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CAO-Crim
Boletim Criminal Comentado - n° 025
Mário Luiz Sarrubbo Subprocurador-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais
Coordenador do CAO Criminal:
Arthur Pinto de Lemos Júnior
Assessores: Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
1 Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal Comentado – n °025
Outubro 2018
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Sumário
ESTUDOS DO CAOCRIM ............................................................................................................................3
1- TEMA: TRANSAÇÃO PENAL À REVELIA DO MP. IMPOSSIBILIDADE. CORREIÇÃO PARCIAL .............. 3
2- TEMA: CORREIÇÃO PARCIAL- INDEFERIMENTO DO PEDIDO DO MP PARA LOCALIZAR NOVOS
ENDEREÇOS DO RÉU- INVERSÃO TUMULTUÁRIA DO PROCESSO- “ ERROR IN PROCEDENDO” ............ 5
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ..........................................8
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1- Tema: Ação penal originária e momento do interrogatório ......................................................... 8
2- Tema: A não observância do rito procedimental previsto na Lei de Drogas (ausência de notificação
para apresentação de defesa preliminar) gera nulidade relativa ..................................................... 9
DIREITO PENAL:
1- Tema: Tortura-castigo. Art. 1º, II, da Lei n. 9.455/1997. Crime próprio. Agente que ostente posição
de garante. Necessidade ............................................................................................................. 12
2- Tema: Uso de documento falso - Apresentação a agente policial após solicitação ........................ 14
STF/STJ: Notícias de interesse institucional .......................................................................................... 16
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ESTUDOS DO CAOCRIM
1- TEMA: TRANSAÇÃO PENAL À REVELIA DO MP. IMPOSSIBILIDADE. CORREIÇÃO PARCIAL
O art. 76 da Lei 9.099/95 cuida da medida despenalizadora da transação penal. Dentre
diversas alternativas possíveis ao legislador brasileiro, para dar conteúdo ao preceito
constitucional que mencionou “transação penal”, a Lei n. 9.099 preferiu a alternativa que, a
um só tempo, mais se aproximasse do que usualmente informa o próprio exercício da ação
penal pelo Ministério Público e, o mais importante, evitasse o tradicional processo-crime.
Como bem explica Antonio Suxberger, promotor de Justiça do DF, no livro Leis Penais Especiais
Comentadas por artigos (Ed. Juspodivm), o instituto da transação penal, portanto, não
materializa oportunidade no exercício da ação penal pelo Ministério Público. Trata-se de
alternativa que se coloca, nos crimes de menor potencial ofensivo, para se evitar o manejo da
ação penal. Se cabível o benefício, sua oferta é tarefa de rigor a ser realizada pelo Ministério
Público. E, como hipótese de manejo pelo titular da ação penal de solução alternativa ao
processo, considerada a obrigatoriedade dessa atuação, a transação só terá lugar quando
afirmativo o juízo de opinio delicti realizado pelo Ministério Público.
Desse modo, previamente à proposta a que se refere o art. 76, o Ministério Público deverá
certificar-se da análise que sempre se dará diante de notitia criminis: requisitar diligências ou
mesmo a instauração de investigação para melhor informar sua opinio delicti, promover desde
logo o arquivamento do apuratório ou concluir que o caso é de exercício da ação penal e
seguidamente promover os respectivos atos de persecução em juízo.
Tal advertência se mostra relevantíssima porque só caberá a transação penal nos casos que
assim autorizarem o exercício da ação penal pelo Ministério Público. A análise da viabilidade
de exercício da ação penal, portanto, sempre antecede a apreciação a respeito do cabimento
da transação penal. Assim, só se poderá cogitar de transação penal se o caso autorizar o
exercício da própria ação penal.
Muito se discutiu, quando da edição da Lei n. 9.099, a respeito da natureza jurídica do instituto
da transação penal e o critério orientador do juízo no tocante à formulação da proposta. Por
ocasião da apresentação do Projeto de Lei n. 1.480/1999, que originou a Lei do JECRIM, já se
esclarecia que se cuidava de uma “discricionariedade controlada”, também chamada de
“discricionariedade regrada”. Essa compreensão impunha, pois, que a análise do cabimento
do benefício compete, verdadeiramente, ao titular da ação (no caso da ação penal pública, o
Ministério Público).
