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CADERNOS TÉCNICOS DE SAÚDE ISSN: 2525-3336 05 EDIÇÃO

CADERNOS TÉCNICOS DE SAÚDE

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Page 1: CADERNOS TÉCNICOS DE SAÚDE

CADERNOS

TÉCNICOS DE SAÚDE

APOIO:

ISSN: 2525-3336

05EDIÇÃO

Page 2: CADERNOS TÉCNICOS DE SAÚDE

Centro de Ensino Superior de Vespasiano

Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

Correspondência:R. São Paulo, 958, Jardim Alterosa. Vespasiano, MGCep:33 200 – 000

E-mail:[email protected]

CADERNOS TÉCNICOS DE SAÚDE

Volume 03 |Edição 05 - ISSN: 2525-3336

Editores dos Cadernos Técnicos: Edson Nascimento CamposJonas Carlos Campos Pereira

Revisor Linguístico e Técnico-Científico:Edson Nascimento CamposJonas Carlos Campos Pereira

Revisor Linguístico dos Textos Abstract Elisa de Moura

Revisor Bibliográfico:Sônia Aparecida dos Santos – Bibliotecária

Centro de Soluções Educacionais - Concepção EditorialTecnológica:Anderson Pimentel Borges

Secretária dos Cadernos Técnicos:Daniela Carla Pereira

Divulgação: DigitalLayout e Editoração: Comunicação da FASEHPeriodicidade: Semestral

Centro de Ensino Superior de Vespasiano

Presidente: Ricardo Queiroz Guimarães

Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

Diretor Geral:João Lúcio dos Santos Júnior

Diretor Acadêmico:Hérica Soraya Albano Teixeira

Permite-se a reprodução total ou parcial, sem consulta prévia, desde que seja citada a fonte.

Page 3: CADERNOS TÉCNICOS DE SAÚDE

EDITORIAL

RECOMENDAÇÃO

As informações referenciadas, as opiniões expressas e os apelos disseminados ao longo dos textos publicados aqui, nos Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, são de responsabilidade única e exclusiva de seus autores.

Sai a público o Volume III, Edição 5 , dos Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH . Nessa oportunidade, cumprindo a sua vocação de Divulgação Científica e exercendo a salutar prática da exogenia,disseminam-se os textos de revisão de literatura, associados à inclusão de material que aborda a temática dos animais peçonhentos. É o caso dos artigos sobre acidente crotálico,escorpionismo,araneísmo e apidismo , produzidos pela disciplina de Toxicologia do Departamento de Medicina Veterinária (UFMG). Além dessas publicações, contemplam-se artigos vinculados à Medicina, privilegiando temática variada: neurologia, técnicas moleculares para diagnóstico, psiquiatria forense,acidente vascular, cardiologia.Por outro lado, associando ética e Medicina, apresenta-se artigo que se propõe a fazer análise crítica da ética no que se refere à discussão entre natureza/cultura, técnica e Medicina.Finalmente, ainda na seleção de textos do gênero artigo, apresenta-se publicação que se propõe a historiar a especificidade concreta da intensificação do trabalho docente nas sociedades contemporâneas. Já no gênero Resumo, estão sendo publicados os textos de síntese dos Trabalhos de Conclusão de Curso, produzidos, defendidos e aprovados,em 2017, na FASEH, com a mobilização dos acadêmicos e dos professores do curso de Medicina da instituição.Por último, associando Medicina e Literatura, publica-se, no gênero Narrativa, o texto Oração, ao se propor,afetivamente, o exame do caráter produtivo de restauração da vida, praticado pela arte médica.

Os EditoresEdson Nascimento Campos

Jonas Carlos Campos Pereira

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COMISSÃO EDITORIAL

Alcinéa Eustáquia Costa Marques PintoAlexandre RavskiAristides José Vieira CarvalhoCarlos Nunes Senra Carlos Ernesto Ferreira StarlingCesar Coelho XavierEdson Nascimento Campos Fernando Augusto ProiettiGustavo Nunes Tasca Ferreira Helen Reis de Morais CoutoHenrique Segall Nascimento Campos Hérica Soraya Albano TeixeiraJacqueline de Castro LaranjoJonas Carlos Campos PereiraJosé Carlos Nogueira Marcos de BastosMárcio Vinicius Lins de Barros Patrícia Alves Maia GuidinePaulo Roberto Ferreira Henriques (In memoriam) Renato Assunção Rodrigues da Silva Maciel

Page 5: CADERNOS TÉCNICOS DE SAÚDE

SUMÁRIO

ARTIGO

ACIDENTE CROTÁLICO..........................................................................................7Soto-Blanco,B.1, Melo,M.M.1

ESCORPIONISMO....................................................................................................11 Soto-Blanco,B.1, Melo,M.M. 1

ARANEÍSMO............................................................................................................17Martins,G.C. 1 , Martins,M. 1 , Soto-Blanco,B. 1

ACIDENTES POR PICADAS DE ABELHAS.........................................................23Soto-Blanco,B.1, Melo, M.M.1

FATORES NEUROTRÓFICOS E REGENERAÇÃO NEURAL: PERSPECTIVAS E AVANÇOS EM TERAPIAS......................................................................................26De Paula, T.P. 1 ; Souto, C.P.P 2

PURIFICAÇÃO DE ANTÍGENOS IMUNOGÊNICOS DE L.CHAGASI POR CROMATOGRAFIA DE IMUNOAFINIDADE (IgG1/IgG2a) ANTI- LRPS (PROTEÍNAS RIBOSSÓMICAS DE LEISHMANIA) .................................31Coelho,V.T.S. 1 , Silva,J.A. 2 , Reis,T,A.R. 2 , Figueiredo,J.E.F. 3 , Santoro, M. M. 4 ,Coelho,E.A.F. 5

CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DE PERÍCIAS NO ÂMBITO DA PSIQUIATRIA FORENSE .......................................................................................39Andrade, J.M.C. 1 ; Fantini, L2.

ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO NA ANEMIA FALCIFORME ..............47Teixeira, M. M.2 ; Fonseca, M. 2 ; Assis, J ,P.de 2 ; Júnior, E.C. S.3, 1 ; Santos, D.W.R.1 ; Kelly , S. 4 ; Silva, C.M. 1 ; Ro-manelli, L.C.F.1 Carneiro-Proietti , A.B 1

ESTUDO DO VALOR PROGNÓSTICO DO ESCORE DE GRACE APÓS DOIS ANOS DE SEGUIMENTO EM PACIENTES ADMITIDOS COM QUADRO DE SÍNDROME CORONARIANA AGUDA................................................................ 56Silva, I.A.G. 1 ; Pereira, C.F.A. 1 ; Luz,F.F. 1 ; Cordeiro, M.L. 1 ; Moreira, T.C. 1 ; Fonseca, B.A. 2 ; Carlos Ornelas, C.E. 3 ; Bar-ros, M.V.L. 4

A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE DENUNCIA A BARBÁRIE. APONTAMENTOS CRÍTICOS PRELIMINARES SOBRE O PROBLEMA DA RELAÇÃO HOMEM/NATUREZA E A ALTERNATIVA JONASIANA.............................................................................................................64Campos, H.S.N. 1

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REFLEXÕES SOBRE A INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE ......74Laranjo, J.C. 1

RESUMO

AVALIAÇÃO NEUROCOGNITIVA DE PACIENTES PORTADORES DE EPILEPSIA REFRATÁRIA DE LOBO TEMPORAL SUBMETIDOS ÀS TÉCNICAS CIRÚRGICAS AMÍGDALO-HIPOCAMPECTOMIA SELETIVA OU LOBECTOMIA

TEMPORAL ANTERIOR. ...............................................................................................84Castanho, B. 1 ; Sarcinelli, C.C.S. 1 ; Ferreira,E.F. 1 ; França, F.A.B. 1 ;Fonseca,A.G.A.R. 1, Guidine, P.A.M.2

AVALIAÇÃO NEUROCOGNITIVA DE PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA AO TRATAMENTO MEDICAMENTOSO SUBMETIDOS À AMIGDALOHIPOCAMPECTOMIA

SELETIVA............................................................................................................................................85Portes, A.M. 1 ; Oliveira,K.M. 1 ; Oliveira, L.C. 1 ; Nascimento, M.F.L. 1 ; Souza, O.M. 1 ; Fonseca, A.G.A.R. 1 ; Guidine, P.A.M. 2 .

AVALIAÇÃO DA CONFIABILIDADE DOS REGISTROS DO ESCORE IMPROVE (INTERNATIONAL MEDICAL PREVENTION REGISTRY ON VENOUSTHROMBOEMBOLISM) PARA PREDIÇÃO DE TROMBOSE VENOSA ADQUIRIDA

EM HOSPITAL...........................................................................................................................................86Timo, C.U. 1 ; Petermann, C.E.D. 1 ; Bastos, M. 2

ANÁLISE COMPARATIVA POR MEIO DO QUESTIONÁRIO ANÁLISE BARIÁTRICA E RELATÓRIO DE DESFECHO (BARIATRIC ANALYSIS AND REPORTING OUTCOME) DA PERCEPÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA ENTRE PACIENTES COM E SEM COMORBIDADES SUBMETIDOS À CIRURGIA

BARIÁTRICA......................................................................................................................................87Nascimento, B.B.S. 1 ; Ribeiro, C.S. 1 ; Magalhães, I.B. 1 ; Alencar, L.R. 1 ; Almeida,C.T. 2 .

COMPARAÇÃO DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA SÍFILIS GESTACIONAL NO MUNICÍPIO DE VESPASIANO COM OS MUNICÍPIOS DE BELO HORIZONTE E BETIM

NO PERÍODO DE 2013 A 2016...............................................................................................................88Oliveira, D.M.B. 1 ; Alcântara, F.S.O. 1 ; Soares,L.A.C. 1 Mangini, M.S. 1 ; Mayrink, M.O.S. 1 ;Amaral,T.M.M. 1 ; Velloso, L.A.F. 2

ASSOCIAÇÃO ENTRE ÍNDICE DE MASSA CORPORAL E PRESSÃO ARTERIAL SISTÊMICA DE ADOLESCENTES DE

ESCOLAS PÚBLICAS DE VESPASIANO – MINAS GERAIS...................................................................891 Violante, G.D.L. 1 ; Miranda, J.E.G. 1 ; Oliveira, L.C. 1 ; Ribeiro, J.G.L. 1 ; Rates, S.P.M. 2

VALOR DO MAPA T1 PELA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA NO DIAGNÓSTICO DE MIOCARDITE

AGUDA..................................................................................................................................................90Ribeiro, B. 1 ; Andrade, G.L. 1 ; Álvares, J.F.W. 1 ; Santiago, M.L.R. 1 ;Caldeira,T.G. 1 ; Barros, M.V.L. 2

AVALIAÇÃO DE PREDITORES DE GRAVIDADE EM PACIENTES INTERNADOS COM PANCREATITE

AGUDA.................................................................................................................................................91Chimicatti, I.P.L. 1 ; Castro, P.E.F. 1 ; Lopes, T.A.T. 1 ; Mendes, G.S. 2

NARRATIVA

ORAÇÃO.............................................................................................................................92Nogueira, J.Carlos 1

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Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018

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ACIDENTE CROTÁLICO

1 Professor(a) da Escola de Veterinaria da UFMG

Soto-Blanco,B.1, Melo,M.M.1AR

TIG

O

Contato:[email protected]

[email protected]

IntroduçãoAs serpentes do gênero Crotalus, conhecidas popularmente

como cascavel, boicininga e maracamboia (Fig. 1), são robustas, não agressivas e pouco ágeis. Possuem fosseta loreal, dentição solenóglifa e um chocalho ou guizo na extremidade da cauda (Fig. 2). No Brasil, há apenas uma espécie Crotalus durissus1, com ampla distribuição geográfica, que possui as seguintes sub-espécies:

• Crotalus durissus terrificus (cascavel, boiquira) : presente em Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e áreas esparsas no Amazonas e Pará;

• Crotalus durissus collilineatus (cascavel, maracaboia) : encontrada nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal e região Sul;

• Crotalus durissus cascavella (cascavel, cascavel-quatro-ventas) : habitante da caatinga;

• Crotalus durissus ruruima (boicininga, boiçununga, maracá) : presente nas savanas de Roraima;

• Crotalus durissus marajoensis (boicininga, boiçununga, maracá) : habitante da ilha de Marajó;

• Crotalus durissus dryinus : presente no Amapá;• Crotalus durissus trigonicus :encontrada em Roraima.

1 Recentemente essa espécie havia sido reclassificada como Caudisona durissa, mas esta nomeclatura logo deixou de ser aceita.

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A identificação das cascavéis é fácil: única a possuir chocalho no final da cauda. O chocalho é constituído de segmentos córneos, que se acumulam de acordo com o número de trocas de pele. Atenção especial aos filhotes de cascavéis, pois pode ser difícil a identificação por possuírem apenas um anel córneo.

Figura 1 - Crotalus durissus terrificus (cascavel).

Figura 2 - Guizos da extremidade da cauda de Crotalus durissus terrificus.

São encontradas em campos abertos (áreas secas, arenosas e pedregosas), encostas de morros e cerrados, mas pouco frequentes em matas úmidas e faixas litorâneas. No Brasil, o acidente crotálico

(causado pelas cascavéis) corresponde a 8%. Todavia, no serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII em Belo Horizonte (MG), o acidente crotálico é o mais frequente acidente ofídico (ultrapassando mais de 50% dos casos). Essa diferença, provavelmente, está relacionada às características geográficas.

Veneno crotálicoO veneno crotálico é uma mistura complexa

de proteínas e polipeptídeos com ações neurotóxica, miotóxica e coagulante. A ação neurotóxica é provocada principalmente por uma substância denominada crotoxina, uma neurotoxina pré-sináptica. A crotoxina atua nas terminações nervosas motoras inibindo a liberação de acetilcolina pelos impulsos nervosos, provavelmente por ação em canais iônicos. Assim, há bloqueio neuromuscular resultando em paralisias motoras e respiratórias.

Outras neurotoxinas isoladas do veneno crotálico são a crotamina, a girotoxina e a convulxina, que apresentam efeitos neurotóxicos em modelos experimentais não observados em casos clínicos.

A ação coagulante ocorre por ação de alguns compostos com atividade similar à trombina, com transformação do fibrinogênio sérico em fibrina, principalmente a giroxina, alongando o tempo de coagulação (TC), ou mesmo tornando o sangue incoagulável. Além disso, foi verificado que a convulxina aumenta a agregação plaquetária. Todavia, diferentemente do acidente botrópico, a ocorrência de hemorragia é rara, pois não existe neste veneno a presença das metaloproteases.

A ação miotóxica (rabdomiólise) decorre das frações crotoxina e crotamina, produzindo ruptura de organelas. Sistemicamente, são observados focos de fibras necróticas esparsas misturadas a fibras aparentemente normais, podendo evoluir para rabdomiólise e miosite necrótica focal, resultando em mioglobinemia e mioglobinúria. Portanto, deve ser ressaltado que em pacientes acidentados, não se observa hemólise in vivo como se pensava antigamente,

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Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018

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e, portanto, não ocorre hemoglobinemia nem hemoglobinúria.

Manifestações clínicasO paciente picado por cascavel não apresenta

alterações locais e relata apenas parestesia na área da picada.

Os sinais clínicos do acidente crotálico são: paralisia flácida da musculatura (paralisia motora) inclusive paralisia facial e diafragmática, sedação, facies neurotóxicos, ptose palpebral (uni ou bilateral), flacidez de musculatura da face, dispneia, insuficiência respiratória, dor muscular generalizada (após 48h) e mioglobinúria (a coloração da urina varia de avermelhada a marrom escura e não surge antes de 12h).

Casos graves podem apresentar diminuição do nível de consciência, convulsões e até insuficiência respiratória.

A gravidade do acidente pode ser classificada como leve, moderada ou grave (Tabela 1). Vários fatores afetam a gravidade do acidente, como idade, peso e estado geral da vítima, quantidade de veneno inoculada, número de picadas, local da picada e tempo até o início do tratamento.

Tabela 1. Classificação clínica da gravidade do acidente crotálico.

Manifestações clínicas

Gravidade do envenenamento

Leve Moderada Grave

Sinais neurotóxicos

Ausentes ou tardias

Presentes Evidentes

Mioglobinúria Ausente Ausente ou presente

Presente

Oligúria ou anúria

Ausente Ausente ou presente

Presente

Provas de coagulação

Normal ou aumentado

Normal ou aumentado

Aumentado incoagulável

O acidente crotálico pode ter, como complicações, a insuficiência renal aguda (IRA) e a insuficiência respiratória aguda. A IRA é a principal causa de morte dos pacientes picados, geralmente ocorrendo nos casos graves ou tratados tardiamente.

A dispneia com insuficiência respiratória é atribuída à paralisia muscular transitória.

Achados laboratoriaisObserva leucocitose frequentemente, com

valores acima de 15.000/ul de sangue.As alterações hemostáticas são aumento no

tempo de coagulação (TC) ou não coagulação do sangue, aumento no tempo de protrombina (PT) e no tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA), redução na concentração plasmática de fibrinogênio e redução da velocidade de hemossedimentação. O aumento acentuado das atividades séricas de creatinafosfoquinase – CK (acima de 100.000 UI/L), lactato desidrogenase – LDH (aumento mais tardio) e aspartato aminostransferase (AST) e, a ocorrência de mioglobinúria são consequência da rabdomiólise. O aumento nas concentrações séricas de ureia e creatinina com oligúria ou anúria ocorrem nos casos em que há lesão renal.

O exame de urina pode revelar mioglobinúria e proteinúria.

Alterações patológicasÀ necropsia, o local da picada pode apresentar

discreto edema subcutâneo, com raras petéquias e sufusões na musculatura cardíaca. Histologicamente, as lesões descritas incluem degeneração hialina nas fibras musculares, degeneração de células de alguns túbulos uriníferos no córtex renal e discreta vacuolização de hepatócitos das zonas centrais e intermediárias do lóbulo hepático.

DiagnósticoO diagnóstico clínico dever ser feito pelo

histórico, quadro clínico apresentado e achados de patologia clínica. A confirmação do diagnóstico pode ser realizada pela detecção do veneno circulante por meio de teste ELISA.

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TratamentoO tratamento específico é feito com o soro

anticrotálico, administrado por via intravenosa o mais rapidamente possível. O paciente deverá ser monitorado após a soroterapia por meio de TC, TTPA, TP e da concentração plasmática de fibrinogênio, além da avaliação da depressão neurológica.

Diversas medidas de suporte deverão ser empregadas. A sondagem vesical é indicada para evitar a retenção urinária em decorrência da atonia vesical. É importante a hidratação com cristaloides, com o objetivo de manter o débito urinário três a quatro vezes o esperado por pelo menos 48h, para prevenção da IRA.

A intubação endotraqueal e o suporte ventilatório mecânico podem ser necessários nos casos que evoluírem com grande depressão do sensório e /ou insuficiência respiratória aguda.

PrognósticoA recuperação completa pode tardar uma semana

ou mais, podendo ocorrer complicações durante este período de evolução. Nos acidentes graves, com IRA por necrose tubular aguda, o prognóstico é reservado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASANDRADE FILHO, A. In:. Toxicologia na Prática Clínica. 2ª ed., Belo Horizonte: Folium, 2013. 675p.

ALEXANDER G, GROTHUSEN J, ZEPEDA H, SCHWARTZMAN RJ. Gyroxin, a toxin from the venom of Crotalus durissus terrificus, is a thrombin-like enzyme. Toxicon. 1988;26(10):953–960. doi:10.1016/0041-0101(88)90260-7.

AMARAL CFS, MAGALHÃES RA, REZENDE NA de. Comprometimento respiratório secundário a acidente ofídico crotálico (Crotalus durissus). Rev Inst Med Trop São Paulo. 1991;33(4):251–255. doi:10.1590/S0036-46651991000400002.

AZEVEDO-MARQUES MM, CUPO P, COIMBRA TM, HERING SE, ROSSI MA, LAURE CJ.

Myonecrosis, myoglobinuria and acute renal failure induced by south american rattlesnake (Crotalus durissus terrificus) envenomation in Brazil. Toxicon. 1985;23(4):631–636. doi:10.1016/0041-0101(85)90367-8.

AZEVEDO-MARQUES MM, HERING SE, CUPO P. Acidente crotálico. In: Cardoso JLC, França FOS, Wen FH, Málaque CMS, Haddad Jr V, eds. Animais Peçonhentos no Brasil – Biologia, Clínica e Terapêutica dos Acidentes. 2nd ed. São Paulo: Sarvier; 2009:108–115.

FRANCISCHETTI IMB, SALIOU B, LEDUC M, et al. Convulxin, a potent platelet-aggregating protein from Crotalus durissus terrificus venom, specifically binds to platelets. Toxicon. 1997;35(8):1217–1228. doi:10.1016/S0041-0101(97)00021-4.

GRANTSAU, R. As Serpentes Peçonhentas do Brasil. São Carlos: Vento Verde, 2013. 320p.

MELGAREJO, A.R. Serpentes peçonhentas do Brasil. In: CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA, F.O.S.; WEN, F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.; HADDAD JR, V. (Ed). Animais Peçonhentos no Brasil – Biologia, clínica e terapêutica dos acidentes. 2.ed. São Paulo: Sarvier, 2009. p.42-70.

YONAMINE CM, KONDO MY, NERING MB, et al. Enzyme specificity and effects of gyroxin, a serine protease from the venom of the South American rattle snake Crotalus durissus terrificus, on protease-activated receptors. Toxicon. 2014;79:64–71. doi:10.1016/j.toxicon.2013.12.002.

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ESCORPIONISMO

1 Professor(a) da Escola de Veterinária da UFMG

Soto-Blanco, B. 1 ; Melo,M.M. 1AR

TIG

O

Contato:

E-mail:[email protected]

[email protected]

IntroduçãoOs escorpiões são artrópodes quelicerados da ordem Scorpiones,

com cerca de 1.500 espécies agrupadas em 20 famílias e 165 gêneros, sendo a família Buthidae a de maior importância toxicológica. Estão distribuídos por todos os continentes, exceto a Antártida, mas a maior concentração está nas regiões tropicais e subtropicais. Habitam diversificados ambientes, incluindo desertos, cavernas profundas e altitudes superiores a 4.200 m, como nos Andes e Himalaia.

O corpo dos escorpiões é dividido em cefalotórax (prossoma) e abdome (opistossoma). Contam com quatro pares de patas torácicas e um par de palpos, mas não possuem antena. Os palpos funcionam como pinças, usadas para segurar e dominar as presas. A parte posterior do abdome (metassoma) é a falsa cauda, terminando no télson, que contêm um par de glândulas de veneno e o aguilhão ou acúleo (estrutura oca e muito fina que inocula a peçonha). A produção da peçonha pelos escorpiões tem por objetivo a alimentação (imobilização da presa e início da digestão) e defesa. A maioria das espécies possui hábito noturno, passando o dia escondidos em locais escuros.

As espécies de escorpiões encontradas no Brasil pertencem a cinco gêneros: Isometrus, Ananteris, Microtityus, Rhopalurus e Tityus. No entanto, as espécies de interesse toxicológico de nosso país pertencem ao gênero Tityus, sendo as de maior importância: T. serrulatus, T. bahiensis, T. costatus, T. fasciolatus (Fig. 1), T. metuendus, T. silvestris, T. stigmurus, T. paraensis e T. trivittatus. A maior gravidade e frequência de acidentes ocorre com T. serrulatus (escorpião amarelo), seguido por T. bahiensis (escorpião marrom) e T. stigmurus (escorpião do Nordeste).

De acordo com dados do SINAN, em 2014 foram registrados no Brasil, 88.410 casos, sendo o escorpionismo o acidente de maior incidência: 43,6 acidentes para cada 100.000 habitantes. Desse, 98 evoluíram para óbito (taxa de letalidade 0,11%). Os três estados com os maiores números de registros foram Minas Gerais (22%), São Paulo (14,2%) e Bahia (13,5%).

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Devido ao alto número de notificações, a cidade de Belo Horizonte (MG) está localizada em local definido como “solo escorpionífero”, em especial por causa de T. serrulatus.

Os escorpiões brasileiros não são agressivos, picando apenas quando tocados ou espremidos, em atitude defensiva.

Figura 1 - Tityus fasciolatus (escorpião do cerrado).

T. bahiensis é encontrado na região Sul e nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás, enquanto T. stigmurus está distribuído pela região Nordeste. T. serrulatus na região Sudeste e nos estados do Paraná, Bahia e Goiás, mas tem-se verificado expansão em sua distribuição. Um fator que tem contribuído para isso é sua elevada prolificidade pela capacidade de realizar partenogênese. Assim apenas uma fêmea pode gerar sozinha uma população. Nos habitats onde aparece T. serrulatus, há redução das demais espécies por causa da prolificidade e do canibalismo. Os indivíduos dessa espécie, geralmente, não são encontrados sozinhos, mas, sim, vários, em locais muito próximos, ou até indivíduos com as costas cheias de filhotes. Por outro lado, a densidade de T. bahiensis é menor do que a de T. serrulatus.

Os escorpiões se adaptaram muito bem às

condições oferecidas pela presença humana. Nesse sentido, lixo, entulho, pilhas de tijolos e telhas, e sujeira, somados à alimentação farta (baratas e outros insetos) e umidade, criam ambiente perfeito para a fixação dos escorpiões. A falta de competidores e de predadores, como macacos, quatis, seriemas, sapos e rãs, também permite a rápida proliferação dos escorpiões, uma vez que esses fatores contribuem decisivamente, para o controle populacional das diferentes espécies.

Composição e mecanismo de ação do veneno escorpiônico

O número total de diferentes compostos presentes no veneno dos escorpiões foi estimado em 100.000, sendo que apenas 1% é conhecido. A composição da peçonha dos escorpiões é variável entre as espécies e, também, entre os indivíduos e regiões geográficas, em decorrência das condições ambientais e tipo de alimentação. É constituída por uma mistura complexa de diferentes concentrações de proteínas com atividades hialuronidásica, fosfolipase A2, neurotoxinas principalmente sódio-dependentes, cardiotoxinas e liberadores de fosfodiesterases, endotelina, peptídeo natriurético, serotonina, citocinas, prostaglandinas, bradicininas, histamina, fatores necróticos tumorais (TNF) e fatores de ativação plaquetária. As neurotoxinas escorpiônicas agem nos canais iônicos promovendo a despolarização nervosas pós-ganglionares em praticamente todo o organismo. Mantêm uma abertura prolongada provocando disparos repetitivos dos neurônios simpáticos e parassimpáticos, causando sintomatologia de hiperexcitação autossômica e neuromuscular. Ocorre liberação maciça de adrenalina, noradrenalina, acetilcolina, glutamato e aspartato, responsáveis pelas principais manifestações clínicas.

ToxicocinéticaAlguns estudos de toxicocinética foram

conduzidos para demonstrar que a absorção do veneno após a inoculação é rápida. A distribuição da toxina do sangue para os tecidos também é rápida, alcançando,

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rapidamente, coração, pulmões e rins. Há importantes diferenças na toxicocinética entre jovens e adultos, sendo que nos jovens a absorção e a distribuição são mais rápidas e a eliminação é mais lenta.

Fisiopatologia do escorpionismoA peçonha dos escorpiões promove a

despolarização da membrana e a liberação de catecolaminas (noradrenalina e adrenalina) e acetilcolina pelas terminações neuronais nas sinapses pós-ganglionares por ativação de canais de Na+ no sistema nervoso periférico. Dependendo do neurotransmissor liberado e da fibra nervosa, os efeitos podem ser adrenérgicos ou colinérgicos. A adrenalina e a noradrenalina são responsáveis por aumento da pressão arterial, arritmias cardíacas, vasoconstrição periférica e, eventualmente, insuficiência cardíaca, edema pulmonar agudo e choque. A acetilcolina promove aumento das secreções lacrimal, nasal, salivar, brônquica, sudorípara e gástrica, tremores, espasmos musculares, mioses e redução da frequência cardíaca.

Toxinas do veneno dos escorpiões também promovem ativação de receptores de taquicinina NK1. Há ativação de nervos sensitivos por ação nos canais de Na+, com liberação de neuropeptídeos, especialmente a substância P, agente sensibilizador de outras terminações nervosas afastadas do local lesionado. A ativação dos receptores NK1 resulta em contração da musculatura lisa intestinal e inflamação. Os receptores NK1 , presentes em mastócitos, quando ativados, promovem liberação de mediadores do processo inflamatório, incluindo o fator ativador de plaquetas (PAF), interleucinas IL-1, IL-2, IL-6 e IL-10 e leucotrienos. Esses mediadores podem ser responsáveis por edema pulmonar em decorrência do aumento da permeabilidade capilar pulmonar, além das alterações hemodinâmicas produzidas pela hipertensão.

No estômago, a peçonha de T. serrulatus induz a liberação de acetilcolina e histamina, aumentando o

volume gástrico, a secreção de pepsina e a produção de ácidos com a consequente redução no pH gástrico. A cimetidina e a atropina revertem estes efeitos.

O veneno dos escorpiões do gênero Tityus deve ser considerado como responsável por moderada toxicidade reprodutiva. O veneno de T. serrulatus promoveu contração do útero de ratas não prenhas, provavelmente mediante liberação de acetilcolina e estimulação de receptores muscarínicos. Assim, é possível que esse veneno possa favorecer a ocorrência de abortamentos.

Manifestações clínicasO escorpionismo deve ser sempre avaliado na

primeira abordagem como atendimento de emergência, mesmo considerando que 90% dos quadros sejam considerados leves ,especialmente em crianças abaixo de seis anos de idade.

A gravidade do acidente varia de acordo com a quantidade de peçonha aplicada, espécie do escorpião (T. serrulatus são os que promovem os quadros mais graves), condições do télson, número de ferroadas, a predominância dos efeitos (simpáticos ou parassimpáticos), peso e idade da vítima (jovens e idosos são mais sensíveis) e variação individual.

Os casos podem ser classificados em leves, moderados e graves (Quadro 1). Uma característica comum do escorpionismo é o rápido início dos sinais clínicos após a picada, por causa da rápida distribuição dos componentes do veneno inoculado, e a gravidade pode ser determinada em até duas horas após o acidente.

Há dor intensa no local, que inicia imediatamente após a picada, podendo ser de intensidade moderada apenas no local ou muito intensa, irradiando-se para todo o membro acometido. Pode ocorrer hiperemia que se caracteriza por mancha avermelhada no local da picada. Piloereção, sudorese e alterações térmicas podem estar presentes.

As manifestações sistêmicas incluem lacrimejamento, rinorreia, náuseas, vômitos, sialorreia, agitação ou sonolência, taquicardia, taquipneia e

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picos hipertensivos. Nos casos graves, também podem ser observados vômitos profusos, contínuos e até sanguinolentos, hipotermia, hipermotilidade gastrintestinal, taquicardia sinusal ou bradicardia, arritmias cardíacas, extra-sístoles, taquipneia, hiperpneia, ou bradipneia, hipertensão ou hipotensão arterial, insuficiência cardíaca congestiva, edema agudo do pulmão e choque. As principais manifestações neurológicas são agitação (crianças), tontura, cefaleia, nistagmo, ansiedade, delírio, desorientação, hemiplegia e/ou monoplegia (raras). As alterações neuromusculares tais como, tremores, mioclonias, contrações musculares e convulsões (prognóstico ruim) podem ocorrer nos casos graves. A morte geralmente ocorre por colapso cardiovascular, mas também pode decorrer de edema pulmonar.

Quadro 1: Classificação da gravidade do acidente escorpiônico de acordo com os sinais clínicos observados.Classificação Sinais clínicosLeve Dor e paresteria locaisModerado Dor local intensa, náuseas, vômitos,

sialorreia, agitação, taquicardia, taquipneia

Grave Sinais da forma moderada associados a algum dos seguintes sinais: vômitos profusos, prostração, convulsões, bradicardia, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias cardíacas, edema pulmonar, choque, coma

Exames complementaresAlguns exames são fundamentais, como

o exame eletrocardiográfico (ECG) que deve ser seriado e revelar taquicardia sinusal com complexos ventriculares prematuros, marca-passo migratório, depressão do segmento ST e bloqueio atrioventricular.

Ao exame ecocardiográfico, podem ocorrer alterações da função ventricular e da fração de ejeção, hipocinesia ventricular (graus variáveis), semelhante ao que ocorre na cardiomiopatia dilatada. Pode surgir

vasoconstrição coronariana por ação das catecolaminas (liberação maciça), propiciando o comprometimento da perfusão coronariana miocárdica.

Na bioquímica sanguínea, pode-se constatar hiperglicemia, hipocalemia, aumento das atividades séricas de amilase, creatinaquinase (CK), creatinaquinase fração MB (CK-MB), aspartato aminotransferase (AST) e lactato desidrogenase (LDH), e aumento sérico de troponina I, cortisol e insulina.

No hemograma, pode ocorrer aumento no hematócrito, concentração de hemoglobina e número de eritrócitos, mas sem alteração nos índices hematimétricos, o que caracteriza policitemia relativa. Essa policitemia, provavelmente, é causada por contração esplênica por ação das catecolaminas, mas a desidratação também pode contribuir. Outro achado hematológico é a leucocitose por neutrofilia, que é atribuída à recirculação dos neutrófilos do compartimento marginal para o circulante, por ação das catecolaminas e de citocinas pró-inflamatórias. Também pode surgir, em casos graves, glicosúria, proteinúria e cetonúria.

A trombose intravascular e coagulação intravascular disseminada ( CID ) também podem estar presentes, provavelmente por ação das catecolaminas. Pode ocorrer alcalose metabólica compensatória à liberação de HCl estomacal ou acidose respiratória promovida pelo edema pulmonar.

É importante realizar urinálise que poderá fornecer parâmetros de gravidade, como a eliminação de glicose e proteínas.

