Cadeia de razões

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Estudo das cadeias de razões em Descartes

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As 12 verdades em Descartes

- 7 -

Cadeia de Razes em Descartes

Outono/1994

1 verdade

II Meditao, p. 23s.

4. Mas que sei eu, se no h nenhuma outra coisa diferente das que acabo de julgar incertas, da qual no se possa ter a menor dvida? No haver algum Deus, ou alguma outra potncia, que me ponha no esprito tais pensamentos? Isso no necessrio; pois talvez seja eu capaz de produzi-los por mim mesmo. Eu ento, pelo menos, no serei alguma coisa? Mas j neguei que tivesse qualquer sentido ou qualquer corpo. Hesito no entanto, pois que se segue da? Serei de tal modo dependente do corpo e dos sentidos que no possa existir sem eles? Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que no havia nenhum cu, nenhuma terra, espritos alguns, nem corpos alguns: no me persuadi tambm, portanto, de que eu no existia225 Retomemos o raciocnio. No ponto em que estou, no poderia eu ter a certeza da existncia de algum Deus? No, nada o exige (e um dos princpios da anlise dos gemetras o de no remontar a uma verdade superior quela com que posso me contentar). Irei invocar a certeza de minha existncia como individuo, sujeito concreto? No, nada o permite, visto que pus em dvida a existncia de tudo o que h no mundo... Mas cuidado! A hesitao aqui ditada pelo medo de uma confuso: fiel regra da dvida, no tenho motivo de abrir exceo em favor do homem concreto que sou; mas, aqum deste, h algo que ir resistir dvida. E doravante o Eu no ser mais este Eu de chambre e ao p do fogo que a Primeira Meditao evocava (como indica Goldschmidt, Congresso Descartes de Royaumont, pg. 53).5? Certamente no, eu existia sem dvida, se que eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas h algum, no sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indstria em enganar-me sempre. No h, pois, dvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, no poder jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa226 Essa frase evidencia bem o papel do Grande Embusteiro: impor a meus pensamentos uma prova de tal ordem que aquele que lhe resistir seja quando no garantido como verdadeiro ( impossvel antes da prova da existncia de Deus), pelo menos recebido como certo. Se no fosse arrancado extorquido ao Gnio Maligno, o Cogito no passaria de uma banalidade. Sobre a originalidade do Cogito, cf, fim do opsculo de Pascal: De lEspril Gomtrique.6. De sorte que, aps ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposio, eu sou, eu existo, necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu esprito227 O fim da frase indica que ela s verdadeira cada vez que penso nela atualmente. tambm uma transio, pois permitir responder pergunta que agora haver de colocar-se: qual a natureza deste Eu existente que acabo de afirmar?7.

2 verdade

II Meditao, p. 26 s.

8. Mas tambm pode ocorrer que essas mesmas coisas, que suponho no existirem, j que me so desconhecidas, no sejam efetivamente diferentes de mim, que eu conheo? Nada sei a respeito: no o discuto atualmente, no posso dar meu juzo seno a coisas que me so conhecidas: reconheci que eu era e procuro o que sou, eu que reconheci ser. Ora, muito certo que essa noo e conhecimento de mim mesmo, assim precisamente tomada, no depende em nada das coisas cuja existncia no me ainda conhecida336 O contraditor que retorquisse haver talvez em mim alguma outra faculdade desconhecida situar-se-ia no plano da Psicologia e no das razes metafsicas. Um dos princpios da anlise que no tenho o direito de argir propriedades ainda desconhecidas para combater as que se acham agora estabelecidas.6 ; nem, por conseguinte, e com mais razo de nenhuma daquelas que so fingidas e inventadas pela imaginao. E mesmo esses termos fingir e imaginar advertem-me de meu erro; pois eu fingiria efetivamente se imaginasse ser alguma coisa, Posto que imaginar nada mais do que contemplar a figura ou a imagem de uma coisa corporal. Ora, sei j certamente que eu sou, e que, ao mesmo tempo, pode ocorrer que todas essas imagens e, em geral, todas as coisas que se relacionam natureza do corpo sejam apenas sonhos ou quimeras. Em seguimento disso, vejo claramente que teria to pouca razo ao dizer: excitarei minha imaginao para conhecer mais distintamente o que sou, como se dissesse: estou atualmente acordado e percebo algo de real e de verdadeiro; mas, visto que no o percebo ainda assaz nitidamente, dormiria intencionalmente a fim de que meus sonhos mo representassem com maior verdade e evidncia. E, assim, reconheo certamente que nada de tudo o que posso compreender por meio da imaginao, pertence a este conhecimento que tenho de mim mesmo e que necessrio lembrar e desviar o esprito dessa maneira de conceber a fim de que ele prprio possa reconhecer muito distintamente sua natureza337 37 Em virtude desse princpio, no me dado absolutamente o direito de recorrer imaginao, pois tudo quanto posso compreender por seu meio foi excludo pela dvida. Por a eu sei, ao mesmo tempo, que minha natureza puro pensamento exclusivo de todo elemento corporal. a segunda verdade, a qual no se deve confundir com a distino real entre a alma e o corpo, estabelecida somente na Meditao Sexta. Cf. 510.7 .