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No entanto, tal titularidade na aferição do cabimento do benefício não implica que possa ele
decidir sobre a oferta ou não da proposta. Cabe a ele, sim, verificar se o caso autoriza o
exercício da transação penal e, na hipótese de resposta afirmativa, a subsequente oferta do
benefício ao autor do fato é medida de rigor. Logo, a chamada “discricionariedade” não se
confunde com oportunidade. Aplica-se, para a transação penal, a inteligência insculpida na
primeira parte do art. 24 do CPP, que estabelece o seguinte: “Nos crimes de ação pública, esta
será promovida por denúncia do Ministério Público”. No JECRIM, então, a partir de uma
interpretação extensiva do que consta no CPP, tem-se que, nos crimes de ação penal pública,
a transação penal será promovida por oferta de aplicação imediata de pena restritiva de
direitos ou multa pelo Ministério Público.
Entende-se que o manejo da transação penal pelo Ministério Público substancia um
verdadeiro poder-dever, orientado, então, pela obrigatoriedade de sua oferta se o caso assim
autorizar. Tal compreensão nos leva imediatamente à solução cabível em caso de recusa
injustificada de oferta da proposta pelo Ministério Público.
Por ocasião da edição da Lei n. 9.099, alguns autores minoritariamente sustentaram que, por
se tratar de benefício com aptidão de extinguir a punibilidade do fato imputado ao agente
criminoso (autor do fato), a recusa do Ministério Público em ofertar a proposta poderia ser
suprida pela oferta deduzida pelo próprio juiz da causa. Isso se daria porque a transação penal
seria um direito público subjetivo do autor do fato.
Ainda que argumentando pelo cabimento da proposta no caso, não poderá o juiz se sobrepor
à manifestação negativa do Ministério Público e ofertar a proposta de transação penal. Nas
hipóteses de incidência das medidas despenalizadoras, cuja oferta dependa do Ministério
Público (transação penal e sursis processual), a solução para a negativa de proposta pelo
Ministério Público encontra-se na interpretação extensiva do que dispõe o art. 28 do CPP: “[...]
o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas [pelo membro do Ministério
Público], fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este
oferecerá a denúncia [rectius, a proposta de transação penal ou suspensão condicional do
processo, conforme o caso], designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou
insistirá no pedido de arquivamento [rectius, na recusa de oferta da proposta], ao qual só
então estará o juiz obrigado a atender”.
A previsão do art. 28 do CPP, ao estabelecer o modo pela qual se soluciona a desinteligência
ou discordância entre juiz e membro do Ministério Público, no exercício dos atos que sejam
de titularidade deste, resguarda a atuação judicial imparcial e, ao mesmo tempo, assegura
revisibilidade dos atos realizados pelo Ministério Público. O STF, atento a isso, editou o
verbete de súmula n. 696, que, embora se refira expressamente à suspensão condicional do
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processo, tem aplicação igualmente nos casos de discordância quanto ao cabimento da
transação penal. Confira-se a redação do verbete: “Reunidos os pressupostos legais
permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a
propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por
analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”.
Ainda a título ilustrativo, o STF já destacou: “É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal
Federal a respeito da impossibilidade de o Poder Judiciário conceder os benefícios previstos
no art. 76 e 89 da Lei n.º 9.099/95 sem que o titular da ação penal tenha oferecido a proposta”
(Inq 3438, Rel. Min. Rosa Weber, 1.ª Turma, julgado em 11/11/2014, DJe-027 de 10/02/2015).
Logo, a par de se compreender a transação penal como um direito público subjetivo do autor
do fato, não se permite que o juiz, por isso, promova ele próprio a oferta de transação penal.
Deverá, então, remeter os autos ao procurador-geral que, então, promoverá ele próprio a
oferta, designará membro do Ministério Público para fazê-lo em seu nome (longa manus) ou
insistirá na recusa em ofertar a transação penal. Neste último caso, então, estará o juiz
vinculado a essa recusa e o caso será mesmo de se prosseguir na persecução penal com a
oferta da correspondente ação penal.
