280
CADERNOS IPPUR/UFRJ v. 22, n. 2 ago./dez. 2008

caderno_2008_2

Embed Size (px)

Citation preview

  • CADERNOS IPPUR/UFRJ

    v. 22, n. 2

    ago./dez. 2008

  • Cadernos IPPUR/UFRJ/Instituto de Pesquisa e Planeja-mento Urbano e Regional da Universidade Federaldo Rio de Janeiro. ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) Rio de Janeiro : UFRJ/IPPUR, 1986

    ISSN 1984-7661

    1. Planejamento urbano Peridicos. 2. Planejamentoregional Peridicos. I. Universidade Federal do Rio deJaneiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano eRegional.

    Indexado na Library of Congress (E.U.A.)e no ndice de Cincias Sociais do IUPERJ.

    REVISO GERAL E PROJETO GRFICOClaudio Cesar Santoro

    CAPA

    Andr DorigoLcia Rubinstein

    ILUSTRAO DA CAPAImagem da direita

    Manaus, Bonde na Rua do Tesouro. Nery, J. S. Album doAmazonas 1901-1902. No governo de Sua Ex Snr. Dr. Silverio

    Nery. Manos, Photographias de F.A. Fidanza, 1901-1902.

    Imagem da esquerdaFoto de Gal Oppido Loteamento irregular, de casas

    autoconstrudas, penetrando na rea da Serra da Cantareira eameaando a integridade da reserva florestal. Oppido, MarcosAurlio. So Paulo 2000. So Paulo: So Paulo ImagemData,

    1999. p. 149.

  • EDITORIAL

    O presente nmero dos Cadernos IPPUR demonstra a sensibilidade da rea doplanejamento urbano e regional com relao a transformaes na organizaosocial, logo, na politizao de usos do espao. Constata-se, nessa direo, o esgota-mento de paradigmas orientadores das intervenes pblicas na estruturao es-pacial, ao mesmo tempo que se analisam, atravs da introduo de temticasinovadoras, mudanas, em curso, nas reivindicaes coletivas.

    Essa sensibilidade tem permitido uma permanente renovao metodolgica e orecurso a orientaes tericas mais abertas reflexo dos valores culturais e dasrepresentaes sociais, como indicam os artigos dedicados desigualdade racial, morfologia urbana de origem popular e razo dialgica. Essa abertura corres-ponde conquista de formas mais amplas de intercmbio acadmico e, sobretudo,de interlocutores com capacidade de estimular o estudo de campos ainda poucoexplorados das relaes entre sociedade e espao.

    Simultaneamente ao desvendamento de novos temas, os artigos ora publicadospermitem reconhecer uma intensa atualizao terico-conceitual e emprica emtemas tradicionais da rea. Assim, o estudo da habitao recebe a contribuio depesquisas da mobilidade residencial; a reflexo do planejamento urbano enrique-cida por anlises mais precisas da dinmica da esfera poltica; e, ainda, a atuaodo capital imobilirio torna-se mais clara por meio de uma leitura conduzida pelaobservao severa da administrao municipal.

    Esses investimentos na rea do planejamento urbano e regional articulam diferen-tes escalas das relaes entre sociedade e espao, possibilitando que se somem, spesquisas do urbano, anlises das polticas rurais; da difuso das redes de infra-estrutura econmica; da guerra de lugares e do desenvolvimento territorial. Muitomais do que um elenco heterogneo de temas, o conjunto dos artigos permitereconhecer questes relacionadas aos limites da democracia e centralidade doterritrio no enfrentamento das desigualdades sociais.

  • Decorre da formulao dessas questes a pesquisa orientada pela valorizao dosatores sociais da estruturao do espao. Manifesta-se, assim, a tendncia, nos estu-dos mais recentes da rea, definitiva superao do pragmatismo e de iderios deneutralidade tcnica. Uma superao que inclui a pesquisa histrica e a anlisecrtica de grandes projetos. A manifestao dessa tendncia sustenta a certeza deque a rea vem conseguindo produzir conhecimento socialmente til e, por issomesmo, relevante.

  • CADERNOS IPPUR/UFRJ

    SUMRIO

    v. 22, n. 2

    ago./dez. 2008

    Artigos, 7Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro; Filipe Souza Corra, 9As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e desigualdades raciais naRegio Metropolitana do Rio de JaneiroMara Mercedes Di Virgilio, 37Trayectorias residenciales en el rea Metropolitana de Buenos Aires, Argentina: loscomponentes de la movilidad residencialJoo Marcos de Almeida Lopes; Magaly Marques Pulhez, 67De molde a contramolde: (re)construindo questes sobre a urbanizao de favelasMarco Aurlio Costa, 89Da razo instrumental razo comunicativa: o percurso do planejamento namodernidade e as abordagens ps-positivistasElson Manoel Pereira; Samuel Steiner dos Santos, 115A prtica participativa no planejamento urbano: o poder pblico d as cartas?Suely Maria Ribeiro Leal, 131Acumulao urbana competitiva: a produo imobiliria no processo de organizao doespao metropolitano do RecifeSilvia Gorenstein; Martn Napal; Mariana Olea, 151Polticas rurales en Argentina. Pobreza, localismo y agricultura familiarJayme Freitas Barral Neto; William Souza Passos; Romeu e Silva Neto, 185O petrleo como grande financiador da Guerra de Lugares: o caso dos municpios daBacia de Campos - RJ

    Rumos da Pesquisa, 217Elier Mndez Delgado; Mara del Carmen Lloret Feijo, 219ndice de Desarrollo Humano Territorial en Cuba de 1985 a 2007

    Chlen Fischer de Lemos, 245O processo sociotcnico de eletrificao da Amaznia: esboo de uma anlise histrica

    Documento, 271Ana Clara Torres Ribeiro; Hctor Atlio Poggiese, 273Declarao de Buenos AiresDeclaracin de Buenos Aires. Por una ciudad justa

  • CADERNOS IPPUR/UFRJ

    v. 22, n. 2

    Aug./Dec. 2008

    SUMMARY

    Articles, 7Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro; Filipe Souza Corra, 9The colors of urban boundaries: residential segregation and racial inequalities inRio de Janeiro Metropolitan Area

    Mara Mercedes Di Virgilio, 37Residential trajectories in Buenos Aires Metropolitan Area, Argentina: the constituents ofthe residential mobility

    Joo Marcos de Almeida Lopes; Magaly Marques Pulhez, 67From mold to counter-mold: (re)building issues about slums urbanization

    Marco Aurlio Costa, 89From instrumental reason to communicative reason: the route of planning in modernityand the post-positivist approaches

    Elson Manoel Pereira; Samuel Steiner dos Santos, 115The participative practice in urban planning: does public power rules?

    Suely Maria Ribeiro Leal, 131Competitive urban accumulation: the housing sector production in the process oforganization of Recifes metropolitan space

    Silvia Gorenstein; Martn Napal; Mariana Olea, 151Rural Policies in Argentina. Poverty, localism and familiar agriculture

    Jayme Freitas Barral Neto; William Souza Passos; Romeu e Silva Neto, 185Oil as the great sponsor of the Sites Wars: the case of the municipalities ofCampos Bay - RJ

    Research Directions, 217Elier Mndez Delgado; Mara del Carmen Lloret Feijo, 219Index of Territorial Human Development in Cuba from 1985 to 2007

    Chlen Fischer de Lemos, 245

    The sociotechnical process of Amazon eletrification: historical analysis sketch

    Document, 271Ana Clara Torres Ribeiro; Hctor Atlio Poggiese, 273Buenos Aires DeclarationDeclaration of Buenos Aires. For a fair city

  • Artigos

  • Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 9-36, ago./dez. 2008.

    O trabalho tem como objetivo avaliar arelao entre o contexto social de resi-dncia e a cor da populao na explica-o das desigualdades sociais decorrentesda segregao residencial na Regio Me-tropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ).Buscamos contribuir na reflexo sobreas desigualdades raciais brasileiras des-critas por outros pesquisadores.

    De maneira mais precisa, o nossointeresse saber se uma pessoa de cor

    As cores das fronteiras urbanas.Segregao residencial edesigualdades raciais na RegioMetropolitana do Rio de Janeiro

    preta ou parda desfruta de condiosocial desigual em termos de oportuni-dades e de acesso a certos elementosde bem-estar social independentementeda posio ocupada na diviso social doterritrio da RMRJ ou, ao contrrio, se ocontexto social constitudo pelos proces-sos de segregao residencial representao filtro pelo qual as oportunidades e obem-estar social urbano so distribudosdesigualmente entre os grupos de cor.

    Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro

    Filipe Souza Corra

    Posicionamento do problema: a segregao residenciale a questo racial brasileira

    A questo anterior pertinente, por umlado, na medida em que a literatura dedi-

    cada anlise dos impactos das transfor-maes econmicas nas grandes cidades

  • 10As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    destaca o crescente papel da segregaoresidencial na explicao da reproduodas desigualdades sociais em funo daarticulao entre os mecanismos macros-sociais de reestruturao do mercado detrabalho, de fragilizao do universo fa-miliar e de privatizao do sistema debem-estar social, e os micromecanismosrelacionados ao isolamento socioterrito-rial dos grupos mais vulnerveis a essasmudanas. Vrios autores, de correntestericas distintas, tm buscado descrevertal articulao reprodutora das desigual-dades utilizando conceitos como efeitovizinhana (Kaztman, 2001), efeito doterritrio (Bidou-Zachariasen, 1996) ouefeito do lugar (Bourdieu, 1997).

    Por outro lado, este artigo se inscreveno debate sobre a chamada questoracial brasileira, que vem sofrendo sig-nificativas mudanas desde o consensonos anos 1930 acerca da existncia deuma democracia racial no Pas. Comefeito, desde a segunda metade dos anos1970, em funo dos trabalhos empri-cos de Hasenbalg (1979) e Silva (1978),vem ganhando legitimidade, no campoacadmico e na sociedade, a percepoda existncia de mecanismos reproduto-res da desigualdade racial, no obstantea expanso de uma ordem competitivano Brasil. Para um vasto conjunto deautores 1, tornou-se evidente que as de-sigualdades de condies e posies so-ciais entre brancos, pretos e pardos nopodem ser atribudas sobrevivncia,na sociedade de classes conformadapela industrializao, urbanizao e mo-

    dernizao, dos efeitos da ordem esta-tutria do nosso passado escravagista,como postulado nos anos 1950 e 1960por Bastide e Fernandes (1955) e Fer-nandes (1965). Atualmente, h forteconsenso sobre a existncia, no Brasil,de um racismo sem racialismo (Guima-res, 1999), isto , de prticas discrimi-natrias nas interaes interpessoaisentre brancos, pretos e pardos e meca-nismos estruturais de discriminao noacesso aos recursos que geram bem-estarsocial e no acesso a oportunidades sociais,que, no entanto, no se firmam em umaideologia fundada na existncia de raasbiolgicas e de suas naturais diferenas.A ausncia desse componente ideolgicoteria tornado invisvel o racismo entre ns,especialmente se considerarmos que adimenso da cor da pele como critriode classificao e discriminao racial foisubstitudo por tropos sociais que se re-lacionam com a condio e a posio demarginalizados dos pretos e pardos nasociedade brasileira. Guimares (1999)prope investigar o modo como em cadamomento da nossa histria e em cadarecanto do espao social brasileiro essestropos sociais so construdos, recons-trudos e usados para manter e reprodu-zir as desigualdades raciais. Os resultadosdessa investigao seriam cruciais parao adequado entendimento do paradoxoda sociedade brasileira, que legitimaprticas e mecanismos de racializao dahierarquia social conformada pelo mer-cado e pelas classes sociais. Em outrostermos, tratar-se-ia de investigar comooutras categorias classificatrias aparece-

    1 Na impossibilidade de apresentar uma completa resenha da reinterpretao do tema doracismo, citamos os trabalhos de sistematizao elaborados por Antnio Srgio Guimares.Ver Guimares (1999) e Guimares e Huntley (2000).