Lesões patológicasOs achados macroscópicos incluem áreas

de petéquias e equimoses difusamente distribuídas pela superfície dos pulmões e coração com área de coloração mais clara, em formato de cunha no ápice, sugestiva de infarto. As lesões histopatológicas descritas incluem alterações degenerativas das fibras musculares cardíacas, áreas necróticas com

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infiltração de polimorfonucleares, lesões hemorrágicas em subendocárdio, subepicárdio e pulmonares, e microtrombos em capilares decorrentes da CID. Nos pulmões pode ocorrer edema. No pâncreas, pode ocorrer degeneração citoplasmática em células acinares e pancreatite hemorrágica aguda.

DiagnósticoO teste ELISA pode ser usado rotineiramente,

para detectar antígenos circulantes do veneno em pacientes picados por T. Serrulatus. Esse teste é eficaz apenas em casos moderados e graves, pois possui sensibilidade insuficiente para detectar os antígenos em casos leves, com apenas dor no local da picada.

TratamentoO tratamento inicial deve ser direcionado para o

suporte de vida.O tratamento específico é feito com o soro

antiescorpiônico específico (SAE) por via intravenosa. Deve ser feita o mais rapidamente possível, pois a presença de hialuronidases na peçonha torna a absorção das toxinas imediata. O uso do soro antiescorpiônico é seguro, sendo pequena a frequência e a gravidade das reações de hipersensibilidade precoce.

Combater as manifestações clínicas e proporcionar alivio à dor.

Todos os casos considerados graves requerem monitoração do paciente quanto às frequências cardíaca e respiratória, pressão arterial, oxigenação, estado de hidratação e equilíbrio hidroeletrolítico. O eletrocardiograma é importante ferramenta para o monitoramento cardíaco do paciente.

PrognósticoO prognóstico do envenenamento escorpiônico

quase sempre é bom, exceto nos quadros de intoxicações graves, principalmente em crianças. As complicações e os óbitos podem ocorrer nas primeiras 24 horas, consideradas críticas e que necessitam de acompanhamento clínico.

Prevenção dos acidentes O combate aos escorpiões com praguicidas é pouco eficaz, pois eles se escondem em buracos e frestas, dificultando seu contato com o produto. No entanto, alguns cuidados podem ajudar a combater os escorpiões e, consequentemente, prevenir a ocorrência de acidentes, incluindo:

• manter limpos os jardins, quintais e terrenos baldios;

• eliminar baratas e cupins (alimentos dos escorpiões);

• manter plantas distantes das paredes e, de preferência, em suportes de ferro que elevem os vasos do chão;

• preservar os inimigos naturais dos escorpiões, como lagartos, galinhas, seriemas, corujas e lagartixas (os sapos se alimentam de escorpiões e , também , apresentam hábitos noturnos, mas podem causar acidentes, principalmente em cães).

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ARANEÍSMO

1 Professor (a) da Escola de Veterinária da UFMG.

Martins,G.C. 1 , Martins,M. M.1 , Soto-Blanco,B. 1AR

TIG

O

Contato:E-mail: [email protected]; [email protected], [email protected]

IntroduçãoExistem mais de 30 mil espécies de aranhas descritas no

mundo, sendo a grande maioria peçonhenta. De acordo com o Portal de Saúde (Ministério da Saúde do Brasil), os gêneros de importância em saúde pública são: Loxosceles (aranha-marrom), Phoneutria (aranha armadeira ou macaca) e Latrodectus (viúva-negra). Entre essas, a maior causadora de acidentes é a Loxosceles.

Segundo dados epidemiológicos do Ministério da Saúde, há aumento assustador nos acidentes por aranhas em humanos no Brasil. Como exemplo, pode-se mencionar duas regiões do Brasil, Sul e Sudeste, onde estão concentrados mais de 90% desses acidentes: no Sudeste, ano 2000, foram registrados 1.438 acidentes e, no ano de 2016, 8.546. No Sul, ano 2000, foram registrados 1.427 acidentes e, no ano de 2016, 17.362 acidentes humanos foram notificados. Ou seja, em 2016 foram notificados cerca de 26.000 acidentes.

Loxosceles sppO gênero Loxosceles é responsável por 40% dos acidentes

humanos no Brasil cujo veneno apresenta elevada toxicidade. A síndrome clínica produzida pela picada dessa aranha é denominada de loxoscelismo e pode desenvolver-se de duas formas distintas: cutânea, caracterizada por alterações clínicas locais, com ferida dermonecrótica de difícil cicatrização; e a forma cutâneo-visceral, em que são observadas alterações sistêmicas importantes, como insuficiência renal aguda e distúrbios de coagulação sanguínea que podem resultar em óbito.

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Aspectos biológicos

As aranhas do gênero Loxosceles pertencem à família Sicariidae, composta por dois gêneros e 122 espécies. São popularmente conhecidas como “aranha marrom” por apresentarem coloração que varia do marrom claro ao marrom escuro. São aranhas de pequeno porte com tamanho corporal médio entre 8 a 15 mm de comprimento e patas alongadas que chegam a 30 mm. Apresentam dimorfismo sexual, sendo que o macho tem o corpo menor e patas mais longas que as das fêmeas. Algumas características específicas auxiliam na sua identificação, como o formato do cefalotórax semelhante à de um violino, e a disposição dos seis olhos, em pares, com um par frontal e outros dois laterais. Possuem hábito noturno e habitam locais intradomiciliares como móveis, porões e despensas e são consideradas aranhas pouco agressivas e sedentárias, por isso a maioria dos ataques ocorre quando acidentalmente comprimidas contra o corpo.

Os acidentes ocasionados por sua picada já foram descritos na América, Europa, Ásia, África e Oceania. Muitas espécies já foram identificadas no Brasil, sendo L. laeta, L. intermedia, L. amazônica, L. hirsuta, L. similis e L. gaucho as de maior distribuição.

Caracterização do veneno

Estudos revelaram a presença de diversas enzimas no veneno da Loxosceles spp dentre as quais se destacam a fosfolipase-D, hiauloronidase e metaloproteases (Quadro 1).

Quadro 1- Identificação e função das principais enzimas encontradas no veneno de Loxosceles

ENZIMA FUNÇÃO

Fosfolipase D (esfingomielinase D)

Catalisa a hidrolise da esfingomielina, resultando na formação de ceramida-fostato e colina, capazes de produzir lesões dermonecróticas, hemólise e agregação plaquetária e leucocitária.

Metaloproteases Apresentam atividade fibrinogenolítica e gelatinolítica, resultando em distúrbios hemostáticos.

Hiaulunoridase Hidrólise do tecido conjuntivo e degradação do ácido hialurônico, facilitando a penetração dos componentes do veneno em vários compartimentos celulares e teciduais e contribuindo pelo espalhamento gravitacional da lesão.

Manifestações clínicas

As alterações cutâneas e viscerais observadas ocorrem devido a múltiplos fatores, envolvendo dano tecidual direto pelo veneno, injúria vascular secundária pela formação de microtrombos e liberação de enzimas pelos polimorfonucleares. A trombose da microvasculatura é, provavelmente, o evento inicial para a formação da ferida9. Por sua vez, a ação dos polimorfonucleares tem importância fundamental na inflamação e necrose observadas, uma vez que a depleção de seus componentes em cobaias inibiu hemorragia, infiltração de leucócitos e reduziu, acentuadamente, o edema no local de inoculação do veneno de Loxosceles. No entanto, sabe-se que a ação dos polimorfonucleares não é induzida, diretamente, pelo veneno e ,sim, por outros fatores intrínsecos do organismo. Os estudos de ativação celular pelo veneno loxoscélico sugerem que muitos mediadores pró-inflamatórios solúveis têm papel importante no desenvolvimento da lesão.

Apesar de o veneno de Loxosceles ser uma mistura complexa de substâncias, sabe-se que a enzima com maior importância na dermonecrose é a fosfolipase D, que interage com a membrana celular, desencadeando reações, envolvendo o sistema complemento, plaquetas e leucócitos.

Loxoscelismo cutâneo

A apresentação cutânea ocorre em cerca de 80% dos acidentados e, na maior parte das vezes, é caracterizada por lesão dermonecrótica. A picada da aranha Loxosceles geralmente é indolor e pouco valorizada pelo paciente. Porém, nas primeiras seis horas após o acidente, observam-se, no local, edema e eritema. Após 24 horas, a lesão evolui com áreas equimóticas mescladas com palidez, chamada de placa marmórea”, por apresentar centro necrótico circundado por anel isquêmico esbranquiçado em um fundo eritematoso. Há alastramento gravitacional da lesão, aumento exacerbado do edema, dor e evolução para lesão dermonecrótica que pode ocorrer até uma semana após a injúria. A ferida evolui para uma úlcera geralmente dolorida e de difícil cicatrização, podendo demorar meses para a reparação completa.

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Figura 1 - Lesão dermonecrótica no dorso de coelho após inoculação de veneno de aranha Loxosceles laeta.

Loxoscelismo cutâneo-visceral (cutâneo hemolítico)

O loxoscelismo cutâneo visceral é menos comum (aproximadamente 15% dos casos), porém, além da lesão dermonecrótica, observam-se alterações que podem levar o paciente a óbito. As alterações clínicas e laboratoriais mais comuns incluem choque, icterícia, hemólise intravascular associada à hematúria e hemoglobinúria, trombocitopenia e leucocitose.

As manifestações da hemólise são observadas, mais frequentemente, nos dois a três primeiros dias do acidente. Entretanto, podem ocorrer mais tardiamente, até na segunda semana pós acidente.

A coagulação intravascular disseminada (CID) é evento incomum, e sua patogenia ainda não é bem esclarecida. O veneno de Loxosceles é capaz de promover agregação plaquetária e trombocitopenia horas após o envenenamento, devido ao consumo intenso de plaquetas no local da ferida, assim como possível ação direta e transitória do veneno na medula óssea.

A observação do número de leucócitos na circulação sanguínea é variável e dependente do tempo de coleta após o envenenamento, assim como da dose do veneno aplicada. Geralmente observa-se leucopenia nas primeiras horas após o acidente relacionada à

neutropenia. Esse fato ocorre pela migração massiva de neutrófilos para o tecido, horas após o acidente, resultando em decréscimo transitório de leucócitos na circulação sanguínea. A leucocitose é observada dias após o envenenamento, principalmente pelo aumento da produção medular.

Os pacientes podem evoluir com insuficiência renal aguda (IRA) que ocorre pela ação direta do veneno, decorrente do edema glomerular e nefrose tubular, bem como pelo depósito de hemoglobina nos túbulos renais advindos da intensa hemólise intravascular. Além disso, a presença de rabdomiólise decorrente do extenso dano tecidual no local da picada deve ser considerada como fator adicional que pode contribuir para a IRA. Os efeitos nefrotóxicos do veneno são demonstrados com base nas alterações laboratoriais de pacientes acometidos que resultam em aumento de ureia e creatinina, proteinúria, hematúria e hemoglobinúria.

Observou-se, também, ligação direta do veneno no coração e no fígado, associados ao aumento de creatinafosfoquinase (CK) e fração cardíaca (CK-MB), quatro horas após a inoculação de veneno de L. intermedia em camundongos, e das enzimas hepáticas seis horas após a inoculação, sugerindo ação tóxica do veneno nesses tecidos.

Alterações histopatológicasOs achados histopatológicos mais importantes

dependem do tempo de coleta do material após inoculação do veneno. Geralmente observa-se edema, trombose e áreas hemorrágicas iniciais, seguidos por infiltrado inflamatório predominantemente neutrofílico e necrose de coagulação na epiderme e derme.

Diagnóstico O diagnóstico definitivo do loxocelismo dificilmente é baseado na identificação da aranha, já que, geralmente, a picada é indolor e depende da sua captura. Portanto, o diagnóstico ante mortem geralmente é presuntivo, baseado na anamnese, epidemiologia, sinais clínicos e perfil sanguíneo associados.

Apesar de alguns testes imunodiagnósticos já terem sido descritos, não há exame complementar específico na rotina médica. Qualquer doença que leve à alteração cutânea e necrose tecidual local, deverá

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ser considerada para fins de diagnóstico diferencial de loxoscelismo.

Tratamento Na Medicina humana utiliza-se o soro antiloxoscélico (SALox) , ou o soro antiaracnídico (SAA), de acordo com protocolo médico de cada região. Segundo o Ministério da Saúde, sua utilização varia de 12 a 70% de acordo com a região do Brasil analisada. As recomendações para utilização do antiveneno dependem da classificação de gravidade.

Os corticosteroides fazem parte do protocolo de tratamento do loxoscelismo humano no Brasil e a prednisona é a droga mais comumente prescrita.

Em alguns casos são necessários analgésicos na primeira semana quando o quadro inflamatório e a dor são mais importantes. Em geral, dipirona é suficiente para controle da algia. Antihistamínicos também são indicados em casos com exantema e prurido (hidroxizina, loratadina, fexofenadina ou dexclorfeniramina).

Os antibióticos são indicados e nos casos que evoluem com infecção secundária (cefalexina). Quando a área de necrose é muito extensa , indica-se cirurgia reconstrutiva a fim de promover e acelerar o processo cicatricial.

A utilização profilática de fluidoterapia é indicada para evitar lesão renal mais grave e aumentar a taxa de filtração glomerular para se evitar depósito de hemoglobina nos túbulos renais. Na presença de oligúria, diuréticos devem ser administrados após correta hidratação.

Phoneutria spp

IntroduçãoA aranha Phoneutria nigriventer, conhecida

como armadeira (Fig. 2), possui comprimento médio do corpo de 3,5 cm e tamanho máximo da perna de 5,0 cm; abdômen preto e corpo coberto com pelo curto, castanho. O dorso tem padrões formados por pares de pontos de luz dispostos em faixas longitudinais e linhas oblíquas de menor ponto para o lado lateral. É extremamente agressiva, com hábitos noturnos e irregulares, caçando e alimentando de uma grande variedades de animais, incluindo muitas espécies de insetos, outras aranhas, pequenos roedores, etc.

Figura 2 – Aranha armadeira (Phoneutria nigriventer).

P. nigriventer não constrói teias e seu sucesso como predador é ,em parte ,explicado pela diversidade de potentes toxinas presentes no seu veneno. Esta aranha assume uma posição muito característica quando perturbada, ficando de pé sobre as patas traseiras, mantendo as pernas da frente levantadas mesmos se seus potenciais inimigos são muito maiores que ela, como os animais domésticos.

Mecanismo de ação do venenoO principal efeito neurotóxico do veneno

parece surgir a partir da sua ação sobre os canais de Na+ voltagem dependentes, os quais podem induzir a repetidos potenciais de ação nas membranas de nervos e de fibras musculares. A fração do veneno chamada de PnTx2 foi capaz de aumentar e facilitar a ativação dos canais de Na+, elevando a entrada de Na+ em sinaptossomas corticais, induzindo a despolarização de membrana, entrada de cálcio e glutamato, e liberação de outros neurotransmissores, como a acetilcolina. O veneno também é capaz de causar alterações morfológicas em fibras nervosas, como acúmulo de líquido no espaço periaxonal de fibras mielinizadas.

Outro efeito do veneno é sua ação sobre as diversas classes de canais de cálcio, bloqueando a entrada deste em terminais nervosos, inibindo a liberação de neurotransmissores. Este bloqueio do influxo de cálcio é determinado por várias frações do veneno, como a PnTx-3 (toxinas de 1 a 6).

Apesar de possuírem comportamento noturno, muitos dos acidentes ocorrem principalmente durante o dia, em ambientes domésticos , porque elas se escondem dentro de casa, sapatos e roupas.

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Mãos e pernas são os locais mais afetados em humanos.

Manifestações clínicasA picada da Phoneutria causa dor acentuada

e irradiante, e vários sintomas graves, caracterizados por cãibras, tremores, convulsões tônicas, paralisia espástica, priapismo, lacrimejamento, sialorreia, arritmias, distúrbios visuais e sudorese. Estes sintomas são,comumente, mais graves em crianças, e se esse envenenamento não for tratado, pode levar à morte.

Envenenamentos graves também podem causar bradicardia, hipotensão arterial, insuficiência cardíaca, arritmias cardíacas, choque , dispneia, depressão neurológica de vários tipos, convulsões, edema pulmonar agudo e colapsos cardio-respiratórios.

Exames complementares Podem ser solicitados hemograma, glicemia, ionograma, eletrocardiograma seriado e radiografia de tórax. Podem ser encontrados: leucocitose, hiperglicemia, arritmias e sinais sugestivos de edema agudo do pulmão.

Tratamento Os casos leves, com presença de discretos sinais locais (eritema e edema) são tratados com analgésicos comuns. Também pode ser feita anestesia local, bloqueio com lidocaina a 2% sem vasoconstritor. Em casos de dores fortes , não responsivas a analgésicos comuns, poderá ser útil a aplicação de soro antiaracnídico (SAA), obviamente casos graves, especialmente em crianças.

Latrodectus

IntroduçãoAs aranhas da espécie Latrodectus curacaviensis

conhecida como “viúva negra” são pequenas, com 2,0 cm de envergadura e 1,5 cm de corpo, sendo o macho ainda menor. Podem ser pretas com faixas vermelhas. Latrodectus geometricus, também conhecida como “viúva marrom”, tem o corpo marrom com desenhos geométricos claros: é a espécie mais comum, com maior distribuição geográfica no Brasil. Fazem teias ligando cantos e frestas de domicílios.

Mecanismo de ação do veneno O veneno tem ação neurotóxica potente, com efeito central e periférico. É composto de peptídeos, fosfodiesterase, hialuronidase e possui importante fração neurotóxica

denominada alfa-latrotoxina. Libera neurotransmissores adrenérgicos e colinérgicos por ação no Sistema Nervosos Autônomo, levando a alterações nos canais de sódio e potássio.

Manifestação clínica Ocorre dor no local da picada (15 a 60 minutos após), sudorese, mialgia, eritema escleral, câimbras, dor abdominal, arritmias cardíacas, fasciculações musculares, contrações dos membros e convulsões nos casos graves.

Exames complementares Leucocitose, hiperglicemia e alterações de ECG (fibrilação atrial e bloqueio átrio-ventricular).

TratamentoSintomático: analgésicos em casos de dor,

benzodiazepínicos e anticolinesterásicos.

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ACIDENTES POR PICADAS DE ABELHAS

1 Professor (a) da Escola de Veterinária da UFMG.

Soto-Blanco,B.1, Melo, M.M.1

AR

TIG

O

Contato:

E-mail: [email protected] [email protected]

IntroduçãoAs abelhas Apis mellifera são híbridas africanizadas, resultantes de cruzamento entre abelhas europeias e africanas. Caracterizam-se pelo marcante comportamento defensivo, com ataques em massa.O ferrão é uma modificação do aparelho ovopositor e está presente apenas nas fêmeas das abelhas. O veneno é produzido por células da glândula do veneno e injetado no momento da ferroada. Quando o ferrão é introduzido, ele fica preso junto com a glândula do veneno no local da ferroada e permanece liberando gradualmente o veneno. A perda do ferrão e estruturas associadas são fatais para a abelha. Cada abelha pode desferir apenas uma ferroada, mas como são insetos socais, a aproximação à colmeia pode resultar no ataque de grande número de abelhas.

Composição do venenoO veneno das abelhas é composto pelas enzimas fosfolipase A2 e hialuronidase, pelos peptídeos melitina, apamina, peptídeo degranulador de mastócitos (PDM) e outros peptídeos, e aminas biogênicas. A concentração dos diferentes componentes do veneno é diretamente influenciada pela idade da abelha.A fosfolipase A2 promove a desestruturação da membrana citoplasmática por destruição de fosfolípides nela presentes, resultando em lise celular. A hialuronidase promove a difusão do veneno pelos tecidos por meio da hidrólise do ácido hialurônica, afetando as junções celulares. As fosfolipases, melitina e hialuronidase são os principais compostos alérgenos que predispõem às reações de hipersensibilidade.

O peptídeo melitina é a toxina mais abundante do veneno das abelhas, constituindo-se em cerca de metade do peso seco deste veneno. Atua de forma sinérgica com a fosfolipase A2, promovendo danos nas membranas celulares e mitocondriais de diversos tipos celulares. O ácido araquidônico pode ser liberado em consequência

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do dano celular. A apamina, outro peptídeo presente no veneno das abelhas, afeta o sistema nervoso central e periférico mediante ativação dos receptores muscarínicos inibitórios M2 e bloqueio dos canais de potássio ativados por cálcio, mas sua importância clínica ainda é incerta.O PDM atua sobre mastócitos e basófilos, promovendo a liberação de histamina, serotonina, produtos da quebra do ácido araquidônico e fatores com ação em plaquetas e eosinófilos. Os peptídeos secarpina, tertiapina e procamina , provavelmente, não apresentam importância toxicológica e teriam a função de repelir outros insetos.As aminas biogênicas presentes no veneno das abelhas são a histamina, a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. A quantidade de histamina presente no veneno é muito menor do que aquela liberada por ação do PDM, servindo como proteção contra outros insetos.

Manifestações clínicasO acidente por abelhas pode causar três tipos de reações: local, tóxica sistêmica e anafilática.A reação local ocorre quando o paciente sofre uma ou poucas ferroadas. Vítimas de enxame, podem chegar ao pronto-atendimento com abelhas nas narinas, boca, ouvidos e cabelos. Os efeitos são restritos ao local do ataque, com rápida instalação de dor, eritema e edema, que podem persistir por algumas horas ou, eventualmente, dias. A área mostra uma zona central clara, onde se encontra o ferrão, circundado por um halo avermelhado. Alguns pacientes desenvolvem edema progressivo acometendo todo o membro 24 a 48 horas após. A reação tóxica sistêmica manifesta após múltiplas picadas (mais de 100 picadas), com inoculação de grande quantidade de veneno. Pode-se observar agitação psicomotora, vômitos, diarreia, dispneia, hemoglobinúria, icterícia, convulsões, depressão do sistema nervoso central, hipertermia e choque. Esses pacientes podem evoluir para insuficiência renal aguda (IRA). A IRA resulta de necrose tubular aguda tóxico-isquêmica.

A rabdomiólise instala-se rapidamente, com deposição de mioglobina na urina (podendo torná-la escura em alguns casos). Raramente, ocorre comprometimento cardíaco secundário (vasoespasmo coronariano e infarto agudo do miocárdio).

A reação anafilática é reação do sistema imunológico

em indivíduos sensíveis que foram anteriormente picados e pode ser desencadeada por uma única ferroada. Outros sinais clínicos associados à reação anafilática incluem angioedema, prurido e urticária. Nos casos graves potencialmente fatais, há edema de glote e broncoespasmo.

Achados laboratoriaisOs achados da hematologia incluem anemia regenerativa com hemoglobinemia, leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda e trombocitopenia. Na bioquímica observa-se aumento sérico de alanina aminostransferase (AST), creatinofosfoquinase (CK) e da fração miocárdica (CK-MB). Também são observadas elevação de bilirrubinas, ureia e creatinina. A urinálise pode revelar hemoglobinúria e/ou mioglobinúria.Ionograma e gasometria arterial também são úteis na abordagem de distúrbios hidro-eletrolíticos e ácido-básicos. O nível sérico de lactato é importante para avaliação do tratamento do choque.

Achados patológicosNa reação tóxica sistêmica, os achados necroscópicos incluem ferrões encravados na pele, icterícia generalizada, fígado de coloração alaranjada e rins escurecidos. Microscopicamente, podem ser observados necrose de hepatócitos centrolobular e nefrose hemoglobinúrica.

TratamentoAdministração de anti-histamínicos, analgésicos e compressas geladas para diminuição da dor e do edema. Também pode ser usado corticoterapia oral de curta duração. As convulsões podem ser controladas com benzodiazepínicos.

O tratamento das reações anafiláticas deve ser feito com medidas iniciais de ABC: via área pérvia, oxigenoterapia em alto fluxo, intubação endotraqueal ou cricotireoidomia de urgência. Deve-se monitorar com oximetria de pulso, pressão arterial não-invasiva e eletrocardiografia contínua. A adrenalina é a droga de primeira linha para tratamento dos casos graves.

Em qualquer caso de ferroada por abelhas, o ferrão deverá ser removido da pele. Como a glândula associada ao ferrão que ficou na pele pode ainda conter veneno, deve-se tomar cuidado para não comprimir a glândula. Assim, a remoção dos ferrões deverá ser feita por meio de raspagem.

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FATORES NEUROTRÓFICOS E REGENERAÇÃO NEURAL: PERSPECTIVAS E AVANÇOS EM TERAPIAS.

1 Professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)2 Acadêmica de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto

De Paula, T.P. 1 ; Souto, C.P.P 2

AR

TIG

O

Contato:E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

Fatores neurotróficos são peptídeos essencialmente sintetizados e liberados durante processos de regeneração por células de tecidos que tiveram suas fibras nervosas lesadas. Alguns deles são produzidos sob estímulo para determinar a estabilidade, sobrevivência e a regulação necessária dos neurônios periféricos em seus territórios de inervação. Muitos estudos apontam importantes atuações na plasticidade neural. Avanços atuais da neurociência permitem analisar, em pormenores, sua atuação e seu potencial terapêutico. Muitas esperanças são atribuídas em pesquisas que envolvem a ação de fatores neurotróficos como possíveis acionadores da diferenciação de células tronco pluripotentes e embrionárias, recursos inesgotáveis de possibilidades para a reversão de quadros ou déficits neurológicos considerados irreversíveis. Merece importância ,também , o fator neurotrófico derivado da glia (GDNF), para reversão de lesões medulares.

Palavras-chave: fatores neurotróficos, regeneração, terapias.

1. FATORES NEUROTRÓFICOS E SUAS FUNÇÕES GERAIS

Os fatores neurotróficos constituem grupo heterogêneo de polipeptídios solúveis, que atuam na sobrevivência, diferenciação, manutenção interna e, quando possível, na regeneração axonal de fibras nervosas, altamente organizadas e especializadas em ambos os sistemas nervosos central e periférico. Agem através do acoplamento em receptores específicos, expressos por terminações nervosas amplamente distribuídas e podem ser sintetizados e liberados tanto por neurônios quanto por células efetuadoras, em caráter parácrino e autócrino, de forma não constitutiva (SOFRONIEW, 2001; LEPOUSEZ, 2015; MEIRELLES, 2017). No SNC (sistema nervoso central), apesar da vasta abundância de células capazes de produzi-los, a regeneração é considerada baixa ou ineficiente, o que em parte pode ser atribuído pela ausência de matriz extracelular, devido ao alto grau de compactação das células dos estratos de formação de tratos e fascículos do tecido

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nervoso central (SULLIVAN, 2016). Nesse contexo, a presença da matriz extracelular é fator importante no processo regenerativo. A ausência de matriz extracelular, torna os fatores neurotróficos incapazes de se difundir e serem distribuídos até serem captados por receptores ativos expressos em partes específicas das células lesadas.Em contrapartida, o SNP (sistema nervoso periférico) apresenta condições favoráveis à regeneração de fibras nervosas periféricas perdidas ou lesionadas, associado à abundante presença de líquidos intersticiais que determinam a facilidade de difusão desses fatores solúveis, distribuídos de forma contínua e eficiente, captados por células-alvo de diferentes tipos (MEIRELLES, 2017). Células-alvo de neurônios, além de células gliais, fibroblastos e fagócitos podem constituir suporte trófico necessário durante os processos de regeneração de fibras nervosas e já é bem demonstrado que os níveis de fatores neurotróficos diferem daqueles encontrados no tecido não lesado. Após secção ou diminuição de fibras nervosas periféricas, a expressão destes fatores encontra-se significativamente aumentada, com retorno aos padrões normais após cessar o processo de regeneração axonal.Muitas vezes, as lesões no sistema nervoso central são graves, de difícil recuperação ou mesmo irreversíveis. Do ponto de vista clínico, tornam-se importante pesquisas que levem a tratamentos ou procedimentos clínicos que restaurem o estado funcional, principalmente no contexto de lesões medulares. Diversos fatores expressos por essas células são importantes no processo regenerativo associado a atividades estimulatórias e também inibitórias, tendo até mesmo o trauma e a neuroinflamação como ponto de partida (TOMÀS, 2017; MEIRELLES, 2017). Por suas inúmeras ações, os fatores neurotróficos têm sido alvo de estudos que buscam definir potenciais terapêuticos no tratamento de doenças neurodegenerativas e a explicação básica tem relação com três principais fenômenos específicos que devem ocorrer após a lesão do sistema nervoso: atuação efetiva do sistema imune e mediadores da imunidade inata, síntese e liberação gradativa de fatores neurotróficos, captação de fatores neurotróficos pelas fibras lesadas.

2.TIPOS ESPECÍFICOS COM ÊNFASE NO NGF (FATOR DE CRESCIMENTO NEURAL)

Os fatores neurotróficos podem ser divididos em duas principais famílias, de acordo com sua homologia estrutural: a das neurotrofinas (NT) e a do fator neurotrófico derivado da glia (GDNF), cujos componentes podem agir de forma isolada ou

conjuntamente nos processos regenerativos do sistema nervoso.A família das neurotrofinas (NT) é formada por peptídeos de grande homologia, inicialmente sintetizadas com pró-neurotrofinas. Essas são posteriormente clivadas para a formação das proteínas biologicamente ativas, tornando-se, então, dímeros moleculares covalentes. Os principais representantes das neurotrofinas incluem o fator de crescimento neural (NGF), o mais amplamente investigado; o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), recentemente descrito como ativador, estabilizador e recompositor de fibras lesionadas, e as neurotrofinas 3, 4 e 5 (NT 3, 4 e 5). Dois membros foram isolados e identificados apenas em peixes. O NGF (fator de crescimento neural) é , sem dúvida , o fator mais estudado. Foi isolado e identificado com fator difusível que promove o crescimento de dendritos provenientes de neurônios simpáticos e sensitivos (MONTALCINI, 2004) em um experimento clássico sobre regeneração neural in vitro. Desempenha importante papel no desenvolvimento, diferenciação, sobrevivência de neurônios simpáticos de sensitivos provenientes da crista neural (revisão em SOFRONIEW et al., 2001). O NGF é protótipo constituído de 118 aminoácidos e possui peso molecular de 130Kda. Sua molécula é composta de 3 subunidades (α,β,γ). A subunidade β é a responsável pela manutenção biológica e a subunidade γ que, por si só, é uma protease responsável pela transformação do transcrito inicial pró-NGF em sua forma ativa. A subunidade α não tem função desempenhada ainda conhecida (TOMÀS, 2017). CAPTAÇÃO E AÇÕES ESPECÍFICAS DAS NEUROTROFINAS

As neurotrofinas exercem múltiplas funções e ações já estabelecidas em células efetuadoras, possuindo afinidade por duas classes de receptores: os pertencentes à família das tirosino-cinases A, B e C (TrKA, TrKB e TrKC) pelo receptor p75 da superfamília de receptores para o fator de necrose tumoral (TNF). Esse último representante associado às funções de ordem inflamatória. Todas as neurotrofinas descritas ligam-se, especificamente, ao receptor p75, porém com diferentes cinéticas de ligação e menor afinidade em comparação aos receptores TrK. Esses têm como característica principal a presença de domínios tirosino-cinases desencadeadores da transdução de sinais específicos intracelulares ativados por autofosforilação, que promovem o equilíbrio das dinâmicas estabelecidas pelos neurônios em domínios específicos. A molécula

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de NGF liga-se ao receptor TrKA, o BDNF e a NT4 e 5 ligam-se à TrkB enquanto NT3 liga-se a TrKC e, alternativamente, ao receptor TrK A. O receptor TrKA desencadeia, predominantemente, a ativação de fostatidilinositol-3 cinase (IP3-K) em situações envolvendo a indução da sobrevivência dos neurônios, enquanto TrkB pode desencadear vias diferentes de sinalização, tanto por IP3-K quanto por cinases ativadas por mitógenos (MAPquinases). O p75 intracelular é a principal molécula envolvida na modulação da expressão das neurotrofinas. Estudos in vitro e em camundongos demonstram que a expressão de p75 confere maior seletividade de ligação e maior intensidade de atuação dos receptores TrK. Embora o receptor p75 e TrK tenham afinidade de ligação, existem evidências da formação de complexos interativos na ausência de ligantes. Sabe-se que o complexo NGF/ receptor TrK é captado por endocitose pela terminação nervosa lesada e, muitas vezes, acumulado no pericárdio mediante transporte axonal retrogrado (LEPOUZES, 2015).

Muitos estudos comprovam ações do NGF no SNC, diretamente sobre fibras colinérgicas do prosencéfalo basal, núcleo caudado e putâmen em processos regenerativos (revisão em SOFRONIEW et al. , 2001). No SNC de adultos, está envolvido em processos de plasticidade neural, sendo diretamente associado à sobrevivência de neurônios colinérgicos. No SNP suas ações podem ser analisadas em neurônios simpáticos e sensitivos derivados da crista neural. Em contrapartida, o NGF pode estar associado também à apoptose desses neurônios. Os efeitos promovidos pela ligação do NGF em células da glia, como células de Schwann e oligodendrócitos são reconhecidos como pró-apoptóticos, quando procedente da ligação de p75, mas dependem da intensidade da ligação e interação entre os receptores TrK (MITRE, 2017).

As células que produzem fatores neurotróficos, situadas nos tecidos e órgãos, podem ser fonte de NGF. Portanto, o nível de NGF sintetizado pelo órgão ou tecido correlaciona-se com a densidade de sua inervação simpática. Muitos tipos celulares distintos são capazes de produzir NGF, tanto durante o desenvolvimento quanto na vida adulta. Dentre essas podemos citar as células gliais, queratinócitos, melanócitos, células musculares lisas, fibroblastos, cardiomiócitos. Também ocorre síntese em gônadas e glândulas como paratireoides e submandibulares, que,classicamente, são descritas como fonte de NGF, sendo produzido e

armazenado nos túbulos contorcidos granulosos das glândulas submandibulares (LEVI-MONTALCINI,R.; ANGELETTI, P.V. 1968) Curiosamente, as outras glândulas não são fonte de NGF e não se sabe o porquê exatamente sintetizam NGF e liberaram pela saliva. Sabe-se , portanto , que o animal ferido espalha saliva no ferimento e isto é intrigante no contexto biológico. Vale ressaltar também que é preciso entender as múltiplas ações e suas relações específicas com ativação de células tronco embrionárias e pluripotentes, capazes de responder, mais rapidamente, a suas ações e por sua vez levarem a processos regenerativos mais complexos, como os de perda de áreas do SNC.

ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS E FATORES NEUROTRÓFICOS

Como já dito anteriormente, muitos estudos atuais evidenciam potencial na utilização correta de fatores neurotróficos para fins terapêuticos gerais. Alguns resultados apontam que a neuro-inflamação induzida por trauma encefálico, por exemplo, induz respostas imprescindíveis no tecido lesado, associados à liberação ou utilização do BDNF por fibras lesadas do encéfalo, como resultado da existência de mecanismos endógenos neuroprotetores durante lesão traumática. O BDNF tem efeito restaurador através de associações diretas entre outros mediadores inflamatórios como IL-1, IL-1β, IL-6, TNF-α e espécies reativas de oxigênio (ROS), principalmente em troncos perivasculares do SNC, micróglia e pericitos (MEIRELLES et al, 2017). Nesse contexto, revelam potencial de utilização do BDNF, conjugado a outras moléculas como alvos de investigação e vêm propondo modelos que exploram a possibilidade de uso desses fatores como estratégias clínicas. Um deles é a utilização de secretomas (microvesículas contendo uma mistura exógena de neurotrofinas e citocinas) que, potencialmente, levam a indução e alongamento dos neurônios e de células mesenquimais provindas de áreas de memória do sistema límbico no cérebro. Isso demonstra a capacidade restauradora do BDNF conjugado para reparar funções em lesões cerebrais (MARTINS et al, 2017; SCHULZE, et al, 2017). Além disso, outros estudos evidenciam o controle nos processos de regeneração. Novamente o BDNF, mais o tratamento com inibidores de histonas deacetiladas mimeticamente possui ação efetiva para a recuperação de neurônios da retina em apoptose (DALY et al,2017).

O BDNF também tem ação estabilizadora no processo

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de expressão diferencial dos tipos de receptores de acetilcolina nas junções neuromusculares M1, M2 e M3, atua como mediação e promove o contrabalanço entre a manutenção básica na junção axonal associada e a plasticidade neural. Isso acontece por meio da ação concomitante de receptores colinérgicos muscarínicos e TrKB (TOMÀS et al, 2017) e sabe-se que o exercício físico também induz sua manutenção pelos circuitos neurais periféricos. O NGF possui papel neuroprotetor durante o trauma encefálico e sua elevação temporária associada esse potencial papel neuroprotetor. Estas evidências demonstram como a correta ativação de receptores Trk podem estar associadas à reversão de condições desfavoráveis à regeneração do SNC e como é importante a intensificação de estratégias e reversão de déficits neurológicos. (MEIRELLES et al, 2017) Porém, é bom ressaltar que o microambiente é muito importante para estabelecer as condições propícias à regeneração e que é imprescindível reconhecer e ressaltar as possíveis interações para fins de melhora clínica. Alguns autores, por exemplo, sugerem que o NGF está envolvido no mecanismo de intensificação da dor articular na osteoartrite e que a utilização de antagonistas de receptores TrKA melhora a dor articular e inibe a expressão de IL-1β na articulação (SHANG et al , 2017). Por isso, a elucidação de mecanismos regulatórios revela-se essencial para que o benefício do potencial regenerativo não dê espaço para a formação de uma disfunção, ou mesmo uma neoplasia. Deve-se, também, dar destaque às novas descobertas associadas com importante ação do GDNF (fator neurotrófico derivado da glia). Estudo divulgado recentemente relata função de manutenção, sobrevivência e diferenciação de células mesenquimais derivadas da placenta, quando transfectadas com o gene de GDNF. Essas possuem potencial reparador, quando enxertadas por microinserção em camundongos submetidos à lesão medular. Os resultados demonstram grande potencial de regeneração de novas fibras e neurônios, além de reversão do processo inflamatório (LU et al,2017).Essas evidências ressaltam a importância da compreensão de mecanismos controladores que promovam a regeneração de lesões do SNC, elucidando-se a manipulação concomitante de fatores neurotróficos, mediadores e células tronco pluripotentes, com alto poder reparador. É também imprescindível ampliar estudos clínicos que respondam de forma eficaz como os mecanismos funcionam para a correta utilização.

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Cadernos Técnicos de Saúde, no 05 - Junho de 2018

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PURIFICAÇÃO DE ANTÍGENOS IMUNOGÊNICOS DE L.CHAGASI PORCROMATOGRAFIA DE IMUNOAFINIDADE (IgG1/IgG2a) ANTI- LRPS (PROTEÍNAS RIBOSSÓMICAS DE LEISHMANIA)

1 Acadêmico do curso de Medicina da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana (FASEH)2 Acadêmico do Curso de Medicina da Faculdade de Minas (FAMINAS), Belo Horizonte - MG3 Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) , Centro Nacional dePesquisa de Milho e Sorgo (CNPMS), Núcleo de Estresse Biótico , Sete Lagoas – MG4 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Departamento de Bioquímica e Imunologia –† In memoriam5 Universidade Federal de Minas Gerais ( UFMG/COLTEC)

Coelho,V.T.S. 1 , Silva,J.A. 2 , Reis,T,A.R. 2 , Figueiredo,J.E.F. 3 , Santoro, M. M. 4 ,Coelho,E.A.F. 5

AR

TIG

O

Contato:E-mail: [email protected]

RESUMOAs leishmanioses são doenças causadas por parasitos protozoários do gênero Leishmania, sendo consideradas como uma das seis doenças tropicais negligenciadas mais importantes na atualidade. Além disso, apresentam alta incidência e grande número de pessoas estão expostas ao risco de infecção em todo o mundo. Evidências sugerem que Proteínas Ribossomais de Leishmania (LRPs) são moléculas imunologicamente relevantes na infecção humana e canina por esse protozoário. O objetivo deste trabalho foi purificar antígenos de LRPs,previamente selecionados por cromatografia de imunoafinidade,com possibilidades de induzir respostas TH1 e TH2 para posteriores testes imunológicos em modelos murinos e desafiá-los contra o parasita. O experimento constitui na preparação e extração das proteínas ribossômicas de L. chagasi a partir de formas promastigotas, seguido da produção de anticorpos anti LRPs em coelho, purificação das subclasses de imunoglobulinas de interesse e titulação dessas por ELISA. Posteriormente, as imunoglobulinas foram ligadas a resinas de sepharose e construídas duas colunas de imunoafinidade. Após a construção dessas colunas, duas frações de proteínas específicas de antígeno solúvel de L. chagasi foram purificadas. Após ensaios realizados pôde-se observar a capacidade do método apresentado em purificar as proteínas alvo que apresentaram elevada reatividade frente às LRPs, quando comparadas ao soro controle proveniente do coelho não imunizado. Dessa forma, essas proteínas antigênicas podem se constituir em potenciais ferramentas para o desenvolvimento de vacinas frente a L. chagassi.

Palavras-Chave: Leishmania, leishmaniose, vacina, proteína ribossomais, proteínas imunogênicas de leishmaniose.

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ABSTRACT

Leishmaniasis is a disease caused by protozoan parasites of the genus Leishmania and is considered one of the six most neglected tropical diseases today. In addition, they have high incidence and large numbers of people are exposed to the risk of infection worldwide. Evidence suggests that Ribosomal Leishmania Proteins (LRPs) are immunologically relevant molecules in human and canine infection by this protozoan. The objective of this work was to purify antigens from LRPs, previously selected by immunoaffinity, with the possibility of inducing TH1 and TH2 responses for later immunological tests in murine models and challenging them with the parasite. The experiment consisted in the preparation and extraction of L. chagasi ribosomal proteins from promastigotes, followed by the production of anti-rabbit LRPs, purification of immunoglobulin subclasses of interest and titration by ELISA. Subsequently, immunoglobulins were ligated to sepharose resins and two immunoaffinity columns were constructed after the construction of these columns, two fractions of purified L. chagasi soluble antigen-specific proteins. After the experiments, it was possible to observe the ability of the present method to purify the target proteins, which showed high reactivity to the LRPs when compared to the control sera from the unimmunized rabbit. In this way, these antigenic proteins are potential tools for the development of vaccines against L. chagassi.

Keywords: Leishmania, leishmaniasis, vaccine, ribo-somal proteins, immunogenic leishmaniasis proteins.

INTRODUÇÃOAs leishmanioses são doenças causadas por

parasitos protozoários do gênero Leishmania, sendo consideradas como uma das seis doenças tropicais negligenciadas mais importantes na atualidade. Além disso, apresentam alta incidência e grande número de pessoas estão expostas ao risco de infecção em todo o mundo 1.

O Brasil apresenta o maior número de casos de Leishmaniose Canina na América do Sul. Até a década de 50, a maioria dos casos se concentrava nos estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Ceará e Pernambuco, devido ao desmatamento e novos assentamentos realizados nessas localidades. Com a expansão das atividades rurais, as leishmanioses passaram a ser registradas também em outras áreas2,3

Evidências sugerem que Proteínas Ribossomais de Leishmania (LRPs) são moléculas imunologicamente relevantes na infecção humana e canina por esse protozoário. Durante a infecção pela espécie L. infantum, níveis elevados de anticorpos específicos a proteínas altamente conservadas em Leishmania são encontrados, dentre as quais se destacam a proteína de choque térmico de 70 kDa (hsp70), a histona H2A e proteínas ácidas ribossomais. Verificou-se que as LRPs são importantes para o desenvolvimento da doença no hospedeiro mamífero, sendo consideradas “pato-antígenos”, pois induzem respostas celular e humoral que se relacionam com o fenótipo da doença no hospedeiro 4.

Estudos utilizando as LRPs de L. Major, como antígeno vacinal em camundongos demonstraram que as mesmas foram capazes de induzir proteção contra a infecção experimental com a mesma espécie 5

A resposta imune à infecção por Leishmania é mediada , principalmente , por resposta celular, e o resultado clínico é dependente principalmente de respostas auxiliares T CD4+: Th1 ou Th2. Uma resposta Th1 é mediada, principalmente, por interferon-gama (IFN-γ), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α ), fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) e interleucina 12 (IL-12), estando associada com a resolução e resistência à doença. Já resposta do tipo Th2 com produção de interleucinas (IL-4) e (IL-10), confere susceptibilidade e progressão da doença no hospedeiro. Estas respostas imunes respondem pelo espectro clínico diversificado, principalmente de CL. As lesões localizadas de auto-cicatrização têm perfil predominantemente Th1 de citocinas, enquanto que as respostas mediadas por Th2 caracterizam-se por lesões difusas e não cicatrizantes. A LCM demonstra uma resposta mista, mas com uma predominância Th1, que pode explicar tanto a atividade inflamatória agressiva como a cronicidade 6

Os macrófagos estimulados com IFN-γ e IL-12 tornam-se ativados e expressam níveis elevados de óxido nítrico sintase induzível (iNOS). A síntese de óxido nítrico (NO) por iNOS é essencial para a eliminação de parasitos de macrófagos, uma vez que a ausência de iNOS por deleção genética provoca repulsão incontrolável e lesões ulcerativas no local da infecção. Por outro lado, os macrófagos estimulados com IL-4 e IL-10 expressam altos níveis

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de arginase e são denominados “alternativamente ativados” 7

Um indicativo da geração da resposta imune do tipo Th1 ou Th2 em camundongos BALB/c, diz respeito à produção dos isotipos de imunoglobulinas (IgG´s) IgG1 e IgG2a. Citocinas secretadas por células do sistema imune, tais como os linfócitos T, atuam sobre linfócitos B induzindo a mudança dos isotipos dos anticorpos IgGs produzidos por tais células. Nessa linhagem de camundongos, a citocina IL-4 induz, preferencialmente, a produção de IgG1, enquanto que o IFN-γ induz a produção de IgG2a 8

Devido à similaridade das LRPs dentre as diferentes espécies conhecidas e a resposta imune à infecção, estimulam considerar a possibilidade do uso destas proteínas em protocolos vacinais refi nados, para verifi cação da efi cácia protetora induzida contra diferentes espécies do gênero Leishmania. Dessa forma, este trabalho teve como objetivo purifi car antígenos de LRPs, previamente selecionados por cromatografi a de imunoafi ninidade, com potencialidade de induzir respostas TH1 e TH2 para posteriores testes imunológicos em modelos murinos e desafi á-los com o parasita.

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.1 - DetalhamentoA fi gura 1 demonstra o delineamento experimental do trabalho realizado. O experimento constitui-se na preparação e extração das proteínas ribossômicas de L. chagasi a partir de formas promastigotas, seguido da produção de anticorpos anti LRPs em coelho, purifi cação das subclasses de imunoglobulinas de interesse e titulação dessas por ELISA. Posteriormente, as imunoglobulinas foram ligadas a resinas de sepharose e construídas duas colunas de imunoafi nidade. Após a construção dessas colunas, duas frações de proteínas específi cas de antígeno solúvel de L. chagasi forma purifi cadas.

Figura 1 – Detalhamento experimental. Inicio da purifi cação das LRPs até a purifi cação dos antígenos de interesse em colunas de imunoafi nidades de IgG1 (pH 6.0) e IgG2a (pH 5.0).

2.2 - PARASITASA amostra MHOM/BR/1970/BH46 de L. chagasi foi cedida pelo Departamento de Parasitologia (ICB/UFMG). Os parasitas foram cultivados em meio Schneider’s completo acrescido com 20 % de Soro Fetal Bovino inativado, 20 miliMolar (mM) de L-glutamina, 50 microgramas por mililitro (µg/mL) de gentamicina, 200 unidades por mL de penicilina e 100 µg/mL de estreptomicina, em pH 7,4.

Os parasitas permaneceram em cultivo a 24°C em estufa de CO2, sendo que repiques das culturas foram efetuados de cinco em cinco dias. Foram feitos estoques de parasitas congelados em glicerol estéril e armazenados em nitrogênio liquido.

2.3 - PREPARAÇÃO DO EXTRATO PROTEICO SOLÚVEL DE LEISHMANIAA amostra de L. chagasi foi cultivada em meio de cultura Schneider’s completo e incubada a 24°C. Decorridos alguns dias de cultivo e constatadas a viabilidade e ausência de agentes contaminantes, os parasitas foram quantifi cados em câmara de Newbauer, sendo ajustadas para a concentração de 2x108 promastigotas por mL.Para o preparo do extrato solúvel de formas promastigotas em fase estacionária de crescimento, os parasitas foram recuperados por centrifugação a 2900 G por 20 minutos e lavados por quatro vezes em salina estéril tamponada com fosfato. O

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sedimento foi ressuspendido em cinco mililitros (mL) de PBS e submetido a seis ciclos de choque térmico, com congelamento em nitrogênio líquido e descongelamento em banho-maria a 37°C.A fração antigênica solúvel foi coletada após centrifugação (6000 G por 20 min) e a concentração de proteínas foi determinada pelo método de Bradforf. As amostras foram armazenadas em alíquotas a -70°C, até o momento do uso. 9

Para o preparo das formas like-amastigotas, os parasitas (na concentração de 2x108 parasitas por mL) foram cultivados em soro fetal bovino inativado e incubados a 34°C por 48 h. Em seguida, os mesmos foram recuperados por centrifugação, lavados em PBS 1x estéril por três vezes e ressuspendidos para utilização nos experimentos.

2.4 - PREPARO DAS PROTEÍNAS RIBOSSOMAIS DE L. CHAGASIO preparo de LRPs de L. chagasi foi realizado de acordo com o protocolo descrito por Iborra et al. (2008), com algumas modificações: cerca de 1010 promastigotas, em fase estacionária de crescimento de L. Chagasi, foram preparadas após cultivo a 24ºC e quantificadas em câmara de Newbauer. Os parasitas foram recuperados por centrifugação a 2.900 G por 20 min e lavados em PBS 1x estéril a 4ºC, por três vezes. Após, o pellet foi ressuspendido com 3.0 mL do tampão B1 (200 mM Tris-HCl pH 7.4, 40 mM KCl e 25 mM MgCl2) e homogeneizado por 10 vezes, sendo, então, centrifugado por dois min a 1.960 G e a 4ºC. O sobrenadante foi coletado e centrifugado a 9.260 G por 15 min a 4ºC. A etapa anterior foi repetida. O sobrenadante foi coletado e ultracentrifugado a 90.000 rpm por uma hora a 4ºC; retirado e armazenado a -80°C. O pellet foi ressuspendido com 200 µL de tampão B2 (20 Mm Tris-HCl pH 7.4; 100 mM MgCl2 e 0.5 M AcNH4) e centrifugado em um gradiente de sacarose (preparado em tampão B2) a 90.000 rpm por duas horas a 4ºC. O sobrenadante foi coletado e o pellet lavado com PBS 1x estéril e a 4ºC, sendo, então, ressuspendido em 200 µL de PBS 1x e adicionado mais 300 µL, para volume final de 500 µL. A concentração proteica foi estimada pelo método de Bradford 9 e as alíquotas armazenadas a -80ºC.

2.5 - INDUÇÃO DE ANTICORPOS ANTI-LRPs EM COELHOAs proteínas ribossomais de L. chagasi (LRPs)

extraídas e purificadas foram utilizadas para imunização de coelhos, de cerca de dois meses. As injeções foram feitas por via subcutânea com a proteína emulsificada com um ml de hidróxido de alumínio, em todas as aplicações. Realizou-se o seguinte esquema de imunização: 1ª injeção contendo 250 µg de proteína, 1o reforço 15 dias depois com 100 µg e 2 o reforço 30 dias após o primeiro com 150 µg do antígeno. No 7º dia após o 2o e 3o reforços, coletou-se uma pequena quantidade de sangue pela orelha a partir da centrifugação a 2.500 x G por 10 minutos a 4°C. Os soros obtidos foram adicionados em 0.2 mM de azida sódica e armazenados a –20°C. Após a verificação do título de anticorpos, fez-se uma punção cardíaca no coelho para a obtenção de maior volume de soro.

2.6 - TITULAÇÃO DO SORO DE COELHO ANTICORPOS ANTI-LRPS Uma placa de ELISA foi incubada a 4°C com 5.0 µg/ml de proteínas ribossômicas de Leishmania, em tampão carbonato–bicarbonato 0.05 M, pH 9.6, por um período de 18 h e a 4°C. Após o período de incubação, a placa foi lavada três vezes com 0.05% Tween 20/PBS, pH 7.4 (PBS-T). Cem microlitros de tampão bloqueio (10% leite desnatado em PBS-T) foram adicionados e a placa foi incubada a 37oC por uma h. Após a remoção do tampão de bloqueio, a placa foi lavada três vezes com tampão PBS-T e diluições sucessivas do soro foram adicionadas na placa e a mesma foi incubada a 37oC por uma h. Após a lavagem, o conjugado anti-IgG total de cão ligado à enzima peroxidase (1:5.000) foi adicionado na placa e a mesma incubada por mais uma hora e a 37oC. A placa foi revelada pela adição de 100 µl de uma solução contendo o-phenylenediamine (OPD), H2O2 e tampão citrato-fosfato pH 5.0. A reação foi interrompida pela adição de 20 µl de H2SO4 1 M e a absorbância foi determinada em leitor de ELISA a 492 nm.

2.7 - PURIFICAÇÃO DAS SUBCLASSES DE IGgS POLICLONAIS DE COELHO ANTI-LRPs POR CROMATOGRAFIA DE IMUNOAFINIDADEA purificação de IgGs foi realizada em coluna de afinidade com proteína A superose HR 10/2 (1.6 ml) em sistema de FPLC. A coluna foi equilibrada em tampão 50 mM de Tris-HCL, pH 8.6 e após

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o equilíbrio da coluna aplicou-se 1,0 ml do soro de coelho anti-LRPs. A coluna foi lavada com o mesmo tampão em que foram ligados os anticorpos. As subclasses de IgGs foram eluídas em diferentes tampões e pHs conforme especificações do fabricante. As subclasses de IgG1 e IgG2a foram eluídas em 50 mM de tampão acetato de sódio pH 6.0 e pH 5.0, respectivamente, coletando frações de 1,5 ml por minuto. Realizou-se estimativa a 280 e 260 nm usando coeficiente de extinção molar de IgG (mg/ml) =1.55 x A280-0.76 x A260 para a padronização dos experimentos subseqüentes.

2.8 - TITULAÇÃO DAS SUBCLASSES DE IgGs

Após a purificação das subclasses de IgGs, obtidos a partir de soro de coelho imunizado com proteínas ribossômicas de um ensaio ELISA, verificou-se a reatividade das imunoglobulinas frente as LRPs de L. chagasi. A análise foi realizada com IgG total purificada, como controle positivo, e as subclasses de IgG1 e IgG2a em diversas diluições, sendo estas em pH 6.0 e pH 5.0. Utilizou-se, aproximadamente, 0,5 µg de LRPs para sensibilizar a placa. Como controle positivo realizamos o teste com IgG total.

2.9 - CONSTRUÇÃO DAS COLUNAS DE SEPHAROSE 4B-CNBr LIGADA A IgG1/IgG 2a

A purificação dos antígenos anti-LRPs de L.chagasi foi realizada em duas colunas: consistiram na preparação de imunoafinidade Sepharose 4B ativada com Brometo de Cianogênio (Sepharose 4B-CNBr) ligada a IgG1 e IgG 2a de L. chagasi. Essas IgGs foram ligadas à Sepharose 4B-CNBr de acordo com as recomendações do fabricante (Amersham Pharmacia). Foram utilizados 3 g da resina Sepharose 4B – CNBr ressuspensa em HCl 1mM e centrifugada a 3000 g durante 15 minutos a 4°C, por cinco vezes, descartando-se o sobrenadante. Após essa etapa, a resina foi lavada com carbonato de sódio 0,1M pH 8,3 contendo NaCl 0,5M (tampão de ligação) e centrifugada duas vezes a 3000 g , durante 15 minutos. Aproximadamente 8 mg de IgG1 e 20 mg de IgG2a foram utilizados para o acoplamento na resina. As subclasses de IgGs foram acrescidas à resina

agitando lentamente em um rotatório por 24 horas à 4°C e posteriormente centrifugada a 3000 g por cinco minutos a 4ºC. O controle da eficácia de ligação das moléculas à coluna foi feito pela leitura do sobrenadante a 280 nm em espectrofotômetro. Em seguida, foi adicionada à resina Etanolamina 1M pH 8,0 com a finalidade de bloquear os sítios de ligação que permanecem ativos na resina, agitando lentamente em um rotatório a temperatura ambiente por duas horas. Após esse período, a resina foi colocada em uma coluna de 10 cm e lavada cinco vezes alternadamente com 50 mL de Tampão Acetato 0,1M pH 4,0 contendo NaCl 0,5 M e com Tampão de ligação.

2.10 - PURIFICAÇÃO E SDS-PAGE DAS FRAÇOES IMUNOGÊNICAS DE LRPs DE L. CHAGASI.

As colunas de Proteína A ligadas às subclasses de IgGs purificados anti-LRPs de L. chagasi,. vasorum foram equilibradas com 20 mL de Tampão Tris-HCl 0,1M pH8.3 e o antígeno bruto solúvel na concentração de 4,5 mg de proteína foi aplicado em cada coluna. Após a adição do antígeno, a coluna foi agitada lentamente por 24 horas a 4°C. Após recolher o antígeno inespecífico, a coluna foi lavada com 50 mL de Tampão Tris-HCl 0,1 M pH 8,3. A eluição dos antígenos específicos de L. chagasi acoplados a resina, foi realizada utilizando-se um Tampão de Eluição, ácido cítrico 0,15 M pH 3.0, onde foram coletados frações de 2 mL. O controle da eluição foi feito pela leitura dos eluatos a 280 nm em espectrofotômetro. Após a coleta, a coluna foi regenerada com 20 mL de Tampão Tris-HCl 0,1M pH 8,0. As proteínas eluídas foram concentradas por liofilização. Os liofilizados foram solubilizados em água Milli-Q e as concentrações proteica foram estimadas, resolvidas em SDS-PAGE e estocadas a - 20º C.

3.0 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 - PURIFICAÇÃO DAS LRPs DE L. CHAGASI

Como a literatura que trata do tema menciona proteínas ribossômicas de Leishmania (LRPs) possuem atividade antigênica e imunogênica, aquelas mais relevantes deste trabalho foram purificadas e

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identifi cadas individualmente e para tal foi utilizado o protocolo descrito por Soto 10 .A complexidade das proteínas ribossomais de L. chagasi foi inicialmente analisada por gel SDS-PAGE 12% (Figura 2). A análise revelou a existência de um perfi l de bandas mais simples na fração ribossômica em relação ao extrato solúvel dos parasitas e à fração citoplasmática, correspondente a uma das etapas da purifi cação. Realizou-se uma comparação com o perfi l das LRPs já descritas na literatura10 e o perfi l mostrou semelhança entre as mesmas (dados não mostrados); o que possibilitou verifi car a efi cácia da metodologia empregada.Na fração ribossômica, constatou-se a presença de proteínas de baixo e médio pesos moleculares, de 15 a 60 kDa, e um fato relevante na literatura corresponde a que a incluem proteínas nessa faixa de peso molecular(Figura 2). Assim, infere-se que o método utilizado para purifi car as LRPs de L. chagasi se mostrou rápido e com grande reprodutibilidade.

Figura 2. Purifi cação da Proteína Ribossômicas de L. chagasi. As amostras foram resolvidas em SDS-PAGE 12 % e coradas por Comassie Blue G-250. A primeira coluna corresponde ao marcador de peso molecular (M). Em (1) extrato solúvel de L. chagasi, (2) fração das proteínas ribossômicas (LRPs), (3) fração das proteínas citoplasmática.

3.2- TITULAÇÃO DO SORO DE COELHO SENSIBILIZADO COM LRPs DE L. CHAGASI

Após as induções em coelho para a produção de anticorpos anti-LRPs de L. chagasi, o soro foi coletado e analisado por ELISA. A análise foi efetuada com

soro pré-imune e com amostras de soro obtidas após a segunda e terceira doses dos imunógenos. Como pode ser observado, o soro do coelho imunizado apresentou elevada reatividade frente às LRPs, quando comparado ao soro controle proveniente do coelho não imunizado (fi gura 3).

As LRPs utilizadas se mostraram imunogênicas e induziram elevada produção de anticorpos específi cos. Conforme o gráfi co abaixo (fi gura 3), a terceira dose foi a de maior resposta imugênica, pois aumentou signifi cativamente a produção de anticorpos em relação à segunda dose do imunógeno. A titulação dos anticorpos possibilitou realizar uma punção cardíaca no coelho para a obtenção de maior volume de soro e possibilitar a continuidade do trabalho.

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

1,2

1,4

1,6

1:20 1:40 1:80 1:160 1:320 1:640 1:1280Diluição do soro

Abs

(490

nm

)

Pré-imune 2° dose 3°dose

Figura 3 Enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) com soro anti-LRPs de L. chagasi produzido em coelho. Uma curva de titulação foi realizada com as amostras de soro (1:20 a 1:1280). Foi utilizado 0,5 µg de LRPs de L. chagasi purifi cadas anteriormente para a sensibilização da placa.

3.3 - PURIFICAÇÃO DAS SUBCLASSES DE IGgS POLICLONAIS DE COELHO ANTI-LRPs POR CROMATOGRAFIA DE IMUNOAFINIDADE

A purifi cação das subclasses de IGgs anti-LRPs de L. chagasi teve como objetivo a eliminação de anticorpos inespecífi cos, visando, posteriormente, a purifi cação de antígenos específi cos de L. chagasi.A constatação de que a recuperação de uma primeira infecção confere proteção contra uma re-infecção sugere que o controle das leishmanioses mediante vacinação é possível. Além disso, muitas evidências a partir de estudos com modelos experimentais indicam que a proteção pode ser gerada pela imunização com antígenos do parasito.Um indicativo da geração de resposta imune Th1 (protetora) ou Th2 (não protetora), em camundongos

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BALB/c, diz respeito à produção dos isotipos IgG1 e IgG2a. Citocinas secretadas por células do sistema imune, como os linfócitos T, atuam sobre linfócitos B induzindo a mudança de isotipos dos anticorpos IgGs produzidos por tais células. Nesta linhagem de camundongo, a citocina IL-4, induz, preferencialmente, a produção de IgG1, enquanto que o IFN-γ induz a produção de IgG2a (Coffman, 1993). A resposta imune do tipo Th1, que é estimulada pela subclasse de IgG2a, leva a uma resposta imune protetora, enquanto que a resposta imune estimulada pela subclasses de IgG1, resulta desenvolvimento da doença.A purificação de subclasses de IgGs tornou-se necessária para a confecção das colunas de imunoafinidade. A figura 4 apresenta o perfil cromatográfico das subclasses de IgGs anti-LRPs em coluna comercial em sistema de FPLC. O primeiro na cromatografia representa a fração do soro que não se ligou à coluna (não ligado), eliminando-se dessa forma, anticorpos inespecífico. O segundo pico representa a IgG1 que foi eluída em pH 6.0, compreendendo o pool das frações de 12 a 17; já o terceiro pico representa a IgG2a,, que foram eluídas em pH 5.0, compreendendo o pool das frações de 21 a 26. Eleições em outros pHs foram realizadas com o intuito de verificar a eficácia da coluna e observar a evidência de outras subclasses de IgGs em coelho, sendo estas sem nenhuma valia para o trabalho aqui desenvolvido. As subclasses de IgG1 e IgG2 foram purificadas para produzir duas colunas de que se tornarm ferramenta essencial para a produção de duas colunas de imunoafinidade. Essas colunas têm como finalidade prurificar antígenos para posteriores ensaios in vivo.

Figura 4 - Perfil cromatográfico da purificação das subclasses de IgGs anti-LRPs em coluna de imunoafinidade (FPLC). O soro de coelho anti-LRPs foi aplicado em coluna de afinidade (proteína A). As subclasses de IgGs foram eluídas em diferentes tampões e pHs em um fluxo de 1,5 ml por min. Sensibilidade 2,0. Os picos eluídos em pH 6.0 e pH 5.0 foram coletados para dar continuidade ao trabalho.

3.4 - TITULAÇÃO DAS SUBCLASSES DE IgGs ESPECÍFICOS A LRPs

Após a purificação das subclasses de IgGs, obtidas a partir do soro de coelho imunizado com proteínas ribossômicas de L. chagasi, ensaio de ELISA foi realizado para verificar a reatividade das imunoglobulinas frente as LRPs de L. chagasi. A análise realizada com IgG total purificada, como controle positivo, e as subclasses de IgG1 e IgG2a em diversas diluições, sendo estas eluídas em pH 6.0 e pH 5.0. Observa-se, na Figura 5 que as imunoglobulinas purificadas anti-LRPs de L. chagasi foram capazes de apresentar elevada reatividade. Além disso, a subclasse de IgG2a, eluída em pH 5.0,teve maior reatividade em comparação com as IgG1 eluída em pH 6.0. Tal constatação pode sugerir que houve a predominância de resposta imune tipo Th1 com possibilidades de induzir resposta imune protetora, corroborando os dados descritos por CHÁVES-FUMAGALLI et al, 2010 . Esses resultados permitiram a dar continuidade no trabalho com segurança. 11

Figura 5 – Ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA) com às subclasses de IgGs anti-LRPs de Lchagasi. Foi utilizado aproximadamente 0,5 µg de LRPs para sensibilizar a placa. Como controle positivo realizamos o teste com IgG total.

3.5 - PERFIL PROTEICO DAS FRAÇÕES ELUIDAS DAS COLUNAS DE IMUNOAFINIDADE (IgG1 E IgG2a ).

Após a construção das colunas de imunoafinidade de sepharose 4B-CNBr, ligada a IgG1/IgG 2ª, realizou-se a purificação de proteínas específicas de antígeno bruto solúvel de L. chagasi em colunas anti-LRPs. A figura 6 revelou o perfil de bandas bem distintos, principalmente entre as frações purificadas nas canaletas quatro e cinco . Em um apresenta um perfil proteico complexo do extrato total solúvel de L. chagasi, em dois e três revela o perfil das proteínas não ligadas nas

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colunas de imunoafinidade, exibindo perfil proteico menos complexo que o extrato total, indicando uma afinidade significativa aos anticorpos ligados à coluna, em 4 representa as proteínas eluídas da coluna com afinidade a IgG2a, revelando um perfil de proteínas de médio e baixo pesos moleculares com duas bandas predominantes entre 25 e 30 kDa. A canaleta 5 mostra as proteínas eluídas da coluna com afinidade a IgG1, predominando bandas de peso molecular médio, entre aproximadamente 50 e 90 kDa. As duas frações purificadas apresentam perfis de proteicos bem distintos

Figura 6 Purificação das frações proteicas de L chagasi em colunas de proteína A+IgGs de diferentes pHs. As amostras foram resolvidas em SDS-PAGE 12% e coradas com Comassie Blue G-250. M – Padrão de peso molecular; 1 – Extrato total de L. chagasi 2 – Proteínas não ligadas na coluna de IgG pH 5,0; 3 – Proteínas não ligadas na coluna de IgG pH 6,0; 4 – Proteínas eluídas da coluna pH 5,0; 5 – Proteínas eluídas da coluna pH 6,0 .

4 . CONCLUSÃO

O estudo apresentou metodologia díspar em purificar frações de proteínas específicas de antígeno bruto solúvel de L. chagasi em colunas de imunoafinidade anti-LRPs. As frações de proteínas específicas de antígeno solúvel de L. chagasi purificadas são candidatas à testes de vacinas e/ou kit de diagnóstico, além de alvos imunoterapêuticos contra a leishmaniose.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 WHO. Control of the Leishmaniases. World Health Organization, Geneva. Tech Rep Ser, v. 949, n. March, p. 22–26, 2010.

