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Seminário de Educação PopularSeminário de Educação Populare Lutas Sociaise Lutas Sociais
17 e 18 de novembro 200417 e 18 de novembro 2004
Dê um duplo clique para iniciar a Dê um duplo clique para iniciar a apresentaçãoapresentação
Seminário de Educação Popular/ Organizadores do evento: Maria
Lídia Souza da Silveira e Eblin Farage Rio de Janeiro – Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFRJ – 2005 126 p.ISBN- 85-99052-02-0
1- Processos de consciência 2- Lutas sociais 3- Educação Popular
4- Subjetividade.
Para ler o artigo Clique no nome do AUTOR ou TÍTULO pressionando Ctrl
INDICE DE AUTORES Adelar João Pizetta
EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA
Aída Bezerra PERCORRENDO OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO POPULAR: UM OLHAR
Bruno José da Cruz Oliveira A CONCILIAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO HUMANA E A FORMAÇÃO ÉTICO-POLÍTICA PROFISSIONAL E A DEFESA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL: UM DEBATE NECESSÁRIO Eblin Farage EDUCAÇÃO POPULAR, ESCOLA PÚBLICA E SERVIÇO SOCIAL- UM DIÁLOGO NECESSÁRIO Elisonete Ribeiro INTERVENÇÃO PROFISSIONAL E DIÁLOGO COM A EDUCUÇÃO POPULAR Emilio Gennari A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA DO EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL
Emilio Gennari* EDUCAÇÃO POPULAR, ALGUMAS EXPERIÊNCIAS ATUAIS: NÚCLEO DE EDUCAÇÃO POPULAR 13 DE MAIO. Francine Helfreich Coutinho dos Santos SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO POPULAR: DIMENSÕES DE POSSÍVEIS DIÁLOGOS Grace Karen Emrick SAÚDE DO IDOSO, SERVIÇO SOCIAL E RECURSOS HUMANOS EM UMA UNIDADE DE SAÚDE: REALIDADES E DESAFIOS. POSTOS NO DIÁLOGO COM A EDUCAÇÃO POPULAR Maria Dalva Casimiro Silva EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR E MOVIMENTO SINDICAL: REPENSANDO AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E EMANCIPAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA
Maria Isabel de Araújo Lins O MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR DE RECIFE Maria Lídia Souza da Silveira EDUCAÇÃO POPULAR: NOVAS TRADUÇÕES PARA UM OUTRO TEMPO HISTÓRICO. Mauro Luis Iasi
EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA
Regina Rocha INTRODUÇÃO AO DEBATE: UM PERCURSO NA ÁREA DA EDUCAÇÃO POPULAR
Rute Maria Monteiro Machado Rios SEMINÁRIO: EXPERIÊNCIAS HISTÓRICAS DE EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL EDUCAÇÃO POPULAR NA DÉCADA DE 60 Rute Maria Monteiro Machado Rios (texto 2) PERCORRENDO OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO POPULAR: UM OLHAR
EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA1
Adelar João Pizetta2
Introdução Quero em nome do MST, agradecer o convite e dizer que é uma satisfação poder
estar participando de um evento tão relevante como este. Por isso, parabenizo pela
iniciativa e realização.
É um desafio, em tempo restrito (30 minutos), abordar um tema, que trata da
educação, da consciência e das lutas políticas. Por isso, vou tentar fazer referência e trazer
alguns elementos que possam ajudar e contribuir no debate. Outros elementos, não menos
importantes, poderão se agregados posteriormente.
Espero que todos possamos, ao final, sairmos mais enriquecidos ao participarmos
desse momento de interação e diálogo.
Ainda a título de introdução, quero ressaltar, que talvez, pela primeira vez temos no
Brasil, um processo de educação e formação popular vinculado e sob orientação de um
movimento social como o MST. Ou seja, um processo educativo, formativo que faz parte da
estratégia de luta e do processo organizativo do Movimento dos Sem Terra, que há 20 anos
vem sendo construído com a participação coletiva, bebendo em diferentes fontes teóricas e
nas experiências históricas. Já avançamos mas, os desafios são enormes e a estrada ainda
é longa.
Na minha exposição quero fazer referência a 5 tópicos que se entrelaçam e
conformam um mesmo processo - o da formação da consciência e das lutas sociais.
1- A conquista do direito de usar a consciência
Os trabalhadores Sem Terra, através de suas ações coletivas e organizadas na luta
pela conquista da terra, resgatam o direito de ter consciência e de utilizá-la para construir
uma vida diferente.
Se no processo de luta, os Sem Terra se afirmam diante da realidade em mudança,
também muda seu papel e sua condição na história. De vítimas da estrutura da sociedade
atual excludente, passam a ocupar um lugar no espaço geográfico e político. Podemos
dizer, que conquistam um “espaço” a partir do “não espaço”, do espaço negado.
1 Exposição realizada na Mesa: Educação Popular: formação da consciência e luta política, realizada no dia 18
de novembro de 2004, no seminário de Educação Popular e Lutas Sociais, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ/RJ.
2 Membro do Movimento dos trabalhadores Rurais sem terra (MST)
Essa dinâmica que acontece na base material, logicamente tem sua influência na
consciência dos Sem Terra envolvidos na luta. No entanto, não são as mudanças na
consciência que transformam a realidade. Nem tampouco, as transformações na realidade
mudam por si só o jeito de pensar e conceber o mundo. Aqui, estabelece-se uma relação
dialética entre o Ser e o Pensar. O determinante são as condições materiais, que influem
sobremaneira na consciência dos indivíduos. É nessa relação que se dá o processo de
conscientização, pois a consciência é capaz de interpretar os fenômenos do real que estão
além da aparência. Percebe a realidade como um todo complexo que está sendo, algo
dinâmico, em movimento constante de mudança.
Mas, mesmo que ocorra uma mudança na percepção dos sujeitos envolvidos no
processo, que ocorra um desvelamento da realidade, ainda não se efetivou o processo de
conscientização. Por que? Porque esse processo de conscientização não pode parar na
etapa da compreensão da realidade. A conscientização se dá quando a prática do desvelar
a realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática de transformação da
mesma. Ou seja, não existe conscientização, não existe elevação do nível de consciência
sem as ações práticas que vão transformando a realidade. No caso específico do MST, os
militantes, educadores populares, que articulam as famílias para romper as cercas do
latifúndio, transformam o conhecimento da realidade em ação, portanto, se dá um passo no
processo de conscientização.
Agora, essa nova realidade – acampamento/assentamento – gera uma nova
compreensão que vai exigir uma nova ação com mais qualidade e consciência para
continuar a luta pela Reforma Agrária e evoluir no processo de formação da consciência.
2. A importância da participação consciente e a consciência da participação
Quem nada faz, quem não participa, logicamente também não se faz, não se
constrói enquanto sujeito político. Quem não participa de um Núcleo de Base, quem não
assume nenhuma tarefa, não desempenha nenhuma função na organização, é “matéria
morta”, não é força para a luta, não permite o desenvolvimento, da consciência política.
Se o assentado depois de conquistar a terra deixa de participar, está indo para a
morte enquanto Sem Terra e vai enterrando o avanço da consciência. A consciência
despertada no movimento da ocupação precisa agora de um novo impulso, através da
participação efetiva e permanente.
No trabalho de formação e educação popular, é importante perceber, que para
desenvolver a consciência são necessários alguns requisitos: a) Saber interpretar as reais
necessidades das massas, suas causas e contradições; b) Definir coletivamente os
objetivos e metas a serem alcançadas; c) Elaborar planos de ações com a divisão de
tarefas que envolvam um conjunto de muitas pessoas; d) Desenvolver as ações e avaliá-las
permanentemente, extraindo delas lições.
Na organicidade do MST, cada núcleo que participa de determinado assentamento
e/ou acampamento, enfrenta problemas reais. Esses problemas, depois de identificados
precisam ser aprofundados, discutidos para serem assimilados por todos. Isso possibilita a
tomada de decisões, não de maneira individual, mas, com a participação coletiva.
Em seguida é necessário, estabelecer ações concretas que deverão ser assumidas
não por meia dúzia de militantes, mas, envolvendo muitas pessoas, desde as tarefas mais
simples até as mais complexas, sempre levando em conta as habilidades e potencialidades
dos integrantes dos coletivos de base (núcleos).
Como disse Freire: “Não há conscientização popular sem uma radical denúncia das
estruturas de dominação e sem o anúncio de uma nova realidade a ser criada em função
dos interesses das classes sociais hoje dominadas”.3 Portanto, não basta negar e destruir a
realidade que aliena. É necessário ir forjando a realidade que liberta, de forma gradativa, as
consciências e a realidade. O estudo ganha mais força e sentido quando estiver colado
com a prática política e organizativa dos grupos sociais.
Por isso, a consciência está em movimento se o corpo estiver em movimento.
Porque sua função é refletir a realidade que rodeia o corpo e, no esforço do fazer, é que a
consciência se desenvolve. O ser humano ao fazer algo concreto se faz a si próprio, e
desenvolve a consciência. O Sem Terra ao fazer a luta pela terra, constrói sua identidade e
na sua participação, cada vez mais consciente, constrói a organização política que o
representa e o faz Ser Político.
3- A organicidade no processo de formação da consciência
Na nossa compreensão, quanto mais rapidamente avançarmos na organização e
nas lutas de massa, mais se abre o campo para a formação da consciência. A organização
é a chave para divulgar, assimilar e implementar na prática as idéias da mudança. É a
organização que possibilita alcançar os objetivos e superar os desafios que a realidade
impõe. A força está na organização.
3 Paulo Freire. Ação Cultural pela Liberdade e outros escritos. SP, p. 95.
Os Sem Terra elevam seu nível de consciência quando participam dos processos
de organização, discussão e tomada de decisões, influenciada pela capacidade pedagógica
dos militantes, das lideranças.
A evolução na formação da consciência, pode ser medida pelo sentimento de
indignação e pelos gestos de solidariedade que um grupo demonstra. Pelas ações que
esse grupo desenvolve e pela postura política que adota diante dos desafios, contradições
e complexidade do momento atual.
Na práxis política e organizativa do MST, procuramos combinar as ações,
iniciativas, articulando de maneira consciente: a organicidade, a formação e as lutas. No
processo de formação da consciência esse tripé é fundamental, se requer se complementa.
A ausência dessa articulação, pode levar a que o processo de acúmulo comece a
perder força e, aquilo que está sendo novidade torna-se rotina, não passa de definições,
regras que não conseguem ser realizadas na prática.
Por isso, achamos fundamental combinar o processo de lutas com o estudo teórico
para que haja um desenvolvimento mais completo e amplo da consciência dos militantes. É
nos embates que ela vai sendo moldada e “polida” pela teoria.
4. Papel da formação
Trabalhar a elevação do nível da consciência dos Sem Terra, agora nos
assentamentos e acampamentos, não se pode considerar “caixas vazias”, nas quais vão
sendo depositados conhecimentos políticos e técnicos, imaginando que estamos assim
formando-as.
É preciso entender que ao transformar - mesmo que de maneira incompleta - a
realidade, abrem-se brechas para ir transformando o mundo da cultura criado pelos Sem
Terra e que agora, também se volta sobre ele próprio. Ou seja, os camponeses
desenvolvem uma maneira de pensar e de perceber o mundo de acordo com o ambiente
cultural, fortemente influenciado pela ideologia dos grupos dominantes na sociedade em
que estão inseridos. Essa maneira de pensar acaba sendo cristalizada, traduzida, e se
expressa naquilo que Paulo Freire chama de “cultura do silêncio”, impregnada na
consciência de muitos camponeses que participam do MST.
Segundo Freire,
Esta ‘cultura do silêncio’, gerada nas condições objetivas de uma realidade opressora, não somente condiciona a forma de estar sendo dos camponeses enquanto se acha vigente a infra-estrutura que a cria, mas
continua condicionando-os, por largo tempo, ainda quando sua infra-estrutura tenha sido modificada4.
Em nosso caso específico, mesmo tendo mudado o contexto social em que os Sem
Terra estão inseridos, os resquícios do mundo da cultura anterior, continuam se
manifestando na tentativa da produção de uma nova cultura. É como se fosse uma luta
entre os elementos em desconstrução e os aspectos da construção de um novo jeito de ser
e pensar, de viver valores e comportamentos distintos do exigido na sociedade capitalista.
Trata-se portanto, de ver formas de relações entre as pessoas, baseadas na nova
estrutura material criada, capazes de ir influenciando a vida, a cultura, num sentido bem
oposto ao da vida anterior.
Nesse sentido, a tarefa que se coloca para a formação/educação é a de, partindo
daquela visão e concepção de mundo – “cultura do silêncio” – desenvolver com os
camponeses, um processo crítico sobre ela, por meio da inserção dos mesmos, cada vez
mais conscientes, na realidade que se transforma e os transforma.
Ao possibilitar que as pessoas elaborem seus pensamentos, que discutam
coletivamente as proposições, dúvidas, incertezas e esperanças, abre-se caminho para
criar alternativas e buscar soluções que por eles serão assumidas e levadas adiante na
ação cotidiana.
Nesse contexto, o papel da formação é: a) Despertar as consciências que
adormecem ao embalo dos chavões; b) Instigar a curiosidade teórica, a imaginação que
projeta a construção do novo; c) Motivar para que as idéias de mudança se traduzam em
força de mudança por intermédio da ação coletiva dos homens e mulheres organizados no
movimento social; d) Tirar o véu que oculta a verdadeira causa dos problemas que afligem
o povo; e) Demonstrar que a utopia é viva, que a mística alimenta o sonho da
transformação que vai se processando ao nível individual e aos poucos, contagia uma
massa enorme de seres humanos; f) Contribuir na eficácia e eficiência da ação dos
militantes e dirigentes que constroem, com sacrifício e heroísmo, o MST.
5. A consciência como o conjunto de seus momentos
Cabe nessa exposição, recuperar a explicação que já conhecemos sobre a
consciência, como o conjunto dos seus momentos: Conhecimento; Auto-conhecimento; As
emoções; A imaginação; A vontade.
4 Paulo Freire. Ação Cultural para a liberdade e outros. p. 37.
Consciência é conhecimento, mas não qualquer conhecimento. Qual o
conhecimento que liberta? A consciência se constitui em formas de conhecimento, porque o
conhecimento não é uma porta fechada, é um conjunto de momentos, de sentimentos, de
desejos, vontades, expectativas. Na medida em que se aprofunda a luta de classes, novas
demandas e saberes são colocados para os educadores e militantes do Movimento. Ou
seja, são vários conhecimentos, várias dimensões que precisam ser articuladas no
processo de formação e educação.
Através das lutas e da formação, as pessoas vão descobrindo e entendendo o
papel que podem desempenhar nos processos e na história. Conseguem recuperar a auto-
estima, a força que brota das ações coletivas e organizadas. No fundo, esse processo de
confronto com o status quo, permite que tomem consciência do seu papel diante da
realidade em mudança e da sua importância enquanto sujeitos do processo orgânico e de
luta pela Reforma Agrária. É a auto-consciência.
Percebe-se também, que o povo entende de forma rápida e fácil, a linguagem do
sentimento, do coração, das emoções, do fazer cotidiano. As pessoas têm emoções que as
entusiasmam, e, se entusiasmadas participam, se movimentam, transformam. Se não for
expressado o sentimento de raiva, indignação mas também de alegria, vibração nas
conquistas, a consciência vai ficando incompleta.
É preciso trabalhar e desenvolver a imaginação, a capacidade de criar, projetar,
sonhar. Já disse Florestan: “A grandeza de um homem se define por sua imaginação. E
sem uma educação de primeira qualidade a imaginação é pobre e incapaz de dar ao
homem instrumentos para transformar o mundo”5.
Por fim a vontade. A consciência tem um caráter ativo, durante a sua formação. É a
capacidade de mover todas as forças para enfrentar os problemas e buscar alternativas
para satisfazer as necessidades, transformando a realidade. Os grupos precisam querer
fazer, querer lutar, querer a mudança, pois, sem essa decisão concreta, não basta ter boas
idéias é preciso transformá-las em ações transformadoras.
A força das mudanças está no povo, no entanto, é preciso organizar essa força. Os
militantes, dirigentes que passam pelo processo de formação e educação popular, devem
aprender a organizar as massas. Os técnicos, intelectuais que atuam nos assentamentos,
precisam saber e se não sabem, precisam aprender a organizar o trabalho das massas. É
uma arte. Precisam dominar o método, desenvolver uma pedagogia de trabalho e educação
das massas.
À guisa de conclusão 5 Florestan Fernandes.
Como alertei no início, chega-se ao término da exposição com o sentimento de que
lacunas ficaram abertas; de que idéias precisam ser mais aprofundadas; de que o tema nos
instiga a continuar a reflexão. É bom que seja assim, pois assim, alimentam-se os passos
que ainda serão dados.
Após a trajetória, a reflexão aqui feita, cabe um trecho de um poema de Ademar
Bogo:
Regamos o deserto da consciência e um novo ser nasceu. É hora de ir em frente companheiro, você é o guerrilheiro que a história nos deu. Regamos o deserto da consciência e um novo ser nasceu. É hora de ir em frente companheira, você é a guerrilheira que a história nos deu6.
Como educadores, militantes que somos, esta é nossa grande tarefa, nossa grande
missão: acabar com a “seca” que afeta o cultivo na consciência dos Sem Terra, fruto da
“cerca ignorante” da sociedade capitalista excludente.
A educação popular, conjuntamente com as lutas e a organização dos
trabalhadores, deverá “regar”, cultivar, formar a consciência e os militantes, com um novo
perfil, com uma nova qualidade, para que as sementes produzam novos frutos. Um povo
consciente é um povo forte, um povo valente e construtor do seu destino.
Acreditar que a força das consciências, que a força das idéias pode combater as
idéias da força, nos coloca num patamar em que “quem não sabe faz, mas, quem sabe faz
diferente e melhor”.
Bem disse José Marti: “Trincheiras de idéias valem mais que trincheiras de pedras”.
Construir a força das consciências, essas trincheiras de idéias e imaginação, construir a
luta de classes, como forma de levar adiante os processos de mudança, é nossa tarefa
histórica, da qual não podemos nos esquivar.
Muito obrigado a todos pela paciência e atenção..
6 Poema de Ademar Bogo.
PERCORRENDO OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO POPULAR: UM OLHAR7
Aída Bezerra
Rute Maria Monteiro Machado Rios 8
Alguns traços de uma história pregressa
Considerando que o momento histórico/político da década de 60, no Brasil, abre
um espaço conjuntural ao desenvolvimento do que depois se costumou chamar de
educação popular, acreditamos que não se possa tomá-la como um fenômeno sem raízes
numa história política e cultural pregressa. A atenção à herança histórica pode nos ajudar a
compreender muito dos componentes da ação direta dos educadores que aí se
inscreveram.
O discurso político - denunciador das relações de exploração, convocador da luta
anti-imperialista, mobilizador de um movimento de organização política das camadas
populares - dá um pano de fundo à nova qualidade da intervenção educativa mas, por si só,
não se traduz em intermediações que falem de uma mudança radical no plano pedagógico.
Por isso, tentaremos aqui explorar as contribuições pedagógicas e metodológicas que
influenciaram a prática de uma educação voltada para os segmentos mais pobres da
sociedade.
Podemos situar, a grosso modo, num período que vai de 1945 a 1958, três modos
de intervenção educativa que marcaram o momento e que, somadas às novas contribuições
que surgiram na fase 1959/64, vão repercutir sobre as práticas educativas desenvolvidas na
década de 60. São elas: a presença educativa da Igreja, sobretudo a Católica, nos meios
populares; a extensão rural; e o desenvolvimento de comunidade (BEZERRA, 1977, p.35-
56).9
7 Este texto e parte do artigo “A negociação: uma relação pedagógica possível” publicado espanhol na revista CESO
PAPERBACK nº22, Cultura y política en educación popular: princípios, pragmatismo y negociación – La Haya, Holanda, 1995.
8 Educadora
9 Por não considerar que tenham tido preponderância na formulação das estratégias de educação que tomaram peso na década de 60, não incluímos aqui as iniciativas governamentais do tipo ensino supletivo ou campanhas de alfabetização; nem os serviços de aprendizagem profissional do SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e do SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, ambos do Ministério do Trabalho; nem aqueles implementados pelo SESI - Serviço Social da Indústria e SESC - Serviço Social do Comércio, ligados às necessidades identificadas pela burguesia comercial e industrial.
a) Período de 1945 a 1958
A presença educativa da Igreja
Ao mesmo tempo em que priorizava as suas instituições de ensino voltadas para a
formação das elites, a Igreja mantinha em suas obras sociais, paroquiais e diocesanas,
serviços educativos de tipo assistencial e preventivo. Preocupavam-se com o destino social
e moral (alcoolismo, roubo, prostituição) dos desocupados, pobres, egressos do meio rural.
Nesse sentido, as atividades educativas se atinham à instrução (alfabetização e ensino
elementar) e à iniciação profissional (distinta para homens e mulheres).
A relação que se estabelecia entre a instituição e a sociedade era do tipo entre
provedores/carentes. A existência de pobres não era um dado questionável. Isso
correspondia à visão de uma sociedade estável, onde o que contava era a salvação
individual. A ausência de crítica e avaliação dos trabalhos tinha a sua explicação: faz-se
crítica quando se sente a necessidade da mudança. Tudo se resolvia de modo
administrativo e isoladamente: a cada instituição, sua clientela, sua fatia de pobres.
No entanto, é outra a percepção dos Círculos Operários. Criados, em 1932, para
garantir formação cristã a uma liderança operária, começam, a partir de 1954, a redefinir o
seu papel em termos mais agressivos, chegando a se alinhar às forças de resistência às
investidas do "comunismo" no meio sindical (MANFREDI, 1986, p. 35-75).
A extensão rural
A extensão rural foi criada a partir da definição do Brasil enquanto um país de
"vocação" essencialmente agrícola.10 Depois de um período de experimentação, a extensão
rural se institucionalizou órgãos executores (Associações de Crédito e Assistência Rural) do
convênio entre o governo brasileiro e o Ponto IV (Instrumento da cooperação norte-
americana).11
Do ponto de vista da educação, a importância desse registro está em destacar a
sua qualidade de produto importado. Todos os seus técnicos de primeiro escalão eram
treinados nos Estados Unidos. A metodologia de atuação refletia essa falta de
10 O Censo de 1950 do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística informa que a população rural do país, nessa
ocasião, era da ordem de 64%, utilizando como critério para definir população urbana os residentes em aglomerados acima de 2.000 habitantes. Daí se pode inferir que, na verdade, a participação relativa da população rural na composição demográfica do país, nessa época, era muito mais alta.
11 Mais tarde, essas diversas associações regionais de crédito e assistência rural se organizam numa estrutura central - ABCAR (Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural) vinculada ao Ministério da Agricultura.
contextualização na padronização do trabalho, qualquer que fosse a região atendida, e na
ausência de criatividade pedagógica. O conteúdo já estava dado e os meios de
comunicação se colocavam no primeiro lugar nas preocupações educativas. O bom
educador era aquele tecnicamente capaz de manejar com eficiência o arsenal de recursos
audiovisuais de persuasão.
A educação era voltada fundamentalmente para a produção e para o consumo. O
desenvolvimento era uma questão de modernização, e por essa via o bem estar de todos
(social welfare). A clientela da extensão era composta por indivíduos produtivos e a família
era a unidade dessa produção. A estratégia de atuação era uma combinação das linhas
específicas de atendimento a cada um dos componentes da família (chefes de família,
donas de casa e jovens).
Um aspecto marcante na metodologia da extensão foi o destaque dado à liderança
(leadership), quer institucional (padre, prefeito, professora), quer espontânea, dos
agricultores. Isso com vistas não só à legitimação da intervenção, como ao aproveitamento
do poder de influência das pessoas. O treinamento de líderes teve, na extensão rural, um de
seus grandes promotores, e o uso deste tipo de instrumento vai ser reproduzido por um
sem-número de iniciativas educativas na década de 60.
É desnecessário comprovar que uma teoria social de base funcionalista dava
suporte a toda essa intervenção.
O desenvolvimento de comunidade
As raízes anglo-saxônicas do desenvolvimento de comunidade (community
development) foram nitidamente marcadas pelo comportamento colonial inglês, como nos
ensina Yves Goussault a respeito das diferenças do comportamento inglês e francês na
África:
[...] a identidade do colonizador, e de suas intenções metropolitanas, determina, de antemão, os modos específicos de ação sobre a vida colonial local. Por sua origem, o estilo de intervenção difere e essa diferença marcará toda a evolução do desenvolvimento durante o período colonial, compreendendo inclusive o nascimento da animação e do desenvolvimento de comunidade (GOUSSAULT, 1968, p. 572).
Entretanto, a experiência de desenvolvimento de comunidade que chegou ao Brasil
não foi diretamente a que resultou das colônias africanas, mas a que se desenvolveu nas
terras da Nova Inglaterra.
A tradição inglesa de governo local se encontra, pois, acentuada pelo fenômeno da colonização, e é a idealização da autonomia e do voluntariado
que encontraremos na base de numerosos projetos de desenvolvimento de comunidade. (MEISTER ,1969, p.204)
O seu embasamento teórico mais recente só se explicitou com o desenvolvimento
da sociologia inglesa e norte-americana, adquirindo progressivamente um arcabouço
explicativo e um aperfeiçoamento de sua sistemática de intervenção (estudo/diagnóstico-
planejamento - execução - avaliação). Foi esta proposta, já testada e elaborada, que
recebemos no Brasil: uma expressão ativa do funcionalismo norte-americano que contava
com o aval da OEA.
Acreditava-se que uma atuação de âmbito comunitário era suficiente para atingir e
solucionar a maioria dos problemas das populações locais. E também que o hábito de
transferir ao governo a iniciativa das questões sociais fizera com que as populações
deixassem de assumir a sua parcela de esforço em prol do bem comum. Impunha-se, então,
educar as comunidades para a auto-promoção (self-help) de seu desenvolvimento, a partir
das suas necessidades sentidas (felt-needs). O bem comum era um valor que convocava ao
acordo e as estratégias propostas estavam atentas à neutralização dos conflitos.
Na formação de técnicos em desenvolvimento de comunidade ministrada, sobretudo
pelas Escolas de Serviço Social, podem ser identificadas, entre outras influências-teóricas,
no plano filosófico, como o personalismo de Mounier, as idéias de cristianismo social de
Maritain; e no plano sociológico, as propostas de desenvolvimento harmônico e integral de
Lebret. Tudo isso era conjugado, sem grandes questionamentos, ao ensino da sociologia
funcionalista que dava respaldo ao desenvolvimento de comunidade.
Esses técnicos reclamavam dos pressupostos economicistas a partir dos quais se
planejava o desenvolvimento. O desenvolvimento social era mais abrangente e estava
referido ao bom funcionamento das instituições representativas dos diversos setores da
sociedade. Um bom projeto de desenvolvimento de comunidade era aquele que chegava a
organizar um Centro Social e a obter a constituição de um Conselho de Comunidade ao qual
competia exercer uma vigilância dinâmica sobre a vida local e decidir sobre a
compatibilização de seus programas e esforços em função do bem comum. Deviam
convocar as atividades necessárias à solução dos problemas sentidos e à maximização das
possibilidades do desenvolvimento local. A construção de um consenso era fundamental
para o sucesso do empreendimento.
Deixando de ter como referência a aldeia africana ou o núcleo de povoamento norte-
americano, o conceito de comunidade ficou mal traduzido em termos operativos, apesar dos
inúmeros esforços de precisão dos nossos sociólogos. Mas, a idéia de uma ação educativa
mais abrangente e a noção de desenvolvimento local, vão perdurar em muitas das
intervenções que se seguiram.
b) Período de 1959 a 1964
A concessão das liberdades democráticas, fruto do novo pacto de conteúdo
populista que caracterizou a fase do desenvolvimentismo no Brasil, ofereceu um clima
propício à expressão de diversas lutas. Nesse período se situa a expansão de uma
educação voltada para as camadas populares.
Para caracterizar essas iniciativas referimo-nos às instituições que formaram e/ou
forneceram os quadros responsáveis pela concretização dos vários tipos de proposta. A
origem dos agentes determinou, em muito, as suas estratégias de ação e nos permitiu
entender melhor as tensões e as possibilidades de alianças entre as diferentes tendências.
Três âmbitos institucionais inspiraram os agentes de educação nas linhas dominantes e nas
formas de intervenção junto aos grupos populares: as Universidades e o Movimento
Estudantil; os partidos e as organizações políticas de programas socialistas; e a Igreja,
fundamentalmente a Católica.
Mesmo tendo em comum o caráter politizador e mobilizador das ações, somente
algumas dessas iniciativas demonstraram preocupação maior com a questão pedagógica ou
com a estruturação de uma metodologia que desse organicidade à sua atuação educativa.
As Universidades e o Movimento Estudantil
Ao nosso ver, o que marcou a iniciativa das elites intelectuais foi uma preocupação
de ordem político-cultural. A denúncia do imperialismo econômico se estende à do
imperialismo cultural. Era preciso dar maior solidez à cultura nacional para que ela resistisse
e se impusesse à invasão cultural imperialista. Nessa direção, enfrentavam os desafios de
tirar a Universidade de seu enclausuramento pelas elites sociais e de encontrar os seus
caminhos de serviço ao povo.
Novamente estava em jogo a afirmação de uma cultura nacional. O que importava,
agora, era principalmente a democratização da cultura. Na verdade, este movimento se
traduziu sobretudo pelo esforço de criar e ampliar os acessos do povo à cultura consumida
pelas elites: teatro "popular" politizante, música "popular" politizante ou educação do gosto
musical do povo; e o uso de recursos da cultura popular para comunicar conteúdos
politizantes (poesia de cordel, violeiros repentistas, e a valorização do folclore nacional). A
ênfase desse movimento esteve predominantemente vinculada à expressão da arte
engajada, e o conteúdo educativo da proposta ficou circunscrito aos limites dessa postura. O
apoio da UNE (União Nacional dos Estudantes) e das UEEs (União Estadual de
Estudantes), através da criação dos CPCs (Centro Popular de Cultura), foi fundamental à
dinamização dessa linha de atuação.
Data desse período a valorização dos cursos de Filosofia e a implantação dos
cursos de Sociologia. O estudo do marxismo deixava de ser uma quase prerrogativa da
formação de quadros dos partidos comunistas e da pesquisa e debate de núcleos de
intelectuais.
Os partidos e as organizações políticas
A Revolução Cubana estimulava as esperanças revolucionárias acalentadas pela
esquerda brasileira e que se fortaleciam no clima de reivindicação das reformas de base do
governo João Goulart. A militância dos vários partidos e organizações políticas, sobretudo os
de inspiração marxista, se expandiu fortemente nessa fase. A urgência de mobilização e
organização das massas, convocadas a se inscrever na grande luta revolucionária da
tomada do poder de Estado, levava essa militância a atuar nas instituições que serviam
como canal de acesso às camadas populares, ou nas (ou sobre as) organizações
específicas dos trabalhadores.
As estratégias de acumulação de forças para o confronto de classes e a luta pela
hegemonia de poder nas instituições vão levar esses grupos a se defrontar com outras
propostas (de resistência às mudanças ou alternativas de encaminhamento). Dependendo
da inscrição da tendência política (trotskista, maoísta, stalinista e outras) os militantes
optavam preferencialmente por uma atuação no meio urbano ou no meio rural. As alianças
se tornavam mais viáveis, ou mais litigiosas, segundo o grau de radicalismo exercido pelos
grupos. Afora o movimento estudantil, a presença estava mais concentrada no universo das
organizações de trabalhadores do que nas iniciativas que enfatizavam o caráter educativo
da ação.
Mesmo com toda a intensidade da luta urbana, o que ocorria no meio rural tinha
uma repercussão política muito significativa no panorama nacional. O fato de trazer à tona a
questão explosiva da Reforma Agrária, aliando-a à convocação do campesinato para a
arena das forças políticas, de onde sempre fora excluído, ameaçava a tranqüilidade da
"ordem pública". O baixo nível de organização convencional dos trabalhadores rurais era
propício à ressonância das mais variadas convocações e, ao lado disso, o respaldo dado por
estratégias do governo Goulart contribuía para acelerar essa mobilização. Aí, vão se
encontrar e se defrontar: a militância de diversos partidos e organizações lutando pelo
controle da maior parcela de sindicatos. Uma parte da Igreja lutando pela hegemonia do
sindicalismo cristão; e outra parte, via Movimento de Educação de Base, lutando, num
primeiro momento, por um sindicalismo independente.
A intervenção oficial foi patrocinada diretamente pela SUPRA - Superintendência da
Reforma Agrária, e pretendia construir a base da aliança do Governo com os trabalhadores
rurais. As Ligas Camponesas12, presentes sobretudo no nordeste do país, e que tinham
antecedido todo o ativismo arregimentador da sindicalização rural, mantinham uma tensão
com esse movimento.
As Ligas, na sua origem, tinham um estatuto de sociedade beneficente e reunia
pequenos produtores da periferia dos latifúndios da cana-de-açúcar. Posteriormente,
ampliou o seu atendimento a um público de assalariados e, dada a incidência de litígios
trabalhistas e de terra, começaram a intermediar os interesses dos seus associados. O
Partido Comunista Brasileiro oferecia assessoria e apoio jurídico. Pouco a pouco, as Ligas
se transformaram numa organização de luta e defesa dos interesses dos trabalhadores
rurais, levantando a bandeira da luta pela terra, o que demandou uma estrutura jurídica
adequada. Francisco Julião, consagrado líder das Ligas Camponesas e seu principal
assessor, ganha projeção política nesse quadro.
O movimento de sindicalização rural que se instalou, ameaçou o território de
atuação e expansão das Ligas. Mas a convivência se decretou mais pacífica quando a
liderança das Ligas se pronunciou, afirmando: "a Liga Camponesa é a mãe do Sindicato".