  • 11Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    riam como sucedneos simblicos aosnegros, como so, no sudeste brasileiro,os eptetos de baianos, parabas enordestinos (ibid., p. 123). Guimaresprope tambm a investigao de trsmecanismos que reproduzem, de formainvisvel, as desigualdades raciais (ibid.,p. 201). O primeiro refere-se sociali-zao realizada no plano da escola e dacomunidade (relaes de vizinhana)onde se concentram indivduos portado-res de determinadas caractersticas som-ticas ou culturais consideradas socialmentedesvalorizadas, que transforma esses va-lores em atributos individuais, mantendoa baixa auto-estima. O segundo atua navida cotidiana e materializado nas re-laes interpessoais nas quais prticasdiscriminatrias ou de excluso, aindaque de forma polida e discreta, prpriada nossa cultura da cordialidade, man-tm distncia os grupos pretos e pardosou seus tropos sociais. Esse mecanismocertamente refora o primeiro, na me-dida em que estende, para o espao so-cial mais amplo do que o das instituiessocializadoras, a experincia da sociabi-lidade confirmadora da inferioridade eda desvalorizao sociais. O terceiro me-canismo concerne s prticas discrimina-trias institucionalizadas, que funcionamde maneira impessoal, baseadas em aesburocratizadas que ocorrem no mercado,como os preos das mercadorias e dosservios, as qualificaes formais ou t-citas exigidas, as caractersticas pessoais,os diplomas, a aparncia, entre outras.

    A cidade, os princpios que organi-zam o seu espao social, o sistema clas-sificatrio que dispe esse espao comouma hierarquia, o sentido das interaes

    entre os indivduos na vida cotidiana,as relaes que mantm com as institui-es da cidade a polcia, a burocracia,o mercado de terra etc. , o funciona-mento das instituies socializadorascomo a famlia, a escola e a vizinhana ea vida comunitria do bairro podem fun-cionar segundo esses trs mecanismos.Ou seja, podem criar os tropos sociaisligados aos territrios de agrupamentodos indivduos segundo os atributos so-mticos e culturais objetos de prticasdiscriminatrias. Ao mesmo tempo, a ci-dade pode ser produto e produtora dasprticas discriminatrias institucionaliza-das; pode gerar espaos de socializaoque constroem a legitimidade da inferio-ridade e da desvalorizao social; e podegerar prticas de sociabilidade afirmado-ras da inferioridade e da desvalorizaosocial dos indivduos com base em seusatributos somticos e culturais.

    Contudo, no Brasil, so poucos ostrabalhos que tentam relacionar o temada segregao residencial com o das de-sigualdades raciais. A essa conjuno detemas denomina-se segregao racial.Para fins de sistematizao, considera-remos trs trabalhos. Um dos trabalhospioneiros no Brasil, nessa linha argu-mentativa, o livro de L. A. Costa PintoO Negro no Rio de Janeiro, de 1953.Nele, Costa Pinto destaca a fora coer-citiva do costume como o mecanismo apartir do qual se realiza a segregao ra-cial no ento Distrito Federal, em oposi-o ao mecanismo de fora legal, comonos EUA. Nesse caso, a segregao resi-dencial dos negros no Rio de Janeiro seriafruto de uma incapacidade econmicade parcela da populao na escolha do

  • 12As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    local da residncia, a qual seria prerro-gativa de um grupo dominante. Essapercepo da segregao racial no Riode Janeiro afastando-se do referencialde segregao racial extrema dos EUA baseia-se na diferena no aleatria dopercentual de negros nas vrias reasda cidade e, principalmente, na sobre-representao de negros residentes emfavelas e na periferia em relao ao per-centual de negros no conjunto da po-pulao.

    Recentemente, Telles (2003) retomaa tese da existncia de um racismo brasileira, reforando a hiptese do ra-cismo sem racialismo (id., 1993), e,utilizando as tcnicas dos ndices de se-gregao difundidos desde os trabalhosseminais de Duncan e Duncan (1955),compara os padres de distribuio terri-torial de negros e brancos nas metrpo-les brasileiras e americanas, concluindoque entre ns vigora uma segregaomoderada (Telles, 2003, p. 180) e queas distncias sociais entre a classe mdiae o restante dos estratos sociais, segundoos grupos de cor, diminui medida queaumenta a renda, mas em gradao dife-rente quando se trata de brancos, pardose pretos. Os negros tendem a perma-necer isolados dos brancos afluentes,fato que para Telles pode produzir im-pactos na composio socioterritorial:

    [...] menor acesso a recursos, taiscomo profissionais modelares, me-lhores redes de trabalho, uma infra-estrutura urbana melhor, o que porsua vez geraria capital social e melhorqualidade de vida. Os no-brancose especialmente os pretos so mais

    propensos a ter piores chances devida simplesmente por ficarem maisdistantes da classe mdia e viveremem concentraes de pobreza. (Ibid.,p. 180)

    Outra tentativa recente de abordaro tema da segregao racial foi feita porGarcia (2009), cuja anlise centrou-sena comparao da situao dos negrosem duas capitais Rio de Janeiro e Sal-vador , com o objetivo de demonstrarque as desigualdades sociais expressasno territrio so na verdade desigual-dades raciais. Ou seja, segundo a pers-pectiva de Garcia, as desigualdadessociais no se esgotariam na exploraode classe, havendo na verdade umaimbricao entre a estrutura social e anaturalizao das desigualdades raciais,que resultou no que denomina de es-tratificao scio-racial-econmica dosindivduos. Nesse sentido, todo o esforoemprico se concentra em demonstrarcomo a estruturao do territrio me-tropolitano, vista atravs das desigual-dades territoriais nos nveis de condiode moradia, de posse de bens urbanos(mquina de lavar, telefone, automvele microcomputador) e de distribuio deservios de consumo coletivo, est cor-relacionada com a estratificao scio-racial-econmica dos indivduos.

    A partir dessas hipteses, propomo-nos a avaliar, na Regio Metropolitanado Rio de Janeiro, os efeitos diferencia-dos dos contextos sociais de residnciaconformados pela diviso social do terri-trio metropolitano na relao entre osgrupos de cor e as desigualdades sociais.Essa empreitada torna-se mais complexa

  • 13Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    se levarmos em considerao o fato de amorfologia social da cidade-plo apresen-tar, como caracterstica mpar, a presena

    das favelas nas reas em que se con-centram segmentos sociais que ocupamas posies superiores da estrutura social.

    O contexto social do lugar de residncia

    Para identificar o contexto social no qualos indivduos esto inseridos, foram to-madas como unidades geogrficas asreas de ponderao - AED 2 do CensoDemogrfico de 2000. Apesar de noconsistir numa unidade de vizinhanapropriamente dita j que os seus limi-tes so definidos por critrios tcnicosde coleta dos dados do Censo , os li-mites das reas de ponderao, no casoda RMRJ, coincidem em grande medidacom os limites geogrficos dos bairros,o que nos permite falar de um contextosocial do lugar de residncia.

    A fim de classificar essas reas, foicriada uma tipologia que usa a varivelde clima educativo do domiclio, constru-da com base na mdia de anos de estudodos indivduos maiores de 24 anos resi-dentes no domiclio 3. A escolha do climaeducativo como varivel de construo

    da tipologia se justifica pela possibilidadede descrio da segregao residencialem termos da concentrao de pessoasque vivem tanto nos domiclios quantonos bairros em situaes de maior oumenor chance de acesso escolaridade oportunidade escassa na sociedade bra-sileira , como um recurso potencializa-dor do seu posicionamento na estruturasocial, que condiciona suas chances deacesso a bem-estar social e a oportuni-dades (Kaztman, 2001; Kaztman e Reta-moso, 2005; Ribeiro, 2007).

    A composio dos tipos de contex-tos sociais de acordo com as faixas declima educativo do domiclio pode servista no Grfico 1. O primeiro tipo caracterizado por uma alta presena dedomiclios com baixo clima educativo,em que 36,2% dos indivduos esto nafaixa de clima at 4 anos de estudo e

    2 Essa diviso territorial foi criada pelo prprio IBGE para a divulgao dos dados da amostra,obedecendo a critrios estatsticos. Cada uma dessas unidades geogrficas formada porum agrupamento mutuamente exclusivo de setores censitrios, para a aplicao dos proce-dimentos de calibrao das estimativas com as informaes conhecidas para a populaocomo um todo (IBGE, 2002).

    3 Essa tipologia foi construda da seguinte forma: Primeiramente, os domiclios foram classifi-cados de acordo com quatro faixas de clima educativo: at 4 anos de estudo; mais de 4 a8 anos de estudo; mais de 8 a 11 anos de estudo; e mais de 11 anos de estudo. Emseguida, aplicamos sobre essa distribuio uma Anlise Fatorial por Correspondncia Binria(Fenelon, 1981), da qual extramos dois fatores tendo como critrio de corte o valor de 80%da varincia dos dados explicada pelos fatores. Aps salvarmos as cargas fatoriais obtidaspor esse procedimento, realizamos uma Classificao Hierrquica Ascendente (ibid.), queresultou em trs agrupamentos com uma varincia intragrupos de 32,6% e uma varinciaintergrupos de 67,4%.

  • 14As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    42,9%, na faixa de mais de 4 a 8 anos deestudo. Esse primeiro tipo agrupa 49,3%dos indivduos residentes na RMRJ. Jo segundo tipo apresenta uma predo-minncia de mdio clima educativo, com33,9% dos indivduos na faixa de 4 a 8anos de estudo e 29,8% na faixa de 8 a11 anos de estudo, agrupando 42,7% dapopulao residente na RMRJ. E o tercei-ro tipo compreende reas de alto clima

    educativo, pois apresenta elevada con-centrao de domiclios na faixa de maisde 11 anos de estudo (63,5%), em quereside 8,0% da populao da RMRJ.Com base nessa composio, denomina-mos o primeiro tipo contexto social debaixo status, o segundo, contexto so-cial de mdio status, e o ltimo, con-texto social de alto status.

