Upload
marlucesantana
View
977
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
:: Caderno Especial nº26
:: Edição: 04 a 25 de novembro 2005
Parecer sobre os projetos de lei que dispõem sobre a inserção do
Serviço Social na Educação1
Ney Luiz Teixeira de Almeida2
Introdução
A elaboração deste parecer foi solicitada pelo Conselho Federal de Serviço
Social (CFESS), em setembro de 2003, com o intuito de subsidiar as discussões
da própria entidade quanto às estratégias e ações a serem adotadas em relação à
apresentação e tramitação de Projetos de Lei que versam sobre a inserção do
Serviço Social na Educação, em particular o Projeto de Lei Federal nº 873/20033.
Esta iniciativa do CFESS encerra um alto grau de sensibilidade política,
considerando que se trata de um movimento no âmbito do legislativo que pode vir
a materializar uma das grandes aspirações da categoria dos assistentes sociais: a
institucionalização do campo educacional como área de atuação e mercado de
trabalho. Todavia, trata-se também de um tema que suscita uma série de cuidados
em decorrência da particular trajetória desta área de atuação do Estado, do
acúmulo profissional no campo das políticas sociais e das próprias justificativas
apresentadas pelos profissionais de Serviço Social com relação ao seu ingresso
neste importante espaço sócio-ocupacional.
1 Texto produzido em março de 2004. Publicado no Caderno Especial n.26, em http://www.assistentesocial.com.br 2 Professor Assistente da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Curso de Serviço Social da Universidade Castelo Branco. Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Projeto de Extensão Educação Pública e Serviço Social da FSS/UERJ (PEEPSS) e do Laboratório de Extensão: Organização de Experiências em Serviço Social, Trabalho e Educação da UCB (LEXT-OESSTE). 3 Os projetos de lei aqui analisados foram reunidos pelo Conselho Federal de Serviço Social na ocasião da solicitação deste parecer, ou seja, em 2004. Com certeza outros projetos, ou mesmo, versões surgiram de lá para cá, mas para não alterar substantivamente o documento original, a presente socialização considerou apenas o que foi disponibilizado naquela ocasião. Da mesma forma não foi feita nenhuma atualização em seu conteúdo a despeito de algumas mudanças ou processos experimentados no campo da política educacional, com o intuito de manter o atual texto fiel em seu propósito inicial.
2
A presente abordagem, sobre tal matéria, articula-se integralmente às
preocupações acima assinaladas. Destarte, este documento expressa muito mais
uma contribuição ao esforço de análise teórica e política das implicações e dos
conteúdos dos projetos de lei em tela do que uma afirmação categórica sobre a
validade dos mesmos, sobretudo, em função do reconhecimento de que se trata
de um tema que ao ganhar o espaço do legislativo, como vem ocorrendo tanto no
nível federal, quanto no plano estadual e municipal, indica a existência de um
certo grau de reconhecimento de sua pertinência e necessidade.
Não se trata aqui, portanto, de elaborar um argumento com características
de uma investigação estritamente acadêmica. Ainda que este tipo de abordagem
configure uma necessidade hoje, em virtude da carência de produções sobre o
trabalho do assistente social nesta área e sobre a própria política educacional em
nosso meio profissional, este investimento deverá ser realizado em uma outra
ocasião, reservando para este parecer uma reflexão que esteja sintonizada à
pauta de debates e ações políticas e institucionais aprovada pelo conjunto dos
assistentes sociais nos seus mais diversos espaços de organização política.
Para tanto, foi escolhido um percurso de tratamento da questão que esteja
em conformidade com o que temos procurado destacar nos diferentes fóruns de
discussão sobre o Serviço Social na área de Educação, inscrevendo esta relação
no âmbito do processo de amadurecimento teórico e político da profissão, assim
como da própria dinâmica e particularidades da área de educação. Esperamos,
deste modo, sublinhar alguns elementos que possam contribuir para o debate e a
delimitação de estratégias por parte do Conselho Federal de Serviço Social e da
própria categoria profissional como um todo.
3
Particularidades da inserção do Serviço Social nas políticas sociais
A trajetória da institucionalização do Serviço Social como profissão não
pode ser compreendida de forma distanciada do processo de estruturação e das
mudanças sofridas no âmbito das políticas sociais. Ao compreendermos as
políticas sociais como locus privilegiado do trabalho dos assistentes sociais
estamos delimitando um modo particular de tratar a história da construção e
identificação das alternativas, dos obstáculos, dos avanços e das respostas
profissionais como constitutiva das relações sociais que particularizam o modo de
organização da produção e de suas condições de reprodução em nossa
sociedade (ALMEIDA, 1996). Destaque seja feito, ainda, às relações travadas
entre o Estado e a Sociedade Civil para uma efetiva aproximação às demandas
historicamente colocadas à profissão, aos contornos e dinâmica de nosso
mercado de trabalho e aos significados ideológicos e políticos da ação
profissional.
Situar a profissão historicamente exige examinar sua trajetória numa
perspectiva de totalidade, ou seja, a partir da relação existente entre o seu
desenvolvimento sócio-institucional e a dinâmica do ser social. Os
empreendimentos de natureza organizativas, intelectuais e sociais que foram
construídos ao longo da institucionalização do Serviço Social - enquanto profissão
inscrita no conjunto das alternativas de enfrentamento da questão social - só
ganham significação se considerado exatamente o conjunto de determinações que
põe em relevo as particularidades da profissão como resultante histórica de
processos sociais concretos, protagonizados por diferentes forças sociais e não
apenas pelos sujeitos profissionais (IAMAMOTO, 1992 e NETTO, 1992).
Desta forma, a compreensão das políticas sociais como uma mediação
necessária à concretização do trabalho do assistente social situa uma dupla
implicação para os assistentes sociais: o seu reconhecimento enquanto espaço
privilegiado da sua profissionalização e atuação e como aporte importante ao
trabalho profissional, ou seja, como meio de operacionalização efetiva de sua
atividade laborativa (ALMEIDA, BARBOSA e CARDOSO, 1998). Se por um lado,
as políticas sociais constituem o terreno sobre o qual se materializa a profissão, o
4
que tem favorecido sua demarcação como um campo de interesse teórico e
político para os assistentes sociais, ainda que não lhe seja exclusivo, por outro,
ela tem se revelado uma contraditória fonte dos conteúdos técnicos e ideológicos,
assim como das condutas e instrumentais do trabalho profissional. A arquitetura
institucional das políticas sociais é determinada pela correlação de forças postas
na sociedade no confronto estabelecido pelos sujeitos sociais a partir de seus
projetos societários, expressando graus diferenciados de adesão e
condicionamento às racionalidades que tipificam a especialização e a divisão do
trabalho coletivo, assim como aos valores e modos de interpretação da realidade
hegemônicos na sociedade. O trabalho dos assistentes sociais é determinado,
portanto, pela contraditória dinâmica institucional e complexa rede de
operacionalização dos serviços no âmbito das políticas sociais, considerando-se
as correlações forças postas em cada conjuntura.
O estatuto legal de nossa atividade, ao passo que resguarda algumas
prerrogativas aos assistentes sociais como sujeito profissional, não chega a lhe
conferir uma autonomia plena na condução de seu trabalho (IAMAMOTO, 2003).
Deve ser salientado, portanto, que as condições de exercício da atividade
profissional não resultam exclusivamente dos graus de consciência que os sujeitos
profissionais têm delas assim como de sua competência teórico-metodológica,
ética ou política, mas, sobretudo, de processos históricos, reais, ou seja, das
formas objetivas de organização da produção e da reprodução social nas quais
interage. A autonomia profissional não significa, portanto, uma idealização; ela
expressa a capacidade teórico-metodológica, ética e política em pensar e propor
as ações profissionais como parte de um movimento de resistência e de tentativa
de superação dessas racionalidades e valores dominantes que condicionam a
organização da prestação dos serviços sociais no âmbito das políticas sociais.
Embora materialize o vetor político da ação profissional também está relacionada
aos processos sociais que caracterizam a luta ideológica em cada momento
histórico.
O acúmulo intelectual produzido no interior da profissão tem permitido situar
as políticas sociais como um espaço contraditório: ao mesmo tempo em que se
5
constitui como uma expressão concreta de um esforço de equacionamento das
tensões sociais e econômicas através de recortes que fracionam os problemas e
as lutas sociais, também se apresenta como um importante espaço de luta e de
conquistas, como alternativa real e efetiva de acesso de largos segmentos sociais
às condições mínimas de sobrevivência e de ampliação de sua atuação política.
Considerando os horizontes teóricos e políticos postos pela inserção do Serviço
Social nas políticas sociais, são identificados posicionamentos bastante
diferenciados na história da profissão em relação aos seus limites e
possibilidades4. Compreender a extensão da fronteira entre as condições
concretas de mudanças institucionais e seus impactos econômicos e políticos a
partir das políticas sociais e os reais limites impostos pela vinculação orgânica e
embrionária das políticas sociais à lógica da produção e das condições de
reprodução capitalista tem sido um dos principais desafios teóricos e políticos
colocados à profissão.
As políticas sociais desenham um campo de forças no qual a profissão
ganha visibilidade social, materialidade institucional e potencialidade histórica.
Contudo, a mediação entre a ação cotidiana que caracteriza o exercício
profissional e os significados econômicos e ideológicos do conjunto de programas,
projetos e ações executadas como dimensões constitutivas das políticas sociais é
parte de um processo protagonizado por diferentes sujeitos coletivos, dentre os
quais se situa o próprio assistente social. Sob este prisma, a definição das rotinas
e procedimentos, a delimitação dos instrumentais e mesmo a demarcação do
objeto de intervenção não representam um movimento autônomo e circunscrito a
uma legalidade profissional, ao contrário, só podem ser compreendidas como
resultantes de uma relação entre a dinâmica profissional e a dinâmica sócio-
institucional em suas diferenciadas expressões e tensões.
A trajetória da aproximação e da inserção do Serviço Social nas diferentes
áreas de política social tem revelado um dinamismo que não pode ser reduzido às
abordagens idealistas que a deduz de um lugar sócio-institucional consagrado em
toda e qualquer política social setorial. As análises mais consistentes têm revelado
4 Conforme revela a reflexão de MENEZES (1993).
6
um processo bem mais complexo que decorre da combinação concreta de
diferentes aspectos: o grau de negociação alcançado no interior do Estado pelas
forças atuantes da sociedade civil quanto à incorporação de novas demandas
sociais, a maior ou menor participação estatal na regulação dos processos de
reprodução da força de trabalho e do mercado de trabalho, as formas de
organização da rede de serviços envolvendo níveis de especialização cada vez
maiores do trabalho institucional e a capacidade de leitura, organização e
intervenção dos segmentos profissionais na composição das estruturas
institucionais implementadoras dos serviços sociais. A combinação desses fatores
constitui um momento decisivo para a compreensão dos processos de inserção
dos assistentes sociais nas políticas sociais.
A compreensão dos processos sociais e institucionais que determinaram os
espaços de atuação sócio-ocupacionais dos assistentes sociais ao longo de sua
história tem apontado, centralmente, para um campo de disputa social em torno da
ampliação e consolidação dos direitos sociais que foi traduzida na incorporação,
nem sempre homogênea, de diferentes modalidades e formas de oferta dos
serviços sociais. Formas que encerraram, muitas vezes, estratégias de
desmobilização ou de atendimento temporário às pressões sociais, não
configurando um quadro de efetivo reconhecimento ou conquista social. Atestam
estas tendências, por exemplo, a erupção de programas e ações governamentais
descontínuos, ocasionais ou focalistas.
Deste modo, a consolidação dos espaços de atuação profissional não tem
se dado como resultado exclusivo de um movimento progressivo de ampliação
dos direitos sociais, ao contrário, tem sido determinado pela dinâmica contraditória
das lutas sociais e da correlação de forças postas em diversas conjunturas,
combinando processos de institucionalização bastante diversificados. Nesta ampla
esteira que conforma o espaço de atuação profissional tem-se desde as áreas já
plenamente consolidadas, como as da saúde, até áreas emergentes, como as de
esporte e lazer, passando por aquelas que ainda sofrem com os percalços e as
incertezas dos processos políticos e institucionais, sobretudo nas esferas do poder
municipal, como a da assistência social. Soma-se a este espectro, fornecendo um
7
leque ainda mais diversificado de possibilidades, as transformações
experimentadas pelo mercado de trabalho com as suas diferentes modalidades de
contratação e condições de trabalho.