A Igreja e a sua extensa presença
Culturalmente enraizada, em todo território nacional, o papel desempenhado pela
Igreja teve uma enorme significação nesse período e durante a ditadura militar. Com o
Concílio Vaticano II, o seu envolvimento com os problemas sociais passa a ser mais
conseqüente. A criação da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, joga um
papel político fundamental. As palavras de ordem passam a ser, principalmente, o
ecumenismo, a justiça social e a pastoral de conjunto. O novo perfil de organização adotado
pela CNBB - os regionais - e o traçado de linhas especializadas - as pastorais - vão, por um
lado, mudar o perfil de sua ação, e o desenho jurídico e representativo da Igreja Católica no
Brasil - com conseqüências imediatas no plano das relações com o Estado; e, por outro, vão
facilitar a explicitação e o confronto, em plano nacional, das tendências diversas abrigadas
sob o mesmo teto institucional.
12 Afora as Ligas Camponesas, contava-se nessa época com a presença de outros movimentos de trabalhadores rurais.
Por exemplo, o MASTER - Movimento dos Agricultores Sem Terra, no Rio Grande do Sul; a UTAB - União dos Trabalhadores Agrícolas Brasileiros, com pretensões de representatividade em plano nacional; Frente Agrária Gaúcha, etc. Mas nenhum teve a intensidade da repercussão política das Ligas Camponesas.
Assim, refletindo o movimento das idéias e das tensões da sociedade, a CNBB, se
vê obrigada a negociar com orientações que se contradiziam. Nesse universo, era possível
apontar duas principais tendências: uma conservadora, lidando com argumentos que
traduziam o temor do comunismo e do "materialismo ateu", muito marcada por uma
perspectiva de construção da cristandade moderna; e outra, que tentava identificar o
compromisso cristão com a presença efetiva da militância, ao lado das forças sociais de
mudança, na construção de uma sociedade justa e democrática.
A Igreja formava quadros que preenchiam as necessidades dessas duas principais
tendências. Os mais comprometidos com as mudanças sociais eram formados, via a
eficiente metodologia utilizada pela Ação Católica, que consistia em preparar e especializar
jovens militantes para a atuação nos meios estudantis, rural e operário. Com o acirramento
das lutas, esses militantes vão se tornar um problema para a hierarquia mais conservadora,
pelas concepções de fé e política que imprimiam às suas ações, sobretudo nas fileiras dos
movimentos estudantis, sindicais e educativos (inclusive no interior da própria Ação
Católica). E, mais tarde, é sobre essa estrutura de quadros pré-formada que se assenta o
fundamental do Movimento de Educação de Base da CNBB. São, ainda, esses militantes
que, aliados a outros da mesma época, criam a AP - Ação Popular, opção socialista, não
marxista (nesse momento), de organização política.
A outra tendência, que pretendia preservar e ampliar o poder da Igreja, tomou como
base de atuação, principalmente, a estrutura diocesana. Algumas dioceses patrocinavam a
criação de instituições mais adequadas às novas demandas da sociedade e, a partir daí,
apoiavam programas de incentivo ao desenvolvimento e à educação dirigidos às zonas mais
pobres; ao mesmo tempo em que promoviam a evangelização das camadas populares.
Nessa dupla intenção, implementavam as mais diversas atividades.
A autoridade episcopal era incontestável nos limites de sua diocese. A CNBB não
tinha sobre as suas escolhas nenhum poder de controle. Assim, as dioceses mais
conservadoras vão, através dos seus centros de treinamento, garantir a formação dos
quadros necessários à sua ação, sob a estrita orientação da hierarquia local. Diversos atritos
vão ocorrer entre a orientação de muitas dioceses e os militantes de Ação Católica e do
Movimento de Educação de Base, ambos organizados em plano nacional e com diretrizes
próprias.
c. O encontro das águas ou o choque das correntes
A considerar o panorama acima descrito, em linhas muito gerais, as perguntas que
se seguem são as seguintes: finalmente, o que é que se esboça nesse contexto enquanto
contribuição efetiva para a prática de uma educação comprometida com as camadas
populares? em que se apoiou o fundamental da prática e da reflexão pedagógica dessa
época?
Para efeito da análise, vale a pena distinguir as iniciativas, presentes em duas
principais vertentes: aqueles núcleos que, de fato, se vão constituir em campos de
experimentação de propostas pedagógicas e metodológicas, e aqueles cujos objetivos se
ativeram estritamente aos interesses políticos de mobilização e organização dos
trabalhadores. Deixando de lado o segundo grupo, tudo em reconhecendo que, num sentido
amplo, as suas ações e os seus discursos politizantes produziram um efeito educativo sobre
as populações, vamos dar relevo às iniciativas declaradamente educativas. Essas últimas,
se tomadas em seu conjunto, revelam uma convergência em torno das atividades de
alfabetização, principalmente de adultos13, de educação de base e de cultura popular. E é no
nordeste do país, uma das regiões politicamente mais efervescentes, que incide uma
significativa concentração desses movimentos.
Desse conjunto de experiências, selecionamos três movimentos que, do nosso
ponto de vista, não só representam o que havia de mais significativo em matéria de
experimentação pedagógica e metodológica, como recuperam o percurso histórico do que
se chamou depois educação popular, tornando visíveis as tendências presentes na maioria
das iniciativas da época: o SAR - Serviço de Assistência Rural, o MEB - Movimento de
Educação de Base e o MCP - Movimento de Cultura Popular. É no Movimento de Cultura
Popular que Paulo Freire enfrenta sérios debates em torno da alfabetização de adultos,
antes de assentar, já no interior do SEC - Serviço de Extensão Cultural da Universidade
Federal de Pernambuco, as bases de sua metodologia.
O Serviço de Assistência Rural (SAR)
O SAR, sediado em Natal, uma das capitais nordestinas, subordinado à
Arquidiocese, estendia a sua influência a outras dioceses do país. Esse movimento
consegue reproduzir, com o máximo de fidelidade, todas as receitas deixadas e/ou
difundidas pela extensão rural e pelo desenvolvimento de comunidade, na esteira de uma
atuação com temperos de incentivo à pequena produção, de acomodação dos conflitos
sociais e de "evangelização dos pobres". Evidentemente, se apóia numa estrutura de
paróquias e mobiliza voluntários (contando com a indicação dos párocos) que são erigidos à
13 A supervalorização da alfabetização de adultos se devia a diversos tipos de percepção: como condição de acesso ao
voto e, portanto, de acesso à participação permitida pelos mecanismos da democracia formal; como uma das formas de superação da miséria e da ignorância, tidas como condicionantes do subdesenvolvimento; ou como instrumento de politização e, portanto, de aquisição de uma consciência crítica para intervir efetivamente no processo social.
categoria de líderes. Uma equipe de técnicos anima, supervisiona, acompanha e forma
quadros para uma diversidade de atividades, entre elas: alfabetização pelo rádio, animada
por monitores treinados para esse fim)14, cooperativismo, sindicalização rural (de inspiração
cristã), incentivo ao artesanato e à produção rural, assistência à maternidade, campanhas de
saúde pública etc. Ao nível local, mobilizava-se o esforço de auto-promoção das
comunidades na implantação de centros sociais. Um centro de treinamento servia como
estrutura de apoio à formação dos quadros. Com a dinâmica que toma esse movimento têm-
se a impressão de estar diante de uma estrutura paralela ao do governo oficial.
A militância da Ação Católica sob a jurisdição da Arquidiocese foi convocada a
integrar o movimento mas os atritos no plano das orientações, sobretudo com a JUC
(Juventude Universitária Católica), tornaram difícil a convivência.
O SAR, em última análise, é a típica continuidade das obras sociais da Igreja, sendo
que atualizadas. Preocupada, agora, com o subdesenvolvimento e com os recursos técnicos
de intervenção no profano, tudo em garantindo a cristianização dos resultados dessa
intervenção. Os seguidores desse modelo foram muitos, dentro e fora do âmbito da Igreja.
O Movimento de Cultura Popular (MCP)
Sediado em Recife, capital de Pernambuco, o MCP se auto-caracteriza como uma
entidade eclética, reunindo representantes de várias tendências da intelectualidade local:
sociólogos, artistas, educadores e jovens militantes de organizações políticas ou religiosas.
Dependente financeiramente da Prefeitura Municipal é identificado, pelas forças de
resistência à mudança, como um instrumento eleitoral que investia na ascensão do Prefeito
(então, Miguel Arraes) ao cargo de governador do Estado.
Não se pode dizer que o MCP fosse somente uma versão mais institucionalizada do
movimento de democratização da cultura que empolgava a intelectualidade da época,
embora se pudesse ler, em diversas formas de sua presença, muito parentesco com a arte
engajada. Dizemos isso porque outras fontes marcaram também as suas opções. As idéias
veiculadas pela Peuple et Culture da França, o não-diretivismo e a metodologia de
Treinamento Mental, com seus círculos de cultura, além de outras contribuições da
sociologia, tiveram muito peso. O sociólogo francês Joffre Dumazedier esteve presente nos
debates para a formulação das estratégias do MCP.
Entre as ações de democratização da cultura (teatro, música, pintura, valorização do
folclore), de democratização do ensino (expansão da rede escolar), de centros de cultura de
14 Tanto o SIRENA - Sistema Radio-Educativo Nacional, do Ministério da Educação e Cultura, como o SAR, tinham se
inspirado na experiência de Sutatenza (Colômbia).
base comunitária etc, e a necessidade de presença efetiva na mobilização política, o MCP
viveu tensões internas muito significativas. Dada a diversidade de tendências e interesses
que abrigava em sua atuação, ficou difícil o controle de suas ações enquanto um conjunto
articulado.
As discussões conceituais do momento, que mobilizavam não só os educadores do
MCP, giravam em torno de questões como massificação, manipulação, participação,
espontaneísmo, politização, libertação, democracia, autoritarismo etc. Pouco a pouco, vão
tomando espaço as questões sobre consciência e conscientização que, no horizonte,
tentavam responder ao desafio posto pelo marxismo em termos dos caminhos a tomar para
se chegar a "uma consciência dos reais interesses da classe". A equipe de educadores do
MCP chegou a produzir um polêmico livro de leitura para adultos, de conteúdo politizante,
em torno cujas suas linhas pedagógico/metodológicas foi muito problemática a costura de
um acordo.
Finalmente, em 1964, o golpe militar autoriza uma intervenção no MCP, cuja
influência na criação de entidades similares em outros ponto do país era explícita.
Os primórdios do Método Paulo Freire
É difícil desvincular o que se segue, em termos da elaboração e experimentação
orientada por Paulo Freire, já com base no SEC - Serviço de Extensão Comunitária da
Universidade Federal de Pernambuco, do que tinha sido, antes, vivenciado por ele mesmo
no MCP. Os desafios já estavam dados: como tratar, numa perspectiva democrática, a
questão da cultura e da consciência nos limites de uma alfabetização de adultos que
respondesse com eficiência e rapidez às demandas políticas do momento?
Donde, antes da elaboração mais consistente de uma pedagogia da libertação, as
preocupações se ativeram à demanda mais imediata de uma metodologia de alfabetização
de adultos. Depois é que o pedagogo aprofunda as bases teóricas de sua pedagogia e a
difunde. Do que conhecemos, foi a primeira tentativa de teorização, no campo da pedagogia,
que tomava em consideração o peso político das relações entre os agentes do processo
educativo - o diálogo - e investia nas implicações filosóficas que decorriam dessa postura.
O Movimento de Educação de Base (MEB)
O MEB foi criado pelo convênio que se firmou, em março de 1961, entre o governo
federal e a CNBB. A CNBB punha à disposição um horário das emissoras diocesanas para a
transmissão de aulas radiofônicas, com ênfase na alfabetização de adultos, e o governo
subvencionava o funcionamento da estrutura educativa.15 Em decorrência disso, a base de
intervenção e de organização do MEB foi o sistema rádio-educativo. Esses sistemas que
pressupunham a produção, emissão e recepção organizada das aulas radiofônicas eram
subordinados às suas respectivas dioceses mas coordenados nacionalmente por uma
Equipe Técnica. Em 1964, o MEB contava com 55 sistemas espalhados por 15 estados da
federação (sobre um total de 22 estados), no nordeste, norte e centro-oeste do país.
(COSTA et all 1986:124-125)
O MEB reuniu, na constituição de seus quadros técnicos, sobretudo um pessoal
formado nas fileiras da Ação Católica. Isso influiu decisivamente na qualidade da orientação
e dos serviços prestados porque, se de um lado, a ingenuidade política caracterizava muito
a postura do Movimento, de outro, a carga ética que o grupo trazia de sua formação
imprimiu um novo perfil às relações pedagógicas que se foram construindo. Sem
compromissos seja com um alinhamento político determinado, seja com escolas teóricas
específicas, o MEB centrou as suas forças na transformação de militantes cristãos em
técnicos de educação de adultos. Criou uma sistemática de treinamento de equipes,
supervisão do desempenho e avaliação da prática educativa e fez disso os pilares de seu
funcionamento. Os treinamentos das equipes responsáveis por cada sistema rádio-
educativo que se implantava era a etapa inicial do seu processo de intervenção. Os
instrumentos utilizados nessa etapa, apesar de se apoiarem, à semelhança do MCP, na
psico-sociologia européia, no não-diretivismo (com algumas técnicas da dinâmica de grupo)
e na experiência do método de Treinamento Mental da "Peuple et Culture", vão tomar outras
direções. Muito cedo, a utilização desses recursos é avaliada e retrabalhada no sentido de
reduzir o grau de autoritarismo que se evidenciava na sua experimentação e de ampliar os
ganhos no que parecia ser principal para o trabalho: a autonomia das equipes em
criatividade pedagógica e poder de gerência, e o enraizamento das atividades educativas no
contexto local de cada sistema rádio-educativo.
O dinamismo estabelecido pela sistemática de treinamento/supervisão/avaliação da
prática rendeu uma agilidade muito grande entre a identificação dos desafios postos pela
prática educativa e a mobilização de esforços para a criação de respostas adequadas. Isso
foi ajudado pelo funcionamento de instâncias de decisão e controle administrativo que se
15 "Depois, saí da Ação Católica e fiquei sem saber o que fazer na vida. Por volta de 1958, 59, fui trabalhar com Marina
Bandeira na RENEC (Rede Nacional de Emissoras Católicas). Naquela época houve uma corrida pelo registro de Emissoras, e os bispos entraram nessa corrida com a idéia de divulgar a religião católica. No momento em que as Emissoras Católicas chegaram a cerca de quarenta, espalhadas por todo Brasil, a minha cabeça começou a "buzinar". Não era possível continuar com aqueles programas religiosos e culturais - aliás, muito fracos - sem a perspectiva de transformá-los." - Depoimento de Vera Jaccoud, primeira coordenadora nacional do MEB. (Costa et alls 1986:36-37)
articulavam entre os níveis locais, estaduais e nacional. A instância máxima de decisão era o
Encontro Nacional de Coordenação onde todos os sistemas se faziam representar.
Ao nível da ação direta tiveram mais peso as influências captadas nas experiências
de animação desenvolvidas na África - Senegal, Marrocos etc - pelo IRAM (Institut de
Recherches de Méthodes Pédagogiques) do que as contribuições do desenvolvimento de
comunidade e da extensão rural. Mas, na medida em que usava amplamente o seu espaço
de liberdade de atuação, organização e criatividade, o MEB se defrontava com dois tipos de
condicionamento que foram endurecendo no mesmo ritmo em que o movimento se fortalecia
e se expandia: a hierarquia da Igreja e as oligarquias rurais (a área de atuação do MEB era
quase que exclusivamente o meio rural. E, para se resguardar a direção do MEB tomou a
precaução de divulgar o mínimo possível os dados sobre os seus sucessos, a sua força nas
bases e a sua produção pedagógica; portanto, o mínimo de registros.16
O fortalecimento da aliança dos agentes educadores com os grupos populares levou
o movimento, independente de uma orientação formal de sua cúpula, a se inscrever em
diversas frentes de luta política. Nessa altura, o MEB já contava com a participação, de
militantes e ex-militantes de JUC (Juventude Universitária Católica) que trouxeram consigo
os desafios de uma fundamentação teórica da ação e o debate sobre a opção e o
alinhamento político das forças do movimento. A presença atuante no sindicalismo rural, as
alianças com as Ligas Camponesas, a explicitação e análise das condições de vida dos
trabalhadores rurais como conteúdo das emissões educativas etc, determinou o aumento
das pressões, fosse por parte da hierarquia, das forças sociais de resistência à mudança ou
dos grupos políticos mais radicais.
A mensagem política com tratamento pedagógico foi o que caracterizou o MEB nos
dois anos que precederam o golpe militar. Com o golpe, a hierarquia mais conciliatória
tomou as rédeas do poder sobre o MEB, propôs a descentralização do movimento e
expurgou os quadros considerados mais radicais. Em 1966, percebendo a
descaracterização progressiva do trabalho, a parte mais significativa do Movimento tomou a
iniciativa de fechar os sistemas rádio-educativos sob sua responsabilidade.
d. O que se seguiu
O período da ditadura militar, assim como ocorreu em vários países da América
Latina, empurrou o que subsistiu dessa época - enquanto uma qualidade nova da
intervenção educativa junto às camadas populares - para a clandestinidade, semi-
16 Para prejuízo posterior, a memória de sua experimentação pedagógica foi muito pouco documentada e dificultou as
tentativas de sistematização que podiam ter sido feitas a partir daí.
clandestinidade e para o isolamento. Aí foi uma fase que se caracterizou pela resistência às
forças de repressão e pelo estudo do marxismo como apoio teórico da ação desenvolvida.
Althusser, Lucaks, e Gramsci eram os autores a quem mais recorriam os educadores ou os
encarregados da formação de quadros. Sem esquecer, evidentemente, a influência que teve
Mao Tse Tung e a experiência chinesa sobre determinados grupos.
Somente a partir da segunda metade dos anos 7017 é que começou a ser analisada
criticamente a acumulação que as iniciativas de educação popular se fizeram ao longo
desse percurso histórico/político/pedagógico. Falamos de uma exploração mais abrangente
e que não se ateve, somente, à reserva imediata de instrumentos teóricos/práticos - de
mobilização, organização e ações mais especificamente educativas - utilizados em função
do fortalecimento do poder de intervenção das camadas populares. Aliás, essa aliança dos
educadores com os grupos populares sempre foi clara e explícita em suas intenções mas
nunca chegou a ter (salvo raras exceções) muita consistência nem em seus fundamentos
nem em suas conseqüências, dado, possivelmente, o grau de ativismo que caracterizava as
intervenções.
A credibilidade que uma grande parte18 desses educadores emprestava ao seu
esquemático/simplificado suporte teórico, sobretudo os mais letrados, lhes tinha dado
margem a se relacionar com certa superioridade com os grupos populares, cujo estágio de
consciência política era considerado insuficientemente instrumentalizado para o inadiável
confronto de classes. Ao mesmo tempo, a vocação de serviço e dedicação aos mais pobres
(levando em conta aí que a maioria dos quadros de educação popular era recrutada nos
meios cristãos ou entre militantes de organizações marxistas) levava-os a dignificar
eticamente o tipo de intervenção e a valorizar o humilde e o simples quase que por
categorias religiosas.
A militância chamada salvacionista foi um resultado compreensível desse
casamento da utopia política com a construção do Reino. No entanto, foi por esse viés que
se inaugurou uma nova forma de compromisso social da educação com as populações
deserdadas do protecionismo estatal e restringidas, pelos mecanismos de expropriação do
sistema, no seu desempenho sócio-político.
17 Afora os trabalhos publicados por Paulo Freire, Carlos Brandão e Vanilda Paiva, os primeiros documentos de que temos
conhecimento nesse período foram produzidos pela equipe do NOVA:
Suplemento do CEI 17, abril/1977, Tempo e Presença, Rio de Janeiro, com artigos de Beatriz Costa, Pedro Garcia e Aída Bezerra; suplemento do CEI 22, outubro/1978, Tempo e Presença, Rio de Janeiro, com artigos de Pedro Garcia, Jorge Munhoz e Aída Bezerra. Ver, ainda produzidos pela equipe do NOVA, os artigos publicados na série Cadernos do CEDI: Cadernos do CEDI 1, s/data; Tempo e Presença; Cadernos do CEDI 2, s/data e Cadernos do CEDI 6, setembro/1980.
18 Aí nos incluímos.
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A CONCILIAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO HUMANA E A FORMAÇÃO ÉTICO-POLÍTICA PROFISSIONAL E A DEFESA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL: UM DEBATE NECESSÁRIO
Bruno José da Cruz Oliveira19
1- O processo histórico de construção do projeto ético-político
No início da década de 60 o Serviço Social iniciou o seu processo de diálogo com a
tradição marxista. Tal processo ocorreu no bojo do movimento de reconceituação
profissional, no qual os fundamentos teóricos, político-ideológicos e técnicos da profissão
passaram a ser profundamente questionados destacando-se a crítica à herança religiosa.
Esse movimento expressou-se por toda a América Latina impulsionado por uma
conjuntura marcada pela industrialização da região e pelo desenvolvimento de processos
políticos, econômicos e culturais anti-imperialistas e anti-capitalistas que ocorriam no
subcontinente.20
No Brasil o debate sobre o modelo de desenvolvimento econômico a ser adotado
movimentava diferentes setores da sociedade civil. A emergência de movimentos sociais
contestatórios aos fundamentos aristocrático-liberais da ordem social contribuiu para a
polarização da sociedade brasileira entre diferentes projetos de desenvolvimento
nacional.21
O Golpe Civil-Militar ocorrido em 1º de abril de 1964, que depôs o Presidente João
Goulart, desencadeou a suspensão das frágeis “liberdades democráticas” existentes.
Iniciou-se, com esse acontecimento, um período de intensa repressão policial-militar aos
setores da sociedade civil que questionavam o modelo de desenvolvimento associado ao
capital estrangeiro e hegemonizado por esse último.
Com a desarticulação das organizações populares e a intervenção política nas
Universidades, a influência do pensamento marxista no interior da categoria dos
19 Assistente Social, Mestrando em Serviço Social pela Escola de Serviço Social da UFRJ.
20 Ressaltamos que o processo de contestação da ordem desenvolvido na América Latina era portador de particularidades regionais que refletia em diferentes níveis de organização política dos trabalhadores e demais setores subalternizados pelo “Capitalismo Tardio” que se desenvolvia no continente.
Destacam-se os projetos de desenvolvimento associado ao capital estrangeiro, defendido pela maior arte das elites e o projeto de desenvolvimento autônomo ou nacionalista, defendido pelos setores populares de esquerda e por uma incipiente burguesia nacional.
21 Destacam-se os projetos de desenvolvimento associado ao capital estrangeiro, defendo pela maior parte das elites e o projeto de desenvolvimento autônomo ou nacionalista, defendido pelos setores populares de esquerda e por uma incipiente burguesia nacional.
assistentes sociais é obstaculizada22. Nesse período, o pensamento estrutural-
funcionalista consolidou-se como a principal influência teórica no Serviço Social,
refutando a influência religiosa na profissão, buscando empreender um caráter científico
à prática profissional e à produção acadêmica. O viés tecnicista como objetivo
profissional, busca adaptar o indivíduo às necessidades de reprodução ideológica
resultantes do processo de industrialização/urbanização da sociedade brasileira,
norteando a prática profissional numa perspectiva que negava a dimensão
político-ideológica da profissão23.
1.1- A retomada do debate político-ideológico no Serviço Social.
Em meados da década de 1970 a crise econômica ocasionada pelo fim do “Milagre
Econômico”, comprometeu o poder de consumo da classe média, colaborando
decisivamente para o processo de desgaste político da ditadura militar. Paralelamente,
cresciam as manifestações de repúdio às violações dos Direitos Humanos e em defesa
da Anistia para os perseguidos pelo regime. Ao mesmo tempo inicia-se, nesse período, a
reorganização dos movimentos sociais protagonizados pelas classes sociais subalternas,
com destaque para o movimento dos trabalhadores metalúrgicos do ABC paulista.
Impulsionados pelas mobilizações promovidas por diversos setores da sociedade
civil em defesa da reinstalação das liberdades democráticas, setores da categoria
profissional identificados com o pensamento crítico-dialético ganham maior projeção. Os
primeiros sinais de rearticulação desta perspectiva foi a elaboração do Método Belo
Horizonte, ainda em 1975. Esse último lançava as diretrizes para uma intervenção crítica na
realidade, preconizando a intervenção “por fora” do aparelho de Estado, tendo como base
as concepções estruturalistas de Louis Althusser24.
A mudança na correlação de forças político-ideológicas entre os assistentes sociais
teve como símbolo o Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, ocorrido em 1979,
conhecido como “O Congresso da Virada”. Ao longo dos anos 80, afirma-se a hegemonia
marxista na produção acadêmica do Serviço Social25. No mesmo período, a categoria
22 Nesse momento, a aproximação do Serviço Social com a tradição marxista se deu a partir das elaborações
teóricas de autores identificados com o marxismo, não aprofundando o debate com as obras marxistas. Configurava-se um “marxismo sem Marx”.
23 Ver Netto (1990) 24 Pensador marxista formulador da teoria do “Aparelhos Ideológicos de Estado”, na qual afirma que o Estado
independente da sua formatação tem como principal função universalizar a visão da classe dominante através dos seus aparelhos ideológicos como a escola, os meios de comunicação estatais.
25 Destacam-se as formulações de teóricas de Marilda Iamamoto, José Paulo Netto, Vicente de Paula Faleiros e Aldaíza Sposatti
participa ativamente dos debates acerca da democratização da sociedade brasileira,
alinhando-se e identificando-se com os interesses imediatos e históricos da classe
trabalhadora. A mudança da perspectiva política-ideológica da profissão consolida-se em
1993 com o Código de Ética Profissional, cujos princípios fundamentam o Projeto Ético-
Político Profissional. São eles:
- Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas
a ela inerentes, autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
- Defesa, intransigente, dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do
autoritarismo;
- Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a
sociedade, com vistas a garantia dos direitos civis, sociais e políticos da classe
trabalhadora;
- Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida;
- Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure
universalidade e acesso a bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem
como sua gestão democrática;
- Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o
respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão
das diferenças;
- Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais
democráticas existentes e suas expressões teóricas e compromisso com o constante
aprimoramento intelectual;
- Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma
nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero;
- Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem
dos mesmos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores;
- Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o
Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar por questões de
inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e
condição física.” (Código de Ética Profissional, 2001)
2- O Projeto Ético-Político Profissional diante da ofensiva Neoliberal
A eleição de Fernando Collor de Mello marca o início da implementação do
neoliberalismo no Brasil. O discurso de modernização do país, simbolizado pela defesa
indiscriminada do mercado interno aos produtos importados e da redução dos gastos
públicos através das privatizações, principalmente do setor produtivo estatal, passou a ser
base de fundamentação das políticas econômicas adotadas no país, aliadas às
necessidades de transferência de recursos públicos para o pagamento dos juros e serviços
da dívida pública. Ressalta-se que, com a queda do Muro de Berlim, o pensamento
Neoliberal ganha o “status” de pensamento único, iniciando uma ofensiva política,
econômica e ideológica do capital abertamente contra
a cultura democrática e igualitária da época contemporânea,
caracterizada não só pela afirmação da igualdade civil e política para todos,
mas também pela busca da redução das desigualdades entre os indivíduos
no plano econômico e social, no âmbito de um objetivo mais amplo de
libertar a sociedade e seus membros da necessidade e do risco. (NUNES in:
Netto, 1992)
Nesse sentido, toda e qualquer proposta alternativa ao modelo neoliberal que tinha
como referência a regulação da atividade econômica pelo Estado passou a ser
desqualificada. A estabilidade econômica atingida com o Plano Real, baseada na
manutenção das taxas de juros e na redução do poder de consumo da população,
contribuiu para consolidar a hegemonia neoliberal.
Paralelamente, verifica-se igualmente um refluxo dos movimentos sociais urbanos
num quadro de contra-ofensiva ideológica do capital e de reestruturação produtiva
fragilizando, ainda mais, a incipiente construção de um processo de identidade/consciência
de classe que questionasse a ordem vigente. Tal fato certamente contribuiu para que
parcela significativa dos trabalhadores aderisse ao discurso dominante.
A eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, e a sua posterior reeleição
simbolizam o amplo consentimento social em torno das propostas neoliberais, embora
algumas categorias tenham vivido processos de enfrentamento a estas medidas 26. Nesse
período, o Brasil consolida a sua posição subalterna no processo de globalização,
inserindo-se nessa nova etapa do capitalismo como exportador de produtos agrícolas
primários à baixo custo.
No que diz respeito às estratégias de enfrentamento da “questão social”, o projeto
neoliberal lança mão de políticas focalizadas e compensatórias, baseadas numa ampla
“contra-reforma do Estado” (BEHRING, 1998). O paradigma da universalidade dos Direitos
Sociais que perpassou a Constituição de 1988 foi duramente atacado em nome da
austeridade fiscal. Tal estratégia se baseia na desresponsabilização do Estado com as 26 Destacaram-se nesse período as ocupações de terra empreendidas pelos trabalhadores rurais cujo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra foi a maior expressão, assim como, as greves dos trabalhadores do setor público.
políticas públicas, transferindo-a para a sociedade civil e para a iniciativa privada.
Conseqüentemente, multiplicam-se as organizações não governamentais (Ongs), bem
como as fundações empresariais de cunho filantrópico, essas últimas associadas ao
chamado “marketing social”27.
Na contramão desse processo, a produção acadêmica do Serviço Social brasileiro
consolida, ao longo dos anos 90, a sua perspectiva crítico-dialética referenciada na tradição
marxista. A vasta literatura produzida pelos intelectuais de referência para a categoria se
fundamenta numa dura crítica ao neoliberalismo, reafirmando a necessidade de
democratização da sociedade brasileira, na defesa das políticas sociais de caráter
universalista e na democratização da gestão dessas últimas. Porém as transformações
ocorridas no mundo do trabalho e a contra-reforma do Estado, ocorrida durante os anos 90,
colocam novos desafios para a formação dos assistentes sociais. Com a flexibilização das
relações trabalhistas em nome do aumento da taxa de lucros, a (relativa) autonomia
profissional passa a ser sistematicamente ameaçada. Paralelamente à precarização e a
focalização das políticas sociais, são reduzidos os recursos de intervenção nos espaços
nos quais se expressam a questão social, fato que também contribui para a reprodução de
uma prática profissional de caráter tecnocrático-assistencialista.
2.1- A formação humana e a defesa do Projeto ético- político profissional.
O Projeto ético-político profissional possui uma clara perspectiva político ideológica
alinhado à construção do processo de emancipação humana. É importante
compreendermos que os princípios que perpassam tal projeto foram construídos durante
mais de dois séculos de lutas sociais protagonizadas pelos trabalhadores e demais setores
subalternizados da sociedade capitalista. Nesse sentido podemos afirmar que a construção
do projeto ético-político profissional reflete o movimento teórico-político-ideológico realizado
pela categoria durante os anos 80 e 90, quando a mesma construiu a sua identificação com
a classe trabalhadora.
Todavia, esta não está imune à ofensiva ideológica neoliberal que promove uma
avassaladora capitalização social de valores e princípios identificados com o consumismo e
o individualismo hedonista. Segundo Silveira,
há portanto, no traçado das relações sociais, um processo de conformação e subsunção à lógico mercantil, de tal ordem que a direção intelectual e moral que esta sendo gestada, vai afetar as formas de sociabilidade
27 Não podemos, certamente, incorrer em generalizações acerca do papel das ONG’s na atual fase
do Capitalismo, uma vez que, muitas delas exercem uma importante função de assessoria aos movimentos sociais de esquerda.
existentes , produzindo marcas profundas nos sujeitos individuais e coletivos. (2003:2)
As mudanças ocorridas na sociedade brasileira, em conseqüência das contra-
reformas, colocam novos desafios para aqueles que defendem uma formação ético-política
profissional de caráter crítico, uma vez que, a construção “de uma maioria político-
profissional radicalmente democrática e progressista, (...). demanda trabalho de largo prazo
e conjuntura histórica favorável.” (NETTO, 1996)
Para tanto, se fez necessário investir na circulação de valores sintonizados com a
construção de uma nova organização societária. Segundo Silveira,
A adoção, portanto de uma outra perspectiva de conhecimento que interroga os fatos sociais e não os vê como algo dado, vai exigir, sobretudo do ponto de vista da formação humana, um movimento metodológico e político existencial, a interpelar sentimentos e razão, ao mesmo tempo em que vai se revelando um auxiliar precioso no inestimável e necessário movimento de síntese a ser realizado pelos sujeitos. (2003:4)
Objetiva-se assim, a formação de assistentes sociais que compreendam os
fenômenos do cotidiano como uma objetividade questionável, algo historicamente não
determinado.
A aproximação da categoria profissional com os movimentos sociais de
contestação à ordem, compreendendo esses últimos como “universais relativos” (Silveira,
2003), tanto no período de formação profissional quanto nos processos relativos à prática
profissional, apresenta-se como fundamental. Necessária também é a re-oxigenação dos
espaços coletivos da categoria, espaços esses que facilitam a troca de experiências, de
articulação e de reivindicação, revalorizando a perspectiva de contínua reconstrução
coletiva do projeto ético-político.
A efetivação de uma prática profissional politizadora do cotidiano, definitivamente
não será assegurada apenas pelo acúmulo teórico empreendido ao longo da formação
profissional. Portanto, necessário se torna o comprometimento entre profissionais “de
campo”, docentes e estudantes de Serviço Social, com uma formação de caráter
humanista, que implique na construção de novos sujeitos político-profissionais, capazes de
fundamentar a sua intervenção na realidade a partir da apreensão do movimento histórico
construído pela humanidade e no compromisso com a construção de uma nova
organização societária.
BIBLIOGRAFIA
ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002.
BEHRING, Elaine. Política Social no Capitalismo Tardio. São Paulo: Cortez, 1998.
GUERRA, Yolanda e Montaño, Carlos (orgs). Serviço Social Críctico. Biblioteca Latino
Americana de Serviço Social. São Paulo: Cortez,2002.
IASI, Mauro. O Processo de Consciência. São Paulo: CPO, 2002.
NETTO, José Paulo. Crise do Socialismo e Ofensiva Neoliberal. São Paulo: Cortez, 1992.