3 verdade

II Meditao, p. 30

17. Ora, se a noo ou conhecimento da cera parece ser mais ntido e mais distinto aps ter sido descoberto no somente pela viso ou pelo tato, mas ainda por muitas outras causas, com quo maior evidncia, distino e nitidez no deverei eu conhecer-me447 a terceira verdade: o esprito mais fcil de conhecer do que o corpo. Com efeito, obtenho imediatamente o conhecimento da existncia e da natureza de meu esprito, ao passo que o meu pensa mento me proporciona apenas a idia clara e distinta dos corpos cuja existncia ainda problemtica. Guroult comenta: Quando Descartes declara que o conhecimento da alma o mais fcil dos conhecimentos, quer dizer que a mais fcil das verdades cientificas e o primeiro dos conhecimentos na ordem da cincia. No quer dizer que a cincia mais fcil do que o conhecimento vulgar. A passagem do senso comum cincia , com efeito, a mais difcil das ascenses. (Op. cit., pg. 128.)7, posto que todas as razes que servem para conhecer e conceber a natureza da cera, ou qualquer outro corpo, provam muito mais fcil e evidentemente a natureza de meu esprito? E encontram-se ainda tantas outras coisas no prprio esprito que podem contribuir ao esclarecimento de sua natureza, que aquelas que dependem do corpo (como esta) no merecem quase ser enumeradas.

4 verdade

III Meditao, p. 39 s.

22. Portanto, resta to-somente a idia de Deus, na qual preciso considerar se h algo que no possa ter provindo de mim mesmo? Pelo nome de Deus entendo uma substancia infinita, eterna, imutvel, independente, onisciente, onipotente e pela qual eu prprio e todas as coisas que so (se verdade que h coisas que existem) foram criadas e produzidas. ora, essas vantagens so to grandes e to eminentes que, quanto mais atentamente as considero, menos me persuado de que essa idia possa tirar sua origem de mim to-somente. E, por conseguinte, preciso necessariamente concluir, de tudo o que foi dito antes, que Deus existe880 Aplicao do mesmo princpio de causalidade. Contendo um mximo de realidade objetiva, a idia de Deus envia necessariamente a uma causa que conter, no mnimo, um mximo absoluto de realidade formal. Como eu no posso ser esta causa, mister concluir que Deus existe. At agora procurava se apenas, aparentemente, que idia em mim podia ser reconhecida como investida de um valor objetivo. Acabamos de ach-la, mas achamos ao mesmo tempo a primeira prova da existncia de Deus pelos efeitos. Este 22 constitui uma volta decisiva. Pois a quarta verdade que acabamos assim de estabelecer no da mesma ordem que as precedentes: ela confere, por exemplo, sua verdade ao Cogito, ainda que eu no pense nele atualmente. Ela abole o poder do Grande Enganador, para nos transferir ao de um Deus garante da verdade de minhas idias claras e distintas. Veja se, a respeito deste ponto, a obra de Guroult. 0; pois, ainda que a idia da substncia esteja em mim, pelo prprio fato de ser eu uma substncia, eu no teria, todavia, a idia de uma substancia infinita, eu que sou um ser finito, se ela no tivesse sido colocada em mim por alguma substncia que fosse verdadeiramente infinita881 " manifesto que tudo o que concebemos ser em Deus dessemelhante s coisas externas no pode vir ao nosso pensamento por intermdio destas prprias coisas, mas somente por intermdio da causa desta diversidade, isto , Deus" (Terceiras Respostas.)1.

5 verdade

III Meditao, p. 43 s.

