. s vezes a direo do

    hospital, s vezes o prprio mdico, o pediatra, que quem cuida de

    criana e adolescente, no conhece. Por isso no se interessam.

    Eu disse que os mdicos se baseiam na Medicina de evidncias.

    O mdico aceita bem o tratamento quando tem certeza que o mesmo

    valeu a pena.

    Eu imaginei uma pergunta. Ser que existe comprovao cien-

    tfica de que a brinquedoteca contribui para maior sobrevida de

    crianas e adolescentes com cncer? Ser que a criana com cncer

    vive mais tempo porque est brincando na brinquedoteca? At hoje

    ningum provou. Pesquisas so importantes para provar esse fato.

    difcil avaliarmos a dor, que muito grande, e a doena, para darmos

    solues diferentes, e assim por diante.

    Pediatras acham que brinquedoteca no lhes diz respeito direta-

    mente, ento, no se interessam muito. Fao meus alunos residentes

    entenderem o que brinquedoteca. Os que no tm essas aulas, esses

    cursos, no se interessam tanto. Os que tm brinquedoteca em seus

    hospitais se interessam muito.

    A brinquedoteca especialidade que o mdico deve ter diante de

    tanta comprovao. Por exemplo, na Escola Paulista de Medicina e na

    Universidade Federal de So Paulo, em 1991, a adeso ao tratamento

    foi de 29%. Dez anos depois, em 2002, com a brinquedoteca, passou

    a 100%. Isso mostra que a adeso proporcionou melhor qualidade de

    vida. O mdico entender isso importante.

    As recomendaes da Organizao Mundial de Sade so, resumi-

    damente: preveno de doenas, cura de doenas quando possvel.

    Quem mdico sabe que colocar isso na cabea d tranqilidade

    incalculvel. Se voc no cura, comea a ficar meio traumatizado.

    No, voc tentou, voc no conseguiu, infelizmente, mas voc tentou,

    voc conseguiu o qu? Voc deu especial ateno ao doente e no

  • 38 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    doena, voc concedeu, principalmente criana doente, melhor

    qualidade de vida.

    O pediatra necessita conhecer melhor a brinquedoteca para pro-

    porcionar melhor qualidade de vida ao seu paciente. Nesse momento

    ele vai se interessar e gostar. Talvez ainda no tenhamos divulgado

    muito a brinquedoteca hospitalar. O pediatra geralmente sensvel e

    ao entender isso aqui ele se interessa e colabora muito.

    Tenho muito entusiasmo com a brinquedoteca hospitalar. Eu

    freqento brinquedotecas h muitos anos. Brinquedotecas simples

    e outras modelos, como mostrei agora, so diferentes, mas o esp-

    rito igual. Eu acho que vale a pena. Sou um pediatra feliz. Se eu

    morresse e nascesse de novo eu seria pediatra novamente e mexeria

    com brinquedoteca.

    A SRA. COORDENADORA (Deputada Luiza Erundina) - Obri-

    gada, Dr. Druzio, por essa maravilhosa exposio.

    Estou em dificuldade, peo que me ajudem. Prometi algo que

    no vou poder cumprir, que o debate. Quero que me ajudem a deci-

    dir, porque j estamos atrasados para a outra reunio. um dia curto

    para tantos compromissos. Posteriormente negociarei com a Profa.

    Nylse, o Dr. Druzio e a equipe da Comisso de Legislao Participa-

    tiva no sentido de encontrarmos uma forma de no protelar o incio

    da outra reunio. Concordam?

    Todos devem estar cansados, sobretudo quem est sentado no

    cho. Vamos fazer um intervalo de 10 minutos. Em seguida, instala-

    remos a segunda mesa.

    Muito obrigada.

  • 39

    1 Mesa de Debate: A Brinquedoteca no Processo Educacional

    O SR. APRESENTADOR (Agnaldo Rayol) - Convidamos para

    compor a Mesa a Dra. Edda Bomtempo, pesquisadora de brinquedos

    do Instituto de Psicologia da USP; a Sra. Sandra Kraft do Nascimento,

    psicopedagoga e membro da Diretoria da Associao Brasileira de

    Brinquedotecas; a Sra. Tnia Ramos Fortuna, professora de psicologia

    da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande

    do Sul.