A concessão do benefício pelo juiz à revelia do MP, desafia correição parcial, instrumento esse
utilizado pelo colega de Praia Grande, Vinicius Rodrigues França, logrando prontamente o
deferimento de liminar. Clique aqui para ter acesso a Petição da Correição Parcial, e aqui aqui
para acessar a Liminar.
2- TEMA: CORREIÇÃO PARCIAL - INDEFERIMENTO DO PEDIDO DO MP PARA LOCALIZAR
NOVOS ENDEREÇOS DO RÉU- INVERSÃO TUMULTUÁRIA DO PROCESSO- “ ERROR IN
PROCEDENDO”
O CAO-CRIM vem percebendo, diante de relatos de colegas de todo o estado, a postura de
alguns magistrados que negam pedido do Ministério Público para expedição de ofícios visando
a localização do réu. O indeferimento, quase sempre, vem fundamentando no sistema
acusatório, concluindo que diligência deveria ser providenciada pelo próprio órgão acusador,
que tem poder de requisição.
A conclusão está equivocada, como a seguir demonstrado.
Vige no processo penal brasileiro o princípio do impulso oficial. Instaurado o processo e
recebida a denúncia, o juiz, destinatário da prova e fiscal das garantias do réu, deve agir no
sentido de viabilizá-las, com a colaboração oportuna do acusador.
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Não pode o magistrado negar o princípio do impulso oficial escudando-se numa concepção
estanque e isolacionista do processo acusatório, entendendo que a localização do réu (para
ser chamado a acompanhar a acusação) não é de sua responsabilidade.
Conforme já decidiu a 16ª. Câmara Criminal do TJ SP, num caso em que o juiz havia negado
pedido do 3º. promotor de Justiça de Vinhedo, Fábio José Moreira dos Santos, relacionado
com a produção de provas:
“É certo que o poder de requisição é garantido aos membros do Ministério Público (...). Por
outro lado, cabe ao magistrado a garantia da celeridade processual prevista no artigo 5º, inciso
LXXVIII, da Constituição Federal, e a observância da regularidade do processo, conforme
disposto no artigo 251 do Código de Processo Penal.
(...)
No mais, cumpre salientar que o sistema acusatório apresenta separação de funções,
distanciando-se do modelo inquisitório no qual ‘as funções de acusar, defender e julgar
encontram-se enfeixadas em uma única pessoa’. Entretanto, tal característica não afasta a
possibilidade de o juiz determinar a produção de provas. Conforme destacado por Gustavo
Badaró, no processo acusatório ‘além de as partes continuarem a ter iniciativa probatória,
também o juiz passou a poder determinar, ex officio, a produção de provas. Em outras
palavras, a atividade probatória deixa de ser monopólio das partes, que passam a compartilha-
la com o juiz (...) Não há um direito das partes a que o convencimento judicial se forme
exclusivamente com base nas provas produzidas por iniciativa delas, e não do juiz.
Desta forma, evidencia-se que o poder de requisição do Ministério Público não impede que o
magistrado promova o impulso oficial do processo e o sistema acusatório não afasta os
poderes instrutórios do juiz” (TJSP, 16ª Câmara de Direito Criminal, MS nº 2064110-
47.2018.8.26.0000, j. 04/2018).
No mesmo sentido vem se posicionando a 15ª. Câmara Criminal do TJ SP:
“Contudo, em que pese a bem elaborada justificativa do M. Juiz a quo, o fato é que o
indeferimento de diligências configura cerceamento da atividade acusatória e prejudica a
busca da verdade real. De rigor anotar que a alegada violação ao direito líquido e certo reside
propriamente na afronta à possibilidade que a lei processual estabelece às partes, incluindo-
se aqui o Ministério Público no polo litigante ativo, de requererem ao juiz os meios de prova
para instrução processual, sendo que ao Magistrado apenas é conferido eventual
possibilidade de indeferimento, de alguns dos meios probatórios indicados pelas partes, como
medida de exceção, se estes meios forem impertinentes ao processo ou irrelevantes à decisão
da causa, que não se apresenta no caso vertente, em relação ao pleito ministerial de conteúdo
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probatório. Demais disso, deve salientar que se afigura mais prudente e lógico, além de dar
maior celeridade ao feito, o deferimento do pedido, a exemplo do que normalmente acontece
nas varas criminais há muito tempo. É certo que o indeferimento judicial de diligência
requerida pelo Ministério Público gera tumulto processual e não pode ser óbice à efetivação
da Justiça com a paralisação do processo por prazo indeterminado” (TJSP, 15ª Câmara de
Direito Criminal, MS nº 2053247-32.2018.8.26.0000, j. 26/04/2018).