37. No que se refere aos meus pais, aos quais parece que devo meu nascimento, ainda que seja verdadeiro tudo quanto jamais pude acreditar a seu respeito, dai no decorre todavia que sejam eles que me conservam, nem que me tenham feito e produzido enquanto coisa pensante, pois apenas puseram algumas disposies nessa matria, na qual julgo que eu, isto , meu esprito a nica coisa que considero atualmente como eu prprio se acha encerrado; e, portanto, no pode haver aqui, quanto a eles, nenhuma dificuldade, mas preciso concluir necessariamente que, pelo simples fato de que eu existo e de que a idia de um ser soberanamente perfeito, isto , Deus, em mim, a existncia de Deus est mui evidentemente demonstrada997 Deus colocado como causa de si, autor de meu ser e soberanamente perfeito. a quinta verdade. Guroult acentua que, se a primeira prova a mais importante (ao menos na ordem das razes, que no se deve confundir com a ordem das coisas), posto que s ela me permite colocar Deus, passar do subjetivo ao objetivo, esta segunda prova, por seu turno, me faz conhecer melhor quem ele . Cf. PrincpIos, 1, 22. 7.

6 verdade

IV Meditao, p. 51

10. De tudo isso reconheo que nem o poder da vontade, o qual recebi de Deus, no em si mesmo a causa de meus erros, pois muito amplo e muito perfeito na sua espcie; nem tampouco o poder de entender ou de conceber: pois, nada concebendo seno por meio deste poder que Deus me conferiu para conceber, no h dvida de que tudo o que concebo, concebo como necessrio e no possvel que nisso me engane. Donde nascem, pois, meus erros? A saber, somente de que, sendo a vontade muito mais ampla e extensa que o entendimento eu no a contenho nos mesmos limites, mas estendo-a tamhm s coisas que no entendo das quais, sendo a vontade por si indiferente, ela se perde muito facilmente e escolhe o mal pelo bem ou o falso pelo verdadeiro. O que faz com que eu me engane e peque1119 O conhecimento do mecanismo do erro aqui obtido constitui a sexta verdade o erro possvel porque a vontade livre, fundamentalmente indiferente, pode tornar-se indiferente no segundo sentido da palavra no caso, pronunciar-se sobre o que ela no entende inteira ou suficientemente. E quando dela abusamos deste modo, no de admirar que cheguemos a nos equivocar. (Princpios, I, 35.)19.

7 verdade

IV Meditao, p. 52 s.

13. Ora, se me abstenho de formular meu juzo sobre uma coisa, quando no a concebo com suficiente clareza e distino, evidente que o utilizo muito bem e que no estou enganado; mas, se me determino a neg-la ou a assegur-la, ento no me sirvo como devo de meu livre arbtrio; se garanto o que no e verdadeiro, e evidente que me engano, e at mesmo, ainda que julgue segundo a verdade, isto no ocorre seno por acaso e eu no deixo de falhar e de utilizar mal o meu livre arbtrio; pois a luz natural nos ensina que o conhecimento do entendimento deve sempre preceder a determinao da vontade. E neste mau uso do livre arbtrio que se encontra a privao que constitui a forma do erro1121 O erro , portanto, agora reconhecido como privao, contrariamente ao que se passava na pseudo-soluo do 5. E, no obstante, Deus ser disso desculpado por quatro consideraes: No tenho nenhum motivo de me lastimar...21. A privao, digo, encontra-se na operao na medida em que procede de mim; mas ela no se acha no poder que recebi de Deus, nem mesmo na operao na medida em que ela depende dele. Pois no tenho certamente nenhum motivo de me lastimar pelo fato de que Deus no me deu uma inteligncia mais capaz, ou uma luz natural maior do que aquela que dele recebi, posto que, com efeito, prprio do entendimento finito no compreender uma afinidade de coisas e prprio de um entendimento criado o ser finito: mas tenho todos os motivos de lhe render graas pelo fato de que, embora jamais me devesse algo, me tenha dado, no obstante, todo o pouco de perfeio que existe em mim; estando bem longe de conceber sentimentos to injustos como o de imaginar que ele me tirou ou reteve injustamente as outras perfeies que no me deu1122 a) A finitude de meu entendimento no pode ser imputada a Deus como uma imperfeio. Cf. Princpios I, 36.22. No tenho tambm motivo de me lastimar do fato de me haver dado uma vontade mais ampla do que o entendimento, uma vez que, consistindo a vontade em apenas uma coisa, e sendo seu sujeito como que indivisvel, parece que sua natureza tal que dela nada se poderia tirar sem destru-la; e, certamente, quanto maior for ela, mais tenho que agradecer a bondade daquele que ma deu1123 b) Quanto vontade, no s no tenho por que me queixar, mas devo ser reconhecido a Deus por ma ter dado inmita.23 . E, enfim, no devo tambm lamentar-me de que Deus concorra comigo para formar os atos dessa vontade, isto , os juzos nos quais eu me engano, porque esses atos so inteiramente verdadeiros e absolutamente bons na medida em que dependem de Deus; e h, de alguma forma, mais perfeio em minha natureza, pelo fato de que posso form-los, do que se no o pudesse1124 C) Que minha vontade possa formar juzos ainda uma perfeio. Assim, tomados um a um, os elementos que concorrem ao erro humano no constituem sinal de nenhum no-ser ou de nenhum mal. Coisa ou um ser e que relacionamos a Deus como sua causa, ela no dever ser chamada privao mas somente negao, segundo o significado que se atribui a essas palavras na Escola 125.24 . Quanto privao, que consiste na nica razo formal do erro e do pecado, no tem necessidade de nenhum concurso de Deus, j que no uma coisa ou um ser e que, se a relacionamos a Deus como sua causa, ela no dever ser chamada privao mas somente negao, segundo o significado que se atribui a essas palavras na Escola1125 d) Mas o prprio erro, na medida em que resulta do jogo dos elementos anteriores, sem dvida privao ou imperfeio em ns, mas no produzido por Deus. O erro provm do fato de Deus "no nos ter dado tudo quanto podia nos dar", mas "no era de modo algum obrigado" a nos dar (Princpios, I, 31). Assim, isso que, para ns, privao ou imperfeio positiva, no passa de negao ou ser-limitado do ponto de vista de Deus. Em termos modernos, poder-se-ia dizer que o homem torna ser o no-ser, mas que, no absoluto, trata-se de uma iluso. Esta confirmao da veracidade e da perfeio de Deus pode ser considerada como a stima verdade.25 .