    Passamos a palavra Dra. Edda Bomtempo, que dispor de 20

    minutos para sua exposio.

    A SRA. EDDA BOMTEMPO - Bom dia a todos. Agradeo C-

    mara dos Deputados, na pessoa da Deputada Luiza Erundina, que a

    alma deste evento. um prazer participar desta reunio que destaca a

    importncia do brinquedo na sade e na educao e, por conseguin-

    te, da brinquedoteca, que , por assim dizer, o espao da criana.

    Antes de entrar na palestra sobre a importncia de brincar

    para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil, digo-lhes que

    trabalho h muitos anos na rea do brincar. Sou pesquisadora h

    mais de 30 anos e vou apresentar-lhes a evoluo que houve nesse

    setor de brincar.

    Sempre digo que brincar assunto muito antigo e relativamente

    novo. muito antigo porque filsofos antigos assim j afirmavam.

    Schiller, por exemplo, dizia que o homem s totalmente homem

    quando brinca. Rousseau dizia que a criana deve ser tratada como

    criana. E Frbel, que o trabalho da criana brincar.

    Da as pesquisas foram evoluindo. E, nas dcadas de 20 e 30, j

    havia algumas pesquisas. Porm, a recuperao da pesquisa aconte-

    ceu mesmo depois do hiato entre as dcadas de 40 e 50 com os

    trabalhos de Piaget, na dcada de 50. Recuperao mesmo ocorreu

  • 40 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    na dcada de 70, quando aparecem mais pesquisas. Estourou para

    valer nas dcadas de 80 e de 90 e agora no incio deste sculo.

    O assunto palpitante e interessa a todos, graas a Deus. Fico

    muito feliz, porque todos sabem que brincar muito importante

    para a criana, no s para a criana, mas para o ser humano de

    maneira geral.

    Temos tambm o Estatuto da Criana e do Adolescente, que

    completa 15 anos e que d para o brincar o mesmo status que d

    para a sade e para a educao.4

    Agora, vou comear a falar sobre a importncia do brincar na

    sade e na educao.

    Brincadeiras e jogos so considerados fatos universais, pois sua

    linguagem pode ser compreendida por todas as crianas do mundo.

    Assim, se quisermos conhecer bem as crianas, devemos conhecer

    seus brinquedos e brincadeiras. E isso verdade.

    Muitas crianas, s vezes, se encontram na Disney crianas de

    todos os pases. Se voc deixar duas crianas juntas, mesmo que elas

    no falem a mesma lngua, daqui a pouco elas estaro brincando,

    porque elas se entendem, brincando elas se entendem.

    Nesse sentido, brincar representa um fator de grande importn-

    cia para a socializao da criana, pois brincando que o ser humano

    torna-se apto a viver num mundo social e culturalmente simblico.

    E brincar exige concentrao durante grande parte de tempo, desen-

    volve iniciativa, imaginao e interesse. o mais completo dos pro-

    cessos educativos, pois influencia o intelecto, a parte emocional e o

    corpo da criana.

    Quando disse que o brincar exige concentrao, vocs tambm

    repararam quando a Profa. Nylse passou aqueles slides das crianas.

    Vocs puderam observar como as crianas estavam concentradas.

    Ento, quando a criana est interessada em alguma coisa, ela se con-

    centra. Como ela disse: os professores reclamam que as crianas no

    prestam ateno. Por qu? Porque aquilo que lhes foi passado no

    4 Segue-se exibio de slides. Imagens no disponveis.

  • 1 Mesa de Debate: A Brinquedoteca no Processo Educacional 41

    foi feito de maneira interessante. Elas tm de aprender Geografia,

    Histria, Matemtica, tudo isso, mas podem aprender brincando, e a

    estaro muito mais atentas, concentradas. Quer dizer, iro aprender

    muito mais brincando.

    Nos jogos e brincadeiras emergem valores que dizem respeito

    curiosidade, coragem, auto-aceitao, ao otimismo, alegria,

    cooperao e maturidade.