Estas considerações preliminares quanto à inserção do Serviço Social nas
políticas sociais têm o significado de balizar algumas das preocupações que serão
apontadas ao longo deste documento, sobretudo, no que se refere aos seguintes
aspectos:
� A problematização da educação como campo de atuação do Estado a
partir da política social.
� O significado estratégico da política educacional no âmbito das relações de
produção e reprodução social.
� A leitura da inserção do Serviço Social na política educacional sob o prisma
da relação entre o mercado de trabalho, a organização do trabalho coletivo
e as particularidades do espaço sócio-ocupacional na área educacional.
8
Sobre a educação, a política educacional e o Serviço Social
A educação pode ser tomada como um dos mais complexos processos
constitutivos da vida social. A compreensão da educação como totalidade histórica
ultrapassa em muito a abordagem da sua institucionalização nos marcos das
ações reguladoras do Estado. A história da educação articula de modo não linear
a relação entre as esferas privada e pública, grupal e comunitária, econômica e
ideológica da vida em sociedade5. Não se propõe aqui a um exame detalhado
destas relações, mas a uma explicitação necessária quanto ao modo de abordar o
campo da política educacional. Considerando, portanto, a educação como uma
dimensão complexa e histórica da vida social, compreende-se a política
educacional como uma dada expressão da lutas sociais, em particular, aquelas
travadas em torno da disputa pela hegemonia no campo da cultura que não pode
ser pensada de forma desconexa da sua dinâmica particular com o mundo da
produção.
A inscrição de um conjunto de práticas educacionais ao campo da política
social é a expressão histórica de uma disputa pela direção da elaboração e
difusão da cultura dos diferentes grupos sociais que ocupam lugares distintos na
organização da produção em nossa sociedade. A educação realizada no âmbito
da família, das instituições religiosas, da comunidade rural e nos mais diferentes
estabelecimentos edificados ao longo da história da humanidade sempre
constituiu um dos elementos representativos da diversidade e complexidade do
processo educacional como fenômeno social. A ampliação dos espaços, das
experiências sociais e do conjunto de sujeitos envolvidos com o processo
educacional nunca distanciou esta dimensão da vida social dos processos de
disputa cultural, tornando-a um campo altamente tenso6. Da mesma forma,
independente do momento histórico da vida em sociedade, a educação nunca
deixou de ser determinada, em última instância, pela dinâmica do modo de
organização social da produção dos bens materiais necessários à sobrevivência
dos sujeitos sociais, visto que as condições materiais de produção são
5 Um minucioso resgate destas relações pode ser visto em MANACORDA (1989). 6 Ver a este respeito a indispensável contribuição de GRAMSCI (1989) sobre a relação entre a educação e a esfera da cultura.
9
determinantes do modo de organização da vida social (MARX e ENGELS, 1984).
A transmissão de valores, a educação das diferentes gerações dentro de uma
família ou comunidade, o conhecimento dos fenômenos naturais e das técnicas de
produção se relacionam, historicamente, com o mundo da cultura, expressando
processos sociais necessários à reprodução das condições de vida dos diferentes
grupos sociais.
Ao longo do desenvolvimento do modo de produção capitalista esta
dinâmica particular da esfera da reprodução social adquiriu feições diferenciadas,
determinadas pelos distintos interesses sociais em confronto, ou seja, pelas
diferentes formas dos sujeitos sociais pensarem a realidade e o seu lugar nela. As
principais classes sociais e suas frações expressam modos distintos de
compreender sua própria realidade e atuar a partir dela. A elaboração da visão de
mundo própria das classes sociais no modo de produção capitalista é um dos
aspectos centrais para a compreensão das principais tensões e disputas que
caracterizam a educação como uma das principais dimensões da vida social. A
institucionalização dos processos educacionais, ao longo da dinâmica e expansão
do modo de produção capitalista, e sua vinculação ao âmbito das ações
reguladoras do Estado não retiraram dos grupos sociais, já referidos neste texto,
as suas funções e prerrogativas educacionais, mas redesenhou a dinâmica interna
desses processos assim como sua vinculação orgânica com a esfera da produção.
A educação, portanto, não deixou de ser um processo social vivenciado no
âmbito da sociedade civil e protagonizado por diferentes sujeitos sociais, mas
passou a ser também uma das principais e estratégicas áreas de atuação do
Estado. As lutas sociais pelo acesso à educação passaram a constituir
importantes fenômenos da política, tornando-se parte do processo de legitimação
do próprio Estado e do processo de conquistas sociais que levaram ao
reconhecimento da educação como direito social e não apenas como uma
expressão de processos circunscritos à dinâmica da vida privada. A luta pela
educação constituiu-se em uma das expressões da questão social exatamente por
encerrar um processo de politização em torno do reconhecimento e do
10
atendimento de certas necessidades que deixaram de pertencer exclusivamente à
esfera da reprodução privada e ingressaram nas agendas da esfera pública.
A política educacional pode ser concebida também como expressão da
própria questão social na medida em que representa o resultado das lutas sociais
travadas pelo reconhecimento da educação pública como direito social. E aqui
deve ser ressaltada uma das principais características da realidade brasileira: o
fato de a educação não ter se constituído até o momento em um direito social
efetivo e universalmente garantido, um patrimônio da sociedade civil, conforme
ocorreu em vários países como etapa fundamental do processo de consolidação
do próprio modo de produção capitalista, ou seja, como um valor social universal e
como condição necessária ao desenvolvimento das forças produtivas.
No caso brasileiro a educação pública, embora defendida desde o início do
século XX pelos educadores liberais, sempre foi tomada como contendo um
potencial de ameaça das massas ao projeto de dominação política das elites
(LEAL, PIMENTEL & PINTO, 2000 e MONARCHA, 1989). Desta forma, sua
vinculação às necessidades do mundo trabalho acabou sendo determinante para
os esforços de ampliação do acesso das massas à educação escolarizada. Ao
invés de compor os consensos sociais em torno de um ideário de “cidadania” mais
abrangente esteve muito mais condicionada aos contornos e dinâmica do mercado
de trabalho. O tipo de desenvolvimento e consolidação do capitalismo no país não
se caracterizou como um processo capaz de incluir progressiva e largamente as
massas oriundas do trabalho rural assalariado ou escravo e nem tão pouco os
processos políticos de governabilidade promoveram esta incorporação,
sedimentando uma cultura política de alternância do poder pactuada pelo alto7, a
educação das massas, enquanto momento da luta pela hegemonia cultural e
como parte do desenvolvimento das forças produtivas, adquiriu uma feição
excludente na realidade brasileira. Os ciclos de crescimento econômico, de um
lado, e a capacidade organizativa dos trabalhadores nos movimentos sindicais e
sociais, de outro, passaram a ter um peso ainda mais decisivo na luta pela
educação pública ao longo de todo o século passado.
7 Ver a este respeito Coutinho (1990).
11
A organização de um sistema educacional nacional foi uma das etapas
centrais deste processo de luta. O esforço empreendido pelo Estado para a sua
estruturação ao longo das primeiras três décadas do século XX não foi capaz de
criar as condições mínimas de consenso em torno de sua expansão e efetiva
capacidade de enfrentamento das desigualdades educacionais, ao contrário,
acirrou uma intensa disputa entre os interesses privados e públicos,
protagonizada, em grande parte, por uma das instituições que procurou não ceder
terreno na disputa pela hegemonia no campo ideológico: a Igreja. O ingresso na
segunda parte do século XX não equacionou esta disputa, na verdade, novos
elementos compuseram este cenário, dada as características do processo de
expansão capitalista no Brasil e sua vinculação à dinâmica mundial. Parte do
processo educativo, aquele mais diretamente vinculado à formação técnica do
trabalhador, passou a ser realizado por instituições não tipicamente educacionais:
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (ALMEIDA, 2000a), inaugurando uma tendência, que
veio a ser ratificada no final do século XX, em retirar da própria política
educacional as orientações e financiamentos para a formação técnica do
trabalhador.
As tensões no campo educacional, decorrentes dos interesses das distintas
forças sociais em relação à dimensão estratégica da educação no campo cultural
e produtivo, determinaram longos processos de negociação e embates, fazendo
com que as duas Leis de Diretrizes e Bases da Educação, elaboradas no século
passado, tramitassem durante longos anos no Congresso Nacional até serem
aprovadas, não sem articulações e golpes que conservassem a cultura política
dos acordos no interior da própria elite dirigente: a primeira durante o período
compreendido entre 1948 e 1961, a segunda de 1988 até 1996, ou seja, treze e
oito anos respectivamente.
Tomando a política educacional na contemporaneidade como uma das
referências para a construção deste documento é preciso destacar que a
aprovação da LDB – Lei nº 9.394 de dezembro de 1996 representa um marco no
campo educacional na relação entre Estado e Sociedade Civil e entre o mundo
12
trabalho e o mundo da cultura. O seu processo de aprovação expressa o esforço
de adesão empreendido pelo governo federal às exigências externas colocadas à
inserção do país na globalização, reforçando o projeto neoliberal tanto na sua
dimensão ideológica quanto na organização gerencial da política educacional. A
LDB, embora encerre algumas conquistas e avanços no campo educacional, teve
seu processo de aprovação marcado por uma total intransigência por parte do
governo em dialogar com a sociedade civil organizada, onde as propostas dos
movimentos sociais vinculados a área de educação foram paulatinamente vetadas
desde as negociações em torno da sua aprovação até a elaboração do Plano
Nacional de Educação (VALENTE, 2001).
A LDB contém, assim, um arcabouço geral de organização e orientação da
política educacional referenciado pelas principais balizas do Estado neoliberal
(ALMEIDA, 2000b).
� A reforma administrativa e gerencial do Estado. A LDB possui
um texto legal genérico, deixando para as legislações
complementares toda a regulamentação da política educacional.
Analisando estas legislações complementares é possível verificar a
demarcação da função essencialmente gerencial que o Estado
passa a adotar, investindo na estruturação de um conjunto de
parâmetros curriculares para os diversos níveis de educação, na
formulação de processos de avaliação que serviriam para orientar a
destinação dos investimentos e dividindo responsabilidades na
execução com a sociedade civil.
� A flexibilização das legislações exigida pela flexibilização da
produção no mundo do trabalho. A LDB expressa uma adequação
da política educacional às novas exigências de formação do
trabalhador. Este processo de flexibilização contido no texto original
se estende às legislações complementares. Esta tendência pode ser
observada tanto na diversificação das instituições de ensino superior
e das próprias modalidades de formação nesta área assim como na
reforma empreendida no ensino médio.
13
� A substituição da lógica do pleno emprego pela da
empregabilidade. A flexibilização dos processos formativos passa a
ser justificada pela necessidade do aumento da capacidade
competitiva das unidades produtivas e a elevação dos indicadores
educacionais, sobretudo, o tempo de escolaridade da mão de obra,
que passa a ser uma meta imprescindível nos tempos atuais. As
alterações nos sistemas de progressão entre séries e ciclos, assim
como as políticas de manutenção dos alunos por mais tempo na
educação escolarizada cumprem uma função estratégica nesta
direção. Muito embora a regulamentação destes processos não se
dê no âmbito da LDB, especificamente, é a partir de seu espectro
ideológico que essas ações vêm sendo promovidas.
� A valorização ideológica da supremacia do mercado e da
individualidade. A função da educação no conjunto dos processos
culturais de produção e reprodução dos valores e idéias dominantes
de uma época é bastante potencializada a partir da LDB, em
particular no estabelecimento de um novo patamar da relação entre
o Estado e a Sociedade Civil, reforçando o diálogo com os
segmentos não organizados e distorcendo a idéia de uma formação
cidadã para a de formação de um cidadão consumidor. A
flexibilização dos conteúdos curriculares e da integração entre as
instituições educacionais e as instituições da sociedade civil menos
politizadas têm levado à incorporação de conteúdos que
ideologicamente enfatizam o papel do mercado em nossa sociedade
e reforçam a perspectiva de desresponsabilização do Estado com as
políticas sociais através do fortalecimento das práticas voluntárias e
da educação privada.