8 verdade

IV Meditao, p. 54

16. E, certamente, no pode haver outra alm daquela que expliquei; pois, todas as vezes que retenho minha vontade nos limites de meu conhecimento, de tal modo que ela no formule juzo algum seno a respeito das coisas que lhe so clara e distintamente representadas pelo entendimento, no pode ocorrer que eu me engane; porque toda concepo clara e distinta sem dvida algo de real e de positivo, e portanto no pode ter sua origem no nada, mas deve ter necessariamente Deus como seu autor; Deus, digo, que, sendo sobe raramente perfeito, no pode ser causa de erro algum; e, por conseguinte, preciso concluir que uma tal concepo ou um tal juzo verdadeiro1129 Dai a oitava verdade: as idias claras e distintas tm um valor objetivo imediatamente cerro. .A regra segundo a qual todas as coisas que concebermos muito clara e muito distintamente so verdadeiras, que obtive por reflexo sobre o Cogito, no comeo da Meditao Terceira ( 2), agora objetivamente validada. Doravante, no mais precisarei efetuar o Cogito a fim de provar a verdade dessa regra; bastar lembrar-me dela.29.

PROVA ONTOLGICA (ver ao final)

9 verdade

V Meditao, p. 60

15. Mas, aps ter reconhecido haver um Deus, porque ao mesmo tempo reconheci tambm que todas as coisas dependem dele e que ele no enganador, e que, em seguida a isso, julguei que tudo quanto concebo clara e distintamente no pode deixar de ser verdadeiro: ainda que no mais pense nas razes pelas quais julguei tal ser verdadeiro, desde que me lembre de t-lo compreendido clara e distintamente, ningum pode dar-me razo contrria alguma que me faa jamais coloc-lo em dvida; e, assim, tenho dele uma cincia certa e verdadeira. E esta mesma cincia se estende tambm a todas as outras coisas que me lembro ter outrora demonstrado, como as verdades da Geometria e outras semelhantes: pois, que me podero objetar, para obrigar-me a coloc-las em dvida? Dir-me-o que minha natureza tal que sou muito sujeito a enganar-me? Mas j sei que me no posso enganar nos juzos cujas razes conheo claramente. Dir-me-o que outrora tive muitas coisas por verdadeiras e certas, as quais mais tarde reconheci serem falsas? Mas eu no havia conhecido clara nem distintamente tais coisas e, no conhecendo ainda esta regra pela qual me certifico da verdade, era levado a acreditar nelas por razes que reconheci depois serem menos fortes do que ento imaginara. O que mais podero, pois, objetar-me? Que talvez eu durma (como eu mesmo me objetei acima) ou que todos os pensamentos que tenho atualmente no so mais verdadeiros do que os sonhos que imaginamos ao dormir? Mas, mesmo que estivesse dormindo, tudo o que se apresenta a meu esprito com evidncia absolutamente verdadeiro. E, assim, reconheo muito claramente que a certeza e a verdade de toda cincia dependem do to-s conhecimento do verdadeiro Deus: de sorte que, antes que eu o conhecesse, no podia saber perfeitamente nenhuma outra coisa. E, agora que o conheo, tenho o meio de adquirir uma cincia perfeita no tocante a uma infinidade de coisas, no somente das que existem nele mas tambm das que pertencem corprea, na medida em que ela pode servir de objeto s demonstraes dos gemetras, os quais no se preocupam de modo algum, com sua existncia1146 Essa Meditao Quinta contm a nona verdade da ordem das razes: temos certeza absoluta de que as propriedades das essncias so as propriedades das coisas e, no que concerne essncia de Deus, de que a est inscrita a existncia necessria, portanto eterna.46.