    Grfico 1: Composio percentual das faixas de clima educativo do domicliopelo contexto social do lugar de residncia na RMRJ 2000

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

    A distribuio espacial dos contex-tos sociais classificados segundo o climaeducativo do domiclio apresentadano Mapa 1. Com base nesse mapa, per-cebemos que os contextos de alto sta-tus coincidem em grande medida comas reas consideradas nobres da cidade

    do Rio de Janeiro e de Niteri; os demdio status coincidem com as reas desubrbio da cidade do Rio de Janeiro eNiteri e com as reas centrais de al-guns municpios da regio metropolita-na; e os de baixo status correspondems reas da periferia da RMRJ.

  • 15Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    Mapa 1: Tipologia do contexto social do lugar de residncia na RMRJ 2000

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

    Para cada um dos contextos sociaisdo lugar de residncia, exploraremos, notpico seguinte, a situao dos segmentosde cor (brancos, pretos e pardos), coma finalidade de examinar as possveis di-ferenas entre eles no que diz respeito adois tipos de desigualdades: (i) de oportu-nidades, expressas nas diferentes chances

    dos grupos de cor de reproduzirem a si-tuao de pobreza dos pais pela via edu-cacional e do trabalho, atravs da utilizaode indicadores da situao de vulnerabi-lidade dos jovens e das crianas; atraso eevaso escolar e desocupao; e (ii) emtermos de bem-estar, avaliadas pelas di-ferenas das condies habitacionais.

    As cores dos contextos sociais na RMRJ: podemosfalar em diviso racial do territrio da RMRJ?

    A varivel de cor ou raa do Censo De-mogrfico de 2000 obtida com baseem declarao do informante e posteriorenquadramento nas categorias definidaspelo plano de investigao do Censo.Sendo assim, a populao da RMRJrepresenta-se como majoritariamentebranca, com percentual de 53,1%. Osindivduos que se declararam pretos

    compem um grupo de cor minoritrio,que corresponde a apenas 10,5% da po-pulao. J os que se declararam pardoscorrespondem a 35,2% da populao.As demais categorias de cor somadascorrespondem a 1,3% do total da popu-lao da RMRJ; portanto, em nossas an-lises nos centraremos nas categorias decor branca, preta e parda (ver Tabela 1).

  • 16As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    Anteriormente, vimos como os di-ferentes contextos sociais de acordo como clima educativo do domiclio se distri-buem no espao da RMRJ. Resta-nossaber como se distribuem, nesses con-textos, os grupos de cor que considera-

    mos neste trabalho (brancos, pretos epardos). Para tal, os Mapas 2, 3 e 4 apre-sentam a distribuio dos grupos de corsegundo quatro faixas proporcionais deconcentrao no territrio.

    Mapa 2: Distribuio espacial da populao de cor branca na RMRJ 2000

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

    O Mapa 2 apresenta a distribuio dosbrancos, segundo as faixas de concen-trao, na RMRJ. Segundo a Tabela 1, os

    brancos configuram o maior grupo decor, correspondendo a 53,1% da popu-lao metropolitana; segundo o Mapa 2,

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico 2000.

  • 17Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    a maioria das reas apresenta percen-tuais que giram em torno desse valor.Contudo, chama a ateno a elevadaconcentrao de brancos nas reas que

    compem o ncleo do espao social daRMRJ: a Zona Sul do Rio de Janeiro, aBarra da Tijuca, a Grande Tijuca, o Cen-tro e a regio ocenica de Niteri.

    Mapa 3: Distribuio espacial da populao de cor preta na RMRJ 2000

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

    J o Mapa 3 apresenta a distribuioda populao de cor preta segundo asquatro faixas de concentrao. bastantentida a baixa concentrao de indivduosdeclarados de cor preta nas reas ondea concentrao de indivduos declaradosde cor branca superior que a verificadano conjunto da RMRJ. Observamos quea faixa de 10 a 15% de pretos se distri-bui predominantemente pelas reas daBaixada Fluminense e que a faixa de con-centrao acima de 15% tende a se loca-lizar nas regies centrais dos municpiosda Baixada e nas regies prximas dacidade do Rio de Janeiro.

    A populao parda, como podemosverificar no Mapa 4, apresenta uma dis-

    tribuio espacial prxima da populaode cor preta: reas com grande concen-trao de brancos correspondem a reasde baixa concentrao de pardos. Con-tudo, em razo da heterogeneidade dogrupo de cor parda, no presente trabalho,consideramos separadamente pardos epretos, tendo como referncia a categoriade cor branca para efeitos comparativos.

    Para verificarmos a relao entre osdiferentes contextos sociais de residnciae a distribuio dos grupos de cor, recor-remos Tabela 2, que mostra a composi-o por cor de cada contexto. Conformeesperado, percebemos que os contextossociais apresentam significativas diferen-as de composio, considerando os dois

  • 18As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    contextos sociais opostos baixo e alto.Nos espaos de alto status, 88% da popu-lao branca, enquanto no contextode baixo status a maior concentrao de pretos e pardos. Inclusive, no contextode baixo status a cor branca deixa de serpredominante, apresentando um percen-

    tual igual ao de pardos. No contexto demdio status, apesar da cor branca apre-sentar um percentual menor do que oobservado no contexto de alto status, ospercentuais de pretos e pardos perma-necem abaixo da mdia consideradapara toda a RMRJ.

    Mapa 4: Distribuio espacial da populao de cor parda na RMRJ 2000

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

    Contudo, quando analisamos a dis-tribuio de cada grupo de cor entre oscontextos sociais, a relao entre segre-gao racial e segregao residencial

    mais ntida, principalmente consideran-do-se o contexto de alto status em relaoaos contextos de mdio e baixo status,como pode ser visto na Tabela 3.

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

  • 19Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    Alm disso, no podemos desprezaro fato de que a estrutura espacial da ci-dade do Rio de Janeiro se caracterizapor considervel presena de favelasincrustadas em reas nobres da cidade.Mas, apesar da proximidade espacial,manifesta-se grande distncia social, oque a marca da segregao residencialcarioca (Ribeiro, 2005; Ribeiro & Lago,2001); ou seja, podemos dizer que, prin-cipalmente no caso das favelas localizadasem reas nobres da cidade, o regime deinterao com o seu entorno ainda hierarquizado com base nas percepesfortemente arraigadas de dois mundossociais separados e distintos. Com basenessa idia, Ribeiro e Koslinski (2009)propem que, apesar da proximidadesocial, as fronteiras entre o asfalto e afavela localizada nas reas abastadas dacidade so mais acentuadas do que no

    que restante da cidade, em razo de osfortes contrastes gerados pela proximida-de territorial desses espaos fortalecereme institucionalizarem as representaescoletivas da existncia de dois mundossociais distanciados e separados 4.

    A Tabela 4 mostra o percentual deindivduos moradores de favelas emcada um dos contextos sociais. Paraidentificarmos os indivduos moradoresem favela, consideramos a varivel aglo-merado subnormal do Censo Demogr-fico de 2000 5.

    Na Tabela 5, considerando apenasa rea de no-favela, verificamos que adiferena na concentrao dos segmen-tos de cor permanece a mesma eviden-ciada na Tabela 2, ao compararmos oscontextos sociais de residncia. Contudo,

    4 Estimamos que, no espao compreendido no raio de 3 km a partir da bairro mais elitizado dacidade do Rio de Janeiro, cerca de mais de 33% da populao residente vive em espaosconsiderados favelas.

    5 Essa varivel indica que o domiclio do indivduo considerado est localizado em setorcensitrio que corresponda a um conjunto (favelas e assemelhados) constitudo por unidadeshabitacionais (barracos, casas etc.), ocupando, ou tendo ocupado at perodo recente, terrenode propriedade alheia (pblica ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada edensa, e carentes, em sua maioria, de servios pblicos essenciais (IBGE, 2002).

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

  • 20As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    quando observamos somente os espaosde favela, a composio de cor dos con-textos de alto status se modifica; nessecaso, o percentual de brancos (31,8%) menor do que nas reas no classificadas

    como favela; e o de pretos (21,1%) e ode pardos (47,1%) so muito maioresdo que nas reas de no-favela (2,3% e7,7% respectivamente).

    Antes de tudo, podemos dizer queh uma cor dos espaos que ocupamas posies inferiores da hierarquia so-cioespacial. Tanto as favelas quanto os

    contextos sociais de baixo status apre-sentam maior concentrao de pretosdo que os demais. Aqui se destaca ointeressante fato de a populao mora-

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

  • 21Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    dora das favelas apresentar maior con-centrao de pretos e pardos nos espa-os de alto status do que nos espaosde baixo status. Podemos dizer, por outrolado, que h proximidade social entreos espaos de baixo contexto social e asfavelas; ou seja, nos espaos de baixocontexto social, h proximidade socialentre as reas de favelas e no-favela.

    Na Tabela 6, em que a populaode referncia o total da populao daRMRJ localizada em cada um dos con-textos sociais de residncia, os percen-tuais de brancos, pretos e pardos queresidem em favela nos contextos debaixo status no se diferenciam signifi-cativamente da mdia; j no contextode mdio status, o percentual de negrosmorando em favelas aumenta para

    17,2%, ao passo que o percentual debrancos, na mesma situao, diminuipara 6,6%; e, no contexto de alto status,apenas 1,3% dos brancos residem emfavela, percentual que atinge 25% nocaso dos pretos. Ou seja, esses resultadosmostram que a percepo da favelacomo um espao predominantementenegro tem origem nos efeitos sobre asrepresentaes sociais da morfologiasocial dos espaos de alto status: o fortecontraste entre espaos concentrandofortemente os segmentos brancos dapopulao que ocupam as posies su-periores da estrutura social e os espaosde favela. O mesmo no ocorre nas fa-velas em reas de baixo status, j queno existem diferenas significativas nacomposio de cor entre os espaos defavela e no-favela.

    No constatamos a existncia de si-nais da racializao da hierarquia socialdos contextos de residncia. De certaforma, podemos dizer que a distribuiodos segmentos de cor pela hierarquiasocioespacial da metrpole do Rio de

    Janeiro constitui mais um fenmeno deconcentrao territorial dos brancos demaior status social, portanto, de maiorprestgio e poder econmico, do que umfenmeno de afastamento compulsriodos negros. Ou seja, ao mesmo tempo

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

  • 22As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    que negros e brancos no esto separa-dos nos contextos sociais de baixo status,h um relativo embranquecimentodas posies de status superiores. Noentanto, clara a diferena na compo-sio de cor entre as reas de favelas eno-favelas nos contextos sociais de altostatus.