______. Ditadura e Serviço Social: Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1990.
______ Transformações societárias e Serviço Social: notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil. Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, 1996.
SILVEIRA, Maria Lídia Souza. “Categorias emancipatórias e sua afetação nos sujeitos
profissionais: a saudável tensão entre Formação Humana e Formação Profissional”. ENPESS, Porto Alegre, RS: 2003.
EDUCAÇÃO POPULAR, ESCOLA PÚBLICA E SERVIÇO SOCIAL- UM DIÁLOGO NECESSÁRIO
Eblin Farage28-
Toda leitura da palavra pressupõe uma leitura anterior do mundo, e toda leitura da palavra implica a volta sobre a leitura do mundo, de tal maneira que “ ler o mundo” e “ ler palavra” se constituam um movimento em que não há ruptura, em que você vai e volta. E “ ler mundo” e ‘ler palavra’ , no fundo, para mim, implicam “ reescrever” o mundo” .(FREIRE, P.,1999, p.15)
INTRODUÇÃO Ao longo dos tempos a educação, assim como a instituição escolar, vem
assumindo diferentes papéis e funções na formação dos indivíduos. As diferenças,
avanços, retrocessos e desafios são impulsionados pelo momento histórico, social e
econômico da sociedade, ou seja, a educação e a escola assumem papel e função
diferenciados de acordo com as orientações do Estado e o movimento da própria sociedade
e de seus sujeitos.
Em todos os momentos históricos da sociedade moderna, foi atribuído à educação
e à instituição escolar, a função de contribuir para a “emancipação” dos indivíduos,
independente de sua classe social, religião ou raça.
Para a teoria liberal, a educação e a instituição escolar não deveriam estar à
serviço de nenhuma classe social, mas sim dos indivíduos, do “homem total, liberado e
pleno” (CUNHA,1985:34). Porém sabemos o quanto o pensamento educacional brasileiro,
seguindo as orientações do pensamento educacional e político do mundo capitalista, pouco
fez para a emancipação dos homens, nem como indivíduos e muito menos como sujeitos
coletivos e históricos.
As diversas teorias da educação que têm origem no pensamento liberal do século
XVIII vêm tentando atribuir à educação e, em especial, à instituição escolar, um papel de
detentora exclusiva das possibilidades de reconstrução social, ascensão e emancipação
política para que se efetivem mudanças significativas na sociedade. Com isso,
desconsidera-se o caráter eminentemente ideológico da educação, dado pelo
direcionamento do Estado, burguês, altamente excludente e classista.
É sobre a orientação deste Estado que a educação no Brasil passa por diferentes
fases de constituição, ora com o objetivo de diminuir o analfabetismo e aumentar a
escolarização da força de trabalho, ora pela necessidade de maior qualificação profissional
28 Assistente social; mestranda em serviço social pela UFRJ.
dos trabalhadores em função do atendimento às demandas do mercado, gerando um
grande investimento na difusão do ensino fundamental através da ampliação de sua rede
de atendimento.
Segundo Neves:
[...] nos anos 1990, impulsionado por motivações distintas, o projeto neoliberal de
educação propôs como objetivo e vem executando, com relativo sucesso, o alargamento na base do
sistema educacional brasileiro, mais precisamente do ensino fundamental. (2002, p.163)
Assim, desenvolvendo-se a partir da demanda do mercado e das orientações do
Estado Brasileiro (sob as amarras da ditadura ou da “democracia”), muito pouco a
educação teve de “leitura de mundo”. Nas décadas passadas ainda se constatava a
existência da “leitura da palavra”, o que se torna cada vez mais escasso nas atuais escolas
públicas como demonstram as diferentes pesquisas realizadas e os dados dos órgãos
oficiais.
Paralelamente às reflexões e implementações educacionais realizadas pelos
governos, desenvolve-se uma nova concepção de educação, que ganha espaço na década
de 60 a partir dos escritos do educador Paulo Freire. A Educação popular como ficou
conhecida essa nova proposta de educação, que privilegia a realidade, a construção
coletiva e a formação de sujeitos históricos críticos e comprometidos com a transformação
da sociedade, se desenvolveu a partir de movimentos sociais e da iniciativa de setores
médios vinculados a segmentos da Igreja Católica e comprometidos com as classes
subalternas.
ESCOLA PÚBLICA E EDUCAÇÃO POPULAR – UM DIÁLOGO POSSÍVEL
Segundo Carlos Rodrigues Brandão (2002, p.142), “com ou sem o símbolo deste
nome sonoro: educação popular é o justo reconhecermos que existe entre nós toda uma
trajetória de idéias, de ideários e de projetos a respeito de um tipo de trabalho de
educadores que nos autoriza pensar em uma tradição cultural própria na educação”. Sua
formulação parece sugerir a presença de algumas experiências de educação popular,
anteriores à década de 60.
Porém, mesmo se considerando que desde o início do século XX já eram
desenvolvidas experiências que tinham como princípios norteadores o que mais tarde
convencionou-se chamar de educação popular, foi só na década de 60 que, de forma
sistematizada, esta aparece com alguma consistência teórica.
A educação popular ganha destaque a partir da significação e proliferação do termo
no início da década de 60, como fruto da iniciativa de movimentos progressistas e também
por iniciativa do Estado, que apropriando-se do termo de forma populista, realiza iniciativas
como o MEB (Movimento de Educação de Base). Vale, no entanto, registrar que as
concepções norteadoras das diferentes experiências de educação popular tinham
conotações políticas distintas, pois se para o Estado a educação popular era vista como
uma forma de responder a distintas demandas do capital, por uma força de trabalho mais
qualificada, para os movimentos progressistas esta tinha relevância no sentido de uma uma
forma possível de contribuição no desenvolvimento da consciência das classes subalternas.
Nesta direção,
A educação popular por nós entendida é necessariamente uma educação de classe. Uma educação comprometida com os segmentos populares da sociedade cujo objetivo maior deve ser o de contribuir para a elevação da sua consciência crítica, do reconhecimento da sua condição de classe e das potencialidades transformadoras inerentes a essa condição. (VALE,1992, p. 57)
Apesar das diferentes leituras sobre educação popular, o eixo hegemônico a
nortear grande parte das experiências tinha como objetivo principal, possibilitar às
camadas subalternas, da cidade ou do campo, o acesso ao direito básico da educação.
Uma educação não pautada apenas no aprendizado das letras, mas essencialmente na
leitura do mundo, condição de superação do senso comum e forma de possibilitar a
crítica à organização social existente, apontando para uma perspectiva de sua
transformação.
Entre tantas experiências de alfabetização de adultos, cine-clubes, rádios
comunitárias, jornais de bairro e de fábrica, grupos jovens e tantas outras experiências
das décadas de 60, 70 e início de 80, que tinham como eixo central a educação popular,
pouco se percebe hoje dessas experiências na educação das classes subalternas. Tanto
no que se refere à dimensão técnica quanto á própria política da educação, seja formal
ou informal.
Apesar de o ensino fundamental no Brasil ter aumentado sua abrangência nas
últimas décadas, continua muito aquém das necessidades sociais. Parece existir uma
unanimidade no sentido de que esse aumento e sua cobertura se deram em detrimento da
qualidade do ensino. "Além de alfabetizar menos, o Brasil alfabetizou com pior qualidade do
que a maioria dos países do mundo. Quanto mais ofereceu educação às massas, mais
deteriorou a sua qualidade" (Carta Capital nº 261, de 2003, p. 30). A mesma reportagem
noticia um estudo sobre educação efetuado pela Unesco em 41 países, no qual o Brasil
ficou em 37º lugar no que tange à leitura. O estudo detectou que 50% dos escolares
brasileiros são analfabetos funcionais, ou seja, conseguem ler palavras em anúncios e
capas de revistas e sabem assinar o próprio nome, mas não compreendem o texto com o
qual têm contato.
As estatísticas de reprovação no município do Rio de Janeiro para o ensino
fundamental no período 1975-86, aumentou em todas as sérias exceto na primeira,
denotando a deterioração crescente da qualidade do ensino. Além disso, há um padrão que
se repete em todas as séries, fornecendo indicações dos principais problemas. A maior
reprovação ocorre na primeira série, certamente relacionada com o processo de
alfabetização. Daí até a quarta série há uma tendência decrescente. Na quinta série a taxa
de reprovação volta a aumentar, indicando a dificuldade de adaptação ao novo sistema de
ensino: o professor não é mais a 'Tia', e os conteúdos são fragmentados em matérias. A
taxa de reprovação na oitava série é pequena em ralação às demais, mas isso apenas
denota que o estrago (a evasão) já foi feito.
Segundo dados do Inep/MEC-2001, no Brasil, de cada 100 alunos que ingressaram
na primeira série do ensino fundamental, 59 concluem a 8ª série e os outros 41 param de
estudar no meio do caminho.
De acordo com o levantamento do Inep, grande parte dos estudantes brasileiros está em atraso escolar. No ensino fundamental, 39% dos alunos têm idade superior à adequada para a série que cursam. No ensino médio, esse índice é de 53%. De acordo com o estudo, isso é conseqüência das elevadas taxas de repetência. Com isso, esses estudantes têm desempenho inferior aos alunos que estão em séries próprias à idade. (ÉPOCA, on-line, 2003).
É nesse contexto de extremo abandono da educação por parte do poder público,
que emerge a reflexão sobre o modelo de educação que desejamos, a função da escola
pública e o processo de formação da consciência das classes subalternas.
A escola pode contribuir para que os sujeitos formados por ela, tenham acesso ao
conhecimento, a novos valores e a construção de uma nova racionalidade. A educação
aliada `a ação e a processos organizativos podem contribuir para a desmistificação do que
é meramente aparente no real, na construção de uma consciência coletiva crítica, com
capacidade de resgate da esperança, do sonho e da utopia. E nesse sentido pode
impulsionar os sujeitos para a construção de uma outra sociedade marcada pela
perspectiva das classes subalternas.
Portanto, é no interior do processo de acumulação de forças e da atualidade da luta
de classe, que a educação pode se colocar como elemento necessário à elaboração de
princípios essenciais a uma consciência de classe, através da ampliação da leitura de
mundo das classes subalternas. “A capacidade que uma classe fundamental tenha de
construir sua hegemonia, decorre da sua possibilidade de elaborar sua visão de mundo
própria, autônoma” (DIAS, 1996, p.10)
Nessa direção, como afirma Brandão,
A educação popular foi e prossegue sendo a seqüência de idéias e de propostas de um estilo de educação em que tais vínculos são re-estabelecidos em diferentes momentos da história, tendo como foco de sua vocação um compromisso de ida-e-volta nas relações pedagógicas de teor político realizadas através de um trabalho cultural estendido a sujeitos das classes populares compreendidos não como beneficiários tardios de um ‘serviço’, mas como protagonista emergente de um ‘processo’. (2002, p.142).
O caráter educativo, formativo, democrático e político da escola pública, deve ser
resgatado na tentativa de se re-significar esse espaço, na busca de obter um equilíbrio
entre “o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente,
industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual” (GRAMSCI,
2001:118).
A recriação do espaço da escola pública é ponto fundamental para a construção de
um novo saber, pois como afirma Garcia, “não há espaços para (o trabalhador) pensar. E
isso por duas razões: a) pelo tempo consumido na luta pela sobrevivência; b) pela
‘programação’ ideológica.” (1984, p.94).
Nesse sentido, a reconstrução do espaço da escola pública a partir de uma nova
perspectiva é fundamental para que se aglutinem condições para a formação dos sujeitos
(crianças, jovens e adultos), num quadro de novos valores, de uma nova solidariedade, de
uma nova cultura e de novos princípios que possibilitem a construção de uma nova ordem
social e de uma nova hegemonia. Nesse caminho o trabalho é duplo, pois pressupõe a
desconstrução dos valores e princípios constitutivos da ordem capitalista e a possibilidade
de constituição de outros, destes distintos. Esse processo de desconstrução do velho e
construção do novo se dá de forma concomitante, pois o novo necessariamente se gesta a
partir da presença ativa do velho.
A história se faz na medida em que se faz o possível de hoje e se ousa possibilitar hoje o impossível de hoje. Só na medida em que eu ouso viabilizar hoje o impossível de hoje eu sou capaz de viabilizá-lo amanhã. (FREIRE, 1987 apud Vale).
Com o resgate da história e da identidade de classe, a partir de uma nova forma de
desenvolvimento da educação, é possível buscar a construção de uma nova cultura e de
uma nova racionalidade das classes subalternizadas, que se oponha à opressão do capital.
A observação de Jará nos reforça esta sentido ao ressaltar que
Deixou-se de ver o processo de tomada de consciência como um processo prévio ao desenvolvimento de ações conscientes e organizadas. Passa-se a colocar o processo educativo como uma dimensão necessária da atividade organizativa das classes populares que lhes permite a participação consciente como sujeitos na construção da história. (JARA, 1985:05)
O diálogo entre a escola pública e educação popular só será possível na medida
em que se realize um movimento de reinvenção do espaço escolar, resignificação de sua
importância, valorização de seu papel para as classes subalternas. E para que essas
classes percebam a sua importância é preciso que a escola faça sentido na vida real, tenha
um papel de impulsionar os indivíduos, fazê-los sujeitos criadores e pensantes, construindo
o conhecimento a partir da realidade dos subalternos, da sua cultura e de suas
necessidades.
O SERVIÇO SOCIAL E A EDUCAÇÃO
No processo de repensar a escola pública destinada às classes subalternas, se faz
necessário não só repensar conteúdos, a formação dos professores, as estratégias
pedagógicas e metodológicas de ensino, o seu significado, mas é essencial que se repense
a composição desse espaço.
A escola é um dos poucos espaços marcados historicamente pela predominância
de um único profissional, o professor. Porém ao pensarmos a escola do século XXI e nas
diversas expressões da questão social que estão presentes na sociedade e que têm reflexo
nas escolas, necessário se faz à integração de outros profissionais na composição desse
espaço, a atuar no desvendamento e complexidade das formas diversas nas quais a
questão social vem se expressando nestes espaços.
Assim, a escola dos espaços populares de hoje, gerada no seio do capitalismo, se
constitui como um ponto fundamental das expressões da questão social. Nesse sentido
aparece não como um aparelho ideológico do Estado, como afirmou Althusser, mas como
um espaço de aparente vazio ideológico, que reflete o lado mais perverso da ideologia
capitalista, o do descarte de parcelas significativas da população que não estão incluídas
no sistema e que possivelmente nunca estarão.
Para os milhões de jovens de classes populares, cada vez mais a escola perde o
sentido, face a inexistência de acolhida real, seja no seu espaço imediato de transmissão
de informação, educação e formação, seja no âmbito do mercado de trabalho.
Penso ser no âmbito da questão social que se coloca o desafio de atuação do
assistente social na educação, especificamente no espaço escolar. Neste momento em que
se tende a incorporar uma profunda desesperança, a se internalizar crise de paradigmas e
a se acatar o individualismo generalizado, permanece o desafio de recuperação de um
protagonismo real dos subalternos, numa perspectiva de formação integral. Como afirma
Nosela (1993:99), “uma educação unilateral, no sentido de um humanismo pleno e
moderno”, ou ainda como afirma Gramsci (2001, p.136), no sentido de fazer do trabalhador
“uma pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige”.
A partir da elaboração de um projeto profissional ético-político, evidencia-se o
compromisso profissional com as classes subalternas e com a construção de possibilidades
de organização coletiva e superação da condição de subalternidade, que passam
necessariamente pela educação e pelo espaço escolar.
Ao assumir o compromisso ético-político de construção de uma nova sociabilidade,
penso que o assistente social pode utilizar seus espaços de atuação profissional, na
qualidade de espaço conformador de valores e questionamentos que podem confluir na
construção de uma nova ordem, componente de uma nova hegemonia29.
Nessa perspectiva é que se pode compreender a presença de uma opção de
classe, explicativa da efetiva aproximação e compromisso com demandas inerentes das
classes subalternas. No interior desta intencionalidade se pode igualmente perceber a
presença do assistente social como formador/educador.
Essa concepção é básica para tornar possível que o Assistente Social faça uma opção teórico-prática por um projeto coletivo de sociedade e supere as ilusões de um fazer profissional que paire ‘acima’ da história. (IAMAMOTO,1994, p.37)
Esta perspectiva conforma no discurso e na prática profissional, a luta pela garantia
dos direitos das classes subalternas, visando à inclusão das maiorias excluídas e
marginalizadas na luta pela conquista de um outro tipo de cidadania.
A escola pública, em especial a presente nos espaços populares, pode se colocar
como espaço privilegiado de possibilidade de difusão de um campo contra-ideológico,
através da construção de novos valores e novas práticas junto aos sujeitos (crianças,
jovens e adultos), que dela participam. A conformação de novos sujeitos, ou no dizer de
Gramsci, formação do novo homem e da nova mulher, que impulsione uma nova ordem 29 Segundo o conceito Granmisciano, uma Nova Hegemonia é necessariamente a perspectiva de construção de uma nova
sociedade, que se oponha ao capitalismo, a exploração das classes subalternizadas e ponha fim às diferenças de classe.
social, uma nova hegemonia, se coloca como desafio para todos os profissionais da
educação.
Como Gramsci, entendemos que a “hegemonia” passa necessariamente pela educação enquanto instância de instrumentalização e de elevação da consciência crítica da classe subalterna. (VALE, 1992, p.100)
Os assistentes sociais ao assumirem novas práticas profissionais, assumem um
papel eminentemente político, como formador/educador junto às classes trabalhadoras,
contribuindo na desconstrução do imaginário social fortemente impregnado pela ideologia
dominante, em especial na última década pela ideologia neoliberal, que acirrou o processo
de subalternização dos trabalhadores.
Outra fase da inserção profissional como formador/educador junto as classes
populares, se refere à perspectiva da educação popular, na qual se torna exigência a
construção de uma consciência de classe, numa dimensão libertadora e desalienante.
Como afirmou Paulo Freire (1992:09), a prática progressista e libertadora, deverá
sempre assumir uma dimensão desveladora, que privilegie a desocultação da verdade e do
aparente.
A escola como um “novo” campo de atuação do assistente social, no qual não se
tem exclusividade, exige além de muita esperança, sonho e coragem, qualificação teórico-
prático-técnica, pois como afirma Iamamoto (1998:20), “um dos maiores desafios que o
assistente social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e
construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir
de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só
executivo”.(Iamamoto,1998:20)
O que vai requerer do assistente social o rompimento com uma trajetória
profissional, focalista e endógena, que limita o fazer profissional a dar respostas às
demandas imediatas e cotidianas das classes subalternas, não impulsionando uma ação
mais propositiva, como a formulação e gestão das políticas públicas, contribuindo, como
afirma Iamamoto (1998, p. 24), “para a construção de uma contra-hegemonia no bojo das
relações entre as classes”.
BIBIOGRAFIA:
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VALE, Ana Maria do. Educação Popular na Escola Pública. São Paulo: Ed. Cortez, 1992.
A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA DO EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. Emilio Gennari30
Diante do levante armado de 1º de janeiro de 1994, não foram poucas as pessoas
que permaneceram incrédulas acreditando se tratar de um raio num céu azul. Mas o que
vinha a público como Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) já tinha 10 anos de
vida clandestina entre as comunidades indígenas do estado de Chiapas, no sudeste
mexicano.
Sua origem remota pode ser reconstruída a partir da geração que lidera os
protestos do final da década de 60 e que, em 02 de outubro de 1968, tem no massacre da
Praça das Três Cultura na cidade de Tlatelolco um momento de profunda derrota. Depois
deste acontecimento, parte da militância se integra ao sistema, outra vai gerar as condições
para criar novos partidos políticos que atuarão no âmbito institucional, outra ainda se insere
nos movimentos populares e camponeses ou vai dar origem a grupos de guerrilha urbana.
Em 17 de novembro de 1983, um grupo de 6 pessoas oriundas deste últimos
grupos chega em Chiapas com a perspectiva de aprender a viver na selva e um dia, quem
sabe, dar início a uma revolução. Vinte e um anos depois, a identidade indígena do EZLN
presente tanto em suas organizações clandestinas como em sua face legal e visível dos
Municípios Autônomos em Rebeldia e das atuais Juntas de Bom Governo, é fruto de um
longo processo de interação e educação recíproca entre o grupo rebelde e as comunidades
indígenas da região.
Para melhor entender cada elemento deste longo caminhar vamos dividir em 4
etapas o percurso trilhado pelo EZLN.
A primeira dela abrange os primeiros dez anos de trabalho clandestino entre as
comunidades. Os primeiros contatos que estabelecem entre os indígenas e o grupo
guerrilheiro têm como característica central um processo de troca. Os guerrilheiros ensinam
aos indígenas as técnicas militares que lhes permitem se defender melhor das ações dos
jagunços a serviço dos fazendeiros e os indígenas se encarregam de garantir os
suprimentos do grupo de guerrilheiros que permanece escondido na selva.
Para não serem vistos e não despertar desconfianças, as movimentações dos
integrantes do EZLN são realizadas de noite e através dos mais variados disfarces. Os
contatos com os povoados ocorrem através de pessoas nas quais é possível confiar. Serão
30 Núcleo de Educação Popular 13 de Maio.
elas a fazer a ponte com o povoado e a proporcionar a progressiva inserção dos
guerrilheiros nas comunidades indígenas.
Este movimento dá origem a dois processos educativos que se interpenetram. De
um lado, o grupo guerrilheiro passa a conhecer melhor os ritmos do povo, conhece a
profundidade da vida coletiva que é quotidianamente levada adiante no interior das
comunidades onde a propriedade coletiva da terra, as decisões tomadas por consenso em
assembléia, a forma de praticar a justiça e de assumir as tarefas coletivas revela que o ser
indígena não é fruto de um acidente histórico, mas implica em assumir diariamente a
responsabilidade pelo outro. Diante deste quadro, tanto o processo de treinamento militar
como o de formação política a ser desenvolvido no interior das comunidades têm que
aprender a dialogar com esta identidade cultural e com as formas de resistência que foram
sendo construídas ao longo de séculos de luta pela terra.
Do outro, as comunidades indígenas começam a abrir os horizontes de sua própria
ação e, neles, começa a ganhar destaque o papel das mulheres que, de uma situação de
absoluta submissão, passam a ganhar novas responsabilidades no interior dos povoados e
das forças insurgentes que estão se formando. Através de fatos e palavras, a inserção do
EZLN nas comunidades permite avaliar os limites das formas de luta já existentes, perceber
a diferença de interesses e estratégias dos partidos e demais organizações políticas,
desvendar os mecanismos de dominação das elites, ampliar o número de pessoas com
treinamento militar, formar lideranças e aprender a tomar decisões estratégicas diante da
evolução dos acontecimentos.
É neste processo que, no início de 2002, as comunidades começam a discutir a
necessidade do levante armado. O fato determinante que vai dar origem a todo esse
processo é a aprovação, em fevereiro de 2002, da reforma ao artigo 27 da constituição
mexicana pela qual as terras das comunidades indígenas podem ser vendidas ou
entregues à iniciativa privada. E como em Chiapas estas terras escondem um subsolo rico
em petróleo e urânio e abrigam bosques com uma riquíssima biodiversidade, a notícia da
aprovação da reforma constitucional, condição para o México integrar o NAFTA, soa como
uma sentença de morte e detona um amplo processo de consulta em todas as
comunidades zapatistas. Serão os indígenas, e não o comando militar, a optar pelo levante
armado.
A segunda etapa desenvolve-se a partir de um acontecimento inesperado que vai
influenciar o futuro do EZLN. No dia 12 de janeiro de 1994, quando a dura repressão do
exército mexicano começa a tomar conta das cidades e das regiões de selva do estado de
Chiapas, a sociedade civil realiza uma manifestação na capital do país da qual participam
centenas de milhares de pessoas que reivindicam do governo e dos zapatistas uma saída
pacífica para o conflito. Inicia aqui um longo caminho de diálogo, encontros e desencontros
dos zapatistas com a própria sociedade civil.
Por sua vez, o diálogo com o governo e com a sociedade civil impõe novas
necessidades tanto ao EZLN, como à sociedade civil. Nos vários momentos de contato e de
consulta, os zapatistas começam a desenvolver uma linguagem pela qual querem “falar ao
coração as idéias que se destinam à cabeça”. Longe dos sentimentalismo, a idéia é a de
fazer com que a luta em Chiapas possa vir a ser compreendida pelas pessoas mais
simples. Ao longo de todos os momentos de contato e de consulta, o EZLN mantém a
iniciativa política, fala, ouve, questiona, testa a disposição de luta e as forças reais com as
quais a sociedade civil se compromete a ajudar a construir uma saída pacífica para o
conflito.
Para isso, os zapatistas não vão falar a partir de uma promessa de melhoria das
condições de vida projetada para um futuro distante, mas sim das relações concretas que
se desenvolvem no interior das comunidades em resistência. É o fato que passa a dar
sustentação à palavra tornando-a compreensível até para quem mora em outros
continentes. Partindo da constatação que a política foi seqüestrada da vida das pessoas, o
EZLN pretende começar a construir com a sociedade civil uma nova forma de fazer política
a partir de baixo. Nela, o cidadão eleitor não é alijado das escolhas que vão delinear o
futuro do país logo após depositar o seu voto na urna, mas deve ser envolvido a participar
ativamente das decisões que vão determinar esse futuro.
Nesse contexto, o Subcomandante Marcos, com suas cartas, escritos e
comunicados, vai servir de janela para que o México conheça o mundo indígena e a luta
zapatista e os indígenas chiapanecos tenham melhor condições de se aproximar e se fazer
conhecer pela sociedade civil.
Grosso modo, podemos dizer que a terceira etapa desse processo educativo que
envolve o EZLN, a sociedade civil e as próprias comunidades zapatistas, inicia com a
construção dos Municípios Autônomos em Rebeldia que se dá a partir de dezembro de
1994.
Diante das necessidades impostas pela guerra e pelo diálogo com a sociedade
civil, os municípios autônomos passam a reunir comunidades zapatistas de uma
determinada região sem respeitar as demarcações territoriais oficiais. Além de recusar
qualquer tipo de ajuda que venha dos órgãos governamentais, passam a desenvolver e a
funcionar com leis próprias e a ampliar as decisões coletivas que dizem respeito à produção
da vida em sociedade. Da produção à saúde, das formas de resistência contra as
agressões/provocações do exército e dos grupos paramilitares às rotineiras atividades de
vigilância, da educação à garantia dos suprimentos para o grupo que se mantém como
exército permanente, dos serviços de “correio” insurgente para fazer chegar nas cidades os
comunicados que saem da selva à aplicação da justiça de acordo com os usos e costumes
de cada etnia, tudo passa a ser desenvolvido, pensado e decidido no interior dos
municípios autônomos.
Além das autoridades locais, cada comunidade zapatista passa a eleger
representantes municipais que, por sua vez, escolhem delegados de área, de etnia e,
finalmente, os companheiros e companheiras que irão integrar o Comitê Clandestino
Revolucionário Indígena que é o Comando Geral do EZLN. Nenhuma destas autoridade
recebe salário, mas tão somente o valor dos gastos realizados quando da prestação de
algum serviço à comunidade, sendo que esta ajuda seus representantes trabalhando em
seus roçados toda vez que a necessidade força-os a se ausentarem do trabalho por um
tempo prolongado. O mandato dos delegados nas várias instâncias de representação pode
ser revogado a qualquer momento uma vez constatado que a pessoa eleita não cumpre as
decisões coletivamente assumidas pela comunidade.
É com esta estrutura que os zapatistas vão enfrentar as múltiplas faces da guerra
de contra-insurreição levada adiante pelo governo mexicano e buscam aprofundar seus
contatos com a sociedade civil.
Neste processo de aprimoramento e diante da necessidade um desenvolvimento
equilibrado das comunidades e municípios mais distantes e menos conhecidos pela
sociedade civil, entre julho e agosto de 2003, os zapatistas criam as Juntas de Bom
Governo através das quais vão tentar costurar uma plataforma de lutas comuns com os
demais movimentos que atuam no México.
Reunindo representantes dos municípios autônomos de uma determinada região,
os integrantes das Juntas são substituídos a cada 15 dias. Isso faz com que um número
significativo de pessoas passem pela experiência de governar de forma autônoma. Por
limitada que possa parecer, esta experiência de governo constitui um forte momento
educativo pelo qual os representantes eleitos vivenciam na prática que a responsabilidade
de governo não é algo que só pode ser assumido por especialistas, mas sim pode, e deve,
contar com o compromisso e o aprendizado de todos.
O quarto e último momento, diz respeito ao esforço que os zapatistas vêm fazendo
para construir escolas e um programa de estudos próprio nas comunidades. Passados
quase onze anos do levante de janeiro de 1994, o ensino primário começa a ser uma
realidade na maior parte das comunidades em resistência. Onde antes da guerra havia o
total abandono por parte do Estado, os indígenas zapatistas, com o apoio da sociedade
civil, estão construindo possibilidades de vencer o analfabetismo e resgatar com as novas
gerações a experiência e a sabedoria do passado rumo a uma vida melhor para todos.
Além disso, começam a ganhar forma dois centros de educação secundária
encarregados de formar os promotores de educação que, em seguida, irão ensinar nas
comunidades. Aprende-se não para abandonar a resistência e, muito menos, a condição e
a identidade indígenas, mas sim para devolver em serviços à comunidade de origem o
esforço que esta realizou para garantir a formação escolar e o sustento dos próprios alunos.
Das poucas informações acessíveis, sabemos que o currículo incorpora o saber
acumulado ao longo de séculos de luta e resistência. O estudo do espanhol, fundamental
para que as etnias possam se comunicar entre si e com o mundo externo, e da língua local
passam pelo resgate histórico tanto da vida dos antigos povos maia, do processo de
colonização e exploração dos povos indígenas, da revolução mexicana, dos movimentos
que se desenvolveram ao longo das últimas décadas e do sistema político mexicano, como
pelos acontecimentos que levaram ao levante zapatista de 1994 e que acompanharam as
comunidades até os dias atuais.
Nos povoados zapatistas onde os adolescentes participam de tudo a partir dos 12
anos de idade, o resgate da história com as novas gerações não tem a mera preocupação
de recuperar um passado desconhecido, mas de prepará-las cada vez mais para enfrentar
o presente e o futuro da luta em Chiapas.
Em meio à guerra silenciosa que permeia e procura minar as conquistas zapatistas,
o EZLN continua se preparando para percorrer e dar vida ao longo e árduo caminho que vai
da dor à esperança.
EDUCAÇÃO POPULAR, ALGUMAS EXPERIÊNCIAS ATUAIS: NÚCLEO DE EDUCAÇÃO POPULAR 13 DE MAIO.
Emilio Gennari*31
O 13 de Maio tem esse nome não em homenagem à lei Áurea, mas sim para
registrar que sua criação iniciou exatamente no dia 13 de maio de 1982, quando um grupo
de militantes que integrava outro grupo de educação popular é demitido por defender a
necessidade de criar a Central Única dos Trabalhadores sem que para isso fosse
necessário esperar a adesão dos setores mais conservadores do movimento sindical.
Desde o início a entidade não se constitui como uma “escola de paredes”, ou seja
como um centro, uma estrutura física, mas sim como um grupo de formadores e
formadoras que vão até onde os grupos se encontram. Nos primeiros anos, as equipes do
núcleo vão se dedicar à organização de oposições sindicais, ao trabalho de base
propriamente dito e, neste envolvimento, dedicam-se à preparação e à realização de cursos
e demais atividades de formação.
Nascido no meio urbano e no intenso debate sindical que permeia a criação da
CUT, o 13 de Maio, ainda hoje, realiza cerca de 65% dos cursos que oferece junto ao
movimento sindical, sendo que outra grande prioridade do Núcleo, a partir do final da
década de 80, passa a ser a construção de um programa de formação de monitores. Após
dois anos de estudo e atividades coletivas, cada integrante está apto a monitorar quatro
cursos do programa e tem bagagem suficiente para começar a desenvolver atividades que
melhor se adaptem às características de sua região. Neste sentido, a preocupação do 13
de maio não é de manter vínculos orgânicos permanentes ou de dirigir as pessoas para
este ou aquele grupo de atuação política/partidária, mas, nos vários níveis de atividade que
são desenvolvidas, busca-se constantemente fornecer às pessoas instrumentos de análise
que permitam entender o presente e atuar como sujeitos da mudança.
Para ajudar a expor a lógica do nosso programa de formação, vou fazer um rápido
contraponto entre duas situações nas quais se desenvolve a preocupação com a educação
popular para as classes trabalhadoras.
Se dirigimos o nosso olhar ao final da década de 70, início da de 80, percebemos
que a maior parte das lideranças do movimento operário sindical estão inseridas no local de
trabalho e tende a haver um envolvimento direto dos trabalhadores e das trabalhadoras na
hora de pensar e planejar os caminhos da luta no interior das empresas. Os militantes e
ativistas, portanto, atuam diariamente na construção de uma identidade que, a partir da
31 Núcleo de Educação Popular 13 de Maio.
defesa intransigente dos direitos da classe, procura colocar em movimento o trabalhador
coletivo.
Para enfrentar esse desafio, além dos cuidados necessários para escapar da
repressão patronal e do próprio Estado, as lideranças presentes no local de trabalho têm a
necessidade imperiosa de entender os acontecimentos e projetar sua possível evolução,
pois desta compreensão vai depender sua capacidade de descobrir e ajudar os demais
colegas e visualizar os interesses de classe que neles se escondem e a inserir o momento
da luta no longo caminhar da classe rumo a uma sociedade da qual seja banida toda forma
de exploração.
Neste contexto, a própria formação profissional é entendida como um dos
caminhos para inserir militantes e ativistas naquelas empresas onde ainda não há
organizações de base e que seriam de grande importância para ampliar o alcance dos
enfrentamentos dentro e fora dos próprios locais de trabalho.
Fala-se pouco em formação, mas, por si só, este processo exige da militância uma
disciplina de leitura, de estudo, de aprofundamento como ferramenta indispensável para
entender e transformar o quotidiano. Ou seja, o processo de formação ocorre numa intensa
dinâmica prático-teórica capaz de dar sustentação ao trabalho de organização de base.