A política educacional, embora tenha seu arcabouço legal e ideológico
ancorado na LDB, não se restringe a mesma, seja em função do próprio
significado que essa legislação possui, seja em decorrência das condições de sua
aprovação, assim como em razão daqueles fatores que acabam por caracterizar
14
uma política social e que extrapolam sua dimensão legal: a expressão e disputa
de interesses diferenciados e por vezes conflituosos; a arquitetura institucional que
ganha certa autonomia nas dinâmicas e particularidades dos diferentes
estabelecimentos da burocracia estatal e na relação entre as distintas instâncias
governamentais; e o grau de organização e a capacidade de pressão e
interferência das corporações e movimentos sociais. Compreende-se a política
educacional, desta forma, não só como um aparato institucional legal e
administrativo que se inscreve no âmbito do Estado, mas enquanto um espaço
que também enseja contradições e disputas, e que se altera histórica e
politicamente mediante a ação dos sujeitos sociais. Um espaço privilegiado para a
afirmação da concepção gramsciana de Estado ampliado, que envolve o
relacionamento da sociedade política com a sociedade civil. Os limites deste
relacionamento, ao longo dos últimos anos, têm determinado um desigual
alargamento das conquistas sociais, sobretudo, no sentido do fortalecimento da
participação dos segmentos organizados da sociedade civil. Os próprios
Conselhos de Educação nos âmbitos federal, estaduais e municipais, que
poderiam servir de espaço para a expressão de contra-tendências à hegemonia
do modelo neoliberal na educação, acabam não criando essa condição dada a sua
estruturação e composição em um formato muito distinto dos demais conselhos de
políticas sociais setoriais, como os das áreas de saúde, criança e adolescente e
assistência social, por exemplo, onde a sociedade civil organizada tem assento.
Pensar as particularidades da política educacional na atualidade requer
também situar sua dinâmica e sua extensa e complexa capilaridade institucional
em relação às transformações em curso tanto no mundo do trabalho quanto no da
cultura. A relação entre a organização da educação escolarizada e o mundo do
trabalho não se dá de forma imediata e mecânica, assim, apreender as mediações
que as determina é fundamental para situar os projetos e práticas sociais que
atravessam e compõem o universo educacional. Vale, a título de ilustração da
importância desta relação, a observação de que, ao longo dos anos 90, ao mesmo
tempo em que se detectou uma expressiva diminuição dos postos de trabalho e o
reconhecimento do desemprego como um fenômeno não sazonal, mas estrutural
15
no capitalismo, também se verificou uma enorme expansão do ensino superior
privado no país, seja em termos de abertura de vagas ou de instituições, seja na
comparação do total de alunos inscritos nas instituições privadas e nas instituições
públicas. Como explicar esta aparente contradição sem referir às mudanças no
âmbito do Estado em relação aos seus papéis como executor e gestor no campo
das políticas sociais? Sem considerar o paradigma da empregabilidade (GENTILI,
1998) e o grau de adesão ideológica de certos estratos sociais ao mesmo como
orientador das estratégias de ingresso no “seleto e restrito” mercado de trabalho?
Ou, ainda, sem lançar luzes sobre o amplo e polêmico debate em torno da crise
fiscal do Estado e da política de renúncia fiscal como estratégia de incremento aos
setores produtivos? E, por último, como prescindir da análise da expansão da
burguesia do setor de serviços (NEVES, 2000) e, particularmente, a do setor
educacional e da progressiva transformação dos serviços culturais e educacionais
em mercadoria?
Destarte, algumas mediações passam a ser centrais para a compreensão
da relação entre a educação, como dimensão da vida social, e a dinâmica do
mundo da cultura e do trabalho. Situar a política educacional neste esforço é
imprescindível, o que impõe a necessidade de não produzir nenhum hiato
interpretativo no tratamento de sua complexidade, ou seja, não se pode
desconsiderar a relação entre suas expressões legais, na qual se inscreve a LDB,
e institucionais, nas quais se materializa a extensa e diferenciada rede de
instâncias e unidades educacionais, com os processos culturais, econômicos e
políticos presentes na realidade brasileira e mundial. Vale sublinhar que a
progressiva ampliação da política educacional em suas bases de sustentação
legal, programática e institucional é a expressão histórica do lugar que ocupa nos
processos de disputa pela hegemonia cultural em relação ao dinamismo particular
da produção e da reprodução social em diferentes períodos. Essa expansão,
refletida, por exemplo, na LDB e na diversificada rede de serviços e entidades
educacionais, públicas ou privadas, demonstra também a ampliação e o grau de
complexidade alcançado na dinâmica entre o Estado e a sociedade civil em seus
relacionamentos com esta dimensão da vida social que é a educação.
16
Nesta perspectiva, ao tratar da política educacional é preciso referenciar o
conjunto de áreas que são reguladas em termos das práticas e conhecimentos
legais e educacionais socialmente reconhecidos hoje enquanto arcabouço
institucional desta política. Ergue-se a partir desta forma de abordagem uma
questão de ordem teórica e política que é o próprio processo histórico de
institucionalização destas práticas reguladas e que ressalta a preocupação,
exatamente no curso dos processos sociais de disputa pela hegemonia, não só no
campo cultural, com as práticas educacionais contra-hegemônicas. Saber em que
medida essas práticas devem ou não ser conduzidas ao largo dessa
institucionalidade, demarcada pela política de educação, tem sido uma das
interrogações mais usuais na história da educação. Muito embora se perceba uma
tendência entre os principais educadores contemporâneos, comprometidos com
uma educação emancipatória, em não trilhar um percurso paralelo, mas caminhar
no sentido de que a institucionalização de práticas educacionais contra-
hegemônicas seja parte de um processo de conquistas e ampliação dos direitos
sociais e de fortalecimento de uma dada concepção política de educação.
Neste sentido, sobretudo para os assistentes sociais, a quem este
documento se dirige, é vital que duas questões sejam assinaladas. A primeira
delas é a de que pensar a atuação dos assistentes sociais na política educacional
envolve a compreensão da dinâmica e complexidade deste campo de atuação do
Estado e da sociedade civil (ALMEIDA, 2003). Não se trata, portanto, de ponderar
ou especular sobre essa atuação apenas no interior dos estabelecimentos
educacionais mais tradicionais como a escola. Pensar essa inserção dos
assistentes sociais exige identificar que a política educacional engloba diferentes
níveis e modalidades de educação e ensino: a educação básica que é composta
pela educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e
adultos; a educação profissional; a educação superior e a educação especial. A
organização e a execução desses diferentes níveis de educação e ensino cabem
ao Estado em seus três níveis de atuação: a união, os estados e os municípios,
sendo que cada um deles tem responsabilidades e incumbências diferenciadas.
Destarte, é fundamental que não se perca a dimensão de totalidade na
17
compreensão do significado que a política educacional tem a partir desse desenho
institucional na relação entre o mundo da cultura e o do trabalho, ou seja, no
âmbito da dinâmica que particulariza as esferas da produção e da reprodução
social.
A segunda questão a ser assinalada diz respeito ao reconhecimento de que
se a política educacional é uma das expressões das disputas protagonizadas
pelos sujeitos sociais no campo da cultura ela também não encerra todas as
particularidades da educação enquanto dimensão da vida social. Os assistentes
sociais devem, ao mesmo tempo, tomar a política educacional como um modo
historicamente determinado de oferta e regulação dos serviços educacionais, que
organiza diferentes formas de trabalho coletivo e modalidades de cooperação
entre os profissionais que atuam nesta área, como considerar a educação como
um fenômeno social, cujas práticas e seus sujeitos envolvem processos que
embora se relacionem com a política educacional a ela não necessariamente se
circunscrevem. Pensar a educação para além da política educacional é, deste
modo, uma outra exigência posta aos assistentes sociais e que requer um olhar
sobre a própria dimensão educativa de sua intervenção como constitutiva desses
processos mais amplos e não necessariamente vinculada a essa área de atuação
do Estado via política social. Em síntese, a dimensão educativa que caracteriza
um infindável universo de práticas sociais e experiências profissionais não
necessariamente configura um elemento justificador do pertencimento ou
proximidade dessas atuações à política de educação.
Existem, contudo, situações reais que têm revelado a necessidade de
atuação dos assistentes sociais no ensino fundamental8, ou seja, numa área
específica da política educacional. Estas situações, resgatando a perspectiva de
abordagem que norteia este documento, podem ser compreendidas a partir das
expressões atuais da questão social na (e em relação à) educação, em seu
8 Vale destacar que estas situações, ainda que expressem manifestações atuais da questão social, não caracterizam a inserção dos assistentes sociais nas escolas como uma realidade nova, muito ao contrário. Contudo são poucos os registros dessas inserções, o que vale destacar a sistematização de uma dessas experiências feita por SANTOS (2001) sobre a experiência alagoana.
18
sentido mais amplo já referido, assim como em sua dimensão mais particular, a
política educacional.
A escola pública e, mesmo, a particular, na esfera do ensino fundamental,
se vê atravessada por uma série de fenômenos que, mesmo não sendo novos ou
estranhos ao universo da educação escolarizada, hoje se manifestam de forma
muito mais intensa e complexa: a juventude e seus processos de afirmação e
reconhecimento enquanto categoria social, exacerbadamente, mediado pelo
consumo; a ampliação das modalidades e a precoce utilização das drogas pelos
alunos; a invasão da cultura e da força do narcotráfico; a pulverização das
estratégias de sobrevivência das famílias nos programas sociais; a perda de
atrativo social da escola como possibilidade de ascensão social e econômica; a
desprofissionalização da assistência no campo educacional com a expansão do
voluntariado; a gravidez na adolescência tomando o formato de problema de
saúde pública e a precarização das condições de trabalho docentes são algumas
das muitas expressões da questão social.
O reconhecimento da presença desses elementos no universo escolar, por
si só, não constitui uma justificativa para a inserção dos assistentes sociais nesta
área. Sua inserção deve expressar uma das estratégias de enfrentamento desta
realidade na medida em que represente uma lógica mais ampla de organização do
trabalho coletivo na esfera da política educacional, seja no interior das suas
unidades educacionais, das suas unidades gerenciais ou em articulação com
outras políticas setoriais9. Caso contrário, estará implícito, nas defesas desta
inserção, a presunção de que tais problemas seriam exclusivos da atuação de um
determinado profissional, quando na verdade seu efetivo enfrentamento requer, na
atualidade, não só a atuação dos assistentes sociais, mas de um conjunto mais
amplo de profissionais especializados. O que parece ser central aqui e que já vem
sendo observado pelos profissionais da área de educação é que o professor não
9 Esta abordagem filia-se a um campo de estudo presente na Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro sobre a inserção dos assistentes sociais em processos de trabalho na área de educação, o que determina um olhar sobre a escola para além das suas dinâmicas institucionais mais visíveis, mas como espaço de organização de um trabalho coletivo. Sobre este tipo de olhar no campo educacional, ainda não muito difundido, vale destacar a reflexão de SILVA JÚNIOR (1995).
19
vem conseguindo dar conta, sozinho, desses problemas e que o processo de
enfrentamento dessa complexa realidade não é de competência exclusiva de
nenhum profissional.
Para além das suas funções com o processo de formação do cidadão -
perspectiva que vem sendo construída como parte da luta e da organização social
da categoria dos educadores e que, portanto, não se inaugura com a possibilidade
de entrada de um ou outro profissional na política educacional, mas traduz uma
luta histórica no âmbito das forças sociais - o professor não consegue acumular
outras funções que a escola vem assumindo como decorrência de seu lugar
estratégico no campo das políticas sociais. Há de se destacar, neste sentido, a
tendência marcante na última década de articulação das políticas de
enfrentamento da pobreza e garantia de renda mínima10 com a política
educacional, aumentando o fluxo de informações e responsabilidades
institucionais da escola.
Essa função estratégica da escola como porta de acesso de largos
segmentos sociais às políticas sociais e seus programas não tem resultado em um
processo tranqüilo no âmbito do ensino fundamental. A sobrecarga de funções dos
professores, em decorrência da incorporação dos procedimentos administrativos
desses programas, a visão até certo ponto ideológica de que a assistência social
se converte incondicionalmente em assistencialismo e que determina um
“conformismo” das estratégias de sobrevivência das famílias aos programas
sociais, acaba gerando uma certa preocupação com o que possa significar a
presença dos assistentes sociais nas escolas. Corrobora com essa visão, talvez
não hegemônica, mas presente e real, o fato de que as questões relativas à
sexualidade, às drogas, à família e à violência, embora façam parte da atuação
dos assistentes sociais em diversos outros campos de atuação, também, em certa
medida também compõem ou deveriam compor o universo da formação ampla e
cidadã com a qual muitos educadores e entidades educacionais investem como
parte do processo de construção de uma nova sociedade (LINHARES, 2001). A
10 Ver a respeito desta tendência SPOSATI (1997).
20
questão se torna ainda mais delicada se tratada pelo lado da função educativa das
práticas profissionais e sociais.