De fato, o Poder Judiciário também tem seu papel a desempenhar no processo-crime. Como
é cediço, vige no Processo Penal o princípio do impulso oficial e busca da verdade real. Um se
relacionando com o outro. Afirmando que o processo, por ser acusatório, é da
responsabilidade exclusiva do Ministério Público, o impetrado permite atraso na distribuição
da Justiça sob o amparo de um sofisma.
Há na busca do interesse público e na efetividade da distribuição da Justiça um ponto em
comum na atividade judiciária e ministerial. Não é o processo de natureza acusatória que tem
o condão extraordinário de invalidar toda a sistemática inerente aos princípios do impulso
oficial e da busca da verdade real.
Reconhecer a presença do princípio do impulso oficial e da verdade real significa dizer que o
Juiz não figura como mero espectador da instrução processual, no aguardo da verdade formal
a ser demonstrada pelas partes. Do contrário, deve proceder diretamente de modo a buscar,
de modo incessante, a realidade dos fatos (artigo 157, Código de Processo Penal).
A própria Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, de 08 de setembro de 1941,
dispõe no item VII:
“Por outro lado, o juiz deixará de ser um espectador inerte na produção de provas. Sua
intervenção na atividade processual é permitida, não somente para dirigir a marcha da ação
penal e julgar a final, mas também para ordenar, de ofício, as provas que lhe parecerem úteis
ao esclarecimento da verdade. Para a indagação desta, não estará sujeito a preclusões.
Enquanto não estiver averiguada a matéria da acusação ou da defesa e houver uma fonte de
prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in dúbio pro reo ou o non liquet.”
A localização do réu é, definitivamente, objeto do impulso oficial de responsabilidade judicial.
A negativa do juiz em atender o pedido ministerial desafia correição parcial, instrumento esse
utilizado pelo colega Paulo Henrique Castex. Clique aqui para ter acesso a Correição Parcial
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1- Tema: Ação penal originária e momento do interrogatório
INFORMATIVO 918 STF - PRIMEIRA TURMA
A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) em face de decisão monocrática que determinou o
interrogatório do réu como ato inaugural do processo-crime, conforme previsão do art. 7º (1)
da Lei 8.038/1990.
A agravante aduziu que, em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, o
interrogatório deve ser realizado após o término da instrução processual (AP 988 AgR).
Para o Colegiado, apesar de não haver uma alteração específica do art. 7º da Lei 8.038/1990,
com base no Código de Processo Penal, entende-se que o interrogatório é um ato de defesa,
mais bem exercido depois de toda a instrução, porque há possibilidade do contraditório mais
amplo. Assim, determinou que a instrução processual penal se inicie com a oitiva das
testemunhas arroladas pela acusação.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que manteve a decisão impugnada com base no critério da
especialidade, uma vez que não houve alteração da Lei 8.038/1990 quanto ao momento de o
réu ser interrogado.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM:
Pode-se definir o interrogatório como sendo a resposta dada pelo acusado às perguntas que
lhe são formuladas para esclarecimento do fato delituoso e suas circunstâncias. Seguindo
moderna tendência, o interrogatório do acusado é o último ato da instrução (art. 400 CPP), o
que realça seu caráter de meio de defesa. Nele deverão as partes estar presentes, quando
poderão formular perguntas ao acusado.
Contudo, algumas leis (CPPM e lei de drogas, por exemplo), anteriores à reforma do CPP de
2008, inauguram a instrução com o interrogatório.
Como já destacamos no BOLETIM de setembro (semana 4), a constitucionalidade dessas leis
está sendo copiosamente questionada nos Tribunais Superiores. Com fulcro na natureza do
interrogatório (meio de prova e de defesa), réus pleiteiam que sua oitiva encerre a instrução.
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A tese vingou no STJ, tendo a Corte decidido que, na Lei de Drogas, o interrogatório deve
encerrar a instrução. No STF já tínhamos julgado no mesmo sentido em relação ao CPPM.