2 Camara-Coelho LI, Paes M, Guerra JA, Barbosa MG, Coelho C, Lima B, Brito ME, Brandão-Filho S 2011. Characterization of Leishmania spp causing cutaneous leishmaniasis in Manaus, Amazonas, Brazil. Parasitol Res 108: 671-677.

3 Alvar J, Vélez I D, Bern C, et al. Leishmaniasis worldwide and global estimates of its incidence. PloS One. 2012;7(5):e35671.

4 REQUENA, J. M. et al. Evolutionary conserved proteins as prominent immunogens during Leishmania infections. Parasitology Today, v. 16, p. 246-250, 2000

5 IBORRA, S. et al. The Leishmania infantum acidic ribosomal protein P0 administered as a DNA vaccine confers protective immunity to Leishmania major infection in BALB/c mice. Infection and Immunity, v. 71, p. 6562-6572, 2008.

6 AFONSO, L. C.; SCOTT, P. Immune responses associated with susceptibility of C57BL/10 mice to Leishmania amazonensis. Infection and Immunity, v. 61, n. 7, p. 2952–9, 1993.

7 DIEFENBACH, A. et al. Type 1 interferon (IFNalpha/beta) and type 2 nitric oxide synthase regulate the innate immune response to a protozoan parasite. Immunity, v. 8, n. 1, p. 77–87, 1998.

8 DOHERTY, T. . et al. Modulation of murine macrophage function by IL-13. Journal of Immunology, v. 151, n. 12, p. 7151–7160, 1993.

9 BRADFORD, M. M. A rapid and sensitive method for the quantitation of microgram quantities of protein utilizing the principle of protein-dye binding. Analytical Biochemistry, v.72, p. 248-254, 1976.10 SOTO, M. et al.. Isolation, characterization and analysis of the expression of the Leishmania Ribosomal P0 protein genes. Molecular and Biochemical Parasitology, v. 61, p. 265-274,1993.

11 CHÁVEZ-FUMAGALLI, et al Vaccination with the Leishmania infantum ribosomal proteins induces protection in BALB/c mice against Leishmania chagasi and Leishmania amazonensis challenge. Microbes and Infection, V 12, , p 967–977, 2010.

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CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DE PERÍCIAS NO ÂMBITO DA PSIQUIATRIAFORENSE

1 Professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH); 2 Professor da faculdade IPEMED de Ciências Médicas e Colaborador do GPA (Gestores Prisionais Associados)

Andrade, J.M.C. 1 ; Fantini, L.2

AR

TIG

O

Contato:E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

A Medicina Legal ou Forense (fórum) é a especialidade médica onde a interface médico-jurídica possui maior evidência. Nessa área, a Medicina serve, constantemente ,de subsídio para a Justiça e aplicação das leis. A Psiquiatria Forense é considerada uma área de atuação dentro da especialidade da Psiquiatria e versa sobre questões criminais, cíveis, administrativas, previdenciárias, direito de família, criança e adolescente e idosos, dentre outros temas. No presente texto iremos apresentar questões fundamentais relacionadas a alguns tipos de perícias normalmente realizadas em Psiquiatria Forense, a saber: perícias criminais, cíveis, administrativas e previdenciárias.

PERÍCIAS CRIMINAIS

Perícia de Imputabilidade Penal

A perícia de imputabilidade penal ou responsabilidade penal é considerada a mais importante e relevante perícia na esfera criminal, presente no art. 26, em seu parágrafo único, do Código Penal Brasileiro (CPB).

• Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento;

• Parágrafo Único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Todo sujeito que comete um delito (ação ou omissão) tipificado no Código Penal Brasileiro (CPB), ou na Lei de Contravenções Penais (LCP),deve responder perante a justiça pelo seu ato

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praticado. Essa obrigatoriedade de se ater com a justiça pelos seus atos é denominada responsabilidade penal. Mas, para responsabilizar um sujeito pela sua ação ou omissão, deve ser averiguada ,anteriormente, a imputabilidade.

A lei brasileira apresenta dois critérios para avaliar a imputabilidade do sujeito. O primeiro critério é cronológico e se encontra descrito no art. 27 do Código Penal Brasileiro (CPB), que assim diz: “Os menores de 18 (dezoito) são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.

O segundo critério é o denominado biopsicológico e consta no art. 26 do Código Penal Brasileiro (CPB), já citado acima. Esse artigo versa sobre sujeitos maiores de 18 anos que não podem ser totalmente responsabilizados pelos seus atos (delito ou ilícito), ou são parcialmente responsáveis. Para se preencher o critério biopsicológico, o sujeito deve apresentar, necessariamente , uma patologia mental e um prejuízo na esfera cognitiva e volitiva.

Critério Biopsicológico

Elemento biológico: Qualquer transtorno mental. Expresso na lei

pelas expressões “doença mental“, “perturbação da saúde mental“ e “desenvolvimento mental incompleto ou retardado“.

Elemento psicológico: Prejuízo no entendimento ou na determinação.

Expresso na lei pelas expressões “entender o caráter ilícito do fato“ ou “de determinar-se de acordo com esse entendimento“.

Para avaliar o entendimento, estudaremos as funções da cognição, e, para avaliar a determinação, estudaremos as funções da volição.- Entendimento à Componentes cognitivos- Determinação à Componentes volitivos

Capacidade de Entendimento

• Possibilidade ou faculdade de COMPREENDER que o fato é reprovado pela moral jurídica; (COGNIÇÃO)

• Pesquisar o funcionamento intelectual do examinado, em especial o seu nível de inteligência e abstração do pensamento; deve-

se estabelecer seu estado de consciência e orientação, bem como sua memória e atenção;

• Verificar também o teste de realidade, juízo de realidade, onde pode estar ausente (abolido/elidido) ou prejudicado (diminuído) na sintomatologia psicótica dos fenômenos positivos – delírios e alucinações.

Capacidade de (Auto)Determinação• Capacidade de DIRIGIR A CONDUTA de

acordo com o entendimento ético-jurídico; (INSTINTO, IMPULSO, VONTADE E AFETO).

• É a capacidade no sentido de uma suficiente força de vontade para resistir ao impulso para a ação e agir em conformidade com a consciência ética-jurídica.

• Capacidade de resistir ou inibir o impulso criminoso.

• Pode ser razoável ou adequado o entendimento do agente sobre o significado do seu ato, mas um defeito de vontade (RESULTANTE DE ESTADO PSÍQUICO MÓRBIDO) impede-o de dirigir sua conduta como devia corresponder a esse entendimento.

Transtorno MentalOs transtornos mentais, expressos na lei pelas

expressões “doença mental”, “perturbação da saúde mental” e “desenvolvimento mental incompleto ou retardado”, possuem correspondentes na clínica psiquiátrica como se segue na tabela abaixo:

JURÍDICO PSIQUIÁTRICA

Doença mental Psicoses e demências graves

Perturbação da saúde mental

T. de personalidade, parafilias, neurosese dependência química

Desenvolvimento metal retardado

Oligofrenias, retardo mental, insuficiência intelectual

Desenvolvimento m e n t a l incompleto

Silvículas, deficientes visuais/auditivos com certo primitivismo

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Por fim, após avaliar a presença ou ausência de algum tipo de transtorno psiquiátrico, a capacidade de entendimento (cognição) e de determinação (volição), devemos avaliar o nexo de causalidade.

Ao identificarmos a presença de algum transtorno mental, devemos prosseguir na averiguação do nexo de causalidade entre esta patologia psiquiátrica e o delito. Ou seja, é necessário que o delito praticado seja devido à expressão do transtorno mental ou um sintoma desse transtorno. Além disso, o transtorno mental manifesta-se de forma a abolir ou prejudicar a capacidade de entendimento ou de determinação do sujeito. Se a sua capacidade de entendimento e/ou de determinação estiver abolida (elidida, suprimida), o sujeito será considerado inimputável. E se a sua capacidade de entendimento e/ou de determinação estiver prejudicada (diminuída, alterada), o sujeito será considerado semi-imputável.

Segundo a orientação política criminal vigente no Brasil, os sujeitos, considerados inimputáveis, teriam a sua pena privativa de liberdade “substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de um a três anos”. Entendem-se estas internações serem efetivadas em manicômios judiciários. E os tratamentos ambulatoriais em serviços especializados de atendimento à saúde mental, como centros de apoio psicossociais ou centros de referência à saúde mental. Os sujeitos considerados semi-imputáveis possuem dois possíveis destinos, a saber: ter a sua pena privativa de liberdade reduzida em um a dois terços ou,igualmente aos sujeitos inimputáveis, ter sua pena privativa de liberdade “substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de um a três anos” em caso de apresentarem patologias passíveis de “especial tratamento curativo”. Essa decisão cabe aos magistrados.

Perícia de Dependência Química

Esse tema deve ser visto exatamente como o anterior, pois trata também da inimputabilidade dos sujeitos praticantes de atos ilícitos, embora seja legislado pela lei brasileira sobre drogas.

Lei de Drogas (LD)

• Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga,

era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

• Art. 46. As penas podem se reduzidas de um terço a dois se, por força das circunstâncias previstas no artigo 45 desta lei, o agente não possuía ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Sendo assim:

• A apuração da imputabilidade do agente que tenha cometido um delito em razão da dependência ou sob efeito de droga é realizada de acordo com o critério biopsicológico.

• Aos semi-imputáveis, pode haver a redução de 01 (um) a 02 (dois) terços da pena imposta. Nesse caso, pelo teor do artigo 98 do CP, se houver “especial tratamento curativo”, a pena poderá ser substituída por medida de segurança.

• É necessário que a condição de estar “sob efeito (...) de droga” seja “proveniente de caso fortuito ou força maior”, para o reconhecimento da inimputabilidade ou da semi-imputabilidade.

Nota-se que o transtorno mental é descrito na lei pelas expressões “dependência” e “sob efeito de droga”, mas que, no entanto, essas condições devem ser “provenientes de caso fortuito ou força maior.” Entende-se por essas expressões que o sujeito embriagou-se acidentalmente ou foi coagido a embriagar-se.

Para aqueles sujeitos que não se enquadram nas condições de “caso fortuito ou força maior”, aplica-se o conceito de actio libera in causa. A teoria da actio libera in causa é aquela em que o agente, conscientemente, põe-se em estado de inimputabilidade, sendo desejável ou previsível o cometimento de uma ação ou omissão punível em nosso ordenamento jurídico, não se podendo alegar inconsciência do ilícito no momento fatídico, visto que a consciência do agente existia antes de se colocar em estado de inimputabilidade.

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Perícia de Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade (EVCP)

Para fins de concursos públicos na área de psiquiatria, basta sabermos que o EVCP é realizado naqueles pacientes que se encontram em medida de segurança (MS), ou seja, aqueles pacientes que foram considerados inimputáveis ou semi–imputáveis mediante perícia de responsabilidade penal e se encontram sob tratamento, em regime de internação ou em regime ambulatorial.

Segundo o art. 775 presente no Código de Processo Penal Brasileiro (CPP),

• A cessação ou não da periculosidade se verificará ao fim do prazo mínimo de duração da medida de segurança pelo exame das condições da pessoa a que tiver sido imposta.

Esse exame pode ser realizado “em qualquer tempo, ainda durante o prazo mínimo de duração da medida de segurança”, se houver determinação judicial para o fato.

Perícias Cíveis

As perícias da área cível abrangem os temas da capacidade civil (interdição), capacidades civis específicas como a capacidade para testar e doar, trabalhar, assumir curatela ou tutela, receber citação judicial, testemunhar, dirigir veículos, votar e ser votado.

Para fins de concurso público em Psiquiatria, vamos nos ater às perícias de capacidade civil (interdição), pois é esse o tema presente em concursos no tocante à matéria civil.

O Direito Civil legisla sobre os direitos e obrigações de cada indivíduo e seus bens, e pode, eventualmente, necessitar do apoio do psiquiatra forense para esclarecer questões relacionadas aos transtornos mentais e suas consequências diante da lei vigente. O psiquiatra forense atua como perito nos processos cíveis com intuito de identificar a presença de uma patologia mental e, se presente, atestar sobre a aptidão do sujeito para determinado ato jurídico.

O exemplo do nosso presente capítulo é o

processo de interdição que, uma vez instaurado, necessitará de um perito psiquiatra para a realização da perícia e posterior confecção de laudo. É mister que o profissional tenha uma adequada formação psiquiátrica e um conhecimento jurídico eficiente, pois atua como um tradutor da linguagem médico-psiquiátrica para a linguagem jurídica.

A Incapacidade Absoluta

O código civil em seu Art. 3º declara que “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: II - os que, por enfermidade mental ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir livremente sua vontade”.

Para então declararmos um sujeito com incapacidade absoluta, o mesmo deve apresentar um transtorno mental – “enfermidade mental ou deficiência mental”, e este transtorno elida por completo o seu discernimento para as práticas da vida civil. Entende-se pela segunda parte da lei, que versa sobre a causa transitória e expressão da vontade, os pacientes em estado de coma.

A Incapacidade Relativa

O Código Civil em seu art. 4º declara que “são incapazes, relativamente a certos dados, ou à maneira de os exercer: II – Os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido e; III – Os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; e IV - Os pródigos”.

A Questão do Discernimento

O discernimento é a pedra base de estudo para declarar a incapacidade do sujeito, e a detecção da presença do discernimento e do seu grau é uma tarefa exclusiva do psiquiatra forense. Entende-se por discernimento a faculdade de discernir; faculdade de julgar as coisas clara e sensatamente; critério; tino; juízo; apreciação; análise, conhecer distintamente; apreciar; distinguir; discriminar; estabelecer diferença; separar; fazer apreciação; julgar e decidir. Para seu estudo detalhado, deve-se proceder com uma análise quantitativa e qualitativa das funções cognitivas do paciente e a integridade do seu teste de realidade.

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Pesquisa-se a memória, atenção, consciência, orientação, inteligência, etc; a relação do sujeito com o mundo que o circunda; a sua capacidade abstrata de refletir sobre os dados da realidade, examinando a sensopercepção e o pensamento, buscando identificar a presença de alucinações e delírios. Com isso se obtém uma ideia objetiva do teste de realidade e do juízo crítico do indivíduo.

Por fim, a capacidade civil deve ser analisada quanto ao seu período de vigência, se temporária ou definitiva. E o que norteará essa escolha será o prognóstico e o conhecimento da história natural dos transtornos mentais.

Perícia Previdenciária

A perícia médica previdenciária é uma atividade de Estado que visa reconhecer direitos previdenciários prescritos na Constituição Federal e detalhados na Lei 8.213/91. Por ser compreendida como atividade especializada, estratégica, de grande importância econômica e social, já que é ordenadora de despesas públicas, a Perícia Médica Previdenciária passou a ser exercida, exclusivamente , por profissionais concursados para a carreira, criada em 2004 , através da Lei 10.876.

No âmbito da Justiça Federal, as ações que tem como réu o INSS podem vir a demandar a avaliação pericial, por um perito nomeado, que nesse caso terá como intuito avaliar e produzir parecer sobre as condições do periciando para fazer jus ao benefício pleiteado judicialmente.

A Previdência Social tem como finalidade assegurar direito aos seus beneficiários, sendo que os peritos participam mais frequentemente nos seguintes benefícios:

• Auxílio-Doença Previdenciário ou Acidentária;• Aposentadoria por Invalidez (Previdenciário

ou Acidentária) com ou sem majoração;• Benefício de Prestação Continuada;• Isenção de IRPF por moléstia grave.

De maneira geral, caberá ao perito identificar e avaliar os seguintes parâmetros:

- Data de Início da Doença (DID);

- Data de Início da Incapacidade (DII - se houver);- A confirmação do diagnóstico e dimensionamento do impacto sobre a atividade habitual do requerente; - O andamento do (s) tratamento (s) médico (s).

Além disso, é importante que se conheça o histórico das contribuições junto à previdência social, aos vínculos trabalhistas e às condições e exigências do trabalho.

Algumas noções são importantes de serem conhecidas para a adequada formulação do laudo e resposta à quesitação:

• Capacidade laborativa : é a condição física e mental para o exercício da atividade produtiva. É a expressão utilizada para habilitar o examinado a de-sempenhar as atividades inerentes ao cargo ou função. O indivíduo é considerado capaz para exercer uma determinada atividade ou ocupação quando reúne as condições morfopsicofisiológicas compatíveis com o seu pleno desempenho. A capacidade laborativa não implica ausência de doença ou lesão. Na avaliação da capacidade deve ser considerada a repercussão da doença ou lesão no desempenho das atividades labo-rais.

• Incapacidade temporária : é a incapacidade que ocorre dentro de prazo estimado.

• Incapacidade permanente : é a que ocorre quando insuscetível de recuperação com recursos da terapêutica, readaptação e reabilitação disponíveis à época da avaliação pericial.

• Incapacidade uniprofissional : é aquela que impede o exercício de uma atividade específica.

• Incapacidade multiprofissional : é a que ocor-re quando existe impedimento de exercer diversas ati-vidades.

• Omniprofissional : é o que implica em impos-sibilidades para todas as atividades laborais.

• Invalidez : pode ser conceituada como a in-capacidade laborativa total, de duração indefinida e multiprofissional, insuscetível de recuperação ou rea-bilitação profissional, que corresponde à incapacida-de geral de ganhos, em consequência de doença ou acidente.

• Alienação mental : a expressão “alienação

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mental” não é mais utilizada na Psiquiatria, mas ainda é muito encontrada no contexto jurídico, na legislação previdenciária e em estatutos da União, dos Estados e dos Municípios. O manual da perícia médica da Previ-dência Social conceitua alienação mental como todo caso de distúrbio mental ou neuromental grave e per-sistente, no qual, esgotados os meios habituais de tra-tamento, haja alteração completa ou considerável da personalidade, comprometendo gravemente os juízos de valor e realidade, destruindo a autodeterminação, o pragmatismo e tornando o paciente total e permanente-mente impossibilitado para qualquer trabalho.

São casos de alienação mental:

- Estados de demência;- Psicoses esquizofrênicas nos estados crônicos;- Paranoia e parafrenia nos estados crônicos;- Oligofrenias graves.

Vejamos , agora , do que se trata e quais são as características fundamentais dos principais benefícios.

Auxílio-doença

Auxílio doença previdenciário é o benefício devido ao segurado que demonstrar incapacidade temporária para o trabalho por período superior a 15 dias consecutivos, após cumprida a carência exigida por lei.

Aposentadoria por Invalidez

A aposentadoria por invalidez será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio doença, for considerado incapaz para trabalho e insuscetível de reabilitação para exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nessa condição.

Majoração

É previsto um acréscimo de 25% no valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar dar assistência permanente para outra pessoa.

Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou Amparo Social à Pessoa Portadora de Deficiência

É um benefício assistencial não contributivo, não vitalício, individual e intransferível. Consiste no pagamento de um salário mínimo mensal às pessoas com 65 anos de idade ou mais e às pessoas com

deficiência incapacitante para vida independente e para o trabalho que comprovem não ter meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família.

Isenção de Imposto de Renda

Poderão se beneficiar de isenção de imposto de renda sobre os rendimentos de pessoa física (percebidos a título de aposentadoria e ou pensão) os casos de alienação mental, moléstia profissional, diversas condições clínicas e neoplásicas.

LEI: 10.216 – 2001

Essa lei dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. É ela que regulamenta os modelos de internação, seja de modo voluntário, involuntário ou compulsório.

• Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos;

• Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

• I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

• II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

• III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

• Art. 7o A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.

• Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.

• Art. 8o A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina : CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.

• § 1o A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual

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pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.

• § 2o O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.

• Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.

• Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência.

Entende-se:

. Internação Voluntária: é aquela realizada com o consentimento do paciente. Esse assina o termo de internação voluntária e, quando ocorrer a alta, assina o termo de alta. Caso o médico assistente não concorde com a alta a pedido do paciente, internado voluntariamente, a internação pode ser modulada para o modo involuntário.

. Internação Involuntária: de acordo com a lei (10.216/01), um terceiro, como o familiar, a polícia, o corpo de bombeiros ou o Ministério Público, pode solicitar a internação involuntária, desde que o pedido seja feito por escrito e aceito pelo médico psiquiatra. A lei determina que, nesses casos, os responsáveis técnicos do estabelecimento de saúde têm prazo de 72 horas para informar ao Ministério Público da comarca sobre a internação e seus motivos. O objetivo é evitar a possibilidade de esse tipo de internação ser utilizado para a prática de cárcere privado.

. Internação Compulsória: nesse caso, não é necessária a autorização familiar. O artigo 9º da lei 10.216/01 estabelece a possibilidade da internação compulsória,

sendo essa sempre determinada pelo juiz competente, depois de pedido formal, feito por um médico, atestando que a pessoa não tem domínio sobre a sua condição psicológica e física.

Código de Ética Médica: Capítulo XI – Auditoria e Perícia Médica

É vedado ao médico:

Art. 92. Assinar laudos periciais, auditoriais ou de verificação médico-legal quando não tenha realizado pessoalmente o exame.

Art. 93. Ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.

Art.94. Intervir, quando em função de auditor, assistente técnico ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório.

Art. 95. Realizar exames médico-periciais de corpo de delito em seres humanos no interior de prédios ou de dependências de delegacias de polícia, unidades militares, casas de detenção e presídios.

Art. 96. Receber remuneração ou gratificação por valores vinculados à glosa ou ao sucesso da causa, quando na função de perito ou de auditor.

Art. 97. Autorizar, vetar, bem como modificar, quando na função de auditor ou de perito, procedimentos propedêuticos ou terapêuticos instituídos, salvo, no último caso, em situações de urgência, emergência ou iminente perigo de morte do paciente, comunicando, por escrito, o fato ao médico assistente.

Art. 98. Deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor, bem como ultrapassar os limites de suas atribuições e de sua competência.

Parágrafo único. O médico tem direito à justa remuneração pela realização do exame pericial.

Quanto ao Código de Ética Médica, questão comum nas provas de concurso é a impossibilidade

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de ser perito do próprio paciente. Assim como a impossibilidade de realizar exames médicos periciais (perícias e outros) de corpo de delito em sujeitos em condição de pena privativa de liberdade, como no interior de penitenciárias e delegacias de polícia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALVES – GARCIA, J. Psicopatologia Forense. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

BARROS, D.M.; TEIXEIRA, E.H. Manual de Perícias Psiquiátricas. Porto Alegre: ARTMED, 2015.

CHALUB, M. Introdução à Psicopatologia Forense. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

PALOMBA, G.A. Tratado de Psiquiatria Forense. São Paulo: Atheneu, 2003.

TABORDA, J.G.V.; ABDALLA-FILHO, E.; CHALLUB, M. Psiquiatria Forense. Porto Alegre: Artmed, 2012.

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ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO NA ANEMIA FALCIFORME

AR

TIG

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1 Fundação Hemominas, Minas Gerais, Brazil.2 Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH) Vespasiano, Brazil.3 Faculdade de Ciências Médicas, Minas Gerais, Brazil. 4 Blood Systems Research Institute, San Francisco, USA.

Teixeira, M. M.2 ; Fonseca, M. 2 ; Assis, J ,P.de 2 ; Júnior, E.C. S.3, 1 ; Santos, D.W.R.1 ; Kelly , S. 4 ; Silva, C.M. 1 ; Romanelli, L.C.F.1 Carneiro-Proietti , A.B 1

Contato: Anna Bárbara ProiettiE-mail: [email protected]

1.Introdução e EpidemiologiaA doença falciforme (DF) é uma afecção hematológica, com inúmeras repercussões sistêmicas, inclusive no sistema nervoso central. Dentre tais repercussões, uma das mais graves é o acidente vascular encefálico (AVE). Estima-se que, entre pacientes com anemia falciforme entre 35-64 anos, a incidência de AVE, seja ele isquêmico ou hemorrágico, é 2,74 vezes maior do que na população afro-americana global (STROUSE, 2011).No Cooperative Study of Sickle Cell Disease (CSSCD), estudo de coorte prospectivo com mais de 4000 crianças e adultos, o AVE hemorrágico ocorreu com maior frequência em adultos jovens, com idades entre 20 e 29 anos, com taxa de 440 por 100.000 pessoas-ano, mais de 30 vezes a taxa observada em afro-americanos, entre 20-44 anos, em estudo voltado para investigação de AVE na população geral (Manhattan Stroke Study: 14 por 100.000 pessoas-ano) (STROUSE, 2011).

Dados obtidos de outros estudos mostram que os AVEs, além de mais frequentes em indivíduos com doença falciforme, são também a maior causa de morbi-mortalidade nesta população. Por volta dos 20 anos de idade, cerca de 11% destes pacientes já sofreram algum evento cerebrovascular clinicamente manifesto (CARIDADE, 2007), sendo que este número alcança a marca de 24% aos 45 anos (HILLERY, 2004). A letalidade desta complicação é elevada: 24% das crianças e adultos com AVE hemorrágico no CSSCD morreram nos primeiros 14 dias. A mortalidade foi muito mais comum em hemorragias intracerebrais (50-80%) do que em hemorragias subaracnoideas (0-27%) em diversas casuísticas (STROUSE, 2011).

Em relação ao tipo, há diferença por faixa etária. A maioria dos AVEs em crianças é isquêmico, enquanto os AVEs hemorrágicos parecem ter seu pico de incidência em adultos. Ainda no CSSCD, de 22 adultos com anemia falciforme que apresentaram AVEs, 14 apresentaram episódios hemorrágicos

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primário e oito um episódio isquêmicos primários (STROUSE, 2011).AVEs silenciosos, definidos pela presença de áreas de infarto, visualizadas em exames de imagem, mas sem a presença evidente de sintomas clínicos focais neurológicos, estão presentes em 22% dos estudos de imagem de crianças com anemia falciforme (ADAMS, 2005). Esse dado é importante porque após a ocorrência de um evento isquêmico assintomático, o risco de ocorrer novo AVE, clinicamente manifesto ou não, aumenta significativamente(OHENE-FREMPONG, 1998).

Além disso, a dificuldade de aprendizado, muitas vezes negligenciada como sintoma neurológico dos AVEs em crianças, não é achado incomum. Dependendo da localização da lesão, diversas manifestações são possíveis, sendo as mais comuns, nos testes neuropsicológicos, aquelas relacionadas à atenção e ao desempenho de funções executivas. Déficit na capacidade verbal também pode estar presente, sendo comumente identificado em testes de QI (coeficiente de inteligência). Vale dizer, aqui, que ainda não é claro em que medida o comprometimento cognitivo se deve a eventos causados pela DF (doença falciforme) no sistema nervoso central (SNC). Em concurso, há a própria anemia, hipóxia, desnutrição e condição socioeconômica mais frágil que costuma coincidir com o perfil epidemiológico do paciente falcêmico (SCHATZ, 2006).

2.Fisiopatologiaa)Anemia falciforme (AF)A fisiopatologia da anemia falciforme baseia-se no comportamento anômalo da hemoglobina S (HbS). Essa apresenta duas características que são as principais responsáveis pelas repercussões clínicas da doença (SWITZER, 2006). A primeira delas é a baixa solubilidade da HbS. Em função de sua menor eletronegatividade, e consequente hidrofobia, a HbS tem limiar de solubilidade muito mais baixo, o que favorece sua autoagregação em forma de polímeros. Agrupada, a HbS não carreia 02 e as traves formadas pelos polímeros conferem à hemácia formato alongado, assemelhado a uma foice. Este afoiçamento, característico da anemia falciforme, diminui a maleabilidade das hemácias em modificarem sua forma, sendo responsável por diversas repercussões clínicas (BUNN, 1997).O afoiçamento das hemácias, em virtude da

polimerização, é muitas vezes reversível, dependendo da concentração de HbS (sobretudo sua forma desoxi-HbS) em relação ao CHCM (Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média). Outros fatores associados são: a concentração de outros tipos de hemoglobina (como a hemoglobina fetal, cuja alta afinidade pelo 02 traz esse gás para dentro da célula e diminui a polimerização da HbS); a vigência de situações que intensificam a polimerização, tais como a hipóxia, acidose e desidratação celular. Nessas situações, a concentração de desoxi-HbS aumenta, sendo que ela possui limiar de solubilidade muito abaixo da CHCM.Além da tendência à polimerização, a segunda característica importante da HbS é de ser molécula extremamente instável, sofrendo oxidação muito mais facilmente que a hemoglobina normal. A autoxidação de cerca de 40% atinge a cifra de 340% quando a HbS entra em contato com fosfolípides da membrana plasmática. O resultado é a desnaturação da hemoglobina e a formação de macromoléculas desnaturadas que se ancoram na face interna da membrana plasmática provocando inúmeras consequências (KAUL, 1995).As macromoléculas formadas aumentam o estresse oxidativo dentro da hemácia. Dentre os componentes dessas macromoléculas está o ferro não heme, responsável pela catalização da síntese de espécies reativas de oxigênio prejudiciais à célula (KAUL, 1995).Nesse contexto, a membrana plasmática com macromoléculas aderidas e, diante do estresse oxidativo intracelular, fica fragilizada, podendo sofrer lise osmótica ou mecânica. Isso contribui para o quadro de afoiçamento irreversível (devido à perda de fluidez da membrana), ocasionando hemólise e agravamento da anemia.Além do dano direto à membrana, há prejuízo do transporte iônico com aumento da permeabilidade a cátions. Com a entrada de cálcio, há a ativação de canais de perda de potássio e a consequente desidratação celular. Há, ainda, modificações antigênicas da membrana plasmática que contribuem para a agregação da proteína banda três no exterior da célula, o que provoca a opsonização das hemácias pelos autoanticorpos anti-banda-três, naturalmente presentes na circulação. O resultado disso é um aumento na eritrofagocitose realizada no sistema reticuloendotelial (BUNN, 1997).Outra modificação antigênica é a exposição da

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fosfatidilserina na membrana. Essa molécula possui propriedades adesiogênicas e pró-inflamatórias que ajudam explicar a lesão endotelial difusa percebida na anemia falciforme.Essas duas modificações antigênicas, somadas ao afoiçamento celular, são os principais mecanismos por trás da hemólise extravascular, que corresponde a aproximadamente 2/3 da hemólise total. O 1/3 restante se deve à hemólise intravascular, cuja maior responsável é a lise osmótica causada pela ruptura entre o citoesqueleto e a membrana plasmática, devido ao estresse oxidativo já mencionado.Após essa lise, a HbS e as macromoléculas patológicas do interior das hemácias caem na circulação, intensificando o processo de lesão endotelial já iniciado pela fosfatidilserina. Uma das principais consequências desse extravasamento de conteúdos oxidantes para a luz dos vasos é a depleção do óxido nítrico e a correspondente diminuição de suas propriedades vasodilatadoras, anti-inflamatórias e antitrombóticas. Há, também, estímulo às células da imunidade inata a produzirem citocinas pró-inflamatórias, gerando estado de inflamação sistêmica (BUNN, 1997). O endotélio responde a esse sofrimento difuso com hiperplasia e fibrose nas paredes dos vasos de maior calibre, com estreitamento do lúmen, que, somado à hipercoagulabilidade, facilitam o surgimento de trombos, eventos isquêmicos e hipertensão pulmonar. Nos vasos menores, a constante exposição a fatores adesiogênicos e o afoiçamento das hemácias provocam a vaso-oclusão capilar que causa as crises álgicas e doença da microcirculação.Em resumo, a HbS provoca o afoiçamento das hemácias mediante sua polimerização. Essa deformidade, junto à instabilidade oxidativa intracelular, culminará com a hemólise intra e extravascular. O extravasamento dos conteúdos da hemácia resultará em estímulo à resposta inflamatória e dano endotelial difuso. Este, por sua vez, provocará a hiperplasia e fibrose das paredes dos vasos quem resultam em doença macrovascular, além do aumento da adesividade que causará, junto às hemácias falcêmicas, a vaso-oclusão capliar (KAUL, 1995).

b) AVE na anemia falciformeA etiologia do AVE na anemia falciforme é heterogênea (HILLERY, 2004). Eventos isquêmicos são mais comuns em crianças, enquanto eventos hemorrágicos são mais comuns em adultos

(SWITZER, 2006).Dentre as alterações fisiopatológicas da anemia falciforme, as macrovasculares são as mais diretamente relacionadas ao AVE. 70 a 80% dos AVEs isquêmicos em doentes com anemia falciforme são devidos à oclusão trombótica de grandes vasos. Não obstante, as alterações microvasculares podem causar diversos infartos silenciosos do parênquima, cuja manifestação clínica principal é o déficit cognitivo progressivo (HILLERY, 2004).Em relação aos AVEs hemorrágicos, sua etiopatogenia parece estar associada principalmente à ruptura de aneurismas, cuja incidência é maior em pessoas com anemia falciforme. Os fenômenos de vaso-oclusão e o estresse mecânico causado pelo fluxo sanguíneo turbulento parecem contribuir para o enfraquecimento endotelial, facilitando a dilatação aneurismática (SWITZER, 2006).No caso das grandes artérias, como se trata de um comprometimento insidioso, é relativamente comum entre os falcêmicos a proliferação de redes vasculares colaterais a partir de um grande vaso estenosado (SWITZER, 2006). Um exemplo disso é a expressiva incidência do fenômeno de moyamoya em indivíduos com anemia falciforme (cerca de 30%).Nessa condição, o emaranhado de novos vasos, de menor calibre, funciona como uma espécie de by pass. À arteriografia o novelo de vasos lembra a imagem de uma nuvem de fumaça de cigarro, significado da expressão moyamoya em japonês. Como os capilares dessa circulação são muito friáveis, o risco de hemorragia ou evento isquêmico na região aumenta consideravelmente.Em crianças com anemia falciforme, o fluxo sanguíneo cerebral é mais acelerado, o que provoca maior turbilhonamento do sangue, agravando a lesão da parede vascular e , por consequência, o risco de AVE está aumentado nessas crianças.Além disso, os pacientes com anemia falciforme costumam apresentar diversas alterações nos exames de neuroimagem, mesmo sem história de AVE clinicamente manifesto (HILLERY, 2004 e SWITZER, 2006), apresentando áreas de microinfartos relacionadas a complicações microvasculares. Esses microinfartos parecem ser responsáveis pelas disfunções cognitivas observadas (ELLIOTT, 2010).