Quase 25 anos depois, a situação é bem diferente. A maior parte das novas e
antigas direções está no âmbito institucional ou ocupando cargos e desempenhando
funções que a afastam da quotidiana inserção e vivência da identidade coletiva que se
desenvolve nos locais de trabalho. Via de regra, a lógica da ação sindical não busca a
organização, mas sim a agitação rumo ao fortalecimento do próprio poder de representação
das direções.
O trabalhador coletivo deixa de ser sujeito e passa a ser objeto da ação. Quando
não é colocado na espera paciente de uma resposta as suas demandas, é chamado a
referendar o que, na prática, já foi decidido no âmbito da direção sindical.
Aos poucos, as relações que se desenvolvem neste processo tendem a emperrar o
caminho da luta, a institucionalizar e padronizar as ações da classe, tornando-as bem mais
vulneráveis e, sobretudo, a fortalecer a burocratização dos dirigentes que passam a ver seu
possível retorno ao local de trabalho como um castigo do qual é preciso fugir.
A formação teórica, quando acontece, costuma privilegiar os dirigentes. Para a
“base”, a máquina sindical oferece um confuso “tudo é formação” no qual, por trás da
suposta multiplicação das oportunidades de fazer avançar a consciência dos trabalhadores
e trabalhadoras, esconde-se a percepção clara de que a entrega dos instrumentos de
análise aos que “simpatizam” com a luta sindical é vista como um perigo para a própria
manutenção do cargo atualmente exercido. Uma base minimamente esclarecida costuma
querer intervir nas assembléias, criticar, questionar e pôr o dedo em algumas feridas cujo
dor pode desmascarar os verdadeiros objetivos e projetos dos que ocupam cargos de
direção.
Longe de ser vista como um problema, a ausência de militantes e quadros em
condições de se disputar as eleições sindicais é apontada como um fato consumado que
acaba candidatando novamente ao cargo os antigos dirigentes.
Nesse contexto, a formação profissional é vista como caminho para ter acesso a
verbas governamentais e de instituições privadas que trabalham neste sentido, ou como
forma para trazer gente pra dentro da máquina sindical cujos espaços andam vazios de
trabalhadores.
Pouco a pouco, a somatória destes fatores faz com que sejam as expressões mais
ou menos articuladas do senso comum a tomar conta dos discursos, dos relatos de
experiências e a se tornarem critério de análise da realidade. Pouco a pouco, as próprias
direções sindicais passam a usar os conceitos de produtividade, lucratividade e
competitividade para analisar sua postura e os enfrentamentos com as empresas e seu
discurso já não é tão diferente dos que são veiculados pelos departamentos de Recursos
Humanos. Desta forma, além de levar à perda de conquistas e seguidas derrotas dos
poucos movimentos que ainda ocupam a cena social, o projeto da classe se confunde cada
vez mais com o das elites.
Contrariamente ao que acontecia no passado, agora fala-se muito em formação, os
debates sobre as linhas pedagógicas se multiplicam, mas a falta de inserção e de
orientação classista, faz com que bem pouco disso tudo chegue ao trabalhador coletivo que
rala na empresa para, ao menos, fortalecer seu sentimento de dignidade e rebeldia e o
colocá-lo em movimento.
Neste contexto, o 13 de Maio continua se dispondo a ir onde o grupo está. Isso não
só permite reduzir as possibilidades de “turismo sindical” dos dirigentes, como aumenta
substancialmente as chances de que entre os participantes haja um número maior de
trabalhadores e trabalhadoras da base aos quais seria impossível participar das atividades
planejadas se as mesmas viessem a exigir um prolongado afastamento de seus lares. Por
sua vez, o programa de formação de formadores busca ir ainda mais ao encontro desta
preocupação na medida em que, com os monitores morando no local, aumentam as
chances de adaptação às necessidades objetivas da região.
Temos plena consciência de que a educação popular não faz milagres, mas
sabemos que os melhores resultados das atividades de formação são obtidos quando os
participantes não vêm apenas com a preocupação de “aprender mais” (como se estivessem
participando de um curso qualquer), mas estão aí porque, de alguma forma, já
experimentaram um sentimento de revolta diante da realidade. Ou seja, a alienação já
começou a ser questionada pelas perguntas que o quotidiano de exploração e resistência já
se encarregou de colocar na cabeça das pessoas. Não se trata de um pensamento
elaborado e coerente, mas de expressões que indicam a busca de resposta a perguntas
que incomodam a leitura da realidade herdada da família ou do grupo social com o qual o
trabalhador ou trabalhadora se relaciona (“Eu sempre achei que...mas vejo que isso não
está certo. Não sei bem o porquê... mas sei que não pode ser assim”).
É a este público que vem experimentando um sentimento de revolta, ainda confuso
e incoerente, que se dirigem os cursos do nosso programa. Neles desenvolvemos noções
básicas de economia política (produção do valor, mais-valia, exploração, acumulação, crise,
estado, ideologia etc.), trabalhamos os primeiros passos da questão de gênero, etnia e dos
instrumentos que permitem começar a se expressar em público, a não deixar de dizer a
própria palavra. Além disso, temos um curso para ensinar as dicas que permitem começar
a analisar a conjuntura, a planejar a ação sindical e os processos de negociação bem como
a organizar os trabalhadores em seus locais de trabalho. A estas atividades, deve-se
acrescentar o estudo das lutas da classe, tanto através de algumas das revoluções já
realizadas, como da história do movimento operário sindical no Brasil.
O primeiro passo de cada curso, independentemente do seu grau de complexidade
e duração, é o de resgatar a interpretação do quotidiano pelas palavras dos próprios
participantes. Este é o momento em que o senso comum é mapeado e incorporado para,
com o desenrolar das atividades, ser criticado pela visualização dos limites de sua
compreensão da realidade. Isso é possível na medida em que o desenvolvimento das
dinâmicas de cada roteiro oferece os elementos teóricos que permitem começar a
questioná-lo e superá-lo. Esta etapa não poderia ser realizada pelo simples resgate da
visão de mundo de cada participante na medida em que até mesmo os elementos de
resistência individual e coletiva diante da realidade estão submersos num mar onde o
conformismo e as regras sociais que justificam e permitem a manutenção da ordem ainda
revelam um grau de incorporação e coerência bem mais sólido e consistente do que as
expressões de rebeldia e de revolta dos próprios participantes.
O questionamento e a superação do senso comum só ensaiam os primeiros passos
quando as pessoas começam a se apropriar de critérios de análise que colocam o
quotidiano sob uma nova luz, aprofundam a compreensão das relações históricas e dos
interesses de classe que permeiam os acontecimentos. Ou seja, novas e mais amplas
perguntas acabam ocupando o lugar das que haviam sido suscitadas pelo sentimento de
revolta e às quais já foram dadas respostas mais consistentes.
Para que isso seja possível, a dinâmica de cada curso visa levar os participantes a
vivenciarem os conceitos que permitem questionar os limites do senso comum e a sentir-se
sujeitos da mudança a ser construída. Ou seja, tanto a recuperação dos elementos da
análise marxista, como das experiências e histórias de luta da classe, tornam-se, pouco a
pouco, as ferramentas básicas com as quais os participantes dos cursos podem começar a
ampliar os horizontes a partir dos quais pensam o dia-a-dia da mudança e a serem sujeitos
da mesma. Na pior das hipóteses, este processo permite que o mundo do trabalhador,
fechado no estreito quadrilátero formado por “família – trabalho – lazer – religião”, comece a
ver questionados os limites do próprio horizonte. Perceber que o mundo só é o que é
porque permanecemos como espectadores ou porque agimos numa determinada direção é
um passo essencial para quem se dispõe a lutar para colocar o seu humano e não o lucro
no centro das preocupações da vida em sociedade.
Em si, o programa de formação do 13 de Maio não substitui o processo prático
teórico anterior que levava a uma formação consistente das lideranças, mas, diante da
realidade do movimento, procura fornecer e ensinar a usar algumas ferramentas para que
esse possa continuar acontecendo.
SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO POPULAR: DIMENSÕES DE POSSÍVEIS
DIÁLOGOS32
Francine Helfreich Coutinho dos Santos33
A inserção do Serviço Social nas escolas públicas ainda é um grande desafio para
a categoria profissional. Hoje percebemos que a questão social rompe os muros das
escolas e invade as salas de aula, manifestando-se sob as mais diferentes roupagens, o
que nos leva a julgar ser relevante compreender como a educação, na qualidade de política
social, e a questão social dialogam enquanto partes constitutivas na discussão da inserção
de Assistentes Sociais nas Escolas Públicas.
Para dar conta desta reflexão trago a perspectiva teórica da Educação Popular -
muito difundida na década de 60, e que ao nosso ver, pode ser pertinente e relevante
enquanto desvelamento da realidade - para iluminar estes apontamentos.
A intenção de estudar a importância da escola no cotidiano das famílias das
classes populares, no caso o Complexo da Maré, decorre do processo de inserção em
campos diferenciados de atuação vivenciados em períodos distintos de minha trajetória
profissional: o CEASM - Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, mais
precisamente, o Programa de Criança Petrobrás e posteriormente, o Centro Municipal de
Assistência Social Integrado Anilva Dutra Mendes/ Secretaria Municipal de Assistência
Social, ambas instituições situadas no bairro Maré em que, apesar das diferenças
ideológicas, políticas e filosóficas, os eixos educação e família estão cotidianamente
presentes na prática profissional.
Iluminadas pelas reflexões de Antônio Gramsci e Paulo Freire sobre a Educação
Popular e a experiência profissional vivenciada, surgem uma série de inquietações sobre a
importância dada à educação pelas famílias das classes populares, mais precisamente das
famílias residentes em espaços urbanos, no caso, do Complexo da Maré.
O Complexo da Maré, considerado um dos maiores e mais populosos espaços
populares do Rio de Janeiro, dispõe-se geograficamente entre a Avenida Brasil e a Linha
Vermelha, à margem da Baía de Guanabara. Durante muitos anos, na Maré, existiram
palafitas, propiciando um contrastante considerável com o entorno, pelo fato de estar
razoavelmente próximo ao Aeroporto Internacional do Galeão e a Universidade Federal do
32 Texto apresentado a Banca Examinadora para a qualificação de projetos de dissertação da Pós Graduação Escola de
Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro para do titulo de Mestre. 33 Assistente Social da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, especialista em Gênero e Saúde/ UFF e mestranda em
Serviço Social/UFRJ
Rio de Janeiro. Considerada como um espaço globalmente miserável, violento e destituído
de condições dignas de vida, a Maré é considerada como uma localidade proletarizada,
com o predomínio das populações nordestina e negra em condições sócio-profissionais
subordinadas e com baixa escolaridade.
Constituinte da XXXª Região Administrativa, a Maré reúne cerca de cento e trinta e
dois mil habitantes, com uma média de 3.4 habitantes por domicílio34. Média esta que se
aproxima bastante daquelas obtidas para o espaço nacional, regional e municipal. Mas, na
comparação das taxas de densidade demográfica, verifica-se que o complexo possui cerca
de 21.400 hab./km², enquanto o município do Rio de Janeiro apresenta uma média de 328
hab/km².
O bairro é marcado por um processo excessivo de ocupação e pela rapidez das
construções verticais, em sua maioria destituídas de embolso ou qualquer tipo de
acabamento, com grande circulação de pessoas e transportes e paisagem destacada pela
ausência de árvores, e o rareamento de espaços vazios.
A população distribui-se por cerca de 44.000 (quarenta e quatro mil) domicílios e 16
(dezesseis) comunidades: Marcílio Dias, Praia de Ramos, Roquete Pinto, Parque União,
Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Nova Maré, Baixa do Sapateiro, Morro do
Timbau, Bento Ribeiro Dantas, Conjunto Pinheiros, Vila dos Pinheiros, Novo Pinheiros, Vila
do João e Conjunto Esperança, sendo que no interior de algumas destas comunidades
foram constituídas outros espaços, com a chegada de novos moradores e construções de
casas, como é o caso de Marcílio Dias, que hoje é subdividido em Kelson e Mandacaru.
No que concerne à infra-estrutura educacional, estão instaladas na Maré 15
escolas públicas, sendo 07 (sete) CIEP’s, 07 (sete) creches comunitárias, além de várias
escolas privadas de pequeno porte, voltadas para a Educação Infantil e para o Ensino
Fundamental. O Ensino Médio, cuja demanda cresce de forma explosiva, é contemplado
com a oferta de dois colégios para toda a região – incluindo os bairros próximos à Maré.
Segundo o Censo Maré, o percentual de moradores locais analfabetos, maiores de
14 anos, chega a quase 10%. O percentual está um pouco abaixo da média brasileira
(13,3%), mas é muito superior ao do município do Rio do Janeiro para o ano de 1999
(3,4%). Quanto aos rendimentos, menos de 1/3 dos seus trabalhadores afirma receber mais
de dois salários mínimos (SM) por mês e, no que concerne ao trabalho infantil, 2% das
crianças de 10 a 14 anos, residentes na Maré, exercem alguma atividade de trabalho –
para um índice de 0,6% para o município do Rio de Janeiro.
34 Todos os dados utilizados sobre a Maré foram elaborados a partir do Censo Maré 2000, realizado pelo CEASM e
financiado pelo BNDES.
No contexto descrito anteriormente, a partir da iniciativa de um grupo de moradores
que cresceu e/ou morou durante muitos anos em alguma comunidade da Maré, surgiu o
Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM. O desejo maior dessas pessoas,
que em sua maioria conseguiu atingir uma formação universitária, é a produção de uma
intervenção integrada e de longo prazo no espaço local. Hoje o CEASM, com 8 anos de
existência, atua nas mais diversas áreas (educação, saúde, geração de trabalho e renda,
cultura...), tornando-se uma referência para moradores do bairro.
É neste espaço institucional, que surgem minhas primeiras indagações sobre as
relações estabelecidas entre a escola e a família. A experiência de Assistente Social na
escola publica advém da inserção como assistente social do Programa de Criança
Petrobrás. Este abarca o conjunto de 8 escolas públicas, contribuindo na garantia da
permanência das crianças nas escolas, através de oficinas de diversas linguagens
artísticas. O trabalho do assistente social neste projeto é justamente acompanhar as
crianças envolvidas e realizar o “Grupo de Pais”, que busca prioritariamente aproximar as
famílias do universo escolar, bem como ampliar o universo cultural, político e educacional
das mesmas.
Posteriormente, ao ser aprovada no Concurso Público para assistentes sociais da
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, optei por ser lotada em equipamento da Secretaria
de Assistência Social situado no Complexo da Maré, em função do meu engajamento na
comunidade que transcende as relações profissionais, por acreditar na possibilidade
daquelas pessoas superarem as condições adversas a que estão submetidas.
Apesar de todas as adversidades colocadas para a realização de trabalho social
nas favelas - sejam elas oriundas da convivência com o tráfico de drogas, da deteriorização
das políticas sociais, da falta de expectativa dos moradores -, o que motiva a permanência
neste tipo de inserção é acreditar que as favelas, conforme aponta Jailson de Sousa e
SILVA35
são antes de tudo uma demonstração da capacidade e tenacidade dos setores populares. Competências que reconhecidas, permitem a ruptura com o tradicional discurso da ausência que norteia os conceitos de representações firmadas em relação à favela. Discurso que sustenta tanto o olhar conservador criminalizante em relação aos espaços populares com a postura paternalista assumida por setores progressistas. Setores que, embora tenham uma perspectiva solidária com grupos sociais populares, terminam por apresentá-los como vítimas passivas de um sistema monolítico, que não teriam condições de compreender e enfrentar. (2003:24)
35 Jailson de Souza e Silva autor da Obra “ Por que uns e não outros: caminhada de jovens pobres para universidade” é
um dos diretores do CEAM. Faz parte da pequena parcela de moradores que chegaram à universidade e que estudou minuciosamente as razões que levam pessoas com características comuns, em particular as de origem popular a construírem muitas vezes trajetórias sociais distintas.
Neste sentido, depois de dois anos de Programa de Criança Petrobrás, percebeu-
se a necessidade de se realizar um trabalho mais intensivo com os pais e responsáveis das
crianças e adolescentes participantes, pois se constatou que é preciso envolvê-los nesse
processo, na certeza de que é fundamental que os pais e responsáveis percebam a
importância de manter seus filhos na escola e também que entendam que as oficinas
oferecidas pelo Programa contribuem para o desenvolvimento sócio-pedagógico e para o
desenvolvimento da criatividade e das potencialidades de seus filhos.
O projeto “Grupo de Pais” teve início em 2001, no CIEP Gustavo Capanema,
expandindo para o CIEP Hélio Smidt ainda em 2001, e para os CIEP’s Elis Regina e
Samora Machel em 2002. A grande motivação para esse trabalho foi a de perceber que
para atingir a criança de forma integral, era necessário trabalhar com a sua família. Não
basta tornar a escola mais interessante para a criança, é necessário que seus responsáveis
percebam a importância de sua permanência na escola e contribuam para que isso
aconteça.
O projeto tem também o objetivo de contribuir para a fixação das crianças na escola
por meio de uma maior organização e participação dos pais e responsáveis na vida escolar
das crianças, assim como incentivar sua organização e envolvimento na comunidade.
Através de reuniões quinzenais com os pais e responsáveis, busca-se construir novos e
melhores vínculos com o espaço escolar e com a própria comunidade, desenvolvendo o
sentido de grupo, as potencialidades do trabalho coletivo e a participação ativa na escola e
na comunidade.
Nessa proposição, a família e as instituições comunitárias são pensadas como
parte constitutiva do processo pedagógico, elementos fundamentais para garantir o melhor
desempenho do aluno. A participação dos pais e responsáveis se dá a partir da motivação
de intervir mais na vida escolar, e, portanto, na organização e melhoria da escola pública,
visando atender às demandas e direitos das crianças, para que se possa buscar de forma
coletiva a alteração desses dados.
Focalizando a discussão no âmbito do Serviço Social, os assistentes sociais
trabalham com as mais diferentes expressões da “questão social”, e o agravamento destas
questões – em especial, o crescimento massivo do desemprego e os níveis alarmantes de
pobreza e desigualdade - impõe ao Serviço Social um leque variado de possibilidades de
intervenção.
Conforme Marilda Vilela Iamamotto, a questão social diz respeito ao conjunto das
expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura. Isto
tem a ver com a emergência da classe operária e seu ingresso no cenário político, por meio
das lutas desencadeadas em prol de direitos relativos ao trabalhador que exigiam seu
reconhecimento enquanto classe. Portanto, trata-se de compreender que,
Hoje se renova a velha questão social, inscrita na própria natureza das relações capitalistas, sobre outras roupagens e novas condições sócio-históricas de sua produção na sociedade contemporânea complexificada em suas contradições. Alteram–se as bases históricas que mediatizam sua produção e reprodução na periferia dos centro mundiais, em um contexto de globalização da produção e dos mercados, de política, cultura, sob a égide do capital financeiro. A miséria adquire uma dimensão planetária, não acompanhada da mesma proporção da mundialização das lutas sociais articuladas do modo orgânico. (IAMAMOTO,2000:55)
Assim, é nesta contradição da sociedade capitalista, marcada pela tensão entre
produção de desigualdade e produção de resistência, que se encontram as mais diversas
áreas de atuação do Serviço Social. A educação é mais um locus de reflexão e proposição
para a categoria profissional neste contexto. Apesar da política educacional prever a
educação enquanto direito de todos e dever do Estado e da família, percebe-se que na
Maré isto não acontece em sua plenitude; basta andar pelas ruas e comprovar o
quantitativo de crianças fora da escola.
Problemas como indisciplina, atitudes e comportamentos agressivos e violentos,
violência doméstica, dificuldade de acesso a direitos sociais, são questões presentes na
realidade em que educandos e suas famílias estão inseridos. A escola, nas ultimas
décadas, têm assumido um papel significativo na vida das classes trabalhadoras, sendo
cada vez mais desafiada a articular o conhecimento com a realidade social, buscando
assim, instrumentalizar o sujeito para compreender e intervir nas questões que se
apresentam no seu cotidiano.
Além de intervir nas diversas expressões da questão social no interior da escola,
um dos maiores desafios para o Serviço Social Escolar é fixar as crianças na escola. Para
isto, é premente e necessária a construção de um espaço escolar mais agradável e que
ofereça maiores perspectivas à vida adulta.
Acreditamos que o Serviço Social tem um papel de extrema relevância quanto às
possibilidades de transformação do espaço escolar, uma vez que o profissional possui
competências capazes de contribuir na reflexão e elaboração de práticas mais
democráticas e organizativas, no sentido de instrumentalizar a população usuária a exigir a
garantia de seus direitos.
Para realizar essa pesquisa, optei por alguns eixos temáticos norteadores e, com
base neles, buscarei abranger a realidade enfocada. São estes: Educação, Educação
Popular, Serviço Social e Família.
Educação e Escola: o pensamento político de Gramsci
Pensar em educação hoje, nos leva a refletir a funcionalidade da escola, ou seja,
compreender qual o papel desta instituição no seio da sociedade. Podemos compreendê-la
a partir de leituras completamente diferentes e até utópicas. Podemos pensar na educação
como redentora, no sentido de que somente através dela seria possível execrar a
marginalidade social e transformar a realidade posta; é esta visão que Paulo Freire chama
de “otimismo ingênuo”. Ou ainda, utilizar o “pessimismo acrítico e mecanicista”, segundo o
qual, a educação como parte da superestrutura, só teria capacidade de promover
mudanças significativas após as transformações estruturais.
Independente da forma escolhida é inegável a importância da educação na
construção de uma determinada hegemonia, esta entendida como direção política e cultural
de uma classe sobre a outra. Antônio GRAMSCI (2001), nos Cadernos do Cárcere,
tratando da hegemonia, afirma:
A sociedade civil e a sociedade política ou Estado, corresponde respectivamente à função de ‘hegemonia’ que o grupo dominante exerce em toda sociedade e àquela de domínio direto ou comando, que se expressa no Estado e no governo ‘jurídico’. Estas funções são organizativas e conectivas. Os intelectuais são os propostos do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso” espontâneo “dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce historicamente do prestigio (e, portanto da confiança) obtida pelo grupo dominante por causa da sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de correção estatal que assegura ‘legalmente’a disciplina dos grupos que não consentem, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído por toda a sociedade na previsão de momentos de crise de comando e na direção, nos quais desaparece o consenso espontâneo. (2001:21)
A escola, assim como outras organizações da sociedade civil, auxilia na
consolidação da hegemonia, que neste espaço vai operar no plano da ideologia e da
cultura, o que nos permite dizer que a escola pode formar intelectuais de vários níveis,
tendo em vista que a mesma não é neutra politicamente. Para Nicolas DAVIES (2001), as
escolas não foram criadas para desenvolverem as potencialidades humanas. Ao contrário,
numa sociedade de classes, capitalista como a brasileira, ela existe essencialmente - mas
não apenas - para atender às várias necessidades econômicas, políticas e ideológicas das
classes dominantes. (2001:21)
Embora possamos remetê-la no sentido de contribuir na construção de uma nova
hegemonia, o que temos hoje é uma educação de massas, ou seja, uma educação que
ajuda a conformar os indivíduos para um fazer, um sentir e um agir que mantenha as
relações sociais vigentes.
No plano das instituições, a escola vai conformando a hegemonia vigente, na
medida em que são perceptíveis posturas individualizadas em detrimento á construção de
campos coletivos, a ausência de solidariedade nas ações, a sobreposição do ter em
relação ao ser, o misticismo e, principalmente na disseminação da cultura do consumo, que
como Maria Aparecida CASSAB sinaliza, é hoje um elemento organizador central de
referências de identidade no super texto da cultura (1998:203)
Neste sentido, a autora afirma que:
O papel que joga o desejo no consumo, hoje extrapola os limites do individual. Todos os sujeitos, consumidores reais ou potenciais, indistintamente, estão cada vez mais “educados” para realizarem seus desejos através do consumo de bens e experiências, que se apresentam indispensáveis para eles. (1998:203)
Na contra corrente, Gramsci, compreendendo a importância da educação escolar
na organização da cultura das sociedades modernas, entendia a escola como um
instrumento de transformação, de formação de intelectuais. Defendia a existência de uma
escola unitária e criadora, que possibilitasse ao individuo se tornar autônomo, capaz de
pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. Pensava em uma escola que
pudesse unir teoria e prática, ou seja, articular um programa que possibilitasse as pessoas
compreender e intervir no mundo.36
Maria Lucia Wanderley NEVES (2001) ressalta que:
A concepção gramsciana da escola unitária pressupõe, em nível teórico, um novo nexo entre teoria e prática que sintetize, numa só dimensão, o pensar e o agir, e em nível prático, a apropriação coletiva do saber construído coletivamente pela humanidade, para a construção também coletiva do novo mundo. (2001:02).
Segundo as palavras do próprio Gramsci, o advento da escola unitária significa o
início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na
escola, mas em toda a vida social. (NEVES apud Gramsci 2000. vl 2 pág.40)
Assim, a escola proposta por Gramsci para o ensino infantil, fundamental e médio é
uma escola unitária, de cultura geral, voltada para a compreensão atual do mundo da
produção tecnológica, pautada no ensino moderno como principio pedagógico - a escola da
liberdade de expressão, de criação e satisfação - diferente de uma escola de cultura
arcaica, consoante com o velho humanismo pré-industrial. Gramsci dizia que a Escola é, ao 36 Gramsci ratifica Marx quando ele em Teses de Feurbach, mostra a importância da transformação em detrimento
da interpretação do mundo se contrapondo aos filósofos e os materialistas históricos.
mesmo tempo, reino da necessidade (trabalho muscular nervoso e disciplina) e reino da
liberdade. Desta forma, definia a noção de escola unitária, pressupondo o desenvolvimento
da sociedade civil, conferindo à escola uma dimensão estratégica na disputa pela
hegemonia, no âmbito do “Estado ampliado”.
Diferente de Althusser, que via a escola como aparelho ideológico do Estado, ou
seja, reprodutora do sistema capitalista, Gramsci pensava que:
A escola deveria preparar todo cidadão para poder tornar-se ”governante” e que a sociedade o ponha, ainda que “abstratamente”, nas condições gerais de poder fazê-lo. Mas o tipo de escola que se desenvolve como escola para o povo não tende mais nem sequer a conservar a ilusão, já que ela cada vez mais se organiza de modo a restringir a base da camada governante tecnicamente preparada, num ambiente social político que restringe ainda mais a “iniciativa privada”, no sentido de dar esta capacidade e preparação técnica-política, de modo que, na realidade, retorna-se às divisões em “ordens” juridicamente fixadas e cristalizadas em vez de se superar as divisões em grupos: a multiplicação das escolas profissionais, cada vez mais especializadas desde o início do currículo escolar, é uma das mais evidentes manifestações desta tendência. (2001: vol 02:50)
Isto posto, cabe refletir se esta escola proposta por Gramsci apresenta elementos
de presença e alguma visibilidade na sociedade capitalista. NEVES nos ajuda a responder
esta indagação, apontando que, sob a ótica do capital,
...Os sistemas educacionais respondem as necessidades de reprodução das relações de produção. Ou seja, o capital requer da escola a formação técnica da força de trabalho, com vistas a aumentar a produtividade do trabalho no atual estágio do desenvolvimento capitalista. Requer ainda a difusão e a generalização de valores empresarias. O que significa na atual conjuntura, educar a classe trabalhadora para aceitar como natural à perda crescente da soberania nacional, a desindustrialização, o crescimento do desemprego, a flexibilização das relações de trabalho, a instabilidade social profissional, o agravamento dos processos de exclusão, a privatização das políticas sociais, a perda dos direitos historicamente conquistados, a recorrência a competição, ao individualismo e a passividade política, como estratégias de sobrevivência social. (2003:03)
NEVES ressalta ainda que a função social da escola hoje seria a massificação na
formação do intelectual urbano, ou seja, a formação de um indivíduo que tem
conhecimentos específicos sobre seu trabalho e poucas ligações com conhecimentos
gerais. Para além dos conhecimentos gerais, valores humanistas e o próprio respeito a
vida, são fundamentais no processo de emancipação humana, os valores do “homem
novo”37, condição para a transformação do homem- mercadoria- alienado em sujeito de
sua própria história.
Michel LOWY, parafraseando Ernesto Che Guevara, afirma que
O homem comunista deve ser necessariamente, um homem mais rico interiormente e mais responsável, ligado a outros homens por um vinculo de solidariedade real, de fraternidade universal concreta, um homem que se reconhece na sua obra e que uma vez quebradas as correntes da alienação, atingirá a consciência pela de seu ser social,a sua total realização como criatura humana. (2003:44)
Com base nestes apontamentos, cabe-nos refletir se a escola voltada para as
classes populares consegue, ao menos, formar este intelectual urbano.38 Além de não
adquirir capacidade técnica operativa, condições mínimas para o letramento e para o
desenvolvimento de operações matemáticas, grande parcela das crianças oriundas das
escolas situadas em espaços populares, não consegue vislumbrar, em curto prazo, a sua
própria permanência no espaço escolar, ficando fadadas ao fracasso, sendo fortes
candidatas a se incluírem no que Eimar Pinheiro do NASCIMENTO (1994) denomina como
Excluídos Desnecessários.
Esta categoria utilizada por Nascimento, supõe que, se anteriormente era
necessária a manutenção de um exército industrial de reserva, agora, para além deste
grupo, há um outro, que não possui os requisitos necessários para ingressar no mercado
de trabalho, o que o autor classifica como a passagem “dos excluídos necessários aos
excluídos desnecessários”. (1994:24) Sem meios de subsistência, este grupo tem que criá-
los, sendo estes às vezes ilícitos. Portanto, a situação inovadora para esta modalidade de
apartamento da vida produtiva, de acordo com NASCIMENTO, é que:
Os indivíduos tornam-se, em primeiro lugar, desnecessários economicamente. Perdem qualquer função produtiva e passam a se constituir em um peso econômico para a sociedade... e para o governo... Em segundo lugar, com estas mudanças sociais ocorrem transformações nas representações sociais a respeito destes indivíduos... Aos poucos passam a ser percebidos como indivíduos socialmente ameaçantes e, por isso mesmo, passíveis de serem eliminados. (1994; 36).
Um outro elemento a ser considerado é a deteriorização do ensino público, como
conseqüência da voracidade do sistema capitalista, via desmonte das políticas públicas,
que vai ter como marcas profundas a falta de condições materiais, de professores e
38 O intelectual urbano seria aquele que possui conhecimentos específicos sobre seu trabalho,
porém poucas ligações com conhecimentos mais gerais. Segundo as palavras de Gramsci: “Os intelectuais do tipo urbano crescem junto a indústria e são ligados a sua vicissitudes. A sua função pode ser comparada á dos oficias subalternos no exército: não possuem nenhuma iniciativa autônoma na elaboração dos planos de construção; colocam em relação, articulando-a amassa instrumental do empresário, elaboram a execução imediata do plano da produção estabelecido pelo estado maior da indústria, controlando sua fase executivas elementares.”( Gramsci:2001, vol 2 pág.22)
conteúdos que, desvinculados do presente e da realidade, contribuem para a não
permanência do aluno em sala de aula. Cada vez mais as escolas tornam-se menos
atrativas e prazerosas.
De acordo com levantamento realizado pela Oxfam apud Cleusa SANTOS (2003)
em 1999, o Brasil ficou em 48o lugar dentre 104 países no quesito de ensino fundamental.
Este é o reflexo da educação publica que temos hoje. No Complexo da Maré39, lócus
privilegiado desta analise, de cada 10 turmas de 4ª série, apenas uma chega até á 8ª série.
Isto nos leva a perguntar, para onde vão estes jovens? Quais motivos os levam a não
permanecer nas escolas? O que as famílias pensam sobre a escola?
Escola pública: Um novo campo de intervenção do Serviço Social
Diante das contradições da sociedade capitalista, marcada pela tensão entre
produção de desigualdade e produção de resistência, se situam as mais diversas áreas de
atuação do Serviço Social, entre elas a educação - política social que se configura como
campo de intervenção do assistente social junto as camadas populares. Entendemos que
hoje não é possível se pensar na garantia do direito à educação sem situarmos a
conjuntura política mais geral, ou seja, os determinantes que reverberam o sucateamento
do ensino público do país.
No Brasil, a partir da década de 80, são delineadas ações voltadas para a luta pela
garantia dos direitos e dimensões da cidadania. O direito á educação, bem como o direito a
permanência na escola, se consolidou enquanto aporte legal na Constituição Brasileira
(1988), no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), e posteriormente na Lei das
Diretrizes e Bases de Educação Nacional (9.394/96), tendo como propósito central a
formação do sujeito para o exercício da cidadania, preparação para o trabalho e sua
participação na sociedade. Entretanto, é perceptível que muitos destes direitos garantidos
legalmente ainda precisam avançar do ponto de vista de sua efetivação.
Na década de 90, se acirra o movimento político e ideológico do projeto neoliberal
já sinalizado nas décadas anteriores nos países do centro do capitalismo, trazendo como
premissa central a reforma do Estado que vai incidir nas políticas sociais, como se pode
observar na queda dos salários, retrocesso social, empobrecimento da classe trabalhadora,
incorporação de novos grupos sociais à condição de pobreza e redução dos gastos sociais.
Com certeza, a crise que a educação atravessa hoje está atrelada à política de
“ajuste estrutural” do Consenso de Washington, cujos preceitos se assentam na
privatização promovida pelos governos neoliberais. No âmbito da Educação, os números
nacionais são alarmantes: 22 milhões de analfabetos adultos, 15 milhões de analfabetos
funcionais, 3 milhões de crianças até 14 anos fora da escola (Cf. Alencar:2002).
À luz das leituras realizadas no campo da educação, foi possível realizar alguns
apontamentos que possibilitam articular o Serviço Social com a dimensão da Educação
Popular discutida por Paulo Freire. Segundo Marilda Vilela Iamamotto (1997), o assistente
social exerce, indiscutivelmente, funções educativo-organizativas junto às classes
trabalhadoras, pois seu trabalho incide “sobre o modo de viver e de pensar dos
trabalhadores a partir das situações vivenciadas em seu cotidiano...” justamente por seu
caráter politico-educativo, trabalhando diretamente com ideologia, e dialogando com a
consciência dos seus usuários.