Agora, o STF manda observar essa ordem (interrogatório como último ato) nas ações penais
originárias, em detrimento do previsto no art. 7º da Lei 8.038/90.
2- Tema: A não observância do rito procedimental previsto na Lei de Drogas (ausência de
notificação para apresentação de defesa preliminar) gera nulidade relativa.
PESQUISA PRONTA- STJ - Nulidade ou não na inobservância do rito procedimental previsto
no art. 55 da Lei n. 11.343/2006, que prevê a apresentação de defesa preliminar antes do
recebimento da denúncia
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM:
No rito estabelecido pela Lei 11.343/06, o recebimento da denúncia é precedido da
notificação para que o agente apresente sua defesa. É o que dispõe o art. 55:
“Art. 55. Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa
prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.”
Na resposta, o denunciado deve suscitar todas as teses de interesse para sua defesa, inclusive
matérias preliminares ao mérito, sob pena de, não o fazendo neste momento oportuno,
operar-se a preclusão. As matérias podem ser as mais diversas, mas, em especial, deve-se
atentar para o disposto no art. 397 do Código de Processo Penal, que dá ensejo à absolvição
sumária, caso acolhida a respectiva alegação. Assim, nessa oportunidade devem ser agitadas
causas de atipicidade, excludentes de ilicitude, culpabilidade ou punibilidade. A juntada de
documentos que interessem à defesa, bem como do rol das testemunhas (no máximo de
cinco) também ocorre neste momento. Caso a defesa pretenda obter esclarecimentos do
perito, acareações, reconhecimentos a serem produzidos em audiência, é este também o
momento oportuno para que se requeiram essas provas. Em suma: nesta resposta a defesa
deve preparar a atuação que desenvolverá posteriormente, na audiência una de que trata o
artigo 56, a ser realizada caso não tenha sido o acusado absolvido sumariamente.
Nota-se, portanto, que a defesa preliminar é extremamente importante para o exercício pleno
do direito de defesa, não só porque nela podem ser aventadas teses capazes de impedir a
instauração do processo, mas também porque é este o momento em que se traçam as linhas
gerais da atuação defensiva. Não por acaso, o § 3º do mesmo dispositivo estabelece que se a
resposta não for apresentada no prazo o juiz nomeará defensor para oferecê-la em dez dias.
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É uma garantia estabelecida pelo legislador para que o denunciado tenha efetiva
oportunidade de defesa e possa exercer com plenitude todas possibilidades destacadas no
parágrafo anterior.
Ocorre que nem sempre o rito estabelecido na Lei 11.343/06 é seguido. São inúmeras as
situações em que se aplicam as disposições dos artigos 394 e seguintes do CPP, o que provoca
primeiro o recebimento da denúncia para que somente em seguida se efetue a citação a fim
de que a resposta à acusação seja apresentada (arts. 396 e 396-A). Com isso, inverte-se a
ordem estabelecida na lei especial, que – reitere-se – possibilita que a resposta obste a própria
deflagração da ação penal.
Em razão dessa inversão, não são poucos os casos de inconformismo em que réus processados
por tráfico e outros crimes relacionados na Lei 11.343/06 buscam a decretação de nulidade
por cerceamento de defesa. A tese, no entanto, não tem encontrado respaldo na
jurisprudência.
Com efeito, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, tem decidido que o recebimento
da denúncia antes da notificação para a apresentação de defesa preliminar é causa de
nulidade relativa, razão pela qual o prejuízo decorrente da inversão deve ser comprovado e
alegado no momento oportuno:
“Preliminarmente, cabe uma breve explanação acerca da não observação da fase preliminar
ditada pela lei específica. Apesar de não arguido o descumprimento quanto ao previsto no
artigo 55 da Lei nº 11.343/2006, pois não foi dada oportunidade ao acusado para o
oferecimento de resposta à acusação anteriormente ao recebimento da denúncia, anoto não
ter-se configurado nulidade.
Afinal, a defesa foi apresentada e apreciada e a inexistência da fase preliminar não gerou
consequência desfavorável ao acusado que inexistiria em caso de ter-se seguido à risca o rito
especial previsto. Foi garantido o contraditório e a ampla defesa, a defesa preliminar foi
apresentada e apreciada, ainda com a supressão, da fase preliminar ao recebimento da
denúncia outorgada pela Lei nº 11.343/2006.” (Apelação nº 0001418-39.2017.8.26.0628, j.