Diante do exposto não se procura aqui interditar este processo de
aproximação do Serviço Social à escola pública ou particular, ao contrário, busca-
se as bases reais e o significado político de construção dessa trajetória. A
afirmação da dimensão educativa do trabalho do assistente social deve ser
considerada não apenas em termos da valorização da sua inserção nas unidades
educacionais, mas do seu envolvimento com os processos sociais, em curso,
voltados para a construção de uma nova hegemonia no campo da educação e da
cultura, dos quais os educadores trazem significativos acúmulos e tradição, seja
no campo do pensamento intelectual, seja nas ações profissionais e políticas.
Para uma categoria como a dos assistentes sociais esta adesão não representa
algo novo, visto que sua aproximação às mais diferentes áreas de atuação do
Estado, através das políticas sociais, tem contado com um certo grau de
participação e mobilização política nos processos coletivos e na esfera pública. A
adesão às lutas e movimentos sociais em torno da erradicação do analfabetismo,
de uma educação pública universal, gratuita e de qualidade, do acesso
progressivo dos diversos segmentos sociais aos diferentes níveis de educação
constitui expressão importante deste processo de valorização da dimensão
educativa do trabalho do assistente social como inclusa nos processos de luta e
organização social.
Por outro lado, a própria trajetória dos assistentes sociais no que se refere
ao acúmulo teórico e profissional no campo das políticas sociais e, em particular,
da assistência, tem sido um dos principais fatores de reconhecimento de sua
presença em diferentes áreas de atuação, mas cuja efetiva inserção, assim como
os alcances da sua atuação ultrapassam o campo da vontade e da competência,
visto que expressam movimentos e processos concretos de organização dos
serviços sociais no âmbito de estruturas institucionais historicamente construídas.
Desta forma, esta possibilidade recai, novamente, no campo da organização e da
intervenção política, pois expressará o resultado de um processo de ampliação
das formas de enfrentamento das expressões da questão social no ensino
21
fundamental. O reconhecimento do significado social e institucional desta inserção
junto aos sujeitos que atuam na área de educação representa, assim, elemento
decisivo para sua efetivação, direcionando o debate para a esfera dos processos
sociais dirigidos para a ampliação e conquista dos direitos sociais e educacionais.
22
Comentários sobre os projetos de lei
Os projetos de lei federais, estaduais e municipais, levantados pelo
Conselho Federal de Serviço Social e sobre os quais se constrói este parecer,
expressam um universo bastante diversificado de argumentos e leituras sobre o
significado e a necessidade da presença dos assistentes sociais nessa área.
Alguns elementos podem ser inicialmente apontados para justificar esta
diversidade:
� Os períodos históricos em que foram produzidos. Existem projetos do
início dos anos 70, de meados dos anos 80 e projetos mais recentes.
Para se compreender as implicações deste largo espaço de tempo para a
análise dos argumentos apresentados basta pensar sobre as mudanças
sofridas na sociedade brasileira, na política educacional e no Serviço
Social ao longo dos últimos trinta anos.
� A apresentação de argumentos que devem ter sido elaborados por
parlamentares sem um conhecimento mais preciso sobre a profissão e as
competências e habilidades profissionais.
� E, por último, o atravessamento de concepções generalistas sobre a
própria educação assim como em relação ao Serviço Social. Talvez,
essas representações construídas em torno da educação e das práticas
dos assistentes sociais, e que demarca certas idéias e valores com base,
sobretudo, no senso comum, estejam, ainda, muito enraizadas na própria
sociedade, visto que elas, de certo modo, ainda foram encontradas no
conjunto de leis e documentos analisados, independentemente do período
histórico em que foram produzidos.
A partir destas observações preliminares serão apresentados alguns
comentários sobre o conjunto dos projetos e documentos analisados, procurando-
se resgatar os elementos que tornam as atribuições previstas para os assistentes
sociais, nas escolas ou na área educacional, próximas ou distantes às abordagens
produzidas na primeira parte do presente documento e ao próprio acúmulo
elaborado pela categoria e expresso no projeto ético, político e profissional do
Serviço Social.
23
Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.006, de 1974
Este projeto de lei foi elaborado com o seguinte propósito: “Modifica a
redação do artigo 10 da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixa Diretrizes
e Bases para o ensino de 1º e 2º Graus, instituindo a obrigatoriedade de Serviço
Social Escolar”. Interessante observar que o projeto de lei foi elaborado com
intuito de modificar um artigo da LDB aprovada cerca de três anos antes e após
treze anos de tramitação no Congresso Nacional, o que demonstra a já assinalada
dificuldade de aprovação de uma legislação geral que contemple as expectativas
dos diferentes grupos sociais.
A presença dos assistentes sociais nas escolas de 1º e 2º graus foi
justificada pela formação específica deste profissional, identificada como
necessária, e sem que possa ser desenvolvida pelo professor, na condução das
atividades de “assistência social escolar”. Este projeto é um dos muitos
apresentados a se referir a um “Serviço Social Escolar”, expressão que grassa
entre os assistentes sociais na atualidade e que não está isenta de uma série de
implicações sócio-ocupacionais. Considerando o debate profissional realizado ao
longo dos anos 80, e que orienta as principais produções na contemporaneidade
sobre a inscrição do Serviço Social na divisão social e técnica do trabalho, esta
forma de abordar a atuação do assistente social na área de educação tem dois
significados importantes. O primeiro é o de considerar os limites e os alcances de
uma especialização do exercício profissional nos marcos das políticas sociais
setoriais e das instituições sociais, ou seja, se afirma a possibilidade de um
Serviço Social específico para cada área: o Serviço Social Escolar, o Serviço
Social da Saúde e o Serviço Social Jurídico entre outros. O segundo significado é
o de reduzir a possibilidade de inserção dos assistentes sociais na política
educacional aos estabelecimentos educacionais do ensino fundamental, já
sinalizado anteriormente.
Os problemas presentes no universo escolar e que justificam a atuação dos
assistentes sociais de certa forma gravitam em torno daquelas expressões da
questão social que já foram referidas no item anterior deste documento, contudo, o
24
modo de abordar algumas dessas expressões e a eleição de um conjunto de
“problemas” com os quais os assistentes vão ter que lidar denota uma concepção
de como a escola se inscreve em um amplo processo cultural de mascaramento
das determinações sociais desses fenômenos:
A Assistente Social constatará, com facilidades que
lhe proporciona sua formação profissional, problemas
como: má freqüência às aulas, rendimento deficiente,
conduta inadequada (indisciplina, comportamento sexual
irregular, furtos, etc.), higiene ou saúde precárias,
deficiências físicas ou mentais, carências emocionais,
irregularidades do lar, dificuldade de ambientação social,
etc.
E prossegue na mesma perspectiva de leitura dos problemas educacionais:
A Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º
graus (Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971), em
inúmeros dispositivos, sugere a necessidade de
tratamento especial aos alunos que apresentem
aproveitamento deficiente, em razão de problemas
emocionais decorrentes, que de educação familiar errônea
ou deficiente, quer da dificuldade em colocar-se no meio
social, ou ainda, de defeitos físicos ou mentais.
Realmente, a ocorrência dessas anomalias é bastante
acentuada na área do ensino de 1º e 2º graus época da
formação básica da individualidade, da colocação social e
do alicerce intelectual do aluno.
Atribuindo ao professor a tarefa de constatar e solucionar
aquelas anomalias, a lei acaba por sobrecarrega-lo, em
detrimento de suas obrigações precípuas.
Para além do estranhamento que hoje possa causar esta forma de
considerar a relação entre a família e a escola e as dificuldades que se interpõem
ao trabalho do professor, já bastante criticadas e superadas no cenário intelectual
25
educacional contemporâneo e, relativizando o próprio texto, se considerada a sua
produção no âmbito da vida parlamentar em um dos períodos mais críticos da
ditadura militar no Brasil, o que deve causar inquietação e desconforto é o fato de
que com cores menos carregadas e apoiadas em novos aportes ideológicos, em
particular o neoliberalismo, em certa medida essa concepção de que a escola
possui uma dinâmica que vem sendo “atrapalhada” pelas atuais composições e
arranjos familiares e suas estratégias de sobrevivência estão fortemente presentes
no universo educacional e ainda sustenta os argumentos mais apresentados para
se justificar a presença dos assistentes sociais na área de educação na
atualidade.
Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.995, de 1976
Este projeto de lei é na verdade uma reapresentação do anterior em uma
nova legislatura. A sua menção só se faz necessária conquanto dá continuidade à
mesma linha de abordagem do anterior, imprimindo uma marca ideológica dos
tempos da ditadura à intervenção que se desejava produzir com a inserção dos
assistentes sociais nas escolas. Observe:
Rendendo as nossas melhores homenagens ao ex-
Deputado Maurício de Toledo, autor de idêntica
propositura na legislatura passada, arquivada ex vi do
artigo 117 do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, procuramos estabelecer com este projeto de
lei a obrigatoriedade de assistência social escolar,
executada por profissional especialmente formada para
esse fim – A Assistente Social – porque entendemos que
não basta sabermos da existência de um mal com
conseqüências ruinosas para a formação das novas
gerações, mas localizarmos as suas origens, para tentar
eliminá-las.
26
O “mal” referido, com certeza, não estaria na vida escolar, mas no
comportamento inadequado dos alunos e de suas famílias. Vale destacar que a
ideologia da segurança nacional impregnou um largo espectro da vida social,
imputando não só modos de compreensão, mas, sobretudo, práticas alicerçadas
em um gritante autoritarismo.
São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 59, de 1978
O presente projeto de lei visava instituir na Secretaria dos Negócios da
Educação do Estado de São Paulo o setor de Serviço Social Escolar. Não cabe
retomar a questão já tratada anteriormente sobre o Serviço Social Escolar, apenas
sinalizar a sua persistência nos textos legais. O que é interessante observar neste
projeto é uma mudança qualitativa na abordagem, mas que se resume à
ultrapassagem da linguagem dura dos documentos anteriores, sem, contudo,
provocar profundas alterações na perspectiva de análise seja do campo
educacional, seja das atribuições dos assistentes sociais.
Artigo 3º - Serão atribuições do Setor de Serviço Social
Escolar o tratamento psico-social aos membros do corpo
discente, a promoção da interação de grupos, a orientação
social, a integração escola-comunidade, a assessoria às
associações ligadas às unidades de ensino, o
desenvolvimento de campanhas, seminários e ciclos de
estudos, o incremento das atividades de lazer e a
formação de grupos voltados para a prática cultural e
desportiva, dentre outras.
Observa-se que, ao mesmo tempo, o texto afirma as modalidades
tradicionais de intervenção do Serviço Social: caso, grupo e comunidade,
enfatizando uma perspectiva psico-social, e vislumbra uma ampliação das
fronteiras desse trabalho no interior da própria escola e que vieram a se constituir
em áreas de atuação dos assistentes sociais, como as de esporte, cultura e lazer.
A justificativa apresentada para a criação do Setor de Serviço Social
Escolar enaltece tanto os problemas de ordem psicológica que constituiria um
27
argumento mais adequado para a criação de um Setor de Psicologia da
Educação. Identifica-se, desta forma, uma predominância ainda de abordagens
com um nítido sentido de garantia da funcionalidade da vida escolar e cujos
maiores entraves repousam sobre as disfunções e desajustes individuais dos
alunos assim como os apresentados por suas famílias. Em nenhum momento do
texto a escola é questionada como expressão de uma dada forma de organização
do sistema educacional, assim como as determinações sociais se colocam como
objeto para a atuação dos assistentes sociais.
As autoridades escolares, evidentemente não ignoram
a existência de problemas de ordem social que hoje
envolvem os jovens estudantes, em seus lares, no meio
social em que vivem e nas próprias unidades de ensino,
hoje desprovida de recursos humanos capazes de ensejar
ampla orientação social aos seus alunos, complementando
o processo educacional formal, através de atividades
extra-curriculares.
A eficiência de qualquer sistema de ensino depende em
grande parte, das condições psicológicas apresentadas
pelos aprendizes. Este fato não é menos conhecido que o
anterior, mas nenhuma medida foi até aqui tomada
objetivando o tratamento dos evidentes problemas
psicológicos, impostos aos jovens pela dinâmica da vida
moderna. O sistema oficial de ensino não inclui como
prioritário o tratamento ou prevenção das distorções de
comportamento de milhares de discentes, dos problemas
de adaptação de outros tantos milhares, dos desajustes
familiares e inúmeros outros problemas psico-sociais que
incidem diretamente no processo educacional formal,
prejudicando-o.
28
São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 374, de 1981
Este projeto de lei é bastante sucinto, não permitindo uma análise mais
detalhada. Contudo, vale o registro de que o pouco conteúdo presente em seu
texto reitera a abordagem do projeto de lei anterior, enfatizando a atuação dos
assistentes sociais nos programas de lazer e cultura e junto aos centros cívicos e
Associações de Pais e Mestres. A ênfase da atuação profissional está centrada na
relação Escola-Família-Comunidade.