    No temos condies, neste texto, deinvestigar as vantagens e desvantagensdessa insero territorial das favelas emcontextos sociais de alto status para asrelaes entre segmentos de cor da po-pulao; porm, a partir dos dados quetemos disposio, possvel investigarse essa proximidade territorial gera algu-ma vantagem para os grupos de pardose pretos, uma vez que a localizao nacidade est associada ao menor ou maiorcontrole de recursos que aumentam asoportunidades e o acesso ao bem-estarsocial. Assim, o objetivo principal agora responder s seguintes indagaes: essadiferena na distribuio dos segmentosde cor na metrpole acompanhada dedesigualdade nos nveis de bem-estarurbano e de oportunidades? Em quemedida essa desigualdade mais in-fluenciada pela cor do indivduo ou pelocontexto social em que reside?

    Procuramos responder a essas inda-gaes atravs da anlise das desigual-dades entre brancos, pretos e pardos notocante s condies habitacionais quedeterminam o nvel de bem-estar socialurbano e as oportunidades de inserosocial. No primeiro aspecto, as desigual-dades resultam da ao do Estado nadistribuio dos servios coletivos, que

    complementam a funo da moradia nareproduo social e do mercado imobi-lirio residencial, que, pelo filtro dospreos, distribui as pessoas no territrioe regula o acesso a condies de con-forto habitacional. No segundo aspecto,as desigualdades sociais resultam de ini-qidades da estrutura de oportunidades,analisadas com base em quatro situa-es: (i) atraso escolar de crianas entre8 e 15 anos; (ii) evaso escolar de crian-as entre 8 e 15 anos; (iii) desafiliaoinstitucional 6 de homens entre 14 e 24anos; e (iv) maternidade de mulheressem cnjuge entre 14 e 19 anos. A obser-vao desses segmentos pode revelar in-dcios de reproduo das desigualdadessociais, uma vez que o mercado de traba-lho e a escola so mecanismos de acessos oportunidades que condicionam a fu-tura trajetria de crianas e jovens no queconcerne a mobilidade social.

    Quanto aos servios de saneamento,constatamos que as desigualdades somarcadamente cortadas pela hierarquiasocioespacial, embora seja possvel afir-mar que pretos e pardos moradores emespaos de alto status apresentam taxade carncia maior do que os brancosdo mesmo contexto; porm, a diferena maior entre pretos e pardos de con-textos de alto status em relao a pretose pardos residentes em espaos de baixostatus (ver Tabela 7). J os pretos, pardose brancos habitantes nesses espaosapresentam taxas de carncia extraor-dinariamente mais elevadas que as en-contradas nos contextos de alto status.O poder pblico parece discriminarpelo local de residncia e no pela cor,

    6 Mais adiante definimos este conceito.

  • 23Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    gerando ou tolerando extremas desi-gualdades de condies habitacionais e,portanto, nveis diferenciados de bem-estar urbano. Podemos conjecturar duasexplicaes para a maior vantagem depretos e pardos moradores nos contex-tos de alto status: a primeira baseia-seno saneamento, que, por ser um serviocoletivo, distribudo e acessvel via alocalizao dos grupos sociais no terri-

    trio, permitindo que a proximidadehabitacional beneficie indistintamenteindivduos brancos e no-brancos; asegunda baseia-se nos investimentosrealizados nos ltimos 20 anos nas fa-velas da cidade do Rio de Janeiro, acom-panhados do relativo abandono dasperiferias metropolitanas, onde est lo-calizada grande parte dos contextos debaixo status.

    O exame do indicador de adensa-mento habitacional leva-nos na mesmadireo (ver Tabela 7). Na ponta superiorda hierarquia socioespacial, h ntidasdesigualdades, pois o percentual de pretose pardos que vivem em condies habi-tacionais de alto adensamento (10,7% e10%, respectivamente) maior do queo de brancos (2,4%). Mas, ao mesmotempo, podemos dizer que as condiesde moradia pioram igualmente para

    brancos e negros medida que desce-mos na escala da hierarquia socioespacial.Em termos relativos, os brancos dos es-paos de baixo status esto em situaopior que os pretos e pardos que habitamem contextos de alto status. Parece sercorreto concluir que, tambm nesse as-pecto, o local de residncia mais deter-minante do bem-estar social urbano doque a cor.

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

  • 24As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    Passemos agora avaliao das de-sigualdades de oportunidades. Como jmencionado, escolhemos alguns indicado-res que poderiam traduzir mecanismos deproduo/reproduo de desigualdadesrelacionados aos contextos sociais. Elesrevelam circunstncias em que crianase jovens podem estar em situao de riscosocial pela existncia de bloqueios, noplano da famlia e do bairro, ao aproveita-mento de oportunidades de acumulaode recursos que, no futuro, poderiamproporcionar-lhes maior bem-estar sociale a conquista de posies sociais mais ele-vadas. Tais oportunidades relacionam-secom o acesso a ativos educacionais ad-vindos da escolarizao e aos resultantesdo acmulo de experincias no mercadode trabalho.

    Antes de tudo, verificamos as impor-tantes diferenas entre brancos e no-brancos quanto ao atraso escolar de umano ou mais de crianas entre 8 a 14anos de idade, como indica a Tabela 8.No contexto de alto status, pretos e par-dos tm, em termos relativos, o dobroda incidncia de atraso escolar (59,9%e 47,8%, respectivamente) dos brancos(23,7%). Olhando por esse prisma, asdesigualdades entre brancos e negrosparecem impor-se s desigualdades de-correntes do local de moradia. Porm,quando examinamos a situao de cadasegmento, verificamos que indivduosnegros moradores em contextos dealto status desfrutam de vantagens noaproveitamento escolar em relao aoshabitantes dos contextos da ponta infe-

    rior da hierarquia socioespacial, em queo atraso escolar dos pretos de 70,9%,dos pardos de 62,7%, e dos brancos de 51,8%. Quanto evaso escolar,verificamos a mesma relao, ou seja,apesar da disparidade entre brancos enegros nos contextos de alto status, aincidncia de evaso escolar nos contex-tos de baixo status consideravelmentemaior.

    A maternidade precoce tambmimplica em diminuio das chances demobilidade social, na medida em que aadolescente obrigada em grandeparte dos casos a retirar-se dos estu-dos, tendo assim limitadas suas possibi-lidades presentes e futuras de emprego.A maternidade precoce hoje uma dasprincipais causas da evaso escolar, pois,segundo a Unesco, 25% das meninasgrvidas com idade entre 15 e 17 dei-xam de estudar. A maternidade precoceest fortemente relacionada aos contex-tos familiares 7 e sociais nos quais agemdiversos mecanismos que condicionamo seu comportamento: falta de informa-o sobre prticas anticonceptivas; faltade acesso ao sistema pblico de sade;limites da socializao; exposio aospapis sociais tradicionais. Observamos,com base na Tabela 8, que a incidnciade maternidade precoce nos contextosde baixo status superior verificada naponta mais elevada da hierarquia, tantopara o conjunto da populao quantopara os segmentos brancos e no-bran-cos. O que chama a ateno nesse caso que a localizao da residncia parece

    7 Dados trabalhados por Itabora (2003, p. 179) indicam que 22,5% das mes adolescentesde 15 a 19 anos so socializadas em ambientes bastante pobres, pois vivem em domiclioscom renda de at 2 salrios mnimos.

  • 25Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    ter pouca influncia no comportamentodas adolescentes no-brancas. J paraas adolescentes brancas, a incidncia damaternidade precoce aumenta de 0,9%no contexto de alto status para 5,7% nocontexto de baixo status. Como hipteseexplicativa, supomos que, para a ado-lescente sem cnjuge, as diferenas de

    contexto (familiares e sociais) favorecemmais as brancas do que as no-brancas.Ou seja, o fato de morar em contextosde baixo status social influencia negati-vamente mais as brancas, enquanto paraas no-brancas o risco de gravidez pre-coce permanece mais elevado em todosos contextos socioespaciais.

    A situao do jovem do sexo mascu-lino que no estuda, no trabalha e nemprocura emprego aproxima-se da con-dio social denominada status zero, porWilliamson (1997), ou desafiliao ins-

    titucional, por Alvarez-Rivadulla (2002),pelo fato de esse jovem estar afastadosimultaneamente dos dois papis sociaispossveis trabalhador e estudante nessa etapa do ciclo da vida. Com efeito,

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

  • 26As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    o fato de estar em situao de desafiliaopode indicar a excluso das condiessociais nas quais esse jovem adquire ati-vos importantes para o acesso a posiessociais superiores, sejam eles decorren-tes da escolaridade ou do acmulo deexperincia ocupacional. Numa situaolimite, pode indicar um comportamentojuvenil no mais orientado pela norma-tividade moral exigida pelos valores easpiraes dominantes 8.

    A anlise dos dados mostra nova-mente diferenas importantes entre asduas pontas da hierarquia socioespacial,ou seja, as taxas dos jovens de statuszero ou em situao de desafiliao insti-tucional que vivem em espaos de baixostatus so superiores s dos que vivemem contextos de alto status. Essa dife-rena observvel principalmente nosegmento de jovens brancos, o que in-dica que os contextos sociais podem teralguma influncia na reduo de suaschances de desafiliao. O mesmo noacontece com os jovens pretos, pois astaxas dos que esto nos contextos dealto status so pouco inferiores s dosque esto nos contextos de baixo status.Em relao a esse indicador, podemosdizer tambm que o local de residnciatem papel mais relevante no acesso aoportunidades do que a cor, embora essasituao influencie mais os brancos doque os pretos e pardos. Contudo, o re-sultado que mais chama a ateno quea incidncia de desafiliao entre jovens

    pretos um pouco menor nos contextosde mdio status (8,8%) do que nos dealto status (11,8%). Nesse caso, pode-mos dizer que a favela localizada emcontextos de alto status responsvelpela alta incidncia de desafiliao dejovens de cor preta.

    Com intuito de testar os efeitos dasegregao residencial vis--vis ao efeitoda cor no acesso a oportunidades, cons-trumos um modelo de regresso logsticatendo como variveis dependentes cadauma das situaes anteriormente men-cionadas. A escolha da anlise multivaria-da se deve ao fato de os indicadores dedesigualdade de oportunidades configu-rarem variveis conhecidas na estatsticacomo dummy, ou seja, dados categricospara cada indivduo, nos quais o valor1 identifica o indivduo que se encontraem uma das situaes de desigualdadede oportunidades e o valor 0 no casocontrrio. Como variveis de controle domodelo, consideramos a renda familiarper capita, em salrios mnimos, e o climaeducativo do domiclio. Tal procedimento importante para o controle das relaesque buscamos evidenciar (desigualdadede oportunidades x cor e desigualdadede oportunidades x contexto social e re-sidencial).

    Em resumo, o nosso objetivo sub-meter os resultados da anlise descritivaao teste estatstico: se e em que grau adiviso por cor (branco x preto e branco

    8 importante considerar os contextos sociais na busca do significado sociolgico da condiodo jovem que no estuda nem trabalha. Como menciona Saravi (2004), na Amrica Latinao status zero tem sido entendido como condio de vulnerabilidade e risco, por representara possibilidade de diminuio da oportunidade futura de bem-estar social e de associao aatividades ilcitas.