20/09/2018)
“Muito embora o rito procedimental previsto em lei não tenha sido seguido, não ocorreu
prejuízo a d. Defesa, que apresentou sua resposta à acusação, a qual foi devidamente
analisada pela d. Magistrada, a qual, de forma expressa, afastou a possibilidade de absolvição
sumária (fls. 951), motivo pelo qual não vislumbro prejuízo suportado pela parte e, portanto,
não há que se acolher a nulidade alvitrada.
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Ademais, tratando-se de formalidade procedimental (art. 564, inc. IV, do CPP), a eiva
processual deveria ser alegada no tempo oportuno, ou seja, por ocasião da apresentação da
defesa preliminar, de forma que, não sendo arguida na primeira oportunidade, a nulidade
relativa há de ser considerada sanada, a teor do disposto no artigo 572, inciso I, do Estatuto
Processual Penal.” (Revisão Criminal nº 0028605-97.2016.8.26.0000, j. 02/08/2018)
Esta orientação é reflexo do que vem sendo decidido pelo STJ, que também não atribui
nulidade absoluta à inversão entre a apresentação da defesa e o recebimento da denúncia:
“I – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a não observância do
rito procedimental previsto na Lei de Drogas – ausência de notificação para apresentação de
defesa preliminar, antes do recebimento da denúncia, nos termos do art. 55 da Lei n.
11.343/2006 – gera nulidade relativa. Não demonstrado, com base em elementos concretos,
eventuais prejuízos suportados pela não observância do mencionado rito, não se reconhece a
nulidade.
II – Inviável o reconhecimento de nulidade pelo indeferimento do pedido de reabertura do
prazo para o oferecimento de resposta à acusação, se foram dadas duas oportunidades para
apresentação da referida peça preliminar de defesa, com a renovação de prazos, mas o
advogado do recorrente os deixou transcorrer in albis.
III – Além disso, o defensor constituído continuou a se manifestar nos autos e compareceu aos
demais atos processuais, tendo acompanhado o recorrente nas audiências e, inclusive,
formulado indagações às testemunhas e aos corréus, manifestando-se por escrito em
oportunidades distintas.
IV – Se foi oportunizado ao recorrente o direito de manifestar-se, na forma do art. 396-A do
Código de Processo Penal, por mais de uma vez, no curso da instrução processual, e se as
petições apresentadas pela Defesa foram interpretadas pelo Juízo de 1º grau como estratégia
defensiva de postergar as teses de mérito para o final da instrução, não há qualquer nulidade
a ser reconhecida.” (RHC 94.446/MS, j. 15/05/2018)
Nota-se, portanto, que a simples modificação do momento em que o agente exerce a defesa
não faz presumir a ocorrência de prejuízo. Há nulidade absoluta apenas se, recebida a
denúncia sem a notificação prévia para a apresentação da defesa, também não se garante a
manifestação nos termos que estabelece o Código de Processo Penal (arts. 396 e 396-A).
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DIREITO PENAL:
1- Tema: Tortura-castigo. Art. 1º, II, da Lei n. 9.455/1997. Crime próprio. Agente que ostente
posição de garante. Necessidade.
INFORMATIVO 633 STJ- SEXTA TURMA
Somente pode ser agente ativo do crime de tortura-castigo (art. 1º, II, da Lei n. 9.455/1997)
aquele que detiver outra pessoa sob sua guarda, poder ou autoridade (crime próprio).