    Curiosidade. A criana tem curiosidade quando recebe um brin-

    quedo ou algum sugere uma brincadeira. Ela tem curiosidade. Muitas

    vezes a criana quer e consegue ter determinado brinquedo, nem que

    no ganhe o brinquedo, mas tem acesso a ele na brinquedoteca, e ela

    vai ficar muito curiosa at saber como brincar com aquele brinquedo.

    E brincando, ela vai ter coragem. Por exemplo, o brincar no hos-

    pital, onde as crianas tm de enfrentar procedimentos invasivos. Se

    voc prepara a criana para enfrentar aqueles procedimentos por

    meio do brincar, das brincadeiras, utilizando muitas miniaturas

    podem ser usadas at sucatas do material utilizado pelo mdico ,

    como seringas e estetoscpios, ela ter mais coragem para enfrentar

    aquelas dificuldades que o estar em um hospital acarreta.

    Auto-aceitao. Quando ela brinca, ela vai ver o que pode e o

    que no pode. Ento, ela vai se aceitar como . Assim, h o brinque-

    do com o qual ela pode brincar mais e o que pode menos, porque

    ou lhe interessa mais, ou porque mais adequado ao seu nvel de

    desenvolvimento. Ela vai se auto-aceitar quando estiver brincando.

    Muitas vezes crianas que esto brincando no deixam outra tomar

    parte porque ela no conhece a brincadeira. aquele caso do caf

    com leite. A criana fica olhando, no participa, mas aprende e de-

    pois vai participar.

    Vygotsky diz que muito importante a influncia do mais velho

    sobre o mais novo. Muitas vezes a criana no consegue brincar, mas

    o mais velho d um empurrozinho, d umas orientaes, e a o mais

    novo aprende a brincar isso acontece na brinquedoteca.

  • 42 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    Otimismo. Quando a criana brinca, fica muito alegre, muito

    otimista, alm de haver cooperao e competio. Vale dizer que a

    competio tambm muito importante, porque no mundo em que

    vivemos a competio est a mesmo. No s competir, mas tam-

    bm cooperar. Cooperao e competio andam juntas. Exemplo:

    num jogo em que vrias pessoas dele participam, daquele brinquedo,

    daquele esporte, um grupo que, unido, vai lutar pelo mesmo obje-

    tivo. Ento, da mesma forma em que h competio existe tambm

    cooperao entre os parceiros.

    Maturidade. Vygotsky diz tambm que a criana, quando brin-

    ca, mostra capacidade alm daquilo que voc espera, principalmente

    nas brincadeiras de faz-de-conta. Ela diz coisas que voc no espera

    que ela diga no cotidiano.

    H uma autora que diz que sem os rendimentos do saber que o

    jogo prov a criana seria incapaz de aprender alguma coisa na escola

    e ficaria irremediavelmente alienada do seu ambiente natural e social.

    O jogo encarna tudo isso. Ele possibilita, como mencionou a Profa.

    Nylse, o desenvolvimento da sociabilidade, a parte cognitiva, a parte

    emocional e tambm a parte corporal.

    Ento, brincando, a criana se inicia na representao de pa-

    pis do mundo adulto que vir desempenhar mais tarde e desen-

    volve capacidades fsicas, verbais e intelectuais, alm da aptido

    de se comunicar.

    O jogo, como se v, um fator de comunicao mais amplo do

    que a linguagem verbal e propicia o dilogo entre pessoas de origens

    lingsticas e culturas diferentes. Como disse aqui, o brincar tem lin-

    guagem universal.

    Melaine Klein, a grande fundadora da terapia pelos brinquedos,

    dizia que a linguagem da brincadeira , por excelncia, da criana.

    Quando fizemos essa observao, notamos que ela vai dizer muito

    mais coisas brincando do que se fosse simplesmente falar.

  • 1 Mesa de Debate: A Brinquedoteca no Processo Educacional 43

    Por intermdio da atividade brincar que a criana interioriza

    os valores ticos da sociedade a qual pertence. medida que brinca

    ela vai aprendendo vrios valores, como, por exemplo, num jogo de

    regras, onde aprende a esperar a sua vez, aprende a cooperar com

    o parceiro, aprende estratgias e tambm que, na brinquedoteca, o

    brinquedo no s dela, mas de todos que ali esto. Assim, ela apren-

    de a cuidar daquele brinquedo para que possa ser usado por todas as

    crianas que freqentam a brinquedoteca.