Para situarmos os pontos de convergência entre a Educação Popular e o Serviço
Social, cabe mostrar o que entendemos por Educação Popular:
Uma gama ampla de atividades cujo objetivo é estimular a participação política de grupos sociais subalternos na transformação das condições opressivas de sua existência social. Em muitos casos as atividades de educação popular visam o desenvolvimento das habilidades básicas, como leitura e a escrita, consideradas como essenciais para a participação política e social mais ativa. Em geral segundo a teorização de Paulo Freire, buscas-se utilizar métodos pedagógicos – como um método dialógico, por exemplo, que não reproduzem, eles próprios, relações sociais de dominação. (SILVA, 2000: 24).
Nos valendo das reflexões de Paulo Freire, elencamos as concepções do autor em
torno da Educação Popular, a revelar como ela pode ser materializada na sociedade. A
partir destes apontamentos, é possível encontrar nuances que aproximam o Serviço Social
com as propostas de Educação Popular, nuances estas, materializadas no projeto ético
político do Serviço Social, através da Lei de Regulamentação da profissão, das diretrizes
curriculares e do Código de Ética.
Na obra Política e Educação, Paulo Freire sinaliza que Educação Popular:
Ë um nadar contra a correnteza, é exatamente a que, substantivamente democrática, jamais separa do ensino dos conteúdos o desvelamento da realidade. (2001:101)
Neste sentido, Paulo Freire traduz a sua perspectiva libertadora, que também
aparece na prática do Assistente Social comprometido com a transformação social. Através
da sua linguagem – compreendida como um dos principais instrumentos de trabalho do
assistente social – o profissional contribui para o “desvelamento da realidade” de seus
usuários, mostrando-lhes a realidade opressiva e a possibilidade de mudança através da
luta coletiva e do acesso a direitos.
Vale o registro de que a sociedade na qual estamos inseridos, vê o ensino
exclusivamente ligado à utilidade que ele possa ter, como se fosse uma mercadoria, não o
considerando como possibilidade de ampliação do universo sócio-político e cultural dos
indivíduos.
A perspectiva da educação popular estimula a presença organizada das classes
populares na luta em favor da transformação democrática da sociedade, no sentido da
superação das injustiças sociais. (2001:102)
O trabalho desenvolvido pelo Serviço Social nas escolas públicas visa, além de
estimular a presença da família na escola, contribuir para a ampliação de sua visão de
mundo. Busca igualmente através de ações desenvolvidas, trabalhar questões que permitam
as famílias se perceberem como atores de sua própria história, auxiliando-as na estruturação
de processos organizativos pertinentes a sua realidade.
Esta é considerada uma tendência que circunscreve a prática profissional do
Assistente Social, na medida em que através das intervenções realizadas, se busca a
defesa e garantia dos direitos civis, sociais e políticos, da democracia e da justiça..
É a que em lugar de negar a importância dos pais, da comunidade, dos movimentos sociais populares da escola, se aproxima destas forças com as quais aprende para a elas poder ensinar também; (idem)
Em uma realidade onde a educação pública está sendo sucateada e deteriorada pelo
pequeno incentivo do poder público, se faz necessária uma maior organização e
participação de toda a comunidade escolar (pais, alunos, professores e comunidade), na
reconstrução e revalorização da escola, como um espaço de formação e construção da
cidadania.
E a que entende a escola com um campo aberto a comunidade, e não como um espaço trancado a sete chaves, objeto possessivo do diretor ou da diretora, que gostaria de ter sua escola virgem da presença de estranhos”;(2001:103)
Entendemos a escola como um espaço para a construção de novas relações sociais
e interpessoais, como um bem público, coletivo, que mesmo hoje, sendo sucateada pelas
políticas de corte neoliberal ditadas pelo Banco Mundial, podem ser utilizadas para trabalhar
as contradições e conflitos da sociedade capitalista, buscando formar pessoas críticas,
capazes de ler o mundo, de poder partilhar da constituição de uma nova ordem societária. “E
a que supera preconceitos de raça, de classe, de sexo e se radicaliza na defesa
substantivamente democrática” (Ibidem)
Sendo a família um dos focos de trabalho do Serviço Social na escola pública,
entendemos como fundamental o trabalho profissional no sentido de desconstruir alguns
estigmas e estereótipos construídos pela sociedade capitalista. É na família que as crianças
aprendem as primeiras crenças, as primeiras atitudes, e nelas estão inclusos os valores que
as influenciarão por parte ou toda a vida.
Serviço Social é uma das poucas profissões que, dentro do seu código de ética
profissional, abarca uma série de princípios que contribuem na luta e superação do
capitalismo, apresentando em seus pressupostos elementos preciosos do projeto ético-
político profissional que expressa a ampliação e consolidação da cidadania. Dentre estes
princípios, destaca-se a “Opção por um projeto Profissional vinculado ao processo de
construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e
gênero”.(Código de Ética do Assistente Social/ 1993)
Diante das considerações realizadas, percebemos que é possível estabelecer
conexões e afirmar que algumas ações realizadas pela categoria profissional podem ser
interpretadas na qualidade de um certo diálogo com a Educação Popular, principalmente,
na luta pela Escola Pública e pela permanência dos alunos na Escola.
Neste contexto, refletir sobre as possibilidades de intervenção do Serviço Social na
escola pública, e seus nexos com a Educação Popular implica, necessariamente, em trazer
para o debate a função social da escola no que tange à garantia do direito à educação e
permanência na escola; direitos estes necessários ao pleno desenvolvimento dos sujeitos.
A questão da participação popular na gestão da escola está inteiramente ligada à
possibilidade de superar a precariedade do ensino público no país, manifestada nas
ineficientes ações do Estado. O profissional de Serviço Social, através de projetos e frentes
de trabalho pode colaborar no processo formativo de pais e alunos, tradução real de que “é
a população usuária que mantém o Estado com seus impostos e é precisamente a ela que
a escola estatal deve servir, procurando agir de acordo com seus interesses.”
(PARO,1997:25)
Levando em consideração o conjunto de ponderações apresentadas, penso ainda
que o Serviço Social, em face do seu caráter sócio-educativo-organizativo, pode contribuir
para a ampliação da escola enquanto um espaço democrático e que precisa ser repensado
não só pela categoria profissional, mas por todos os atores que estão envolvidos neste
processo. Por entender que o Serviço Social trabalha diretamente com os processos de
consciência e necessariamente com a dimensão ideológica estruturante da vida social,
torna-se necessário mais uma vez remetermos nossa reflexão a Antônio Gramsci.
Gramsci detalha que a ideologia é tanto um elemento de dominação - uma vez que
desde a entrada do homem no mundo consciente lhe é imposta uma concepção de mundo
mecanicamente - quanto pode ser um elemento de libertação, quando ocorre a elaboração
de uma concepção de mundo própria dos grupos subalternos, na superação da influência
da ideologia da classe dominante, o que é imprescindível para “romper a unidade baseada
na ideologia tradicional, sem cuja ruptura a força nova não poderia adquirir consciência da
própria personalidade independente” (Gramsci 1976:11).
Neste sentido, a dominação ideológica provoca, nas classes sociais subalternas,
uma dicotomia entre o pensar e o agir, sendo possível dizer que o individuo possui:
Duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória) uma implícita na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformação prática da realidade e outra superficialmente explicita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem critica. Toda via esta concepção verbal não é inconseqüente: ela liga um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção de vontade, de uma maneira mais ou menos intensa que pode, inclusive, atingir um ponto na qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha, produza um estado de passividade moral e política.(1978:20)
Quando Gramsci fala de consciência contraditória, está se remetendo à questão
do senso comum40, entendido por Marina Maciel ABREU como:
40 ABREU conceitua como uma mistura desordenada de elementos da ideologia dominante, e elementos abstraídos da
própria experiência de vida, que constituem o bom senso.(202:137)
.uma mistura desordenada de elementos da ideologia dominante, e elementos abstraídos da própria experiência de vida, que constituem o bom senso, que assim, corresponde a momentos de lucidez do senso comum. (2002:137)
Este representa a base de uma nova concepção de mundo, merecendo ser
desenvolvida em algo unitário e coerente. Neste sentido, a linguagem seria o principal
veiculo de expressão da nova concepção de mundo.
Mediante todos estes apontamentos, trabalhar a questão da escola na perspectiva
gramsciana, requer reconhecê-la como um espaço privilegiado de construção de uma visão
crítica do mundo, que embora marcada por inúmeras contradições, pode ser reconhecida
como lócus de formação de valores outros que podem vir a contribuir à construção um
projeto que expresse os interesses da classe trabalhadora, numa perspectiva igualitária e
libertadora
BIBLIOGRAFIA
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prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002. ALENCAR, Chico. Educação no Brasil: um breve olhar sobre o nosso lugar.Educar na
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SAÚDE DO IDOSO, SERVIÇO SOCIAL E RECURSOS HUMANOS EM UMA UNIDADE DE SAÚDE: REALIDADES E DESAFIOS. POSTOS NO DIÁLOGO COM A EDUCAÇÃO POPULAR.
Grace Karen Emrick41
Introdução
Este trabalho pretende apresentar uma reflexão sobre a intervenção do Serviço
Social no Instituto de Gerontologia e Geriatria Miguel Pedro em sua relação com as
propostas do Sistema Único de Saúde (SUS), Política Nacional do Idoso e projeto ético-
político da categoria profissional, abrangendo o período de janeiro de 2000 até Dezembro
de 200442, estabelecendo uma relação com as contribuições da educação popular no
Brasil, visando a elaboração de uma prática de Serviço Social sob um viés de Educação em
Saúde.
Buscaremos dimensionar as reais dificuldades e possibilidades da intervenção do
Serviço Social, principalmente no âmbito do ambulatório do Instituto em questão.
Um primeiro aspecto que se faz necessário registrar diz respeito às concepções
sobre a terceira idade que foram objeto de modificações tanto no que se refere à legislação,
quanto à concepções. Estas últimas, sem dúvida, marcadas em função das mudanças
sócio-culturais-econômicas ocorridas no processo de modernização ocidental. A existência
de diversas visões em relação ao idoso em diferentes sociedades também vai interferir,
visão esta culturalmente e historicamente construída. Conforme podemos observar nas
palavras de Debert.
A idade cronológica só tem relevância quando o quadro político jurídico ganha precedência sobre as relações familiares e de parentesco para determinar a cidadania... as gerações têm como referência a família, as idades são institucionalizadas política e juridicamente... essa institucionalização crescente do curso da vida envolveu praticamente todas as organizações do sistema produtivo, nas instituições educativas, no mercado de consumo e nas políticas públicas, que cada vez mais têm como alvo grupos etários específicos. (Debert p.54/1994).
Ainda segundo a autora: “nas sociedades contemporâneas a velhice é apresentada
como um problema social. Seria, portanto, importante ter uma visão clara do que a
constituição de uma questão em problema social...” (p.61 )
41 Mestranda em Serviço Social/UFRJ
42 A escolha deste período deve-se ao fato de ser o período de início na instituição.
Apreender o sentido dado ao papel do idoso em nossa sociedade é imprescindível
para a atuação do Serviço Social.
Porém, tornamos ainda mais complexa a questão quando a colocamos dentro de
uma instituição de saúde, com perfil clínico, em contraponto com as propostas do SUS e
quando atuamos nas especificidades dos casos presentes nos espaços considerados.
Neste sentido o trabalho elaborado busca clarear os meandros das relações
institucionais, possibilitando a construção de propostas de atuação para o Serviço Social
em consonância com os objetivos do SUS, tendo os conflitos envolvidos na luta pelos
direitos dos idosos no centro do debate.
Para tanto, se recuperará algumas dimensões da educação popular, construção de
um diálogo que acreditamos possível.
Breve contextualização.
O Instituto Municipal de Geriatria e Gerontologia Miguel Pedro é uma unidade
pública de saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, que presta serviços
especificamente à população idosa (acima de 60 anos).
Dessa forma são duas as principais políticas públicas que envolvem o atendimento
institucional: a política de saúde e a política nacional do idoso.
Antes de consideramos a instituição em questão, relevante se faz fornecer alguns
dados históricos no que tange à saúde.
A questão da Saúde no Brasil vem sendo estudada por distintas perspectivas de
análise em momentos históricos diversos. Porém é necessário retornar à Constituição de
1988 (marco para a interpretação da saúde atual) para entendermos os determinantes
sócio-históricos das questões relacionadas à Saúde hoje.
No texto da Constituição promulgada no ano de 1988 podemos observar vários
avanços no campo da Saúde. Neste sentido destacamos:
a) intuir a Saúde como direito de todos e dever do Estado, com acesso universal e
igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde (art.
201);
b) nova organização do sistema de saúde através da instauração do Sistema Único de
Saúde (SUS).
A organização do SUS no texto legal, obedece às seguintes diretrizes:
1-descentralização com a fixação das direções pelas esferas de governo
(federal, estadual e municipal);
2-atendimento integral que compatibilize as atividades preventivas e as
assistenciais;
3-participação da comunidade compreendida como controle social
(Conselhos de Saúde 1.).
O SUS foi regulamentado por leis ordinárias no interior das quais foram feitos
detalhamentos das diretrizes constitucionais. A Lei Orgânica do SUS (LOS) de 1990, define
as competências das três esferas de governo:
a) Federal: formulação de políticas nacionais, o planejamento, a normalização, a
avaliação e o controle do sistema no âmbito nacional;
b) Estadual: formulação da política estadual de saúde, coordenação e planejamento do
sistema estadual;
c) Municipal: formulação da política municipal de saúde e a provisão de ações e
serviços de saúde.
A consolidação da proposta do SUS na Carta Magna de 1988 é o resultado de uma
importante mobilização da sociedade civil realizada durante a década de 80, em um quadro
político marcado pela luta pela abertura política, pela re-democratização do Estado e
ampliação dos direitos sociais.
A lei no 8.842/94 dispõe sobre a Política Nacional do Idoso e cria o Conselho
Nacional do Idoso. Estabelece dentre as suas diretrizes que as ações passam a ser
organizadas em sistemas descentralizados e participativos por meio dos Conselhos
(Nacional / Estadual / Municipal). No entanto, a presente data a cidade do Rio de Janeiro
não instituiu o Conselho Municipal do Idoso. O Decreto no 1948/96 regulamenta a lei
mencionada anteriormente. Este sistema oportuniza a efetiva partilha de poder, a definição
de competências das três esferas de Governo e a prática da cidadania participativa por
meio dos Conselhos de Idosos.
O Estatuto do Idoso (Lei no 10741/2003), que entrou em vigor em 1 de janeiro de
2004 traduz o interesse nacional de resguardar os direitos dos idosos conforme prevê a
Constituição federal e a legislação já mencionada. O cumprimento desta ordenação jurídica
depende da mobilização da sociedade e neste sentido a implantação dos Conselhos seria
mais um instrumento para viabilizar e garantir as orientações contidas nestas legislações.
As diretrizes fundamentais destas políticas são elaboradas pelo Governo Federal a
partir do movimento da sociedade. No âmbito da política local de atenção integral à saúde
do idoso, as propostas não ficam claras para os profissionais que estão diretamente
envolvidos na sua execução, tendo como principal referencial as políticas nacionais.
A letra das legislações acerca da saúde “e do idoso” pode ser considerada em
muitos aspectos progressistas, porém, observamos que estas leis vêm sendo apropriadas
pelas diversas esferas governamentais no sentido de esvaziá-las de suas propostas
originais e assim utilizá-las como forma de desresponsabilizar o Estado pelos problemas da
população, restringindo-as ao campo das responsabilidades individuais e familiares. Nesse
sentido se retira as questões sociais enfrentadas pela população do espaço público,
restringindo-as exclusivamente ao espaço privado.
Isto fica claro tanto nas políticas de saúde como principalmente nas políticas do
idoso.
Ainda que os temas ligados ao idoso tenham, ultimamente estado presentes na
mídia, em debates ou discursos político-eleitorais, os encaminhamentos efetivos desta
questão vem se apresentando de forma muito incipiente ou inexpressiva na realidade
vivenciada pelos idosos e nas unidades executoras de serviços a esta população.
Os profissionais são pouco capacitados pare este serviço e praticamente inexiste
por parte dos órgãos contratantes interesse para o aperfeiçoamento/aprimoramento do
profissional por parte dos órgãos contratantes.
Acrescente-se ainda a evidência dos poucos estudos realizados na área, o que
torna visível a secundarização da questão do idoso em relação a outras áreas de saúde,
tanto no que se refere a debates quanto em investimentos em capacitação profissional e
quanto a medidas efetivas voltadas ao seu atendimento concreto. Debates são fecundos e
amplos em várias áreas da saúde, no entanto nos parece que na particularidade da
questão do idoso estes debates se mostram restritos .
Elementos Institucionais
O Instituto de Geriatria e Gerontologia Miguel Pedro (IGG), sito à Av. 28 de
Setembro número 109, fundos em Vila Isabel, surgiu em 1854 para prestar assistência a
mendigos inválidos. Passou por várias transformações ao longo dos anos, conseqüência
dos momentos políticos diferenciados que experimentou.
Em 1978, o IGG recebe seu nome atual e passa a ter como finalidade a assistência
médica hospitalar a pessoas de ambos os sexos e de mais de sessenta anos de idade, em
caráter preferencialmente curativo. Foi também reservada uma parte do espaço para o asilo
de idosos sem família, com ou sem condições financeiras de se manterem. Há 10 anos,
aproximadamente, o asilo foi fechado permanecendo na instituição apenas alguns
remanescentes.
A instituição tem atendimento ambulatorial e de internação. No ambulatório são
realizados atendimentos de clínica médica psiquiatria, geriatria e neurologia. Apesar do
instituto ser especializado em geriatria, até bem pouco tempo não havia médico
especialista nesta área. São oferecidos também serviços de laboratório, fisioterapia (para
pacientes internados), terapia ocupacional, psicologia, serviço social, nutrição,
fonoaudiologia, cursos de cuidadores de idosos para familiares (atualmente), yoga,
odontologia e prótese dentária.
A população atendida, geralmente de baixa renda, reside em inúmeras localidades
do município e de seu entorno. A maior concentração são de pacientes da zonas Norte e
Oeste do Rio de Janeiro. Entretanto, também são atendidos parcela grande de idosos que
não suportaram mais o pagamento de planos de saúde devido aos aumentos após os
sessenta anos de idade ou porque viram seu poder aquisitivo cair drasticamente após a
aposentadoria. Em conseqüência destes fatores tiveram que recorrer ao Sistema Público
de Saúde.
Faz-se necessário esclarecer que, apesar de existir uma Política Nacional do Idoso
considerada em muito aspectos de caráter progressista, o que é observado é um total
distanciamento de suas propostas da realidade vivida no instituto. No seu interior poucas
áreas profissionais conhecem esta Política, inclusive mesmo o Serviço Social , apesar da lei
datar de 1994.
O governo se utiliza de alguns aspectos aparentemente progressistas para justificar
a sua ausência na assistência ao idoso. É o caso da desinstitucionalização e des-
hospitalização por exemplo. O governo reduz os seus custos fechando as possibilidades de
asilo e não oferece os outros serviços previstos como contraponto a esta
desinstitucionalização. Dessa forma, o governo vem se apropriando de leis para se eximir
de suas obrigações.
Devemos ressaltar a falta de conhecimento dos profissionais de saúde no que
tange à política do SUS. A maioria não conhece o Movimento de Reforma Sanitária que
culminou com a promulgação das leis 8080 e 8142 e suas regulamentações. Para alguns
este processo significou apenas mudança de nomenclaturas. Algumas vezes dirigentes, ou
nos termos da NOB/96, gerentes, têm absoluto desconhecimento do Movimento de
Reforma Sanitária. Conhecem apenas do SUS aspectos contábeis como emissão de AIH,
SIA-SUS, etc.
Podemos nesta direção afirmar que existe um esvaziamento ideológico substantivo
das propostas do SUS nas unidades de execução, tornando-se cada vez mais dificultoso
rever esta situação em prol do usuário.
A dificuldade de organização e mobilização dos idosos é uma aspecto relevante,
pois contribui muito para possibilitar e aprofundar este quadro de esvaziamento das
políticas sociais de atenção ao idoso. Este último, geralmente, espera que "alguém" venha
resolver o seu problema. Esta postura do idoso, que foi - e é- culturalmente construída,
agrava as dificuldades de se reverter este quadro. O sentimento de que não são capazes
de lutar por seus direitos é especialmente mais forte na população idosa que sofre a
discriminação da idade, onde o papel do idoso em nossa sociedade é tido como o momento
de recolhimento e de descanso, apesar de no Brasil a crescente pauperização e arrocho
das aposentadorias estarem levando estes sujeitos muitas vezes a voltarem ao mercado de
trabalho, quase sempre em condições precárias, para complementar a renda familiar ou
auxiliarem nas atividades domésticas, para que os mais jovens possam trabalhar.
Pensando as possibilidades de reversão deste quadro buscaremos nos apropriar
de elementos de reflexão e metodologia presentes no campo da educação popular, no
sentido de buscar novos aportes para a questão, num diálogo que julgo possível e
pertinente.
A ação do Serviço Social
Os usuários chegam ao Serviço Social através de encaminhamentos internos ou
externos, ou por conta própria - não havendo a necessidade de serem cadastrados no setor
de matrícula, o que difere do atendimento dos outros setores.(demanda espontânea)
Os profissionais de Serviço Social atuam no ambulatório (atendimento individual e
sala de espera), nas enfermarias, no asilo, no curso de Cuidadores de Idosos, no grupo de
acompanhantes (realizado em conjunto com a enfermagem) e no plantão profissional.
A equipe é formada por seis assistentes sociais e se constitui de forma
extremamente heterogênea. Uma das profissionais. sendo chefe da equipe que é do
quadro de aposentados da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Algumas
estão na iminência da aposentadoria.
É importante ressaltar que a maioria das assistentes sociais, assim como os
demais profissionais da instituição, se encontram desestimulados tanta pela falta de
investimentos em capacitação como pelos baixos salários.
A avaliação dos profissionais junto ao grupo de sala de espera e no âmbito do
curso de Cuidadores de Idosos não é valorizada individualmente.
O grupo de sala de espera e os profissionais envolvidos no curso de cuidadores de
idosos não compreendem as obrigações do Serviço Social na instituição. Este trabalho é
muito pouco reconhecido, não se constituindo portanto, em prioridade. Os profissionais que
se disponibilizam a realizar estas atividades a fazem de forma “complementar”. É quase
como se fossem voluntários dentro da própria instituição que os emprega.
O curso de cuidadores objetiva instrumentalizar familiares de pacientes do
ambulatório, enfermaria e comunidade a conhecer, entender, desvendar a complexidade e
especificidades da questão do idoso.
Envolve “aprendizado” dos familiares em lidar com pacientes acamados, com
demência, etc. Tem uma proposta multidisciplinar, contando com a participação de duas
assistentes sociais. Uma na equipe de coordenação e a outra ministrando uma ou duas
aulas no curso — sendo que para esta última, nunca houve a oferta de algum curso sobre
idosos.
A atuação na sala de espera é realizada no ambulatório uma vez por semana.
Conta com a participação de apenas uma assistente social. Por isso é realizada uma vez
por semana já que não foi possível a sensibilização das outras assistentes sociais para esta
atividade. Esta tem a proposta de levar ao usuário do ambulatório, conhecimentos sobre os
aspectos culturais, sociais e econômicos do envelhecimento, esclarecendo direitos dos
idosos, e principalmente, propiciando uma reflexão sobre a multiplicidade de fatores que
envolvem a questão do idoso e da saúde, apontando para a construção de caminhos para a
superação dos obstáculos por eles enfrentados.
A reflexão de Eclea Bosi nos auxilia na compreensão destes sentidos substantivos
que deveriam ser trabalhados pelos profissionais. Assim,
Descrevendo a substância social da memória -a matéria lembrada – você nos mostra que o modo de lembrar é individual tanto quanto social: o grupo transmite, retém e reforça as lembranças, mas o recordar , ao trabalhá-las, vai paulatinamente individualizando a memória comunitária e, no que lembra e no como lembra, faz com que fique o que signifique. O tempo da memória é social, não só porque é o calendário do trabalho e da festa, do evento político e do fato insólito, mas também porque repercute no modo de lembrar. (Bosi 1983)
Serviço Social e dimensões de educação- educação popular
Estes dois trabalhos, bem como a possível realização de outros grupos, oficinas,
etc., vislumbram uma prática de Serviço Social voltada para as ações de comunicação e
educação na atenção à saúde, potencializando seu caráter preventivo. Buscam fortalecer
os vínculos dos serviços com seus usuários, criando condições para uma efetiva
participação destes sujeitos, tarbalhando a partir da constituição de sentidos, substantivos
quanto o envelhecimento.
Nesse sentido, Comunicação Social e Educação em Saúde são elementos
regulamentados pela NOB/96 (Normas Operacionais Básicas) que devem ser apropriados
pelo Serviço Social em seu fazer profissional cotidiano, no intuito de trazer para o centro da
instituição o paciente como sujeito autônomo, com seus desejos e direitos. É dever do
assistente social trabalhar para a incorporação na instituição, do respeito à autonomia do
usuário, caso não se queira ter uma prática reificante e fortalecedora do aspecto clínico da
saúde.
No intuito de construir caminhos para implementação destas duas esferas,
consideramos pertinente a apropriação de alguns elementos acumulados no âmbito da
educação popular, na medida em que possam ser utilizados como meios para que
segmentos populares tenham acesso a conhecimentos e informações produzidas sobre a
sociedade, na qualidade de instrumentos para seu desenvolvimento, reflexão e ação sobre
a realidade.
Este uso pode permitir no âmbito da prática do Serviço Social, uma ação com
caráter reflexivo que utilize a socialização de informações como instrumento de indagações
e ação possível sobre a realidade social. Entende-se que nesta perspectiva de intervenção,
o trabalho com grupos numa dimensão coletiva deveria ser mais implementado.
Para Ana Vasconcelos (1997) a prática reflexiva é compreendida enquanto uma
prática educativa, crítica e criativa, politizante, que aponte para a ruptura com o instituído,
colocando permanentemente em questão a relação conteúdo / forma (Lefebvre, 1983),
numa ação que envolve imediatamente dois sujeitos: usuário e profissional (Vasconcelos
p.133/1997).
Penso que essas possibilidades podem propiciar ao Serviço Social a interferência
nos determinantes sociais do processo saúde / doença e no resgate da saúde enquanto
direito social.
À população não basta se organizar para reivindicar, faz-se necessário ter um saber que instrumentalize no como e no que reivindicar, na busca de alternativas possíveis e como viabilizá-las. (Vasconcelos, p. 134/1997)
A importância da apropriação de contribuições da educação popular se afirma
como possibilitador e potencializador de um exercício profissional no qual a aquisição dos
direitos sociais, mediados pela relação estabelecida entre o profissional/equipe e o usuário,
pode se transformar de um direito formal em direito real, na medida em que o acesso ao
direito social seja feito por um sujeito crítico e consciente. A Educação / Formação Popular
ao trazer referências de análise auxiliadoras na interpretação da própria vida do usuário – e
de seu entorno- possibilita que se ultrapasse níveis de senso comum presentes na
fragmentação de sua vida cotidiana.
Esta formulação supõe que o saber estruturado socialmente não é só o escolar, ele
está presente em todas as esferas da vida social. Assim esta perspectiva que estabelece
elos com a educação popular, pode possibilitar a emergência e constituição de novos
valores, numa perspectiva de compartilhamento de dimensões da vida social, a partir de
uma esfera coletiva.
Finalizando, considero que, pensar estratégias para o trabalho do Serviço Social
nessa superação de perspectivas de práticas rotineiras condizentes com a abordagem
clínica da saúde, implica em trabalhar em compasso com as propostas do Movimento de
Reforma Sanitária.
Este viés objetiva construir um trabalho que busque aprofundar o atendimento
integral ao idoso, trazendo para o centro do debate esta visão integradora, respeitando os
aspectos de saúde, culturais, educacionais, sociais, emocionais,psicológicos, etc.
Entendemos, no entanto, ser bastante difícil a superação destes aspectos e, nesse
sentido consideramos que, a capacitação continuada dos profissionais de Serviço Social se
faz necessária e urgente, bem como o fortalecimento e organização da categoria nas
dimensões presentes no projeto ético-político profissional.
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EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR E MOVIMENTO SINDICAL: REPENSANDO AS FORMAS DE
ORGANIZAÇÃO E EMANCIPAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA
Maria Dalva Casimiro Silva43
O presente artigo é fruto de algumas reflexões iniciadas no curso de Formação
Política promovido pelo Centro Acadêmico de Serviço Social da UFRJ no ano de 2001. No
interior procuramos, por um lado, refletir sobre as funções dos sindicatos do Porto do Rio de
Janeiro diante das grandes transformações ocorridas no processo de trabalho ocasionadas
pela reestruturação produtiva e pela globalização. Diga-se de passagem, que ambos os
processos têm acometido todo o mercado mundial. Apresentamos uma visão muito breve
sobre o tema, levantando questões referentes ao processo de reestruturação do capital
inerentes ao sindicalismo no Brasil e, de uma forma específica, para o modo de vida, de
produção e atuação sindical dos Trabalhadores Portuários Avulsos do Rio de Janeiro, tendo
em vista a inserção dos mesmos no cenário de reestruturação produtiva. Por outro lado,
buscamos pensar possíveis alternativas para as questões apontadas.
Neste trabalho pretendemos acrescentar um elemento novo de suma importância,
levando-se em consideração as profundas mudanças que vem ocorrendo no mundo do
trabalho e os reais impactos nas relações entre capital e trabalho, destacando-se aqui a
figura do trabalhador que no mundo globalizado, assume o papel de mero coadjuvante, ou
seja, em seu sentido pejorativo, de “colaborador” dentro deste cenário. Mesmo diante das
contrariedades que este quadro apresenta, intencionamos aqui, considerá-lo protagonista,
principal figura dentro deste processo, em especial no que tange às formas possíveis de
conscientização adquiridas através da educação.
Quando nos referimos à educação do trabalhador, precisamos definir “que
educação é essa”. Sem sombra de dúvidas, não se trata de uma educação oferecida pelas
elites. A educação a que nos referimos supõe a meta “consciência para si” da classe
trabalhadora, apontando para a possibilidade de emancipação através de uma politização
do exercício pedagógico. No caso dos trabalhadores portuários avulsos, a prática educativa
está voltada para o desenvolvimento da capacidade de leitura da realidade, e, indo mais
além, da compreensão de sua própria história, e, portanto, da sua capacidade de luta e de
resistência. Neste sentido, destacamos o importante papel que o movimento sindical
deveria exercer junto a tais trabalhadores no sentido de oferecer instrumentos formativos
que pudessem contribuir no seu processo de conscientização, em especial em relação a 43 Assistente Social, mestranda em Serviço Social na UFRJ
todo o processo de modernização pela qual os portos do Rio de Janeiro tendem a passar
em meio a uma já existente precarização das condições de trabalho.
Para entendermos este cenário e vislumbrarmos algumas pistas emancipatórias
através da educação do trabalhador, alguns pontos importantes devem ser destacados.
No que se refere à modernização do Porto do Rio de Janeiro, a Lei 8.630/9344
trouxe uma série de mudanças para o setor portuário em termos organizacionais. O Estado
deixou de lado o seu papel de interventor, passando a ser esta atribuição cabível à iniciativa
privada, adotando uma política neoliberal. Como conseqüência, os trabalhadores
portuários, então funcionários de capatazia da Companhia Docas do Rio de Janeiro
(empresa pública), foram incentivados a se desvincularem da empresa através do PDV –
Plano de Desligamento Voluntário, logo após sendo oferecida a oportunidade dos mesmos
se “avulsarizarem” através do Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO, empresa que
assume, em substituição ao sindicato a partir da década de 90, além do registro, todas as
questões de caráter administrativo e trabalhista dos “Trabalhadores Portuários Avulsos” –
TPAs, permitindo-lhes a sua permanência no setor portuário. Podemos desta forma, já
observar que o desenvolvimento previsto para a zona portuária, definitivamente, não
contemplou os trabalhadores.
A Modernização e os Sindicatos do Porto do Rio de Janeiro sob o ponto de vista
dos trabalhadores.
Parece-nos de suma importância situar na conjuntura nacional, o complexo sindical
portuário do Rio de Janeiro. Desta forma, abordaremos a seguir alguns pontos relevantes
da história política e econômica do país que influenciaram a trajetória do sindicalismo
brasileiro e portuário. Senão, vejamos:
No Brasil, para traçar a trajetória do movimento sindical, alguns estudiosos citam
Arnaldo Sussekind, membro da Comissão responsável pela elaboração da CLT nos anos
40 e primeiro Ministro do Trabalho na ditadura militar, ao caracterizar a estrutura sindical
brasileira: corporativista, regida pelo monopólio da representação e pela obrigatoriedade do
Imposto sindical. Essa foi a máquina montada por Vargas, fortemente atrelada ao Estado e
conseqüentemente: burocrata, assistencialista, apresentando carreirismo dos dirigentes,
colaboracionista e privilegiando a conciliação das classes45.
44 Com a introdução das várias inovações tecnológicas, especificamente de novas formas de organização do trabalho no Porto do Rio de Janeiro, surge a exigência de um novo perfil de seus trabalhadores, determinando por conseqüência, as mudanças nas relações de trabalho e as adaptações de sua mão-de-obra ao processo. Para atender tais desígnios, foram criadas leis e normas que regulamentassem e garantissem tal processo de modernização portuária.