  • 27Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    x pardo) explica mais as desigualdadesde oportunidades do que os contextossociais, observando os planos da famlia(pobreza x no-pobreza), do domiclio(baixo clima x alto clima educativo) edo lugar de moradia (de alto status xbaixo status). Os coeficientes estimadosdo modelo de regresso quando maio-res que 1 expressam o risco relativo deo indivduo estar numa das situaes dedesigualdade de oportunidades supra-mencionadas; ou seja, em relao aosseus grupos de referncia. Cada umadas variveis consideradas no modeloapresenta um valor que representa orisco (ou chance relativa) de estar numadas situaes de desigualdade de opor-tunidades.

    Aplicamos o modelo assim construdopara o conjunto da populao da regiometropolitana e, ao mesmo tempo, paracada um dos segmentos de cor.

    Para a varivel cor, consideramos abranca como referncia e estimamos orisco para pardos e pretos. Para a vari-vel contexto social, consideramos o dealto status como referncia e estimamosos efeitos dos contextos de baixo statuse de mdio status. No caso da rendafamiliar per capita, estimamos o efeitosobre indivduos integrantes de gruposfamiliares de at 1/2 salrio mnimo ede 1/2 a 1 salrio mnimo, tomandocomo referncia o grupo de 1 salriomnimo ou mais. Para a varivel con-texto domiciliar, estimamos o risco dosindivduos pertencentes a domiclio comclima educativo de at 4 anos de estudo(baixo) e de 4 a 8 anos de estudo (m-dio), tendo como referncia os indivduos

    integrantes de domiclios com clima edu-cativo de 9 ou mais anos de estudo(alto).

    Apresentamos na Tabela 9 os resul-tados do modelo de regresso logsticapara a varivel atraso escolar de um anoou mais para crianas entre 8 e 14 anosde idade. No conjunto da metrpole, adiviso por cor tem maior importnciado que o lugar de residncia na explica-o das desigualdades de oportunidadeseducativas, atingindo mais fortementeas crianas pretas do que as pardas emrelao s brancas, o que poderia noslevar a aceitar a hiptese da existnciade efeitos de prticas discriminatriascom fundo racial. No obstante, tm pesoexplicativo mais importante as condiessociais nas quais a criana socializada,nos planos da famlia, do domiclio, comdestaque para o clima educativo domici-liar, e em relao pobreza.

    Quando examinamos os resultadosda aplicao do modelo para os gruposde cor, observamos que essas condiescontextuais atingem mais as crianasbrancas do que as pretas e pardas, sendoque para estas ltimas o lugar de resi-dncia tem pouco ou nenhuma influn-cia no risco de atraso escolar.

    Na Tabela 10, apresentamos os re-sultados para a varivel evaso escolar.A cor parda representa um risco prati-camente nulo de excluso escolar emrelao branca, mas este elevadopara a criana de cor preta (1,36). Assimcomo na situao de atraso escolar, orisco de evaso escolar sofre maior efeitodos contextos sociais no plano da famlia

  • 28As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    e do domiclio representados aquipelas variveis de clima educativo domi-ciliar e renda per capita da famlia doque da cor das crianas. Alm disso,quando observamos os efeitos do lugarde residncia, constatamos que o riscopara crianas que moram em contextode baixo status 1,22 vez superior aorisco estimado para as que residem emcontexto de alto status, valor elevado eno muito distante do estimado para acor preta (1,36). Observando os resul-tados da aplicao do modelo separa-damente para os segmentos de cor,percebemos que as crianas brancas so-frem maiores desvantagens decorrentesdos efeitos de viverem em contextos so-ciais desfavorveis nos planos da fam-lia, do domiclio e do lugar de residncia.Chama a ateno o fato de as crianas

    brancas (1,48) e pretas (1,42) vivendoem contextos marcados pela baixa es-colarizao dos adultos estarem subme-tidas a elevados riscos de evaso escolar,em grandezas semelhantes para ambosos grupos de cor. O que aparece comonovidade nesse caso, diferentemente doobservado com relao ao atraso escolar, que, mesmo as crianas de cor pretatendo maior risco de evaso escolar, ascrianas tambm de cor preta, mas queresidem em contextos de baixo status,apresentam maior risco de evaso es-colar do que as crianas de cor pretaresidentes em contextos de alto status.J para as crianas pardas, esse efeitodo local de moradia no significativa-mente diferente entre os diferentes con-textos sociais.

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

  • 29Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    Examinando os coeficientes, um fatochama a ateno. Trata-se do risco supe-rior de evaso escolar para as crianaspretas de famlias pobres (at 1/2 salriomnimo), quando comparadas com asque vivem em domiclios com baixo climaeducativo (at 4 anos de estudo). Noprimeiro caso, o risco de 2,20, e, nosegundo, de 1,34. Esse resultado indicaa forte relao entre pobreza e evasoescolar para as crianas pretas, provavel-mente em conseqncia da necessidadede complementao da renda familiaratravs do trabalho infantil.

    Na Tabela 11, apresentamos os re-sultados do modelo para estimativa dorisco de mulheres entre 14 e 19 anosde idade serem mes solteiras. No con-junto da RMRJ, a faixa de renda percapita familiar de at 1/2 salrio mnimo

    apresenta um risco de 5,45 vezes o riscoestimado para a faixa de renda per ca-pita familiar de 1 salrio mnimo ou mais,ao passo que o risco para a faixa de 1/2a 1 salrio mnimo representa 2,24 vezeso risco estimado para a mesma faixa dereferncia, valores bem superiores aosestimados para as cores preta e parda.Isso indica que o risco de gravidez pre-coce est fortemente relacionado aocontexto social criado pela extrema po-breza da famlia qual pertence a jovem.Viver em espaos que concentram forte-mente adultos com pouca escolaridaderepresenta um risco superior ao da corpreta. Porm, quando observamos osresultados do modelo para cada seg-mento de cor, percebemos que, parajovens brancas, os efeitos dos contextosde baixo e mdio status chegam a, res-pectivamente, 2,30 e 2,62 vezes o risco

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

  • 30As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    do contexto de alto status, ao passo que,para jovens pretas e pardas, o efeito docontexto no apresenta significncia.Sendo menores para as jovens pretas epardas os efeitos dos diferentes contex-

    tos e, ao mesmo tempo, elevados paraas brancas, a cor tem grande peso abso-luto na constituio do risco da gravidezprecoce de adolescentes.

    Na Tabela 12, apresentamos os resul-tados da aplicao do modelo para a va-rivel desafiliao institucional de jovensentre 14 e 24 anos. Na leitura dos resul-tados, podemos perceber que o risco pouco influenciado pelo contexto socialdo lugar de residncia, pois somenteapresenta efeito significativo para jovensde cor parda, sendo 1,13 para o con-texto social baixo e 1,16 para o contextosocial mdio. Para jovens de cor branca,o efeito do contexto social no foi signifi-cativo, enquanto para jovens de cor pretao efeito foi de proteo para o risco nocaso de residirem em contexto socialbaixo ou mdio em relao ao contexto

    social alto, ou seja, jovens de cor pretaresidentes em contexto social alto apre-sentam um risco maior de estarem emsituao de desafiliao institucional. Nareflexo desse resultado, relevantelembrar que as reas de ponderaodefinidas pelo IBGE no discriminam asreas de favelas e que existe uma impor-tante incidncia desse tipo de moradiana RMRJ, em contextos aqui definidoscomo de alto status. Ou seja, no processode favelizao da cidade do Rio de Ja-neiro, sobressai exatamente o grandenmero de favelas incrustadas em reasnobres da cidade, principalmente pelaocupao de morros e encostas. Como

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

  • 31Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    vimos na parte descritiva deste artigo,25% da populao preta moradoraem favelas localizadas nos contextos dealto status, sendo que nessas favelas ospretos representam 20% da populao.Tal presena marcante de favelas nessasreas da cidade afeta as estimativas paraas reas de ponderao classificadascomo de alto status, pois, apesar de asfavelas no expressarem o tipo de sepa-rao total observado no caso dos guetosamericanos, a segregao social entre area de favela e seu entorno rico expres-sa a existncia de mundos sociais entreos quais prevalecem fortes diferenas decondies de vida (renda, escolaridade,conforto habitacional etc.), de padresde organizao social (tipo, tamanho ecomposio familiar, por exemplo),alm das relacionadas a um complexoe dissimulado sistema de interaes fun-dadas no estigma social, a ponto de alinguagem cotidiana ter incorporado aexpresso favelado como categoria dojogo das distines sociais fundado nahierarquia estamental, usada legitima-mente na sociabilidade corrente, pelamdia e pelo poder pblico. Seria impos-svel, no quadro deste artigo, desenvolverargumentos que expliquem as razes dofato de a proximidade territorial dessesmundos sociais justapostos no criarvantagens para os que esto na base daestrutura social, nesse caso, o incentivoaos jovens para a busca de insero socialvia escola e/ou trabalho. Em outros ter-mos, a co-presena no espao dessesgrupos sociais parece no suscitar ple-

    namente dimenses positivas do fen-meno sociolgico conhecido comoefeito pares. Estudos posteriores po-dero mostrar de que forma a presenade favelas em reas nobres da cidadeafeta a desafiliao institucional de jo-vens pretos, o que no ocorre com ospardos. Contudo, supomos que estamosdiante de efeitos no esperados de mu-danas nas expectativas dos jovensquanto ao seu lugar na sociedade; efei-tos estes decorrentes tanto da exposioaos meios de comunicao de massa edo aumento do nvel de escolaridadequanto do processo de socializao ocor-rido pela interao com jovens morado-res fora da favela e com posies sociaissuperiores. Trata-se de dois mecanismosgeradores de incongruncias entre o sta-tus social esperado pelos jovens pretosmoradores em favela e o efetivamenterealizado atravs da estrutura de oportu-nidades existente (Lensky, 1954). Os jo-vens recusam a ocupao a que podemter acesso, geralmente relacionada aotrabalho manual, informal e aos serviospessoais ou domiciliares, porque, tendoalcanado nveis de escolaridade supe-riores aos dos adultos do seu grupo dereferncia, percebem essa ocupaocomo socialmente desvalorizada. Tam-bm no tm incentivo continuaodo estudo, tanto em razo de a escolapblica ser socialmente desvalorizadaquanto por no perceberem essa viacomo capaz de permitir o alcance desuas expectativas de ascenso social 9.

    9 A hiptese de o comportamento dos jovens das camadas populares, especialmente os assimchamados negros, diante das instituies da sociedade, ser orientado pelos efeitos daincongruncia de status foi explorada por Sansone (2003).

  • 32As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    Concluses: as fronteiras urbanas tm cores?

    A motivao principal deste trabalho foigerar algumas evidncias empricas quepermitissem refletir a hiptese da racia-lizao da estrutura de desigualdadesexpressa no territrio atravs da segre-gao residencial, tomando a metrpoledo Rio de Janeiro como estudo de caso.Procuramos enquadrar a reflexo dessahiptese em dois debates presentes nomundo acadmico brasileiro: de umlado, o orientado por hipteses veicula-das pela literatura internacional sobretendncias contemporneas de crescen-tes conexes entre os macromecanismosde reproduo das desigualdades sociaise os micromecanismos de segregaoresidencial nas grandes cidades, e, deoutro lado, o debate nacional a respeitoda dimenso racial das desigualdadessociais.