    Brinquedos, ento, apresentam um contedo e transmitem uma

    mensagem que pode ser percebida pelas crianas de forma diferente

    e de acordo com o seu universo de valores, os costumes e as situaes

    que permeiam o seu cotidiano.

    Podemos dizer, ento, que o brinquedo um produto cultu-

    ral e, dependendo do seu nvel de desenvolvimento, a criana ir

    reagir diferentemente frente quele brinquedo. Se ela tiver maior

    interesse, certamente brincar mais. Se o brinquedo for muito di-

    fcil para ela, tal como um jogo com regras complicadas, no con-

    seguir brincar e, conseqentemente, ficar desinteressada. Se o

    brinquedo for muito fcil, ela tambm no ter interesse. Por isso

    dizemos que o brinquedo deve ter um nvel timo, ou seja, aquele

    em que a criana brinque com mais facilidade, que ela realmente

    goste e se interesse.

    Tudo isso tem a ver com o seu universo de valores, os costumes

    e as situaes que permeiam o seu cotidiano. De acordo com o am-

    biente onde a criana vive, ela reagir de maneira diferente quele

    mesmo brinquedo.

    Fizemos uma pesquisa com a boneca Barbie, quando comemo-

    rou-se os 40 anos de sua criao, para ver se o modo de pensar das

    crianas de mdio e baixo nvel socioeconmico era igual. Assim,

    pedimos para as crianas que fizessem de conta que a Barbie era uma

    pessoa e perguntamos para elas o que imaginavam que a Barbie fazia,

    qual era a sua profisso, se ela saa, se tinha namorados, se fazia com-

  • 44 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    pras. Para nossa surpresa, as crianas de mdio nvel socioeconmi-

    co responderam que a Barbie era empresria, cantora, professora de

    ingls e que ela usava o computador e ia para a academia. J as crian-

    as de nvel socioeconmico baixo responderam que a Barbie era

    empregada domstica, frentista do posto de gasolina, que passava o

    pano no cho, fazia comida se bem que hoje em dia ser cozinheira

    importante. Aquele era o cotidiano delas. O modelo que elas tinham

    era o mesmo das pessoas que conviviam e desempenhavam tais fun-

    es, no que tivessem menos percepo da boneca.

    O que mais impressiona as crianas no a riqueza da Barbie,

    que tem carro, jias e roupas feitas por costureiros, mas a beleza.

    Quando perguntamos: Por que voc quer ser igual Barbie? Elas

    responderam: Porque ela muito bonita.

    Agora, entre as crianas de baixo nvel socioeconmico, no havia

    claro conceito de adulto e criana. Elas atribuam Barbie as mais va-

    riadas idades. Enquanto as meninas de mdio nvel socioeconmico

    davam de 18 a 26 anos para a boneca, as meninas de baixo nvel socio-

    econmico davam 9 anos e diziam que ela era adulta; quando davam

    20 anos, diziam que ela era criana. Por qu? Porque elas comeam a

    trabalhar muito cedo, j tomam conta dos irmos menores.

    A minha inferncia a de que essas crianas realmente no tm a

    percepo entre adulto e criana, pois deixam de s-lo muito cedo.

    O brinquedo pode ser considerado como pedao de cultura co-

    locado nas mos da criana e tambm o seu parceiro na brincadeira.

    A partir da, passa a ser portador de novos valores por meio da pene-

    trao no mundo social.

    Nessa pesquisa pudemos ainda constatar que os valores se divi-

    dem: os que so importantes para determinada camada social no

    so para outros; depende do ambiente, do valor no mundo em que

    vivem. Mas brincando tambm vo desenvolver os valores presentes

    na sociedade e no seu cotidiano.

  • 1 Mesa de Debate: A Brinquedoteca no Processo Educacional 45

    Um dos tipos de brincadeira que aparece muito, principalmente

    na faixa da pr-escola, na educao infantil, o jogo de faz-de-conta

    ou o jogo imaginativo. Nesse tipo de brincadeira a criana progri-

    de da necessidade de experimentar alguma coisa para a habilidade

    de pensar sobre ela. Quando a criana muito pequena, est muito

    presa ao concreto, mas, na medida em que comea a internalizar as

    coisas presentes num objeto ou numa situao, falar sobre elas sem

    precisar da presena do objeto ou do modelo. Em geral, elas tm mo-

    delos, os quais podem ser muitos bons ou no.

