BUENO - Educação Especial cap 3 e 4 (1)

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BUENO, J. G. A Educao Especial na Sociedade Moderna. In. A EDUCAO ESPECIAL BRASILEIRA: integrao/segregao do aluno diferente. So Paulo: EDC, 2004. A EDUCAO ESPECIAL NA SOCIEDADE MODERNA O estudo da excepcionalidade que rejeite a concepo positivista de construo de conhecimento pretensamente objetiva e neutra sobre os fenmenos sociais e, ao mesmo tempo, que a inclua no mbito maior da luta de classes, necessita recuperar o locus especfico onde historicamente se construiu esse conceito, sob pena de, permanecendo somente na rejeio desse universalismo a-histrico, considerar as condies presentes como o paradigma para sua interpretao. Muito pouco tem sido escrito sobre a histria da educao especial e o material bibliogrfico disponvel a apresenta como decorrncia da evoluo das civilizaes, iniciando com a morte dos anormais na pr-histria e culminando com o esforo para integrao do excepcional na poca contempornea. Uma sntese bastante reveladora dessa posio se encontra em Kirk e Gallagher (1987, pp. 5 e 6): Ao examinarmos a histria, verificamos que o conceito geral de se educar a criana at os limites de sua capacidade relativamente novo. O uso atual do termo excepcional , em si mesmo, um reflexo das mudanas radicais dos pontos de vista da sociedade em relao queles que se desviam da norma. Progredimos bastante lentamente, desde a poca espartana, quando se matavam os bebs deficientes ou deformados. Historicamente podem ser reconhecidos quatro estgios de desenvolvimento das atitudes em relao s crianas excepcionais. Primeiramente, na era pr-crist, tendia-se a negligenciar e a maltratar os deficientes. Num segundo estgio, com a difuso do cristianismo, passou-se a proteg-los e compadecer-se deles. pag.56 Num terceiro perodo, nos sculos X VIII e XIX, foram fundadas instituies para oferecer-lhes uma educao parte. Finalmente, na ltima parte do sculo XX, observa-se um movimento que tende a aceitar as pessoas deficientes e a integr-las, tanto quanto possvel. Dentro do mesmo esprito, Lemos (1981, p. 54) coloca que em pocas passadas os deficientes sofreram toda a sorte de dificuldades, como se pode observar por esta passagem, em que afirma que os deficientes fsicos, ao longo da histria, sempre foram colocados entre os demais excepcionais, recebendo com freqncia designaes pejorativas como coxo, aleijado, perneta, maneta e assim por diante..., acrescentando que os excepcionais esto alcanando (...) posio na sociedade que lhes garante nos dias de hoje, oportunidades de participar deforma efetiva, no esforo comum de progresso e desenvolvimento humanos (Lemos, 1981, p. 2). Essas interpretaes sobre o percurso histrico dos excepcionais e da educao especial reproduzem, por um lado, o cientificismo neutro que separa tanto os primeiros quanto a segunda da construo histrica da humanidade, na medida em que a excepcionalidade vista como uma caracterstica estritamente individual, diferente da espcie, enquanto que a educao especial se confina ao esforo da moderna sociedade democrtica de integrao desses "sujeitos ntrinsicamente diferentes" ao meio social. Por outro lado,

fragmentada e descontextualizada, na medida em que no os correlacionam nem com o desenvolvimento da educao em geral, muito menos com as transformaes sociais, polticas e econmicas por que passaram as diversas formaes sociais. Em decorrncia, na medida em que no partem das condies concretas de vida e das formas com que os homens se organizam para produzir sua vida material, passam a considerar a "sociedade moderna", independentemente das formas de sua organizao social, como o perodo em que se est realizando a redeno dos excepcionais. nesse sentido que Lemos (1981, p. 23) afirma que somente a partir do sculo XVIII que se encontram as primeiras inciativas visando evitar o isolamento dos cegos e dos demais excepcionais, numa tentativa de orientar e aproveitar nesses deficientes, as potencialidades de que ainda dispem, enquanto que Fonseca (1987, p. 10) coloca que a Revoluo Francesa foi, nesse sentido, um novo perodo em que as atitudes filosficas e antropolgicas se conjugaram numa perspectiva mais humanista da deficincia. pag.57 Em suma, o perodo anterior ao advento e desenvolvimento da sociedade moderna considerado como um longo perodo de gestao, em que as atitudes para com os excepcionais oscilaram entre os maus tratos e a piedade, situao que se modifica na nova sociedade, na medida em que vo sendo oferecidas oportunidades educacionais e de integrao social aos deficientes, at se chegar aos dias de hoje, em que sua integrao se efetiva ou est em vias de se concretizar. Essas anlises dos fatos histricos, "imparciais e objetivas", ou com base nas condies impostas pelo presente, cumprem duas funes bsicas. A primeira, de isolar o fenmeno da excepcionalidade e das formas de sua participao no meio social das relaes sociais concretas, que dessa forma, no so colocadas sobre o crivo da anlise crtica. A segunda, de ratificadora dessas condies como paradigma da interpretao. Em outras palavras, a anlise histrica assim desenvolvida serve de fundamento que justifica e qualifica todo o conhecimento produzido sobre o excepcional e a educao especial com base no princpio do progresso e que foi objeto de anlise dos captulos precedentes. Este captulo dedicado reviso crtica dessa historiografia, com o objetivo de apresentar uma interpretao desses fatos histricos que se contraponha a essa viso que dissimula as contradies existentes na sociedade capitalista. Ao contrrio dessas correntes, em que se pretende desenvolver anlise histrica imparcial ou decorrente inexorvel das condies histricas presentes e que tem como nica fonte a histria do pensamento, essa reviso est comprometida com a viso de que (...) no se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para, a partir da, chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expe-se tambm o desenvolvimento dos reflexos ideolgicos e dos ecos desse processo de vida (Marx, 1986, p. 37). Nesse sentido, a histria dos excepcionais e a histria da educao especial deve ser construda no

(...) mais na dimenso do pensamento, tendo como paradigma a unidade de sujeito e predicado no juzo, mas na dimenso da prxis, sedimentando-se no sistema do trabalho social, isto , nos seus instrumentos de transformao e nos esquemas de apreenso da realidade a contidos (Muller, 1981, p. 16). pag.58 A EDUCAO DOS DEFICIENTES: E TUDO SE INICIA... A maior parte dos escritos que, de alguma forma, se dedica histria da educao especial, considera o sculo XVI como a poca em que se iniciou a educao dos deficientes, atravs da educao da criana surda. Antes disso, segundo esses autores, os deficientes eram encaminhados aos asilos, onde permaneciam segregados e sem ateno, ou ento, viviam como mendigos, sobrevivendo s custas da caridade pblica. Esse perodo considerado como uma poca de precursores, por se restringir somente criana surda, por no se desenvolver atravs da instituio escola (como ocorrer partir do sculo XVIII) e por envolver um nmero reduzido de deficientes. atribudo ao monge beneditino Pedro Ponce o papel de iniciador da educao especial, atravs de seu trabalho com crianas surdas, iniciado em 1541, na Espanha, tendo educado uma dezena de surdos-mudos, filhos todos eles de grandes personagens da corte espanhola, morrendo em 1549 (Quirs e Gueler, 1966, p. 238). Aps a sua morte, no h referncia de continuidade de seu trabalho. Apenas no sculo XVII que surgiram novos educadores de crianas surdas, como Ramirez de Carrin e Juan Carlos Bonet, na Espanha, que exerceram influncia em outros pases europeus, principalmente o ltimo que publicou, em 1619, obra considerada como o primeiro manual de educao de surdos: Reduo das letras e arte de ensinar a falar os mudos (Quirs e Gueler, 1966, p. 249). Embora tenha havido influncia dos preceptores espanhis em outros pases, como na Inglaterra, com Kenelm Digby, que deixou registro escrito sobre seu contato com criana surda espanhola que havia recebido educao de Bonet, pode-se considerar que, antes disso, j existiam educadores de crianas surdas, que no seguiam o modelo espanhol, baseado na desmutizao e na leitura labial, c~mo, por exemplo, John Bulwer, que, se em 1648 publicou livro que seguia a metodologia de Bonet, quatro anos antes havia publicado Quirologia ou linguagem natural da mo, cujo tratamento se dirigia utilizao da mo e de gestos como forma de comunicao dos surdos (Quirs e Gueler, 1966, p. 252). Alm da Espanha e da Inglaterra, existem referncias sobre preceptores de crianas surdas na Itlia (Francesco Lana Terzi), na Frana (Lucas e Rousset), na Holanda (Johan Conrad Amman) e na Alemanha (Wilhelm Kerger), todos ainda no sculo XVII ou incio do XVIII (Quirs e Gueler, l966,yp. 256, 260, 264 e 267). pag.59 O primeiro aspecto a ser analisado diz respeito interpretao que a historiografia citada faz desses educadores, considerando-os como precursores da educao da criana surda, pelo fato de terem sido preceptores.1

Embora a escola elementar viesse, gradativamente, substituindo o sistema de preceptores (V. Manacorda, 1989, p. 194), esta ainda era uma prtica comum. Tanto isso verdade que Carrin, alm de ter sido o preceptor do filho surdo do Marqus de Priego, cuidou tambm da educao de seu filho ouvinte. Por outro lado, constata-se que o ensino de crianas surdas (...) esteve dedicado exclusivamente, com excees contadas, a pequenas minorias aristocrticas... (Quirs e Gueler, 1966, pp. 243 e 244), concluindo-se que no cabe discutir as causas desses exclusivismos, deixando implcito que elas deveriam refletir somente a relao entre o meio social e a deficincia. O que no fica claro que, nessa poca, a educao formal era privilgio da aristocracia, embora j se comeasse a (...)falar numa instruo til, e no somente numa aculturao imposta, tambm para as classes populares (Manacorda, 1989, p. 194). Assim, se na Espanha a quase totalidade das crianas surdas educadas por preceptores pertencia nobreza, j na Inglaterra e na Holanda, esse atendimento se estendia a negociantes abastados que j possuam um certo poder, mesmo que somente econmico, embora o poder poltico permanecesse nas mos da nobreza. preciso, tambm, distinguir o que significava educar crianas surdas nessa poca. Enquanto que, para as crianas ouvintes, a educao se constitua no ensino da leitura, da gramtica, da matemtica e das artes liberais, a educao de seus irmos surdos se confinava basicamente a tcnicas de desmutizao ou de substituio da fala por gestos, que parece corresponder muito mais recuperao da doena. De qualquer forma, no se pode negar que foi nesse perodo que se passou a ter uma 1. Quirs e Gueler (1966, p. 240) afirmam que Pedro Ponce no deixou uma escola formada de profesaores para surdos (motivo de crtica por parte de alguns autores)... pag.60 preocupao e uma atuao sistemticas com o processo de comunicao de crianas surdas. Por fim, considerar esses educadores como os pioneiros da educao especial parece tambm ser duvidoso, na medida em que existem indicaes de que, antes desses, outros j haviam se dedicado a essa tarefa. Pois, no foi Rodolfo Agrcola quem, ainda no sculo XV, declarou (...)haver visto um surdo que havia aprendido a ler e escrever, apesar de estar privado da audio desde seus primeiros anos de vida e que, por consequncia, era tambm mudo? (Quirs e Gueler,1966, p. 208). Alm desse exemplo, cabe citar os de Rabelais, no sculo XV, que incluiu em uma de suas obras (O terceiro livro de fatos e ditos hericos de Pantagruel) um personagem surdo que podia entender o que lhe falavam, atravs da leitura dos lbios (Quirs e Gueler, 1966, p. 234) e de Bartolo, que, ainda no sculo XIV, deixou registrado o fato (...) de que um surdo poderia ter leitura de lbios (Quirs e Gueler,1966, p. 208). Na realidade, a prtica social j havia demonstrado que surdos eram capazes de entender o que lhe falavam, bem como aprender a ler e escrever. Talvez tenha sido nos sculos XVI e XVII que determinados indivduos passaram a se dedicar exclusiva ou predominantemente educao de crianas surdas mas se, antes disso,