São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 336, de 1983
O presente projeto de lei apresenta alguns elementos novos no trato da
questão e mantém outros já assinalados nos projetos anteriores. A ênfase da
intervenção ainda está assentada na relação Escola-Família-Comunidade.
Contudo, o texto do projeto em tela não faz mais alusão ao Serviço Social Escolar,
dirigindo-se a criação de um Serviço Social na Escola. Esta mudança não deve
ser tomada como uma mera questão semântica. A análise do teor do projeto
revela que esta pequena alteração já expressa uma mudança em curso na própria
profissão. Isto pode ser comprovado com a indicação, no texto do projeto, de que
o mesmo é o resultado de um grupo de trabalho constituído por assistentes
sociais do então Conselho Regional de Assistentes Sociais (CRAS) de São Paulo.
Outra mudança bastante visível, e que comprova a aproximação do
processo de elaboração e tramitação do referido projeto à dinâmica interna do
Serviço Social, pode ser identificada na apresentação dos objetivos do Serviço
Social na Escola. Há aqui um claro redirecionamento da abordagem do significado
da profissão, saindo da perspectiva psico-social para uma análise mais política da
atuação dos assistentes sociais. Esta mudança, bastante relevante, ao passo que
representa um esforço de superação no âmbito da própria categoria profissional
em superar a herança ideológica e teórica de matriz conservadora, acaba também
expressando as interrogações e o deslocamento do foco profissional para a esfera
das práticas sociais, sem conseguir caracterizar, com precisão, com o que o
Serviço Social atuaria no campo educacional, considerando-se que o projeto de lei
29
tem que justificar a inserção nas escolas de um novo profissional com uma
formação diferente da do professor.
Artigo 4º - É objetivo geral do Serviço Social na
Escola concorrer para a plena realização desta instituição
educadora, socializadora, integradora, transformadora e
conscientizadora, com vistas ao Desenvolvimento Social.
Parágrafo 1º - São objetivos específicos do Serviço
Social na Escola:
Identificar nos processos sociais as causas que impedem
a plena participação dos elementos envolvidos no âmbito
da educação para o alcance da qualidade de vida
compatível com os direitos e exigências humanas;
Propor alternativas e possibilitar a participação e
integração da escola no conjunto da sociedade como um
todo, com o objetivo de que essas causas sejam
eliminadas e o processo de desenvolvimento social, ao
nível educacional, se transforme de acordo com os direitos
e exigências humanas;
Participar na formulação e implementação das políticas
sociais e seus respectivos planos que forem formados ao
nível da educação sistemática e assistemática;
Parágrafo 2º - Para a consecução do disposto neste artigo,
utilizar-se-á da metodologia específica do Serviço Social, e
dos meios institucionais: planejamento escolar, programas
de lazer, cultura, integração escola-comunidade, das
entidades e associações auxiliares já existentes: Centros
Cívicos e Associações de Pais e Mestres.
Pode se depreender do texto acima que a superação de uma abordagem
funcional da escola não resolveu de todo o problema da demarcação do foco da
atuação dos assistentes sociais na área de educação, ao contrário, criou-se um
outro problema: o de situar os objetivos profissionais num plano irrealizável
30
enquanto tal, visto que encerram um alcance social e político que não se inscreve
no âmbito de uma única profissão, mas da luta social empreendida por outros
sujeitos sociais. As formas de atuação sedimentam uma tendência já apontada
nos projetos anteriores que articula áreas afins à educação como a cultura e o
lazer e envolve outros agentes do campo educacional.
A justificativa apresentada quanto à presença dos assistentes sociais nas
escolas de 1º e 2º graus ainda conserva a noção de que os alunos e os problemas
decorrentes de sua condição, a juventude, é que constituem o alvo de suas ações,
ainda que as razões desses problemas já não sejam reputadas apenas à família.
O texto do projeto, na parte da justificativa, mescla elementos novos e argumentos
presentes nos projetos anteriores, assim, ao mesmo tempo em que se
apresentam indícios de que a escola não é uma instituição que se encontra acima
e distante da dinâmica da sociedade, se refere novamente à organização de um
Serviço Social Escolar, único momento que esta expressão é utilizada nesse
projeto de lei.
A institucionalização do Serviço Social Escolar representa
proposta não só imperativo da lei, mas, sobretudo,
resposta eficiente a uma realidade social que a cada dia
produz, no meio estudantil, maior volume de reflexos
negativos, capazes de desestabilizar o rendimento escolar
de milhares de alunos espalhados pelos estabelecimentos
oficiais de ensino.
A inaptidão para determinadas matérias, a ausência às
aulas, as fugas, a rebeldia, a improdutividade, a
agressividade, a inadaptação a grupos, o desajustamento,
e até a marginalização, são efeitos nem sempre emergidos
do sistema de ensino, mas de causas muito mais
complexas e profundas, muitas vezes até externas ao
ambiente escolar, que exigem a intervenção de
profissionais especialmente preparados para o seu trato.
31
Até o momento, os projetos de lei examinados não conseguem romper com
a leitura de que os problemas com os quais o assistente social deve lidar nas
unidades de ensino estão circunscritos aos processos comportamentais,
decorrentes de dificuldades de ajuste, seja de ordem familiar, social ou
econômica. Reside neste tipo de enfoque a dificuldade em situar não só as
particularidades da atuação profissional, mas, sobretudo, em pensar o próprio
processo educacional, na medida em que as questões relacionadas até então, em
sua grande maioria, não encerram outra coisa que não as dificuldades próprias à
vivência dos jovens enquanto categoria social, ou seja, questões que devem se
constituir em objeto de estudo e trabalho também dos próprios educadores que se
propõem a não retirar dos alunos a condição de sujeito do processo educativo.
São Paulo. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 09, de 1984
Este projeto de lei municipal representa um significativo avanço em relação
aos anteriores e por uma razão particular: ele é elaborado pela então vereadora
da Cidade de São Paulo e assistente social Luiza Erundina de Sousa. O projeto
apresenta um texto sintonizado ao debate político e intelectual sobre o Serviço
Social da época. Ainda enfatizando a dimensão política do trabalho dos
assistentes sociais, como no projeto anteriormente analisado, este já aponta uma
relação entre os objetivos do Serviço Social e as lutas sociais travadas pela
educação pública. Desta forma, a abordagem dos objetivos do Serviço Social na
rede de ensino de São Paulo resgata algumas das atribuições previstas na lei que
regulamenta a profissão11 e se articulam ao processo social em defesa de uma
escola pública voltada para a formação do cidadão, sem se deter sobre os focos
de intervenção nas unidades de ensino. Ou seja, é um texto que não é tão
genérico no trato da dimensão política da profissão e que avança na direção da
delimitação das particularidades da inserção dos assistentes sociais nas unidades
de ensino.
11 Aqui nos referimos a Lei nº 8.662, de junho de 1993 pelo reconhecimento de que alguns de seus conteúdos já estavam presentes no referido projeto de lei, muito embora naquele período, 1984, a lei em vigência fosse a Lei nº 3.852/57.
32
Artigo 2º - O Serviço Social na Escola tem como seu
campo de trabalho as relações entre os Agentes do
processo educativo: estudantes, pais, trabalhadores da
escola e representantes da comunidade.
Artigo 3º - O Serviço Social na Escola tem por objetivo
geral, contribuir para que o processo educacional
corresponda aos direitos, necessidades e melhores
condições de vida e trabalho da população abrangida pela
ação da escola e, assim, cumprir plenamente suas
finalidades de formação e transformação social.
Parágrafo único: São seus objetivos específicos:
a) Identificar e caracterizar as situações sociais
que impedem a participação dos indivíduos e grupos
envolvidos no processo educacional, nos bens e serviços
necessários para uma condição de vida satisfatória e
condizente com os reais direitos e exigências humanas.
b) Estimular a população a refletir sobre os
problemas sociais que interferem direta ou indiretamente
nas suas condições de vida e trabalho, buscando em
conjunto alternativas que visem à superação desses
problemas.
c) Identificar e resgatar as diversas experiências e
manifestações de cultura popular, contribuindo para a
incorporação desses conteúdos na criação e reformulação
de propostas educacionais.
d) Criar condições para que se efetive a
participação dos diferentes agentes do processo educativo
na formulação de políticas educacionais e de propostas
alternativas de trabalho.
33
e) Contribuir para que a escola se constitua,
também, num espaço de reflexão e vivência social que
complemente o processo formal de educação.
f) Estimular a criação de programas destinados
aos escolares, em horários diferentes do período de aula,
propiciando um espaço alternativo de informação, lazer e
orientação sócio-educativa.
Os objetivos acima descritos indicam a presença de elementos inéditos,
não referidos nos projetos anteriores. O primeiro deles diz respeito à atuação dos
assistentes sociais não só junto ao segmento estudantil e suas famílias, mas
também junto a outros agentes envolvidos com processo educativo: os
trabalhadores da escola. A segunda novidade se relaciona ao enfoque do trabalho
profissional na perspectiva da condução de atividades que envolvam as condições
de vida e trabalho da população. Esta concepção traz à tona a compreensão do
significado social da profissão no âmbito da produção e reprodução social. O
terceiro elemento, e, talvez, o mais inovador, envolve a preocupação com a
dimensão cultural, o que inscreve o processo educacional, de modo explícito,
conforme pode ser verifica na letra “C” do artigo terceiro do projeto, com as
disputas pela hegemonia na esfera da cultura. O quarto aspecto está relacionado
às funções de mobilização e fortalecimento dos processos de participação política
da população no âmbito das políticas sociais como um todo e da política
educacional em particular. Todos esses elementos expressam um giro
considerável em relação aos enfoques anteriores na relação do Serviço Social
com a política educacional e com a área de educação, conforme abordado na
parte anterior deste documento.
São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 517, de 1987
O projeto de lei de 1987 é, na verdade, uma reedição do Projeto de Lei nº
336 de 1983, não contendo nenhum elemento novo substantivo para a presente
análise.
34
São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 442, de 1995
O presente projeto também reedita o Projeto de Lei nº 336 de 1983
mantendo a mesma base de justificação quanto à inserção dos assistentes sociais
nas escolas. A principal modificação está contida na exposição das competências
do Serviço Social nas escolas de 1º e 2º graus do Estado de São Paulo, voltando-
se novamente à utilização da concepção do Serviço Social Escolar.
Artigo 2º - Compete ao Serviço Social Escolar:
I- efetuar pesquisa de natureza sócio-econômica
e familiar para caracterização da população escolar;
II- efetuar e executar programas de orientação
sócio-familiar, visando a prevenir a evasão escolar;
III- articular-se com as instituições públicas,
privadas e organizações comunitárias locais, com vistas
ao encaminhamento de pais e alunos para atendimento de
suas necessidades;
IV- promover, juntamente com a associação de
Pais e Mestres, eventos com finalidade assistencial;
V- coordenar os programas assistenciais já
existentes na escola, como o de merenda escolar e outros;
VI- realizar visitas domiciliares com o objetivo de
ampliar o conhecimento acercada realidade sócio-familiar
do aluno, possibilitando assisti-lo adequadamente;
VII- participar, em equipe multidisciplinar, da
elaboração de programas que visem a prevenir a violência,
o uso de drogas e o alcoolismo, bem como ao
esclarecimento sobre as doenças insfectocontagiosas e
demais questões de saúde pública;
VIII- elaborar e desenvolver programas específicos
nas escolas onde existam classes especiais;
IX- empreender outras atividades pertinentes ao
Serviço Social não especificadas neste artigo.
35
É possível observar, a partir da leitura atenta do texto do projeto que ele
combina partes dos projetos anteriores com novos enfoques sobre o trabalho do
assistente social nas escolas. Contudo, não se trata de um texto totalmente novo.
A novidade se situa principalmente na explicitação, no artigo segundo, das
expressões da questão social para as quais os assistentes sociais devem dirigir
seu trabalho. As ações preventivas em relação às doenças infectocontagiosas, o
desenvolvimento de programas de prevenção ao uso de drogas e a questão da
violência são propostas e temas que não apareceram nos projetos anteriores. Há
também neste projeto uma forma particular de tratar os objetivos profissionais sem
se dar a mesma ênfase política e sem se estabelecer a vinculação aos processos
de luta do campo educacional, como ocorreu no projeto de lei de 1984, mas
introduzindo uma combinação entre problemas formas de intervenção. Uma leitura
cuidadosa do modo de atuar previsto no texto leva invariavelmente à
compreensão de que se tentou um ajuste da Lei nº 8.662 de 07 de junho de 1993
que regulamenta a profissão de assistente social à definição das funções dos
assistentes sociais nas escolas, não casualmente, anexada ao referido projeto.