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:
A controvérsia está circunscrita ao âmbito de abrangência da expressão guarda, poder ou
autoridade, prevista na figura típica do art. 1º, II, da Lei n. 9.455/1997 (tortura-castigo). De
início, cumpre esclarecer que o conceito de tortura, tomado a partir dos instrumentos de
direito internacional, tem um viés estatal, implicando que o crime só poderia ser praticado
por agente estatal (funcionário público) ou por um particular no exercício de função pública,
consubstanciando, assim, crime próprio. A despeito disso, o legislador pátrio, ao tratar do
tema na Lei n. 9.455/1997, foi além da concepção estabelecida nos instrumentos
internacionais, na medida em que, ao menos no art. 1º, I, ampliou o conceito de tortura para
além da violência perpetrada por servidor público ou por particular que lhe faça as vezes,
dando ao tipo o tratamento de crime comum. A adoção de uma concepção mais ampla do
tipo supracitado, tal como estabelecida na Lei n. 9.455/1997, encontra guarida na Convenção
contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que ao
tratar do conceito de tortura estabeleceu –, em seu art. 1º, II –, que: o presente artigo não
será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação
nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo. Ressalta-se,
porém, que a possibilidade de tipificar a conduta na forma do art. 1º, II, da referida lei (tortura-
castigo), ao contrário da tortura elencada no inciso I, não pode ser perpetrada por qualquer
pessoa, pois a circunstância de que a violência ocorra contra vítima submetida à guarda, poder
ou autoridade, afasta a hipótese de crime comum, firmando a conclusão de que o crime é
próprio. Nítido, pois, que, no referido preceito, há um vínculo preexistente, de natureza
pública, entre o agente ativo e o agente passivo do crime. Logo, o delito até pode ser
perpetrado por um particular, mas ele deve ocupar posição de garante (obrigação de cuidado,
proteção ou vigilância), seja em virtude da lei ou de outra relação jurídica.
PROCESSO: REsp 1.738.264-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, por maioria, julgado em
23/08/2018, DJe 14/09/2018.
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COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Ao contrário do que ocorre em outros países, onde a tortura foi tipificada como um crime
especial, traduzindo-se num comportamento abusivo de poder no trato dos direitos
fundamentais do cidadão, colocando em mira a conduta de funcionários públicos, a Lei
9.455/97, em regra, etiquetou a tortura como delito comum, isto é, pode praticado por
qualquer pessoa (não exigindo qualidade ou condição especial do torturador). Desse modo, o
bem jurídico tutelado, como explicado por Alberto Silva Franco, tem um caráter bifronte, ou
seja, “busca-se a proteção às garantias constitucionais básicas do cidadão não apenas em
relação aos agravos realizados por funcionários públicos, mas também no que tange aos
abusos praticados por qualquer pessoa” (Leis Penais Especiais e sua interpretação
jurisprudencial, RT, p. 3.100).
A lei 9.455/97 não define o que é tortura, mas explicita, desde logo, o que constitui tortura. O
art. 1º. traz, inicialmente, a conduta de constranger alguém com emprego de violência
(agressão física, partindo desde vias de fato, passando por lesão corporal, até chegar ao
homicídio) ou grave ameaça (promessa de mal injusto e grave), causando no torturado
sofrimento físico ou mental.
Como já destacamos, qualquer pessoa pode praticar o crime (delito comum), não exigindo,
igualmente, qualidade especial do sujeito passivo.
O inc. I contém três alíneas, definindo modalidades diferentes de tortura:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa
(tortura-prova).
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa (tortura para a prática de crime).
c) em razão de discriminação racial ou religiosa (tortura discriminatória).
O inciso II do art. 1º. pune a conduta daquele que submete alguém, sob sua guarda, poder ou
autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou
mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo (tortura
castigo).
Esta forma criminosa, ao contrário da anterior, é própria, exigindo qualidade ou condição
especial do agente, qual seja, a presença de uma prévia relação jurídica entre o torturador e
a vítima. O sujeito ativo, aqui, se encontra na posição de garante (pela lei ou outra relação
jurídica), somente podendo praticá-lo quem tem a guarda (de direito ou de fato), vigilância,
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poder (de direito público ou privado) ou autoridade sobre o torturado. É o que acaba de
decidir o STJ no julgado ora comentado.
Igualmente, tem como sujeito passivo pessoa especial (pessoa que acha sob a guarda, de
direito ou de fato, poder ou autoridade do torturador).
Além dos sujeitos, diferencia-se do inciso anterior porque refere a intenso sofrimento físico
ou mental. Esta expressão não pode ser desprezada, pois engloba a ideia de um sofrimento
atroz, martirizante, insuportável, que, no caso concreto, desperta certa dificuldade de
aferição.
O intenso sofrimento físico ou mental, aliás, é o que diferencia este tipo daquele insculpido
no art. 136 do CP.
2- Tema: Uso de documento falso - Apresentação a agente policial após solicitação.