alguns surdos conseguiram entender a linguagem oral, bem como ler e escrever, devem, de alguma forma, ter passado por algum processo de aprendizagem. Os dados referentes educao da criana cega parecem reforar essa inconsistncia com relao ao incio da educao dos deficientes. A bibliografia disponvel refere-se a eles como desassistidos e abandonados prpria sorte, nos sculos XVI e XVII.2 Se levarmos em considerao a grande massa dos cegos da Europa, nesse perodo, essa afirmao deve corresponder realidade. 2. Na histria da vida dos cegos, a partir da Idade Mdia, no mundo ocidental, tiveram incio as primeiras providncias para seu cuidado e proteo em asilos e outras instituies de abrigo. Essa proteo, no entanto, em nada contribuiu para mudar sua condio de dependncia e de inferioridade. Sujeita inevitvel limitao, decorrente de sua deficincia e subordinada a uma srie de preconceitos, viveu a pessoa cega na sociedade, marginalizada ou segregada em asilos, sem condio para desenvolver o potencial humano de que dotada, que independe do sentido da viso. Por isso, os relatos histricos sobre feitos e realizaes nunca foram tomados no passado como fatores comprobatrios, 50-cialmente, de sua capacidade e eficincia; eram sempre considerados como exemplo de excepcionalidade, genialidade ou "toque de graa", para justificar as realizaes incompreensveis de serem concretizadas, normalmente, pelos portadores de cegueira (Lemos, 1981, pp. 21 e 22). Pag.61 Mas, nesse caso, serviria tambm para os surdos, j que apenas um pequeno nmero, proveniente das elites, usufruiu de atendimento especfico. Mas como esses ltimos receberam algum atendimento formal, passaram a ser considerados como privilegiados em relao aos demais.A par daqueles milhares de cegos infortunados, pertencentes ao povo mido, que viviam prpria sorte ou internados em asilos, alguns poucos, nesse mesmo perodo, conseguiram se destacar, no porque tivessem recebido atendimento especializado, mas porque a limitao imposta por sua deficincia no impedia nem o contato social, nem a aprendizagem de conhecimentos, com exceo da escrita, porque ambos poderiam se basear exclusivamente na linguagem oral. E claro que pertenciam s elites, mas no podem ser considerados como dependentes ou desassistidos. Vale a pena citar alguns exemplos. Nicholas Saunderson, no sculo XVII, se destacou como matemtico, chegando a lecionar algum tempo em Cambridge; Jacob de Netra, no mesmo sculo, elaborou sistema de letras em relevo que, ao final de sua vida, se constituiu em pequena biblioteca; Maria Thereza von Paradis, no sculo XVIII, tornou-se concertista famosa (French, 1932, pp. 67, 69 e 70). O caso mais ilustrativo, no entanto, o do escocs John Metcalf: Nascido em 1717, no norte da Inglaterra, tornou-se cego aos seis anos, tendo tido anteriormente alguma escolaridade ekmentar. Seja qualfor a causa de sua cegueira, parece no ter interrompido, em grande extenso, o curso normal de seu desenvolvimento fsico. Em contraste com muitas crianas cegas, gozava de perfeita sade. Aprendeu a cavalgar e nadar. Circulava com tanta naturalidade que no era visto como cego. Uma

inclinao para o comrcio e astcia nos negcios levou-o a estabelecer transaes de sucesso, que exigiam viagens considerveis. Ao redor de sua casa, no norte da Inglaterra, as estradas estavam em condies to miserveis que Metcalf elaborou plano para melhorias. Estradas que eram ruins para pessoas de viso normal eram, claro, muito piores para um viajante cego. Metcalf comeou a fazer contratos para a construo de estradas e logo ganhou reputao como engenheiro. Tambm planejou e construiu pontes (French, 1932, p. 68). O paradoxo na interpretao da historiografia corrente sobre a educao especial reside no fato de se criticar os antepassados por enxergarem nessas reaiizaes de indivduos cegos uma "genialidade individual" e no a comprovao das suas capacidades, ao mesmo tempo em que Considera que esse foi um perodo em que os cegos foram desassistidos. Pag.62 Ora, se os cegos eram abandonados sua prpria sorte e alguns conseguiram atingir nveis de atuao expressivos, s nos resta concluir que eram efetivamente possuidores de um "toque de graa". Na realidade, esses cegos conseguiram alcanar nveis de realizao to notveis porque no eram abandonados ou entregues prpria sorte. Para que qualquer indivduo se tornasse professor de Cambridge, engenheiro ou concertista, quer fosse vidente ou cego, seria preciso ter recebido instruo formal, fato que parece ter passado desapercebido por esses historiadores. O padro utilizado para balizamento da situao do cego na sociedade no o resultado alcanado por eles (mesmo que seja uma pequena parcela), mas a existncia ou no de instruo formal especializada, o que leva esses historiadores incorreta concluso de que somente no sculo XVIII que os deficientes visuais passaram a receber cuidados que correspondiam s suas potencialidades, com o surgimento dos institutos especializados. Por fim, vale a pena tecer algumas consideraes sobre a situao dos deficientes mentais nesse perodo, j que a maioria dos escritos afirmam que, nos sculos XVI e XVII, esses deficientes eram encaminhados aos asilos, j que no se estabelecia qualquer diferena entre eles e os loucos (Cf. Kohler, 1960, p. 9; Telford e Sawrey, 1975, p. 23). Essa afirmao parcialmente correta por duas razes: em primeiro lugar, grande parte dos deficientes mentais no eram detectados, na medida em que a realidade social no exigia nveis de atuao individual que tornasse necessria a sua determinao. Assim, somente aqueles hoje considerados como os mais graves que deveriam ser includos no rol da loucura. Por outro lado, a internao nos hospcios e asilos no pode ser entendida somente como o afastamento dos loucos (e, entre eles, os deficientes mentais) pois muitos outros divergentes eram encaminhados para a internao.3 Os hospcios, na verdade, eram locais de internao de uma srie de "desajustados", a tal ponto que adentravam seus muros usurrios, mulheres de conduta extravagante, visionrios e muitos outros (Foucault, 1978, p. 82).

3. A populao de Bictre igualmente variada, a ponto de em 1737. tentar-se uma diviso racional em 5 "empregos": no primeiro, a casa de deteno, os calabouos, as celas de loucos e as celas para os internados por cartas rgias; o segundo e o terceiro "empregos" so reservados aos "pobres bons", bem como aos "grandes e pequenos paralticos", sendo os alienados e os loucos colocados no quarto; o quinto grupo, para os doentes venreos, convalescentes e crianas da correio (Foucault, 1978, p. 82). Pag.63 No se pode negar, porm, que, entre eles, deveriam existir muitos deficientes mentais, j que, entre todos esses desajustados, havia um grande nmero de crianas e adolescentes.4 O que ocorreu, na verdade, foi o isolamento daqueles que interferiam e atrapalhavam o desenvolvimento da nova forma de organizao social, baseada na homogeneizao e na racionalizao: A internao uma criao institucional prpria do sculo XVI... Com isso, a loucura arrancada a essa liberdade imaginria que afazia florescer ainda nos cus da Renascena. No h muito tempo, ela se debatia em plena luz do dia: o Rei Lear, era Dom Quixote. Mas em menos de meio sculo ela se viu reclusa e, na fortaleza do internamento, ligada Razo s regras da moral e s suas noites montonas (Foucault, 1978, p. 78). O que se pode depreender destes dois sculos o incio do movimento contraditrio de participao-excluso que caracteriza todo o desenvolvimento da sociedade capitalista, que se baseia na homogeneizao para a produtividade e que perpassar toda a histria da educao especial. Ao mesmo tempo em que se iniciou, ou que se efetivou mais concretamente, a educao de crianas surdas, expulsou-se do convvio social as crianas mentalmente anormais. Mesmo no recebendo ateno semelhante, cegos e surdos conseguiram atingir resultados satisfatrios. Mas quem eram esses cegos e surdos? Eram, obviamente, oriundos das elites da nobreza e da burguesia em ascenso. Uns, os cegos, puderam desenvolver habilidades, apesar de no receberem instruo especializada; outros, os surdos, puderam falar e manter contato com o meio. Ambos usufruindo de sua condio de membros das elites. E os demais? Ora, estiveram largados prpria sorte, lutando por condies mnimas de sobrevivncia, vivendo da mendicncia, ocupando leitos de hospitais ou sendo internados em asilos.Essa massa no tem nome, no tem histria, no tem ptria. Eram, juntamente com muitos outros que no quiseram ou no puderam se submeter nova ordem, a escria da qual nada mais resta seno as estatsticas dos asilos e a meno de que fazia micagens na feira ou que tocava desafinadamente uma rabeca pelas ruas em troca de alguns nqueis. 4. (...) a Salpetriere abriga 1460 mulheres e crianas; na Misericrdia h 98 meninos, 897 moas entre Sete e dezessete anos e 95 mulheres. Em Bictre, 1651 homens adultos; na Savonnerie, 305 meninos entre oito e treze anos e, finalmente, colocaram-se em Scipion as mulheres grvidas e as crianas de pouca idade (Foucault, 1978,p.66). Pag.64

2.

E A EDUCAO ESPECIAL SE INSTITUCIONALIZA...

As referncias sobre a educao especial, aps esses dois sculos iniciais, consideram o sculo XVIII como o marco definitivo no esforo que a sociedade moderna encaminhar no sentido de proporcionar educao especializada compatvel com as necessidades das crianas excepcionais, analisada somente atravs da perspectiva da extenso de oportunidades educacionais a essas crianas (Cf. Lemos, 1981; Fonseca, 1987; Kirk e Gallagher, 1987). Esse marco caracterizado pelo surgimento das primeiras instituies pblicas: o Instituto Nacional de Surdos Mudos, em 1760 e o Instituto dos Jovens Cegos, em 1784, ambos na cidade de Paris. Se o surgimento das primeiras instituies escolares especializadas correspondeu ao ideal liberal de extenso das oportunidades educacionais para todos, aspecto sempre presente na educao especial no mundo moderno, respondeu tambm ao processo de excluso do meio social daqueles que podiam interferir na ordem necessria ao desenvolvimento da nova forma de organizao social. Esse ltimo aspecto, freqentemente negligenciado pelos estudiosos da educao especial, pode ser constatado desde o incio de sua institucionalizao. No mbito da educao da criana surda, a querela entre Pereira, L'Epe e Deschamps uma excelente ilustrao dessa negligncia, na medida em que foi quase que exclusivamente tratada como uma disputa entre defensores de "mtodos de ensino especial" (oralismo versus gestualismo), sem que se explicitasse os determinantes que subjaziam a essa disputa. Jacob Rodrigues Pereira nasceu em 1715, em Berlanga, na Espanha, e desde os 19 anos comeou a educar surdos, iniciando-se com sua prpria irm. Para tanto, dirigiu-se Academia de Bordus, pedindo informaes, recebendo dados sobre as obras de Bonet e de outros educadores, como as do ingles Wallis. Em 1744, transferiu-se para a Frana, iniciando em Paris trabalho com crianas surdas, fazendo apresentaes pblicas sobre esse trabalho e a surdez, o que lhe permitiu receber penso do rei Luiz XV (Quirs e Gueler, 1966, p. 261). Publicou diversos trabalhos, sendo que um deles, Memria levada por Pereira Academia de Cincias, sobre a educao de surdos, foi apresentado Academia Real e elogiado por uma comisso por ela designada para sua anlise. Manteve polmica com outros educadores de crianas surdas, em especial com o Abade de L'Epe, tendo educado, de 1744 a 1780, data de sua morte, dez crianas, como preceptor, desenvolvendo trabalho de desmutizao atravs da vista e do tato e, aps esse perodo inicial, introduzindo noes de gramtica (Quirs e Gueler, 1966, pp. 261 e 262). Pag.65 O Abade de L'Epe, francs de nascimento, nasceu em 1712, tendo estudado no Colgio das Quatro Naes, da Universidade de Paris, se dedicando aos estudos religiosos, recebendo as primeiras ordens aos 17 anos. Como no aceitasse a ordem papal condenando os jansenistas, teve que se afastar da Igreja, formando-se em advocacia. Trabalhou junto a religiosos influentes, sendo fmaimente ordenado em 1738. Acusado novamente de ligao com os jansenistas, sofreu pena de interdio, ficando obrigado a se dedicar a estudos e obras de caridade (Quirs e Gueler, 1966, pp.287 e 288).