10 verdade

VI Meditao, p. 66

l7. E, primeiramente, porque sei que todas as coisas que concebo clara e distintamente podem ser produzidas por Deus tais como as concebo, basta que possa conceber clara e distinta-mente uma coisa sem uma outra para estar certo de que uma distinta ou diferente da outra, j que podem ser postas separadamente, ao menos pela onipotncia de Deus; e no importa por que potncia se faa essa separao, para que seja obrigado a julg-las diferentes1164 o elemento essencial da prova da distino: Deus no pode deixar de fazer o que eu concebo clara e distintamente. S este princpio basta para invalidar todas as concluses derivadas da unio de fato entre a alma e o corpo.64. E, portanto, pelo prprio fato de que conheo com certeza que existo, e que, no entanto, noto que no pertence necessariamente nenhuma outra coisa minha natureza ou minha essncia, a no ser que sou uma coisa que pensa, concluo efetivamente que minha essncia consiste somente em que sou uma coisa que pensa ou uma substncia da qual toda a essncia ou natureza consiste apenas em pensar. E, embora talvez (ou, antes, certamente, como direi logo mais) eu tenha um corpo ao qual estou muito estreitamente conjugado1165 Notar a reserva: no sabemos ainda se a prova poder ser aplicada. Cf.: E se Deus mesmo juntasse to intimamente corpo e alma que fosse impossvel uni-los mais, e fizesse um composto destas duas substncias assim unidas, concebemos tambm que permaneceriam realmente distintas, no obstante tal unio, porque, qualquer que seja a ligao que Deus estabelea entre elas, no poderia desfazer se do seu poder de separ-las. (Princpios, I, 60)65, todavia, j que, de um lado, tenho uma idia clara e distinta de mim mesmo, na medida em que sou apenas uma coisa pensante e extensa, e que, de outro, tenho uma idia distinta do corpo, na medida em que apenas uma coisa extensa e que no pensa, certo que este eu, isto , minha alma, pela qual eu sou o que sou, inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e que ela pode ser ou existir sem ele1166 a dcima verdade. Acerca das noes de distino real e modal, cf. Princpios, I, 6O 61. 66.

11 verdade

VI Meditao, p. 67

20. Ora, no sendo Deus de modo algum enganador, muito patente que ele no me envia essas idias imediata-mente por si mesmo, nem tambm por intermdio de alguma criatura, na qua a realidade das idias no esteja contida formalmente, mas apenas eminentemente. Pois, no me tendo dado nenhuma faculdade para conhecer que isto seja assim, mas, ao contrrio, uma fortssima inclinao para crer que elas me so enviadas pelas coisas corporais ou partem destas, no vejo como se poderia desculp-lo de embaimento se, com efeito, essas idias partissem de outras causas que no coisas corpreas, ou fossem por elas produzidas. E, portanto, preciso confessar que h coisas corpreas que existem1172 Se Deus no nos proporcionou nenhum meio de reconhecer ou de evitar um erro, porque estamos diante de uma verdade: processamento anlogo ao de uma prova por absurdo. Assim, fica estabelecida a dcima primeira verdade: certeza absoluta da existncia dos corpos.72.