Ribeirão Preto. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 1.455, de 1996
O projeto de lei em questão não incorpora nenhum novo argumento em
relação aos já expostos nos projetos anteriores. O que vale ser destacado nesse
texto é a clara definição das competências do Serviço Social nas escolas
municipais, assim como a retomada da referência ao Serviço Social Escolar.
Artigo 2º - Compete ao Serviço Social Escolar:
I- conhecer o universo da população escolar nos
aspectos sócio-econômico e familiar;
II- elaborar e executar programa de orientação
sócio-familiar, incentivando a formação de equipes
multidisciplinares com o objetivo de prevenir a evasão
escolar, melhorar o desempenho do aluno e sua formação
para a cidadania;
36
III- atuar junto aos grupos familiares no
conhecimento e satisfação de necessidades básicas,
explicitando o papel da escola como transmissora de
conhecimento e reflexão crítica;
IV- incentivar e promover a inserção da instituição
educacional na comunidade articulando-a com as demais
instituições públicas, privadas e organizações comunitárias
locais, buscando consolidá-la como instrumento
democrático de formação e de informação;
V- incentivar a participação, em equipes
multidisciplinares, de todos os segmentos que integram a
vida escolar buscando melhorias e soluções para as
questões pertinentes à saúde, à alimentação, ao lazer, à
segurança e ao próprio desenvolvimento educacional;
VI- motivar, organizar, estabelecer e promover,
juntamente com a Associação de Pais e Mestres, Políticas
de Desenvolvimento que beneficiem a vida escolar;
VII- desencadear processos avaliativos,
envolvendo todos os segmentos que integram a vida
escolar, buscando qualidade na produção do
conhecimento e na formação de valores que permeiam os
objetivos propostos;
VIII- elaborar e desenvolver programas específicos
nas escolas onde existem classes especiais;
IX- empreender e executar as demais atividades
pertinentes ao Serviço Social não especificadas neste
artigo.
É interessante observar, no trecho acima transcrito, a manutenção,
conforme foi identificada em outros projetos, de uma lógica de apresentação das
competências profissionais dos assistentes sociais mesclando as atribuições
contidas na lei que regulamenta a profissão com as preocupações em torno da
37
afirmação de um dado projeto de educação pública, articulado-as à luta pela
ampliação e conquista dos direitos sociais e fortalecimento de uma educação
cidadã. Mas deve ser sinalizado, também que algumas competências, como as
definidas nos incisos III e VII, de forma alguma podem ser tomadas como sendo
exclusivas dos assistentes sociais. Ainda que esta não tenha sido a intenção de
quem elaborou o projeto, sua formulação sugere duas questões importantes: uma
é a de que cabe ao assistente social explicitar o papel da escola, como se a
população tivesse uma leitura incompleta ou equivocada; a segunda é a de que os
processos avaliativos dependem de uma ação que o assistente social, certamente
tem condições de desenvolver, que é a de provocar novos procedimentos
institucionais. A outra, é que esta proposição se encontra sintonizada em relação
ao perfil do profissional que tem se procurado formar ao longo das últimas duas
décadas no Brasil, e cuja preocupação tem sido muito mais recorrente nos
projetos de atuação deste profissional do que em um texto legal. Aqui ainda cabe
a sinalização de que embora o assistente social possa cumprir este papel este
esforço não deva ser considerado como competência de um único segmento
profissional.
Ribeirão Preto. Câmara Municipal. Lei nº 7.630, de 05 de março de 1997
Esta lei contém o mesmo teor do projeto anteriormente analisado. Trata-se
do texto legal que resultou na aprovação do referido projeto. Por essa razão não
será tecido nenhum comentário a respeito do seu conteúdo, apenas a sinalização
de que, dentre o material analisado, representou um dos projetos que de fato
foram aprovados, regulamentando o Serviço Social na educação escolarizada.
Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.689, de 2000
O texto do projeto de lei federal nº 3.689 de 2000 é bastante conciso, não
apresentando qualquer referência às competências dos assistentes sociais nas
escolas públicas, o que impede a análise deste quesito. A justificativa do projeto
fica circunscrita ao enfrentamento dos processos de evasão e repetência escolar.
38
As taxas de evasão e repetência escolar, principalmente
no Ensino Fundamental, infelizmente têm-se mantido
constantes nos últimos anos.
Sabemos que um dos fatores fundamentais que causam o
fracasso escolar está diretamente relacionado às precárias
condições socioeconômicas e culturais da família das
crianças com dificuldades de aprendizagem.
O constante acompanhamento do(a) assistente social,
como profissional especializado, visa ajudar à família e ao
estudante a buscarem a redução das conseqüências
negativas advindas das dificuldades existentes. Tal
atuação terá reflexos na diminuição da evasão escolar e
servirá de apoio à ação do(a) professor(a), trazendo como
resultado sensíveis melhoras nos níveis de aprendizagem
dos estudantes. Além disso, será também de grande
importância a atuação deste profissional na prevenção ao
uso de drogas.
Reiteradamente os textos dos projetos de lei dirigem para a família o
principal foco da atuação dos assistentes sociais, seja sob uma perspectiva de
responsabilização em relação aos problemas de “desajustes comportamentais”
dos estudantes, seja na perspectiva de apoiá-la na superação das dificuldades
enfrentadas. A família, em qualquer uma das abordagens, possui uma dimensão
de instituição a ser trabalhada, não estando presente, até o momento, qualquer
referência aos processos sociais que redesenharam as funções e composições
familiares no campo de produção e da reprodução social, assim como a
responsabilidade que o Estado deve ter na condução de seus programas sociais
voltados para este público. A partir da hegemonia do pensamento neoliberal no
âmbito do Estado, os programas sociais dirigidos à família tendem a transferir
para elas uma série de responsabilidades das quais o Estado tem se isentado, ou
seja, se retira da esfera pública e do campo do reconhecimento dos direitos
sociais uma série de cuidados e os desloca para a esfera privada, para o campo
39
da dinâmica familiar. Assim, todo o processo de mudanças sofrido pela família ao
longo das últimas duas décadas, tem sido acompanhado de ações públicas que
combinam de forma desigual uma variedade de estratégias de amenização de
algumas de suas necessidades com o aumento das suas responsabilidades do
ponto de vista legal e das expectativas sociais quanto ao seu papel.
O texto reforça a tese de que as ações de mobilização a serem promovidas
pelos assistentes sociais, em especial junto às famílias e aos próprios alunos, têm
como finalidade garantir um padrão de desempenho no processo de
aprendizagem. Há aqui uma nítida redução tanto das possibilidades de atuação
dos assistentes sociais nas escolas públicas quanto do próprio significado do
processo educativo.
Vitória. Câmara Municipal. Projeto de Lei sn/2003
O texto deste projeto não apresenta conteúdo suficiente para uma análise
das justificativas da inserção do Serviço Social nas escolas da rede pública
municipal de ensino de Vitória. O objetivo do Serviço Social é assim tratado:
Artigo 2º - O Serviço Social na área que trata o artigo
1º, tem por objetivo:
I- Propor, executar e avaliar projetos que
atendam as demandas sócio-econômicas e culturais da
comunidade escolar, possibilitando atender a educação
escolarizada suas necessidades sociais, técnicas e
políticas;
II- Promover junto à comunidade escolar,
discussões sobre a realidade social, abordando questões
inerentes à real situação de vida da criança e do
adolescente;
III- Implementar estratégias para diagnóstico social
do grupo familiar;
IV- Priorizar ações junto às famílias, dirigida à
melhoria da qualidade de vida.
40
Parágrafo Único - As ações do Serviço Social na educação
serão executadas de forma interdisciplinar e integrada as
demais políticas setoriais, visando compreender e mediar
os aspectos econômicos, sócio-políticos e culturais da
realidade social que interferem nas relações da
comunidade escolar.
A abordagem acima não entra em detalhamento das competências
profissionais dos assistentes sociais em relação aos problemas que se
manifestam nas escolas e para os quais a presença deste profissional se faz
necessária. Os objetivos propostos gravitam em torno das atribuições previstas na
lei que regulamenta a profissão, não trazendo elementos novos em relação aos
demais projetos analisados. Um destaque deve ser feito em relação à indicação
de um trabalho interdisciplinar e de articulação às demais políticas setoriais
destacando uma forma de condução do trabalho profissional em relação aos
demais profissionais e aos demais serviços sociais.
Prefeitura Municipal de Campos dos Goitacazes. Lei nº 7.438, de 03 de julho
de 2003
Esta lei tem um caráter diferenciado dos demais projetos, ela não institui o
Serviço Social nas escolas mediante sua vinculação funcional às secretarias de
educação, aspecto presente em todos os demais projetos. A lei aprovada dota as
Escolas da rede municipal de ensino, Creches, Centros de Qualidade de Vida,
Postos de Saúde e Mini-Hospitais de assistentes sociais, cuja lotação caberá a
Secretaria de Saúde.
Vale ponderar a partir desta lei a possibilidade de se inserir assistentes
sociais nas escolas públicas sem caracterizar seu vínculo funcional com a política
educacional. Ao mesmo tempo em que esta modalidade de ingresso abre
possibilidades bastante interessantes, e que de certa forma tem sido um dos
caminhos mais usados pelas prefeituras para desenvolver programas que
envolvam a participação dos assistentes sociais, por outro, induz a um certo
distanciamento desses profissionais das questões que são vividas pelos
41
profissionais da educação enquanto trabalhadores de uma dada política setorial,
gerando, inclusive, certo grau de instabilidade em razão de sua lotação funcional
original não se dar efetivamente na área de educação.
Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 837, de 2003
O último projeto de lei a ser apreciado, e também o mais recente a nível
federal, contém elementos novos se comparado aos demais. A primeira
observação a ser feita é a de que ele não dispõe sobre a inserção de assistentes
sociais apenas, mas de psicólogos também. A segunda questão a ser destacada é
a de que o referido projeto não trata do campo do ensino fundamental, antigos 1º
e 2º graus, como a maioria dos projetos analisados. Este se refere às unidades
que compõem a educação básica, ou seja, envolve a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio. Refere-se, portanto, a um universo bem mais
amplo e diversificado de unidades de ensino. Pode-se afirmar que este é o projeto
que, dentre os demais apresentados, concebe a inserção do Serviço Social na
política de educação de forma mais ampla, não reduzindo àquela perspectiva, a
qual tem se criticado neste documento, do “Serviço Social Escolar” sendo
pensado apenas em relação ao ensino fundamental. Sua novidade consiste
também em pensar uma equipe composta por diferentes profissionais, ainda que
limitada, visto que não considera a presença de outros profissionais que também
têm uma contribuição particular a dar para a conquista de uma educação pública
de qualidade.
Outro aspecto inovador na proposta diz respeito à delimitação de uma
proporcionalidade entre o número de profissionais e o total de alunos por unidade.
Artigo 2º - A equipe de atendimento e orientação
profissional será constituída de acordo com as seguintes
distribuições:
I- até 200 alunos, um profissional de cada uma
das áreas referidas;
II- acima de 200 e até 600 alunos, um psicólogo e
dois assistentes sociais;
42
III- acima de 600 alunos, manter a proporção
estabelecida no inciso II.
A justificativa apresentada não difere da maioria já analisada. Os elementos
justificadores centrais para a presença e atuação desta equipe são os problemas
vivenciados pelas famílias e o objetivo a ser alcançado é o de contribuir para um
melhor desempenho dos alunos no processo de aprendizagem.
A partir da análise dos projetos de lei reunidos pelo Conselho Federal de
Serviço Social, alguns apontamentos devem ser feitos em termos de conclusão
desta parte do documento de modo que favoreça o estabelecimento de algumas
estratégias por parte da entidade e dos próprios assistentes sociais.
� É importante sinalizar que todo projeto de lei, desta natureza, contém
uma análise e uma proposição de enfrentamento de alguma situação
posta na realidade. A identificação daquilo que se propõe equacionar com
o ingresso do profissional de Serviço Social, assim como a concepção de
profissão que orienta esta proposição é determinada por interesses
diversos, em razão da própria dinâmica parlamentar, podendo, assim,
expressar visões sobre a realidade e sobre a profissão sem sintonia com
o projeto ético-político profissional. Ainda que esta articulação exista e se
expresse no texto legal, sua dimensão histórica não se vê superada e
tende a ser interrogada com o tempo, ou seja, se o texto for construído
seguindo a estrutura dos aqui examinados, justificando a inserção do
Serviço Social na educação, seja ela em que nível se dê, em relação a
alguns elementos postos na realidade, invariavelmente, ele será
ultrapassado pelos novos desafios que surgirão com o tempo. Outrossim,
se o texto abandonar esta estrutura tenderá a ser conciso demais, não
esclarecendo o significado dessa inserção.