Somente em 1760, isto , com 48 anos, L'Epe iniciou seu trabalho com crianas surdas, nascido do interesse pela comunicao entre duas irms gmeas. Estudou esses gestos, acrescentou outros, criando o que denominou Signos metdicos. Transformou sua casa em escola para surdos, aberta a pobres e ricos, agrupando cerca de sessenta alunos. Os ricos eram atendidos em regime de externato e os pobres, de internato. Divulgou seu trabalho junto Corte e, em pouco tempo, conseguiu penso real substancial e uma parte do Convento dos Celestinos, para a instalar uma escola para surdos. Faleceu em 1789, preocupado com sua escola, tendo em vista os acontecimentos polticos da poca e pelo fato de sua escola receber penso real (Quirs e Gueler, 1966, 288 e 289). Aps a Revoluo, em 1791, a Assemblia Constituinte reconheceu o nome do Abade de L 'Epe entre os cidados que melhor tm merecido o reconhecimento da humanidade e da ptria, elevando a escola por ele criada ao nvel de Instituto Nacional, a primeira escola pblica de surdos do mundo (Quirs e Gueler, 1966, p. 290). Menos famoso que Pereira e L'Epe, o Abade de Deschamps possui histria tambm significativa. Nascido em Orleans, em 1745, dedicou-se a estudos religiosos, tornando-se capelo da Igreja de Santa Cruz de Orleans (Quirs e Gueler, 1966, pp. 293 e 294). Em 1778, abriu em sua casa escola para crianas surdas, admitindo pensionistas que pagavam ou no, de acordo com suas posses. Defensor da desmutizao da criana surda, publicou trabalhos e defendeu seu mtodo junto Real Sociedade de Medicina, que o considerou da maior relevncia. Apesar disso, sua escola no conseguiu ajuda real e, por dificuldades financeiras, teve que encerrar suas atividades, mudando-se para Paris e morrendo sem reconhecimento, em 1791 (Quirs e Gueler, 1966, p. 294). De forma geral, os estudiosos consideram Pereira como antecessor de L'Epe e Deschamps, tanto porque atuou como preceptor, como por ter iniciado seu trabalho com crianas surdas antes que os outros dois. Pag.66 No se pode esquecer, porm, que durante algum tempo, os trs atuaram simultaneamente, envolvendo-se, inclusive, em debates pblicos em defesa de seus mtodos. Dessa disputa saiu vitorioso o Abade de L'Epe, que teve sua escola reconhecida pelos evolucionrios de 1789, que a elevaram categoria de Instituto Nacional. Na medida em que Pereira no possua escola, recebendo penso como preceptor, seu trabalho no teve continuidade, aps a sua morte, ao contrrio de L'Epe, que, tendo criado uma escola, contou com seus colaboradores para a continuidade do trabalho aps seu falecimento. Mas o que dizer de Deschamps, que tambm criou escola, teve reconhecimento cientfico mas no conseguiu ajuda oficial, tendo, por esse motivo, que fechar suas portas? Os analistas atribuem seu fracasso defesa do oralismo, numa poca em que a influncia de L 'Epe era avassaladora e a admisso de seu mtodo de signos metdicos parecia generalizada (Quirs e Gueler, 1966, p. 294). O sucesso de L'Epe justificado em funo do baixo resultado alcanado pelo mtodo oral, em razo do precrio conhecimento que se tinha sobre a relao entre linguagem e surdez e pelo fato de ter divulgado e

defendido amplamente o seu mtodo (Quirs e Gueler, 1966, pp. 262, 297, 298 e 300), o que no parece responder a toda a verdade, em primeiro lugar, porque alguns surdos oralizados conseguiram resultados bastante satisfatrios, como o caso de Saboreux de Fontenay, que fez defesas pblicas de seu mestre, Pereira (Quirs e Gueler, 1966, p. 262); em segundo, porque tanto Pereira, quanto Deschamps tambm divulgaram seu trabalho, tendo sido reconhecidos por entidades cientficas e por grupos influentes da poca. o prprio L'Epe que nos fornece as respostas. Em sua obra Instituio de surdos mudos atravs dos signos metdicos, publicada em 1776, afirma que (...) talvez os mtodos de Pereira (que lamentavelmente no nos dado conhecer) sejam melhores que os nossos e se isto assim, a gerao presente e futura lhe devero agradecimentos (L'Epe, Instituio dos surdos mudos por meio dos signos metdicos, cit. por Quirs e Gueler, 1966, p. 290), acrescentando que no teve tempo e que o nmero elevado de alunos impossibilitou a utilizao de metodologia oralista. Pag.67 Qual o real significado das expresses no teve tempo e nmero elevado de alunos? A resposta dada por Quirs e Gueler (1966, p. 292): (...)Devemos recordar que a escola para surdos do Abade de L 'Epe foi a primeira criada no mundo e que por isto, talvez se visse obrigado a aceitar todo o tipo de crianas e realizar uma instruo rpida que permitisse a esses surdos transformarem-se em elementos teis manualmente para a sociedade e que, para tanto, o caminho dos signos metdicos lhe pareceu mais curto e rpido para que esse objetivo fosse alcanado. O surgimento da primeira escola para surdos corresponde, ento, a uma trplice funo. A primeira corresponde ampliao de oportunidades educacionais para os deficientes, isto , demonstrao de que (...) instruo do surdo-mudo permitia sua incorporao sociedade e que tal instruo poderia ser desenvolvida em escolas pblicas e gratuitas (Quirs e Gueler, 1966, p. 293). Por outro lado, desde o surgimento dos preceptores, a "educao" da criana surda se confundiu com o processo de reabilitao, na medida em que o foco central, quando no o nico, residia na desmutizao ou no uso de gestos como forma substitutiva da linguagem oral. Por fim, na medida em que se deslocou da elite para o povo mido, cumpriu funo segregadora, confinando os mais pobres no interior das instituies, respondendo ao processo de racionalizao da sociedade, que passou a exigir, cada vez mais, o afastamento dos desocupados e o seu encaminhamento, de alguma forma, para o processo produtivo. Assim como na educao de surdos, nos anos prximos da Revoluo Francesa que surgiu a primeira instituio especializada para cegos, que, segundo os analistas, correspondeu s (...) primeiras iniciativas visando a evitar o isolamento social dos cegos... (Lemos, 1981, p. 23). O responsvel pela criao da primeira escola para cegos chamava-se Valentim Hauy, nascido em Picardy, em 1745, e enviado pela famlia a Paris, para completar sua educao, cidade onde permaneceu praticamente o resto de sua vida. Hauy foi influenciado por alguns fatos: o primeiro foi o trabalho realizado pelo Abade de L'Epe, registrado em sua correspondncia pessoal;

Pag.68 o segundo foi o estudo de Diderot, Escritos sobre a cegueira; o terceiro foi sua sensibilidade frente misria de inmeros cegos que, naquela poca, em Paris, viviam da mendicncia; e, por fim, seu contato com a famosa concertista cega Maria Thereza von Paradis, que incentivou-o a tomar essa iniciativa (French, 1932, pp. 80, 81 e 82). Todos esses fatos parecem ter incentivado para que o jovem Hauy pudesse concretizar seus sonhos de (...) em primeiro lugar, ensinar os cegos a ler e, em segundo lugar, dar-lhes emprego (French, 1932, p. 81). Hauy iniciou seu trabalho em 1784, ensinando um jovem cego, Franois Lesueur, de dezessete anos, que perdera a viso com seis semanas de idade e que, devido misria de sua famlia, tinha que contribuir para seu sustento, atravs da mendicncia (FRENCH, 1932, p. 82). Em pouco tempo, utilizando-se de letras em relevo, conseguiu avanos significativos, criando coragem para apresentar seu trabalho a grupos de pessoas influentes. Na sua segunda apresentao, conseguiu despertar o interesse da Sociedade Filantrpica, que cuidava de vinte cegos e que lhe solicitou que organizasse, com subveno da Sociedade, uma classe para cegos que, se no chegou a se constituir em escola regularmente organizada, possua, entretanto, ensino sistemtico (French, 1932, p. 83). Aps algum tempo de trabalho, sentiu necessidade de ajuda financeira mais substancial, exibindo, ento, seus alunos Academia de Cincias e apresentando exemplos de leitura atravs das letras em relevo, recebendo aprovao entusistica, fato decisivo para que recebesse penso real, podendo assim transformar sua classe inicial em escola que, em pouqussimo tempo, recebia cerca de cinqenta alunos (French, 1932, p. 84). No Natal de 1786, isto , menos de trs anos aps o incio do trabalho com Lesueur, Hauy apresentou-se diante da Corte e, na presena do rei, seus alunos leram, escreveram, resolveram problemas matemticos, executaram tarefas manuais, culminando com a apresentao de orquestra composta somente por alunos cegos (French, 1932, pp. 85 e 86). Ao mesmo tempo, publicava seu Ensaio sobre a educao dos cegos, apresentando em detalhes o seu trabalho com as crianas cegas. O currculo era composto de linguagem escrita, atravs das letras em relevo, aritmtica, geografia, msica e treinamento industrial (French, 1932, pp. 87 a 90). Como recebesse penso real e mantivesse contato permanente com a nobreza, Hauy passou por momentos difceis aps a Revoluo mas, apelando diretamente Assemblia Constituinte, conseguiu, em 1791, parte do Convento dos Celestinos para uso conjunto com a escola de surdos, recebendo a sua escola a denominao de Instituto para os Cegos de Nascimento que, partir dessa data, passou a aceitar somente cegos que pudessem trabalhar. Em 1794, a escola foi transferida novamente de local, tornando-se praticamente uma "escola industrial e asilo combinados", recebendo, em 1795, nova denominao: Instituto dos Trabalhadores Cegos (French, 1932, p. 92). pag.69 Assim, o atendimento institucional dos cegos, que se iniciou com proposta de educao sistemtica, em apenas dez anos se transformou em escola industrial e asilo combinados, expresso que nada mais do que um