    No pretendemos que a anlise aquiempreendida seja considerada uma de-monstrao da inexistncia de relevn-cia da raa nos processos de produoe reproduo das desigualdades sociaisatravs dos mecanismos que organizamsocialmente o territrio, distribuindo pes-soas, recursos e oportunidades a partirda estrutura social e da sua histrica ra-cializao. Pretendemos, antes de tudo,que os resultados obtidos chamem aateno para a complexidade da ques-to. Nesse sentido, de acordo com osresultados descritos, chegamos s con-cluses que passamos a expor e que dia-logam com as indagaes expostas noincio do artigo.

    Em primeiro lugar, a cor autodecla-rada dos indivduos tem forte influncia

    Fonte: Elaborao prpria com dados do Censo Demogrfico de 2000 (IBGE, 2002).

  • 33Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    sobre os riscos de desvantagens sociais,examinadas em nossa anlise, relaciona-das ao acesso ao bem-estar social urbanoe estrutura de oportunidades, atingindode maneira mais significativa os segmen-tos pretos. No obstante, constatamosque a cor no explica integralmente areproduo das desigualdades. Os resul-tados empricos do nosso trabalho indi-cam a forte relevncia dos contextos emque crianas e jovens so socializados eadquirem recursos tangveis e intangveisnecessrios ao acesso, presente e futuro,aos recursos da cidade. Destacam-se asresultantes da aquisio prvia de par-celas dos capitais econmico e escolarpelos grupos familiares a que pertencemcrianas e jovens. Constatamos, tambm,que esse acesso est condicionado scaractersticas do contexto social confor-mado pelo lugar de residncia, apesarde tratarmos de fatos sociais (atraso es-colar, evaso escolar, gravidez precoce edesafiliao institucional) altamente de-pendentes dos contextos mais imediatos(familiares e domiciliares). Alm disso,no encontramos sinais evidentes dehomologia entre as desigualdades pro-duzidas pela estratificao segundo a core as resultantes da organizao social doterritrio, no que concerne tanto distri-buio dos indivduos no espao quantos chances de acesso ao bem-estar ur-bano e s oportunidades. Os brancos,pretos e pardos de contextos que con-centram fortemente adultos com baixaescolaridade experimentam igualmentepiores condies urbanas de vida que ospretos e pardos de contextos com mais

    alto status. Essas observaes permitempr em dvida a hiptese presente naliteratura sobre a existncia do fenmenoda segregao racial na cidade brasi-leira (Pinto, 1998; Telles, 2003; Garcia,2009). Mas, se no encontramos sinaisde racializao das desigualdades ge-radas pelos efeitos da organizao socialdo territrio, constatamos diferenas noscondicionantes das chances de brancos,pardos e negros terem acesso s oportu-nidades. Tal fato resulta da constataode que os brancos so mais negativa-mente afetados em suas chances deaproveitamento das oportunidades emdecorrncia de contextos familiares,domiciliares e urbanos menos desfavor-veis do que os pardos e, em especial, ospretos. Estes, por sua vez, seriam menosafetados em razo de sua cor j implicarem desvantagem de ponto de partida,que parece no ser anulada pelo fatode viverem em contextos mais favor-veis. Tal fato pode significar que as his-tricas desigualdades sociais entre osgrupos de cor na sociedade brasileirapodem estar articuladas com as decorren-tes da formao de meios sociais urbanospouco favorveis ao aproveitamento dasestruturas de oportunidades. Nesse sen-tido, em futuras pesquisas, seria interes-sante e til considerar os mecanismos dediscriminao descritos por Guimares(1999), que, atuando nos planos da so-cializao dos indivduos, da vida cotidia-na e do funcionamento das instituies,naturalizam as desigualdades raciais aomesmo tempo que as transformam emseus tropos sociais.

  • 34As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    Referncias

    LVAREZ-RIVADULLA, Mara Jos. Asenta-mientos irregulares en Montevideo: ladesafiliacin resistida. Montevideo: FCS/UdelaR, 2002. Documentos de trabajo,Serie Monografas n. 18.

    BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan.Relaes raciais entre negros e brancosem So Paulo: ensaio sociolgico sobreas origens, as manifestaes e os efeitosdo preconceito de cor no municpio deSo Paulo. So Paulo: Anhembi, 1955.

    BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. Classespopulaires et classes moyennes en centrernov. In: HAUMONT, N. (Org.). LaVille: agrgation et sgrgation sociales.Paris: LHarmatan, 1996.

    BOURDIEU, Pierre. Efeitos do lugar. In:______. (Org.). A Misria do mundo. Pe-trpolis: Vozes, 1997.

    DUNCAN, Otis Dudley; DUNCAN, Beverly.A Methodological analysis of segregationindices. American Sociological Review,Chicago, v.20, no. 2, p. 201-217, abr.1955.

    FENELON, Jean-Pierre. Quest-ce que lana-lyse des donns? Paris: Lefonen, 1981.

    FERNANDES, Florestan. A Integrao donegro na sociedade de classes. So Paulo:Nacional, 1965.

    GARCIA, Antnia dos Santos. Desigualda-des raciais e segregao urbana em an-tigas capitais: Salvador, cidade DOxum,

    e Rio de Janeiro, cidade de Ogum. Riode Janeiro: Garamond, 2009.

    GUIMARES, Antnio Srgio Alfredo. Ra-cismo e anti-racismo no Brasil. So Paulo:Editora 34, 1999.

    GUIMARES, Antnio Srgio Alfredo; HUNT-LEY, Lynn. Tirando a mscara: ensaiossobre o racismo no Brasil. So Paulo: Paze Terra, 2000.

    HALSENBALG, Carlos A. Discriminao edesigualdades raciais no Brasil. Rio deJaneiro: Graal, 1979.

    IBGE. Departamento de Estudos de po-pulao. Censo demogrfico de 2000:documentao dos microdados da amos-tra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.

    ITABORA, Nathalie Reis. Trabalho femininoe mudanas na famlia no Brasil (1984-1996). Revista Brasileira de Estudos dePopulao, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2,p. 157-176, 2003.

    KAZTMAN, Ruben. Aislamento social de lospobres urbanos: reflexiones sobre la na-turaleza, determinantes y consecuencias.Buenos Aires: Siempro/Unesco, 2001.

    KAZTMAN, Ruben; RETAMOSO, Alejandro.Segregacin espacial, empleo y pobrezaen Montevideo. Revista de la Cepal,Santiago del Chile, n. 85, abr. 2005.

    LENSKY, Gerhard E. Status crystailization:a nonvertical dimention of social status.

  • 35Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Filipe Souza Corra

    American Sociological Review, Washing-ton, v. 19, no.1, p.405-413, 1954.

    PINTO, Luiz Aguiar Costa. O Negro no Riode Janeiro: relaes de raa numa so-ciedade em mudana. Rio de Janeiro:UFRJ, 1998.

    RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Segre-gao residencial: teorias, conceitos etcnicas. In: MOYSES, A. (Org.). Cidade:segregao urbana e planejamento.Goinia: UCG, 2005.

    ______. A dimenso metropolitana daquesto social: ensaio exploratrio. In:ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO DEPS-GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS, 31,2007, Caxambu. Anais... Caxambu:Anpocs, 2007.

    ______. Proximidade territorial e distn-cia social: reflexes sobre o efeito do lugara partir de um enclave urbano. RevistaVeraCidade, Salvador, v. 7, p. 113-127,2008.

    ______; KOSLINSKI, Mariane Campelo.Fronteiras Urbanas e OportunidadesEducacionais: o caso do Rio de Janeiro.In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 33.,2009, Caxambu, MG. Anais... Caxambu,MG: ANPOCS, 2009.

    ______; LAGO, Luciana Corra do. A opo-sio favela-bairro no Rio de Janeiro. So

    Paulo em Perspectiva, So Paulo, v. 14,n. 1, p. 144-154, 2001.

    SANSONE, Livio. Blackness without eth-nicity: constructing race in Brazil. NewYork: St. Martins Press, 2003.

    SANTOS, Wanderley Guilherme. Razesda desordem. Rio de Janeiro: Rocco,1993.

    SARAVI, Gonzalo A. Entre la evasin y laexclusin social: jvenes que no estudianni trabajan. Una exploracin del caso ar-gentino. Nueva Sociedad, Buenos Aires,no. 189, p. 68-84, ene./feb., 2004.

    SILVA, Nelson do Valle. White Non-whiteincome differentials: Brasil 1960. 1978.Tese (Doutorado em Sociologia) Uni-versity of Michigan, Ann Arbor, 1978.

    TELLES, Edward. Racial distance and re-gion in Brazil: the case of marriage amongcolor groups. Latin American ResearchReview, Texas, v. 28, no. 2, p. 141-162,1993.

    ______. Racismo brasileira: uma novaperspectiva sociolgica. Rio de Janeiro:Relume-Dumar; Fundao Ford, 2003.

    WILLIAMSON, Howard. Youth and policy:contexts and consequences, youngmen, transition and social exclusion.England: Ashgate, 1997.

  • 36As cores das fronteiras urbanas. Segregao residencial e

    desigualdades raciais na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    Abstract

    We intend to generate empirical ele-ments to allow reflection about racialsegregation in Brazilian metropolis. Wetook as our starting point the structuralnexus between social organization of theterritory and mechanisms of production/reproduction of social inequalities. Wetook in account the relation betweensocial status and color into the explana-tion to the intra-urban inequalities in Riode Janeiro Metropolitan Region takingas basis the Demografic Census of theyear 2000. To the study of social status,we built a socio-spatial tipology basedon the educational atmosphere of theresidence. We built, in addition, a set ofindicators of the relation between socialposition, color and differences in habi-tational conditions and in access to socialopportunities.

    Keywords: racial segregation, residen-tial segregation, social inequality, slums.

    Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro Professor Titular do IPPUR/UFRJ e Coorde-nador do Observatrio das Metrpoles / Instituto do Milnio - Conselho Nacionalde Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e Pesquisador do CNPq.

    Filipe Souza Corra Mestrando em Planejamento Urbano e Regional peloIPPUR/UFRJ e Pesquisador assistente da Rede Observatrio das Metrpoles.

    Recebido em julho de 2008. Aprovado para publicao em novembro de 2008

    Resumo

    Pretendemos gerar elementos empricosque permitam a reflexo da existnciade segregao racial na metrpole bra-sileira. Tomamos como ponto de partidao nexo estrutural entre organizao so-cial do territrio e mecanismos de pro-duo/reproduo das desigualdadessociais. Avaliamos a relao entre posiosocial e cor na explicao das desigual-dades intra-urbanas na Regio Metro-politana do Rio de Janeiro com base noCenso Demogrfico de 2000. Para o es-tudo da posio social, construmos umatipologia socioespacial apoiada no climaeducativo do domiclio. Construmos,ainda, um conjunto de indicadores darelao entre posio social no espao,cor e diferenas de condies habitacio-nais e de acesso a oportunidades sociais.