STJ- RECURSO ESPECIAL Nº 1.765.618 - SP
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. REJEIÇÃO DA
DENÚNCIA. ATIPICIDADE. APRESENTAÇÃO A AGENTE POLICIAL APÓS SOLICITAÇÃO.
OCULTAÇÃO DE PASSADO CRIMINOSO. CONDUTA TÍPICA. DENÚNCIA QUE DEVE SER
RECEBIDA. RECURSO PROVIDO.
Inteiro teor da decisão
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM:
A Carteira Nacional de Habilitação é um documento que se presta não só para que o motorista
comprove aptidão para conduzir veículos automotores, mas também para que o cidadão se
identifique em qualquer situação, onde quer que se encontre no território nacional. É o que
dispõe o art. 159 do Código de Trânsito:
“Art. 159. A Carteira Nacional de Habilitação, expedida em modelo único e de acordo com as
especificações do CONTRAN, atendidos os pré-requisitos estabelecidos neste Código, conterá
fotografia, identificação e CPF do condutor, terá fé pública e equivalerá a documento de
identidade em todo o território nacional”.
Uma questão interessante sobre a caracterização do uso de documento falso, especialmente
no que diz respeito à CNH: perfaz-se o crime apenas quando o documento é entregue
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espontaneamente ou é também criminosa a conduta que se dá em decorrência de exigência
da autoridade que efetua fiscalização?
No escólio de Guilherme de Souza Nucci, tais circunstâncias mostram-se irrelevantes:
“Há perfeita possibilidade de configuração do tipo penal quando a exibição de uma carteira
de habilitação falsa, por exemplo, é feita a um policial rodoviário que exige a sua
apresentação, por estar no exercício da sua função fiscalizadora. Assim é a posição majoritária:
‘Reiterada é a jurisprudência desta corte e do STF no sentido de que há crime de uso de
documento falso ainda quando o agente o exibe para a sua identificação em virtude de
exigência por parte de autoridade policial’ (STJ, 5.ª T., REsp 193.210/DF, Rel. José Arnaldo da
Fonseca, j. 20.04.1999, v.u., DJ 24.05.1999, Seção 1, p. 190)”.
E se o agente usa o documento falso para afastar de si a responsabilidade por eventual prática
criminosa, comete o crime do art. 307 do CP?
Parcela da doutrina leciona não existir crime, aplicando-se, no caso, o princípio nemo tenetur
se detegere. Contrariando essa lição, entende a maioria que o comportamento é criminoso,
pois a vantagem mencionada no art. 307 do CP pode representar qualquer utilidade ao
agente. Não bastasse, a autodefesa somente abrange os questionamentos sobre os fatos em
apuração e jamais a identificação do suspeito. Essa posição é copiosamente seguida pelos
Tribunais Superiores:
STF: “O Plenário do Supremo Tribunal Federal (RE RE 640.139-RG, Rel. Min. Dias Toffoli), ao
reconhecer a repercussão geral do tema discutido neste processo, reafirmou a jurisprudência
da Corte no sentido de que ‘o princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da
CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o
intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo
agente (art. 307 do CP)’” (HC 112846/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 01/10/2014).
STJ: “A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que
em situação de alegada autodefesa” (Súmula 522).
Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e
Especiais.
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STF/STJ: Notícias de interesse institucional
Notícias STF
15 de outubro de 2018
1- Ministro nega HC a médica condenada por sequestro, homicídio e ocultação de cadáver em MG
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16 de outubro de 2018
2- Ações penais contra Professora Dorinha (DEM-TO) e Wladimir Costa (SD-PA) são mantidas no STF
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3- 1ª Turma nega recursos de policiais rodoviários demitidos sob acusação de extorsão
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4- Concedida extradição de italiano condenado por exploração sexual
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18 de outubro de 2018
5- Ministro nega trâmite a nova reclamação de mandante de homicídio do marido, ganhador de loteria
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Notícias STJ
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18 de outubro de 2018
6- Mantido depoimento de suposto líder de milícia por videoconferência em sessão do júri
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19 de outubro de 2018
7- Negada liminar a ex-policial do Rio condenado na Operação Gladiador
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8- Segunda Turma reafirma competência do juiz de execuções penais para interditar presídios
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