eufemismo para encobrir a internao dos cegos que, em troca de moradia e alimentao, deveriam corresponder com trabalho obrigatrio. Enquanto a escola de L'Epe adquiriu o estatuto de Instituto Nacional, a de Hauy se transformou escancaradamente em asilo com trabalho obrigatrio. Por que o privilgio para a escola de surdos? Esse privilgio era apenas aparente. Embora a escola de surdos no se transformasse abertamente em asilo, no se pode esquecer que ela tambm era um internato. A diferena residia no fato do surdo poder controlar o ambiente, possibilitando sua sada da instituio para o trabalho. A situao desses dois tipos de deficientes, em verdade, era muito semelhante: mo-de-obra manual e barata, reunida em instituio, que retirava os desocupados da rua e os encaminhava para o trabalho obrigatrio. A situao dos deficientes mentais continuou praticamente a mesma do perodo anterior, de internao em hospcios, embora, cada vez mais, aqueles que apresentavam condies mnimas tambm passaram a ser obrigados a se submeterem s exigncias do processo produtivo.5 Surdos e loucos, cegos e mendigos, todos faziam parte do movimento maior de segregao dos divergentes, dos que atrapalhavam o desenvolvimento do capitalismo e que necessitavam ser enquadrados s suas exigncias, todos se encaminhando para a internao e para o trabalho forado, manual e tedioso, parcamente remunerado, quando no em troca de um lugar no "maravilhoso espao do asilo-escola-oficina. Na verdade, o surgimento da escola residencial, embora refletisse o ideal de educao para todos, respondeu fundamentalmente ao processo de excluso, que no atingia a todos, mas aos que pertenciam ao povo mido, ral. 5. O fato de os loucos terem sido envolvidos na grande proscrio da ociosidade no indiferente. Desde o comeo eles tero seu lugar ao lado dos pobres, bons ou maus, e dos ociosos, voluntrios ou no. Como estes, sero submetidos s regras do trabalho obrigatrio (Foucault, 1978. p. 73). Pag.70 Aos cegos e surdos pobres se reservava trabalho manual imbecilizante, um arremedo de salrio quando muito, ou seno um catre e um prato de comida. Os que no tiveram o infortnio de nascerem pobres, marca muito mais significativa do que a surdez e a cegueira, apesar de sofrerem limitaes impostas por suas deficincias, puderam, contudo, usufruir da vida familiar e da riqueza produzida.

A ESCOLA-ASILO ESTENDE SEUS TENTCULOS... Estavam, assim, criadas as primeiras escolas pblicas para surdos e cegos. Nelas se recebia a mesma instruo, por meios diferenciados, que as crianas normais?

No. Nelas, os surdos e os cegos deveriam se contentar com alguma "instruo bsica", como os gestos substitutivos da fala ou o reconhecimento de algumas frases em letras em relevo, sendo que a maior parte do tempo devia ser dedicada ao trabalho manual. As escolas especiais para surdos e cegos, aps L'Epe e Hauy, se reproduziram pela Europa. Ainda no sculo XVIII, Samuel Heinicke, na Alemanha, conseguiu criar, em 1778, a primeira escola para surdos, o "Instituto Saxo para Mudos e Outras Pessoas Afetadas por Perturbaes da Fala", desenvolvendo metodologia oralista e mantendo controvrsia com L'Epee. Durante algum tempo, seu trabalho de desmutizao foi reconhecido mas, aps alguns anos, recebeu restries de uma comisso da Universidade de Leipzig, nomeada pelo Prncipe Eleitor da Saxnia, Frederico Augusto. Apesar disto, continuou com o mesmo tipo de trabalho, o que no interferiu na penso que recebia do Prncipe (Quirs e Gueler, 1966, pp. 297 a 300). As diferenas entre as abordagens da escola de Paris e do Instituto Saxo tm sido explicadas pela rivalidade entre os dois pases e a sua manuteno, graas ao esforo pessoal de L'Epe e Heinicke (Quirs e Gueler, 1966, 297 e 314). No se leva em considerao que, enquanto na Frana a constituio do estado burgus se consolidou com a Revoluo, a Alemanha era um agrupamento de pequenos territrios, com forte organizao do tipo feudal. Aqui, a produtividade no era fundamental, enquanto que na Frana a tnica residia no aproveitamento do surdo como trabalhador manual. Com exceo da Alemanha e Itlia (justamente os dois pases onde a unificao em Estados Nacionais ocorreu tardiamente), a influncia do Instituto Nacional de Surdos-Mudos foi muito grande, tanto no que se refere metodologia gestual, como na sua organizao como internato, abrangendo a ustria, Blgica, Inglaterra, Polnia, Espanha, Portugal (Quirs e Gueler, 1966, pp. 329 a 338), razo pela qual vale a pena analisar mais detidamente o percurso do Instituto. Pag.71 A adoo exclusiva da abordagem gestualista se manteve no Instituto at 1827, quando Jean Marie Gaspar Itard recebeu autorizao para trabalhar com a linguagem oral de deficientes auditivos moderados, que funcionou at 1831. Ocorreram outras iniciativas na utilizao de tcnicas de oralizao (Valade-Gabel, Len Vasse), mas at o Congresso de Milo, em 1880, a tnica foi predominantemente gestual (Quirs e Gueler, 1966, pp. 318 a 323). Por outro lado, no ocorreu qualquer polmica em relao ao internato, o que demonstra que a escola residencial correspondia s exigncias da poca. Na segunda metade do sculo XIX, a polmica entre o gestualismo e o oralismo foi, gradativamente, se intensificando, culminando com as concluses do 2? Congresso Internacional de Surdos-Mudos, realizado em Milo, em 1880, com pronunciamento oficial a favor do oralismo e condenando o uso simultneo de gestos e fala.6 Essa polmica tem sido analisada, at hoje, atravs dos mritos intrnsecos de cada mtodo, que oscilam entre a constatao da dificuldade do surdo adquirir linguagem oral (defesa do gestualismo) e a afirmao de que a fala possibilita melhor integrao social (defesa do oralismo).

Embora esse seja o aspecto aparente dessa disputa, o que subjaz a ela o fato de que, no incio do sculo XIX, bastava que os surdos se tornassem minimamente eficientes em relao habilidade manual, para se incorporarem mo-de-obra requisitada por um processo ainda incipiente de produo industrial. Com o desenvolvimento da organizao industrial, tornou-se necessria a aquisio de um mnimo de linguagem, para que se pudesse incorpor-los a um processo produtivo de complexidade crescente. Embora grande parte desse contingente permanecesse no fim da fila do exrcito de trabalhadores, sua incorporao ao trabalho mais desqualificado passou a exigir, cada vez mais, alguma compreenso da linguagem oral. Como no caso dos surdos, aps a criao da escola de Hauy e de sua transformao em escola pblica, diversos pases europeus abriram escolas nos moldes do Instituto parisiense, que exerceu, durante todo o sculo 6. O 1 Congresso Internacional foi realizado em Paris, em 1776, concluindo em favor do mtodo da articulao e da leitura labial e considerando os gestos como auxiliares importantes nos primeiros tempos de instruo; o 3 realizou-se em Bordus, em 1881. reafirmando as concluses de Milo; e O 4 em Gnova, em 1892, com a condenao definitiva da abordagem gestual (Quirs e Gueler, 1966,p. 339). Pag.72 passado, influencia decisiva nos caminhos da educao dos deficientes visuais. Aps 1795, com a sua transformao em asilo-oficina e a conseqente descaracterizao de seu carter escolar, o Instituto entrou em perodo de decadncia, inclusive moral, atribuda falta de firmeza de Hauy e ao ingresso na Instituio de elementos de duvidosa formao moral, at que, em 1800, Napoleo interveio e determinou sua reorganizao em novas bases, colocando na direo do Instituto um Agente Geral subordinado ao Ministrio do Interior, passando para Hauy somente a direo da parte educacional (French, 1932, pp. 93 e 94). Pode-se tirar um primeiro importante de lies da fundao e dos primeiros tempos do Instituto Nacional dos Jovens Cegos. Primeiro, tanto a ousadia como o esprito filantrpico que integraram o esprito inicial da escola foram evidentemente produtos da poca. Se Hauy no teve competncia para que seus sonhos se transformassem em realidade, ele divide essa qualidade com contemporneos no menos famosos que Rousseau, Turgot, Necker e Mirabeau. Se ele teve mais sentimentos nobres do que habilidade executiva fez, pelo menos, um esforo honesto. Seus erros se deram pela falta de uma psicologia correta, de uma inabilidade para tornar seus planos em realidade e livres da constante ingerncia de autoridades externas, O declnio prematuro da escola foi causado por condies perturbadoras, nascidas com a Revoluo. Um homem mais hdbil que Hauy poderia ter conseguido a confiana do Primeiro Cnsul e salvo a escola, mas, mesmo assim, isso parece duvidoso. Fica evidente, ento, que um homem com a medocre habilidade de Hauy fez at demais (French, 1932, pp. 95 e 95). A decadncia do Instituto, portanto, imputada incompetncia daquele que conseguiu mobilizar grupos influentes, incluindo a realeza, carreando fundos para sua fundao e manuteno, torn-lo pblico e aceito por um governo revolucionrio, apesar de suas ligaes com o regime anterior e que respondeu por sua direo por

dezesseis anos. Assim como Hauy no soube transformar sua escola em um modelo de qualidade, Rousseau no soube concretizar os princpios educacionais que pregava. A relao entre escola e sociedade no levada em conta, ou ento, permanece-se em nveis genricos e imprecisos, tais como, "causadas por condies perturbadoras, nascidas com a Revoluo" ou "pela ingerncia de autoridades externas. pag.73 Com a proliferao das escolas para cegos pela Europa, concretizou-se o movimento de internao e abriu-se polmica com o sistema substitutivo da escrita. O sistema utilizado por Hauy, de letras em relevo, desde cedo mostrou-se limitado pelas dificuldades de seu reconhecimento pelo tato, pela necessidade de manuteno de uma grande quantidade de letras disponveis para cada aluno e por seu alto custo. Apesar disto, seus sucessores, em toda a Europa, lanaram-se numa verdadeira disputa para seu aprimoramento, utilizando-se de materiais diversos e de tipos de letras variados, com resultados pouco satisfatrios (French, 1932, cap. IV cV). Foi quando surgiu em cena o capito Charles Barbier que, em 1808, havia criado sistema de pontos em relevo para servir de cdigo secreto de comunicao militar, ao qual denominou escrita noturna. Tendo em vista o sucesso do sistema em seu uso militar, Barbier resolveu divulg-lo como sistema apropriado de substituo da escrita tambm para os cegos (French, 1932, pp. 146 a 150). As vantagens do sistema de Barbier sobre o de letras em relevo eram evidentes, mas ainda apresentava uma srie de dificuldades aos cegos, como o tamanho da cela, a quantidade de pontos (12) e a relao pontos-sons da fala, prejudicando o aprendizado da ortografia. Ocorreu, ento, (...) uma verdadeira mania, particularmente entre os cegos parisienses, para variar o sistema de doze pontos de Barbier, tanto numericamente como na sua distribuio (French, 1932, p. 150). Quem melhor se saiu nessa empreitada foi o jovem cego Louis Braille, que diminuiu a cela de Barbier para seis pontos, tornando sua decodificao possvel num simples toque de dedo, alterando a correspondncia pontos-sons da fala para pontos-letra escrita, eliminando, assim, os erros ortogrficos inerentes ao sistema anterior (French, 1932, p. 151). Louis Braille nasceu em Coupvrai, em 1809, filho de um seleiro. Ficou cego por um ferimento com uma sovela, quando brincava na oficina de seu pai, aos trs anos de idade; a infeco pelo ferimento logo se alastrou para o outro olho. Apesar da cegueira, Braille foi aceito na escola de sua cidade, destacando-se como aluno dedicado e inteligente, onde permaneceu at os dez anos, quando a escola foi fechada, por divergncias entre o proco e o mestre-escola. Como no tinha possibilidades de se deslocar para a cidade vizinha, como fizeram muitos de seus colegas, Braille foi encaminhado para o Instituto dos Jovens Cegos, onde se destacou tambm como estudante e, depois, como professor, alm de seus dotes como pianista e organista (French, 1932, pp. 151 e 152). Em 1821, entrou em contato com o sistema de Barbier, aprendendo rapidamente a dele se utilizar e, assim, como vrios outros colegas, tentou aperfeio-lo. Em 1824, isto , com apenas quinze anos de idade, Braille apresentou seu sistema ao Instituto que, mesmo diante da sua superioridade, insistiu por mais vinte anos no