    Palavras-chave: segregao racial, se-gregao residencial, desigualdades so-ciais, favela.

  • Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 37-66, ago./dez. 2008.

    Mara Mercedes Di Virgilio

    A lo largo de este trabajo, nuestro come-tido es caracterizar recorridos que tienencomo punto de llegada el rea Metro-politana de Buenos Aires (AMBA). Eneste marco, indagamos experiencias demovilidad residencial que se desarrollanen (o se dirigen a) la ciudad en nuestrocaso la Ciudad de Buenos Aires y suconurbacin con el propsito de ca-racterizar la trama que se teje alrededorde dichas experiencias. El inters puestoen dichas experiencias de movilidad noslleva ms all de la mera descripcin delos recorridos y nos impulsa a adentrar-nos en los territorios, en los barrios, enlos hogares y en sus caractersticas para

    Trayectorias residenciales en elrea Metropolitana de BuenosAires, Argentina: los componentesde la movilidad residencial

    Introduccin

    dar cuenta de las relaciones que existenentre distintos aspectos de la vida coti-diana y las experiencias de movilidad.

    A pesar de que est ampliamenteaceptado el hecho de que los cambiosde residencia juegan un rol fundamentalen la definicin y redefinicin de las ca-ractersticas del espacio urbano, dichasprcticas han sido escasamente explora-das. Algunos clsicos de los estudios ur-banos, como Knox (1982), planteabanya esta vacancia a inicios de la dcadade los 80, y si bien han transcurrido yams de veinte aos desde entonces, elfoco de las investigaciones escasamente

  • 38Trayectorias residenciales en el rea Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

    los componentes de la movilidad residencial

    se ha dirigido hacia su anlisis. La movi-lidad residencial es aqu entendida comoel producto de las oportunidades habi-tacionales definidas por la existenciade viviendas nuevas y/o vacantes queresultan de los procesos de suburbani-zacin, de los de rehabilitacin y puestaen valor de las reas centrales de la ciu-dad (gentrification), de la incorporacinde suelo urbano, la dinmica del mer-cado inmobiliario y del mercado delsuelo, etc. y de las necesidades y ex-pectativas habitacionales de los hogares,las cuales, a su vez, estn condicionadaspor la posicin que ocupa la familia enla produccin y en el consumo, por elestilo de vida, por las preferencias desus miembros, las redes de las que parti-cipan, las percepciones sobre su propiaposicin social y sobre las condicionesdel hbitat, etc. (Knox, 1982:17).

    De este modo, la movilidad residen-cial, en general, y las trayectorias residen-ciales que los hogares describen, enparticular, son el resultado de la relacinentre las oportunidades y los apremios,que limitan y/o hacen posible diversasacciones de los hogares orientadas a satis-facer sus expectativas y necesidades habi-tacionales (Eastaway y Solsona, 2006). Latrayectoria se define en la interseccinentre las necesidades y expectativas habi-tacionales de los hogares y factores institu-cionales y estructurales. Estos incluyen laestructura del mercado de tierra y vivien-da, la relacin entre la oferta y la demandade tierra y vivienda, las polticas urbanasy habitacionales, reglas, estndares, institu-ciones y agentes, entre otros (Abramsson,Borgegard y Fransson, 2002; Grling yFriman, 2002) (ver Figura 1).

    La densidad de los procesos demovilidad puede afectar la estructurasociourbana en general, as como la delos barrios y/o localizaciones particularesen la ciudad. Asimismo, dichos cambiosrepercuten en las percepciones acercadel entorno urbano y de sus habitantes,lo cual contribuye, tambin, a atraer oa desalentar potenciales movimientos(Knox, 1982:117). En este marco, lasrespuestas agregadas de los hogares alas ventanas de oportunidad que seabren en el mercado inmobiliario y enel mercado del suelo constituyen un ele-mento central que contribuye a la com-prensin de los procesos de movilidad(ver Figura 1).

    Tal como lo sealan Delaunay yDureau (2004), los estudios orientadosal anlisis de la movilidad residencial in-traurbana en las ltimas dcadas hanprivilegiado la dimensin temporal, foca-lizando sus indagaciones en la incidenciaque tienen sobre la movilidad las etapasdel ciclo de vida, la carrera profesionalo la historia familiar, y dejando de ladolos aspectos relativos a la eleccin de lalocalizacin de la vivienda y al destinode la mudanza. En este trabajo hemosoptado por centrarnos en la compren-sin de las prcticas de movilidad resi-dencial considerando especialmenteaquellos aspectos vinculados a la locali-zacin que tal como se entiende aquremite a la dimensin territorial del fen-meno. Desde esta perspectiva, se avanzaen la identificacin de los componentesbsicos implcitos en todo cambio deresidencia. Estos componentes, en con-junto, permiten describir y comprendertoda prctica de movilidad residencial.

  • 39Mara Mercedes Di Virgilio

    Las categoras que consideramos fun-damentales son: la direccin, la duracin(permanencia en la vivienda), el tipo de

    vivienda, el tipo de tenencia de la vi-vienda y la estrategia 1 que permite rea-lizar el cambio de residencia.

    Figura 1: Movilidad residencial y sus determinantes

    El conjunto de los cambios de resi-dencia y de los cambios de localizacinde un hogar en el medio urbano cons-tituye su trayectoria residencial. La dura-cin en cada una de las residencias y/olocalizaciones define los trayectos residen-ciales. En cada trayecto, las diferentes po-

    siciones que ocupa el hogar en el terri-torio, en general, y en el hbitat, en par-ticular, se vinculan con las caractersticasde la ocupacin de la vivienda (Levy,1998) definidas aqu por el tipo de resi-dencia y por el tipo de tenencia. Comoseala Grafmeyer 2, el trmino trayectoria

    1 Cabe aclarar que entre estos componentes, en el marco de este trabajo, no se abordar elanlisis de las denominadas estrategias habitacionales. Un anlisis exhaustivo para el casodel AMBA sobre este tema puede leerse en Di Virgilio (2007).

    2 Citado en Charbonneau (1998:396).

  • 40Trayectorias residenciales en el rea Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

    los componentes de la movilidad residencial

    sugiere que una serie de posiciones su-cesivas no se concatenan entre s porcasualidad, sino que se encadenan segnun orden inteligible; ejemplo de ello esel pasaje del alquiler a la propiedad, msfrecuente en ese sentido que en el in-verso. En este marco, el trayecto es uncamino que se toma para llegar a unobjetivo preciso.

    El concepto de trayectoria hace re-ferencia a las relaciones que existen entremovilidad residencial y movilidad socialen la medida en que permite analizar larelacin entre posicin en la estructurasocial y la apropiacin del espacio. Asi-mismo, permite ahondar en el procesoque configura la movilidad territorial yhabitacional (Nuez, 2000:28). As en-tendido, el anlisis de los procesos demovilidad residencial provee informa-cin sobre los xitos o los fracasos obte-nidos en las luchas por la apropiacindel espacio urbano y, en general, sobrela trayectoria social de los hogares y susmiembros en la medida en que hbitat3 yhabitus se encuentran estrechamente

    vinculados (Bourdieu, 2000). Es decir,los esquemas de percepcin, de apre-ciacin y de accin interiorizados, el sis-tema de disposiciones a actuar, a pensar,a percibir que opera como principio deestructuracin de prcticas en la medi-da en que permiten percibir las opcio-nes, pensarlas o no pensarlas y obrar enconsecuencia (Gutirrez, 2000), estnestrechamente vinculados con las carac-tersticas del hbitat en el cual estas dis-posiciones y esquemas perceptivos sedesarrollan. 4

    La capacidad para dominar el es-pacio, aduendose de los bienes esca-sos que se distribuyen en l, dependedel capital posedo (Bourdieu, op. cit.).Ahora bien, dentro de las diferentes es-pecies de capital, el capital econmico yel cultural constituyen los principios fun-damentales de estructuracin del espaciosocioterritorial, mientras que el capitalsocial y el simblico son antes bien prin-cipios de rentabilidad adicional de losotros dos (Gutirrez, 2000). De estemodo, localizacin en la ciudad y, por

    3 Desde el punto de vista urbano no puede pensarse a la vivienda sin el conjunto de serviciose infraestructura que permiten ponerla en funcionamiento (luz, agua, energa, transporte,pavimento, comercio, etc.), pero, fundamentalmente, sin el espacio que ocupa en la ciudad.Efectivamente, el espacio urbano no es slo terreno, en tanto soporte fsico de la vivienda.Tambin tiene un significado social, en el sentido de que el lugar en el que se vive implica unconjunto de relaciones sociales y no otros. [Asimismo] el hbitat posee un significado cultural,ya que es tan importante el tipo de vivienda como el barrio y la ciudad en la construccin dela identidad urbana. Es decir, la vivienda se localiza en un punto de la ciudad, sus habitantesse piensan en un barrio, con determinado tipo de interacciones, en vecindad con unos y sinla presencia de otros, etc. Y todo ello est implicado en la nocin de hbitat (Merklen,1999).

    4 El concepto de habitus es clave para comprender las decisiones de movilidad como prcticasorientadas por una racionalidad fundada en un sentido prctico, en un sentido del juego,que ha sido incorporado por el agente social a lo largo de su historia. El sentido del juego eslo que permite vivir sentido vivido como evidente el sentido objetivado en las instituciones,es decir, las percepciones y representaciones como resultado de la incorporacin de lascondiciones objetivas (Bourdieu, 1980) (Gutirrez, 2000).

  • 41Mara Mercedes Di Virgilio

    ende, la proximidad en el espacio fsico,permite que la proximidad en el espaciosocial produzca todos sus efectos, nega-tivos o positivos, facilitando u obstaculi-zando la acumulacin de las diferentesformas de capital. Los efectos facilitado-res o inhibidores de la proximidad socialy espacial dependen de las caractersti-cas del entorno y de las caractersticaseconmicas y sociales de sus habitantes.

    De este modo, las trayectorias resi-denciales no pueden comprenderse almargen del sistema de estratificacinsocial. Por ello, en el marco de este tra-bajo, avanzamos en su anlisis haciendohincapi en las diferencias y las similitu-

    des que se observan entre grupos socia-les que ocupan posiciones diferencialesen la produccin y en el consumo perohabitan en localizaciones prximas enla ciudad, y entre grupos sociales queocupan posiciones similares en la pro-duccin y en el consumo, pero que re-siden en distintas reas y/o localizacionesen la ciudad. 5 Nuestro anlisis intentaavanzar en la comparacin de las ca-ractersticas de las familias y personasubicadas en un mismo estrato social yen diferentes estratos: Se diferenciancada uno de los estratos en sus pautasde movilidad? Qu recursos movilizanen el curso de sus trayectorias residen-ciales?