45 Cf. BADARÓ (1998:58); o sindicalismo populista começou a se fortalecer no início dos anos 50 e atingiu seu auge na década de 60. Ficou conhecido por se subordinar à ideologia nacionalista e ser atrelado ao Estado, ser politicamente
A criação das centrais sindicais, especialmente da Central Única dos
Trabalhadores - CUT, (cujo estatuto apresenta bandeiras socialistas) e as ondas grevistas
entre 83 e 89 marcaram a década de 80 como a “era” do “novo sindicalismo”, tratando-se
de um forte movimento sindical, com propostas e práticas notadamente classistas46. Sobre
a nova forma de organização da classe trabalhadora, pela sua capacidade de pressão
política e social, ALVES (2000:123) afirma que este movimento impôs ao capital, a
necessidade de retomar o controle do trabalho, reconstituindo tanto a hegemonia na
produção, como novos tipos de controle do trabalho. Além disso, o caráter classista do novo
sindicalismo vinculado à CUT, apresentava obstáculos à cooptação ideológica e política das
novas lideranças operárias e sindicais.
Neste sentido, na estrutura do complexo portuário do Rio de Janeiro, é notável a
semelhança entre esta e a que ALVES (2000:187) descreve relativa ao sindicalismo
brasileiro. Segundo a autora, o sindicalismo,
É uma estrutura descentralizada, fragmentada e dispersa por uma miríade de sindicatos municipais, em sua maioria pouco expressivos, com exígua capacidade de barganha, com parcas iniciativas e formas de ações unificadas. Finalmente, é uma estrutura verticalizada com muitas dificuldades de se articular numa perspectiva horizontal mais ampla. (2000:282).
Embora muito cautelosamente e sem pretensão de generalizar os dados, as
informações recolhidas situam o quadro de organização dos trabalhadores portuários
avulsos do Rio de Janeiro, dentro de uma perspectiva, pelo menos, semelhante ao conjunto
do movimento sindical brasileiro, cujo principal sintoma é o de uma imensurável crise de
identidade.
Pode-se observar quão fragmentados, estrutural e politicamente, estão. A forma
como se constituem (sindicatos por ofícios), os torna mais vulneráveis e sensíveis aos
fatores sociais, que não só influenciam como muitas vezes podem até determinar a
trajetória do movimento, caracterizando, o que os estudiosos chamam de crise do
sindicalismo no mundo e no Brasil. Especificamente, nota-se nos referidos sindicatos, como
reflexo de uma crise generalizada, uma crise de identidade de representação política dentro
das diversas categorias. Como conseqüência mais visível, algumas importantes atribuições
antes suas, passaram para a responsabilidade do órgão (OGMO) criado estrategicamente
pelo governo Federal, que conta com o apoio dos próprios trabalhadores. Este fato se
reformista, conciliador, não-classista, mas colaboracionista. Entra em crise em 1964, desaparecendo em sua forma original assumindo, no entanto, formas mistas de acordo com o novo panorama político-institucional do país. 46 Cf. ALVES (2000:289), este movimento representou uma nova prática sindical de organização de base, da construção da intervenção operária nos locais de trabalho e o que Iran Rodrigues chamou de comissões de fábricas, comissões de empresas, conselhos de representantes dos funcionários e comissões de garagem.
confirma pelo depoimento de alguns estivadores: “Hoje em dia é o OGMO que faz tudo, o
sindicato não faz nada”. Muitos questionam qual o real papel sindical em uma relação de trabalho
considerada caótica, principalmente como forma de obtenção de dignidade e respeito ao
trabalhador portuário avulso. A esse respeito, dois estivadores47 falam sobre o sindicato:
Acho um absurdo você descontar 10% do seu trabalho para um órgão (sindicato) que não te dá retorno... Da estiva ainda temos um apoio, mas e dos outros sindicatos? Do bloco? O cara não tem uma clínica, não tem uma sede, não tem nada. Então o que acontece, eles descontam 10% para engordar o presidente (do sindicato). Porque não temos nenhum retorno. ... O sindicato se tornou, na minha concepção, um cabide de emprego. Então, o que acontece, não adianta nada eu descontar da minha folha 10% para uma entidade, se eu não tenho retorno, eu não tenho!.
Outros trabalhadores, mais incisivos afirmam: “Sindicato não serve para nada”.
Em resposta à questão “quais seriam as funções do sindicato”, os trabalhadores
demonstraram seus “reais” anseios: conseguir plano de saúde, melhorias apenas básicas,
sejam pessoais ou profissionais. Embora saibamos que existem outros elementos que
determinam esse estágio de consciência, podemos perceber como alguns trabalhadores
sinalizam a incorporação de uma lógica individualista, destituída de um outro sentido ou
consciência de classe, tão comum porque tão bem trabalhada na sociedade capitalista em
que vivemos e adotada por consideráveis parcelas do sindicalismo brasileiro. ANTUNES
(1988), de certa forma, explica este fato, a partir de sua reflexão sobre os níveis da
consciência de classe:
A consciência proletária é uma longa distância que vai da falsa consciência, presa à ideologia dominante e limitada pela imediatidade, até o máximo de consciência possível, que corresponderia à percepção da totalidade concreta e sua possibilidade de superação revolucionária, o que somente é possível quando a classe operária apodera-se da teoria revolucionária, fornecida pelo marxismo e transforma-se na única classe capaz de destruir o capitalismo e iniciar a transição para a sociedade sem classes. É preciso lembrar a impossibilidade de tal distância ser pensada de forma linear e evolutiva: ela deve ser concebida como um processo com fluxos e refluxos, onde ora são predominantes os momentos da falsa consciência, ora se está próximo da consciência verdadeira. (ANTUNES Idem:22).
ANTUNES discute as repercussões da reestruturação produtiva e a crise no
sindicalismo brasileiro apontando a mudança de direção, de classista para corporativista.
Nessa perspectiva, a crise atinge também o universo da consciência, da subjetividade, do
trabalho e suas formas de representação. Os sindicatos estão aturdidos e exercitando uma
prática que raramente foi tão defensiva. Abandonam o sindicalismo de classe dos anos
47 Entrevista coletiva realizada em 06/11/2001, com estivadores do Porto do Rio de Janeiro, no Armazém 18.
60/70, aderindo ao acrítico sindicalismo de participação e de negociação, que em geral
aceita a ordem do capital e do mercado, só questionando os aspectos fenomênicos desta
mesma ordem; abandonam a perspectiva de luta pela emancipação do gênero humano,
operando uma aceitação também acrítica da social-democratização, ou o que é ainda mais
perverso, limitando o seu debate ao universo da agenda e do ideário neoliberal. Há outras
conseqüências da automatização, da flexibilização e deste complexo de mudanças no
processo de produção e de trabalho: paralelo à redução quantitativa do operariado
tradicional, altera-se a qualidade na forma de ser do trabalho - a substituição do trabalho
vivo pelo morto, transformando o trabalhador em supervisor e regulador do processo de
produção. Assim, “se por um lado houve uma intelectualização do trabalho, por outro lado
inversamente nota-se uma desqualificação e mesmo subproletarização, expressa pelo
trabalho precário, informal e temporário”.(ANTUNES 1997:78).
Percebe-se uma grande insatisfação dos trabalhadores em relação ao órgão que
os representa politicamente. Ao se referirem às suas funções, notamos uma visão pontual e
corporativista, o que parece ser reflexo de uma política mais ampla de sujeição dos órgãos
de classe à lógica capitalista e neoliberal. Assim, aberta a lacuna de uma anterior política
sindical classista48, esses trabalhadores tentam responder às suas demandas primeiras de
sobrevivência, cuja responsabilidade o Estado capitalista se liberou. Neste sentido, os
trabalhadores reclamam: “Não vai dizer que eles estão brigando pelos ‘meus interesses’
que eu discordo”.
Desta forma, parece-nos que a organização dos trabalhadores portuários no Rio de
Janeiro carece de uma visão totalizadora e histórica que possibilite a adoção de táticas de
lutas condizentes com as aspirações e necessidades deste grupo especifico, porém que o
faça, associando-as às aspirações de libertação da classe trabalhadora, que segundo
Marx, é a sua missão.
Por outro lado, há de se admitir que os sindicatos que adotam tal postura classista
também vivem esses mesmos problemas. Isto nos coloca uma questão, que nos distancia
de uma conclusão determinista. Parece que este quadro político-ideológico do sindicalismo
brasileiro está muito ligado à reestruturação produtiva, mas o que fazer para desmontá-lo?
Sem a menor pretensão de respondermos a tão complexo problema, podemos, todavia,
apontar algumas pistas. Neste caso concordamos com CRUZ (2000), ANTUNES (1998) e
ALVES (1991), sobre a urgência dos trabalhadores assumirem de fato o papel que lhes
cabe enquanto classe, negando os princípios capitalistas. Tal concepção nos aproxima da
teoria marxista, tendo esta, o papel de nos fornecer elementos de explicação da realidade
social, sob o ponto de vista da classe, além de nos trazer respostas efetivas sobre o
destino da humanidade.
48 Cf. Maria Almeida, “O novo sindicalismo, traduzia em demandas por maior autonomia o anseio profundo de afirmação de uma identidade operária, forjada na experiência do degredo político e de uma cidadania social de segunda classe que convivia como florescimento de uma sociedade de consumo”. In BADARÓ (1998:66).
Assinala-se aí, nossa preocupação com a debandada desta direção da grande
maioria dos principais atores sociais, incluindo a principal central dos trabalhadores, a CUT.
Com a investida neoliberal, a ela tem se subordinado, voltando-se ainda para uma lógica
mercantil e corporativista, distanciando-se das suas primeiras bandeiras, de matizes
socialistas, presentes em seu estatuto. Sobre o assunto, BOITO (1994, 96) afirma que:
A CUT desde o seu surgimento, como movimento de massa transitou entre um sindicalismo que ‘tendia’ à ação unificada de amplos setores das classes trabalhadoras contra a política de desenvolvimento pró-monopolista e pró-imperialista do Estado burguês brasileiro - ou pelo menos, contra a política salarial que era um aspecto fundamental da política de desenvolvimento - para uma ação na qual os diferentes setores da classe trabalhadora isolam-se em suas reivindicações específicas, desenvolvem uma nova segmentação corporativista e procuram reduzir as perdas de seu setor particular numa conjuntura de crise, mesmo quando as reduções das perdas implicam a aceitação ativa da política pró-monopolista e pró-imperialista.
Dados como esses não nos permitem creditar uma solução isolada para qualquer
categoria49. Entretanto, podemos vislumbrar pistas dos sujeitos que tentam retomar a
direção de um movimento sindical classista em termos de totalidade. Aponta o presidente
da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Marítimo, Aéreo e Fluvial
(CONTIMAF) Severino Almeida Filho:
A indústria de portos está atravessando uma crise mundial. O processo de globalização, na ótica dos principais interessados em sua implementação rápida, passa pelo desmonte da organização dos trabalhadores da orla portuária em qualquer lugar do mundo. Foi o que aconteceu na Argentina, no Uruguai, no Chile. Dizimaram, literalmente, a organização dos trabalhadores. Daí que, depois desses anos da Lei dos Portos, cresceu entre os trabalhadores e suas lideranças, a consciência da necessidade da unificação de ações e das entidades sindicais. Há vontade política de aglutinar forças. Uma estrutura única, que é a discussão que vem sendo travada, terá um peso político formidável. As intersindicais que se formam nos portos, e não tenho dúvidas de que alcançarão todos os portos, é uma demonstração inequívoca dessa vontade dos trabalhadores de elevarem suas lutas a um novo patamar.
Mário Teixeira, presidente da Federação dos Conferentes, Consertadores, Vigias e
trabalhadores do Bloco, chama à resistência e unificação de forças: Nosso papel, portanto, tem de ser o de resistência, e caminhamos rapidamente para a unificação de nossas forças no país e no mundo, como já a fizeram os empresários. Quando não há negociação, há luta. A história humana ensina isso.
49 Esse termo retrata o nível de fracionamento a que a classe trabalhadora chegou, atendendo aos interesses da burguesia. Esta divisão tem o objetivo de facilitar as investidas burguesas diante das reações isoladas dos grupos, impedindo a reação de todo o conjunto da classe, o que seria mais forte e perigoso.
Outra alternativa pode ser vislumbrada na entrevista de um portuário do Rio de
Janeiro: “... nós temos uma comissão onde estamos correndo atrás de um direito para
alguns estivadores cadastrados, que é o nosso caso.”
Apesar de tê-lo argüido, poucas informações a este respeito foram acrescentadas.
Então perguntamo-nos: estariam retornando as organizações por local de trabalho? Tática
essa de legítima resistência, muito utilizada mundialmente nos momentos de fragilidade e
de repressão aos trabalhadores. De qualquer forma, como já vimos em ANTUNES, a
consciência parte da imediatidade, podendo vir a alcançar um nível revolucionário.
Ainda tentando pontuar as tendências, não só no complexo de sindicatos do Porto
do Rio de Janeiro, mas atendo-nos à organização sindical da classe trabalhadora em seu
conjunto, podemos situar algumas respostas que mesmo incipientes ou iniciantes,
acreditamos poderem traduzir um pouco do novo perfil do movimento sindical. Vejamos:
Considerando todos esses dados e a despeito de teses neoliberais como a de
Leôncio Rodrigues, que conclama as lideranças sindicais a “se flexibilizarem como os
empresários” e que anuncia a inexorável tendência do sindicalismo a se incorporar à
lógica do capital, concordamos com Iran Jácome quando afirma: “a forte tradição
coletivista do século XIX, que serviu para consolidar o Estado de bem-estar na 1ª metade
do século XX, ainda não foi inteiramente desmontada pela tentativa de ajuste neoliberal do
capitalismo contemporâneo”. RODRIGUES (1999:232).
Ainda contra a tese de Leôncio Martins sobre a decadência histórica irreversível
do sindicalismo, Boito contrapõe afirmando que o recuo sofrido por este movimento,
representa sim, um refluxo e não sua decadência, parecendo esta, já ter superado seus
momentos mais difíceis, o que levou o sindicalismo a importantes mutações. Segundo ele,
arrefeceram importantes setores operários, tanto da indústria, como dos serviços (portos,
ferrovias), mas por outro lado, emergiu um novo proletariado de serviços, assinalando o já
consolidado sindicalismo de classe média, principalmente no setor público. Esse autor
chama a atenção para o novo sindicalismo industrial que apareceu no hemisfério sul,
graças ao vertiginoso processo de industrialização dos últimos anos nesta área e na
América Latina. Aponta ainda que o crescente desemprego sem amparo do Estado, fez
surgir ou ressurgir vários movimentos populares: de desempregados, dos Sem-Teto,
voltando inclusive ao cenário político, o movimento camponês. Para Boito:
Sustentar que o movimento sindical tem futuro, não significa ignorar as lutas populares emergentes. A esquerda deve valorizar esses movimentos, que devem, junto com o sindicalismo, acumular forças para recomeçar a luta antiimperialista e anticapitalista.
Assim, antes de concluir, como ANTUNES nos interrogamos: “ ... como se efetiva,
no contexto de uma situação defensiva, uma ação sindical que dê respostas às
necessidades imediatas do mundo do trabalho, preservando elementos de uma estratégia
anticapitalista e socialista? ... Procurará (o sindicalismo brasileiro) elaborar um programa
de emergência para simplesmente gerir a crise do capital ou tentará avançar na
elaboração de um programa econômico alternativo, formulado sob a ótica dos
trabalhadores, capaz de responder às reivindicações imediatas do mundo do trabalho, mas
tendo como horizonte uma organização societária fundada nos valores socialistas e
efetivamente emancipatórios ?” (1997: 72)
É de nossa intenção ainda, reafirmar a impossibilidade de uma saída para tão
complexo quadro ser conseguida isoladamente. Nossa única certeza é a de que a mesma
deverá contemplar toda a classe trabalhadora. Portanto, ao observarmos a realidade e a
capacidade de organização sindical dos trabalhadores portuários avulsos, podemos chegar
à conclusão de que o movimento sindical, em função de sua força coletiva como sujeito
inserido no dia-a-dia dos trabalhadores, se constitui na contemporaneidade, ainda que
seguindo às determinações atribuídas pelo capital, em um instrumento capaz de formular
um novo projeto para a sociedade onde se possa aprofundar a análise sobre concepções
de vida, para a verdadeira emancipação política e humana do trabalhador, ou seja, para o
exercício pleno da cidadania.
Neste sentido vale encerrarmos esta reflexão, a partir de uma citação de Marx:
Os sindicatos trabalham bem como centro de resistência contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força. Mas são deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma luta contra os efeitos do sistema existente, em lugar de, ao mesmo tempo, se esforçarem para mudá-lo, em lugar de empregarem suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária. Isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado. (MARX, 1986: 285).
BIBLIOGRAFIA
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crise no sindicalismo. São Paulo: Boitempo. 1991.
______ Crise do Sindicalismo e as Perspectivas do Trabalho. In: TEIXEIRA OLIVEIRA
(org). O Brasil nos anos 90 Neoliberalismo e reestruturação produtiva: as novas
determinações do mundo do trabalho. 2ª ed. São Paulo: Cortez, Fortaleza:
Universidade Federal do Ceará. 1998.
ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil: um estudo sobre a consciência de classe, da revolução de 30 até a Aliança Nacional Libertadora. São Paulo:Ed. Cortez e Ed. Ensaio. 1988.
______ all. Neoliberalismo, trabalho e sindicatos - reestruturação produtiva no Brasil e na
Inglaterra. São Paulo: Boitempo. .(1997)
BADARÓ, Marcelo. Novos e velhos sindicalismos no Rio de Janeiro (1995-1998) RJ: Vício de Leitura. 1998.
CRUZ, Antônio. A janela estilhaçada - a crise do discurso do novo sindicalismo.
Petrópolis: Vozes. 2000.
DEBATE SINDICAL. Por uma experiência nova no sindicalismo da Argentina. Ano 15, nº 38. Jun/Jul/ago. 2001.
______ Refluxo e mutações do sindicalismo. Ano 14. nº 35. Set/Out/Nov. 2000.
COCCO, Giuseppe & SILVA, Gerardo. O Porto de Sepetiba: Implementação Industrial e
Perspectivas do Trabalho Portuário. Relatório Final. Rio de Janeiro. 1999.
LEITÃO, J. C. Patitucci - Lei 8630/93 - Lei de Modernização dos Portos brasileiros e a
sua implementação nos portos do rio de Janeiro. Monografia apresentada à
Universidade Estácio de Sá. 2001.
MARX, K. Para a crítica da economia política. Trad. Edgard Malagodi. São Paulo: Abril
Cultural. 1986.
RODRIGUES, Iran Jácome. O novo sindicalismo - vinte anos depois. Petrópolis: Vozes. 1999.
O MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR DE RECIFE
Maria Isabel De Araújo Lins50
Encontro-me aqui, nesse Seminário de Educação Popular e Lutas Sociais, não na
qualidade de educadora ou pedagoga, que não sou, nem tampouco enquanto psicanalista,
ofício que exerço, mas para responder ao prestigioso convite feito pela UFRJ através da
professora Maria Lídia Sousa da Silveira, enquanto testemunha e participante de um
movimento de educação popular que foi referência fundamental para todos aqueles que
vieram a seguir.
Não se trata de dar a essa intervenção um teor acadêmico, vou me permitir falar
em nome próprio e a partir da minha experiência nesse movimento.
Tentarei assim transmitir a vocês, estudantes de hoje, um vivido há 40 anos atrás.
Um vivido de paixão, de crenças, de experiências bem sucedidas, de utopias partilhadas. O
titulo desta Mesa não poderia ser mais sugestivo: “Experiências Históricas de Educação
Popular no Brasil”
Esse vivido teve como denominador comum a crença na realização de um
programa cujo objetivo era elevar o nível cultural e educacional de nosso povo. Entusiasmá-
lo, animá-lo, oferecer uma visão nova para suas possibilidades. Conscientizá-lo dessas
possibilidades. Fazê-lo acreditar que apesar da miséria, ou de sua posição de excluídos -
nas palavras de hoje - um caminho novo poderia ir se abrindo, a partir do momento ou
desde que, desse viver, as pessoas tivessem uma compreensão e uma vontade
determinada de tomá-lo para si para transformá-lo, num esforço e num espaço comum. A
via privilegiada não podia ser outra: a educação - lato senso, a conscientização - palavra de
ordem de nosso movimento , cunhada pelo pensamento do Professor Paulo Freire, um dos
fundadores do M.C.P.
Estamos em 1960 na cidade do Recife. Na cidade dos alagados, dos mangues, dos
afogados, como chamamos justamente um de nossos bairros. Para outros, que possuem
os meios para não se afogarem facilmente, estamos na Veneza Brasileira.
Vou retroagir de dois anos: 1958. Nosso prefeito de então, Pelópidas da Silveira,
preocupado com a situação dos pobres e miseráveis de nossa cidade, discute a criação
de um movimento cultural para unir governo, povo e intelectuais no intuito de
democratizar a cultura e o ensino das artes. O plano é divulgado e aprovado por
unanimidade. Urge encontrar um local para sua instalação. Pelópidas pleiteia a
50 Psicanalista – Movimento Cultural Popular MCP
desapropriação do chamado Sítio da Trindade, mas o custo sendo muito alto, o projeto é
engavetado.
Na gestão seguinte, a gestão Miguel Arraes, em Maio de 1960, o projeto é
reavivado e finalmente viabilizado. Toma corpo e nome: Movimento de Cultura Popular,
inspirado numa experiência francesa chamada Peuple et Culture. Local: Sitio da Trindade,
na Estrada do Arraial, o Arraial do Bom Jesus, Casa Amarela, Recife.
Paulo Rosas, outro importante fundador do M.C.P., assim se expressa num
depoimento posterior: “Ao lado da campanha, De pé no chão também se aprende a ler, e
do Movimento de Educação de Base, o MEB, o M.C.P. é um exemplo desse esforço de se
educar entre si, de se evitar um modelo vertical de educação, de tomar como referências
educativas as necessidades, os valores, a cultura do povo em um momento de sua história,
em sua realidade social, econômica e política”.
A palavra conscientização torna-se de fato a palavra motora fundamental de
nossas ações e vem conferir ao educador Paulo Freire, um lugar não só de fundador, mas
de um dos mais importantes membros do MCP, se não o mais importante, com a criação e
a implantação de seu famoso método de alfabetização de adultos.
Além dos Paulos - Freire e Rosas - ambos de saudosa memória - contamos com o
que havia de mais criativo entre nossos intelectuais, artistas e trabalhadores decididos a
contribuir com as mudanças sociais que se impunham. Germano Coelho, nosso Presidente,
Norma Porto Carreiro Coelho, Anita Paes Barreto, Maria Antonia Mac-Dowell, Aluisio
Falcão, Abelardo da Hora Sebastião Uchoa Leite e tantos mais.
Uma palavra rápida sobre a estrutura e a organização do M.C.P.
Eram seus objetivos :
1) Promover e incentivar, com a ajuda de particulares e dos poderes públicos, a
educação de crianças e adultos. Educação concebida como desenvolvimento
de todas as virtualidades humanas.
2) Elevar o nível cultural do povo, preparando-o para a vida e o trabalho.
3) Colaborar com a melhoria de seu nível material através de educação
especializada.
4) Formar quadros destinados a interpretar, sistematizar e transmitir os múltiplos
aspectos da cultura popular.
Além dos setores administrativos, deliberativos, consultivos e executivos, o MCP
contava com três departamentos fundamentais:
Departamento de formação da cultura
Departamento de documentação e informação Departamento de Difusão da cultura
O departamento de formação da cultura foi o que desenvolveu a ação educativa
mais criativa. Cabia-lhe:
1- Interpretar, desenvolver e sistematizar a cultura popular.
2- Criar e difundir novos métodos e técnicas de educação popular.
3- Formar pessoal habilitado a transmitir a cultura do povo.
Desse departamento faziam parte dez divisões: de Pesquisa; de Ensino, Artes e
Artesanato; de Música, Dança e Canto; de Rádio, Televisão, e Imprensa; departamento de
Teatro; de Cultura Brasileira; de Bem Estar Coletivo; de Saúde e finalmente, departamento
de Esportes.
Essas divisões funcionavam através dos programas ou projetos especiais,
executados sob a responsabilidade imediata de coordenadores.
Minha participação:
Trabalhei inicialmente na Divisão de Pesquisa, sob a chefia do Prof. Paulo Rosas.
Um questionário fora concebido a fim de levantar novos dados para ampliação do universo
vocabular do método do Prof. Paulo Freire. Aquele momento, mesmo que sofrido, nos foi
coincidentemente propício à investigação desejada. Queria Paulo Freire entender o
pensamento mágico do povo e acabara de acontecer o estouro do açude de Orós, Ceará,
onde vidas, sonhos e tantos empreendimentos foram perdidos. Um nordestino sabe bem,
por si só, a magia que a palavra açude exerce sobre ele. Um açude que estoura, rompe, dá
muito o que pensar e matutar.
Nesse contexto, partimos para o campo. O universo populacional escolhido foi
levantado a partir da lista de alunos inscritos na Rede Pública de Ensino Primário, então
bastante precária. A ajuda de tivemos das diretoras dessas escolas foi fundamental para o
sucesso de nosso trabalho.
Visitei bairros, arrabaldes e córregos do Recife. Exaustivamente. Córrego do
Euclides, Macaxeira, Barriguda (por causa de uma imensa paineira, em Pernambuco
chamada de barriguda), Afogados, Coque, Várzea , Beberibe, Iputinga, Alto Zé do Pinho,
Alto do Pascoal, Morro da Conceição, Torrões e tantos mais. Aplicávamos um questionário
fechado e complementávamos com perguntas abertas, momento intensamente esperado
por mim. Puxava a prosa - em geral éramos recebidos pelas mães, que se estendiam e
falavam de suas vidas, de suas lutas, de suas expectativas, de seus desânimos, de suas
crenças. Muitas vezes imagino que esse momento marcou, definiu minha escolha futura de
ser psicanalista, realizada muitos anos depois, no exílio em Paris. A decisão pela
psicanálise se deu, pois, marcada inicialmente por essa experiência política na minha
cidade.
Paralelamente à pesquisa de campo, fui encarregada de realizar uma outra, agora
nos Arquivos do Diário de Pernambuco, sobre as origens do carnaval pernambucano. Com
os primeiros resultados, chegou-se a escrever um artigo: “Dois Flashes do Carnaval
Pernambucano”. Havia a intenção de se fundar no M.C.P., um museu da Cultura Popular e
o carnaval teria aí um lugar privilegiado.
Posteriormente a essas pesquisas, participei do projeto Praças de Cultura. Esse
projeto se integrava a um outro mais amplo, denominado Meios Informais de Educação, do
qual faziam parte bibliotecas e um serviço de radiodifusão da cultura popular. Seu intuito
era o de suscitar debates que animassem a consciência dos problemas comunitários -
propúnhamos exibição de filmes e encenação de peças teatrais dizendo respeito aos temas
em pauta. As discussões eram profícuas e o fio condutor sempre esse: Conscientização
das questões comunitárias como subsídio para um processo de transformação. Obtivemos
sucessos inegáveis. No seu depoimento ao “Movimento de Cultura Popular- Memorial”
publicado sob os auspícios da Prefeitura da cidade do Recife, 1986, sendo prefeito Jarbas
Vasconcelos, Anita Paes Barreto nos diz:
O fato é que o M.C.P., já em fins de 1962, contava com cerca de 20.000 alunos
divididos em pouco mais de 600 turmas, distribuídos entre 200 escolas isoladas e Grupos
Escolares.
Finalmente extinto o M.C.P. pelo novo regime de governo que se instalou em 1964,
a Prefeitura do Recife foi levada a instalar a Fundação Guararapes, a fim de manter as
escolas já em pleno funcionamento, inauguradas, pelo anterior movimento.
Pode-se então dizer que o M.C.P. levou a Prefeitura do Recife a criar oficialmente, o
ensino municipal, sob a direção de uma Secretaria de Educação, consequentemente então
criada, e atualmente, no Governo do Prefeito Jarbas Vasconcelos, em processo de
mudança, quanto à orientação do ensino.
Antes de terminar, gostaria de destacar também a importância que teve o
Departamento de Teatro, encenando nossas idéias e ideais e do qual fizeram parte atores
hoje consagrados como José Wilker e Nelson Xavier.
Uma palavra também sobre as volantes do setor médico, as cooperativas das
costureiras, enfim ,sobre todos esses cujos esforços foram o de levar à população sofrida e
desmunida de recursos materiais, subsídios, sobretudo educacionais. Ajudando nessa
tarefa de conscientização fazendo com que a partir daí, da consciência de sua situação, as
pessoas pudessem trabalhar por uma mudança real, possível e duradoura.
Veio 1964. Invadiram nossas instalações do Arraial do Bom Jesus. Incendiaram
nossos arquivos. No entanto, o que foi então plantado não arrefeceu. Não se queimam
ideais nem idéias: continua a luta, a vontade por um mundo melhor, por um Brasil menos
desigual.
É o que eu tinha para lhes dizer.
Muito obrigada.
18 de novembro de 2004.
INTRODUÇÃO AO DEBATE: UM PERCURSO NA ÁREA DA EDUCAÇÃO POPULAR Regina Rocha51
Nesta mesa de debate dedicada à “Educação Popular: algumas experiências atuais
no Brasil”, vou apresentar, sucintamente, a trajetória da Nova Pesquisa e Assessoria em
Educação, organização não governamental criada no início da década de 70 a partir de
debates em um seminário realizado em Salvador (Bahia). Esse seminário teve como
participantes um número significativo de responsáveis por trabalhos educativos junto a
movimentos populares, em diferentes pontos do país, e alguns educadores e
representantes de agências de cooperação internacional. Uma das recomendações finais
desse seminário foi a de que fosse criada uma instituição que pudesse prestar assessoria
aos trabalhos de base que, naquele momento, estavam sem condições de aprofundar um
debate sobre questões levantadas em suas respectivas práticas de trabalho e se sentiam
muito isolados frente aos problemas que estavam enfrentando. Visando a concretizar essa
recomendação foi fundada a NOVA, que começou sua atuação na área da educação
popular em 1973. A trajetória da NOVA está vinculada à trajetória da educação popular no
país a partir desta data.
Historicamente, “Educação popular” nomeia um conjunto de práticas bastante
diversificadas: são distintas as orientações teóricas, os tipos de inserção, as áreas
temáticas, as ênfases, os grupos sociais envolvidos. Estas práticas têm, no entanto, uma
marca constitutiva comum: afirmam-se e se reconhecem pelo conjunto de princípios ético-
políticos que fundamenta seus trabalhos. Unir o ético e o político nestas práticas significa
não só afirmar uma intencionalidade mas, ainda, enquanto processo educativo, orientar
suas propostas e comprometer suas intervenções com o fortalecimento de sujeitos
coletivos capazes de pensar e problematizar o seu tempo, semear valores, demarcar
caminhos e alternativas para a construção de uma sociedade pautada por eqüidade e
justiça social.
Este posicionamento impulsiona os trabalhos de educação popular a desenvolver,
com a participação ativa dos grupos envolvidos, suas potencialidades enquanto sujeitos da
transformação de suas vidas e da coletividade.
É por isso que, neste processo educativo, o que se visa é produzir – e não só
transmitir – conhecimentos que sejam instrumentos para atuação dos grupos. Para tanto, é
necessário criar condições para o exercício coletivo de poder influir, decidir, encaminhar,
51 Socióloga, pesquisadora da Nova Pesquisa e Assessoria em Educação (RJ).
optar, questionar, propor a transformação dos padrões de existência social vigentes que
reproduzem uma sociedade de desigualdades e exclusão.
Na educação popular – participantes “educadores e educandos” – apresentam
conhecimentos diferenciados que exprimem a apreensão da realidade de um determinado
ponto de vista. Este conhecimento é resultado da experiência histórica dos diferentes
grupos; surge em diferentes pontos da sociedade; nasce nos diferentes atos pelos quais
homens e mulheres se apoderam de um certo número de coisas, reagem a um certo
número de situações. No processo educativo, a experiência que está se efetivando no
concreto é apresentada justamente para ser pensada, apropriada, compreendida. O que se
visa é criar um conhecimento que fundamente a construção de um novo tipo de sociedade
e, para tanto, é necessário que os participantes exerçam o seu poder de pensar, de tomar
iniciativas, de decidir, de interferir, de partilhar o que já sabem para criar o ainda não
conhecido.
É nesta perspectiva que a NOVA atua. A ênfase de seu trabalho está na reflexão e
no debate crítico sobre a realidade existente para, com a participação ativa dos
participantes, produzir um conhecimento que possibilite a ampliação da interferência destes
segmentos no processo de construção de uma sociedade igualitária e plural.
Nestas três décadas de atuação da NOVA, significativas mudanças ocorreram na
dinâmica da realidade brasileira e nos processos educativos desenvolvidos.
Na década de 70 – época em que a NOVA inicia seus trabalhos – as camadas
populares desenvolveram, no cotidiano, uma resistência ativa e efetiva nas mais diversas
redes de relações 52. Estas lutas realizaram-se nos mais diferentes pontos da rede social:
movimentos por moradia, movimentos por saúde nas periferias, oposição metalúrgica... E
não se realizavam inevitavelmente, como nas décadas anteriores, como luta de resistência
ao poder de Estado. Elas se efetuaram justamente onde – integradas ou não ao Estado –
estavam se efetivando relações que mantinham e reforçavam os padrões sociais
dominantes. Ou seja, nestes movimentos, o Estado deixa de ser a referência central como
lugar e instrumento privilegiado das mudanças sociais. E mais: também deixam de ter
primazia as lutas conduzidas pelo operariado e campesinato, referências privilegiadas em
trabalhos de educação popular até então desenvolvidos .
A partir desse período, os sujeitos históricos coletivos se ampliam: passam a ser
formados por outras categorias além do proletariado e campesinato, visibilizando e
fortalecendo, por exemplo, a luta das mulheres, dos negros, dos indígenas. Há o
52 Vide SADER, Eder – Quando novos personagens entram em cena, 2a. ed., S.Paulo, Paz e Terra, 1991
descolamento destas lutas dos movimentos institucionais tradicionais: sindicatos,
organizações/partidos políticos. Com o fortalecimento de novos sujeitos coletivos,
diversificados e descentralizados, há uma ampliação dos lugares políticos em que esses
sujeitos atuam. São espaços referenciados na experiência cotidiana visando
transformações nas relações com o espaço público.