uso do sistema de letras e o de Barbier, apesar de Louis Braille ter sido seu professor por mais de quinze anos, perodo em que s podia ensinar seu sistema fora do horrio normal de aulas. O sistema braille s foi reconhecido oficialmente pelo Instituto como o ideal na substituio da linguagem escrita, em 1854, isto , dois anos aps a morte de seu criador (French, 1932, pp. 153 e 154). Pag.74 Durante todo esse perodo, alm de lutar pela implantao de seu sistema pelo Instituto, atravs de seu prprio trabalho e por publicaes, Braille se destacou como aluno do Collge de France e como msico, adquirindo notoriedade junto sociedade parisiense da poca. Apesar de toda essa atividade social, Louis Braille permaneceu morando no Instituto at a sua morte, em 6 de novembro de 1852 (Venturini e Rossi, 1978, pp. 14 e 15). A partir da aceitao oficial do braille pelo Instituto de Paris, o sistema criado pelo jovem cego se difundiu por toda a Europa e, ao final do sculo, se constitua no sistema substitutivo oficial da escrita na maioria dos pases europeus; a unificao dos sistemas, entretanto, s ocorreria em 1950, atravs da Conferncia Internacional para unificao do Braille, realizada em Paris (Venturini e Rossi, 1978, p. 25). O primeiro aspecto sobre a educao dos cegos, nesse perodo, que merece ser analisado diz respeito polmica entre o sistema de letras em relevo e o de pontos, bem como a resistncia no s do Instituto, mas de centros e estudiosos da Frana e de outros pases, em relao ao sistema braille, apesar de todo o esforo de seu criador em demonstrar, na teoria e na prtica, a sua superioridade. Essa resistncia tem sido atribuda ao tradicionalismo dos educadores e defesa do material por eles criados (French, 1932, pp. 146 e 147), deixando-se de lado o fato de que, no incio do sculo XIX, o Instituto dos Jovens Cegos ter se tornado praticamente um asilo-oficina, com a escolaridade se restringindo a plano inferior, j que o que importava era o aproveitamento do cego como mo-de-obra cativa e institucionalizada. Com a acelerao do processo de industrializao e a exigncia, cada vez maior, de melhor nvel de escolaridade para insero no processo produtivo, passou-se a se preocupar paulatinamente com as possibilidades de melhor escolarizao. Foi nesse momento que se evidenciou a superioridade do sistema braille sobre os demais. Alm disso, o prprio fato dos melhores alunos do Instituto passarem a ser aproveitados como membros do corpo docente (o prprio Braille o melhor exemplo), influenciou na adoo do novo sistema. 7. Pag.75 A vida de Louis Braille nos oferece tambm excelente material de anlise. Sem dvida, Braille era um homem de gnio. Destacou-se enquanto estudante, no s no Instituto, como em sua cidade natal. Foi encaminhado a Paris no por dificuldades escolares, mas por sua condio econmica: se sua famlia tivesse posses, poderia ter-lhe oferecido processo alternativo de educao em sua cidade. Venturini e Rossi (1978) indicam que foi em 1843, na cerimnia de novo prdio do Instituto dos

Jovens Cegos de Paris, que o sistema braille foi oficialmente aceito por seu diretor.

A partir de seu ingresso no Instituto, Braille, como no poderia deixar de ser, seguiu a trajetria dos institucionalizados: cada vez mais tornou-se dependente da instituio criada para tornar os cegos independentes, a ponto de residir dentro de seus muros at o fim da vida. Que paradoxo. Metcalf, sem o concurso de qualquer instituio especializada, cem anos antes tornou-se comerciante, viajante e projetista de estradas, mantendo vida totalmente independente. Braille, a quem o mundo reverencia, a ponto de ter, em 1952, seus restos mortais transferidos de sua cidade natal para o Pantheon de Paris - que criou, aos quinze anos de idade, sistema substitutivo da escrita at hoje considerado o mais adequado, que estudou no Collge de France e que obteve notoriedade junto elite de sua poca por seus dotes artsticos e por sua inteligncia - esse mesmo Braille no conseguiu reunir condies para se tornar independente do Instituto. Apesar de no poder deixar de reconhecer que Braille realizou a maior parte de seus estudos no Instituto, que foi a que aprendeu msica, tornando-se msico famoso, imperioso verificar que, sob a capa de uma instituio cuja ao deveria reverter na integrao social dos cegos, o Instituto Nacional dos Jovens Cegos de Paris tornou dependente um homem notvel. Um fato novo surgiu no cenrio da educao dos deficientes. Jean Mame Gaspar Itard fez publicar, em 1801, L'Education d'un homme sauvage, em que relatava seu trabalho com um menino encontrado nas florestas, que no mantinha qualquer contato social, no possuindo linguagem e demonstrando grandes dificuldades para aprender, o que fez com que sua obra fosse considerada como a primeira publicao sobre a educao do deficiente mental (Quirs e Gueler, 1966, p. 513). Mas foi a separao das crianas em pavilho prprio, executada por Edouard Seguin, no Hospcio de Bictre, em 1840, que se constituiu no marco efetivo do incio da educao do deficiente mental (Quirs e Gueler, 1966, p. 515). Diversamente dos surdos e cegos, que passaram a ser encaminhados, a partir do sculo XVIII para internatos que sempre se mantiveram como instituies escolares (embora, muitas vezes, com carter extremamente tmido), o deficiente mental era internado, desde o sculo XVI, em instituies que tinham por finalidade a conteno dessa massa de perturbadores da ordem social, como os loucos, os vagabundos e os delinqentes, com a nica funo de segreg-los do meio social. pag.76 Nesse sentido, o trabalho de Seguin reveste-se de alto significado, mesmo que se tenha que reconhecer que a atuao propriamente pedaggica estava pautada por treinamentos sensoriais e de comportamentos sociais bsicos. Apesar disso, sua ao foi, sem dvida, um grande passo na melhoria das condies de vida dos anormais. Seu trabalho teve continuidade, aps sua ida para os Estados Unidos, em 1848, por Desir Magloire Bourneville, que organizou o material existente e estabeleceu normas pedaggicas para o atendimento do deficiente mental que exerceram grande influncia em todo o mundo.

Inversamente s instituies para surdos e cegos que, pouco a pouco, foram se voltando para a preparao para o trabalho, de acordo com as exigncias do desenvolvimento industrial, o atendimento do deficiente mental, apesar de sua separao dos loucos, parece no ter ido ao encontro das exigncias do processo produtivo. Essa diferena parece espelhar a viso esttica de retardo mental, que parte do princpio de que esse prejuzo no tem possibilidades de ser superado, em contrapartida com as exigncias para o exerccio profissional, que vo se tornando cada vez mais altas. O que se pode notar, em sntese, que o desenvolvimento da educao especial na Europa, no sculo XIX, embora refletisse o incremento de oportunidades educacionais para os deficientes, parece ter respondido muito mais s exigncias da nova ordem social que se instalava: Inicialmente nada: os trabalhadores perdem sua antiga instruo e na fbrica s adquirem ignorncia. Em seguida, a evoluo da "modernssima cincia da tecnologia" leva substituio cada vez mais rpida dos instrumentos e dos processos produtivos e, portanto, impe-se o problema de que as massas operrias no se fossilizem nas operaes repetitivas das mquinas obsoletas, mas que estejam disponveis s mudanas tecnolgicas, de modo que no deva recorrer a novos exrcitos de trabalhadores mantidos de reserva: isto seria um grande desperdcio das foras produtivas (Manacorda, 1989, pp. 271 e 272). A CAMINHO DA ORGANIZAO COMO SISTEMA... A expanso da educao especial, iniciada no sculo passado, foi assumindo, no decorrer do sculo XX, propores cada vez maiores, que se encaminharam no sentido de sua institucionalizao como sub-sistema significativo dentro do sistema educacional, na maioria dos pases ocidentais. pag.77 A expanso quantitativa ocorreu, de fato, nos pases capitalistas centrais. Nestes, o crescimento das matrculas em educao especial sobrepujou o das matrculas gerais. J nos pases capitalistas perifricos, embora tambm ocorresse crescimento das matrculas na educao especial, estas foram muito inferiores demanda e proporcionalmente muito mais baixas que das matrculas gerais as quais, por sua vez, eram insuficientes para atender todas as crianas em idade de escolaridade obrigatria. Nos Estados Unidos, por exemplo, das 18.150 crianas atendidas em escolas e classes especiais secundrias da rede pblica, no binio 37/38, passou-se para a cifra de 139.397, no binio 57/58, o que significou um aumento de 750070 (Cruickshank, 1988, p. 38). Essa expanso quantitativa no compreendeu um aumento no atendimento das excepcionalidades j existentes, mas um incremento significativo em determinadas reas, como a dos deficientes mentais, e o surgimento de outras, como dos distrbios de linguagem e dos superdotados. Nesse sentido, a educao especial no s foi se ampliando, como se modificou no transcorrer de sua histria: reas como a deficincia auditiva e visual que, no sculo passado e nas primeiras dcadas deste, constituam toda a populao includa na educao especial (juntamente com a deficincia mental), perfizeram no binio

37/38, 13,67 07o do total de crianas matriculadas em escolas e classes especiais secundrias pblicas dos Estados Unidos, percentual esse que baixou para 5,53 07o, no binio 52/53 (Cruickshank, 1988, p. 38). A situao referente ao nmero total de matrculas nas escolas elementares e secundrias evidencia ainda mais essas transformaes. No binio 47/48, o nmero total de matriculas em educao especial foi de 338.129, enquanto que no binio 52/53, esse nmero se ampliou para 497.216, ou seja, um aumento percentual de 47,0507o. No mesmo perodo, a matrcula geral se ampliou de 23.945.000 para 28.118.000, ou seja, um aumento de 17,4307o (Cruickshank, 1988, p. 39). Esse crescimento, porm, no foi uniforme em relao aos variados tipos de excepcionalidade: enquanto algumas deficincias, como a visual, auditiva e fsica sofreram pequeno incremento, ocorreu aumento significativo nas matrculas dos distrbios de linguagem e deficincia mental. Nas escolas pblicas elementares, por exemplo, o aumento de matriculas de crianas surdas, de 47/48 para 52/53, foi de 7, 1207o; a dos cegos, embora com percentual elevado (58,9407o de aumento no perodo), representou um aumento real de 244 alunos; em compensao, os 5407o de aumento nas matrculas de portadores de distrbios de linguagem representaram um acrscimo de 129.439 crianas e os 76,5% dos deficientes mentais, 26.620 crianas (Cruickshank, 1988, p. 39). pag.78 Essa mudana de qualidade fica ainda mais evidente no perodo que vai de 1958 a 1978. Esse perodo foi marcado, nos Estados Unidos, por um crescimento impressionante das matrculas na educao especial, que passaram de 826.000, em 1958, para 3.582.000, em 1978, o que corresponde a 334% de aumento. (Kirk e Gallagher, 1987, p. 52). Vale a pena transcrever os dados organizados por Kirk e Gallagher (Ver p. 72), pois so extremamente ilustrativos. Novamente foram as reas citadas no perodo anterior que ocuparam lugar de destaque em relao ao nmero de matrculas da educao especial nos Estados Unidos. Embora o percentual de aumento de matrculas de deficientes auditivos fosse alto (9407o), correspondeu a um aumento de 18 mil crianas, enquanto que os 7907o de aumento em relao s matrculas dos portadores de distrbios de linguagem corresponderam, em nmeros reais, a 377 mil crianas a mais matriculadas em 1978. Enquanto o crescimento das matrculas de deficientes visuais e ortopdicos foi extremamente baixo (4 mil em cada rea), o de deficientes mentais atingiu 490 mil crianas (228 07o), dos distrbios emocionais, 111 mil (41107o) e dos superdotados, 767 mil (1.475%). Alm do crescimento impressionante nessas ltimas reas, surgiu mais uma, a dos distrbios de aprendizagem que, se em 1958 nem era considerada da alada da educao especial, 20 anos depois assumiu o primeiro lugar, com a cifra de 985 mil crianas matriculadas. Se trabalharmos com os nmeros globais, teremos que forosamente admitir que houve uma ampliao das oportunidades educacionais para os excepcionais nos Estados Unidos, na medida em que as matrculas da educao especial norte-americana mais que triplicaram, nesse perodo.