    El AMBA como destino: trayectorias residencialestpicas y sus componentes

    En este aparte proponemos una revi-sin estadstica de la relacin entre laposicin que ocupan los hogares en laestructura social y las trayectorias resi-denciales que desarrollan. Asimismo,analizamos dichas trayectorias a partirde la indagacin de los componentes dela movilidad residencial: la duracin, loscambios en el tipo de vivienda, en lasituacin de tenencia y en la localizacinen la ciudad.

    Las trayectorias que aqu se descri-ben son resultado de una encuesta porsondeo realizada, entre 2003 y 2005,

    entre 286 hogares residentes en 3 locali-zaciones del rea Metropolitana de Bue-nos Aires: dos barrios de la Ciudad deBuenos Aires, La Boca y Lugano, y enun municipio de su conurbacin, Tigre(Figura 2). Si bien la muestra no es re-presentativa de la poblacin del rea Me-tropolitana ni de los espacios habitados,cada lugar en el que se llev a cabo laencuesta representa un tipo de hbitatcaracterstico de la zona metropolitana.Cada localizacin se ubica diferencial-mente en relacin a la ciudad central. LaBoca es un barrio del casco histrico quealberga sectores populares y medios;

    5 La perspectiva comparada se recupera en torno al territorio, a travs de las localizacionesparticulares en la ciudad y de la posicin que ocupa de la familia en la produccin y en elconsumo (clase social).

  • 42Trayectorias residenciales en el rea Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

    los componentes de la movilidad residencial

    para los primeros predomina la viviendaen forma de inquilinato. 6 Lugano es unbarrio perifrico de la ciudad central enel que conviven sectores medios con ur-banizaciones informales villas de emer-

    gencia 7 representadas, en nuestrocaso, por el barrio Inta. El municipio deTigre es uno de los municipios de la co-nurbacin de la ciudad central en el quese han desarrollado importantes asenta-

    6 Se trata de grandes casonas o galpones que albergan piezas para alquiler. En general estnubicadas en las reas centrales de la ciudad. En ellas, la unidad de residencia es la habitacin.Adems del patio comn, los residentes comparten servicios de baos, aseos, letrinas, cocinay lavadero. La Boca es el barrio de la ciudad en donde el mercado de alquiler de piezas en losinquilinatos se mantiene ms consolidado.

    7 Se denominan villas de emergencia a los asentamientos informales formados por viviendasprecarias (tipo rancho o casilla) y con trazado urbano irregular (pasillos y calles que nonecesariamente respetan la forma de damero). Se encuentran enclavadas en la ciudad formal,habitualmente, en reas centrales.

    Figura 2: Mancha Urbana rea Metropolitana

    Fuente: Elaboracin propia en base a datos del INDEC.Disponible en: .

  • 43Mara Mercedes Di Virgilio

    mientos 8 o tomas de tierra que convivencon el desarrollo de urbanizaciones ce-rradas orientadas a sectores medios ymedios altos.

    En la muestra de hogares que formparte de la investigacin, se puede obser-var que la movilidad intra urbana, es decir

    aquella que supone movimientos dentrode la ciudad, es la que explica la mayorparte (60,1%) de los movimientos resi-denciales (Cuadro 1). 9 Si bien no se hanhallado datos comparables para el reaMetropolitana de Buenos Aires, los resul-tados de investigaciones pioneras en elcampo muestras tendencias consistentes. 10

    8 Los asentamientos son ocupaciones ilegales de tierras, tanto pblicas como privadas, ya seacon una organizacin social previa o producto de una forma ms espontnea [] queadopta las formas urbanas circundantes en cuanto al amanzanamiento y dimensiones de loslotes enmarcadas en la normativa vigente (Cravino, 1998:262). En trminos generales, sehan desarrollado en las periferias del rea Metropolitana.

    9 Los movimientos que se desarrollan exclusivamente en el barrio (movimientos intrabarriales)tambin podran considerarse en la categora intra urbanos; sin embargo, atento al hecho deque no se ha profundizado en sus caractersticas, se tratan separadamente.

    10 Simmons (1968), en un estudio llevado adelante en USA, seala que este tipo de movimientosda cuenta de las dos terceras partes de la totalidad de los movimientos residenciales.

    11 Cabe aclarar que este tipo de trayectoria se conceptualiza como una prctica de movilidad enla medida en que se definen como tales todos aquellos cambios que afectan el tipo deresidencia, la situacin de tenencia y/o la localizacin en la ciudad. Es posible que un hogarexperimente cambios en la situacin de tenencia aun cuando no cambie su localizacin ni eltipo de vivienda; es el caso de las familias que son objeto de planes de regularizacin o bienque han pasado de ser inquilinos a propietarios de la vivienda (Delaunay y Dureau, 2004).

    Fuente: Elaboracin propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

  • 44Trayectorias residenciales en el rea Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

    los componentes de la movilidad residencial

    Asimismo, cabe destacar que la mayorade los movimientos intra urbanos en elrea Metropolitana de Buenos Aires losaportan los hogares cuyo jefe naci enel interior del pas o en pases limtrofes(34,6%).

    Cuando se analizan las trayectoriassegn la posicin que ocupan las familiasen la produccin y en el consumo (Cua-dro 2), se observa que la estratificacinsocial introduce variaciones en la inten-sidad de la movilidad residencial: 12 lasfamilias de sectores medios y mediosbajos son menos mviles que sus paresde menores ingresos. El 28,3% de loshogares de sectores medios y mediosbajos han desarrollado sus trayectoriasen la misma localizacin en la ciudad enla que naci el jefe, mientras que esteporcentaje se reduce al 11,4% entre lasfamilias de sectores populares.

    Asimismo, cuando se analizan enparticular las trayectorias de movilidadintra urbana, se observa que las fami-lias de sectores medios, cuando se mue-ven, se desplazan entre localizaciones delAMBA (35,9% vs. 18,3% de familias desectores populares): han nacido en elAMBA y han llegado a su localizacinactual desde otros barrios de la ciudad.

    Las familias de sectores populares, encambio, describen trayectorias diferen-tes: dichas trayectorias se vinculan ge-neralmente con procesos de migracin(70,3%13 vs. el 35,8% hogares de sec-tores medios), y una vez en el AMBAtienen mayor probabilidad que sus paresde sectores medios de cambiar de resi-dencia y de localizacin en la rea me-tropolitana (42,3% vs. 22,8%).

    Si bien no es posible identificar unapauta de movilidad marcadamente di-ferente entre los hogares que residen enla Ciudad de Buenos Aires y aquellosque residen en el Gran Buenos Aires, lalocalizacin parece ser tambin un factora tener en cuenta a la hora de decidircambios residenciales (Cuadro 3). Enparticular, entre aquellos cuyas trayec-torias se vinculan con procesos de mi-gracin: 60,5% de los jefes que eligenla Ciudad como destino final, llegan alldesde provincias del interior o desdepases limtrofes vs. el 50,6% de los jefesque eligen el Gran Buenos Aires. El GranBuenos Aires parece tener una capaci-dad levemente mayor de retener aaquellos que eligen no cambiar de barrio(18,7% vs. 16,4%) y de atraer a los jefesque nacieron y se mueven exclusiva-mente en el AMBA (30,0% vs. 21,1%).

    12 Dureau (2002:100), tomando como referencia el caso de la Ciudad de Bogot, seala que losms pobres, son los ms mviles. En Amrica Latina, el acceso a la propiedad parece llevar auna estabilizacin de la poblacin. Las investigaciones realizadas en ciudades de los EstadosUnidos, en cambio, resaltan esta asociacin pero en un sentido contrario al que se seala aqu.Los estudios de Bell (1968); Pahl y Pahl (1971) y Savage et al. (1992) ponen de manifiesto quelos hogares de clase trabajadora son menos mviles que sus pares de clase media.

    13 Surge de sumar 28,0% de hogares de sectores populares cuyos jefes nacieron en el interior delpas o en pases limtrofes y que eligen el barrio como primera localizacin en el AMBA y 42,3%de hogares de sectores populares cuyos jefes tambin nacieron en el interior del pas o enpases limtrofes pero que ya han experimentado procesos de movilidad intra urbana.

  • 45Mara Mercedes Di Virgilio

    Fuente: Elaboracin propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

    Fuente: Elaboracin propia con base en encuesta Movilidad Residencial en Lugano,La Boca y Tigre.

  • 46Trayectorias residenciales en el rea Metropolitana de Buenos Aires, Argentina:

    los componentes de la movilidad residencial

    La importancia de la localizacin enla definicin de la trayectoria resulta msevidente cuando se la analiza teniendoen cuenta la insercin de los hogares enla estructura de clases. Entre los jefes queeligen no cambiar de barrio, se observandiferencias entre los de sectores popu-lares y sus pares de sectores medios ymedios bajos. Mientras que los jefes desectores populares que viven en el mismobarrio desde que nacieron tienen menorprobabilidad de residir en la Ciudad(8,0% CBA vs. 17,5% GBA), la locali-zacin no parece introducir diferenciasevidentes entre los jefes de sectores me-dios que nunca han modificado su lugarde residencia (29,0% CBA vs. 26,1%GBA).

    Los movimientos residenciales ocu-rridos siempre en el territorio del AMBA(que no suponen experiencias de mi-gracin) caracterizan a los sectores me-dios y medios bajos tanto en la Ciudad(31,9%) como en el Gran Buenos Aires(47,8%). Este tipo de movimientos seregistra con una probabilidad menorentre los de sectores populares en ambaslocalizaciones (16,1% en la CBA y 22,2%en el GBA).

    Las trayectorias marcadas por expe-riencias migratorias, tal como sealra-mos anteriormente, son ms frecuentesentre los jefes de los sectores popularesque entre sus pares de sectores medios.Sin embargo, cuando el factor migrato-rio est presente, la Ciudad se constituyeen la localizacin de destino preferidatanto entre los sectores populares como

    entre los sectores medios (Cuadro 4).Es posible pensar que uno de los factoresque permiten comprender esta preferen-cia es el funcionamiento del mercado detrabajo de la Ciudad. Cabe destacar queel mercado de trabajo en la Ciudad hasido histricamente ms dinmico y haofrecido mejores condiciones de trabajoque el del Gran Buenos Aires. Asimismo,en el caso de los sectores populares, laCiudad ofrece una multiplicidad de be-neficios extras vinculados a la provisinde servicios de infraestructura y sociales.

    Los jefes que provienen de provin-cias del interior o de pases limtrofes yque eligen el AMBA como destino des-criben trayectorias residenciales diferen-tes segn el ao de llegada. Los jefescuya localizacin actual es su primerdestino en el AMBA han arribado pre-dominantemente antes de los aos 70o lo han hecho con posterioridad a1991. Estos hogares, una vez asentados,no han experimentado cambios en sulugar de residencia.

    A qu obedece esta dinmica tempo-ral de los procesos movilidad residencial?Es posible pensar que la temporalidadse vincula al proceso de urbanizacin yal papel que juegan las ciudades en laatracc