� A leitura dos textos que justificam a institucionalização do Serviço Social
na área de educação nos projetos analisados proporciona um
entendimento de que apenas os assistentes sociais e, sobretudo, aqueles
mais próximos ao debate contemporâneo presente na categoria, seriam
capazes de identificar diferenças de matizes teóricas, ideológicas e
43
políticas naquelas formulações. Isto indica que as competências e as
justificativas assinaladas no corpo dos textos não devem ter se
constituído em fatores decisivos para os vetos dos projetos. A leitura de
um parecer elaborado por um relator que vetou um dos projetos e o que
se observa em situações outras, ocorridas com projetos semelhantes não
apresentados no conjunto dos documentos analisados, permite a
observação de que os principais argumentos sustentadores dos vetos que
os projetos de lei receberam e dos que possam vir a ser elaborados, não
se relacionam ao aspecto técnico e sim político e administrativo. Não
deverá ser o não reconhecimento dos problemas sociais e da condição de
seu enfrentamento por parte dos assistentes sociais que justificará o
possível veto a novos projetos de lei que versem sobre o mesmo tema. A
relação entre o poder executivo e o legislativo em cada instância: federal,
estadual e municipal, a alegação de sua constitucionalidade ou não e as
implicações decorrentes da indicação ou não da fonte de custeio para a
cobertura do aumento de despesa que será provocado com a aprovação
da proposta, sobretudo, a argüição quanto ao enquadramento da
proposta na lei de responsabilidade fiscal, parece ser o conjunto de
obstáculos mais efetivos à aprovação de projetos desta natureza.
� Como o presente documento foi produzido tendo como fonte apenas os
projetos de lei, não é possível tecer qualquer comentário em relação ao
seu grau de aceitação ou resistência junto aos profissionais da área de
educação, assim como compreender em que medida eles se envolveram
com os textos legais. Esta é uma preocupação que deve ser considerada
no acompanhamento de novos projetos.
� Outro fator importante, relacionado ao processo de elaboração dos
projetos de lei, é que, ainda que não se tenha a exata dimensão de como
a categoria dos assistentes sociais dele participou, é perceptível que há
significativas diferenças em relação às justificativas apresentadas e à
definição das competências profissionais nos textos em que há
referências a algum tipo de envolvimento dos assistentes sociais.
44
� Vale destacar também que há uma ênfase na demarcação da atuação
dos assistentes sociais nas escolas em torno do eixo Escola-Família-
Comunidade, ainda que elas encerrem perspectivas de intervenção
diferenciadas.
� Outro elemento que foi se tornando comum nos projetos, ao longo dos
anos, é a forte tendência em estabelecer os objetivos e as competências
profissionais dos assistentes sociais a partir das atribuições previstas na
lei que regulamenta a profissão. Esta tendência, no entanto, não se dá de
forma homogênea, visto que ora ela incide sobre um tratamento
generalista do fazer profissional, que independe de ser na área de
educação, ora ela é apenas uma referência básica que se articula às
questões do campo educacional.
� A referência da atuação dos assistentes sociais na área de educação
como a de um profissional que procurará articular ações e projetos com
as demais políticas setoriais não esteve muito presente no conjunto dos
projetos de lei analisados. Menos presente ainda esteve nos textos, a
clara definição das atividades a serem desenvolvidas junto às demais
políticas setoriais. Esta observação merece destaque na medida em que
não se encontra em consonância com o acúmulo teórico e político
conquistado pela categoria, seja ao reconhecer as políticas sociais como
locus da sua atuação profissional, seja ao delimitar uma das suas
principais competências exatamente na articulação das redes e serviços
de diferentes políticas setoriais.
� A predominância das abordagens que centram na família o principal foco
da intervenção a ser promovida pelos assistentes sociais é outro aspecto
a ser destacado nesta análise. Contudo, esta predominância se dá, quase
que exclusivamente, no sentido de reconhecer seu papel complementar
no processo educativo e não o seu papel político e a necessidade de se
promover e criar condições para a sua participação na construção de uma
45
escola mais democrática e no processo de luta pela ampliação dos
direitos sociais.
� É de fácil observação, nos textos, uma concepção bastante restrita
quanto ao significado social da escola e da educação pública. O
significado de uma e de outra no âmbito dos processos políticos de
mudanças sociais é muito ocasionalmente referido em um ou outro
projeto apenas.
� Excetuando-se um único projeto analisado não há qualquer menção ao
significado da escola e da educação pública na esfera da cultura.
Igualmente se identifica a pouca ênfase ao significado do trabalho do
assistente social nesta dimensão da vida social.
� Observa-se, no conjunto dos projetos, a prioridade na elaboração de
propostas que garantam a inserção dos assistentes sociais nas escolas
através de sua vinculação às Secretarias de Educação, embora, em um
dos casos apenas se aponte outra possibilidade. Com certeza, este é um
dos aspectos que merece uma discussão mais profunda quanto às suas
possíveis implicações políticas e sócio-ocupacionais.
� Um outro aspecto que merece uma atenção especial é a ausência de
referências nos textos analisados às estruturas das redes de ensino, seja
no âmbito federal, estadual ou municipal. Apesar desta ausência não
comprometer a regulamentação desta inserção e nem seja elemento
central a ser tratado nos textos dos projetos, ela encerra possibilidades
não tratadas até o momento. A estruturação das redes de ensino e seus
diferentes graus de complexidade são fundamentais para se pensar a
inserção dos assistentes sociais nas escolas e definir o quantitativo de
profissionais necessários, assim como a possibilidade de sua inserção
nas instâncias de gerência, como as coordenadorias, sub-secretarias ou
divisões, ou ainda, em sub-áreas: educação especial, desenvolvimento e
capacitação, educação profissional, educação de jovens e adultos, entre
outras especialidades. A ausência desta referência limita a compreensão
desta inserção às unidades de ensino, que embora encerrem a
46
possibilidade mais desejada pela categoria profissional e requisitada no
campo educacional, não constituem a única forma possível e necessária.
� A leitura dos projetos aponta, ainda, para uma necessária e urgente
reflexão sobre a amplitude que se quer dar a esta inserção: no ensino
fundamental, na educação básica ou na política educacional como um
todo.
� Seguindo a mesma linha de questões que merecem compor uma pauta
de discussões, em razão do teor dos textos dos projetos levantados para
análise, está a questão da definição desta inserção em torno da
expressão “Serviço Social Escolar”. Pensar as implicações desta
conceituação não é algo menor para a composição das estratégias de
mobilização da categoria profissional em torno deste tema.
� Por último, e ainda com o intuito de compor uma agenda de debates, vale
destacar a preocupação em torno dos investimentos em torno da
elaboração de um projeto de lei só para os assistentes sociais ou para
uma equipe mais ampla que possa atuar de forma interdisciplinar nas
unidades educacionais. O último projeto de lei analisado e que se
encontra em tramitação atualmente no Congresso Nacional, trata
especificamente desta questão.
47
Recomendações
Após a análise dos conteúdos dos projetos de lei levantados pelo Conselho
Federal de Serviço Social que tratam da inserção do assistente social na política
educacional e a observação dos aspectos que particularizam esta legislação será
apresentado, a seguir, um conjunto de recomendações que possam auxiliar a
atuação da entidade, sobretudo, no que diz respeito à elaboração de novos
projetos e na mobilização da categoria profissional em relação ao tema.
A organização de uma agenda para se debater pontos polêmicos
sobre a questão. Conforme fora sinalizado no item anterior, alguns pontos
merecem ser discutidos no sentido de orientar um processo de elaboração e
acompanhamento de novos projetos de lei que versem sobre esta matéria. A
organização desta agenda visa instrumentalizar, sobretudo, o conjunto CFESS-
CRESS para apoiar os processos que vêm sendo encaminhados em diferentes
regiões do país. A agenda de discussão poderia ser composta pelos seguintes
pontos:
� Avaliação das possibilidades e limites das estratégias de elaboração
de projetos de lei que tratem da inserção na política educacional
apenas dos assistentes sociais ou não.
� Avaliação das implicações quanto à elaboração de projetos de lei
que tratem da inserção dos assistentes sociais em todos ou em
apenas alguns dos diferentes níveis da política educacional.
� Avaliação das estratégias de elaboração de projetos de lei que
garantam a atuação dos assistentes sociais junto à política
educacional exclusivamente a partir das Secretarias de Educação ou
não.
� Avaliação das implicações de se definir, ou não, nos projetos de lei
os locais de atuação e o quantitativo de assistentes sociais em
proporção ao número de alunos e/ou unidades educacionais,
ampliando, ou não, a possibilidade de inserção destes profissionais
para as instâncias de coordenação e de desenvolvimento de ações
especiais.
48
Acompanhamento do processo de elaboração dos projetos de lei.
Diante de todos os comentários expostos é fundamental que os novos projetos de
lei, ao serem elaborados por iniciativa dos parlamentares ou, mesmo, das
entidades da categoria ou de um conjunto de profissionais sejam acompanhados
por assistentes sociais. Este acompanhamento possibilitará uma demarcação
mais fiel das justificativas e da delimitação dos objetivos e atribuições profissionais
ao projeto ético-político profissional do Serviço Social. Preferencialmente, este
acompanhamento deveria ser realizado por uma das entidades da categoria.
Quanto aos que estão em tramitação, também caberia uma aproximação às
assessorias parlamentares com o intuito de contribuir com um parecer profissional
sobre o teor dos documentos tendo em vista a manifestação de interesse da
categoria quanto a sua efetiva aprovação.
Iniciativa quanto à elaboração de projetos de lei por parte das
entidades da categoria. Em que pese a necessidade de alguns pontos serem
discutidos no âmbito das entidades, como aqueles já relacionados para compor
uma agenda de debates, tomar a iniciativa quanto a apresentação de projetos de
lei que regulamentem a inserção dos assistentes sociais na política educacional,
parece ser uma ação política importante na atualidade. Talvez o conjunto CFESS-
CRESS possa coordenar um amplo processo nacional que envolvesse quatro
etapas: a discussão ampla das implicações e pendências que precisam ser
definidas sobre a questão; a deflagração de uma campanha de mobilização junto
à categoria dos assistentes sociais e também junto aos educadores, Prefeituras e
Secretarias de Educação; a elaboração de um texto básico que contivesse as
recomendações gerais a partir das quais os projetos de lei em cada região
pudessem ser discutidos e elaborados; e a articulação com forças parlamentares
progressistas que viabilizassem a apresentação e aprovação do projeto de lei.
Para uma efetiva viabilização desta estratégia, seria fundamental que, preliminar e
estrategicamente, se definisse como campo prioritário para esta inserção o nível
do ensino fundamental e a esfera municipal. Sendo o ensino fundamental de
competência dos municípios isto daria uma unidade para se elaborar um projeto
49
que atendesse a realidade da maior parte das regiões do país. Merece destaque
também uma discussão sobre a educação infantil que, apesar de ser de
competência também dos municípios vive uma situação particular que é o fato de
que parte das suas unidades ainda estar vinculada à área da assistência social,
em virtude da história de luta pelos equipamentos públicos do tipo creches e pré-
escolas no Brasil.
A abertura de campos de trabalho nos diferentes níveis da política
educacional. A eleição do nível relativo ao ensino fundamental para se iniciar um
processo de institucionalização da inserção dos assistentes sociais não significa
uma restrição dessa possibilidade de ingresso a este nível, muito ao contrário.
Considerando todos os argumentos relativos ao processo de organização da
categoria seria minimizar o alcance da contribuição política e profissional dos
assistentes sociais no campo da educação ao se definir um único modo de
inserção. Desta forma, devem ser examinadas, com igual atenção, as
possibilidades de institucionalização da inserção dos assistentes sociais, levando-
se em conta as particularidades de cada nível, no âmbito: da educação infantil, do
ensino médio, da educação especial, da educação de jovens e adultos, da
educação profissional e da educação superior.