A anlise mais detalhada desses dados mostrou diferenas qualitativas significativas. Tanto assim, que at mesmo os autores citados dedicam maior ateno ampliao de determinados tipos de excepcionalidade e ao fenmeno dos distrbios de aprendizagem, como por exemplo, Kirk e Gallagher (1987, pp. 51 e 52), quando sugerem que estes ltimos no deveriam estar sendo atendidos ou, ento, deveriam ter sido includos em outras modalidades. Consideram ainda que, com relao deficincia mental, distrbios de linguagem e emocionais, o avano correspondeu s possibilidades de um diagnstico mais preciso, j que o incremento incidiu em casos mais prximos da normalidade, isto , nos chamados desvios "leves" (Kirk e Gallagher, 1987, p. 53). Pag.79 Matrculas de crianas excepcionais nas escolas pblicas - EUA Fonte: Kirk, S.A. e Gallagher, J.J. "Educao da criana excepcional", p. 52. Independente da constatao de que a insero no meio social de indivduos surdos, cegos e com evidentes anormalidades fsicas, reside muito mais nas possibilidades oferecidas pelo sistema social do que em suas "caractersticas intrnsecas", possvel, com suficiente objetividade, determinar a priori dificuldades especificas que devero enfrentar, como a aquisio da linguagem oral, o controle do ambiente e o aprendizado da escrita ou a locomoo e independncia pessoal. Em outras palavras, apesar de questionarmos a identificao desses deficientes somente pelo ngulo das dificuldades por elas geradas, no podemos simplesmente neg-las. Nos casos de excepcionalidades no passveis de determinao to objetiva, mas que se distanciam muito dos padres sociais, como as deficincias mentais acentuadas, pode-se utilizar raciocnio anlogo. Com relao aos quadros mais prximos da normalidade, quer do ponto de vista quantitativo, quer do padro social desviante, as contradies ficam escancaradas. A incluso dos distrbios de aprendizagem no rol das excepcionalidades evidencia ainda mais essa contradio, na medida em que so determinados por (...) perfil motor adequado, uma inteligncia mdia, uma adequada viso e audio, em conjunto com um ajustamento scio emocional (Fonseca, 1987, p. 28). Pag.80 Isto , a criana apresenta padres de normalidade em todas as caractersticas explicitadas pelo conhecimento cientfico mas, mesmo assim, no consegue aprender na escola, levando os especialistas a conclurem que deve haver alguma dificuldade ainda no explicitada. 8 O paradoxo fica, ento, evidente. O conhecimento cientfico acumulado sobre o ser humano nos oferece, nos dias atuais, condies jamais vistas para que possamos conhec-lo nos seus mais diversos aspectos. Por outro lado, nunca se pde contar com tantos recursos para se oferecer atendimento pedaggico adequado populao, que se reflete nos procedimentos escolares, nas tcnicas didticas, no material pedaggico, nos recursos tecnolgicos, etc. Mesmo assim, crianas com quadros muito prximos da normalidade e, outras enquadradas dentro da normalidade determinada por esse mesmo conhecimento cientfico, no conseguem aprender na escola.

A justificativa de que as exigncias da atualidade so maiores e mais complexas do que as do passado no se sustentam porque essas crianas no conseguem aprender o que j se exigia em pocas anteriores: ler, escrever, contar, noes bsicas de histria, geografia, etc. Na realidade, a educao especial, na sociedade moderna, que, na sua origem, absorvia deficincias orgnicas (auditivas, visuais e, posteriormente, mentais), com o desenvolvimento do processo produtivo, foi incorporando populao com "deficincias e distrbios" cada vez mais prximos da normalidade mdia determinada por uma "abordagem cientfica" que se pretende "neutra e objetiva", culminando com o envolvimento dos que no tm quaisquer evidncias de desvio dessa mesma "normalidade mdia". Assim, ao contrrio do que afirma a grande maioria dos estudos que se dedicam histria da educao especial, alm da ampliao de oportunidades educacionais crianas que possuam dificuldades pessoais que prejudicavam sua insero em processos regulares de ensino, a ampliao da educao especial espelhou muito mais o seu carter de avalizadora da escola regular que, por trs da igualdade de direitos, oculta a funo fundamental que tem exercido nas sociedades capitalistas modernas: o de instrumento de legitimao da seletividade social: 8. Fonseca (1987, p. 31) afirma que as dificuldades de aprendizagem "primrias" so aquelas em que no se identifica uma causa orgnica evidente e que so alteraes "mnimas", "to mnimas" que no so detectadas pelos exames psicolgicos e neurolgicos mais utilizados... pag.81 Em cada uma de suas reas, a cincia declara estar buscando instrumentos constantemente novos para a libertao do homem de suas prprias contradies e das da natureza. Mas ao se analisar, e sobretudo se atuar no interior de uma das instituies criadas por nossa "cincia" epor nossa "civilizao" percebemos quo pouco se tem feito e como cada instrumento tcnico inovador tem servido na realidade s para dar um novo aspecto formal, "uma fachada" condies que continuam as mesmas no que se refere natureza e significado (Basaglia, 1986, p. 74). dentro dessa tica que a educao especial deve ser analisada, caso contrrio estaremos contribuindo muito mais para a manuteno do processo de segregao do aluno diferente, do que para a democratizao do ensino, cujo caminho no pode se pautar na diviso abstrata entre os que, em si, tm condies de freqentar a escola regular e os que, por caractersticas intrnsecas, devem ser encaminhados a processos especiais de ensino. Pag.83 SEGUNDA PARTE: A EDUCAO ESPECIAL NO BRASIL s vezes me pergunto se a vida moderna no tem mais de moderna do que de vida. ("Mafalda", de Quino) EDUCAO ESPECIAL NO BRASIL: ALGUNS MARCOS HISTRICOS

A educao especial no Brasil tem como marcos fundamentais a criao do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (hje, Instituto Benjamin Constant) e do Instituto dos Surdos-Mudos (hoje, Instituto Nacional de Educao de Surdos-INES), ambos na cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa do Governo Imperial. O primeiro pela influncia do cego Jos lvares de Azevedo, que havia estudado no Instituto de Paris e que, atravs de sua amizade com o mdico do Pao, Dr. Xavier Sigaud, que possua uma filha cega, conseguiu convencer o imperador a criar, pelo Decreto Imperial n. 1.428, de 12 de setembro de 1854, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (Lemos, 1981, p. 26). O segundo, do professor Eduard Huet1, recomendado pelo Ministro da Instruo Pblica da Frana Corte Imperial Brasileira, atravs da intermediao do Marqus de Abrantes, que foi nomeado, pelo Imperador, Presidente da Comisso organizadora do Instituto, oficialmente instalado em 26 de setembro de 1857 (Lemos, 1981, pp. 41 a 43). O surgimento de internatos dedicados educao especial parece refletir a importao de um certo esprito "cosmopolita" dos grandes centros, consubstanciado pela criao dos institutos, mais como resultado do interesse de figuras prximas ao poder constitudo do que pela sua real necessidade. 2 Tanto o Instituto dos Surdos-Mudos, como o dos Meninos Cegos, pouco tempo aps terem sido criados, sofreram processo de deteriorao. 1. Quirs e Gueler (1966. pp. 356 e 360) e Lemos (1981, p. 41) informam que o prenome do professor francas era Eduard, enquanto que Jannuzzi (1985, p. 21), baseada em informaes de Guerreiro ("A iniciativa privada no atendimento ao excepcional". p. 5) indica o prenome Ernesto. 2. Coutinho (1980, pp. 69, 73 e 74) refere-se ao "favor" como mecanismo de cooptaio e que denomina como 'intimismo sombra do poder" o qual, por sua vez, traz como consequencia a "desadequao entre idia europia e realidade brasileira pag.86 O primeiro, apenas um ano aps a sua criao, entrou em processo de degenerao, com (...) graves conflitos de ordem econmica, disciplinar e moral (Lemos, 1981, p. 45) que iriam receber algum encaminhamento somente nove anos depois, em 1867, quando se instituiu novo Regulamento (Lemos, 1981, pp. 43 e 44). O trabalho do Instituto dos Meninos Cegos tambm no se desenvolveu a contento, j que em 1890, Benjamin Constant, que havia sido seu Diretor, na qualidade de Ministro de Estado que compunha o Governo da recm proclamada Repblica, levou o Presidente a assinar novo Regulamento, (...) no sentido de reformular a orientao educacional dada e considerava que outras providncias deveriam ser tomadas para o encaminhamento do aluno cego na sociedade, uma vez concludo o curso no Instituto (Lemos, 1981, p. 28). Aparentemente, o processo de deteriorao dos Institutos parece seguir o mesmo percurso de seus congneres franceses. Mas h uma diferena fundamental: enquanto os institutos parisienses ~e transformaram em oficinas de trabalho, seus similares brasileiros tenderam basicamente para o asilo de invlidos.