3.Quadro clínicoA anemia falciforme possui diversas manifestações

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clínicas, envolvendo quase todos os sistemas do corpo, incluindo o SNC. As complicações neurológicas em pacientes com DF são conhecidas há décadas, mas as explicações para suas diferentes manifestações clínicas ainda não estão bem elucidadas (KEHINDE, 2008).A isquemia e o infarto dos tecidos adjacentes aos vasos acometidos pela anemia falciforme podem ocorrer de forma silenciosa e afetar as funções motora e cognitiva. Pacientes falcêmicos, aparentemente estáveis do ponto de vista hematológico, já podem apresentar complicações neurológicas: AVE e convulsões febris em crianças; convulsões epiléticas, paraplegia e neuropatia sensitiva localizada em adolescentes e adultos. Cefaleia é o sintoma mais associado a crianças e adolescentes (KEHINDE, 2008). A expectativa de vida média para pacientes com anemia falciforme, atualmente, gira em torno de 50 anos, o que possibilitou que essa doença tenha se tornado uma moléstia crônica. Nessa esteira, a disfunção neurocognitiva parece ser o problema mais importante (e menos estudado) que afeta a população em seu envelhecimento (PLATT et al., 1994; POWARS et al., 2005).Estudos pediátricos prospectivos envolvendo a neurocognição e exames de imagem identificaram sérios problemas relacionados a dano cerebral desconhecido em crianças com AF. Comprometimento neurocognitivo global foi observado em pacientes com AVEs clinicamente manifestos, mas crianças neurologicamente intactas também apresentaram comprometimento neurocognitivo que evoluem com o aumento da idade (ARMSTRONG et al., 1996; STEEN et al., 2003; STEEN et al., 2005; HOGAN et al., 2006; BERNAUDIN et al., 2000; KRAL et al., 2006; SCHATZ et al., 2002).Para conseguir aferir esse dado em pacientes de diferentes idades, foi escolhida uma medida de função não verbal em virtude da forte associação entre habilidades não verbais e a disfunção do sistema nervoso central em crianças com AF (ELLIOTT, 2010).Coeficiente de inteligência (QI) mais baixo, dificuldades de aprendizado e comprometimento da função executiva são comuns em crianças com achados normais aos exames de imagem. Até onde sabemos, estudos controlados sobre a função neurocognitiva em adultos não foram relatados, e o rastreio de rotina após a infância tampouco

(ELLIOTT, 2010).Vários fatores de risco para disfunção cerebral isquêmica na AF aumentam a probabilidade de comprometimento neurocognitivo com a idade, incluindo hipóxia e anemia crônica, tendo estes fatores sido associados a distúrbios de oxigenação e perfusão do cérebro na população em geral (OHENE-FREMPONG et al., 1998; MANFRÈ et al., 1999; PEGELOW et al., 2002; MAROUF et al., 2003; SILVA et al., 2009; NAHAVANDI et al., 2004).Se a disfunção neurocognitiva parece ser achado comum em adultos com AF, isso certamente pode contribuir para a deterioração de sua qualidade de vida. Acredita-se que pacientes adultos assintomáticos com a doença e anemia crônica (hemoglobina < 10g/dL) teriam um escore menor na performance de QI (PQI) da escala de inteligência para adultos de Wechsler (WAIS-III), se comparados a um grupo controle (ELLIOTT, 2010).

Há, também, que se mencionar que o comprometimento de outros órgãos e tecidos na anemia falciforme podem representar fatores de risco complementares associados ao declínio neurocognitivo dessa população. São exemplos: a doença pulmonar crônica, falência renal, AVE, hemorragia intracraniana, doença hepática crônica, problemas de saúde mental e hipertensão sistêmica. Consequentemente, o nível de dificuldades cognitivas experimentadas na comunidade de adultos com AF pode estar subestimado (ELLIOTT, 2010). No que concerne à ocorrência de eventos cerebrovasculares nesses pacientes, há três fenótipos principais na anemia falciforme, com suas respectivas peculiaridades.O acidente vascular cerebral isquêmico, cujo pico de incidência encontra-se entre dois a cinco anos, apresenta-se, comumente, com hemiparesia, afasia e outros déficits focais. Na RM (Ressonância Magnética), infartos nos territórios da ACID (Artéria Carótida Interna Distal) e ACM( Artéria cerebral média) podem ser vistos. Na ARM (Angioressonância Magnética), a oclusão de grandes artérias intracranianas e evidências de doença de moyamoya podem ser encontradas. As características histopatológicas incluem hiperplasia da íntima, trombose, hipertrofia do músculo liso e aneurisma. A localização de lesões ocorrem no lobo temporal, parietal e frontal, e também no gânglio basal e o tálamo (HOPPE, 2004).

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O acidente vascular cerebral hemorrágico tem seu pico de incidência entre 20-29 anos e pode vir com dor de cabeça severa, alteração de consciência, convulsões generalizadas e síncope. Em neuro-imagem, pode ser vista HSA (hemorragia subaracnóidea) ou HIC (hipertensão intracraniana) devido à ruptura de aneurisma ou colaterais de moyamoya. A histopatologia mostra dilatações aneurismáticas em regiões de hiperplasia da íntima (HOPPE, 2004).Há, também, uma terceira classe de evento cerebrovascular – o infarto silencioso. Nesse caso, a apresentação clínica tende a ser mais discreta. A incidência de pico parece estar entre 6-22 anos de idade e o número de lesões aumenta com a idade. Os sintomas neurológicos são, muitas vezes, limitados à disfunção neurocognitiva. A neuroimagem mostra infartos em áreas limítrofes dos territórios arteriais, confinados à substância branca profunda (HOPPE, 2004).

4.Fatores de riscoNo Cooperative Study of Sickle Cell Disease, foram identificados os seguintes fatores de risco de AVE em pacientes com anemia falciforme (OHENE-FREMPONG, 1998):a)História prévia de infarto cerebral ou ataque isquêmico transitório (risco relativo –RR: 56);b)Anemia profunda com baixo nível de hemoglobina basal (RR: 1,9 a cada decréscimo de 1g/dL);c)Frequência de episódios de síndrome torácica aguda (RR: 2,4 por evento por ano)d)Episódio de síndrome torácica aguda nos últimos 14 dias (RR: 7,0);e)Pressão sistólica elevada (RR: 1,3 a cada acréscimo de 10mmHg);f)Leucocitose (RR: 1,9 para cada aumento de 5.000/microL) (Esse fator de risco se relaciona sobretudo a AVE hemorrágico).Outros estudos mencionam fatores de risco adicionais, tais como faixa etária entre dois e oito anos, a existência de irmão, portador da mesma doença, que tenha tido um AVE, meningite bacteriana, repetidos episódios de crise convulsiva, disfunção ou infarto esplênico perto da idade de um ano, priapismo, piora no desempenho escolar, ou teste de atenção anormal, e piora nas habilidades motoras finas (POWARS, 2000).

Diagnósticoa)Diagnóstico da anemia falciformeO diagnóstico da anemia falciforme é laboratorial. Há uma queda variável do hematócrito e hemoglobina (de moderada a grave) e reticulocitose entre 3-15% ou mais, hiperbilirrubinemia indireta, aumento da desidrogenase lática (LDH) e queda da haptoglobina. A proteína C reativa (PCR) e as contagens de plaquetas e leucócitos também podem estar elevadas devido à resposta inflamatória sistêmica. No esfregaço de sangue já é possível identificar células afoiçadas, mas a confirmação diagnóstica é dada pela eletroforese de hemoglobina.

b)Diagnóstico do AVE (acidente vascular encefálico)I-Tomografia computadorizada sem contraste e Ressonância magnéticaA avaliação inicial do AVE agudo em portadores de doença falciforme é realizada basicamente mediante das mesmas técnicas utilizadas na população não portadora de hemoglobinopatia: a tomografia computadorizada de crânio (TCC) e a ressonância magnética (RM). A TCC é útil para definir a existência ou não de lesões intracerebrais, sobretudo hemorrágicas. No entanto, ela pode não detectar evento isquêmico agudo em suas primeiras horas ou dias. Por outro lado, a RM oferece visualização anatômica do infarto cerebral em alta resolução (HOPPE, 2004). Esse exame é capaz de detectar até mesmo lesões residuais de infartos cerebrais silenciosos na substância branca e cinzenta ( ÂNGULO, 2007).Além dos infartos cerebrais, a RM também possibilita o diagnóstico de aneurismas no polígono de Willis, estenoses de vasos e da doença de moyamoya ( ÂNGULO, 2007).

II-Angiorressonância e angiotomografiaNo caso de AVEs hemorrágicos, costuma-se acrescentar, ainda, a angiorressonância, o que aumenta em apenas 10 minutos ao tempo padrão necessário para a RM. Esse exame oferece informações importantes acerca do status da circulação cerebral de pacientes com anemia falciforme sintomáticos e de alto risco, mais frequentemente revelando lesões estenóticas ou oclusivas nas artérias cerebral média e carótida interna distal, apresentando especificidade equivalente à do Doppler ou da angiografia. Dessa forma, a angiorressonância, como técnica precisa e não invasiva que produz imagens de alta qualidade,

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descarta a necessidade de uma angiografia com cateter (POWARS, 2000).A angiotomografia, por sua vez, parece oferecer um nível mais apurado de detalhes do que a angiorressonância, mas requer contraste intravenoso e, por isso, não é rotineiramente realizada (HOPPE, 2004).

III-Outras técnicasO atual arsenal diagnóstico para eventos cerebrovasculares em pacientes falcêmicos conta, ainda, com a espectroscopia por ressonância magnética (ERM), que pode evidenciar uma série de alterações metabólicas em áreas de isquemia recente (POWARS, 2000).Em esforço para identificar um dano isquêmico anterior ao desenvolvimento das lesões evidenciadas nos estudos de imagem, técnicas mais sensíveis têm sido desenvolvidas nos últimos anos. Vários estudos avaliaram a fisiologia do cérebro através da tomografia por emissão de prótons (PET). Utilizando marcadores radioativos, o PET mede indiretamente a integridade dos neurônios corticais quantificando a perda de receptores do GABA (Ácido gama aminobutírico ), da mesma forma como mede o metabolismo da glicose e o fluxo sanguíneo microvascular (POWARS, 2000).Contudo, a tecnologia do PET falha ao tentar mostrar lesões da substância branca em regiões fronteiriças de alta convexidade, como consegue mostrar a RM. As comparações entre a sensibilidade e especificidade dos métodos de imagens funcionais do cérebro (PET e SPECT) e na RM não são relatadas (POWARS, 2000).

6.Prevenção primáriaO principal exame capaz de predizer o risco de AVE em adultos com anemia falciforme é a angiorressonância. No caso das crianças e adolescentes, o melhor instrumento é a velocidade do fluxo sanguíneo na artéria carótida interna ou cerebral média, por meio do Doppler transcraniano. Velocidades acima de 170 cm/segundo já são preocupantes. Acima de 200 cm/segundo representam forte indicador de risco de AVE, mesmo na ausência de evidências à angioressonância (KWIATKOWSKI, 2006).Evidenciado o risco, a prevenção primária mais eficaz é a transfusão de troca parcial crônica, mantida por tempo indeterminado. No Stroke Prevention Trial in Sickle Anemia (STOP I), um grupo de 130 crianças , sem história pregressa de

AVE e com fluxo > 200 cm/segundo, foi dividido em dois. Um dos grupos foi submetido a transfusões de troca parcial crônica, visando a manutenção de uma taxa de hemoglobina HbS menor que 30% do total de hemoglobina. O estudo foi finalizado prematuramente, no vigésimo mês em virtude dos benefícios claramente alcançados pelos integrantes do grupo submetido às transfusões profiláticas. Enquanto o grupo submetido à transfusão registrou um caso de AVE isquêmico, o grupo sem prevenção teve dez AVEs isqêmicos e um hemorrágico (ADAMS, 1998). Posteriormente, no mesmo estudo, foi testada a hipótese de que as transfusões seriam necessárias por tempo indeterminado. Dentre os pacientes inicialmente transfundidos, uma parte interrompeu a prevenção e outra a manteve. Seis novos AVEs ocorreram, sendo cinco no grupo que interrompeu a profilaxia e apenas um dentre os que continuaram com ela (WANG, 2013).As terapias com hidroxiureia, AAS ou transplante de células tronco hematopoiéticas ainda não possuem seu risco-benefício elucidado pelas evidências científicas.Importante dizer que as medidas profiláticas para fatores de risco para AVE compartilhados por pessoas não portadoras de anemia falciforme, tais como tabagismo, dislipdemia, fibrilação atrial, HAS, também devem ser observadas pelos indivíduos falcêmicos (DREYER, 2014).Nas crianças, o seguimento longitudinal após triagem neonatal e com adoção de medidas como o uso de penicilina profilaticamente, até os cinco anos, imunizações contra os germes encapsulados e o uso da hidroxiureia são importantes para redução das infecções e a manutenção dos níveis de hemoglobina. As reduções bruscas nos níveis de hemoglobina podem precipitar eventos no SNC, devido hipóxia e isquemia.

7. Prevenção secundáriaa)Hemotransfusão Após um episódio de AVE em paciente com anemia falciforme, a chance de recidiva em três anos é de, aproximadamente, 66%, sobretudo em pacientes menores de 20 anos (PEGELOW, 1995). Além disso, sequelas mais importantes em extensão e duração são mais comuns em eventos recorrentes do que em eventos primários (WANG, 2013). Nesse sentido, a prevenção secundária é de extrema importância. A principal terapia profilática é

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baseada na hemotransfusão de troca parcial crônica. Quando utilizada a ponto de manter a fração de HbS menor que 30% do total, é possível reduzir o risco de recidiva para menos que 10% (RUSSEL, 1984).A duração da profilaxia através de hemotransfusão é indeterminada. Estudos que abordaram as consequências do abandono das transfusões após determinado período de tempo (STOP II) demonstraram um aumento no risco de recorrência (ADAMS, 1998). Há relato de dez pacientes que receberam o tratamento por nove anos e meio após o AVE primário, interrompendo as transfusões ao final deste período. Apenas um ano depois, metade desses pacientes já havia sofrido um evento isquêmico recorrente (WANG, 1991). Contudo, a hemotransfusão por tempo indeterminado acarreta para o paciente uma série de efeitos colaterais indesejados. Dentre eles, podemos citar a hemocromatose secundária, reações imunes e infecção (COHEN, 1992). É possível escapar de tais efeitos mediante outras formas de profilaxia, mantendo proteção semelhante (mas o padrão-ouro para prevenção secundária ainda é a hemotransfusão).

b)Hidroxiureia A hidroxiureia é opção complementar importante, pois pode ser usada em condições nas quais a transfusão precisa ser descontinuada. Isso ocorre, por exemplo, quando as hemotransfusões são interrompidas, por questões religiosas, reações autoimunes, sobrecarga de ferro, alergia aos eventuais quelantes de ferro utilizados ou até mesmo diante da ocorrência de AVE por ocasião da vigência do tratamento (KWIATKOWSKI, 2012).O objetivo da administração de hidroxiureia é aumentar os níveis de hemoglobina fetal (HbF) no sangue, o que ocasiona melhora da anemia e reduz os fenômenos inflamatórios (WARE, 1999). A dose inicial é de 15 a 20mg/kg/dia, e pode alcançar até 35mg/kg/dia dependendo de sua toxicidade em cada caso.Estudos iniciais para pesquisar a eficácia da hidroxiureia constataram melhoria na eficácia da prevenção de um segundo evento isquêmico quando associada à hemotransfusão (3,6% dos pacientes tiveram um novo AVE). Em crianças, constatou-se, inclusive, importante queda na velocidade do fluxo em grandes artérias cerebrais, medida pelo Doppler transcraniano.Em importante estudo multicêntrico, realizado para pesquisar as consequências da substituição da

hemotransfusão pela hidroxiureia, destaca-se o Stroke With Transfusions Changing to Hydroxyurea – SWITCH Trial. Esse estudo reuniu crianças e adolescentes com história de AVE, observadas por, no mínimo, um ano e meio de terapia transfuscional, causando hemocromatose secundária. A ideia foi comparar um grupo que daria continuidade à hemoterapia associando-se a ela quelantes do ferro. No outro grupo, as transfusões seriam substituídas pela hidroxiureia e o acúmulo de ferro seria drenado por flebotomia.No primeiro grupo, que recebeu o tratamento padrão, não houve AVEs. Já no grupo experimental, 10% dos pacientes sofreram eventos cerebrovasculares. Em relação à concentração de ferro no fígado, os resultados foram os mesmos em ambos os grupos (WARE, 2012). A terapia com hidroxiureia pode levar à mielotoxicidade e causar neutropenia e trombocitopenia, recomendando-se o monitoramento constante da contagem dessas células. O potencial carcinogênico da droga parece ser pequeno (SWITZER, 2006). Apesar dos resultados do SWITCH indicarem certa superioridade da hemotransfusão sobre a hidroxiureia, estudo recente, ainda não publicado, parece apontar em outra direção. Trata-se do estudo Twitch – Transcranial Doppler with transfusions changing to hydroxyurea, que compara a eficácia da hidroxiureia com transfusões regulares para prevenção primária do AVE, tendo revelado proteção equivalente para ambas a modalidades terapêuticas.c)Transplante de medula ósseaEmbora a morbimortalidde do transplante de células tronco ainda seja motivo de investigação, a pequena experiência que se tem a respeito sugere que a doença cerebrovascular não progride após sua ocorrência Dada a dependência de transfusões, demonstrada pelo STOP 2, e dados os problemas associados às transfusões de longo prazo visando a prevenção de AVEs, o transplante de células tronco deve ser considerado como opção para prevenção primária do acidente vascular encefálico na DF (STROUSE, 2011).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASADAMS, R.J. et. al. Prevention of a First Stroke by Transfusions in Children with Sickle Cell Anemia and Abnormal Results on Transcranial Doppler Ultrasonography. N Engl J Med 1998; 339:5-11July 2, 1998

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ESTUDO DO VALOR PROGNÓSTICO DO ESCORE DE GRACE APÓS DOIS ANOS DE SEGUIMENTO EM PACIENTES ADMITIDOS COM QUADRO DE SÍNDROME CORONARIANA AGUDA

AR

TIG

O

1 Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH),Vespasiano,MG, Brasil.2 Coordenador do Pronto Socorro de Cardiologia do Hospital Mater Dei BeloHorizonte,MG, Brasil.3 Coordenador do CTI Cardiovascular do Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG, Brasil.4 Professor da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana ( FASEH) , Vespasiano, MG, Brasil.

Silva, I.A.G. 1 ; Pereira, C.F.A. 1 ; Luz,F.F. 1 ; Cordeiro, M.L. 1 ; Moreira, T.C. 1; Fonseca, B.A. 2 ; Ornelas, C.E. 3 ; Barros, M.V.L. 4

Contato:E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO O escore de risco do Registro Global de Evento Coronariano Agudo (GRACE) é considerado uma ferramenta importante para estabelecer o prognóstico de pacientes que apresentaram síndrome coronariana aguda (SCA). Entretanto, a literatura nacional é escassa na avaliação para seguimento superior a seis meses.

METODOLOGIA

Utilizou-se delineamento de coorte retrospectiva em pacientes admitidos por SCA, em hospital terciário de Belo Horizonte, no período de fevereiro de 2012 a março de 2015. Foram avaliadas diversas variáveis relacionadas ao GRACE, correlacionando suas categorias no período de seguimento com a evolução para os desfechos de morte por todas as causas, nova SCA e/ou acidente vascular encefálico.

RESULTADOS: Foram avaliados 303 pacientes, com ocorrência de 80 eventos adversos, com seguimento médio de 31 meses. A maior incidência de desfechos negativos (62,5%) foi constatada no grupo C do GRACE, sendo que pela análise multivariada a idade [HR=1,05 (IC 95% 1,03 – 1,08, p<0,001)], o GRACE [HR=3,10 (IC 95% 1,57 – 6,11, p<0,001)], o Killip [HR=2,59 (IC 95% 1,56 - 4,31, p<0,001)] e a dosagem da creatinina [HR=2,26 (IC 95% 1,38 - 3,68, p=0,010)] foram preditores independentes para ocorrência dos eventos adversos. Além disso, a análise de sobrevida pela curva de Kaplan Meier demonstrou o valor do GRACE na predição de eventos adversos (Log-Rank = 0,000).

CONCLUSÃO: O escore de GRACE apresentou-se como variável independente na predição de eventos adversos em pacientes com SCA durante o período médio de 31 meses, revelando-se ser útil na estratificação de risco a médio prazo desses pacientes.

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Palavras-Chave: Síndrome coronariana aguda, escore de risco, prognóstico, escore de GRACE, acompanhamento.

ABSTRACT

BACKGROUND: The risk score of the Global Acute Coronary Artery Registry (GRACE) has been considered as an important tool, since its variables have proven prognostic value for patients presenting with acute coronary syndrome (ACS). However, the national literature is poor to evaluate the follow-up of more than six months. METHODS: A retrospective cohort study was performed with patients admitted for ACS at a private hospital in Belo Horizonte from February 2012 to March 2015. Several variables related in GRACE were evaluated, correlating their categories in the follow-up period with the evolution for death, or other outcomes from all causes, new ACS and / or stroke. RESULTS: A total of 303 patients were evaluated, with 80 conjoint events, with a follow-up mean of 31 months The highest incidence of negative outcomes (62.5%) occurred in the group C of GRACE, and by multivariate analysis, age [HR = 1.05 (95% CI 1.03 - 1.08, p <0.001)], GRACE [HR = 3.10 (95% CI 1.57 - 6.11, p <0.001)], Killip [HR = 2.59 (95% CI 1.56 - 4.31, p <0.001)] and creatinine [HR = 2.26 (95% CI 1.38-3.68, p = 0.010)] were independent predictors for adverse events, and survival curve analysis of Kaplan Meier demonstrated the value of GRACE in the prediction of adverse events (Log-Rank = 0.000). CONCLUSION: The GRACE score was an independent variable in the prediction of adverse events in patients with ACS during a mean period of 31 months, which may be useful in the medium-term risk stratification of these patients.

Key-Words: Acute coronary syndrome, risk score, prognosis, GRACE score, follow-up

INTRODUÇÃO

A Síndrome Coronariana Aguda (SCA) engloba um grupo de condições que caracterizam a isquemia miocárdica aguda. São elas: Angina Instável (AI), Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) sem supradesnivelamento do segmento ST e IAM

com supradesnivelamento do segmento ST. A isquemia cardíaca é a principal causa de morte no mundo inteiro, sendo responsável por até 7,4 milhões de óbitos, o que corresponde a 13,2% de todas as mortes. No Brasil, essa doença é a principal causa de óbito, responsável por 31%, o que ultrapassa a taxa de morte por acidente vascular encefálico (AVE), que é cerca de 30%.1

As doenças de amplo espectro, como as SCA, necessitam de estimativas de risco, já que essas possuem implicações em condutas clínicas e, consequentemente, no prognóstico dos pacientes. A determinação do prognóstico possibilita a rápida indicação de procedimentos complexos como cineangiocoronariografia, angioplastia e revascularização cirúrgica para pacientes de alto risco e menor tempo de internação para indivíduos classificados como baixo risco. Os principais escores de risco desenvolvidos para a avaliação da SCA são o Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI) e o Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE). O GRACE foi criado devido à necessidade observada de se estratificar o risco de cada paciente portador de SCA como alternativa para orientar o manejo do mesmo. Atualmente, esse escore tem sido considerado uma ferramenta importante, de validade clínica comprovada por diversos estudos.2

Acreditava-se que as variáveis adotadas no escore de GRACE apresentavam relação prognóstica para delinear melhor acompanhamento longitudinal, determinando uma provável evolução do paciente a longo prazo. Com isso, este estudo tem como objetivo avaliar a predição do escore em dois anos de seguimento, analisando se os desfechos (morte por todas as causas, nova SCA e/ou AVE) apresentaram correlação com a classificação obtida pelo GRACE na internação.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi delineado por uma coorte com coleta retrospectiva dos dados. Foram utilizados dados de pacientes admitidos com quadro SCA no serviço de Unidade Coronariana e submetidos à avaliação de risco pelo escore de GRACE em hospital terciário de Belo Horizonte, o Hospital Mater Dei.

Para elaboração do banco de dados foram

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estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: pacientes admitidos com quadro de SCA de causas primárias (IAM com e sem supradesnivelamento do segmento ST e AI), que foram submetidos à avaliação de risco pelo escore de GRACE (ANEXO A). Foram excluídos pacientes com SCA de causas secundárias (trauma ou cirurgias, por exemplo), pacientes que se recusaram a responder o questionário, assim como aqueles que não concordaram com a participação no estudo e com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Além disso, foram retirados do estudo pacientes com perda de seguimento e os com desfecho morte intra-hospitalar. Os pacientes foram selecionados de forma consecutiva, a partir de fevereiro de 2012 até março de 2015. Ao final da coleta de dados, o número amostral foi de 348 pacientes.

O tamanho da população amostral foi baseado na proporção de casos entre os expostos que é de 18%. Considerando um risco relativo de 2, um nível de significância de 5% e o poder de teste de 80%, pode-se calcular, para um teste de hipótese bicaudal, uma amostra de 92 pacientes para cada grupo.

Os dados dos pacientes foram obtidos por meio de prontuário eletrônico. O seguimento foi estabelecido mediante entrevista telefônica, que possibilitou averiguar a ocorrência de óbito, nova SCA e/ou AVE até o período de contato.

Análise estatística

As características demográficas e clínicas da população estudada foram expressas como números e porcentagens para as variáveis categóricas, comparadas pelo teste do qui-quadrado, e como média e desvio padrão para as variáveis contínuas, utilizando-se o teste t de Student. Para satisfazer o pressuposto da independência dos acontecimentos, a recorrência de eventos cardíacos em um participante não foi incluída na análise.

O modelo de regressão de Cox foi empregado para se avaliar o valor das variáveis clínicas na predição de eventos cardíacos. Inicialmente, a análise univariada das características clínicas e das variáveis foi realizada para se identificar preditores em potencial. O Hazard ratio (HR) foi calculado com intervalo de confiança (IC) de 95% como estimativa do risco associado a uma variável

particular. Posteriormente, a análise multivariada foi realizada, incluindo todas as variáveis que apresentaram p<0,250 na análise univariada. A avaliação de sobrevivência foi realizada pelo método de Kaplan Meier, sendo correlacionado o período de seguimento com a evolução para o desfecho das três categorias do GRACE. Utilizou-se a classificação por grupo conforme proposição na diretriz de 2014 da Sociedade Brasileira de Cardiologia, sendo que pacientes que obtiveram pontuação inferior a 109 foram classificados no grupo A, de 109 a 140 no grupo B e superior a 140 no grupo C.3

As análises estatísticas foram então feitas utilizando-se o software SPSS (versão 18.0, SPSS Inc., Chicago, Illinois) sendo que o valor p<0,050 foi considerado estatisticamente significativo.

O projeto foi realizado segundo a requisição enviada por meio da Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH) - CAAE: 50856915.6.0000.5101. O princípio de anonimato foi rigorosamente cumprido, respeitando-se o sigilo médico do paciente.

RESULTADOS

As características gerais dos pacientes estão resumidas na Tabela 1. No total, 348 pacientes consecutivos foram incluídos no estudo, com idade média de 65,9 ± 13,8 anos (variando entre 21 e 99 anos). Agrupando-se os pacientes por faixas etárias, a maioria se concentra entre 50 anos e 79 anos (68,1%). Já a faixa etária menos prevalente é a de pacientes menores de 40 anos (1,4%), seguida dos pacientes com 90 anos ou mais (3,7%). A maior parte era do gênero masculino, 220 deles (63,2%), enquanto 128 (36,8%) eram do gênero feminino. A faixa de pressão arterial sistólica (PAS) que predominou no momento da internação foi de 120 a 139,9 mmHg (36,4%), seguida daqueles com pressão entre 100 a 119,9 mmHg (24,6%). A FC dominante no momento da internação situou-se no intervalo de 70 a 89,9 bpm (48,9%), seguida da faixa de 50 a 69,9 bpm (36,2%). Em relação à creatinina, a maioria dos pacientes obteve nível na faixa de 0,8 a 1,19 mg/dL (50,7%), seguidos dos com nível de 0,4 a 0,79 mg/dL (28,1%). No que se refere à classificação de Killip, a maior parte dos pacientes encontrava-se na classe I (84,4%), seguidos dos que estavam na classe

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II (10,7%). Quanto ao valor da troponina, 58% dos pacientes apresentaram elevação, enquanto 42% estiveram dentro da faixa de normalidade.

O seguimento médio foi de 31 meses, com 303 pacientes (87,06%). Durante esse período ocorreram 80 (26,4%) eventos adversos, sendo que 12 (15%) no grupo A, 18 (22,5%) no grupo B e 50 (62,5%) no grupo C. Observou- se óbito em 27 pacientes, AVE em 15 e SCA em 42, como pode-se ver na tabela 2. Constatou-se mortalidade de 1,4% no grupo A, 8,7% no grupo B e 13,4% no grupo C. A ocorrência de AVE foi de 1,3% no grupo A, 3,8% no grupo B e 7,8% no grupo C. Quanto à SCA, a distribuição foi de 16,4% no grupo A, 5,8% no grupo B e 18,8% no grupo C. Desse modo, totalizando 8,9% de óbitos, 4,9% de AVE e 13,8% de SCA (Tabela 2). Houve pacientes que apresentaram mais de um evento.

Tabela 1 : Características dos pacientes no início do estudo

Tabela 2: Relação de Eventos Isolados por grupo do GRACE

Tabela 3: Características basais da população estudada de acordo com a ocorrência de eventos cardíacos

Dentre as diversas variáveis estudadas, a análise da troponina não revelou diferença signifi cativa nos diversos estratos avaliados entre os grupos (p=0,510), o mesmo ocorrendo com a medida da FC na internação (p=0,130). As medidas da PAS (p=0,045) e da creatinina (p=0,001) revelaram diferença signifi cativa entre os grupos avaliados (p<0,05).

Na Tabela 3, pode-se visualizar a análise univariada das características para prever eventos. Na análise multivariada (Tabela 4), as variáveis que foram signifi cativas na análise anterior foram incluídas. Conforme indicado na Tabela 4, os preditores independentes de eventos adversos obtidos na análise multivariada foram idade (HR 1,05; 95% IC; p<0,001), dosagem da creatinina (HR 2,26; 95% IC; p=0,010), classifi cação por Killip (HR 2,59; 95% IC; p<0,001) e classifi cação por GRACE (HR 3,1; 95% IC; p<0,001).

Na Figura 1, a curva de Kaplan Meier demonstra o valor do GRACE na previsão de eventos adversos (Log-Rank = 0,000). As curvas de sobrevida evidenciam

Pacientes (n=348) N Frequência

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Tabela 4: Modelo de regressão logística multivariada na predição de eventos cardíacos

Variáveis HR 95% CI p value

Idade 1,1 1,03 – 1,08 <0,001

GRACE 3,1 1,57 – 6,11 <0,001

KILLIP 2,6 1,56 – 4,31 <0,001

Creatinina 2,3 1,38 – 3,68 0,01

DISCUSSÃO

Para constatar a precisão de um modelo de risco que tem como objetivo prever desfechos, o método adequado é o de analisar esperado versus observado após determinado período de seguimento. Observou-se, no corrente estudo, que a mortalidade

está presente em todos os subtipos de SCA (IAM com e sem supradesnivelamento do segmento ST e AI). Além disso, esse desfecho apresentou apreciável correlação com a classificação (A, B ou C), obtida pelo cálculo do escore de risco de GRACE.

Pacientes jovens, sem histórico de doenças cardiovasculares, insuficiência renal e hemodinamicamente estáveis, em sua maioria, tiveram pontuação inferior a 109, o que os classifica como pertencentes ao grupo A (baixo risco e mortalidade baixa). Os que obtiveram maior pontuação de risco foram mais susceptíveis, de maneira significativa, a ter padrões de doenças mais graves do que aqueles pertencentes ao grupo de baixo risco.

Primeiramente, o escore de GRACE previu a taxa de desfechos intra-hospitalares e nos primeiros seis meses após SCA, porém não havia dados que justificassem sua validade posteriormente. Outros estudos, como o de Tang et al (2007), encontraram resultados que convalidam o escore após seis meses, apresentando relação em um ano de seguimento para evento combinado (óbito e nova SCA) e em até quatro anos para o desfecho óbito.4 Nesse estudo demonstrou-se o valor prognóstico das variáveis analisadas, além de corroborar com outros trabalhos o fato de o GRACE ser uma excelente ferramenta para prever desfechos adversos no seguimento de pacientes após SCA. Em nosso seguimento foi observada a correlação entre as classificações de gravidade com a evolução para eventos negativos, seja óbito, AVE, nova SCA ou até mesmo a associação destes eventos.

Nesse trabalho, foram encontrados resultados quanto à mortalidade no seguimento de 31 meses, sendo 1,4% no grupo A, 8,7% no grupo B e 13,4% no grupo C. Esses achados diferem do esperado na Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST (2014), que relata mortalidade intra-hospitalar esperada para GRACE A, B e C respectivamente inferior a 1%, 1 a 3% e 3 a

17%.³ É razoável atribuir que a diferença encontrada nos grupos A e B seja devido ao perfilepidemiológico brasileiro, visto que não há estudos nacionais para estabelecer comparação. Esse achado sugere que novos estudos são recomendados para explicar tais diferenças.

Em relação à incidência de AVE nessa

que os maiores valores no escore de GRACE estavam associados com maior mortalidade.