    Segundo Winnicott, quando a criana se desenvolve precisa es-

    pelhar-se em um modelo positivo. Se no for bom, ela desenvolver o

    falso self. Quer dizer, ela olhar o mundo de maneira deturpada. No

    ser um adulto que pensar em desenvolver um mundo melhor.

    Para incrementar a ocorrncia da interao social na infncia se-

    ria interessante prover a criana de variedades ldicas, oferecendo

    oportunidade de desenvolver, por meio dos brinquedos, habilidades

    bsicas de cooperao, eficiente comunicao, competio honesta

    competio sempre vai existir, o nosso dia-a-dia mostra isso, mas

    quando competimos, devemos faz-lo de forma honesta e reduo

    de hostilidade e agresso.

    J orientei muitas pesquisas e teses, inclusive uma em que intro-

    duzimos os jogos cantados na pr-escola, pois havia muitas crianas

    agressivas. E a brincadeira cantada no foi feita da noite para o dia,

    houve uma longa pesquisa, durante vrios meses. Com isso, houve

    diminuio da agressividade. Algumas crianas de 6 anos simples-

    mente no brincavam, s se socavam e brigavam. Mas com a intro-

    duo dos jogos cantados, reduziu-se significativamente a violncia.

    O brincar e o currculo. Tudo indica que os professores tm di-

    ficuldade para justificar a insero das atividades ldicas no ensino

    porque, em primeiro lugar, a administrao da escola sempre cobra

    dele o ensino acadmico, se foram ensinadas as disciplinas de ma-

    temtica, histria e portugus. A criana, brincando, aprende todas

  • 46 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    elas, mas nem a administrao da escola nem os professores esto

    preparados para tal.

    Por outro lado, os pais dizem que os filhos esto na escola para

    estudar, e no para brincar. S que o brincar essencial no s para

    a educao, como tambm para a sade e para o desenvolvimento.

    A criana que no brinca, com toda a certeza, doente. Se algum

    disser: Professora, o meu filho est de tal jeito. Pergunte logo: Ele

    brinca? Se ele no brinca, provavelmente deve ter alguma coisa, o

    buraco deve estar l embaixo, no em cima.

    Os professores no recebem formao que os capacitem a enten-

    der o tipo de aprendizagem que provm do uso bem empregado das

    brincadeiras e da oportunidade de brincar; ou seja, a formao deles

    no eficiente para isso. Por isso a dificuldade de inserir o brincar no

    currculo. Na verdade, precisariam entrar no universo de brincadei-

    ras das crianas. Costumo dizer que, quando lidamos com criana,

    no podemos ter olhar de adulto. Devemos ter o olhar da criana,

    devemos olh-la como criana, do contrrio, no iremos entend-la.

    Introduzir a brincadeira no ensino requer a compreenso das di-

    ferentes formas de brincar, relevantes para cada criana, j que cada

    uma tem o seu ritmo, elas no so iguais. Ento, uma brincadeira que

    leva algumas crianas a ficarem horas e horas brincando, para outras,

    no interessante. Com as novidades do video game, computador e

    play station, a crianada fica brincando horas e horas. preciso at

    tir-las dos brinquedos, porque para tudo tem de haver limite, tem

    de haver equilbrio. No que o video game no seja bom, ele um

    brinquedo como outro qualquer, s que a criana no pode ficar o

    dia inteiro jogando.

    Profundo conhecimento dos materiais ldicos, para saber lidar

    com eles, e estmulo interao entre crianas. Quer dizer, o profes-

    sor, como tambm o brinquedista, que em geral professor, tm de

    conhecer todos os materiais com os quais tem de lidar. O brinque-

    dista, na brinquedoteca, tem de conhecer os brinquedos, a parte de

  • 1 Mesa de Debate: A Brinquedoteca no Processo Educacional 47

    teatro, histrias infantis para cont-las s crianas, os cantos; ele tem

    de prever tudo o que pode acontecer, tudo o que pode ser feito.