Nessa trajetória, a NOVA soma seus esforços a vários trabalhos de educação
popular que, mantendo como centro privilegiado de suas atuações os movimentos
populares, passam a interagir também com os movimentos sociais, ampliando sujeitos,
espaços e temáticas, e mantendo seu compromisso com um projeto de sociedade
igualitário e plural.
As mudanças sociais iniciadas na década de 1970 demandaram tempo para se
consolidar mas, de forma renovada, marcar as atuações de educação popular
desenvolvidas hoje.
Analisando atuações nesta área na década de 90, alguns autores consideram que
a educação popular passou de uma educação “de” e “para” os setores populares a uma
educação emancipadora e democrática que se propõe a ser capaz de oferecer uma
proposta educativa a toda a sociedade.
Assim sendo, pode-se admitir que, hoje, os trabalhos de educação popular têm
grandes desafios pela frente. Esta é uma época marcada pelo aprofundamento dos
processos de exclusão social, aumento do desemprego, destruição da natureza, ampliação
das formas de violência.
No atual cenário brasileiro tem sido demandada e valorizada a participação de
diferentes segmentos na discussão e negociação de novos rumos para o país. A
participação da população no encaminhamento de questões que lhe dizem respeito já é um
elemento fundamental para começar a reverter o atual quadro de forças no cenário
nacional. No entanto, é preciso ressaltar que apenas a interlocução não é suficiente;
participação significa integrar os segmentos sociais como parte ativa na construção e
controle do processo democrático brasileiro.
Os trabalhos de educação popular têm atuado para incentivar e promover
discussões sobre os processos que geram e sustentam uma situação de profunda
desigualdade social. Não se trata de debruçar-se sobre os efeitos, mas de analisar os eixos
dinâmicos desse processo, que não é nem inexorável, nem obra do acaso, mas resultado
histórico de opções políticas deliberadas. A superação da atual situação requer a
construção de um país radicalmente democrático. A democracia representativa,
mundialmente e há muitas décadas, tem tido a sua legitimidade fortemente contestada,
dado que os seus mecanismos de funcionamento dizem respeito a democracias formais,
não viabilizam uma democracia efetiva.
Trata-se de construir uma democracia substantiva, o que significa um modo de
funcionamento da sociedade em que vigorem a criação e o controle social, e não apenas
um modo de funcionamento de um regime de governo. Para que se construa esta
democracia, a sociedade tem que ser modificada em todas as suas práticas, em toda a sua
capilaridade.
E, sem dúvida, nesse processo a educação popular tem sua contribuição a dar -
por sua trajetória, por sua história, por sua dinâmica atual. Junto a diferentes segmentos
sociais, somando esforços com movimentos sociais e movimentos populares, os trabalhos
de educação popular têm atuado permanentemente frente às causas dos desafios
concretos, criando novos padrões de interação e de resistência a práticas de exclusão e
discriminação social. Estas novas práticas abrem possibilidades de transformação do que
está dado na medida em que, inventando e afirmando padrões mais igualitários de
convivência e de reestruturação das relações sociais, colocam a exigência de construção
de uma sociedade pautada por justiça e solidariedade.
SEMINÁRIO: EXPERIÊNCIAS HISTÓRICAS DE EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL EDUCAÇÃO POPULAR NA DÉCADA DE 60
Rute Maria Monteiro Machado Rios53.
- Relato de uma experiência -
1- Introdução Ao aceitar o convite da professora Maria Lídia para participar deste seminário,
meu primeiro movimento foi realizar uma viagem no tempo/espaço para retomar uma
vivência de 40 anos atrás. Naquela ocasião, o conceito de “educação popular” começava a
ser construído e o apetite que conduzia a mim e a inúmeros outros jovens estudantes
universitários, era a promoção dos direitos humanos da imensa população nordestina que
vivia no campo e nas cidades em regime de semi-escravidão. E a educação, desde o
aprendizado da leitura/escrita até o exercício da cidadania plena, era o caminho que todos
nós nos dispusemos a trilhar.
2- Situando-me no tempo/espaço
Meu nome é Rute Maria Monteiro Machado Rios, natural de Campina Grande –
Paraíba. Meu engajamento nesse trabalho de educação popular começou em 1964
quando, já estudante de Direito em Recife, fui convidada a trabalhar no Movimento de
Educação de Base (MEB) de Pernambuco, na equipe sediada em Recife. A área de
atuação delimitada para nosso grupo era a zona da mata, onde estavam instalados os
engenhos e usinas que produziam o açúcar, naquela ocasião, a principal fonte de riqueza
do Estado. Ali atuei por um período de três anos (1964/66).
Em setembro de 1966, em virtude de problemas de perseguição política, tive que
abandonar o Recife. Transferi-me, então, para o Rio de janeiro onde, a partir de janeiro de
1967, passei a integrar a equipe nacional do MEB. Isto implicou na ampliação da área e da
especificidade da minha atuação. Ou seja, de técnica de uma ação educativa de base –
intervindo diretamente na realidade através de ações de alfabetização e educação política
de adultos – passei a assumir tarefas de treinamento e supervisão de equipes de educação
de base instaladas em vários estados do norte de do nordeste do Brasil. E, aí permaneci
até setembro de 1971.
53 Pedagoga – Movimento de Educação de base -MEB
3- . Como se deu minha formação.
A década de 60 foi, sem dúvida, pródiga no que diz respeito à mobilização popular.
Atores diversificados tais como: partidos, sindicatos, associações, movimentos estudantis e
instituições, como a Igreja Católica, atuavam na direção de promover mudanças na
sociedade brasileira. Já no primeiro ano do curso de Direito, fui convidada a integrar a
equipe da Juventude Universitária Católica (JUC) e foi, a partir daí, que tomei conhecimento
da existência do Movimento de Educação de Base – MEB. Em janeiro de 1963, quando
havia recém completado 19 anos, fui convidada a integrar a equipe do MEB/Recife depois
de ter participado de um treinamento de 10 dias. Era uma estudante do curso de Direito e
não tinha nenhuma formação pedagógica para a tarefa que me convocavam. O que me
moveu foi a determinação de mudar o mundo, alfabetizando e organizando a sofrida
população que trabalhava nos engenhos e usinas de cana de açúcar.
Portanto, foi no dia a dia do trabalho do MEB/Recife que fui me forjando como
educadora popular. As atividades consistiam em visitar e instalar escolas nos municípios da
zona da mata próximos do Recife; capacitar/treinar monitores para a atividade de
alfabetização com apoio do rádio e cartilha; preparar e gravar aulas radiofônicas e
programas especiais - tanto para os alunos como para as comunidades a que pertenciam;
supervisionar as escolas no horário da transmissão das aulas e fazer reuniões regulares
com as comunidades que abrigavam as escolas.
Essa formação, em serviço, foi uma experiência da qual jamais esquecerei! O que
criamos - desafiados por uma tarefa inusitada para todos os jovens integrantes da equipe;
composta por estudantes de diferentes áreas; que pouco ou nada conheciam do ato de
ensinar a ler e escrever a indivíduos adultos e, muito menos, através do rádio foi
simplesmente extraordinária!
4- O que gerou essa experiência?
Passados tantos anos dessa história debruço-me, regularmente, sobre as notícias
nos jornais e na TV a respeito dos rumos que tomaram as lutas dos trabalhadores rurais
não só da minha cidade de origem, como também de outras regiões do país. Observo que
num espaço muito curto de tempo, a realidade mudou muito. Os números se inverteram: os
que hoje estão no campo são minoria, mas a luta que continuam a travar ganhou novos
contornos. Ao mesmo tempo, o nível de instrução/informação aumentou bastante no meio
rural e urbano. De fato, não há como negar que no decorrer de todo esse tempo houve
acumulação de experiências e saberes não só do lado dos agentes educadores como,
também, dos trabalhadores rurais.
Refletindo sobre isto, ao preparar minha participação neste seminário, lembrei de
um projeto que desenvolvemos no MEB/Recife para transmitir aos nossos alunos a história
da formação da nação brasileira. Tínhamos então, na equipe, uma pessoa que trabalhava
com produção de textos para teatro e começamos a discutir a possibilidade de produzir um
programa especial que tratasse dessa temática. E, foi assim, que nasceu o projeto de uma
novela radiofônica. Baseada no livro “As aventuras de Tibicuera” de Érico Veríssimo essa
novela foi tão bem sucedida que outras equipes do MEB, no nordeste, retransmitiram esta
programação em vários estados da região.
Em 1990, passados cerca de 25 anos da transmissão dessa novela pelo rádio,
participei de um seminário sobre sindicalismo rural no sertão do nordeste e, para minha
surpresa, ouvi um velho sindicalista citar vários trechos do discurso político do personagem
Tibicuera, para falar da luta e da trajetória do sindicato rural na sua região.
Enfim, toda essa acumulação continua se ampliando no desdobramento da luta por
uma condição melhor de vida dos trabalhadores do nosso país. E, o exercício pleno da
cidadania foi, segue sendo feito com a ajuda de recursos cada vez mais numerosos e é aí
que nós, agentes, nos incluímos sem perder que os protagonistas da construção de um
país mais digno e justo são eles, os trabalhadores do campo e da cidade do nosso país.
Muito obrigado!! Rio de janeiro, 18 de novembro de 2004
EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA54
Mauro Luis Iasi55
A formação política é uma das ações mais enfatizadas pelas organizações
dos trabalhadores em seu processo de luta pela emancipação humana. Paradoxalmente,
esta eterna prioridade, quase sempre é relegada na prática destas organizações. A cada
encontro ou congresso dos movimentos e organizações das forças populares, a formação é
reafirmada, para no próximo encontro detectarmos que aquilo que foi planejado não se
realizou, ou, no limite, não se realizou da forma como se esperava. Por que isto acontece?
Em nossa visão há uma certa mistificação do tema da “formação política” ou da
“educação popular”, dependendo da maneira como o assunto é tratado entre nós. Por
vezes a formação assume o perfil de uma mera transmissão da linha partidária, ou de uma
doutrina, e, por outro lado, por vezes assume o papel supervalorizado de criadora da
própria consciência que nos levará às transformações revolucionárias. De um lado, uma
simples técnica de socialização de uma teoria transformada em receituário colado a
determinados “modelos” que devem ser repetidos; de outro o espaço de formulação e
elaboração de um suposto novo conhecimento que iluminará as mentes, levando a
consciência em si, através do ato educativo, até uma consciência para si.
Há um evidente exagero nesta polarização, no entanto, ela nos ajuda a compreender
o movimento percorrido pelas experiências em formação política no Brasil e algumas de
suas lacunas. Para nós a questão inicial a ser enfrentada é que a forma da educação
popular, ou da formação política de quadros, está inseparavelmente ligada à maneira como
as forças políticas entendem o processo de formação da classe e concebem o caminho de
sua emancipação.
A própria idéia de que há necessidade de um processo educativo especificamente
voltado aos trabalhadores com vistas á socialização de um determinado conhecimento
essencial em sua tarefa transformadora, já implica em certos pressupostos, quais sejam: 1)
há uma diferença entre aparência e essência, de forma que a simples vivência da realidade
não oferece a compreensão necessária das determinações que sustentam uma particular
forma de sociedade; 2) a compreensão de que as diferentes alternativas societárias
correspondem a interesses de classe, o que nos leva a afirmar que tanto a manutenção da 54 Tema tratado no Seminário de Educação popular e Lutas Sociais do CFCH da UFRJ no dia 18 de novembro de 2004. 55 Mauro Luis Iasi é doutor em Sociologia pela FFLCH da USP, professor titular de Ciência Política e Teoria do Estado da
Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, professor de Sociologia da Universidade Metodista de São Paulo e educador do Núcleo de Educação popular 13 de Maio.
atual ordem social, como a possibilidade de sua superação envolve projetos históricos de
determinadas classes sociais; 3) acreditar que as transformações históricas podem ser um
projeto consciente, que expressam uma intencionalidade, ou seja, que no caso da etapa
proletária e socialista, as revoluções não “acontecem”, mas tem que ser “feitas”; 4)
compreender que na realização de uma revolução social, combinam-se aspectos objetivos
(grau de avanço das forças produtivas materiais e sua contradição com as relações sociais
existentes, grau de amadurecimento de uma situação revolucionária, crise nas cúpulas,
aumento da miséria e angústia das massas, acirramento do movimento independente das
massas, etc), com aspectos subjetivos, que Lênin identificou como a “capacidade da classe
revolucionária em produzir ações revolucionárias de massa que levem à derrubada do
poder da classe dominante” e que envolvem a capacidade de elaboração de programas
táticos e estratégicos produzidos pela compreensão das formações sociais em suas
particularidades, assim como a constituição dos meios organizativos capazes de produzir
os vínculos diretos com o movimento vivo da classe.
Como vemos, é somente a partir destes pressupostos que faz sentido a
necessidade da formação política, e por isso, também, acreditamos nós, que ela entra em
crise no atual momento de defensiva política dos trabalhadores, no qual estes pressupostos
são questionados. A ofensiva pós-moderna funda sua principal argumentação na afirmação
da emergência de uma sociedade “pós-industrial”, na qual as classes perderam a
centralidade explicativa que antes representavam, ao mesmo tempo em que abrem suas
baterias críticas contra o marxismo acusando-o de ser uma visão mal superada de
hegelianismo reapresentando a classe trabalhadora como sujeito de uma história
transcendental, de um projeto teleológico, ou seja, que Marx teria apenas substituído o
“Espírito do Mundo” de Hegel pelo proletariado, mas mantido toda a estrutura voluntarista e
idealista do filósofo alemão.
Neste cenário de derrota e defensiva da luta dos trabalhadores, a formação
perde o sentido e a educação popular metamorfoseia-se em programas de “inclusão
social”, “desenvolvimento de cidadania”, “educação para o trabalho”, ou ainda assume a
forma de meros atos de propaganda e de informação.
Afirmamos que o trabalho educativo na perspectiva de uma educação popular
revolucionária, só faz sentido para aqueles que acreditam, com nós, na possibilidade da
classe trabalhadora poder tornar-se um sujeito histórico capaz de apresentar um projeto
societário alternativo contra a ordem do Capital. O registro pós-moderno rompe com a idéia
de sujeito histórico, diluindo-se na singularidade do acontecimento, no acaso da luta
particular, alterando radicalmente o papel do conhecimento e daí o papel do próprio
intelectual orgânico, nos termos gramscianos.
Como em nossa compreensão os aspectos subjetivos de um processo de
construção de uma alternativa revolucionária se encontram em uma relação de unidade de
contrários com os aspectos objetivos, ocorre uma ação e reação recíproca de forma que
um dos aspectos pode, em certo momento, transformar-se em seu oposto, o que no caso
significa que os aspectos objetivos podem levar à conformação de uma consciência
revolucionária, assim como esta consciência passa a agir como força material quando se
objetiva na ação da classe. Esta aproximação nos coloca numa situação delicada que é a
de afirmar que, assim como não acreditamos que as contradições objetivas e o processo de
luta conduz mecanicamente à alterações da consciência, da mesma forma não podemos
concordar que os impasses práticos da luta de classe possam ser resolvidos por uma mera
ação educativa.
O papel e a importância da formação política encontra-se na fronteira desta
disjuntiva, estando profundamente ligada à maneira como compreendemos o processo de
consciência. O sujeito da transformação revolucionária são as classes, mas estas, de certa
forma, têm que se conformar enquanto classes. Este argumento, que implica negar uma
certa visão de que as classes seriam meros espaços determinados pelas posições relativas
diante da propriedade e das relações sociais de produção, nos remete ao conceito das
classes como fruto de uma múltipla síntese entre inúmeros fatores, que incluem, além dos
já citados, o processo de formação da classe em se processo de luta e a consciência de
classe.
Esta consciência de classe não pode ser confundida com um de seus momentos,
seja a alienação típica da serialidade dos indivíduos em disputa na sociedade do capital, a
conformação como uma classe em si da ordem capitalista na qual os trabalhadores
procuram se amoldar como parte integrante, ou o momento de negação da ordem e de
possibilidade de afirmação de uma autonomia histórica como classe para si. A consciência
é um movimento que passa por estes momentos, é um todo e como tal é apenas o
processo pelo qual tornou-se o que é.
Este movimento da consciência não pode ser compreendido para além do próprio
movimento do ser da classe e, neste sentido, a classe trabalhadora, em seu processo de
constituição enquanto classe passa, também, por estes momentos que vão desde a
serialidade inicial dos indivíduos até momentos de amoldamento à ordem do capital e de
negação desta mesma ordem. Isto ocorre porque a classe trabalhadora é, ao mesmo
tempo, uma classe na ordem capitalista, sem que seja uma classe da ordem capitalista.
Podemos então concluir que estes diferentes momentos do processo de entificação
da classe como classe, nos termos de Marx, encontram sua correspondência em diferentes
momentos da própria consciência de classe. Entretanto, se esta é a base material, o
aspecto objetivo da consciência de classe, ela não é determinada mecanicamente por
apenas por ele, uma vez que intervêm aspectos subjetivos, ou seja, produzidos pelos
sujeitos revolucionários e as organizações, que moldam de certa forma a classe no sentido
da negação ou do amoldamento.
É neste campo que a formação intervêm de forma decisiva. A vivência das
contradições próprias do sistema capitalista pode levar os indivíduos até formas de
associação grupal, desde as mais imediatas até graus diferenciados de pertencimento de
classe, mas este processo encontra seus limites nos contornos da formação das classes da
sociedade do capital, no limite do que Marx chamaria de consciência em si. A possibilidade
de um salto de qualidade em direção a uma consciência revolucionária se produz pela
combinação, de um lado, da vivência prática dos impasses e impossibilidades de completar
a emancipação dentro dos limites não superados de uma sociedade regida pelo capital, e
por outro pela apropriação de instrumentos teóricos que permitam ir além das aparências e
compreender as determinações profundas que estão na base das injustiças e da
exploração contra as quais a classe se move.
Existe, portanto, três dimensões distintas no que tange ao trabalho revolucionário
empenhado em constituir as chamadas condições subjetivas: a da agitação que
potencializa as contradições vividas individualmente até formas variadas de sociabilidade
grupal, a da organização que potencializa estes formas grupais desde níveis imediatos até
graus maiores de pertencimento de classe (associações, sindicatos, movimentos sociais,
partidos, etc), e a da formação, propriamente dita, que acompanha este movimento no
sentido de buscar as causas e determinações da sociedade atual, tornando possível uma
leitura da realidade que seja capaz de autonomia histórica, nos termos de Gramsci.
Algumas experiências históricas do trabalho educativo no campo da formação
política, não atentaram para a diferença de natureza entre estes momentos, ou, como foi
determinante nos momentos mais recentes deste processo, diluíram estas diferenças na
afirmação tão comum segundo a qual “tudo é formação”, ou “tudo tem uma dimensão
pedagógica”. Desta maneira, a formação política acaba sendo confundida com uma mera
agitação, e subordina-se à ação, ou uma mera técnica de homogeneização (aliás e daí que
deriva o termo “formação” - colocar na forma), subordinando-se a organização. Seja como
for, a formação perde sua especificidade.
Segundo o que pensamos a formação encontra sua especificidade na tarefa
essencial de socializar os elementos teóricos fundamentais para que os elementos da
classe trabalhadora possam constituí-la enquanto sujeito histórico, ou seja, capaz de
apresentar uma alternativa societária com independência e autonomia histórica. Para tanto
os elementos que compõem a classe precisam compreender a natureza particular da
sociedade capitalista, suas determinações e sua formação histórica, assim como a luta de
sua classe, o movimento na história da própria constituição da classe trabalhadora
enquanto classe, suas estratégias, suas epopéias e derrotas, para retirar de cada grão da
história seus ensinamentos. Mas também, e fundamentalmente, apropriar-se de um
método, que tornou possível estes saberes, que desvendou a economia política, que
através da crítica da economia política logrou compreender o ser do capital em sua
essência, que buscando captar o movimento das formas chegou a compreender os
processo pelos quais as formas se superam, que compreendendo a natureza singular da
transformação que a sociedade especificamente capitalista em seu auge prepara, pode
encontrar na classe trabalhadora o sujeito histórico desta transformação e, nesta forma
particular, a possibilidade de uma emancipação humano-genérica. Em uma palavra, a
formação implica, ao nosso ver, na apropriação do legado marxiano pela classe
trabalhadora.
A forma como tais objetivos foram pensados na tradição das organizações
socialistas e revolucionárias em nosso país, marca as diferenças fundamentais no que
tange as concepções da formação política e de educação popular. Em um primeiro
momento devemos registrar que o processo de formação da classe trabalhadora brasileira
carrega a herança das lutas populares e de resistência que têm sua origem no passado
colonial e escravista da formação social brasileira.
Foi, entretanto, com o processo de transição para uma economia capitalista na
passagem do século XIX para o século XX, que se inaugura uma organização de classe
que implicava em um trabalho específico de “formação” ou “educação”. Nestes primórdios
temos a rica experiência da corrente anarco-sindicalista e o desenvolvimento de métodos
extremamente criativos que foram responsáveis pelo estabelecimento, de maneira pioneira,
de uma cultura operária e emancipatória.
O movimento anarquista foi responsável por uma intensa militância cultural, da
maior imprensa operária que o movimento dos trabalhadores teve em toda sua história, da
divulgação ampliada de ideais libertários através de textos, peças teatrais esquetes,
piqueniques, manifestações e, principalmente, da ação direta das lutas sociais e
reivindicatórias. A atividade educativa era encarada como parte central da luta social e da
afirmação da autonomia das organizações operárias, inclusive na formação de escolas
ditas formais controladas pelas organizações libertárias. A educação libertária é inseparável
de suas funções agitativas ligadas à estratégia da ação direta, revestindo-se, por vezes, de
uma ênfase moral. Os limites desta primeira forma são proporcionais aos seus êxitos
encontrando sua forma mais desenvolvida nas greves gerais de 1917 e 1919.
Evidente que a experiência anarquista não pode ser julgada por não se utilizar
do referencial marxista, uma vez que fundamentava sua estratégia sobre ouros alicerces,
entretanto, a categoria da ação direta implicava em recursos morais, profundamente anti-
capitalista, que necessitavam ser massificados para se tornar eficazes enquanto arma
política. O aspecto da compreensão da particularidade da formação social brasileira, o
caráter da sociedade, das classes e do Estado no Brasil, não chegaram a constituir questão
central na elaboração, e portanto no trabalho educativo-político, anarquista.
O impacto da Revolução Bolchevique na Rússia e os limites práticos das
estratégias anarquistas, concorreram para a formação do PCB em 1922 e o início de uma
longa hegemonia da tradição comunista no Brasil que se estendeu até o golpe militar de
1964. Se na experiência anarquista a formação encontrava sua maior expressão na esfera
da agitação e da formação de uma cultura operário-libertária (sem que desconsideremos
que a estas esferas ligava-se um intenso trabalho organizativo), a tradição comunista
colocava sua ênfase na organização, de maneira que a formação assumia o papel de
socialização de uma doutrina marxista, como síntese de um pensamento revolucionário
capaz de dotar de homogeneidade o corpo da classe enquanto partido. A eficiência desta
forma, que pode ser medida pela longevidade da experiência organizativa dos comunistas
brasileiros, também foi proporcional aos seus limites. Colocando a classe trabalhadora em
movimento como um novo sujeito histórico, em muitos momentos como ator determinante
de certas conjunturas, o PCB levou a formação política até um alto grau de organização
que atingia com grande eficiência a tarefa de multiplicação de militantes orientados por uma
linha de ação comum. Entretanto, a formação, exatamente por isso, subordinou-se à
organização e assumiu uma forma de socialização de uma linha de ação.
O limite desta experiência, assim como da contribuição anarco-sindicalista, não
deve ser medida pelo crivo do sucesso ou fracasso da estratégia adotada, mas através dos
caminhos percorridos para a construção destas alternativas. O que nos chama a atenção é
que estas experiências que alcançaram índices invejáveis de aglutinação, organização e
mobilização das massas operárias, que construíram meios de educação e desenvolvimento
de elementos culturais responsáveis pelo estabelecimento de gerações de militantes
convictos, fundarão suas estratégias em uma leitura bastante precária a respeito da
particularidade da formação social brasileira.
É verdade que a tradição comunista deu um salto significativo nesta direção,
através de estudos pioneiros como os de Octávio Brandão e Astrogildo Pereira, entre
outros, mas devemos notar que acabou por prevalecer a imposição de modelos
comparativos que acabavam por ser determinantes, como no caso da definição de
estratégias insurrecionais, como as de 1935, ou na definição de um caráter Nacional
Democrático como a estratégia que prevaleceu na década de 50 e 60.
A própria diversificação da esquerda brasileira tendo por tronco fundamental o
PCB, ou a ele se contrapondo, acaba por confirmar esta tendência. A fonte destes modelos
pode ser encontrada na dinâmica do movimento revolucionário internacional e nos
acontecimentos dramáticos que emanavam das experiências de transição revolucionária
em curso, como seria natural de se esperar. Desta maneira, com a hegemonia das
concepções de Stalin na URSS, forma-se por contraste, no Brasil, a corrente trotskista,
principalmente a partir do grupo 1º de Maio e depois da Liga Comunista Internacionalista;
quando da cisão entre a URSS e a China, já na década de 60, tem inicio a formação de
cisões que procuram uma possibilidade de leitura maoísta no Brasil, posteriormente
ganhando forma com a criação do PC do B em 1962, da mesma forma que a crise da
estratégia nacional democrática do PCB com o golpe em 1964, levaria vários grupos a se
aproximarem do modelo guerrilheiro emanado da experiência bem sucedida da revolução
Cubana de 1959.
De forma muito geral podemos afirmar que a opção por modelos alternativos não
se dava por diferentes leituras da formação social brasileira, mas pela busca de parâmetros
encontrados nas experiências que encontraram êxito em cada período (Revolução Russa,
Chinesa, Cubana, etc.). Neste grau de pulverização a formação política assume a forma de
uma “justificativa” da superioridade de cada modelo em comparação aos outros, perdendo
sua especificidade de permitir a apropriação de um método de compreensão da realidade
do qual derivasse as formulações estratégicas adequadas à particularidade brasileira, na
verdade a tradução particular das leis gerais dos processos revolucionários.
Uma das características comuns a todas as experiências revolucionárias vitoriosas
no século XX é a que, em algum momento, suas vanguardas entraram em choque com
uma determinada ortodoxia que lhes queria impor como modelo uma certa alternativa. Foi
assim na revolução russa com o rompimento da ortodoxia da II Internacional, foi assim na
revolução Chinesa ao superarem a imposição da estratégia Petrogrado, sustentada na
visão insurrecional a partir das cidades operárias, afirmando a estratégia da Guerra Popular
Prolongada, da mesma forma que a Revolução Cubana soube encontrar seu caminho
ultrapassando o círculo de giz da revolução pacífica e se recusando a optar entre o
caminho da insurreição urbana ou da guerra de guerrilhas com centralidade no campo,
combinando de maneira original os dois caminhos para encontrar o seu próprio.
O que se encontra na base desta heteroxia é a capacidade de aplicar o método
como instrumento de compreensão de uma realidade particular à luz de ensinamentos
universais.
Estas experiências contaram, cada uma ao seu modo, com ações de formação e
educação, entretanto, esta ação nos casos descritos foram restritas à formação dos
quadros que compunham as organizações de vanguarda e se estendiam às bases de apoio
na classe através de ações que seriam melhor descritas como táticas de agitação e
propaganda.
Em momentos muito específicos, como é o caso dos círculos de estudo do
marxismo na Rússia, incentivados por Plekanov e depois Martov e Lênin, ou o trabalho
educativo nas áreas liberadas no caso Chinês e Cubano, temos momentos próprios de
formação combinados com ações revolucionárias em curso. Nestas experiências, mesmo
considerando estas exceções descritas, o verdadeiro trabalho de formação ocorreu após as
vitórias revolucionárias e não antes.
Na tradição brasileira mais recente, aquela que emerge do final do ciclo autoritário
nos anos 70 e 80, curiosamente o trabalho de formação ganha o status de uma tarefa
imprescindível que deveria ser realizada antes e como condição sine qua non do processo
revolucionário. Criticando a forma que era identificada como vanguardista das experiências
anteriores, no caso do Brasil principalmente o PCB, a incorporação da classe trabalhadora
como sujeito direto de sua próprias lutas implicava na forma de massas das organizações.
Nesta aproximação a educação popular, termo que muitas vezes é usado exatamente para
fazer o contraponto à formação política identificada como de quadros, converte-se no meio
essencial da estratégia.
Assim como a tradição anterior privilegiava o conteúdo, a nova tradição iria insistir
na forma, entendida como a maneira de realizar a atividade respeitando as formas de
pensamento e o conhecimento popular.
Papel decisivo nesta alternativa teve a entrada de militantes católicos ligados à
Teologia da Libertação e o desenvolvimento de um método que orientava a ação destes
cristãos, o chamado VER, JULGAR e AGIR. A educação popular que prevaleceu neste
período e que se impôs como forma hegemônica é na verdade uma síntese entre esta
vertente cristã e a antiga tradição marxista que se multiplicou nas organizações políticos
militares nos anos de resistência á Ditadura e que reaparece no cenário político com a
abertura e a anistia no final dos anos 70.
À grosso modo, suas principais características são a forma de massas, a
preocupação com as metodologias participativas, o vínculo com os movimentos sociais e
uma certa relativização do conteúdo. Na verdade esta maneira de entender a educação
popular procurava afirmar duas diferenças essenciais: atribuir aos participantes o papel de
sujeitos do processo educativo, levando a afirmação que nas atividades educativas é
produzido um “novo conhecimento”; e o vínculo direto com a organização levando à
conclusão, antes por nós referida segundo, a qual “tudo é formação”.
Os fundamentos da forma que assumiu caráter hegemônico no período mais
recente na educação popular encontram-se na famosa formulação segundo a qual, o
processo educativo deve partir da prática concreta, elevar-se até abstrações teóricas para
voltar à prática, transformando-a, afirmação que se sintetizou na fórmula P-T-P. Conhecida
como “concepção metodológica dialética”, nos termos de Oscar Jara e de seus seguidores
no Brasil, esta concepção assumiu status de quase uma unanimidade, orientando as
experiências formativas das principais organizações dos trabalhadores no período, tais
como a CUT, o PT e o MST, além de inúmeras iniciativas de organização popular como as
pastorais, movimentos populares, sindicatos e núcleos de educação.
Assim como as experiências anteriores, esta forma particular atingiu uma grande
dimensão, principalmente no seu aspecto de massa e nos vínculos que foi capaz de criar
com as bases populares da classe trabalhadora, constituindo uma geração de militantes
sociais. Nas razões de sua eficiência encontramos algumas das raízes de seus limites. A
educação popular estendeu ao máximo sua amplitude mas diluiu suas características
iniciais classistas e anti-capitalistas, não chegando a formar uma verdadeira cultura
socialista e, muito menos, revolucionária. Ainda que divulgadora de valores militantes, a
crítica anti-capitalista raramente ultrapassava a crítica moral, fazendo com que a formação
assumisse uma forma mista de agitação e tarefa organizativa, na verdade aglutinadora
mais que organizativa.
O verdadeiro limite desta forma não pode ser encontrado nela mesma, mas nas
metamorfoses que a ação da classe sofreu no período, e que impôs à forma educativa
funções muito distintas do que aquelas que inicialmente se anunciavam. Inicialmente
tratava-se de estabelecer um amplo movimento de massas de caráter socialista como um
dos braços de uma estratégica que se completaria com a ocupação de espaços
institucionais, entre eles a participação em parlamentos e governos. Sabemos que a ênfase
se inverteu, de maneira que os movimento sociais se converteram no meio para a
finalidade estratégica, que passou a ser a ocupação e manutenção dos espaços
institucionais.
Esta deformação levou a uma alteração profunda no caráter da educação popular.
Não se tratava mais de formar militantes de um projeto socialista, mas de organizar massas
que se tornariam bases eleitorais, seja para a disputa interna no partido, ou nas máquinas
sindicais, seja para disputas eleitorais mais amplas. Pouco a pouco a política de formação
se converte em uma política de informação ou de comunicação que perdia tanto sua
capacidade agitativa, como a função de ser formadora de uma homogeneidade na
condução de uma linha de ação.
No caso específico da CUT, como demonstra Paulo Tumolo, a formação política
transitou para uma versão rebaixada de “formação profissional”; no caso do PT vivemos o
desmonte de todo o programa de formação, que inclui um programa de formação de base e
um programa de formação de formadores, sendo substituídos por estranhas e
absolutamente ineficazes programas de “educação à distancia” e veículos de comunicação
e informação.
Um dos indicadores deste desmonte pode ser encontrado na falência do projeto
das grandes escolas nacionais de formação, como o Instituto Cajamar e sua alternativa à
esquerda que foi representada pelo Instituto Nativo da Natividade.
A política de formação do MST seguiu um caminho distinto, entretanto ainda
apresenta em seus fundamentos várias marcas desta mesma concepção hegemônica,
tanto na concepção metodológica como na forma, tendo inclusive, chegado à proposta de
uma Escola Nacional. Assim como o MST, outras entidades de formação seguiram
trajetórias distintas, como é o caso do Núcleo de Educação popular 13 de Maio (NEP) que,
ainda que partindo da aceitação da concepção metodológica dialética, construiu uma
trajetória bastante distinta, fundada em programas de formação unitários para distintas
realidades regionais e diferentes categorias e segmentos de classe, acabando por formular
uma crítica substancial à metodologia hegemônica apresentando, ainda que
rudimentarmente, uma concepção alternativa. O NEP 13 de Maio chegou em 2004 à sua
18º turma de monitores com amplitude nacional, além de contribuir com iniciativas regionais
no Rio Grande do Sul, na Bahia e desenvolver três turmas no Paraguai.
Estas experiências que parecem nadar contra a corrente encontram no período mais
recente uma aparente paradoxal perenidade e crescem mesmo em períodos de claro
descenso.