FIGURA 1 – Curva de Kaplan Meier da variável GRACE na predição de eventos adversos.

Chi-SquareLog Rank (Mantel-Cox)

24,46DF2

Sig0,000

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população, observaram-se taxas de 1,3% no grupo A, 3,8% no grupo B e 7,8% no grupo C. Isso é corroborado pelos resultados encontrados por Lee et al (2010), que evidenciaram a relação entre maiores pontuações no escore de GRACE e a ocorrência de doença cerebrovascular.5

Quanto à presença de novo evento coronariano, os resultados foram 16,4%, 5,8% e 18,8% nos grupos A, B e C, respectivamente. Isso significa, de acordo com Yan et al (2010) que, apesar dos avanços terapêuticos e estratificação do risco, a recorrência de nova SCA continua a ser frequente.6

O valor da creatinina pode revelar a presença anterior de insuficiência renal que, comprovadamente, altera o prognóstico dos pacientes. Isso foi relatado em outros estudos, como o de Prabhudesai et al (2012), que observaram pior prognóstico em pacientes com nível inicial de creatinina maior que 1,4 mg/dl.7 O valor da creatinina da internação foi substituído na atualização do GRACE, versão 2.0, pela história de disfunção renal. Essa alteração demonstrou impacto similar à variável original para seguimento a médio ou longo prazos.8 Neste estudo baseia-se na análise convencional, mostrando sua importância como preditor independente (HR 2,26; 95% CI; 1,38 a 3,68; p=0,010) de eventos adversos à médio prazo após um episódio de SCA. A história prévia do paciente nem sempre é bem informada pelos registros dos serviços de urgências, sendo a creatinina quantificada no período da internação uma alternativa de se evitar esse viés de informação. Pela ausência de diferença considerável entre o uso da variável original ou da versão atualizada, devido aos resultados semelhantes quando comparadas, a escolha de qual utilizar deve ser individualizada.

O aumento da idade também revelou associação significativa com desfechos adversos na avaliação multivariada (HR, 1,06; 95% CI; 1,04 a 1,08; p<0,001), comprovando ser importante indicador de risco. Isso é demonstrado no estudo de Prabhudesai et al (2012), que encontraram essa associação principalmente em pacientes acima de 50 anos.7 Fox et al (2006) também afirmaram que a idade avançada foi forte preditor na análise multivariada em seu estudo.9

A classificação de Killip é outra variável que, assim como a creatinina, foi substituída na atualização do escore, sendo que, na versão 2.0, utiliza-se o histórico de

uso de anti-hipertensivos diuréticos. Não se observou ganho significativo, possuindo performance equivalente com ambas as variáveis.8 Devido a esse fato, torna-se questionável a necessidade de sua alteração dentro do escore. Neste estudo, esta classificação se mostrou importante na análise multivariada (HR, 3,20; 95% IC; 3,20 a 17,45; p<0,001) para predição de eventos, o que foi observado por Fox et al (2006).9

Entretanto, no presente estudo, observou-se que as comorbidades prévias dos pacientes, tais como hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia, tabagismo e diabetes mellitus (DM) não apresentaram significância estatística (p<0,050) quanto à evolução para desfechos negativos. Esse achado contraria os resultados de Tang et al (2007), que constataram significância na presença de DM, tabagismo e dislipidemia para óbito em suas análises univariada e multivariada. Esse mesmo estudo, no entanto, também observou a falta de correlação com a história prévia de HAS.4

Além disso, ao contrário dos achados apresentados nos demais estudos, aqui não se observou diferenças significativas entre os grupos na presença de elevação de marcadores de necrose miocárdica (p=0,510) e da FC na internação (p=0,130). Isso poderia indicar a necessidade de reavaliação da importância dessas variáveis como determinantes de gravidade. Observa-se a ausência de relevância estatística associada ao aumento da troponina também em outros estudos, tal qual Raposeiras-Roubín et al (2015), que constataram ausência de significância entre a elevação deste marcador com evolução de complicações. Dessa forma, percebe-se que este achado não foi restrito ao presente estudo.10 No entanto, o presente trabalho é discordante em relação aos achados referentes à FC na internação quando comparado aos trabalhos anteriores. Para Fox et al (2014), esta variável apresentou associação com óbito ou nova SCA em um ano, por meio de modelo não-linear. Achado semelhante foi encontrado para óbito em três anos.8

As limitações da presente pesquisa foram principalmente atribuídas ao tipo de estudo realizado, bem como por ser estudo de centro único. Devido à dependência de se obter informações de pacientes por meio da entrevista telefônica, aumentou-se o

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risco de ocorrência do viés de memória. Além disso, a perda seguimento (12,9%), por não obter contato ou a recusa do paciente em participar, contribuíram para redução do tamanho amostral.

CONCLUSÃO

Os resultados deste trabalho permitem sugerir proporcionalidade entre os desfechos morte por todas as causas após alta, nova SCA e AVE, em período médio de 31 meses quando comparadas às curvas de sobrevida à internação, demonstrando a importância da implementação do escore de GRACE durante a admissão hospitalar de pacientes com quadro de SCA.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS ANEXO A

Escore de Risco de GRACE após 6 meses de alta hospitalar após internação por SCA.VARIÁVEL PONTUAÇÃO

IDADE (Anos)

<29 0

30-39 040-49 1850-59 36

60-69 55

70-79 7380-89 91≥ 90 100

HISTÓRIA PREVIA

Insuficiência Cardíaca Congestiva 24

Infarto Agudo do Miocárdio 12

ACHADOS NA INTERNAÇÃO HOSPITALAR:

FREQUENCIA CARDÍACA (bpm)

<49,9 0

50-69,9 3

70-89,9 9

90-109,9 14110-149,9 23

150-199,9 35≥ 200 43

PRESSÃO ARTERIAL SISTÓLICA (mmHg)

≤ 79,9 2480-99,9 22

100-119,9 18

120-139,9 14140-159,9 10160-199,99 4

≥ 200 0

ALTERAÇÃO ELETROCARDIOGRÁFICA

Infra-desnívelamento do Segmento ST 11

VALORES SÉRICOS DE CREATININA (mg/dL)

0 - 0,39 10,4-0,79 30,8-1,19 51,2-1,59 71,6 -1,99 92,0-3,99 15

≥ 4,0 20ALTERAÇÕES DE MARCADORES DE NECROSE

CARDÍACOS

Elevados 15INTERVENÇÃO CORONARIANA PERCUTÂNEA INTRA-

HOSPITALAR

Não Realizada 14

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A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE DENUNCIA A BARBÁRIE. APONTAMENTOS CRÍTICOSPRELIMINARES SOBRE O PROBLEMA DA RELAÇÃO HOMEM/NATUREZA E A ALTERNATIVA JONASIANA.

AR

TIG

O

1 Professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

1 JONAS, Hans. Técnica, medicina e ética, p. 51.

Campos, H.S.N. 1

O homem, no atual cenário, desenhado pela comunidade científica do mundo todo, a seguir praticando uma relação de predação e degradação da biosfera, corre o risco de, em pouco tempo, vivenciar a barbárie e experiências escatológicas. A alternativa teórica, pelo menos nas ciências humanas, que nos salta aos olhos, a dar a resposta ao colapso que se avizinha, é a chamada Ética da Responsabilidade, com sua heurística do medo, consagrada na obra prima de Hans Jonas. Resta-nos saber se a alternativa normativa de Jonas e as denúncias que ele leva a cabo, bem como os fundamentos de sua argumentação, dão conta de responder satisfatoriamente às demandas dos dias atuais. Pretendemos, no momento, realizar alguns apontamentos iniciais sobre o problema, no sentido de mostrar, consequentemente, a continuidade das investigações. Seria, afinal, a filosofia de Jonas uma saída teórica ao problema da relação homem –natureza, em geral, e do problema ecológico em particular? O filósofo judeu alemão, Hans Jonas, se propôs a responder de maneira mais resumida, em um de seus artigos reunidos e publicados numa coletânea intitulada Técnica, Medicina e Ética: sobre a prática do princípio responsabilidade, a uma questão sobre o tema de maior interesse em sua obra principal (O Princípio Responsabilidade): Por que a técnica moderna é objeto da ética? Ou seja, pretendeu com a questão fazer incidir sobre o tema da técnica categorias da ética, por entender que “a técnica é um exercício de poder humano, isto é, uma forma de ação e toda forma de ação humana está sujeita a uma avaliação moral1”. A partir dessa perspectiva percebe-se que o poder da técnica, segundo o autor, teria uma ambivalência: ora seria usado para o bem e ora para o mal, mas sem que se recaísse sobre o seu uso, pelo menos

Contato:E-mail: [email protected]

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2 JONAS, Hans. O princípio Responsabilidade, p. 29.

3 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade, p. 230

na leitura da ética tradicional até então, qualquer aspecto normativo, valorativo ou avaliador. Como se houvesse na discussão das questões relativas ao uso da técnica uma neutralidade, porque o objeto para o qual, muitas das vezes ela se volta, não dispõe dos valores necessários para que qualquer ação ética possa ser considerada digna de ser pensada, porque um dos polos da ação não faria parte da humanidade. A partir desse ponto, salta aos olhos alguns problemas, já que toda a ética - até o momento em que Jonas se propõe a refletir criticamente, a interface, ética, técnica e vida - teria compartilhado obrigatoriamente alguns pressupostos básicos:

i) a condição humana, conferida pela natureza do homem e pela natureza das coisas, encontra-se fixada de uma vez por todas em seus traços fundamentais; ii) com base nesses fundamentos, pode-se determinar sem dificuldade e de forma clara aquilo que é bom para o homem; iii) o alcance da ação humana e, portanto, da responsabilidade humana é definida de forma rigorosa2.

Tendo isso em mente, segundo Jonas, “ o exercício do poder humano em relação ao mundo vivo restante é um direito natural, fundado em nosso maior poder. Esse foi o ponto de vista prático de todos os tempos, ao longo dos quais o conjunto da natureza parecia invulnerável, estando, portanto, inteiramente disponível para os homens, como objeto de usos particulares3”. Para

tanto, ele vê que as éticas tradicionais não dão conta de responder às questões contemporâneas, muito em razão de um antropocentrismo que governaria sua reflexão normativa. Como se somente o homem pudesse fazer parte do campo da ética, por ser só o homem o ser de razão capaz de se dar valores e agir livremente. Por outro lado, a moralidade seria tratada exclusivamente sob o prisma de teorias que viabilizam a avaliação de ação em razão das intenções do agente, em relação às consequências imediatas de suas ações. Desse modo, se denuncia o aspecto exclusivamente intersubjetivo e imediato da moralidade, excluindo, por sua vez, as consequências longínquas e imprevisíveis dos atos e, ainda, os demais seres e a biosfera. Mas onde e como, a princípio, estariam as dificuldades encontradas por Jonas, sobre as quais a ética seria convidada a dar novas respostas, no que se refere ao relacionamento entre técnica e o mundo da vida? O filósofo há de mostrar, por exemplo, na abertura de O Princípio Responsabilidade, o conflito que se estabelece na relação do homem com a natureza, desde a tradição clássica, na fala do Coro em Antígona:Há muitas maravilhas, mas nenhumaÉ tão maravilhosa quanto o homem.Ele atravessa, ousado, o mar grisalho, impulsionado pelo vento sulTempestuoso, indiferente às vagasEnormes na iminência de abismá-lo;E exaure a terra eterna, infatigável,Deusa suprema, abrindo-a com o aradoEm sua ida e volta, ano após ano,Auxilidado pela espécie equina. Ele captura a grei das aves lépidasE as gerações dos animais selvagens:

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4 SÓFOCLES, A Trilogia Tebana, p. 210-211.

5 JONAS, Hans. O Princípio Responsabilidade, p. 31-32.

E prende a fauna dos profundos maresNas redes envolventes que produz,Homem de engenho e arte inesgotáveis.Com sua armadilha ele prendeA besta agreste nos caminhos íngremes;E doma o potro de abundante crina,Pondo-lhe na cerviz o mesmo jugoQue amarra o fero touro das montanhas.Soube aprender sozinho a usar a falaE o pensamento mais veloz que o ventoE as leis que disciplinam as cidades,E a proteger-se das nevascas gélidas,Duras de suportar a céu aberto,E das adversas chuvas fustigantes;Ocorrem-lhe recursos para tudoE nada o surpreende sem amparo;Somente contra a morte clamaráEm vão por um socorro, embora saibaFugir até de males intratáveis.Sutil de certo modo na inventivaAlém do que seria de esperar,E na argúcia, que o desvia às vezesPara a maldade, às vezes para o bem,Se é reverente às leis de sua terraE segue sempre os rumos da justiçaJurada pelos deuses ele elevaà máxima grandeza a sua pátria.Nem pátria tem aquele que, ao contrário,adere temerariamente ao mal;jamais quem age assim seja acolhidoem minha casa nem pense igual a mim4!

No contexto geral da peça a fala do coro acima referida tem um sentido muito importante, em razão, especificamente, dos acontecimentos sobre os quais ela pode ser a expressão mais elogiosa. Na altura desse hino ao homem, Creonte acaba de promulgar o édito que interdita o enterro de Polinice, o suposto traidor que queria usurpar o trono de Tebas de seu irmão que tentava, por isso, defendê-lo. O coro, portanto, teria cantado a ousadia humana, figurada de um certo modo

por Creonte, ao estabelecer novo tipo de ordenamento à vida na cidade, interditando o enterro do traidor. O rei mostraria, em termos de critérios objetivos, a distinção qualitativa para as ações dos irmãos de Antígona, a partir dos quais o traidor da pátria distinguir-se-ia do seu defensor, o mau do bom, o injusto do justo. Pela lei estatal, o rei inverte o polo de determinações da vida humana e instaura uma ruptura radical com a imutabilidade, eternidade, incondicionalidade típica das leis divinas que fazem do enterro prática necessária e inquestionável. Com seu Creonte, Sófocles, avant la lettre, traz à baila os principais temas jurídicos e políticos sobre os quais o Ocidente, de algum modo, vai se debruçar nos próximos séculos, ao colocar na dimensão trágica, o conflito entre as personagens que defendem, ao seu modo, as assim chamadas, fontes normativas, a partir das quais se expressam as dualidades: moralidade e legalidade; jusnaturalismo e juspositivismo; sociedade e estado.

Ou seja, aonde Sófocles vê uma ousadia, vê também a capacidade de o homem ser o que é pela produção de seu modo de vida próprio, Jonas, por seu turno, enxerga uma “angustiosa homenagem ao opressivo poder humano”, ao narrar “sua irrupção violenta e violentadora na ordem cósmica”, pois, “ a violação da natureza e a civilização do homem caminham de mãos dadas5”. Mais adiante o autor salienta

que ali não está dito, mas que estava implícito para aquela época, é a consciência de que, a despeito de toda grandeza ilimitada de sua engenhosidade, o homem, confrontado com os elementos, continua pequeno: é justamente isso que torna as suas incursões naqueles elementos

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6 Id. Ibid., p. 32.

7 JONAS, Hans. O Princípio Responsabilidade, p. 44.

8 OLIVEIRA, Jelson. Compreender Hans Jonas, p. 92.

tão audaciosas e lhe permite tolerar a sua petulância. Todas as liberdades que ele se permite com os habitantes da terra, do mar e do ar deixam inalterada a natureza abrangente desses domínios e não prejudicam suas forças geradoras6.

De fato, no escopo geral da peça, a ousadia humana, seja representada pela relação homem e mundo natural, seja pela relação nomos e physis em sua dimensão normativa, paga um duro preço. Basta lembrar da segunda grande fala do coro, ao final da peça, em que a pequenez do homem é associada à ignorância face ao destino que os deuses, por vezes, são hábeis em determinar. Creonte ao ser capaz de dar aos homens uma segunda ordem de acordo com a qual possam organizar suas vidas, no seio da cidade, pagou o preço de tentar dar à humanidade a chance de ser livre e criar um mundo do artifício, como governante, como artesão da política. Técnica, racionalidade, pensamento, leis são as expressões da humanidade do homem postas por serem suas diferenciações necessárias para que, diante da imutabilidade essencial da ordem cósmica, e da permanência da natureza, fossem capazes de inaugurarem a história. Existe uma marca humana na mutabilidade de suas obras, na polis, por exemplo, onde eles poderiam criar leis a partir das quais a permanência propriamente humana poderia ser expressa de modo artificial. Na visão de Jonas, o homem teria criado uma cidade universal e um dever ser que teria usurpado o lugar da natureza na ordem do mundo. Nesse sentido, até mesmo a diferença essencial entre natural e artificial teria desaparecido, porque aquela esfera fora tragada por

esta, ou seja, “as obras do homem que se transformara no mundo, agindo sobre ele e por meio dele, criaram um tipo de natureza, isto é, uma necessidade dinâmica própria com a qual a liberdade humana defronta-se em um sentido inteiramente novo7”.

Nos dias atuais a capacidade produtiva humana teria ganhado um ritmo próprio, movido, em larga medida, pela noção de novidade. O Homo faber teria a habilidade de transformar, pelo seu poder legitimado pelo seu saber, o mundo a sua volta, e ainda a sua própria natureza, como se fosse agora então, senão agente de suas ferramentas, paciente de suas novidades. Teria o ser humano perdido a autonomia que ele mesmo soube construir diante de sua fraqueza natural face às adversidades do mundo físico, porque a técnica teria, como Dr. Frankenstein, suplantado o poder controlado do criador. A relação entre produto da arte e arte ficam, na concepção de Jonas, fortemente ameaçadas nos dias atuais, como se não houvesse freios - dada a neutralidade axiológica da esfera do produzir com a natureza material inerte - para suas criações. Segundo Oliveira, “a técnica é uma etapa importante na abertura da vida em direção ao mundo na forma de um domínio sobre o mundo, uma manifestação do poder que conduz à expansão das condições da vida8”. Seria ainda “um exercício de poder que tem como objetivo a efetivação da vida”. E este aspecto seria a maior prova da liberdade humana, que levaria a uma condição de difícil controle. Segundo o intérprete, a técnica moderna teria alterado a relação de meios e fins, pois os objetivos a serem desenvolvidos por uma técnica poderia ser satisfeito por uma outra, além da criação interminável de novas necessidades que dão à noção de progresso um “impulso

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incerto alheio à vontade humana9”.De acordo com Jonas, numa discussão

estritamente filosófica sobre o problema da técnica, a partir da modernidade, desaparece a hierarquia entre os tipos de saberes, ou seja, entre saber teórico e saber prático e, ainda, desaparece a constante busca da verdade como orientação a partir da qual as ciências na antiguidade teriam se orientado, em nome da utilidade. O filósofo alemão vê na modernidade, para o desaparecimento do estatuto epistêmico anterior, a contribuição de duas filosofias: a dualidade cartesiana, com a res extensa e a res cogitans que vão dar a direção segundo a qual, na metafísica, a natureza seria material e o homem espiritual; assim como as contribuições da filosofia de Bacon a partir de alguns aspectos, a saber, a noção de conhecer e poder, a ideia de domínio da natureza pelo homem, a ideia de ciência como utilidade social, a relação entre ciência e experimentação, a institucionalização da investigação e cooperação de modo a assegurar a avanço do conhecimento e seu progresso, assim como a ideia a partir da qual a ciência melhoraria a vida dos homens. De acordo com Jefferson, Bacon com sua “concepção do conhecer como um fazer e do fazer que é ele mesmo um conhecer (...) fazem de seu projeto de reforma do conhecimento uma matéria fundamental para a reflexão em torno da relação entre ciência e tecnologia10”.

Neste quadro, pode-se dizer que Jonas parte da ideia de acordo com a qual, segundo uma constatação real, a técnica teria um poder de destruição tão grande que seria justamente o sucesso da técnica que deveria ser objeto de temor e não o seu insucesso, já que a existência futura da humanidade estaria ameaçada. Pelo fato de o homem ser livre e explorar de maneira cada vez mais eficaz essa liberdade por meio da técnica, há

sempre no horizonte uma ameaça, pois, de acordo com Dos Santos, “se nos primórdios da humanidade ela [a técnica] representava uma condição de possibilidade do vir-a-ser humano na perspectiva cultural, nos tempos atuais poderíamos afirmar que ela é condição de possibilidade do vir-a-ser humano na perspectiva biológica11”, já que ela deixa de ser encarada de modo exclusivamente instrumental, como adequação dos meios e fins da qual existem, para sugerir novos fins à vida em geral. Para Jonas, a possibilidade de manipulação genética e alteração íntima da vida, de forma a romper com os traços essenciais da vida.

A Medicina, por exemplo, em princípio, teria como objetivo ser a arte da manutenção da vida em seus estados normais, a intervenção na perspectiva do constante melhoramento, seja pela cura e pela condição de vida do paciente. O problema aparece, num aspecto, quando para esse melhoramento faz-se necessária experimentação e o teste como processo necessário à investigação médica. Distinguindo, por outro lado, a arte médica da ciência médica, esta última preocupada com a descoberta de algo, aquela teria, por sua vez, como espectro de ação uma finalidade posta pela natureza, de acordo com a qual a subjetividade do artista teria de trabalhar com a noção de generalidade e especificidade constantemente, saber extrair da generalidade dos quadros das doenças, o entendimento de um problema num caso particular. Num outro âmbito, na cirurgia, ainda mais, percebe-se em larga escala o caráter artesanal da atividade, já que a tarefa do re-estabelecimento da normalidade acontece no corpo ( a dimensão de maior animalidade no homem), dentro e na parte mais íntima do corpo, atraindo a noção de coisificação a requerer a destreza manual, inclusive, a manipular o corpo de um sujeito, ainda que posto numa situação de “objetualidade”. No entanto, se antes a

9 Id. Ibid., p. 95.10 JEFFERSON, Bernardo. Francis Bacon e a fundamentação da ciência como tecnologia, p. 16.11 DOS SANTOS, Robinson. O problema da ética, da técnica e a crítica da tradição na ética de Hans Jonas, in. Ética para a Civilização tecnológica, p. 32.

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norma de atuação da arte médica era dada pela natureza, atualmente, em grande medida, a figura do médico se modifica: diferentemente daquele que cura, tem-se agora o papel do “artista do corpo com fins abertos”. Segundo Jonas, “se antes dizíamos que a norma para o estabelecimento de objetivos da arte médica era a natureza, então há que se acrescentar agora que hoje também existem objetivos, que vão mais além daquela norma, e mesmo aqueles que se contrapõem a ela12”, ou seja, objetivos que superam a forma natural das coisas, para fins inteiramente artificiais, o médico como o engenheiro dos corpos, seja pela cirurgia estética, seja pela prática do prolongamento da vida.

Tendo em vista o que foi exposto, o elo mais importante por meio do qual se articulam a técnica e a ética, como poder a ser constituído para controlar o sobrepoder da técnica, é necessariamente o tema da vida. O domínio sobre o mundo natural, a expansão das condições de existência, o retardamento da morte. Uma nova consideração filosófica em relação ao fenômeno da vida, repensando o aspecto, no caso humano, exclusivamente espiritual, se impõe no pensamento de Jonas para, em larga medida, refundar a ética em bases ontológicas, biologizando o comportamento moral13. No capítulo dedicado à análise da ideia de progresso e sua relação com a possibilidade do futuro do planeta estar ameaçado, Jonas fala de uma solidariedade de interesses do homem com o mundo orgânico, contrapondo-se ao “reducionismo antropocêntrico, que nos destaca e nos diferencia de toda a natureza restante (...) pois atrofia a sua essência, na hipótese

mais otimista da sua manutenção biológica, contradiz o seu objetivo expresso, a sua preservação sancionada pela dignidade de seu Ser14”. A natureza, por sua vez, conserva a sua dignidade, contrariando o arbítrio de nosso poder. Dessa forma, uma vez que a natureza nos gerou, deveríamos ter fidelidade à sua criação como um todo. De outro modo, assegura Jonas, “ se o dever em relação ao homem se apresenta como prioritário, ele deve incluir o dever em relação à natureza, como condição da sua própria continuidade e como um dos elementos da sua própria integridade existencial15”. No mundo da vida, por seu turno, a conquista de outras vidas, comer e ser comido, a autopreservação de cada Ser, é um fato que se impõe, o que impede, por sua vez, a pilhagem excessiva de uma espécie em relação a outra, como assevera a mais elementar lei ecológica, “garantindo a preservação do conjunto, não obstante a ocorrência de mudanças em seus elementos particulares16”.

Se seria possível definir o que é bom para o ser humano, se a vida é tomada com bem em si mesmo e serve de fundamento ontológico à ética, porque o sim da vida diz não ao não-ser e se a vida serve, a ética jonasiana pretende dar conta da reinserção do homem no ambiente natural, do qual teria sido apartado pelo ideal moderno do homo faber. “Assim, o não ao não-ser, e, em primeiro lugar, ao não-ser do homem, constitui, até nova ordem, a forma prioritária de como um a ética de emergência, voltado para um futuro ameaçado, deve transpor para a ação coletiva o sim

12 JONAS. Hans. Técnica, medicina e ética, p. 159.13 Não haveria uma contradição aqui? Se Jonas denuncia o caráter antropocêntrico da ética ocidental, que neutraliza a natureza e valoriza o mundo intersubjetivo, ao moralizar o biológico, antropomorfiza dessa forma o mundo natural e, consequentemente, ainda nos mantemos no plano antropocêntrico de pensamento, reduzindo todo o mundo espiritual ao material. Para tanto, ele lança mão de relações modelo entre as espécies vivas que denotariam certo altruísmo na conservação da prole, que poderia indicar aspectos morais no mundo natural. Desse modo, numa interpretação singular da evolução das espécies, o mundo físico material prefigura o espiritual e nas formas mais elevadas de ser o espírito é orgânico. Resta saber se esse modelo altruísta pode ser aplicado ao mundo da vida como um todo, já que em muitasespécies é esperado que a prole seja abandonada. Se esse modelo inclui aqueles que biologicamente não seriam capazes de comportamento altruísta, que existem para não ter este comportamento como algo esperado, ocorre a transposição idealizada de um comportamento típico de determinadas espécies para todas as espécies vivas no planeta, o que, ao nosso ver, pode ser considerado uma visão, teoricamente muito singular, sobre o mundo da vida que merece, num outro momento, maior investigação sobre a ilosofia da vida a partir de um ideário jonasiano.14 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade., p. 229.15 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade , p. 230.16 Id. Ibid., p. 230.

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ao Ser, que o conjunto das coisas acabou por tornar um dever humano17”. O que faz a formulação acima ser possível se deve à constatação feita por Jonas, no contexto da ciência e filosofia modernas, do tratamento privilegiado conferido ao homem, como o único ser dotado de subjetividade, das prerrogativas do espírito e a redução da vida animal à materialidade, o domínio do que é, do sempre o mesmo, do inanimado, sobre o qual o âmbito do deve, exclusivamente humano e intersubjetivo poderia atuar, sem preocupações de caráter valorativo, dada a sua neutralidade. Basta pensar, para isso, na dualidade cartesiana consagrada pela res extensa e pela res cogitans, que teria constituído, a partir de então, as bases sobre os quais os temas epistemológicos, marcados pela separação entre sujeito e objeto, se dão. No caso especial de Descartes, o primado da subjetividade, do idealismo, seria necessário para que o conhecimento , por exemplo, ocorresse: percorrer o itinerário de tudo aquilo que há de interno à mente, para que depois seja possível sair do plano da representação ( como qualquer conteúdo presente na mente) às coisas objetivas.

Contrariando este sentido, em seu projeto filosófico, Jonas pretende realizar um acerto de contas com o dualismo, afirmando que até nas formas mais elementares de vida, o orgânico sugere, já, o espiritual. Da mesma maneira, o espiritual não deixa de ser parte da atividade orgânica. Vida, como centro da problemática ontológica, é entendida como matéria,

corpo vivo, corpo orgânico. A partir daí, desse sentido que dá à vida, podemos perceber seu desconforto em relação ao ideário consagrado da filosofia moderna que, consequentemente, fornece estofo teórico para consagrar a técnica como um modo de transcendência em relação ao ser vivo em sua efetivação frente à morte, um modo de agir do homem que o permite escapar, ou enganar, o não-ser que o ameaça constantemente. A técnica (e na perspectiva jonasiana ela é vista de modo bastante negativo, sobre o qual pesam as mais graves e severas críticas) pode ser vista como profunda interventora na realidade porque efetiva vida, exerce poder, domina o mundo, expande condições de vida e, sobretudo, permite o exercício da liberdade humana, liberdade esta que, contrariamente ao que se pensa, gera mais riscos porque está orientada em virtude de uma distinção ontológica dos seres e porque expande as condições do agir. O projeto de Jonas, por outro lado, nos seus fundamentos, prevê uma reconciliação ontológica18 entre ser humano e natureza, ou seja, cultura e natureza, ou entre o plano material e o espiritual.

No entanto, diante desse legítimo cenário apresentado por Jonas, segundo o qual o mundo da vida vive a ameaça das atitudes irresponsáveis do ser humano, o filósofo que ataca a técnica e as filosofias modernas, ao nosso ver, incorre num problema que não se conciliaria com sua biologização do social, ou moralização do biológico, no sentido profundo de uma conciliação vida e homem: Jonas não trata do trabalho

17 Id. Ibid., p. 233.18 Ao bem da verdade, não é somente Jonas que incita esta reconciliação. Segundo os dados que a antropologia nos traz, de acordo com Descola, “apesar das diferenças que manifestam em sua organização interna todas estas cosmologias [ameríndia] têm em comum o fato de não fazerem distinções ontológicas absolutas entre os humanos, de um lado, e um grande número de espécies animais e vegetais, de outro. Aliás, continua o estudioso, a ideia de que a natureza é uma construção social em perpétuo vir-a-ser lança, entretanto, um desafio formidável à antropologia”. DESCOLA, Philippe. Ecologia e Cosmologia. IN. Faces do Trópico Úmido. Conceitos e questões sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente. Belém: Ed. CEJUP, 1997. p. 243-261. Em outro estudo é indicado que “tal resistência do perspectivismo ameríndio aos termos de nossos debates epistemológicos põe sob suspeita a robustez e a conseqüente transportabilidade das partições cosmológicas que os alimentam. Em particular, como muitos antropólogos já concluíram (embora por outros motivos), a distinção clássica entre Natureza e Cultura não pode ser utilizada para descrever dimensões ou domínios inter-nos a cosmologias não-ocidentais sem passar antes por uma crítica etnológica rigorosa. Tal crítica, no caso presente, impõe a dissociação e redistribuição dos predicados subsumidos nas duas séries paradigmáticas que tradicionalmente se opõem sob os rótulos de “Natureza” e “Cultura”: universal e particular, objetivo e subjetivo, físico e moral, fato e valor, dado e instituído, necessidade e espontaneidade, imanência e transcendência, corpo e espírito, animalidade e humanidade, e outros tantos”. VIVEIRO DE CASTRO, Eduardo. Pronomes Cosmológicos e o perspectivismo ameríndio, MANA 2(2):115-144, 1996.

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como categoria ontológica. Se podemos aceitar a denúncia de um futuro sombrio, por conta dos abusos que cometemos em escala planetária, em relação à vida, acreditamos que no plano ontológico a detecção do problema merece uma maior atenção quando se coloca uma pergunta: por que o homem trabalha? Se acreditamos que o animal envolve-se com seu processo vital de uma maneira imediata isto se dá porque, o que uma formiga faz, por exemplo, seria uma continuação, ou um prolongamento do seu ser, porque o seu ser não se duplica, não se desdobra, não se altera a partir de si, a não ser que antropomorfizamos o trabalho animal. Já o trabalho nos dá aquilo que não somos, como diz Sonia Viegas, acrescenta o que não sou ao que sou, ou ainda, do não-ser do homem faz o ser e consequentemente, com o ser do homem dá ao não-ser uma forma humana propriamente dita, conferindo ao homem, por sua vez, uma dimensão virtual ao seu ser. Diferentemente da sua feição alienada nos moldes específicos da organização societária historicamente específica do modo do produção capitalista, o trabalho tem de ser trazido à baila como categoria “fundante” do humano, porque em sua feição concreta, como atividade vital, o trabalho é visto como “a necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio entre o homem e natureza19”. De acordo com Meszáros, “nos Manuscritos de 1844 o ponto de partida ontológico de Marx é o fato auto-evidente de que o homem, parte específica da natureza ( isto é, um ser com necessidades físicas historicamente anteriores a todas as outras), precisa produzir a fim de se manter, a fim de satisfazer as necessidades”20. Em seus aspectos fundamentais, de acordo com o intérprete acima, em Marx21, a relação natureza e homem é automediadora:

num primeiro momento a natureza media a ela mesma no homem enquanto ser natural e objetivo, e, num segundo momento, como aspecto inerentemente social, o homem quando ativo produtivamente medeia a si mesmo com os outros homens. O conceito empregado por Marx de atividade, identificado em seu sentido positivo, permite verificarmos no trabalho a expressão da manifestação de vida. Observa-se, com isso, então, que o homem não é nem natural apenas, nem humano apenas, de forma excludente, mas é ambas as coisas, naturalmente humano e humanamente natural22. Ou seja, quando Marx, por exemplo, usa o conceito de corpo inorgânico o faz como resultado de atividade produtiva no intercâmbio com a natureza, conceito que não se aplica “simplesmente àquilo que é dado pela natureza, mas a expressão concreta e a materialização de uma fase e uma estrutura historicamente dadas da atividade produtiva, na forma de seus produtos, dos bens materiais às obras de arte23”. Nesse sentido, podemos entender, no caso de Marx, diferentemente da proposta de Jonas, que o homem já sim se relaciona de maneira a se reincorporar com o natural, desde que o natural não seja visto como reduzido ao biológico apenas (porque de fato o homem não é só natural, queira Jonas ou não). Há que se observar a categoria trabalho - de acordo com a qual o homem se permite viver no mundo como ser que se realiza pela produção do modo de vida ( mas ainda essencialmente carente, padecedor, como todo animal vivo) - numa perspectiva histórica. Tomar o trabalho e a técnica como instrumento de um homem que usurpa a natureza, talvez, seja uma forma de dar a uma fase de seu vir-a-ser, específico e historicamente determinado, a expressão da imutabilidade que não

19 MARX, Karl. O Capital v.1/1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.20 MESZÁROS, Istvan. A Teoria da alienação em Marx, p. 79.21 Vale à pena conferir a citação do texto de Marx nos Manuscritos de 1844. Assim ele se pronuncia: “ A vida genérica, tanto do homem quanto do animal, consiste fisicamente, em primeiro lugar, nisto: que o homem ( tal qual o animal) vive da natureza inorgânica, e quanto mais universal o homem [é] do que animal, tanto mais universal é o domínio da natureza inorgânica da qual ele vive. Assim como plantas, animais, pedras, ar, luz etc., formam teoricamente uma parte da consciência huma-na, em parte como objetos da ciência natural, em parte como objetos da arte – sua natureza inorgânica, meios de vida espirituais, que ele tem de preparar prioritaria-mente para a fruição e digestão -, formam também praticamente uma parte da vida humana e da atividade humana. Fisicamente o homem vive somente destes produtos da natureza, possam eles aparecer na forma de alimento, aquecimento, vestuário, habitação etc. Praticamente, a universalidade do homem aparece precisamente na universalidade que faz da natureza inteira o seu corpo inorgânico, tanto na medida em que ela é 1) um meio de vida imediato, quanto na medida em que ela é o objeto/matéria e o instrumento de sua atividade vital. A natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber, a natureza enquanto ela mesma não é corpo humano. O homem vive da natureza significa: a natureza é o seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo para não morrer. Que a vida física e mental do homem está interco-nectada com natureza não tem outro sentido senão que a natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é parte da natureza”. MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, p. 84.22 MESZÁROS, Istvan. A Teoria da alienação em Marx, p.18.23 Id. Ibid., p. 80.