12 verdade

VI Meditao, p. 68

23. Ora, nada h que esta natureza me ensine mais expressamente, nem mais sensivelmente do que o fato de que tenho um corpo que est mal disposto quando sinto dor, que tem necessidade de comer ou de beber, quando nutro os sentimentos de fome ou de sede, etc. E, portanto, no devo, de modo algum, duvidar que haja nisso alguma verdade1174 1Depreende-se agora, o que de verdade contm "o ensinamento da natureza, ou, ainda, qual o papel original do sentimento. Em seu nvel, desvenda-se a dcima segunda verdade: eu tenho um corpo ao qual estou jungido.74 .

24. A natureza me ensina, tambm, por esses sentimentos de dor, fome, sede, etc., que no somente estou alojado em meu corpo, como um piloto em seu navio, mas que, alm disso, lhe estou conjugado muito estreitamente e de tal modo confundido e misturado, que componho com ele um nico todo1175 Frase capital. Descartes no estabeleceu que eu sou um entendimento + um corpo, porm que em mim h, alm do mais, uma mistura dessas duas substncias. E esta mistura de fato corrige o dualismo de direito. A idia de que sou totalmente corpo e totalmente esprito anuncia um tema fundamental da Antropologia moderna. Pode se dizer, por exemplo, que a Phnomnologie de la Perception dc Merleau-Ponty constitui, em certo sentido, um comentrio dessas linhas.75 . Pois, se assim no fosse, quando meu corpo ferido no sentiria por isso dor alguma, eu que no sou seno uma coisa pensante, e apenas perceberia esse ferimento pelo entendimento, como o piloto percebe pela vista se algo se rompe em seu navio; e quando meu corpo tem necessidade de beber ou de comer, simplesmente perceberia isto mesmo, sem disso ser advertido por sentimentos confusos de fome e de sede. Pois, com efeito, todos esses sentimentos de fome, de sede, de dor, etc., nada so exceto maneiras confusas de pensar que provm e dependem da unio e como que da mistura entre o esprito e o corpo.

Prova Ontolgica

(V Med., p. 59 s.)

12. E, conquanto, para bem conceber essa verdade, eu tivesse necessitado de grande aplicao de esprito, presentemente, todavia, estou mais seguro dela do que de tudo quanto me parece mais certo: mas, alm disso, noto que a certeza de todas as outras coisas dela depende to absolutamente que, sem esse conhecimento, impossvel jamais conhecer algo perfeitamente1143 Diferena entre a essncia de Deus e as essncias matemticas: aquela pode garantir a certeza destas. 43.

13. Pois, ainda que eu seja de tal natureza que, to logo compreenda algo bastante clara e distintamente, sou naturalmente levado a acredit-lo verdadeiro; no entanto, j que sou tambm de tal natureza que no posso manter sempre o esprito ligado a uma mesma coisa, e que amide me recordo de ter julgado uma coisa verdadeira, quando deixo de considerar as razes que me obrigaram a julg-la dessa maneira, pode acontecer que nesse nterim outras razes se me apresentem, as quais me fariam facilmente mudar de opinio sc cu ignorasse que h um Deus1144 Compreende-se aqui por que a prova ontolgica, em relao s outras, no apenas uma prova a mais: ela nos fornece imediatamente no plano da natureza, isto , da Psicologia, a certeza de que Deus existe eternamente. Poupa, assim, o constante recurso s difceis provas 'a priori o raciocnio matemtico, por exemplo, est assegurado, sem que eu tenha necessidade, ao efetu-lo, de reativar as razes da Meditao Terceira.44. E, assim, eu jamais teria uma cincia verdadeira e certa de qualquer coisa que seja, mas somente opinies vagas e inconstantes.

14. Como, por exemplo, quando considero a natureza do tringulo, conheo evidentemente, eu que sou um pouco versado em Geometria, que seus trs ngulos so iguais a dois retos e no me possvel no acreditar nisso enquanto aplico meu pensamento sua demonstrao; mas, to logo eu o desvie dela, embora me recorde de t-la claramente compreendido, pode ocorrer facilmente que eu duvide de sua verdade caso ignore que h um Deus1145 As provas a priori garantem a evidncia atual ( nisso que desempenham papel primordial e indispensvel); a prova ontolgica assegura a lembrana das evidncias. Cf. o comentrio feito nas Segundas Respostas, 222.45. Pois posso persuadir-me de ter sido feito de tal modo pela natureza que possa enganar-me facilmente, mesmo nas coisas que acredito compreender com mais evidncia e certeza; principalmente, visto que me lembro de haver muitas vezes estimado muitas coisas como verdadeiras e certas, que, em seguida, outras razes me levaram a julgar absolutamente falsas.