Essa diferena reflete, por um lado, a pouca necessidade de utilizao desse tipo de mo-de-obra, na medida em que uma economia baseada na monocultura para exportao no exigia a utilizao dessa populao pelo incipiente mercado de trabalho. Por outro lado, espelha tambm o carter assistencialista que ir perpassar toda a histria da educao especial em nosso Pas. O fato de, atravs de uma poltica de "favor", terem sido criadas instituies que, pelo menos, ofereciam abrigo e proteo a essa parcela da populao, cumpria a funo de auxilio aos desvalidos, isto , queles que no possuam condies pessoais para exercerem sua cidadania. Alm disso, na medida em que se prenderam a iniciativas isoladas, deixaram de fora a maior parte dos surdos e cegos, ao mesmo tempo que, como internato, retiraram do convvio social indivduos que no necessitavam ser isolados pelo incipiente processo produtivo. No Perodo Imperial, alm desses institutos, iniciou-se o tratamento de deficientes mentais, no Hospital Psiquitrico da Bahia (hoje Hospital Juliano Moreira), em 1874 (Jannuzzi, 1985, p. 23), alm do ato de criao do Pavilho Bourneville, no Hospital D. Pedro II, que, entretanto, s entraria em funcionamento no incio do sculo XX (Lemos,1981, p. 50).3 Pag.87 A criao dessas primeiras instituies especializadas (ao contrrio dos pases europeus, onde ocorreu uma verdadeira proliferao no sculo passado), no passaram de umas poucas iniciativas isoladas, as quais abrangeram os ..mais lesados, os que se distinguiam, se distanciavam ou pelo aspecto social ou pelo comportamento divergente. Os que no o eram assim a "olho nu" estariam incorporados s tarefas sociais mais simples, numa sociedade rural desescolarizada (Jannuzzi, 1985, p. 28). O fato de se restringirem a umas poucas iniciativas, reflete, tambm que, da mesma forma como na educao comum, a escolas especiais (...) no eram necessrias como produtoras de mo-de-obra... nem como fator de ideologizao (Jannuzzi, 1985, p. 26), numa sociedade rural e escravocrata. Aps a proclamao da Repblica, a educao especial foi se expandindo, embora de forma extremamente lenta, fenmeno que no se refere somente a ela, mas que perpassa toda a educao brasileira. Pouco a pouco, a deficincia mental foi assumindo a primazia da educao especial, no s pelo maior nmero de instituies a ela dedicadas que foram sendo criadas, como pelo peso que ela foi adquirindo com relao sade (a preocupao com a eugenia da raa) e educao (a preocupao com o fracasso escolar). Assim que, nessa rea, se instalou, em 1903, o Pavilho Bourneviille, cujo ato de criao data do Segundo Imprio (Lemos, 1981, p. 50) e foram criados o Pavilho de Menores do Hospital do Juqueri, em 1923 (Pessotti, 1975, p. 5) e o Instituto Pestallozzi de Canoas, em 1927 (Lemos, 1981, p. 51), alm dos trabalhos, na cidade de Recife, do Dr. Ulisses Pernambucano, em 1929 (Jannuzzi, 1985, p. 39).4 3. Jannuzzi (1985, p. 23) cita tambm a Escola Mxico, que teria iniciado o trabalho com deficientes mentais em 1887, no Rio de Janeiro. Ocorre que a fonte utilizada (Brasil.MEC.CENESP. "Educao especial: cadastro dos estabelecimentos do ensino especial", 1975) ao se referir ao ano de instalao das instituies que atendiam crianas excepcionais em 1974, no explicita se essa data refere-se instalao do atendimento

a excepcionais ou ao ano de criao da instituio. As datas de instalao das instituies especializadas coincidem com a do inicio do atendimento aos excepcionais, o que no necessariamente precisa ocorrer com uma escola regular que, na data do levantamento (1974) atendia crianas excepcionais, como o caso da escola citada. 4. Existem controvrsias com relao a muitas dessas datas. Jannuzzi (1985, p. 39) refere-se a essas discrepncias. com relao aos trabalhos do Dr. Ulisses Pernambucano. Lemos (1981, p. 50) indica que o Pavilho Bourneville foi instalado em 1903, enquanto que Jannuzzi (1985. p. 34) Pag.88 Com relao aos deficientes visuais, surgiram apenas trs entidades, a Unio dos Cegos do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1924, o Instituto Padre Chico, em So Paulo e o Sodalcio da Sacra Famlia, no Rio de Janeiro, ambos em 1929, ano em que foi criada, na capital paulista, a segunda instituio especializada para deficientes auditivos, o Instituto Santa Therezinha (Brasil, MEC. CENESP, 1975b, pp. 70, 81, 144 e 153). O surgimento das primeiras entidades privadas de atendimento aos deficientes espelha o incio de duas tendncias importantes da educao especial no Brasil: a incluso da educao especial no mbito das instituies filantrpico- assistenciais e a sua privatizao, aspectos que permanecero em destaque em toda a sua histria, tanto pela influncia que elas exercero em termos de poltica educacional, como pela quantidade de atendimentos oferecidos. Alm do surgimento dessas entidades privadas, teve incio tambm a preocupao com a deficincia mental por parte da rede pblica escolar, como decorrncia da influncia que a psicologia passou a assumir na determinao dos processos de ensino, o que pode ser verificado pela criao, em So Paulo, do Laboratrio de Pedagogia Experimental, na Escola Normal de So Paulo (atual Escola Estadual Caetano de Campos), em 1913 (Pessotti, 1975, p. 7) e, antes disso, em 1906, no Rio e Janeiro, do..Laboratrio de Psicologia pedaggica, junto ao "Pedagogium", espcie de academia depedagogos e museu pedaggico que existia desde 1890 (Pessotti, 1975, pp. 6 e 7). O interesse pela deficincia mental que comeou a se manifestar, mais intensamente, a partir do incio deste sculo, refletia, tambm, a preocupao com a higiene da populao, incluindo-a na pregao sobre eugenia, propalando a "regenerao fsica e psquica", preocupao em relao saude com referncia a problemas bsicos causadores de nossa degenerescncia e taras, (...) consideraes que vo fazer parte tambm do discurso sobre deficincia mental (Jannuzzi, 1985, p. 33). se a 1905. Da mesma forma, enquanto Jannuzzi (1985, p. 35) afirma que a escola especial do Instituto Juqueri foi criada em 1929 (de 1921 at essa data, segundo ela, o que existia era apenas um pavilho para crianas), Pessotti (1975, p. 5) indica o ano de 1923 como o do surgimento dessa escola. 5.Aqui tambm existem divergncias entre os estudiosos. Enquanto Jannuzzi (1984, p. 39) d a denominao de Gabinete de Psicologia Experimental da Escola Normal e indica o ano de 1912 como o de sua criao, Pessotti (1975, p. 7) chama-o de laboratrio de Pedagogia Experimental, segundo ele, criado em 1913. Pag.89

Essa preocupao pode ser interpretada como o incio do processo de legitimao da segregao pelos especialistas do aluno diferente, na medida em que a escolaridade passou a ser uma expectativa social mais abrangente, principalmente em relao populao rural que se deslocava para os centros urbanos em busca de melhores condies de vida. Assim que, em 1911, em So Paulo, dentro do Servio de Higiene e Sade Pblica, foi criada a inspeo mdico-escolar, ..responsvel pela criao de classes especiais e formao de pessoaI para trabalhar com esta clientela (Jannuzzi, 1985, p. 32). Pode-se analisar, sob esta mesma tica, a iniciativa do Servio Mdico-Escolar, em 1917, de estabelecer normas para a ..seleo de anormais, com especificao das deficincias observadas e do regime especial de que necessitassem, bem como a criao de classes e escolas para eles e orientao tcnica aos profissionais nelas atuantes (Jannuzzi, 1985, p. 36). Na verdade, a preocupao da medicina com a sade escolar, expressa na criao de servios de higiene escolar e a insero da psicologia como instrumento fundamental para a elaborao de processos pedaggicos compatveis com as "potencialides individuais" refletia, no mbito da educao especial nascente, que a educao do povo devia ser colocada sob o signo neutro da cincia, alcanando-se as dimenses universais (Monarcha, 1989, p. 55), na medida em que pregava a separao do ''bom escolar'' daqueles que possuam anormalidades intelectuais, morais ou pedaggicas. Nas dcadas seguintes, a educao especial foi se expandindo no Brasil, com o surgimento de entidades privado- assistenciais e atravs da ao do Poder Pblico, embora esta ltima se processasse em ritmo muito mais lento que a das primeiras, pelo menos em relao quantidade de atendimento oferecido. Nos anos 30 e 40, a quantidade maior de instituies privadas de atendimento de deficientes incidiu nas reas das deficincias mentais e visuais. Com relao ao deficiente mental, surgiram as Sociedades Pestalozzi de Minas Gerais (Belo Horizonte, 1932), do Brasil (Rio de Janeiro, 1945) e do Estado do Rio de Janeiro (Niteri, 1948), alm da Fundao Dona Paulina de Souza Queiroz (So Paulo, 1936), Escola Especial Ulisses Pernambucano (Recife, 1941), Escola Alfredo Freire (Recife, 1942), Instituio Beneficente Nosso Lar (So Paulo, 1946), Escolinha de Arte do Brasil (Rio de Janeiro, 1948) e Escola Professor Alfredo Duarte (Pelotas, 1949) (Brasil, MEC/CENESP, 1975b, pp. 24, 27, 37, 60, 63, 66, 138, 142 e 187). Na rea da deficincia visual, foram criados os Institutos de Cegos do Recife (1935), da Bahia (1936), So Rafael (Taubat/SP, 1940), Santa Luzia (Porto Alegre/RS, 1941), do Cear (Fortaleza, 1943), da Paraba (Joo Pessoa, 1944), do Paran (Curitiba, 1944), do Brasil Central (Uberaba/MG, 1948) e de Lins (SP, 1948). Alm desses Institutos, surgiram a Associao Pr-Biblioteca e Alfabetizao dos Cegos (So Paulo, 1942) e Unio Auxiliadora dos Cegos do Brasil (Rio de Janeiro, 1943) (Brasil, MEC/CENESP, 1975b, pp. 19, 22, 25, 31, 34, 39, 78, 109, 132, 145, 164 e 177). pag.90

Alm desses Institutos, cabe destacar a criao da Fundao para o Livro do Cego no Brasil (So Paulo, 1946), que exercer grande influncia em todo o Pas, no s pela produo de livros em braille e pelos processos de reabilitao e formao de pessoal docente e tcnico por ela desenvolvidos, como pela sua participao decisiva na poltica de atendimento do deficiente visual no Brasil. Na rea da deficincia auditiva, a nica indicao a da criao do Instituto Santa Ins (Belo Horizonte, 1947), enquanto que aparecem as primeiras entidades voltadas para o deficiente fsico, com a criao do Pavilho Fernandinho Simonsen, na Santa Casa de Misericrdia (So Paulo, 1931) (Lemos, 1981, p. 55), do Lar Escola So Francisco (So Paulo, 1943) e da Escola Nossa Senhora de Lourdes (Santos, 1949) (Brasil, MEC/CENESP, 1975b, pp. 143 e 162). A quase totalidade dessas instituies, na maior parte das vezes ligadas a ordens religiosas, revestia-se de carter filantrpico-assistencial, contribuindo para que a deficincia permanecesse no mbito da caridade pblica e impedindo, assim, que as suas necessidades se incorporassem no rol dos direitos de cidadania. Por outro lado, na medida em que essas entidades se constituam em instituies especializadas e se estendendo s deficincias mental, visual, auditiva e fsica, enquanto que o poder pblico, salvo rarssimas excees, se utilizava do sistema de classes especiais em escolas regulares e se restringia deficincia mental, o nmero de atendimento dessa rede privado-assistencial passou a ser muito superior que o da rede pblica, assim como sua abrangncia em relao ao universo das deficincias. Esse fato deve ter contribudo para ampliar a influncia que foram adquirindo e que possuem at hoje em relao aos destinos da educao especial no Pais. Por fim, essa priyatiza.o da escola especial parece se antecipar ao movimento de privatizao da escola regular que ocorrer partir da dcada de 60,e que ter na educao especial um grande aliado na sua defesa, sob a argumentao de que essa privatizao possui um alto significado na qualificao do ensino brasileiro. pag.91 A ao do Estado com relao educao especial, embora no atingisse a quantidade de atendimento das entidades privadas e se restringisse basicamente deficincia mental, foi se sistematizando e se organizando, atravs da normatizao e da centralizao do atendimento por parte de rgos pblicos. Em So Paulo, foi criada a Seo de Higiene Mental, do Servio de Sade Escolar, da Secretaria da Educao do Estado, em 1938, com a atribuio de ..organizar a assistncia mdico-pedaggica aos retardados mentais e a habilitao e o aperfeioamento de tcnicos especializados no seu ensino (So Paulo, SE/CENP, 1966, p. 60).6 No Rio de Janeiro, trabalho semelhante foi realizado pela Seo de Ortofrenia e Higiene Mental do Instituto de Pesquisas Educacionais, criado em 1933 por Ansio Teixeira, que realizou pesquisas desde essa data at 1939, com 2 mil crianas encaminhadas pelos professores e diretores da rede pblica com a queixa de debilidade mental e que concluiu pela confirmao de apenas 1007o da populao pesquisada (Jannuzzi, 1985, pp. 62 e 63).