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confere com o longo processo de adaptação do homem no mundo. Como bem diz Ricardo Antunes,

se o trabalho, sob o sistema de metabolismo do capital, assume uma forma necessariamente assalariada, abstrata, fetichizada e estranhada (dada a necessidade imperiosa de produzir valores de troca para a reprodução ampliada do capital), essa dimensão histórica concreta do trabalho assalariado não pode, entretanto, ser eternizada e tomada a-historicamente24.

Dito de outro modo, tomar um momento específico da história humana, que parece ser o momento ao qual se dedica Jonas em suas críticas, como o momento essencial, eterno e absoluto a partir do qual o homem afirma seu ser é fazer uma leitura a-histórica e simplificada, ao nosso ver, ao propor uma ética que ataca fundamentalmente a atividade produtiva humana em bloco, sem a devida restrição dos modos específicos, a partir dos quais a barbárie pode ser projetada. Jonas confere à técnica (o saber fazer), como a expressão da ação humana, uma feição bastante negativa. A necessidade de capturar a “grei das aves lépidas” ou “fauna dos profundos mares com as redes que produz” faz dele um ser a tiranizar a natureza, abstraída a sua necessidade vital de também ser natural, carente e padecente. Alimentar-se com o uso de instrumentos faz do homem um ser mais cruel do que uma vaca pastando? Seria a alternativa morrer de fome em nome do altruísmo biológico absoluto? Seria o ataque à técnica e, por sua vez, à atividade produtiva, uma consequência anti-humanista da ética jonasiana? Como conciliar, por sua vez, a justa denúncia de Jonas, a

ameaça de um futuro incerto para o mundo da vida, uma agenda ecológica, problemas ontológicos fundamentais com as dicotomias perpetradas pela tradição ocidental de pensamento e o homem como ser autopoiético?

Ao nosso ver, acreditamos que, à guisa de conclusão e também como apontamento para estudos a seguir, a chave de leitura e compreensão destes fenômenos de degradação ambiental da qual a ética da responsabilidade poderia ser uma alternativa, não se encontrariam, talvez, exclusivamente explicadas pela alternativa normativa com uma heurística do medo, somente. Como nos faz crer Marques,

sem romper a carcaça mental em que essa três ilusões nos mantêm confinados – as ilusões de um capitalismo sustentável, de um crescimento ilimitado do excedente e de nossa excepcionalidade na teia da vida -, o homem não se apartará do capitalismo. (...) Só se superará o capitalismo – a supor que ele seja superável -, quando não for mais concebível destruir habitats por dinheiro, quando a acumulação deixar de ser um fim em si mesmo e passar a ser uma variável dependente das possibilidades da biosfera; quando esta for concebida como um sujeito de direito ou, se se preferir lhe recusar esse estatuto, como um limite físico intransponível, sob pena de colapso25.

Acreditamos, por conseguinte, numa leitura do problema que leve em consideração a perspectiva do trabalho, como modo de ser especificamente humano, no sentido de rever o sentido profundo de um modo de produção da vida que explora o sobretrabalho, a produção de valores de troca, que, consequentemente,

24 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho, p. 167.25 MARQUES, Luiz. Capitalismo e Colapso Ambiental, p. 61.

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incentiva o excedente produtivo. Advogamos, ainda, uma leitura que reveja os destinos deste modo atual de produção econômico que colapsará, pela base material vital, o meio ambiente e o planeta como um todo, quando promove uma leitura estranhada e invertida do homem com a natureza, ao não se reconciliar com ela, mas ao lutar contra ela, quando o homem luta contra si mesmo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Ed. Boitempo, 2007. BACON, Francis. O Progresso do Conhecimento Humano. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Editora Unesp, 2007.DESCOLA, Philippe. Ecologia e Cosmologia. In. Faces do Trópico Úmido. Conceitos e questões sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente. Belém: Ed. CEJUP, 1997. p. 243-261.DOS SANTOS, Robinson. O problema da técnica e a crítica á tradição na ética de Hans Jonas, in. Ética para a civilização tecnológica: em diálogo com Hans Jonas. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011.FERRY, Luc. A nova ordem ecológica: a árvore, o animal e o homen. São Paulo: Ensaio, 1994.JONAS, Hans. O Princípio Responsabilidade. Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto: ed. Puc Rio, 2006._________ Técnica, medicina e ética. Sobre a Prática do Princípio Responsabilidade. São Paulo: Paulus, 2013.MARQUES, Luiz. Capitalismo e Colapso Ambiental. Campinas: Ed. UNICAMP, 2016.MARX. Karl. O Capital v. 1/1. São Paulo: Civilização Brasileira, 1971.

MARX. Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. São Paulo: Ed. Boitempo, 2004. MÉSZAROS, István. A teoria da alienação em Marx. Ed. Boitempo, 2006.MORETTO, Geovani; OLIVEIRA, Jelson; SGANZERLA, Anor. Vida, Técnica e Responsabilidade: três ensaios sobre a filosofia de Hans Jonas. São Paulo: Paulus, 2015.OLIVEIRA, Bernardo Jefferson de. Francis Bacon e a fundamentação da ciência como tecnologia. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.OLIVEIRA, Jelson. Compreender Hans Jonas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014._________ (org.). Ética para a civilização tecnológica: em diálogo com Hans Jonas. São Paulo: Centro Universitario São Camilo, 2011.PIZZI, Jovino. Jonas e o enaltecimento da heurística. In. Ética para uma civilização tecnológica: em diálogo com Hans Jonas. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2011.SÓFOCLES, A Trilogia Tebana. Trad. Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, VIVEIRO DE CASTRO, Eduardo. Pronomes Cosmológicos e o perspectivismo ameríndio, MANA 2(2):115-144, 1996.

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REFLEXÕES SOBRE A INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

AR

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1 Professora da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

Laranjo, J.C. 1

Contato:E-mail: [email protected]

Resumo: Esta reflexão se propõe a discutir sobre o trabalho do docente, em particular as questões relativas à sua intensificação, às condições precárias que, cada vez mais, exigem do professor, impondo-lhe uma sobrecarga de trabalho, levando-se em consideração o contexto no qual se insere esse trabalho, a sala de aula, palco da interação entre o professor e seu aluno. Considera-se, ainda, que ambos estão filiados a uma instituição educativa, que, por sua vez, está sujeita a um sistema educacional de um determinado sistema sociopolítico-cultural, econômico e religioso. Nesse sentido, essas conjunturas contribuem em termos de valores, direções, opções, pREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, prioridades que disseminam, espalham, divulgam e se impõem através de normas, leis decretos, propagandas, burocracias, até mesmo instrumentos da educação informal, a qual nos faz perceber o quanto essa situação educativa está influenciada por uma realidade maior.

1 – A intensificação no processo de trabalho

Por intensificação do trabalho, na abordagem marxista, entende-se o conjunto de atividades ou tarefas que um trabalhador realiza em um determinado intervalo de tempo e o respectivo esforço gasto nessa execução (Cattani & Holzmann, 2006 p.166). A intensidade é uma condição inerente a todo trabalho realizado, seja ele, autônomo ou heterônomo, assalariado ou cooperativo, escravo ou servil, do camponês, do operário ou do intelectual, portanto, está presente também no trabalho docente variando obviamente em

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grau de intensidade de pessoa para pessoa, em grupos sociais e no decorrer da história.

A noção de intensidade na análise marxista pode ser compreendida nos dois meios empregados na história do capitalismo para obtenção de lucro: o alongamento da jornada e a elevação da intensidade .(Dal Rosso, 2006 p. 33). A metáfora marxista da porosidade do trabalho é usada para explicá-la. Quanto menos o trabalho for recortado por paradas, interrupções, tempos de descanso, intervalos de qualquer ordem – os chamados “tempos mortos” – mais intenso é o trabalho, mais energias são consumidas do trabalhador e mais resultados produz. Por intensificação compreendemos os esforços físicos, intelectuais ou emocionais que os sujeitos empreendem ao realizar uma tarefa específica no trancorrer de uma unidade de tempo. A realidade e a experiência histórica processada em diversas investigações demarcam quatro momentos em que a intensificação do trabalho aparece como exploração intensa do trabalhador pelo capital.

Primeiramente, na Revolução Industrial, quando da adequação dos ritmos dos trabalhadores aos ritmos das máquinas, na redução e eliminação das folgas e momentos de descanso durante a jornada de trabalho. Ou seja, aumentando a produtividade e eliminando tempos mortos ou ditos improdutivos. A intensificação adentra a história das relações econômicas no momento em que trabalhadores e suas organizações de luta, apoiados pela população, conseguem obter o controle da jornada de trabalho que passa a ser regulamentada (Antunes, 2005). A resposta dos capitalistas a essa regulamentação é adotar sistematicamente transformações tecnológicas, que exigem dos trabalhadores novas habilidades, competências e um trabalho mais intenso.

O segundo momento histórico de intensificação do trabalho ocorreu durante a reorganização do processo de trabalho, introduzida pelo taylorismo e pelo fordismo. As condições de trabalho passaram por profundas modificações baseadas no estudo científico dos tempos e movimentos de cada atividade laboral.

Tanto o taylorismo como o fordismo buscaram a racionalização das técnicas no intuito de eliminar ações desnecessárias e também diminuir os tempos mortos que para isso requerem esforços adicionais dos trabalhadores, intensificando o ritmo produtivo dentro do mesmo tempo de trabalho. A fragmentação do trabalho taylorista-fordista levou ao máximo a parcelização e a especialização como formas de intensificação do trabalho na produção seriada. O operário taylor-fordista sofria com o trabalho repetitivo, massificado, mal pago, intenso e embrutecedor. Quanto maior a exploração e menor a remuneração maior seria o lucro porque maior seria a mais-valia, que é o ganho do capital sobre o trabalho, do trabalho sobre o não-trabalho. O taylorismo/fordismo ficou marcado como um modelo de produção em que vigorou a exploração do trabalhador através de processos de trabalho tortuosos, que relegavam os operários a tarefas estafantes, deteriorantes, mecânicas e repetitivas e os submetendo a cargas horárias exageradas (Antunes, 2005). O monopólio do conhecimento era reservado à gerência; aos operários apenas a habilidade de repetição rápida e com pequena margem de erros de um mínimo número de gestos predeterminados e fixos (Machado, 1994).

Com objetivo de superar as falhas do taylorismo/fordismo, começa-se então o que seria um terceiro momento histórico , fundamentado em fórmulas inovadoras combinadas com a revolução tecnológica informacional e mudanças organizacionais que quer a todo custo evitar erros e desperdícios no sistema de produção. Este modelo, chamado de toyotismo introduz o princípio da polivalência, promove um discurso voltado para a valorização do trabalho em equipe, da qualidade no e do trabalho, da multifuncionalidade, da flexibilização e da qualificação do trabalhador.Ou seja, essas inovações organizacionais agora trazem formas mais participativas, integradas, de trabalho em grupo, descentralizadas, mais autônomas, envolventes e flexíveis, mas isso não significa que sejam democráticas. Dessa forma, oculta-se a exploração, a intensificação e a

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precarização do trabalho, inerentes à busca desenfreada de lucro pelo capital. Assim dito por Antunes (2005) em sua análise da fábrica toyotizada:

“De fato trata-se de um processo deorganização do trabalho cuja finalidade essencial, real, é a intensificação das condições de exploração da força de trabalho, reduzindo muito ou eliminando o trabalho improdutivo...”.(ANTUNES, 2005 p.53) Grifos do autor

O modelo de acumulação flexível que emergiu com o toyotismo pretendeu romper com a imagem negativa do trabalho como deterioração do trabalhador derivada do fordismo, patrocinando para isso programas de “qualidade total1” fundados na constituição de um trabalhador polivalente, multifuncional, integrado ao processo produtivo, livre para dele participar e nele interferir. No entanto, verificou-se que nos processos de trabalho os resultados serviram para trazer à tona a falácia do discurso da “qualidade total”, conforme observa Antunes (2005), nas empresas onde vigora a modelo toyotista:

“A desregulamentação enorme dos direitos do trabalho, que são eliminados cotidianamente em quase todas as partes do mundo onde há produção industrial e de serviços; o aumento da fragmentação no interior da classe trabalhadora; a precarização e terceirização da força humana que trabalha; a destruição do sindicalismo de classe e sua conversão num sindicalismo dócil, de parceria, ou mesmo em um ‘sindicalismo de empresa’ (ANTUNES, 2005 p.53).

As conseqüências dessas mudanças no processo de trabalho são a perda de direitos, precarização,

destruição do sindicalismo, intensificação do trabalho dada pelo melhor aproveitamento possível do tempo de produção através do método just in time2, imensa terceirização dos processos produtivos, com o aumento do trabalho em condições precárias à medida que mais se distancia das empresas matrizes, tudo isso reflete o enorme desprezo do capital pela força humana que trabalha, seja no modelo fordista de produção, onde a exploração era explícita, seja no modelo de acumulação flexível, cujo discurso de “qualidade total” encobre as condições desumanas vividas por muitos trabalhadores. Portanto, pensar que há algum respeito do capital pelo trabalho, pela pessoa do trabalhador, é cair nas artimanhas do próprio capital. É estar alienado diante da verdadeira realidade. Trata-se, portanto, de uma nova maquilagem da intensificação adequada aos dias contemporâneos.

Por fim chega-se a um quarto momento histórico dessa análise, que ocorre na contemporaneidade, no que se conhece como reestruturação econômica ocorrida a partir do final da década de 80 e que se estende até os dias atuais, pelo menos até que as pesquisas feitas nessa perspectiva apresentem alterações. O que se pode adiantar, baseando-se na análise feita por Dal Rosso (2006), para compreender a intensificação do trabalho numa perspectiva mais atual, ou ainda como um processo em curso, é que o trabalho , nos ramos de atividade de maior volume de capital e sujeito à força das concorrências nacional e internacional, está sendo inteiramente transformado por técnicas de gestão. Essas técnicas objetivam elevar os resultados, ainda

1 No Dicionário da Educação Profissional (Fidalgo & Machado, 2000 p. 271) É o sistema que deriva dos trabalhos de engenheiros norte-americanos e japoneses sobre a busca de métodos de melhoria da qualidade de processos produtivos. A implantação da qualidade se baseia na criação de uma cultura organizacional de participação além da mudança de comportamentos, valores e atitudes, para produzir o engajamento e a identificação dos trabalhadores com a empresa.

2 Essa expressão de acordo com o Dicionário de Trabalho e Tecnologia (Cattani & Holzmann, 2006 p.171) – pode ser traduzida como “tempo justo”, ou “no momento exato”, e corresponde à forma de administração da produção industrial e de seus materiais segundo a qual a matéria prima e os estoques intermediários necessários ao processo de produção são supridos no tempo certo e na quantidade exata. Assim, consiste na redução dos estoques de matéria prima e peças intermediárias conseguidas com base na linearização do fluxo de produção e de sistemas visuais de informação.

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que à custa de uma dedicação maior e de um gasto mais acentuado de energias físicas e psíquicas do trabalhador.

Em tese, quanto maior a intensidade, maiores serão os resultados do trabalho obtido no mesmo período de tempo, ou seja, mais trabalho é produzido. Na docência isso pode ser melhor compreendido no esforço cada vez maior, no empenho cada vez mais firme para realizar tarefas cada vez mais complexas que exigem do profissional um gasto de energias pessoais além da conta como por exemplo, eliminar o fracasso escolar, reduzir os índices de repetência e evasão e melhorar a qualidade da educação sem contudo ter as condições básicas para essa tarefa.

2 – Intensificação do Trabalho Docente

Assim poderíamos utilizar o conceito de intensificação do trabalho, usado por Michael Apple (1995) em seus estudos sobre o trabalho docente, para compreender as contradições e indignações vividas pelos professores. Segundo Apple (1995), a intensificação é entremeada por dois processos: a desqualificação do trabalhador e a separação entre concepção e execução no trabalho. O trabalho desse autor nos ajuda a analisar o processo de intensificação, principalmente quando demonstra a contradição vivida pelos docentes hoje: a aprendizagem de múltiplas habilidades versus a dificuldade para manter a especialização. Essa contradição é decisiva no trabalho docente porque pode estar implicando a perda de sua especificidade.

Oliveira (2004) , na análise das reformas educacionais na América Latina e seu impacto sobre os trabalhadores docentes, aponta que a responsabilização dos professores pelo desempenho dos alunos, escolas e do sistema educacional como um todo, dadas as precárias condições objetivas onde realiza o seu

trabalho, tem como conseqüências um sentimento de desprofissionalização, ou seja, de perda da identidade profissional, no qual o docente percebe que ensinar nem sempre é aquilo que ele faz de mais importante. A autora salienta, que professores da América Latina trabalham em contexto de demasiada pobreza e se vêem obrigados, muitas vezes, a desempenhar funções que estão além da tarefa educativa, tais como, papel de agentes públicos, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre outros. Verifica-se assim a intensificação do trabalho docente, dado que nestas condições de trabalho, o grau de envolvimento do trabalhador determina o seu empenho e esforço para dar conta das tarefas a mais, que na maioria das vezes, nada têm a ver com o trabalho docente propriamente dito. A intensidade aqui tem a ver com o investimento das energias pessoais desses docentes com o trabalho, refere-se assim também, ao desgaste da pessoa com e no trabalho.

Há ainda uma outra característica apresentada por Ball (2002), que analisa as reformas dos sistemas de educação em curso, não simplesmente como veículos para a mudança técnica e estrutural das organizações, mas também como mecanismos que atuam na subjetividade dos professores provocando uma mudança significativa na sua “identidade social3” (Ball, 2002, p.5). Nelas se estabelece uma nova forma de controle que o autor chama de “descontrole controlado4”, no qual, ao mesmo tempo em que se possibilita aos gestores maior liberdade em decisões operacionais retirando os entraves desnecessários na gestão de recursos financeiros, estabelece novas formas de vigilância imediata,os chamados “sistema de monitorização”5 que avalia, compara e define metas

3 Bernstein, B., 1996 apud BALL, Stephen J. Reformar Escolas/Reformar Professores e os Terrores da Performatividade. Revista Portuguesa de Educação, Braga,

Portugal. 2002. v. 15 n. 2. p. 054 Du Gay, 1996 apud BALL, Stephen J. Reformar Escolas/Reformar Professores e os Terrores da Performatividade. Revista Portuguesa de Educação, Braga, Portugal. 2002. v. 15 n. 2. p. 055 OCDE (1995) apud BALL, Stephen J. Reformar Escolas/Reformar Professores e os Terrores da Performatividade. Revista Portuguesa de Educação, Braga, Portugal. 2002. v. 15 n. 2. p. 04

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e objetivos a serem alcançados.

Essas configurações requerem assim, segundo autor, o uso de uma nova linguagem para descrever os papéis e relações docentes: “as organizações educacionais estão agora povoadas de recursos humanos que necessitam ser geridos” (Ball, 2002, p.7). Os professores passam então a ser chamados de produtores/proporcionadores, empreendedores educacionais e gestores e estão sujeitos a avaliações regulares, a revisões e comparações do seu desempenho para obtenção de recompensas financeiras pelos bons resultados, ou seja, o estabelecimento de metas de produtividade a serem cumpridas baseadas na competição, eficiência e produtividade.

Para esses professores, essa nova forma de gerir o sistema, significa uma intensificação em seu trabalho, postulado pelas exigências de desempenho máximo. Os esforços na obtenção de resultados promovem uma busca intensiva de metas não só individuais, mas também coletivas, todos são convocados para tornar a instituição em que se trabalha, uma referência em excelência na prestação do serviço educacional. Ao mesmo tempo, há também uma responsabilização pessoal na manutenção do próprio emprego. Os números, índices de produtividade e resultados de sistemas de avaliação passam a assombrar a vida desses professores que se angustiam, perdem o sono e adoecem diante da impossibilidade de atender a demanda trazida para o seu espaço de trabalho.

Essa demanda faz o professor trabalhar mais, com uma carga de um esforço maior resultando num desgaste acentuado e conseqüentemente, no seu adoecimento. Há também a questão do julgamento feito por diferentes meios e através de diferentes agentes

e agências e a exigência de desempenho excelente, ou pelo menos aceitável, individual ou coletivo, nos momentos de revisão, avaliação e inspeção. Ball (2002) exemplifica essa situação, citando uma pesquisa realizada em escolas primárias do Reino Unido, na qual se constatou o aparecimento de pertubações físicas e emocionais e um alto nível de ansiedade existencial e medo entre os professores relacionadas com a intensificação do trabalho docente.

Fanfani (2005) em seu livro La Condición Docente, apresenta uma análise comparada das condições dos docentes latino-americanos na qual, resguardadas as especificidade de cada país onde a pesquisa foi realizada (Argentina, Brasil, Peru e Uruguai), sustenta a tese de que as reformas educativas ocorridas na década de 90 na América Latina não melhoraram as condições de trabalho docente devido ao fato de que uma reforma só tem sentido se ela consegue modificar o que acontece na sala de aula. O que se pôde observar é que o impacto dessas políticas nas instituições e nas práticas educativas na maioria das vezes geraram novos desafios ao trabalho cotidiano dos docentes. Não apenas isso, mas tudo o que acontece na sociedade repercute nas salas de aula, ou seja, os efeitos das transformações sociais como: mudanças nos modos de produção e distribuição da riqueza, divisões de poder entre os gêneros e as gerações, mudanças nas configurações familiares e as inovações culturais. Todos esses fenômenos produzem um profundo impacto nas características objetivas e subjetivas típicas da docência.

Tal pesquisa nos oferece dados que apontam as dimensões objetivas dos docentes, tais como, a posição que ocupam na estrutura social, a formação, a condição

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de trabalho e salário, assim como seus consumos culturais e esteriótipos. Também analisa algumas de suas representações, atitudes e expectativas relacionadas com temas importante para a ação pedagógica: os fins da educação, os valores dos jovens, a discriminação e outras questões públicas substanciais para analisar o impacto do trabalho docente sobre os processos de socialização que transcorrem nas instituições escolares.

Mas o que interessa destacar aqui, desta pesquisa, são os aspectos que afetam e intensificam o trabalho dos docentes atualmente. Para Fanfani (2002) muitos são os desafios postos na atualidade para a profissão docente, entre eles: desenvolver competências básicas de novo cunho; ensinar alunos que precisam aprender a aprender; desenvolver capacidades para definir e resolver problemas inesperados; saber lidar com contextos de incerteza; inserir-se em sistemas sociais cada vez mais plurais e interdependentes onde é necessário lidar com contextos de incerteza; saber trabalhar em equipe; saber lidar com imprevistos; resolver a questão da desiguladade num ambiente cultural que valoriza as diversidades; criar soluções pedagógicas diversas e particulares; saber lidar com as mudanças nas outras instâncias socializadoras como família e os meios de comunicação em massa; com as desigualdades da distribuição de riquezas; com as múltiplas formas de pobreza num estado incapaz de empregar políticas públicas universalizadoras e inclusiva que obrigam as instituições educacionais e os docentes a atender as necessidades básicas insatisfeitas como a alimentação, saúde e atenção afetiva. Em alguns casos a escola perde o papel de instituição especializada no desenvolvimento das aprendizagens básicas passando com os mesmos recursos humanos e tecnológicos a atender questões que excedem o estritamente pedagógico.

“Es probable que en las condiciones actuales uma proporción significativa de los profesionales de la educación y las instituciones en donde desarrollan sus

tareas no cuentem com las competencias y recursos necesarios para responder a estos desafios de la cultura contemporánea.” (FANFANI, 2005 p.22)

Isso significa que dentre as novas tensões que atravessam o ofício de ensinar atualmente, está a distância entre a complexidade das tarefas a serem executadas e as capacidades disponíveis para realizá-las. Isso responde enormemente pela sensação de mal-estar e impotência comum entre os docentes que se vêem impossibilitados de desenvolver satisfatoriamente o seu trabalho, devido à falta de condições materiais objetivas e subjetivas para exercê-las. Para Fanfani (2005) o impacto das tecnologias da informação nos modos de se realizar as tarefas da educação (metodologias, estratégias pedagógicas, sistemas de avaliação etc.) amplia o trabalho docente que não fica restrito apenas à sala de aula, ele ultrapassa esse limite e incorpora também a gestão da escola no que tange à dedicação dos professores ao planejamento, elaboração de projetos, à discussão coletiva do currículo e da avaliação. As novas tarefas exigem dos docentes que trabalhem em equipe, que atendam a diversidade, que realizem e avaliem os projetos institucionais, que incorporem a avaliação como ferramenta pedagógica, que gerenciem os recurso financeiros, administrativos e humanos, enfim, modificam o modo tradicional de realizar o trabalho.

Essa gestão na verdade se revela como uma armadilha para os docentes, na qual há sempre a exigência de maior colaboração, através de mais trabalho, sem contudo obter maior remuneração. Há mais altruísmo com menos queixa. O que se pode intuir disso é que o trabalho do professor cada vez mais tem sido levado para além do campo pedagógico, como já referido anteriormente, maximizando seu tempo de trabalho, sem o devido retorno salarial, e ao mesmo tempo para se dedicar a estudos individuais ou reuniões coletivas, no sentido de se prepararem para

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lidar com intensa quantidade de tarefas que , na maioria das vezes, não foi elaborado ou decidido por eles, mas existindo, ou não, tempo para se parar e pensar e discutir sobre essas tarefas, eles devem realizá-las

3 A Intensificação do Trabalho Docente e as Tecnologias da Informação e Comunicação

Outro aspecto que deve ser levado em consideração em relação à intensificação do trabalho docente é a utilização das tecnologias da informação e comunicação (TICs). Para Marx o que diferencia as épocas econômicas entre si não é o que se faz, mas ¨como se faz¨, com que instrumentos de trabalho se faz. A utilização do recurso tecnológico que as TICs representam exige do trabalhador docente conhecimentos específicos com os quais muitos não se sentem ainda à vontade para lidar.

Como observa Santos (1992), nos primórdios do capitalismo, a importância relativa do componente manual era maior, hoje, com o desenvolvimento tecnológico, volta-se para a exploração do componente intelectual, caracterizando a nova forma assumida pela exploração calcada na mais-valia relativa. Pode-se observar que o capital intelectual é sutilmente explorado, o uso do trabalho complexo é mais intensivo. Dessa maneira observa-se uma diferença qualitativa: o componente intelectual do trabalho é cada vez maior em relação ao componente manual. Os professores, agora, não são só explorados no componente manual, como também no intelectual. Este padecimento se caracteriza como um esforço psíquico do trabalho.

A tecnologia transfere a exploração da força física de trabalho para o componente intelectual, os trabalhadores docentes apresentam sintomas de doenças psicológicas o que nos leva à teoria do stress. Segundo Selye (1965) citado por Pilatti et al (2004), stress envolve o conjunto de reações que um organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação

que exige esforço de adaptação, que ao ser muito potente ou prolongado, poderá desencadear doenças. Nessa linha, Reinhold (1984) citado por Pilatti et al (2004) define stress como uma síndrome de repostas de sentimentos negativos, tais como raiva e depressão, geralmente acompanhadas de mudanças fisiológicas e bioquímicas potencialmente patogênicas.

Além disso, há necessidade de adaptação individual às mudanças no ambiente de trabalho, ou seja, às tecnologias digitais. Nessa situação, o professor acaba culpando-se pela inadequação à nova realidade. Ou ele está desamparado, ou no caso de professores da rede privada com o fantasma do desemprego rondando sua cabeça, ele é quem carrega a culpa por não ter estudado nesta ou naquela escola, de não ter feito este ou aquele curso, de não falar mais de um idioma. Entre outras palavras, exige-se dele, além das performances físicas e intelectual, uma performance de adaptação aos novos discursos que vão perpassando o contexto escolar. A intensificação apresenta-se como um processo de desqualificação, intelectual, de degradação das habilidades e competências, reduzindo o trabalho docente à uma rotina de sobrevivência para dar conta de todas as tarefas que deverão realizar.

Segundo Arruda (2004), os professores ainda não se apropriaram das TICs de maneira plena não só por se recusarem em aprender algo novo, mas muito mais pela resistência a um aumento da sua carga de trabalho. Esta constatação demonstra que o professor tem a noção exata do que acontece quando em seu trabalho algo novo é inserido, no caso a inserção das TICs, há o aumento da sua carga de trabalho não remunerado. Muitas vezes, sua reação é retardar o processo de utilização desses recursos ou simplesmente negá-lo.

Em sua pesquisa, Arruda (2004) constatou que ao mesmo tempo que as TICs podem dinamizar o trabalho do professor na preparação de material impresso a ser utilizado em aula, tais como provas,

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exercícios, textos entre outros, por outro lado aumentam consideralvemente sua carga de trabalho no que se refere a sua utilização no processo de ensino-aprendizagem. Isto quer dizer que quando o professor utiliza o computador de maneira tradicional consegue agilizar o seu trabalho, pois a digitação é mais rápida do que a tradicional datilografia, porém, quando, para utilizar esse recurso ,precisa aprender uma nova linguagem ou uma nova interpretação do uso das TICs, esse trabalho irá exigir conhecimento especializado, os quais demandarão em um considerável aumento do tempo de trabalho não remunerado, ou seja, submetendo o docente ao ritmo imposto pela tecnologia.

Para Quartiero & Bianchetti (1999), no entanto, a forma como os professores se posicionam frente às inovações tecnológicas podem ser classificadas em quatro grupos: os ¨apologetas¨ que realçam os aspectos positivos das tecnologias, colocando-as como a única possibilidade real para a resolução dos problemas sociais e educacionais. Os ¨apocalípticos¨ que destacam apenas os aspectos negativos das TICs responsabilizando-as por tudo de errado que acontece na sociedade atual. Os ¨indiferentes¨que se abstraem ficando alheios às transformações que estão ocorrendo por se julgarem velhos demais para aprender algo novo e próximos demais da aposentadoria para se darem a esse trabalho. Finalmente, um quarto grupo de educadores ,¨os antenados¨, que demonstram uma postura crítica em relação as TICs, buscando apreendê-las como são: capazes de contribuir para facilitar a vida, mas compreende que se usadas de modo incorreto, podem agir sem ter a consciência do porquê de suas ações, entrando num processo de rotinização, no qual aumentam sua carga de trabalho não remunerado, por isso mesmo não basta apenas criticar ou rejeitar é preciso se estabelecer um diálogo buscando compreender quais os aspectos das tecnologias servem para ampliação do acesso e a socialização do conhecimento na sociedade atual.

A pertinência da cultura tecnológica e, principalmente da cultura informática passa pela apreensão pelo educador de que a educação não pode situar-se em uma ilha, não pode alijar-se das necessidades sociais e históricas que a concebem e permeiam. Os problemas educacionais, assim como todas as coisas na vida, fazem parte de um sistema complexo, não existindo de forma isolada da realidade sócio-política-histórica. A consciência dessa realidade complexa é que precisa ser modificada para uma melhor compreensão dos problemas que envolvem o processo ensino-aprendizagem na escola. Consequentemente, essa compreensão da realidade e dos problemas que envolvem o sistema educacional é primordial para uma visão do conjunto. É essa visão geral que nos levará à compreensão do grau de importância da aproximação docente da tecnologia. Assim, através do acesso, da participação de projetos virtuais é que o uso reflexivo desse meio tecnológico acontecerá. Participando e conhecendo, o docente poderá orientar para a busca de informação e fará a distinção entre informação e conhecimento no cyberspace destacando o que é realmente merecedor de créditos e significativo para os objetivos educacionais.

4 Considerações Finais

Tendo como foco a nova configuração do mundo do trabalho, este texto enfatizou as conseqüências e implicações de uma nova modalidade organizacional, marcada pela integração e flexibilidade, para a intensificação do trabalho docente.

No atual mundo do trabalho, a face da dominação se dilui cada vez mais, quando o patrão não precisa mais estar personificado, mas, sim , internalizado na ameaça constante do desemprego, da redução salarial, de punições e da subtração de direitos conquistados, gerando um clima de medo, desamparo, ansiedade e incertezas. Essa dominação vem tomando o avanço tecnológico como um grande aliado, através do ponto eletrônico, das câmeras instaladas nos ambientes,

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dos relatórios preenchidos e enviados on-line, do celular, etc., buscando ,de todas as formas, o controle do trabalhador.