A mobilização da categoria profissional em torno do tema. É de
fundamental importância um amplo processo de mobilização da categoria
profissional em torno deste tema, não só com o intuito de transformar expectativas
em adesão, mas com o de instrumentalizar os assistentes sociais quanto ao
significado político desta aproximação. Entendendo que o referido processo não
diz respeito apenas a uma questão de mercado de trabalho, mas ao conhecimento
necessário sobre a educação, a política educacional e as possibilidades e
demandas para a atuação dos assistentes sociais. Pode compor uma importante
estratégia a organização de comissões de assistentes sociais que atuam, ou
tenham proximidade e interesse nesta área, junto aos Conselhos Regionais de
Serviço Social, conforme já ocorre em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. As
comissões poderiam atuar no sentido de aglutinar e mapear profissionais e
experiências na área e organizar fóruns de discussão sobre o tema, assim como
50
acompanhar os processos de elaboração de projetos de lei em cada estado.
Deveria compor também o leque de preocupações desta comissão a articulação
junto aos profissionais que - mesmo não atuando a partir das estruturas das
Secretarias de Educação - trabalham com as unidades educacionais ou se
aproximam, no seu cotidiano profissional, das questões presentes na política
educacional.
A atuação junto às Prefeituras, Secretarias de Educação e aos
trabalhadores da área de educação. Articulada às estratégias de mobilização
da categoria profissional se coloca a necessidade de desenvolvimento de ações
junto às Prefeituras, Secretarias de Educação e aos seus profissionais, em
particular os professores. Esta proposta visa provocar não só um processo de
esclarecimento das possibilidades de atuação dos assistentes sociais junto às
diversas questões que hoje atravessam o cotidiano das unidades educacionais,
esclarecendo sobre a natureza de seu trabalho e desmistificando alguns receios
que os profissionais da educação ainda têm, como também para, politicamente,
aproximar os assistentes sociais dos processos de discussão, organização e luta
do campo educacional, reiterando, assim, a perspectiva assinalada neste
documento de que esta inserção não representa apenas o interesse em relação à
ampliação do mercado de trabalho, mas a consolidação de uma trajetória
profissional em torno da defesa das políticas e dos direitos sociais. Esta
aproximação poderia ser viabilizada de duas formas: através da elaboração de
material informativo explicando o que é o Serviço Social, suas áreas de atuação e
as possibilidades de sua atuação na área de educação (com destaque à política
educacional) e que fosse socializada, sobretudo, junto às Secretarias de
Educação dos estados e municípios, e através da organização de encontros que
envolvessem os assistentes sociais e os profissionais da educação para discutir
questões relativas ao trabalho destes dois profissionais e ao campo educacional.
Projeto de lei federal, estadual ou municipal? Esta é uma questão
importante a ser considerada para a condução das estratégias mencionadas.
Considerando o exposto no documento a aprovação de uma lei federal terá
conseqüentemente implicações nas esferas estaduais e municipais. O seu alcance
51
é maior e, por essa mesma razão, tende também a não tratar das particularidades
de cada região e dos diferentes níveis da educação. Se por um lado ela cria a
expectativa de um desdobramento nos demais níveis de governo, também tende a
ser um objeto mais evidente das críticas e resistências, algo plenamente
previsível, pois determinará um conjunto de mudanças nas esferas estaduais e
municipais sem a devida discussão em cada uma delas. Isto sem contar com a
possibilidade de resistência dos profissionais da área de educação e das
dificuldades em enfrentar estas resistências de forma a construir um diálogo mais
fecundo. A legislação estadual, em que pese a existência de uma rede de
estabelecimentos educacionais instituída, poderá não produzir impactos
significativos nas unidades municipais. A aprovação de uma legislação municipal
por seu turno, não poderá provocar nenhuma interferência nas unidades
educacionais estaduais e federais e tão pouco atingirá outros níveis da educação,
visto que não são de competência prioritária dos municípios. No entanto, esta
parece ser a opção mais indicada se considerados os elementos estratégicos que
contêm em relação a: favorecer uma maior aproximação aos profissionais e
questões da área de educação; garantir uma legislação mais sintonizada às
necessidades e à realidade local; incorporar de forma mais clara as demandas
que as unidades de ensino têm quanto à inserção dos assistentes sociais; e a
levar em consideração as estruturas particulares de organização das Secretarias
de Educação para se pensar as formas e áreas de atuação dos assistentes
sociais.
Conhecimento das estruturas de organização da política educacional
em seus diferentes níveis. Esta constitui uma tarefa das mais centrais para se
acompanhar os processos de discussão e elaboração de projetos de lei sobre a
presente matéria. O Brasil é um país de dimensão continental e com uma
diversidade regional muito rica e complexa, além de ter cidades com realidades
muito distintas. Desta forma, pensar a institucionalização da inserção dos
assistentes sociais no âmbito da política educacional requer compreender esta
diversidade. Tomando como parâmetro dois municípios distintos e imaginários,
mas que pertencem ao mesmo estado, um do porte de um grande centro urbano e
52
outro de uma região do interior com uma população em torno dos 12.000
habitantes, a definição em um texto legal que relacione a vinculação dos
assistentes sociais quantitativamente ao número de alunos e unidades, ou um
texto que vincule esta inserção a cada unidade ou a uma estrutura de
coordenação, podem ter implicações bastante diferentes para os profissionais e
para o próprio trabalho que se quer realizar em cada um dos municípios. Não se
trata de uma questão numérica apenas, mas de fatores que demarcam cada uma
das realidades dos dois municípios. Questões como: a relação da escola com
comunidade e com as famílias, temas como o das drogas, tráfico e sexualidade, a
cultura local, entre outras, passam a ter dimensões distintas e que implicam um
maior ou menor nível de investimento no trabalho para dar conta em cada um dos
espaços de atuação. Por essa razão, o conhecimento efetivo destas estruturas em
articulação com as realidades locais pode ser um fator decisivo na organização
das experiências profissionais dos assistentes sociais. Em determinadas situações
a lotação de um assistente por unidade educacional pode ser a estratégia mais
necessária, em outra, a lotação por coordenadoria pode ser a que melhor dê conta
da realidade.
Financiamento da educação e dinâmica do legislativo com o
executivo. Estes dois pontos foram tratados neste documento como
preocupações presentes nos processos de aprovação de projetos de lei desta
natureza. Não será feita aqui nenhuma proposta de equacionamento dessas
questões, até por fugir a alçada e competência das entidades e da própria
categoria como um todo. Mas, cabem algumas reflexões. A aprovação de uma lei
deste tipo exigirá, invariavelmente, a definição das fontes de custeio. A questão,
na verdade, não é de ordem econômica, mas política. Os processos de
financiamento da educação pública estão bem definidos nas legislações federais12
e a ampliação do número de profissionais desta área13 poderá suscitar dois tipos
de debates: o primeiro em torno da pertinência desta ampliação numa conjuntura
12 Para um melhor aprofundamento e conhecimento das implicações legais, políticas e educacionais desta questão ver DOURADO (1999), MELCHIOR (1997) e DAVIES (2000). 13 Sobre a questão do reconhecimento do assistente social como profissional da área de educação ou não ver o Parecer Jurídico 23/00 do Conselho Federal de Serviço Social sobre “Implantação do Serviço Social nas escolas da rede de Ensino Fundamental e Médio” em CFESS (2000).
53
em que há uma reconhecida carência até de professores nas unidades
educacionais e uma remuneração que não condiz com as necessidades desta
categoria, e o segundo, sobre o comprometimento das despesas do Estado diante
da lei de responsabilidade fiscal. Uma outra ordem de preocupação diz respeito ao
relacionamento entre os poderes executivos e o legislativo em função, sobretudo,
da dinâmica político-partidária em cada localidade. Esta relação é decisiva para a
tramitação e aprovação dos projetos de lei que poderão ter a sua
constitucionalidade argüida, assim como a competência do legislativo em aprovar
leis que aumentem as despesas do executivo, conforme já ocorreu exatamente na
tramitação de dois projetos de lei desta ordem nos estados de São Paulo e no Rio
de Janeiro, respectivamente. Trata-se de um ponto para apreciação e
incorporação na formulação das estratégias, mas cuja interferência da categoria é
pouca.
Conclui-se, assim, este documento com o sentido explícito de contribuição
com o esforço de mobilização do Conselho Federal de Serviço Social voltado para
responder aos desafios postos ao exercício profissional dos assistentes sociais,
envolvendo suas expressões éticas, políticas e teórico-práticas. Buscou-se aqui
ressaltar, sobretudo, que além da legitimidade das expectativas construídas em
torno da institucionalização da inserção dos assistentes sociais no campo
educacional deve ser, igualmente, sublinhado o significado político desta
aproximação tomando como referência à trajetória e ao acúmulo teórico e político
da categoria em relação ao campo das políticas sociais e a necessária articulação
às lutas sociais em torno de uma educação pública, gratuita e de qualidade no
país.
54
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. Considerações sobre o processo de trabalho do
Serviço Social. Revista Serviço Social e Sociedade. N. 52. São Paulo: Cortez,
1996.
ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de; BARBOSA, Rosangela Nair de Carvalho &
CARDOSO, Franci Gomes. A categoria “processo de trabalho” e o trabalho do
assistente social. Revista Serviço Social e Sociedade. N. 58. São Paulo:
Cortez, 1998.
ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. Educação Pública e Serviço Social. Revista
Serviço Social e Sociedade. N. 63. São Paulo: Cortez, 2000a.
___________________________. Educação. In: Capacitação em Serviço Social e
política social. Módulo 3. Brasília: UNB, Centro de Educação Aberta,
Continuada a Distância, 2000b.
___________________________. Serviço Social e política educacional. Um breve
balanço dos avanços e desafios desta relação. Palestra proferida no I Encontro
de Assistentes Sociais na Área de Educação, no dia 28 de março de 2003 em
Belo Horizonte. Disponível em: http://www.cress-
mg.org.br/Servi%C3%A7o%20Social%20e%20pol%C3%ADtica%20educacion
al%20-%20Palestra%20Prof.%20Ney%20Teixeira%20(1).doc.
CFESS. Serviço Social na Educação. Brasília: CFESS, 2000.
COUTINHO, Carlos Nelson. Cultura e sociedade no Brasil. Ensaios sobre idéias e
formas. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.
DAVIES, Nicholas. Verbas da educação: o legal x o real. Niterói: EDUFF, 2000.
DOURADO, Luiz Fernandes (org). Financiamento da Educação Básica. Campinas,
SP: Autores Associados; Goiânia, GO: Editora UFG, 1999. (Coleção polêmicas
de nosso tempo; V. 69.).
GENTILI, Pablo. Educar para o desemprego: a desintegração da promessa
integradora. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org). Educação e crise do trabalho:
perspectivas de final de século. Petrópolis: Vozes, 1998.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 7. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
55
IAMAMOTO, Marilda Villela. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social.
Ensaios Críticos. São Paulo: Cortez, 1992.
_______________________. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e
formação profissional. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
LEAL, Maria Cristina, Marília Pimentel & Diana Couto Pinto. Trajetórias de liberais
e radicais pela educação pública.São Paulo: Loyola, 2000.
LINHARES, Célia. Professores entre reformas escolares e reinvenções
educacionais. In: LINHAES, Célia (org). Os professores e a reinvenção da
escola. Brasil e Espanha. São Paulo: Cortez, 2001.
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos nossos
dias. 2. ed. São Paulo: Cortez /Autores Associados, 1989.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Teses sobre Feurbach. São
Paulo: Moraes, 1984.
MENEZES, Maria Tereza. Em busca da teoria: Políticas de Assistência Pública.
São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: UERJ, 1993.
MONARCHA, Carlos. A reinvenção da cidade e da multidão. Dimensões da
modernidade brasileira: a Escola Nova. São Paulo: Cortez/Autores Associados,
1989.
MELCHIOR, José Carlos de Araújo. Mudanças no financiamento da educação no
Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 1997. (Coleção polêmicas de nosso
tempo; V. 57.).
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez,
1992.
NEVES, Lúcia Maria Wanderley. Determinantes das mudanças no conteúdo das
propostas educacionais no Brasil, dos anos 90: período Itamar Franco. In:
NEVES, Lúcia Maria Wanderley (org). Educação e política no limiar do século
XXI. Campinas: Autores Associados, 2000.
SANTOS, Edilene Pimentel. Peculiaridades da política de assistência ao estudante
em Alagoas. In: VERÇOSA, Elcio de Gusmão (org). Caminhos da Educação
em Alagoas. Da colônia aos tempos atuais. Maceió: Secretaria Municipal de
Educação; São Paulo: Catavento, 2001.
56
SILVA JÚNIOR, Celestino Alves. A escola como local de trabalho. 3 ed. São
Paulo: Cortez, 1995.
SPOSATI, Aldaíza (org). Renda mínima e crise mundial: saída ou agravamento?
São Paulo: Cortez, 1997.
VALENTE, Ivan. Plano Nacional de Educação. Rio de Janeiro, DP&A, 2001.