As outras, embora anormalizadas pelo meio, "geralmente causas familiares de alcoolismo, abandono, maus tratos, misria etc. ", no necessitariam de separao do ensino comum, embora no prescindissem de ateno cuidadosa de seus mestres (Ramos, A. A criana problema, 1939, cit. por Jannuzzi, 1985, p. 63). Essa preocupao com o deficiente mental fica ainda mais clara na apresentao que o professor Francisco Lopes de Azevedo, Chefe de Servio do Departamento de Educao do Estado de So Paulo, fez no 1 Congresso Nacional de Sade Escolar, realizado em So Paulo, em 1941, em que, depois de considerar que uma das causas das reprovaes eram as patolgicas (subdivididas em fsicas e mentais), indicou que esses casos deveriam ser encaminhados educadora sanitria, bem como sugeriu que a escola s deveria aceitar matrculas de alunos que no prejudicassem o bom andamento da classe (Azevedo, 1942, pp. 556, 558 e 561). 6. O Servio Mdico-Escolar foi criado em 1911, sob a denominao de Inspeo Mdico-Escolar, tendo como uma de suas atribuies a seleo dos "anormais", com especificao das doenas observadas e do regime especial de que necessitassem, bem como a criao de classes e escolas para eles e orientao tcnica aos profissionais nelas atuantes (Jannuzzi, 1985, p. 36). Apesar da criao desse rgo, no se efetivou a pretenso de se criarem escolas ou classes para os selecionados (Jannuzzi, 1985, p. 38), sendo que uma das primeiras referncias sobre isto encontra-se na mesma obra (p. 62), que indica a criao de classes especiais para "dbeis mentais" na Escola Primria Jos de Andrade, em 1933. Pag.92 Os laboratrios de Psicologia tambm continuaram atuando no sentido de identificar e encaminhar os deficientes mentais matriculados na escola pblica. Em So Paulo, Loureno Filho assumiu a ctedra de Psicologia Educacional da Escola Normal de So Paulo, em 1925, reativando o laboratrio criado na dcada anterior e que passava por processo de decadncia, fazendo suas primeiras experincias com o teste ABC, que passaria a ser amplamente utilizado para avaliar a prontido para a leitura das crianas brasileiras. Em 1934, j sob a regncia de Noemi Silveira Rudolfer, o Laboratrio foi incorporado pela cadeira de Psicologia Educacional da recm criada Universidade de So Paulo que, no Congresso de Sade Escolar de 1941 apresentou relato enfatizando, entre outras coisas, que um servio de psicologia educacional se fazia necessrio para ..diagnosticar os casos problema; auxiliar a orientao e tratamento dos mesmos, em cooperao com o Servio de Higiene Mental do sistema educacional paulista... (Rudolfer, 1942, p. 546.). No Rio de Janeiro, o laboratrio do Pedagogium continuou com o desenvolvimento de diversos trabalhos de pesquisa, sendo que um deles, de autoria de Pliio Olinto, denominado Fadiga intelectual em escolares, foi citado por Claparede, "que o situa, erradamente, na Argentina" (Pessotti, 1975, p. 7). Em Minas Gerais, foi criado, em 1929, o Laboratrio de Psicologia na Escola de Aperfeioamento cuja direo, aps alguns meses de sua criao, foi confiada a Helena Antipoff, colaboradora de Claparede, convidada a vir para o Brasil especialmente para isso. Sob a atuao de Antipoff, o Laboratrio no s exerceu enorme influncia na formao de professores, como na educao do deficiente mental, com a criao da Sociedade Pestalozzi, em 1932, que reuniu alunos e profissionais interessados na criana excepcional (Jannuzzi, 1985, pp. 76, 79 e 90).

Apesar de criticar o uso indiscriminado de testes psicolgicos, pois, para ela, no mediam capacidades inatas mas envolviam tambm as influncias recebidas pelas crianas, Antipoff utilizou-os como critrio para homogeneizao das classes, de tal forma a separar as crianas normais de ..crianas retardadas e de inteligncia tardia e (...) retardadas do ponto de vista mental e senso motor (Jannuzzi, 1985, p. 86). Pag.93 Alm disso, a educao dos retardados devia se pautar nos procedimentos da medicina, incorporando os processos de reabilitao: Se o trabalho pedaggico, numa classe de alunos normais, pode ser comparado, no terreno da medicina, ao higienista - o trabalho nas classes especiais tem sua analogia no do terapeuta e algumas vezes no do cirurgio (Antipoff, H. O ensino nas classes especiais, 1930, cit. por Jannuzzi, 1985, p. 84). Assim, essa viso de educao especial, onde a cura, a reabilitao, a eliminao de comportamentos inadequados constituia-se no seu ncleo central, ..resultou numa diluio da importncia da verificao dos conhecimentos bsicos a serem transmitidos pela escola (Jannuzzi,1985, p. 85). A preocupao com a deficincia mental se instituiu principalmente pela busca de uma maior eficincia dos processos de ensino que, se de um lado, se desenvolveu pela crtica aos procedimentos da escola tradicional, por outro, no colocou em xeque as condies extra-escolares, imputando ao aluno ou ao seu meio- prximo as causas do fracasso escolar. Nesse sentido, a determinao da deficincia mental se fez pela incorporao de ..padres sociais assimilados pela escola: moralidade, disciplina, abandono social etc., ao lado de consideraes de leses orgnicas... (Jannuzzi, 1985, p. 91). Essa caracterizao fundava-se principalmente no conhecimento oferecido pela medicina, atravs das instituies especializadas e pelos Servios de Higiene Mental e pela psicologia, atravs dos Laboratrios de Psicologia Aplicada, que passaram a oferecer o aval do especialista para a segregao dos que "prejudicavam" o bom andamento da escola. Tanto assim que a quarta concluso do 1 Congresso Nacional de Sade Escolar definia que a ..deficincia mental que constitue srio impeclio reduo do numero de repetentes, exige corretivo enrgico e de carter mdico-pedaggico. A homogeneizao das classes por meio de testes, ou pela interveno do professor e do mdico, com ajuda da psicologia aplicada, das mensuraes corporais e da avaliao dos alimentos dos alunos, ou, ainda, pelo seu exame pr-escolar, com a organizao de um modelo de ficha para a correo, no incio do ano letivo, para o grande mal, parece ser o remdio, bem como o reajustamento ao fim de um ou dois meses. A formao de classes especiais com nmero reduzido de "alunos-problema, aconselhvel (Brasil, Anais do 1 Congresso Nacional de Sade Escolar, 1942, pp. 541 e 542.). pag.94 A preocupao do Estado na identificao e tratamento da deficincia mental, definida a partir do fracasso escolar integrou o movimento reformista mais amplo desencadeado pela intelectualidade liberal que, no campo

da educao, ao mesmo tempo em que criticava os "procedimentos arcaicos da escola tradicional", circunscreveu o seu fracasso no mbito individual (os deficientes mentais de fato) ou no de seu ambiente prximo (os anormalizados pelo meio): Mdicos, higienistas, pedagogos, alienistas, engenheiros, filantropos, etc., em resumo: a comunidade de homens cultos passou a invadir o mundo do trabalho, emitindo discursos neutros e frios, cientficos, com a finalidade de moralizar e regenerar o insubordinado e andrajoso operrio urbano, procurando dissuadi-lo de sua autonomia e convenc-lo da infinita superioridade da sociedade do trabalho (Monarcha, 1989, p. 104). O percurso histrico da educao especial nesse perodo se insere no movimento maior de reordenamento do Estado brasileiro, que redundou nas reformas educacionais, trabalhistas, sanitrias e previdencirias que tinham como objetivo fundamental impedir a participao das camadas populares nas grandes decises nacionais. Nesse sentido, a determinao cientfica e neutra da deficincia, principalmente em relao deficincia mental, contribuiu para o acobertamento das reais determinaes para o fracasso escolar por parte das crianas dessas camadas. Aps a Segunda Guerra Mundial, a educao especial brasileira distinguiu1se pela ampliao e proliferao de entidades privadas, ao lado do aumento da populao atendida pela rede pblica, que foi se configurando, cada vez mais, como uma ao em nvel nacional, quer pela criao de federaes estaduais e nacionais de entidades privadas, quer pelo surgimento dos primeiros Servios de Educao Especial nas Secretarias Estaduais de Educao e das campanhas nacionais de educao de deficientes, ligadas ao Ministrio da Educao e Cultura. A partir do trabalho pioneiro de Helena Antipoff, reproduziram-se pelo Pas as Sociedades Pestalozzi, com intercmbio entre si e que se uniram para a criao, em 1971, da Federao Nacional das Sociedades Pestalozzi do Brasil (Lemos, 1981, pp. 52 e 53). Pag.95 Caminho semelhante foi seguido pelas APAEs que, iniciando-se com a fundao da Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais do Rio de Janeiro, em 1954, multiplicaram-se por todo o territrio nacional, at a criao da Federao Nacional das APAEs que, no incio da dcada de 80, congregava mais de duzentas entidades (Lemos, 1981, p. 53). Surgiram tambm novas entidades de atendimento do deficiente fsico, de cunho filantrpico, inicialmente voltadas a crianas com seqela de poliomielite e que, pouco a pouco, com a reduo desses quadros em virtude da vacinao, foram se especializando no atendimento de crianas com distrbios neuromotores, como a Associao de Assistncia Criana Defeituosa-AACD, em So Paulo, fundada em 1950 e a Associao Brasileira Beneficente de Reabilitao-ABBR, no Rio de Janeiro, em 1954 (Brasil, MEC/CENESP, 1975b, pp. 68 e 143). Na rea da deficincia auditiva surgiram novas entidades, como a Escola Epheta (Curitiba, 1950), o Instituto Domingos Svio (Recife, 1952), a Escola Santa Cecilia (Rio de Janeiro, 1957), o Instituto Educacional So Paulo (So Paulo, 1958), o Instituto Nossa Senhora de Lourdes (Rio de Janeiro, 1959), o Instituto Dona

Conceio (So Paulo, 1960), o Instituto Cearense de Educao de Surdos (Fortaleza, 1968) e a Escola Santa Mana (Salvador, 1970) (Brasil, MEC/CENESP, 1975b, pp. 19, 26, 33, 67, 68, 143, 152 e 164). Na rea da deficincia visual foram criados a Escola Luiz Braille (Pelotas, 1952), o Instituto de Educao e Assistncia aos Cegos do Nordeste (Campina Grande/PB, 1963), a Escola de Cegos do Maranho (So Luis, 1964) e a Associao dos Cegos do Piaui (Teresina, 1967) (Brasil, MEC/CENESP, 1975b, pp. 15, 19, 22 e 187). Ao lado dessas instituies de carter filantrpico- assistencial, surgiram centros de reabilitao e clnicas privadas, com alto nvel de sofisticao tcnica, dedicados ao atendimento de crianas deficientes dos extratos sociais superiores. Ao seu lado, apareceram escolas privadas de alto nvel tcnico, como por exemplo em So Paulo, a Escola Mundo Infantil (1956) para crianas com problemas de