O docente não escapa a essa conjuntura e esse texto trouxe questões do seu cotidiano, certamente, geradoras de um desconforto que vai desencadeando adoecimento psíquico e somático, conforme as circunstâncias a serem vividas. Mas, apesar de vivenciar esse processo de intensificação, de se sentir desmotivado, angustiado, as pesquisas sobre o grau de satisfação os professores (Fanfani, 2005) sustentam que esses amam o que fazem e acreditam que desenvolvem um trabalho de grande importância para a sociedade e , só por isso, se mantém na profissão. Eles acreditam que, apesar das mudanças sociais, das reformas educacionais e da intensificação do trabalho docente, realizam um papel central, desenvolvem um trabalho de grande importância para os cidadãos de uma sociedade que precisa da escola.

Muitos são ainda os desafios da profissão docente principalmente na atualidade. Há uma enormidade de hipóteses a serem respondidas e analisadas em profundidade. Para isso, novas pesquisas e estudos qualitativos e quantitativos são necessários para que compreendamos melhor o trabalho que os professores realizam, apreendendo as suas contradições e entendendo a trama de relações que os envolvem. Esse é sem dúvida, um meio para chegarmos às respostas que servirão de base para um projeto social no qual, o direito à escola e ao conhecimento, seja algo mais que palavras vazias de conteúdo real.

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p.4827-4834. Anual. Disponível em: <http://www.pg.cefetpr.br/ppgep/> . Acesso em 12 jan. 2007.

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AVALIAÇÃO NEUROCOGNITIVA DE PACIENTES PORTADORES DE EPILEPSIAREFRATÁRIA DE LOBO TEMPORAL SUBMETIDOS ÀS TÉCNICAS CIRÚRGICASAMÍGDALO-HIPOCAMPECTOMIA SELETIVA OU LOBECTOMIA TEMPORALANTERIOR.

INTRODUÇÃO: A epilepsia de lobo temporal apresenta alta taxa de refratariedade farmacológica (70%), tornando o tratamento cirúrgico uma opção para o controle de crises.

OBJETIVO: O presente estudo visa comparar o controle de crises e o desempenho neurocognitivo em pacientes adultos com epilepsia refratária de lobo temporal, submetidos a uma das técnicas cirúrgicas supracitadas.

MÉTODOS: Foram avaliadas duas técnicas cirúrgicas: a lobectomia temporal anterior (LTA) e a amígdalo-hipocampectomia seletiva (AHS). Os pacientes foram triados objetivando balancear o potencial terapêutico da cirurgia com o risco de sequelas neurocognitivas. Utilizou-se a Escala de Classificação de Engel para a avaliação do controle de crises e sete testes neurocognitivos para o acompanhamento do desempenho neuropsicológico.

RESULTADOS: As variáveis foram comparadas antes da cirurgia e em , pelo menos , um tempo pós-cirúrgico. Não houve alterações significativas na avaliação temporal dos testes neurocognitivos do grupo AHS, excetuando-se os testes Figura Complexa de Rey Imediata e Tardia. Quando comparado ao grupo LTA, o grupo AHS alcançou melhor desempenho nas funções de memória e desempenho inferior na função de linguagem.

CONCLUSÃO: Os achados apontam para possíveis benefícios da utilização da técnica AHS sobre a LTA, porém, se fazem necessários mais estudos com maior poder do teste e melhor acurácia.

Palavras-chave: Epilepsia Refratária; Epilepsia do Lobo Temporal; Neurocirurgia; Cirurgia LTA ; Cirurgia AHS; Neurocognição.

Castanho, B. 1 ; Sarcinelli, C.C.S. 1 ; Ferreira,E.F. 1 ; França, F.A.B. 1; Fonseca,A.G.A.R. 1 ; Guidine, P.A.M.2

1 Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)2 Orientadora: Professora da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

RE

SUM

OR

ESU

MO

CASTANHO, B.; SARCINELLI, C.C.S.; FERREIRA, E.F.; FRANÇA, F.A.B.; FONSECA,A.G.A.R.; GUIDINE, P.A.M.AVALILAÇÃO NEUROGOGNITIVA DE PACIENTES PORTADORES DE EPILEPSIA REGRATÁRIA DE LOBO TEMPORAL SUBMETIDOS ÀS TÉCNICAS CIRÚRGICAS AMÍGDALO- HIPOCAMPECTOMIA SELETIVA OU LOBECTOMIA TEMPORAL ANTERIOR. 2017. 31F. Trabalho deConclusão de Curso (Graduação em Medicina) - Faculdade da Saúde e Ecologia Humana, Vespasiano, 2017.E-mail: [email protected]

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AVALIAÇÃO NEUROCOGNITIVA DE PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA AO TRATAMENTO MEDICAMENTOSO SUBMETIDOS À AMIGDALOHIPOCAMPECTOMIASELETIVA.Portes, A.M. 1 ; Oliveira,K.M. 1 ; Oliveira, L.C. 1 ; Nascimento, M.F.L. 1 ; Souza, O.M. 1 ; Fonseca, A.G.A.R. 1 ; Guidine, P.A.M. 2 .

1 Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana(FASEH)2 Orientadora:Professora da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

RE

SUM

O

INTRODUÇÃO: A epilepsia é um distúrbio neurológico caracterizado por hiperatividade e hipersincronismo de redes neurais. Aproximadamente um terço dos pacientes não responde às terapias atuais, sendo diagnosticados com epilepsia refratária. Desse totalcerca de 10-50% são candidatos aos métodos cirúrgicos de tratamento. Como grandeparte das epilepsias em indivíduos adultos são de lobo temporal e estão associadas à refratariedade, a amigdalohipocampectomia seletiva constitui uma das técnicas cirúrgicasmais utilizadas atualmente. Nesse contexto, os testes neuropsicológicos objetivam avaliaro desempenho cognitivo, determinar as disfunções corticais específicas e sua lateralidadee topografia.

OBJETIVO: Avaliar a neurocognição de pacientes com epilepsia refratária ao tratamentofarmacológico antes e após a realização da amigdalohipocampectomia seletiva.

MÉTODOS: Trata-se de estudo de séries temporais, em que 61 pacientes realizaram testes neurocognitivos específicos antes e após o procedimento cirúrgico. Com o intuito de facilitar a interpretação das análises, os escores dos testes foram categorizados para “Abaixo da média” (escores -1) e “Maior ou igual a média” (escores 0 e 1). Modelos marginais logísticos uni e multivariados foram utilizados para interpretação dos escores dos testes.

RESULTADOS: Observou-se aumento no número de pacientes com Engel IA nos três períodos do pós-operatório (84,21%, 86,96% e 76,47%, respectivamente). Com relação à avaliação pré e pós cirúrgica, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na análise das funções de linguagem pelos testes de Boston (5,79 [IC:2,25; 14,94]) e Fluência Verbal (2,85 [IC:1,31; 6,20]), atenção pelo teste dos Dígitos (2,23 [IC:1,26; 3,96]) e memória pelos testes de Memória Lógica I (2,38 [IC:0,95; 5,96]), Memória Lógica II (4,00 [IC:1,70; 9,39]) e RAVLT (4,09 [IC:1,10; 15,24]).

CONCLUSÃO: O presente estudo demonstrou, mediante análise objetiva de diversos testes neurocognitivos, melhora no prognóstico de pacientes submetidos à amigdalohipocampectomia seletiva devido ao aprimoramento das funções de linguagem, memória e atenção.

Palavras-chave: Epilepsia Refratária; Amigadalohipocampectomia Seletiva; Testes Neurocognitivos.

PORTES, A.M.; OLIVEIRA K.M.; OLIVEIRA, L.C; NASCIMENTO, M.F.L.; SOUZA, O.M.;FONSECA, A.G.A.R.; GUIDINE, P.A.M.AVALIAÇÃO NEUROCOGNITIVA DE PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA AO TRATAMENTO MEDICAMENTOSO SUBMETIDOS À AMIGDALOHIPOCAMPECTOMIASELETIVA. 2017. 34f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Medicina) - Faculdade da Saúde e Ecologia Humana, Vespasiano, 2017.CONTATO: E-mail: [email protected]

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AVALIAÇÃO DA CONFIABILIDADE DOS REGISTROS DO ESCORE IMPROVE (INTERNATIONAL MEDICAL PREVENTION REGISTRY ON VENOUSTHROMBOEMBOLISM INTERNSTIONAK) PARA PREDIÇÃO DE TROMBOSE VENOSA ADQUIRIDA EM HOSPITAL

INTRODUÇÃO: O Tromboembolismo venoso (TEV) é uma das principais causas de incapacidade e óbito em pacientes hospitalizados, sendo evitável em cerca de 70% dos casos. Diretrizes clínicas internacionais recomendam a estratificação de risco para TEV em pacientes hospitalizados. O desempenho da RAM IMPROVE pode ser afetado pelo preenchimento do formulário eletrônico do escore por médicos assistenciais quando da admissão do paciente.

OBJETIVO: O estudo visou analisar a confiabilidade e acurácia dos registros hospitalarese de um formulário eletrônico preenchido pelo médico assistencial, aplicando as perguntas da RAM IMPROVE para estratificação de risco tromboembólico.

MÉTODOS: Consistiu em estudo de concordância entre observadores de registros hospitalares aplicados na resposta do RAM IMPROVE de pacientes hospitalizados no Hospital Governador Israel Pinheiro, entre agosto a setembro de 2017, mediante análise de concordância, seus respectivos intervalos de confiança de 95%, acurácia e concordância simples. Coeficientes kappa inferiores a 0,40 foram analisados como concordância insatisfatória, entre 0,41 e 0,79 como satisfatória e superior a 0,79, como excelente.

RESULTADOS: A Classificação de Risco para TEV revelou coeficiente kappa=0,4 e IC95%=0,23-0,58, sendo a concordância classificada como satisfatória. Sua acurácia alcançou taxa de 0,82, segunda menor das variáveis estudadas. Apenas uma variável evidenciou concordância excelente. Quatro das nove variáveis estudadas apresentaram concordância insatisfatória.

CONCLUSÃO: A qualidade dos registros foi heterogênea. Alguns registros importantescomo “Imobilização”, “Paralisia nas pernas”; “Internação em UTI ou UC”e “Trombofilia” devem ser aprimorados. Recomendamos a implantação de treinamento profissional na geração e reprodução de registros eletrônicos hospitalares, a fim de melhorar a confiabilidade dos registros clínicos.

Palavras-chave: Tromboembolia; Profilaxia; IMPROVE; Estatística Kappa; Confiabilidade de Dados; Escore de Risco.

Timo, C.U. 1 ; Petermann, C.E.D. 1 ; Bastos, M. 2

1Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)2 Orientador: Professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

RE

SUM

OR

ESU

MO

TIMO, C.U.; PETERMANN, C.E.D.; BASTOS, M. AVALIAÇÃO DA CONFIABILIDADE DOS REGISTROS DO ESCORE IMPORVE (INTERNATIONAL MEDICAL PREVENTION REGISTRY ON VENOUS THTOMBOELBOLISMO) PARA PREDIÇÃO DE TROMBOSE VENOSA ADQUIRIDA EM HOSPITAL.2017. 32F. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Medicina) - Faculdade daSaúde e Ecologia Humana, Vespasiano, 2017. Contato : Email - [email protected]

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ANÁLISE COMPARATIVA POR MEIO DO QUESTIONÁRIO ANÁLISE BARIÁTRICA ERELATÓRIO DE DESFECHO (BARIATRIC ANALYSIS AND REPORTING OUTCOME)DA PERCEPÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA ENTRE PACIENTES COM E SEMCOMORBIDADES SUBMETIDOS À CIRURGIA BARIÁTRICA

Nascimento, B.B.S. 1 ; Ribeiro, C.S. 1 ; Magalhães, I.B. 1 ; Alencar, L.R. 1 ; Almeida,C.T. 2 .1 Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade de Saúde e Ecologia HUmana (FASEH)2 Orientadora: Professora da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

RE

SUM

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INTRODUÇÃO: A obesidade constitui-se em condição médica crônica, com etiologiacomplexa e multifatorial. O uso da cirurgia bariátrica, para redução e controle de peso em obesos graves, tem aumentado significativamente nos últimos anos. O impacto negativo da obesidade na qualidade de vida dos indivíduos tem sido amplamente investigado.

OBJETIVO: Verificar se há diferenças na percepção dos pacientes sobre a melhora da qualidade de vida entre os grupos entrevistados com comorbidades e sem comorbidades, submetidos à cirurgia bariátrica. Verificar se há correlação entre a avaliação da qualidade de vida pelo BAROS e o desfecho final do mesmo questionário. Perceber se há diferença na melhora da qualidade de vida pós-operatória entre homens e mulheres submetidos à cirurgia bariátrica.

RESULTADOS: Foram entrevistados 213 indivíduos, 147 (69,01%) deles apresentavam comorbidades. A média do desfecho foi de 5,55 e seus valores oscilaram de -2,75 a 9,30. Observa-se que 168 (78,87%) indivíduos eram do sexo feminino. 193 (90,62%) apresentaram desfecho satisfatório; 85 (39,91%) pacientes com desfecho “Excelente”, 64 (30,05%) desfecho “Muito Bom” e 44 (20,66%) com desfecho “Bom”. A pontuação média total da qualidade de vida para o gênero feminino foi de 2,30 pontos e a do gênero masculino foi de 2,37 pontos. A pontuação média total dos itens da qualidade de vida foi de 2,30 pontos para o grupo de pacientes sem comorbidades e 2,32 pontos para o grupo de pacientes com comorbidades (p &gt;0,05), diferença estatisticamente não significativa.

CONCLUSÃO: O estudo demonstrou melhora na qualidade de vida dos pacientes avaliados. Não houve diferença significativa entre a média da pontuação total do item “qualidade de vida” entre o grupo com comorbidades e sem comorbidades associadas à obesidade. Houve correlação positiva e significativa (r = 0,46, p = 0,000) entre a autoestima e o desfecho do questionário BAROS. Não houve diferença significativa dos itens da qualidade de vida entre os sexos.

Palavras-chave: Cirurgia Bariátrica; Qualidade de Vida; Obesidade; BAROS.

NASCIMENTO, B.B.S.; RIBEIRO, C.S.; MAGALHÃES, I.B.; ALENCAR, L.R; ALMEIDA,C.T. ANÁLISE COMPARATIVA POR MEIO DO QUESTIONÁRIO ANÁLISE BARIÁTRICA E RELATÓRIO DE DESFECHO (BARIATRIC ANALYSIS AND REPORTING OUTCOME) DA PERCEPÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA ENTRE PACIENTES COM E SEM COMORBIDADES SUBMETIDOS À CIRURGIA BARIÁTRICA. 2017.45F. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Medicina) - Faculdade da Saúde e EcologiaHumana, Vespasiano, 2017.Contato :E-mail - [email protected]

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COMPARAÇÃO DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA SÍFILIS GESTACIONAL NO MUNICÍPIO DE VESPASIANO COM OS MUNICÍPIOS DE BELO HORIZONTE E BETIMNO PERÍODO DE 2013 A 2016.

INTRODUÇÃO: No Brasil, no período de 2005 a 2016, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos e Notificação – SINAN – ,169.546 casos de sífilis em gestantes. Minas Gerais, entre os anos de 2008 a 2015, apresentou um aumento de 256 casos para 2414 casos, elevação de 843%. Entre os anos de 2014 e 2015 foi o sexto estado com maior elevação de casos, 43%.

OBJETIVO: O estudo visa comparar o perfil epidemiológico de indivíduos com sífilis gestacional no município de Vespasiano com os municípios de Belo Horizonte e de Betim em relação à etnia, idade, trimestre da gestação em que a doença foi diagnosticada, além da relação entre município de residência e município de notificação.

MÉTODOS: Trata-se de estudo transversal para o qual foram utilizados dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

RESULTADOS: Constatou-se que os casos de sífilis gestacional em Vespasiano apresentam frequência de diagnóstico no terceiro trimestre superior ao do município de Belo Horizonte e de Betim. Verifica-se, também, que Vespasiano apresenta maior número de indivíduos notificados do que em outras cidades de origem. Com relação à idade, os municípios estudados apresentam predomínio na faixa etária acometida entre 20-24 anos. No que diz respeito à etnia, dentre as declaradas, a parda foi a predominante..

CONCLUSÃO: Verificou-se que o município de Vespasiano apresentou perfil epidemiológico diferente dos municípios de Belo Horizonte e de Betim com maior frequência de diagnósticos tardios, e com maior diferença entre o local de residência do indivíduo e o local em que foi diagnosticado. Os motivos que podem justificar esse achado são variados. A política local de valorização da saúde, o contexto econômico do município, rotina e protocolos utilizados na assistência à gestante e ao doente, além de fatores culturais que, possivelmente, superestimam a qualidade do serviço de saúde em cidades próximas de referência, como Belo Horizonte.

Palavras-chave: Sífilis; Gestantes; Perfil Epidemiológico.

Oliveira, D.M.B. 1 ; Alcântara, F.S.O. 1 ; Soares,L.A.C. 1 Mangini, M.S. 1 ; Mayrink, M.O.S. 1 ;Amaral,T.M.M. 1 ; Velloso, L.A.F. 2

1 Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana(FASEH)2 Orientador: Professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

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OLIVEIRA, D.M.B.; ALCANTARA, F.S.O.; SOARES, L.A.C.; MANGINI, M.S.; MAYRINK,M.O.S.; AMARAL, T.M.M..; VELLOSO, L.A.F. COMPARAÇÃO DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA SÍFILIS GESTACIONAL NOMUNICÍPIO DE VESPASIANO COM OS MUNICÍPIOS DE BELO HORIZONTE E BETIMNO PERÍODO DE 2013 A 2016.2017. 27F. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Medicina) - Faculdade daSaúde e Ecologia Humana, Vespasiano, 2017.Contato :Email - [email protected]

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Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018

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ASSOCIAÇÃO ENTRE ÍNDICE DE MASSA CORPORAL E PRESSÃO ARTERIAL SISTÊMICA DE ADOLESCENTES DE ESCOLAS PÚBLICAS DE VESPASIANO – MINAS GERAIS

1 Violante, G.D.L. 1 ; Miranda, J.E.G. 1 ; Oliveira, L.C. 1 ; Ribeiro, J.G.L. 1 ; Rates, S.P.M. 2

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INTRODUÇÃO: O presente estudo, de caráter observacional do tipo transversal, teve como objetivo identificar associação entre sobrepeso/obesidade e pré- hipertensão/hipertensão arterial sistêmica em escolares de 12 a 17 anos de idade, de escolas públicas do município de Vespasiano, Minas Gerais.

MÉTODOS: Foram aferidas as Pressões Arteriais Sistêmicas e tomadas as medidas antropométricas (peso, altura e IMC – Índice de Massa Corporal) em amostra de 153 adolescentes. Os dados dos adolescentes selecionados foram divididos em grupos: gênero masculino e feminino; pré-hipertensos e hipertensos; sobrepeso e obesidade para o cálculo da prevalência.

RESULTADOS: No conjunto amostral, a prevalência global de pré-hipertensão e de hipertensão foram 6,5% (IC 95% 3,5% - 11,6%) e 8,5% (IC 95% 5,0% - 13,9%), respectivamente. As prevalências dessas comorbidades nas adolescentes foram de 6,2% (IC 95% 2,9% – 12,9%) e 9,3% (IC 95% 5,0% – 16,8%), ao passo que , no sexo masculino, tanto a prevalência de pré- hipertensão quanto de hipertensão foram de 7,0% (IC 95% 2,7% – 16,7%). Em relação ao sobrepeso a prevalência global encontrada foi de 9,8% (IC 95% 6,0% - 16,6%). Quanto à obesidade, verificou-se prevalência semelhante entre os sexos (5,1% em meninas e 5,2% em meninos), perfazendo uma prevalência total de 5,8% (IC 95% 3,1% - 10,8%). Os resultados mostram que 42,3% da prevalência de hipertensão em adolescentes de ambos os sexos pôde ser atribuída à obesidade, com uma razão de prevalência de 11,06 (IC95% 4,49 - 27,25) e redução relativa de risco de - 10, 06 (IC95% 26,25 a -3,49).

CONCLUSÃO: Embora haja outros fatores envolvidos na gênese da Hipertensão Arterial Sistêmica e da obesidade na adolescência, acreditamos que a alta fração atribuível populacional seja um dos principais indícios de que grande parte dos adolescentes pré- hipertensos ou hipertensos não o seriam se não fossem obesos.

Palavras-chave: Adolescentes; Obesidade; Hipertensão.

VIOLANTE, G.D.L.; MIRANDA, J.E.G.; OLIVEIRA, L.C.; RIBEIRO, J.G.L.; RATES, S.P.M. ASSOCIAÇÃO ENTRE ÍNDICE DE MASSA CORPORAL E PRESSÃO ARTERIAL SISTÊMICA DE ADOLESCÊNTES DE ESCOLAS PÚBLICAS DE VESPASIANO – MINASGERAIS 2017. 39F. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Medicina) - Faculdade daSaúde e Ecologia Humana, Vespasiano, 2017.Contato :E-mail - [email protected]

1 Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade de Saúde e Ecologia HUmana (FASEH)2 Orientador: Professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

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Cadernos Técnicos de Saúde, no 05 - Junho de 2018

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VALOR DO MAPA T1 PELA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA NO DIAGNÓSTICO DE MIOCARDITE AGUDA

INTRODUÇÃO: O diagnóstico da miocardite aguda se faz , inicialmente , mediante suspeita clínica e de métodos não invasivos, dentre eles a ressonância magnética cardiovascular (RMC), capaz de identificar as alterações inflamatórias do tecido miocárdico. O Mapa T1 é uma técnica recente, utilizada pela RMC com potencial de avaliar a presença de lesão miocárdica, sem o uso de contraste.

OBJETIVOS: Demonstrar a acurácia do mapa T1 como método diagnóstico na miocardite aguda, comparativamente à técnica de realce tardio pela ressonância magnética com uso de contraste (gadolínio).

RESULTADOS: Foram avaliados 58 pacientes com diagnóstico de miocardite pela RMC, sendo estudados 764 segmentos de miocárdio. Destes segmentos, 667 foram considerados normais e 97 compatíveis com presença de realce tardio. A avaliação pelo Mapa T1 revelou média de 970,1 ± 48,5 nos segmentos normais e média de 1087,8 ± 69,2 nos segmentos com realce tardio (p=0,001). A análise da acurácia do Mapa T1 pela curva ROC demonstrou área da curva de 0,92 (IC 95% 0,89-0,95 p=0,001), com sensibilidade de 89% e especificidade 82% com ponto de corte de 998, e sensibilidade de 88% e especificidade 83% com ponto de corte de 1000.

CONCLUSÃO: O Mapa T1 apresentou excelente acurácia em pacientes com suspeita clínica de miocarditecomparativamente à técnica de realce tardio, podendo ser útil no diagnóstico desta patologia, especialmente em pacientes com contraindicação para o uso de gadolínio.

Palavras-chave: Miocardite Aguda; Ressonância Magnética Cardiovascular; Mapa T1.

Ribeiro, B. 1 ; Andrade, G.L. 1 ; Álvares, J.F.W. 1 ; Santiago, M.L.R. 1 ;Caldeira,T.G. 1 ; Barros, M.V.L. 2

1 Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade da Saúde e EcologiaHumana(FASEH)2 Orientador: Professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

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RIBEIRO, B.; ANDRADE, G.L..; ÁLVARES, J.F.W.; SANTIAGO, M.L.R.; CALDEIRA, T.G.;BARROS, M.V.L. VALOR DO MAPA T1 PELA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA NO DIAGNÓSTICO DE MIOCARDITE AGUDA 2017. 28F. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Medicina) - Faculdade da Saúde e Ecologia Humana, Vespasiano, 2017.Contato : EMAIL - [email protected]

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Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018

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AVALIAÇÃO DE PREDITORES DE GRAVIDADE EM PACIENTES INTERNADOSCOM PANCREATITE AGUDA.

Chimicatti, I.P.L. 1 ; Castro, P.E.F. 1 ; Lopes, T.A.T. 1 ; Mendes, G.S. 2

1 Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)2 Orientador: Professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

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INTRODUÇÃO: A pancreatite aguda (PA), na maioria dos casos, tem evolução branda, mas formas graves podem ocorrer, ocasionando aumento da permanência hospitalar e mortalidade, motivo pelo qual a identificação precoce de preditores de gravidade é útil para o planejamento terapêutico. Parâmetros, como idade, hematócrito, proteína C reativa (PCR), creatinina, contagem de leucócitos e sinais de síndrome da resposta inflamatória sistêmica, são preditores precoces de gravidade, porém, a validade externa (generabilidade) não é consensual.

OBJETIVO: O presente estudo teve por objetivo avaliar a associação entre essas variáveis, registradas à internação hospitalar, e a gravidade da PA, utilizando para tal a classificação revisada de Atlanta.

MATERIAL E MÉTODOS: Foram incluídos 156 pacientes internados com PA no hospital do IPSEMG, entre abril de 2014 e abril de 2017; aqueles com PA secundária decorrente de neoplasias pancreáticas foram excluídos. Resultados: Apenas 10/156 (6,4%) apresentaram formas graves de PA, com mortalidade intra-hospitalar de 5/10 (50%); não houve mortalidade entre os 146 pacientes com formas não graves. Na análise univariada, Idade >65 anos, creatinina >;1,8mg/dL e PCR>; 150 mg/dL associam-se ao desfecho grave da PA. No entanto, em análise multivariada, apenas a PCR alcançou significância estatística. Conclusão: O PCR mostrou-se um recurso de grande valor para predizer a evolução grave da PA à admissão.

Palavras-Chave: Pancreatite; Índice de Gravidade de doença; Proteína C reativa.

CHIMICATTI, I.P.L; CASTRO,P.E.F; LOPES, T.A.T; MENDES, G. S. AVALIAÇÃO DE PREDITORES DE GRAVIDADE EM PACIENTES INTERNADOS COM PANCREATITE AGUDA. Faculdade da Saúde e Ecologia Humana, Vespasiano, 2017.Contato: Email: [email protected]

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ORAÇÃO

Nogueira, J.Carlos 1

1 Professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH)

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Contato:E-mail: [email protected]

Célere, a idade avançava... Ele já se aproximava dos sessenta. Pré-sex, na gozação dos amigos. Uma dorzinha aqui, outra ali, hipertensão leve, glicemia alta, embora nos limites da normalidade, flutuações de ânimo, sono agitado e as normais preocupações com a família, o trabalho e a crise política e econômica que assolava o país. Dois filhos em faculdades particulares e um no último ano do Segundo Grau, também em colégio particular. Prestações do financiamento do apartamento e do carro novo. Grandes despesas... Embora a esposa trabalhasse, sua renda era pequena; salário de professora do Segundo Grau da rede pública! Seus amigos frequentavam academias e sempre o convidavam para se integrar à turma. Argumentavam que durante as aulas havia sempre um papo descontraído e piadas que, além de promoverem o relaxamento mental, os exercícios se encarregavam de fazer o relax integral, harmonizando mente e corpo. Ele sempre se esquivava, dizendo: - Começarei a frequentar a academia no ano que vem; depois do réveillon; depois do carnaval e, assim, levava sua atarefada vida... O fim do ano estava chegando e ele se sentia cansado. Certa manhã, após os procedimentos rotineiros ligou o carro e se dirigiu ao escritório de engenharia onde trabalhava. Trânsito pesado... Em lá chegando, ligou o computador para verificar seus E-mails e se inteirar das últimas notícias sobre a “operação lava-jato”. Absorvido pela leitura passou cerca de hora e meia até que a copeira trouxe-lhe o costumeiro cafezinho. Ele a agradeceu e o tomou dizendo: - Muito obrigado D. Marieta, seu “pretinho” hoje está delicioso. Parabéns! - Obrigado, Dr. Henrique!Passados uns 20 minutos, percebeu algo diferente em seu organismo: um pouco nauseado, começou a suar frio e uma pressão no lado esquerdo do peito. Maus pensamentos rondaram sua mente... Ele se levantou com certa dificuldade e foi até a mesa de seu colega e disse: - Alberto, não estou me sentindo bem, por favor, leve-me ao hospital. Chamaram mais um colega e em poucos minutos chegaram ao Pronto Atendimento do Hospital de seu plano de saúde. Henrique passou pela triagem e foi logo encaminhado à cardiologia. Segue-se longa conversa com o médico, coleta de sangue, urina, eletrocardiograma, oximetria, etc. Foi lhe aplicado soro fisiológico com pequena dose de ansiolítico e seguiu-se um acurado exame clínico. Ao concluí-lo, o Dr. Arnaldo falou: – Henrique, não encontrei nada preocupante mas, pelos exames

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clínicos e laboratoriais a que acaba de ser submetido e pela nossa conversa, percebi que você está muito estafado e ansioso. Portanto, está na hora de reavaliar o sentido de sua vida sedentária. Aconselho-o a mudar hábitos alimentares, disponibilizar tempo para lazer e iniciar, imediatamente, atividade física supervisionada, intercalando Pilates ou Hatha Yoga com caminhadas. E concluiu: - Quero vê-lo no meu consultório dentro de 30 dias. - Muito obrigado, doutor! Estarei lá e pensarei seriamente em seus conselhos! Ainda sob efeito do ansiolítico ele foi para casa descansar. Quando sua esposa chegou da Escola, assustou-se com o marido deitado: – Henrique, o que está acontecendo? Ele teve longa e emocionada conversa com a esposa, que se deitou ao seu lado para ouvi-lo. Naquele instante, iniciaram o planejamento para a mudança de hábitos alimentares e lazer para a família. Eles se amavam... Dois dias após, Henrique foi à clínica de Fisioterapia da Dra. Kenyres e se submeteu ao exame de avaliação. Programaram o início das atividades de Pilates e das caminhadas para o dia seguinte. Por influência de sua mulher, optou pelo Pilates. Naquele mesmo dia, à tarde, dirigiu-se ao consultório do Nutrólogo para receber orientações sobre a mudança dos hábitos alimentares. À noite, fez uma reunião familiar e resolveram que uma vez por semana, juntos, fariam um programa de lazer, que poderia ser teatro, cinema, exposições, feiras, etc. Seria uma celebração familiar! Passados trinta dias, a família já estava adaptada às dietas mais saudáveis. Somente Filó, a cozinheira, estranhava a comida dizendo: - Tem muito verde, parece mato! Pois ela era chegada às comidas gordurosas; mas, aos poucos, também foi-se adaptando. Henrique sentia-se bem adaptado à nova vida... Na data agendada, voltou ao Cardiologista, levando os exames laboratoriais pedidos. O médico, após examina-lo, ficou feliz com os resultados e o elogiou: - Henrique, gostaria que todos os pacientes levassem a sério meus conselhos, como você o fez. Parabéns! E marcou nova consulta para três meses mais tarde. Ele voltou para casa muito feliz... Em casa, os filhos notavam melhoras no bom humor e alegria do pai. Sua vida sexual melhorava... Sua esposa estava feliz! No escritório, todos comentavam as mudança de hábitos do colega. D. Filó, dizia: - O Dr. Henrique agora toma o cafezinho sem açúcar; coisa de louco! E todos riam... A cada dia, Henrique mais se entusiasmava com

a variedade de exercícios do Pilates. Sentia-se muito bem... A conselho da Dra. Kenyres passou a ter aulas às tardinhas e três vezes por semana. Ela justificou a mudança sugerida: - Henrique, os níveis dos hormônios cortisol e adrenalina - produzidos pelas suprarrenais - flutuam durante as 24 horas do dia; pela manhã são altos e baixos à tarde. Quando fazemos exercícios, aumentamos esses níveis sanguíneos, por isso estou lhe sugerindo aulas à tardinha para evitar possíveis riscos cardiocirculatórios, em virtude da sua idade. Ele gostou da explicação da Professora e passou a ter aulas a partir das 18 horas. Nas férias de julho foram aproveitar as maravilhas da Costa do Sauipe. A família voltou harmonizada e bronzeada. Na manhã seguinte, Henrique foi ao laboratório levar material e coletar sangue para novos exames. No dia e hora marcados pelo Dr. Arnaldo, lá estava ele. Já não mais sentia a síndrome do avental – aumento na pressão arterial ao chegar ao consultório - como outrora. - Olá Doutor! Tudo bem? - Muito bem, Henrique! E um prazer recebê-lo! Alguma novidade? - Não Doutor, estou me sentindo muito bem! – Ótimo, disse o médico! Ele foi examinado clinicamente, se submeteu à eletrocardiografia e prova de esforço. Seus exames clínicos e laboratoriais estavam todos normais. – Parabéns, Henrique! Você fez a grande virada de sua vida! Algum comentário a fazer? – Sim Dr. Arnaldo, quero agradecê-lo pelas valiosas orientações e conselhos recebidos; eles mudaram minha vida e a minha família. Muito obrigado!!! Para agradecer, também, a memória do alemão Joseph Pilates, homem observador que criou e desenvolveu , cientificamente, os exercícios que compõem o seu Método - que tantos benefícios trazem hoje à humanidade - pensei muito como poderia fazê-lo. Fiz uma pequena oração em sua memória. Posso dizê-la? - Lhe escutarei com atenção! - Senhor, quero hoje agradecer pela vida. Agradecer pelos Teus filhos abnegados - profissionais da saúde - que dedicam suas vidas a melhorar a qualidade de vida de seus irmãos. Agradecer pela inteligência, perseverança e trabalho com os quais Joseph Hubertus Pilates desenvolveu sua metodologia para minorar o sofrimento de seus pacientes e prevenir doenças pelo mundo afora. Que o esforço de seu trabalho seja recompensado pelo Senhor e que sua alma descanse em paz. Amém. Emocionados, médico e paciente se abraçaram...

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ISSN: 2525-3336

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