    O que influencia a brincadeira? Os espaos, em primeiro lugar. A

    cada dia os espaos para crianas esto ficando menores. Os aparta-

    mentos so muito pequenos, a prpria famlia diminuiu bastante, as

    crianas tm poucos amigos e poucas oportunidades. Quando eu era

    criana podia-se brincar nas ruas, agora j no se pode mais pode

    ser que no interior ainda possa , a no ser que haja ruas de lazer, que

    so fechadas nos fins de semana para as crianas poderem brincar,

    parques e a brinquedoteca, que o espao da criana.

    A brinquedoteca o espao privilegiado para a pesquisa. L se

    pode observar a criana, como ela brinca, porque ela no brinca,

    tudo isso que pode dar um feedback para a pessoa que trabalha na

    brinquedoteca. Os jogos em grupo preparam a criana para integra-

    rem uma sociedade adulta, porque com esses jogos ela vai aprender a

    relacionar-se com o outro, vai se preparar para novos papis.

    Interao das crianas com os pais. Eu sempre digo que pais

    tm de brincar com os filhos, porque nessas horas as relaes de

    poder desaparecem. Ento, no est ali o pai, aquele que man-

    da, a me, aquela que manda, mas os que esto no mesmo nvel

    que o filho. Nessa hora as crianas vo poder dizer para os pais

    coisas que elas no diriam no dia-a-dia. Na hora em que esto

    brincando com os pais, elas ficam mais relaxadas e conseguem

    dizer muita coisa.

    Facilitao direta ou indireta do brincar por parte do professor.

    O professor tem de facilitar o brincar. A maneira participativa a

    melhor. Se as crianas comeam a brigar, hora de intervir. Se elas

    tm uma dvida e perguntarem, hora de intervir. Ele pode abdicar

    de ser organizador, mas no pode abdicar de ser animador.

    Treinamento ou experincia com certos tipos de brinquedo. So-

    bre isso j falei.

    Preparao, planejamento cuidadoso e orientao.

  • 48 BRINQUEDOTECA: A IMPORTNCIA DO BRINQUEDO NA SADE E NA EDUCAO

    O professor tem de planejar primeiro o que vai fazer. A mesma

    coisa vale para o brinquedista. Numa creche ou numa escola de edu-

    cao infantil, deve haver uma relao com o professor e o brinque-

    dista. Se o professor quiser levar algum brinquedo para a sala de aula,

    quando quer dar uma matria nova, ele no pode usar o brinquedo

    como mais uma tarefa. Ele vai deixar que a criana descubra, e, quan-

    do isso acontece, ele aproveita para ensinar, para dar mais informa-

    es sobre o que pretende.

    Avaliao e observao constantes. A avaliao e a auto-avaliao

    tm de ser feita por ele. Nunca se pode deixar de avaliar, principal-

    mente a si mesmo. Ser que eu estou sendo um bom professor? Ser

    que eu estou fazendo tudo o que poderia para os meus alunos? Essa

    avaliao tem de ser constante, assim como a observao.

    Quando eu entrei na faculdade, lembro que o meu professor

    dizia sempre: primeiro, vamos comear observando. Ento, obser-

    var uma coisa importantssima. Observar os alunos, observar as

    crianas, observar as pessoas adultas. Agora h brinquedoteca para

    adulto tambm.

    competncia profissional preciso acrescentar alegria, entu-

    siasmo, aptido para relaes humanas, complementadas pela for-

    mao continuada. O professor nunca pode deixar de estudar. Todos

    ns, professores, nem que estejamos dando aula em cursos de ps-

    graduao e l temos de estudar mais, porque os alunos so mais

    exigentes , temos sempre de nos reciclar, fazer cursos e melhorar.

    A aprendizagem pode e deve ocorrer em contexto ldico. Talvez os

    bons professores sejam os que levam para a sala de aula o respeito

    pelas crianas.

    A criana uma cidad e tem de ser respeitada, tem de ser com-

    preendida, tem de ser amada. Desta forma, poderemos reconhecer e

    apreciar melhor o brincar das crianas, to necessri