Seja como for, podemos concluir afirmando, como em Karl Korsch, que a
consciência dos trabalhadores não é mais que o outro aspecto do ser da classe e, por isso,
os momentos de ascenso ou descenso do movimento real da classe deve implicar
alterações na sua expressão consciente através de movimentos de negação ou
acomodação. A construção de alternativas revolucionárias encontram no instrumento da
formação política a capacidade não de evitar os momentos de acomodamento, o que
levaria a uma supervalorização deste instrumento, mas de enfrentá-los com uma qualidade
superior e sobreviver às crises retirando delas os valiosos ensinamentos que construirão as
futuras vitórias de nossa classe.
INTERVENÇÃO PROFISSIONAL E DIÁLOGO COM A EDUCUÇÃO POPULAR
Elisonete Ribeiro56,
Breve apresentação
O texto ora apresentado se refere a uma experiência de um trabalho desenvolvido
pelo Serviço Social em empresa estatal com empregados afastados do trabalho por motivo
de doença.
Nosso objetivo consiste em analisar o trabalho social com grupos atendidos,
discorrendo sobre os desafios inerentes ao modelo de intervenção, destacando algumas
contribuições da perspectiva da educação popular nesse contexto.
O trabalho esta assim estruturado: Introdução, elementos do programa - no qual se
apresenta o programa de intervenção profissional na instituição estatal em questão -, os
elementos teóricos centrais e considerações finais, no interior das quais se tecerá breve
relação entre os elementos de Educação Popular e o trabalho desenvolvido na empresa.
Introdução:
O processo de trabalho enfocado no resgate do potencial laborativo surgiu por
iniciativa da equipe de Serviço Social de uma empresa pública (cujo nome vamos
preservar), após a realização de levantamento de dados e o tratamento estatístico dos
mesmos. Nesse percurso foi verificado que os empregados, uma vez afastados de suas
funções, por motivo de doença, mantinham interesse pelos assuntos referentes ao mundo
do trabalho, de alguma forma expressando o desejo de retorno. A fim de atender à
demanda apresentada por esse grupo de trabalhadores a equipe do Serviço Social
elaborou um projeto que focalizava a importância do empregado para a instituição e a
noção de percentual de “tempo perdido”.
Através de dinâmicas lúdicas (jogos como escravos de Jó, ciranda, etc.) são
trabalhados no grupo questões como: superação de desafios, dificuldade em lidar com
situações novas, iniciativas e participação social, mesmo quando se está doente. Deste
modo os membros do grupo se fortalecem individualmente e em grupo. Encontra, assim, o
apoio mútuo necessário para o enfrentamento de situações geradoras de tensão, de que é
exemplo, o próprio adoecimento motivador do afastamento do trabalho.
56 Assistente social, mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social da UFRJ.
Os encontros de grupo ocorrem quinzenalmente com duração de duas horas e
meia, aproximadamente. São iniciados com uma atividade física, com o apoio da equipe de
Ginástica Laboral da empresa. Os temas trabalhados são bastante variados e a
programação é feita considerando os interesses dos membros do grupo. São abordadas
questões relativas à família, benefícios previdenciários, convênios para fins de assistência
médica, dentre outros.
Verificamos nesse modelo de intervenção forte presença da visão de trabalho
como mecanismo de fortalecimento numa dimensão utilitarista do homem, ainda que o
programa se apresente estruturado de forma bastante flexível, tanto em relação ao
ingresso de participantes quanto em relação aos temas desenvolvidos.
Todos os empregados afastados há mais de três meses são elegíveis ao
Programa, sendo facultada a participação dos doentes em tratamento quimioterápico e
doentes crônicos com seqüelas físicas e emocionais, a fim de evitar constrangimento
perante os colegas.
Um outro aspecto significativo presente no trabalho desenvolvido é a relação entre
o grupo e os profissionais da equipe. Apesar de haver direcionamento e condução dos
temas, o grupo é livre para propor outras temáticas, se organizar interna e externamente e,
se o desejar, conduzir alguns trabalhos.
O programa apresenta algumas limitações visto que ao invés de fomentar a
procura de ocupações baseadas nos interesses particulares dos membros do grupo,
apresenta-lhes as alternativas, não lhes permitindo explorar, autonomamente, o universo
de possibilidades oferecidos na sociedade. Nesta linha, de certa forma se processa uma
condução dos empregados a participarem de trabalhos de reabilitação profissional
oferecidos pela (e na) empresa. Paralelamente, cursos diversos também são oferecidos
visando desenvolver outras habilidades aos vitimizados por acidentes de trabalho, ou
ainda, também àqueles que, em decorrência da evolução de quadros patológicos, não
podem mais desenvolver as atividades para as quais foram contratados.
Essa forma de organizar as atividades junto aos funcionários não apresenta
questionamento ao sistema de produção onde essas relações (compra/venda da força de
trabalho) se desenvolvem, nem mesmo promovem uma reflexão sobre as conseqüências
sociais, políticas e culturais dela decorrentes, às quais tentaremos discorrer a seguir.
Elementos teóricos centrais
A referência central para o estudo dos condicionantes da saúde-doença é o processo de trabalho, conceito recuperado, nos anos 70, das idéias
expostas por Marx, particularmente no Capítulo VI inédito de ‘O Capital’ (Marx, 1978). Na interseção das relações sociais e técnicas que o configuram, expressa-se o conflito de interesses entre o trabalho e o capital, que, além de ter sua origem na propriedade dos meios de produção e na apropriação do valor-produto realizado, consuma-se historicamente através de formas diversas de controle sobre o próprio processo de produção. Esse controle exercido no interior das unidades produtivas, por meio de velhos ou novos padrões de gestão da força de trabalho, respectivamente, taylorismo, fordismo e neotaylorismo, pós-fordismo, toyotismo, redunda na constituição de coletivos diferenciados de trabalhadores e de uma multiplicidade de agravos potenciais à saúde57”
O processo de trabalho nos moldes em que está estruturado no sistema capitalista,
vem se mostrando um fator de adoecimento para as classes que vivem do trabalho. Laurel
e Noriega (1989), utilizam-se da categoria “carga de trabalho” – física, química, mecânica e
ainda as fisiológica e psíquica – e declaram que essas diferentes cargas inter-atuam
dinamicamente entre si e com o corpo do trabalhador. Essas últimas, no entanto, não têm
“materialidade visível” externa ao corpo humano, aparecendo na forma de adoecimentos
psíquicos, ou mesmo adoecimentos físicos, associados a quadros de sofrimento
emocional.
Segundo Nardi (In DUARTE & LEAL, 1998:101), o trabalho tem função
estruturante na sociedade; portanto, conforma a vida dos indivíduos nos seus vários
aspectos, dentre estes ‘os gêneros’, que também se estruturam a partir da divisão sexual e
social do trabalho.
Com a emergência da doença, a luta desses trabalhadores passou a se constituir na tentativa de fuga desta marca, deste etigma social de serem percebidos como doentes no trabalho, incapazes de exercer seus papéis e atributos de homens trabalhadores, tal como inscrito na cultura das classes trabalhadoras e imposto pela ordem social (Nardi,1998. 101p).
Ainda segundo o autor, isto ocorre porque o trabalho adquiriu, em nossa
sociedade, um valor com atributos sacralizados e sacrificiais. O valor moral contido na
categoria trabalho se faz presente através de qualificações como honesto e valoroso em
oposição àqueles que não trabalham, tidos como desonestos e sem valor. O aspecto
sacrificial do trabalho está contido no ato que faz milhares de homens e mulheres
adoecerem e morrerem, submetidos a condições insalubres e perigosas de trabalho. Deste
modo, pode-se inferir que existe certa aceitação do aspecto sacrificial do trabalho,
57 Fragmento de texto elaborado no Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana – Escola
Nacional de Saúde Pública Fundação Oswaldo Cruz. Autor desconhecido.
indicando o esforço para o qual os seres humanos se submetem na luta pela
sobrevivência.
Nardi afirma que:
A vivência do afastamento do trabalho determina sofrimento subjetivo, pois implica sentimentos de impotência, vergonha e isolamento”. Refere que o trabalhador se autoculpabiliza pela doença ou acidente enfrentando sentimento de fracasso individual e que “podemos entender esse sentimento com base na compreensão do rompimento do elemento de identificação ligado ao trabalho no momento do afastamento do empregado pela incapacidade conseqüente ao acidente ou doença. (op.cit. 96p)
No fluxo desta argumentação, citando Baró (apud Silva, 1993:19), Nardi analisa a
“importância do trabalho, na construção da identidade, como núcleo ao redor do qual o
indivíduo desenvolve o significado para a própria vida”.
Nesse sentido o rompimento dos elementos estruturantes da identidade58 de
trabalhador, conseqüência do afastamento por doença ou acidente do trabalho, de alguma
forma é substituídos por uma outra constituição de subjetividade no interior do qual “o lugar
de quem adoece e não trabalha, é a casa e o sentimento de exclusão do grupo é
extremamente marcante” (op.cit. 97)
É interessante notar que nessa relação entre identidade e trabalho, a questão do
gênero se manifesta de modo diferente. No caso específico do programa desenvolvido na
empresa que observamos, os homens trabalhadores não são os únicos participantes,
entretanto os temas abordados durante as atividades não privilegiavam o contexto de
gênero. No entanto, pode-se afirmar que os homens vivenciam, com maior dificuldade, o
retorno para casa, ou seja, a sua identidade está interligada com a sua atividade
profissional. Por outro lado manter as mulheres têm sempre afazeres no âmbito doméstico,
visto que este se constitui, muito das vezes, em espaço significativo na constituição de suas
identidades: o cuidado com os filhos, a organização/administração da casa. A residência é,
no mais das vezes, lugar de refúgio e descanso.
Vale registrar também, que nos dias atuais dispor de tempo para outras atividades
prazerosas, para o repouso descompromissado, etc. é algo raro. Existe quase uma
obrigação dos sujeitos se ocuparem com alguma coisa de forma a não “perder tempo”,
especialmente tempo de produzir. Deste modo a sociedade induz o corpo social a um
estado de alerta continuo que pode levar ao estresse.
58 “A identidade é definida por Costa (1989:83) como produto dos papéis que o indivíduo assume no
desempenho social e, citando Freud, afirma que ela é o amalgama dos afetos e representações que o sujeito experimenta e formula como sendo a natureza do próprio Eu e do Outro. Lembra, no entanto, que essas representações e afetos são transitórios, móveis e múltiplos, mudam conforme a posição que o sujeito ocupa nas relações com os outros, posição constantemente cambiante e permutável”. (p. 96).
Essa natureza de um adoecimento socialmente produzido a partir do trabalho vem
ganhando significado especial em determinadas categorias profissionais, no interior das
quais a política e as relações de poder têm forte expressão. O grau de adoecimento por
patologias associadas ou desencadeadas por estresse vem aumentando e os profissionais
de saúde cada vez mais se voltam para estudar essa problemática, implementando novas
formas de gestão em saúde.
Oliveira afirma que:
As definições concernentes à saúde e à doença podem assumir diferenças marcantes entre os diversos grupos humanos, uma vez que constituem representações culturais e socialmente edificadas. Portanto, a apreensão de suas variadas formas é passo fundamental para, por outro lado, aprofundarmos o debate sobre o modelo assistencial em saúde e, por outro, analisarmos como se estabelece a interação desse sistema com os indivíduos que o utilizam. (aput Duarte &Leal, 1998:93)
Inúmeras vezes a saída encontrada para essa vivência de sofrimento é o retorno à
ocupação. Este passa a ser para os trabalhadores um dos dispositivos possíveis para
resgatarem suas identidades tanto no mundo público quanto no privado.
Considerando que o trabalho ocupa lugar estruturante na sociedade, um dos
desafios consiste em analisar as formas como essas relações sociais são produzidas,
proporcionando aos trabalhadores envolvidos, acesso a informações e a processos de
tomada de consciência, com a potencialidade de produzir o entendimento dos mecanismos
de inserção dos trabalhadores no processo produtivo.
Nesse curso também poderão compreender as formas de adoecer igualmente ao
modelo econômico vigente.
Não há como desconsiderar a presença dos movimentos sociais na defesa dos
interesses dos trabalhadores Estes exercerão papel fundamental no resgate juntos aos
grupos de trabalhadores na reconstituição de suas lutas composta de uma história de
avanços e retrocessos travados por aqueles que vivem do trabalho.
Nessa perspectiva, o assistente social tem um papel importante para o
fortalecimento dos grupos de trabalhadores podendo colaborar no acesso a informações e
a instrumentos de formação da sua consciência social e de seu processo de constituição
subjetiva. É Importante lembrar que, no tempo presente, o campo da cultura tende a
conformar subjetividades subalternizadas. O trabalho profissional com grupos de
empregados pode se constituir em espaço que atue na contra-corrente desta ordem.
Considerações Finais:
Inúmeras vezes a saída encontrada pelo trabalhador para a vivência do sofrimento é o
retorno à sua ocupação. Esta decisão, descolada de uma análise crítica da condição de
trabalhador no sistema capitalista, gera a subalternidade de classe e sua contínua
readequação ao sistema.
É neste contexto híbrido, onde estão presentes valores morais e sacrificiais
socialmente construídos em torno da categoria trabalho, que o trabalhador se vê envolvido.
A condição de trabalhador implica a vivência de inúmeros sofrimentos e de uma a busca
por soluções pessoais para os problemas (físicos e emocionais) inerentes à condição de
desgaste a que estão expostos todos os que têm uma ocupação regular, seja no mercado
formal ou informal.
Programas que envolvam o trabalhador, que permitam a ele refletir sobre a sua
condição de “vendedor de força de trabalho” (seu único bem disponível a ser oferecido ao
mercado) e sobre as conseqüências desse processo, sejam físicas ou emocionais, podem
ser bem mais ricos do que programas focados exclusivamente no percentual de “tempo
perdido”. Estes últimos podem ser interessantes porque resgatam a lógica do potencial
laborativo individual e auxiliam na elevação da auto-estima, estimulando o desenvolvimento
de outras habilidades até então desconhecidas por parte do grupo. Porém, têm uma lógica
de reintegração ao mundo do trabalho sem questionar o potencial de exploração nele
presente.
Acreditamos que ao modificar o foco de atenção, centrando-o no
autoconhecimento da condição de trabalhador (vendedor da força de trabalho), os
participantes do grupo serão estimulados a refletir sobre a sua própria identidade,
passando de uma posição passiva para uma ativo-reflexiva.
Este processo mais significativo será se conectado a campos coletivos –
vinculados a sindicados e/ou movimentos sociais, por exemplo -, através da necessária
valoração dos processos de subjetivação, podendo apresentar fortes e positivos impactos
na vida dos indivíduos. A questão central passa a ser a ênfase nas diferenças, em assumir
a multiplicidade de possibilidades presentes na vida, nas diferentes formas de olhar. Essa
visão recupera a transversalidade para dentro dos grupos de trabalho, possibilitando o
questionamento de conceitos herméticos e a configuração de mudanças, seja no âmbito
pessoal, social ou político.
Acreditamos que o papel do profissional Serviço Social neste contexto é o de
fomentar a participação dos membros do grupo para, num primeiro momento, e
proporcionar-lhes o entendimento da própria condição de trabalhador em suas múltiplas
determinações (dentre as quais o processo saúde-doença). Podendo ter continuidade
através do estímulo ao potencial de mudança existente na trajetória de vida dos sujeitos,
propiciando-lhes a realização de escolhas distintas, sejam elas as afetas ao engajamento
em lutas coletivas e em defesa dos seus interesses, ou nas que digam respeito apenas às
suas trajetórias individualizadas..
BIBLIOGRAFIA
CATALDI, Maria José Giannella. O stress no meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr Editora, 2002.
DIAS, Edmundo Fernandes at all. O outro Gramsci. São Paulo: Ed. Xamã, 1996. DUARTE, Luiz Fernando Dias & LEAL, Ondina Fachel (orgs). “Doença, Sofrimento,
Perturbações: perspectivas etnográficas”. Rio de Janeiro: Fiocruz Editora, 1998
GRAMSCI, A.. O intelectual e o princípio educativo. Caderno 12 Ed: s/d.
_____________ Breves notas sobre Maquiavel. Caderno 13. Ed: s/d.
LAUREL, A. C. & NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste
operário. São Paulo: Hucitec, 1989. NARDI, Henrique Caetano. O ethos masculino e o adoecimento relacionado ao trabalho. In
DUARTE, Luiz Fernando Dias & LEAL, Ondina Fachel (orgs). “Doença, Sofrimento, Perturbações: perspectivas etnográficas”. Rio de Janeiro: Fiocruz Editora, 1998.
OLIVEIRA, Francisco J. Arsego de. Concepções de doença: o que os serviços de saúde
têm a ver com isso? In DUARTE, Luiz Fernando Dias & LEAL, Ondina Fachel (orgs). “Doença, Sofrimento, Perturbações: perspectivas etnográficas”. Rio de Janeiro: Fiocruz Editora, 1998
Reflexões sobre Educação Popular – Coletânea,São Paulo: Cepis, 1996.
S/A A construção do campo da Saúde do Trabalhador: percursos e dilemas. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. s/d.
EDUCAÇÃO POPULAR: NOVAS TRADUÇÕES PARA UM OUTRO TEMPO
HISTÓRICO.
Maria Lídia Souza da Silveira59
A Educação Popular na leitura que vou privilegiar, está associada a um determinado
tipo de ação que se reveste de caráter político, voltado para a busca de constituição de uma
nova forma organizativa da vida social, na contra-corrente de uma outra concepção -
também educativa e política – que trafega na contínua constituição de processos que se
vinculam à adaptação dos trabalhadores ao desenvolvimento capitalista.
A adoção desta concepção supõe a elaboração crítica da organização societária
conformada sob o capital, e, portanto a negação de sua permanência e naturalização.
Perspectiva que portanto instiga, e até mesmo exige, a compreensão de que para além do
que é produzido na ordem da materialidade - num contexto marcado pela contínua
produção de mercadorias e da prevalência da dimensão do plano da imediaticidade - se
reproduz também um conjunto de outras dimensões da vida social.
No interior deste ordem que se faz vigente, para além destas características
essenciais, igualmente merecem ser identificadas e compreendidas construções
ideológicas que produzem marcas e tendem a conformar no plano das subjetivações,
singular ideário, deslocando contradições, estruturando valores, demarcando territórios
de pensamento, interiorizando culpas, ampliando a racionalidade já em curso no sentido
da impossibilidade de serem realizadas mudanças substantivas na vida social. Este
movimento não está dado, e no plano da movimentação das classes é simultaneamente
tensionado, ainda que de forma extremamente frágil, pela presença de um outro campo
antagônico, de classe, o do trabalho.
Este conjunto de elementos, do nosso ponto de vista, acentua a relevância do
entorno social no efetivo atravessamento da totalidade das relações sociais, produzindo na
contemporaneidade referências não apenas rasas nos processos de constituição dos
sujeitos, mas principalmente, gestando circuitos cruéis de indiferença à dor do outro, de
apartamento cada vez mais intenso de um certo compartilhar do sentido de humanidade.
Consubstanciando um pouco mais estes circuitos, merece igualmente destaque as
traduções cínicas que vão sendo elaboradas em torno dos acontecimentos, simbiose de
59 Professora titular aposentada da UFF, professora adjunta da Escola de Serviço Social da UFRJ, doutora em Ciências
Sociais.
violência e espetáculo, num movimento que joga para o escanteio, ridiculariza e
desqualifica, gestos de solidariedade, afeto, sinceridade e compaixão.
Nesse entrelaçamento o campo da cultura tem relevância, sobretudo ao se considerar
esta temática, uma particular idéia força que, invadindo corações e mentes e conformado
sentidos, atua na direção de uma certa impossibilidade de serem realizadas mudanças
substantivas na vida social, seja pela ausência de perspectivas quanto à geração de
alternativas novas, ou ainda, pela contínua propagação do quanto tais mudanças
implicariam em perigo e violência quando intentadas.
Há, portanto, uma subordinação real à lógica mercantil que vai sendo implementada,
direção intelectual e moral constituída, que, embasada na economia, na política e num
determinado campo cultural e ideológico, vai afetar as formas de sociabilidade existentes,
produzindo marcas profundas nos sujeitos individuais e coletivos.
Na construção desta apassivização, vale destacar:
- a inevitabilidade da pobreza frente à lógica mercantil;
- a idéia de que a humanidade só se desenvolve, e portanto os sujeitos humanos, a partir
de suas competências individuais. Assim, não só são culpabilizados os mais pobres, como
estes internalizam a responsabilidade pelo seu fracasso, não percebendo as origens no
próprio sistema capitalista;
- dissemina-se o des-sentido das causas coletivas;
- constrói-se a perspectiva da inexorabilidade do presente e da inexistência de uma
perspectiva de futuro;
- assim, se desqualificam as próprias construções identitárias de resistência e de lutas
sociais;
- conforma-se um disciplinamento social, se fortalece o consenso na ordem, se ampliam os
processos de apassivização e conformismo.
Ainda nesta direção MÉSZÁROS registra o domínio operado pelo capital ao fazer com que
sejam adotadas por cada indivíduo, como suas, as metas de reprodução objetivamente
possíveis do sistema.(p. 44). Afirma ainda:
Em outras palavras, no sentido verdadeiramente amplo do termo educação, trata-se de uma questão de “internalização” pelos indivíduos da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com suas expectativas “adequadas” e as formas de conduta “certas”, mais ou menos explicitamente estipuladas nesse terreno. Enquanto a internalização conseguir fazer o seu bom trabalho, assegurando os parâmetros reprodutivos gerais do sistema do capital, a brutalidade e a violência podem ser re legadas a um segundo plano(embora de modo nenhum sejam permanentemente abandonadas) posto que são modalidades dispendiosas de imposição de valores, como fato aconteceu no decurso do desenvolvimento capitalista moderno. (2005:44)
Nesse itinerário pode-se inferir igualmente que, o projeto societário hoje hegemônico -
ainda que tenha como base essencial a acumulação privada - se reforça através de
hierarquias, normas e legislações legitimadoras de uma igualdade anunciada, ainda que
formal, para a qual se atribuem regulações e disciplinamentos democráticos que irão dar
sustentabilidade legal à desigualdade instituída. E este projeto, o do capital,
majoritariamente é aceito e, mais que isto, internalizado pelos sujeitos. Ao se reproduzir,
assegura também a permanência do modo de produção capitalista, da sociedade
capitalista.
Neste quadro, gostaria de destacar duas questões relevantes:
1) a de que num certo campo da esquerda se faz ainda presente, a subestimação política
e histórica, do lugar da subjetividade na valoração da constituição de sujeitos individuais – e
coletivos - nos processos de transformação histórica.
No rol desta subestimação, uma certa cegueira em decifrar as modificações dos processos
da vida real e da própria subjetivação das classes trabalhadoras de conformismo à ordem.
Acrescido a este fator, vale também ressaltar a ausência de investimentos formativos de
mais longo prazo, numa dimensão de formação humana omnilateral, tal qual formulada por
Antonio Gramsci.
Esta concepção percebe o homem enquanto totalidade harmônica, que é ao mesmo
tempo, natureza, individualidade e sobretudo, relação social. Unidade na diversidade física,
psíquica e social. O que implica na percepção do homem com necessidades materiais,
antenadas às suas possibilidades de crescimento em outras esferas da vida.
A segunda questão diz respeito ao necessário investimento efetivo nesse processo
de subjetivação, a partir da valoração de um certo campo teórico – o marxismo – com
capacidade de auxiliar no desvendamento da sociedade mercantil e das possibilidades de
sua superação.
Educação e educação para um outro projeto
Como pensar a Educação numa sociedade tão profundamente desigual? Como pensar,
de fato, a reflexão e a experiência da igualdade, a partir da noção construída no âmbito do
pensamento liberal, de um sujeito abstrato – ainda que figuradamente branco - desprovido
de classe social, subordinado á lógica mercantil – que, na sua invisibilidade fetichista,
inscreve a grande maioria das classes trabalhadoras num certo “lugar social”, espaço de
subordinação real à forma como a vida social está organizada, a determinar a estes
agrupamentos, escolhas, chances, acessos e pertencimentos absolutamente distintos aos
da minoria que estrutura esta sociabilidade, necessariamente desigual.
Em verdade, a questão educacional no Brasil tem causas estruturais tanto de natureza
sócio-econômica quanto política, compreensíveis a partir do traçado da própria história
brasileira, com a marca do corte de classe que a conforma.
Nos limites deste texto não nos deteremos nos indicadores sociais que vão conformar
esta feição do sistema educacional brasileiro. Apenas reiteramos que este não é um setor
autônomo, tendo íntima conexão com os demais setores que compõem a realidade
nacional e que vão constituir as estruturas sócio-econômicas e políticas da sociedade.
Neste quadro como entender a Educação Popular, do ponto de vista teórico?
1-como um investimento político que constrói um lugar voltado para o processo de
conhecimento da realidade.
2-como espaço que vai possibilitar o transito do senso ao bom senso. Lugar de apropriação
individual e coletiva, no qual está presente uma dimensão ideológica fundamental; a de
compreender a base de estruturação da vida social sob o capitalismo, e da conformação
possível de outras alternativas de organização da vida social, sob outras bases.
3-como espaço das classes trabalhadoras, a conformar um outro NÓS, antagônico ao
hegemônico, este último constituído sob a égide do individualismo, da ausência de
solidariedade, etc.
Portanto, espaço no qual possam ser experimentados novos valores, novos pensares,
numa dimensão de práxis na qual ativamente se busca a elaboração da realidade a partir
de uma perspectiva humano-social.
4-finalmente, um espaço no qual os sujeitos possam exercitar o singular exercício de suas
próprias sínteses, redefinindo e recriando referências de vida, sentidos novos à sua
existência individual e coletiva
Esta concepção de educação supõe, portanto 2 eixos fundamentais:
- uma perspectiva epistemológica, que através da utilização de um método de
conhecimento, possa auxiliar no desvendamento dos conteúdos que estruturam a ordem
vigente, tornando assim compreensíveis a banalização da vida social, a naturalização das
desigualdades sociais, a presença do efêmero e do descartável presidindo as relações, o
sentido utilitário e de curto prazo próprio da sociedade das mercadorias. Compreensão que
supõe a adoção de uma outra perspectiva que perscruta e interroga a realidade, buscando
compreendê-la na sua estruturação, para além de sua aparência.
Esta perspectiva dialética do processo de conhecer entende o real numa dimensão
de não redutibilidade e simplificação.
O segundo eixo desta concepção de educação supõe que a realidade social não está
dada. Ela é processo contínuo de criação, que comporta novas construções, com a
potencialidade de que possa ser tornada diferente, numa dimensão de DEVIR, de um vir-a-
ser outro, radicalmente distinto. Tal recriação da vida social, para além das condições
objetivas, supõe uma outra premissa essencial: a da indispensabilidade dos sujeitos, da
constituição possível de uma vontade coletiva que comporte a criação, a instituição de um
projeto, desejo e busca de materialização de um outro tipo de sociedade. Uma nova
sociabilidade que coloque na ordem do dia, efetivamente, a perspectiva de emancipação
das classes subalternizadas.
Penso que a educação popular é um dos componentes estratégicos essenciais nesta
direção, pois realiza intervenções de forma explícita e deliberada, com capacidade de
transmutar a passividade e a indiferença que a ordem burguesa busca consensuar, em
constituição de sujeitos dotados de personalidade, imersos e parte de uma história da qual
possam fazer parte na qualidade de protagonistas e não peças de uma engrenagem que
determina a sua forma subalterna de participar.
Portanto o desafio que está posto é o do desenvolvimento de práticas educativas e
políticas que exercitem ou tenham no horizonte, este real protagonismo dos sujeitos, o que
supõe como centralidade em termos de seu sentido, a construção de uma contra-
ofensiva ideológica e política à ordem do capital, materializada na constituição de uma
vontade coletiva das classes subalternas, em uma nova hegemonia.
Ora, esta perspectiva navega na contra-corrente da perspectiva vigente na educação,
que vai submeter esta dimensão formativa à capacitação para o trabalho. Trata-se,
logicamente não de uma trabalho que emancipa e humaniza os sujeitos, mas de um
trabalho voltado para servir à sociedade das mercadorias, ao lucro e às classes detentoras
dos bens econômicos e do poder político, mantenedor do reinado do capital.
A questão da relação entre escola e cidadania se inscreve na perspectiva real do
direito dos sujeitos se apropriarem do conhecimento para o direcionarem não apenas às
funções que lhes serão úteis e agradáveis individualmente, mas sobretudo que este tenha
também uma perspectiva de retorno social.
No entanto, como registra Emilio Gennari (1987), se perguntarmos a professores qual
é o objetivo de seu ensino, a resposta tende a ser a seguinte: transformar o aluno em
cidadão. Mas o que é ser cidadão? A resposta muito clara e simples se refere á condição
do indivíduo de gozar direitos civis e políticos de um Estado, ao mesmo tempo em que
igualmente desempenha deveres no seu interior. O autor salienta que “o exercício da
cidadania, portanto, apenas legitima e fortalece uma ordem que estabelece direitos,
normas e limites aos quais cada indivíduo é chamado a se submeter.”(p.14)
A observação de Gennari trafega na perspectiva do reconhecimento de que o
sentido de igualdade socialmente presente é meramente formal – proclamado por esta
concepção vigente de cidadania – que no seu desenvolvimento tende a ocultar e legitimar
as desigualdades sociais presentes na estruturação da sociedade. Em última instância
podemos pensar que esta perspectiva de transformar o aluno em cidadão, termina
reforçando um grau de subsunção á ordem estabelecida, conformada por um caráter
necessariamente excludente forjado no âmbito das relações sociais. Assim, a questão dos
valores que tendem a reproduzir as relações existentes, também permanece obscurecida.
Edmundo Dias (1991) registra o fato de que hoje não há para o indivíduo espaço para
uma cidadania positiva, visto que hoje, os direitos não estão mais associados ao mito da
igualdade da Revolução Francesa; nesse sentido, diz o autor, os direitos não são mais
inerentes mas puramente contingentes e até mesmo descartáveis.(p. 30). Generaliza-se
para o autor, uma cidadania que exclui o conjunto da sociedade, fingindo incluí-la.
Neste contexto vale registrar que ainda que a apreensão de si e do mundo se
apresente aos sujeitos de forma fragmentada, confusa, fatalista, gestada a partir dos
valores hegemônicos, isto não se constituirá empecilho à emergência de outros interesses
individuais e coletivos, outros sentimentos, valores, interpretação diversa da conjuntura ou
ainda de outro projeto societário. No entanto, isso não ocorrerá espontaneamente nem
automaticamente no interior das relações sociais. Supõe um investimento na criação de
espaços coletivos, espaços formativos, instâncias organizativas com enraizamento social,
campo através do qual possa ser exercitado o aprendizado de construção de referências
identificatórias e de diferenciação de classe.A formulação de Antonio Gramsci ajuda a
melhor esclarecer este sentido:
Deve-se insistir sobre o fato, existe realmente uma forte atividade volitiva, uma intervenção direta sobre a “força das coisas”, mas de uma maneira implícita, velada, que se envergonha de si mesma; portanto a consciência é contraditória, carece de unidade crítica, etc. Mas quando o “subalterno” se torna dirigente e responsável pela atividade econômica de massa, o mecanismo revela-se em certo ponto um perigo iminente; opera-se, então, uma revisão de todo o modo de pensar, já que ocorreu uma modificação no modo de ser social. Os limites e o domínio da “força das coisas” são restringidos. Por quê? Porque, no fundo, se o subalterno era ontem uma coisa, hoje não mais o é: tornou-se uma pessoa histórica, um protagonista;(...)
Estes elementos desagregados, incoerentes, não críticos e episódicos que vão
compor a concepção de mundo do conjunto das classes subalternas, consistem no
senso comum, ponto de partida e ao mesmo tempo, produto do devenir histórico. O
movimento de fazer a crítica desta visão de mundo reside num dos elementos
essenciais à conformação dessa subjetividade com a marca da maioridade histórica.
Acrescenta o autor:
O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um ‘conhece-te a ti mesmo’ como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem benefício no inventário. Deve-se fazer, inicialmente, este inventário.(Idem:12)
Nesta mesma direção Emílio Gennari ressalta os distintos impactos produzidos nos
sujeitos, num amálgama de sentimentos não só diversificados mas de natureza distinta.
Assim:
um movimento contraditório entre a coerção imposta pelas necessidades de sobrevivência, que gera no homem-massa sentimentos de impotência, medo, submissão ou até de dívida de gratidão, e a busca constante de espaços de liberdade nos quais seja possível reafirmar a subjetividade dos indivíduos negada pela ordem dominante. (1996:6)
Ressalte-se, portanto, que na dinâmica da vida social, as apreensões dos sujeitos
podem ocorrer de forma diferenciada, ainda que tenham como ponto de partida a
mesma realidade social, o que não significa afirmar nem que estão alienados dessa
realidade, nem que estão cooptados pela racionalidade que a organiza de forma
hegemônica. A presença destes distintos olhares - e lugares -, verdadeiros para cada
sujeito, de per si, introduzem de forma contundente a temática da subjetividade e de sua
importância efetiva, seja nos processos de conhecimento e reconhecimento individual,
seja na gestação de campos coletivos, a agregar componentes culturais, simbólicos, de
partilha com outros sujeitos dos experimentos de solidariedade e conflitos, e a
materialização de ações coletivas.
Assim, retomar este debate de forma mais substantiva sugere a sua inscrição na
agenda educativa e político-formativa dos trabalhadores, componente essencial para
que a perspectiva do devir se coloque como possibilidade.
Encerro esta reflexão com uma pertinente formulação de Antonio Gramsci:
Dou à cultura este significado: exercício do pensamento, aquisição de idéias gerais, hábito de conectar causas e efeitos. Para mim, todos já são cultos, porque todos pensam , todos conectam causas e efeitos. Mas o são empiricamente, não organicamente. E assim sei como a cultura é também um conceito basilar do socialismo, porque integra e concretiza o vago conceito de liberdade de pensamento, assim gostaria também que ele fosse vivificado por outro. Pelo de organização. Organizemos a cultura, assim como buscamos organizar toda a atividade prática. (1978:34)
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